Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o texto de João Joaquim de Melo Neto Segundo, criador do Banco Palmas, e registro da realização, no referido banco, de evento sobre o projeto ELAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre o texto de João Joaquim de Melo Neto Segundo, criador do Banco Palmas, e registro da realização, no referido banco, de evento sobre o projeto ELAS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2012 - Página 7759
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ELOGIO, BANQUEIRO, CRIAÇÃO, BANCO COMERCIAL, MOTIVO, CONCESSÃO, CREDITOS, POPULAÇÃO, REGIÃO, FATO, AUMENTO, CONSUMO, AMPLIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • ELOGIO, INICIATIVA, BANQUEIRO, PROJETO, ASSISTENCIA SOCIAL, MULHER, ESTADO DO CEARA (CE), OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CONQUISTA (MG), EMANCIPAÇÃO POLITICA, FINANÇAS, APRENDIZAGEM, PROFISSÃO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PROPAGANDA, ANUNCIO, ENCONTRO, ASSUNTO, EMANCIPAÇÃO POLITICA, ECONOMIA, MULHER, PARTICIPAÇÃO, PROGRAMA, BOLSA FAMILIA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Waldemir Moka, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de trazer ao conhecimento das Srªs Senadoras e dos Srs. Senadores o texto que João Joaquim de Melo Neto Segundo, criador do Banco de Palmas, enviou à Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello e a mim.

            Trata-se de iniciativa que considero da maior importância.

            Inicialmente, desejo apresentar um breve histórico do que é uma moeda complementar.

            Esse tipo de moeda foi usado em larga escala, pela primeira vez, por ocasião da Grande Depressão de 1930, que espalhou a miséria profunda entre a maioria das populações americanas e européias, inclusive com reflexos sobre a economia brasileira. A primeira moeda comunitária que se conhece começou numa cidade alemã e se chamava wara. Quem a reinventou foi o dono de uma fábrica de carvão que estava falido e não podia pagar a seus operários. Teve a idéia, então, de chamar todos os operários e dizer-lhes que só poderia pagá-los em carvão. Mas isso se eles usassem um carnê de trinta páginas por um mês antes de receber o carvão, caso fizessem suas compras em alguns estabelecimentos conveniados com a fábrica que também receberiam em carvão: farmácias, padarias, mercadinhos etc. Todos aceitaram e a wara começou a circular, ao invés da moeda oficial.

            O segredo dessa moeda complementar é que se você a circulava uma vez, dobrava o seu poder em relação ao lastro, que era o carvão. Se circulasse cinco vezes, quintuplicava. O projeto deu tão certo que havia várias moedas que circulavam 300 ou 400 vezes, aumentando, assim, o valor do carvão em 300 ou 400 vezes. Não gerava juros e era uma moeda local, portanto, uma medição de escambo lastreado pelo carvão.

            Os operários refizeram sua vida, construíram estradas, pontes, ruas durante o tempo que o wara existiu. Saindo, assim, da miséria.

            Quando o Banco Central da Alemanha soube da moeda que já tinha sido copiada em duas mil comunidades, entrou em pânico e colocou-a na ilegalidade. A miséria voltou imediatamente.

            Uma segunda moeda foi também usada na Áustria. O prefeito de uma pequena cidade só possuía quarenta mil schillings, que era a moeda oficial austríaca, e chamou sua moeda de worgl. Quando o Banco Central austríaco descobriu, também colocou esta moeda e as outras que a haviam copiado com outros nomes na ilegalidade. E, como na Alemanha, a miséria voltou!

            Vários países fizeram a mesma experiência, inclusive os Estados Unidos, que chamou a moeda de stamp scripts. Então, chegou às mãos do Presidente Roosevelt, levada pelo maior economista da época, Irving Fischer, que lhe disse: "Presidente, esta moeda pode acabar com a Grande Depressão em três semanas”, mas Roosevelt entrou em pânico e pôs a moeda na ilegalidade como os outros.

            Já outros países aceitaram a moeda e tiveram suas economias equilibradas, diminuindo a desigualdade social. Inclusive aqui, no Brasil, nós temos, desde 1998, uma experiência formidável com o Banco Palmas, resultante da iniciativa de João Joaquim de Melo Segundo, que iniciou o banco numa sala de 9m², com R$15,00, e hoje esse banco já tem um lastro de R$10 milhões. Ele realizou isso ali, na favela Palmeiras. Ele era o responsável pela Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira/Asmoconp e deu início a um processo de organização de famílias que haviam, a partir de 1973, chegado a essa área de Fortaleza, vindas de despejos realizados na região litorânea da cidade. Os moradores foram construindo espontaneamente seus barracos, dando origem a uma grande favela, sem nenhuma rede de saneamento básico, água tratada, energia elétrica, escola ou outro serviço público.

            A partir de 1981, com a fundação da Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira, deu-se início ao processo de organização das famílias.

            Através de mobilizações populares e de diversas parcerias foi aos poucos construindo esse bairro. Em 1988, conseguiu a implantação de redes de água tratada e energia elétrica. Em 1990, construiu, em parceria com a prefeitura, governo do Estado e a GTZ, através de mutirão, 1700 metros de canal de drenagem e, dois anos após, organizou os moradores por quadras e implantou, junto com o governo do Estado, a rede de esgoto sanitário. O bairro foi urbanizado, tornando-se mais habitável.

            E mais e mais iniciativas aconteceram, inclusive, em janeiro de 1998, com a criação do Banco Palmas, criando uma rede de solidariedade entre produtores e consumidores. O objetivo do Banco é garantir microcréditos para a produção e o consumo local, a juros muito baixos, sem exigência de consultas cadastrais, comprovação de renda ou fiador. Os vizinhos passam a dar a garantia ao tomador do crédito, assumindo se a pessoa é responsável ou não. O Banco começou com apenas 10 clientes a partir de um empréstimo de R$2.000,00 (dois mil reais) contraídos junto a uma ONG local. Hoje o banco possui uma carteira de R$30 mil (trinta mil reais).

            A gestão do banco é feita localmente pela própria Asmoconp e seu quadro de pessoal é majoritariamente voluntário.

            Eis que o conjunto Palmas é hoje conhecido no mundo inteiro. Houve a reconstrução do conjunto Palmeiras com 30 mil habitantes, que era uma favela, transformando-a em um bairro de classe média, e o Banco Central brasileiro reconheceu e estimulou o Banco Palmas, especialmente no tempo do Presidente Lula, e agora com passos durante o Governo da Presidenta Dilma Rousseff. Já há uma linha de crédito no BNDES para lastrear as palmas, e já existem quase cem bancos, incluindo os criados por João Joaquim de Melo e mais outros que não foram criados por ele, inclusive no Rio de Janeiro (Cidade de Deus) e em São Paulo, com todo o estímulo de João Joaquim de Melo.

            Hoje o Conjunto Palmeiras é conhecido pelo mundo inteiro. E cremos que se um grande número dos Municípios brasileiros adotarem moedas com lastro das moedas do Bolsa Família e a Renda Básica de Cidadania, poderemos acabar, em breve, com a extrema pobreza, como a miséria até o fim do Governo Dilma.

            Também desejo registrar que nessa quinta-feira, dia 22 de março, amanhã, será realizado um evento no Banco Palmas, ocasião em que será apresentado um balanço do novo projeto ELAS.

            ELAS é um projeto de Inclusão Sócioprodutiva, financeira e bancária voltado para as mulheres do Bolsa família, iniciado em março de 201, na região do Grande Jangurussu, na periferia sul de Fortaleza-CE com aproximadamente 100.000 habitantes. Coordena o projeto a ONG Instituto Banco Palmas, conforme registra João Joaquim de Melo Neto Segundo, na sua carta à Ministra Tereza Campello; 3.100 mulheres estão hoje sendo atendidas por esse projeto. A filosofia do ELAS parte do principio de que ninguém supera a pobreza sozinho e sem vontade própria. Por isso o projeto desenvolveu uma metodologia de ação integrada que prima pela realização das atividades no território, pela cooperação entre as mulheres, elevação de sua autoestima e emancipação econômica e política.

            Completado o primeiro ano do ELAS, vamos descrever como o projeto funciona e os resultados alcançados no primeiro ano.

            Tudo começa quando as mulheres procuram o Banco Comunitário, no caso, o Banco Palmas, para receber o beneficio do Bolsa Família. Mensalmente realizamos o pagamento de 4.000 Bolsas Família, através de nossa parceria com o correspondente bancário Caixa Aqui. Ao receberem o beneficio, as mulheres são informadas sobre as linhas de crédito que o Banco Comunitário disponibiliza para quem desejar desenvolver uma atividade produtiva. Todas as mulheres, sem exceção, podem acessar o crédito. As que nunca exerceram nenhuma atividade profissional recebem um crédito de somente R$50,00 iniciais e participam de oficinas sobre educação financeira; 1.300 famílias já participaram destas oficinas.

            Quem já desenvolve alguma atividade, por menor que seja, recebe um primeiro crédito que varia de R$150,00 a R$800,00, podendo evoluir até R$15.000,00. O Banco Palmas já realizou 4.200 operações de crédito para as mulheres do Projeto ELAS. Ao receberem o crédito, as mulheres também podem adquirir um microsseguro, formatado especialmente para elas; 2.000 mulheres já adquiriram o Palmas Microsseguro.

            Todas as mulheres que recebem crédito passam a ser acompanhadas por um agente comunitário de inclusão sócioprodutiva. Cabe aos agentes estimular as mulheres a organizarem grupos setoriais de produção solidária. Já temos organizados três grupos setoriais: de culinária, material de limpeza e confecção, sendo este último o que se encontra em estágio mais avançado. Cada integrante do grupo setorial participa, ali mesmo na comunidade, de um curso de capacitação profissional, através de técnicos especializados; 110 mulheres já foram capacitadas.

            Depois do curso, as mulheres que optarem pelo empreendedorismo podem ter acesso a um novo financiamento, para produzirem individualmente ou em grupo, outras vão para o mercado formal de trabalho. Vale destacar que o setorial de confecção articula mais de 60 costureiras do bairro, integrantes da Palma Fashion, que funciona como uma franquia social. Hoje qualquer mulher do Bolsa Família, após fazer o curso de costura, torna-se uma franqueada e pode produzir para a grife solidária. Toda a produção é comercializada em feiras solidárias realizadas na região.

            Destaque especial deve ser dado ao fato de um grupo de 20 mulheres do Bolsa Família formarem o Conselho Gestor do Projeto ELAS. Reúnem-se periodicamente para discutir as ações e participar na tomada de decisão. Esse momento de ouvir os mais pobres e deixar que eles decidam o que é melhor para si tem sido extremamente rico e de grande aprendizado. Foi do Conselho Gestor a decisão de realizar passeios pela cidade. A grande maioria nunca tinha ido a um cinema, a um teatro ou sequer conheciam o mar. Realizamos cinco passeios com mais de 150 mulheres que entraram pela primeira vez em um teatro, assistiram a um espetáculo no planetário, visitaram o Centro Cultural Dragão do Mar, conheceram outros grupos de produção. Essa caminhada pelo "outro mundo" é uma ferramenta extremamente importante para inclusão dos mais pobres. A miséria coloca "algemas" na mente das pessoas que não as permitem ver além do que as rodeiam. Não as permitem sonhar. Quebrar essas algemas é o primeiro passo para a emancipação dessas mulheres.

            O êxito alcançado pelo ELAS se dá principalmente pelo fato de todas as ações acontecerem no próprio território, de forma integrada, em horários e circunstâncias adaptadas às condições de vida das mulheres. Na sua grande maioria são mães solteiras, arrimo de família, com história de violência doméstica e vítimas do patriarcado, consumidas pelas obrigações da casa e pela proteção dos filhos.

            O ELAS tem nos mostrado que a participação das mulheres nas reuniões, oficinas e cursos e o desejo de superar a própria miséria é bem mais efetivo quando as oportunidades (recebimento do Bolsa família, crédito, capacitação profissional, feiras, formação cidadã, acompanhamento social) acontecem de forma simultânea, perto do local de moradia, num ambiente de convivência entre iguais.

            Será ainda mais fantástico quando estiverem...

            O SR. PRESIDENTE (Waldemir Moka. Bloco/PMDB - MS) - Senador, por favor, vou conceder-lhe mais dois minutos para que conclua. Já lhe concedi quatro, mas concederei mais dois minutos para que V. Exª conclua.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-- SP) - Tentarei fazê-lo em um minuto.

            Mais sucesso ainda haverá quando for implantada a renda básica de cidadania incondicional para todos.

            Mas diz João Joaquim de Melo:

            Pretendemos, até o final de 2013, alcançar com o ELAS todas as mulheres do Bolsa Família da Regional VI de Fortaleza, a mais pobre da capital do Ceará, com 360 mil habitantes. Para isso precisamos aumentar nossas parcerias e nossos recursos.

            Fica aqui o convite para o programa Brasil Sem Miséria vir conhecer o projeto, por meio da Ministra Tereza Campello. S. Exª é aguardada amanhã. Infelizmente, não poderei estar aí presente, prezado João Joaquim de Melo Neto Segundo, pois tenho obrigações aqui no Senado. Espero em breve estar aí.

            Quero saudar o II Encontro pela Emancipação Socioprodutiva, Financeira e Bancária das Mulheres do Bolsa Família que se realizará amanhã, aí, no bairro Palmeira, em Fortaleza. Aqui coloco, em anexo, o anúncio do evento que amanhã receberá a Ministra Tereza Campello e espero que, em breve, também, a Presidenta Dilma Rousseff.

            Muito obrigado pela tolerância, Presidente Waldemir Moka.

            Achei que era um projeto tão bonito que merecia esse entusiasmo e um relato mais completo possível.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210 inciso I e § 2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- II Encontro pela Emancipação Socioprodutiva, Financeira e Bancária das Mulheres do Bolsa Família ASMOCONP


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2012 - Página 7759