07/06/2021 - 5ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 5ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente do Senado da República.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública em atenção ao Requerimento nº 12, de 2021, de autoria deste Presidente e do Senador Fabiano Contarato, com o objetivo de debater a importância da alimentação saudável e os modelos possíveis para uma agricultura sustentável.
Só um minutinho. Está pulando muito. (Pausa.)
A audiência é parte das atividades da Campanha Junho Verde, instituída pela Resolução do Senado Federal nº 14, de 25 de setembro de 2020, para promover a conscientização da sociedade sobre a importância da preservação dos recursos naturais e do meio ambiente. No calendário deste mês teremos ainda, no dia 14, o lançamento do Fórum da Geração Ecológica; na semana do dia 21, audiência pública proposta pelo Senador Fabiano Contarato para debater a poluição por plásticos descartáveis e seus impactos; e, no dia 30, o webinário "Transição Justa: Estratégias para uma Recuperação Sustentável", em parceria com a Cepal.
No último sábado, Dia Mundial do Meio Ambiente, as torres do nosso Congresso Nacional receberam uma linda projeção para evidenciar a importância da data e o quanto precisamos trabalhar para garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, nos exatos termos do art. 225 da Constituição. Quero agradecer a toda a minha equipe, à equipe da 3ª Secretaria, a todas as entidades que participaram, contribuindo para que esse evento fosse possível. E eu acho que pelo menos conseguimos, mesmo sendo um sábado, marcar presença, com a veiculação em vários meios de comunicação, televisivos inclusive, da nossa iniciativa - que não é nossa, repito, é uma parceria que foi feita com várias entidades da sociedade civil.
Estarão conosco no debate de hoje o Sr. Rafael Zavala, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil; a Sra. Paula Johns, representando a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável; a Sra. Thalita Antony de Souza Lima, Gerente-Geral de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária; o Sr. Paulo Petersen, do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia; o Sr. Airton Luiz Rubenich, Diretor da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita Ltda. (Coopan); e a Sra. Bela Gil, mestre em Ciências Gastronômicas pela Universidade do Slow Food na Itália, bacharel em Nutrição pela Hunter College, chef de cozinha natural pelo Natural Gourmet Institute, Vice-Presidente do Instituto Brasil Orgânico, ativista, escritora e apresentadora.
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Esta reunião ocorre de modo exclusivamente remoto, por meio do sistema de videoconferência adotado pelo Senado.
Após as exposições iniciais, será dada a palavra aos Srs. Senadores inscritos. Aqueles que desejarem fazer uso da palavra devem solicitar sua inscrição por meio da função "levantar a mão" no aplicativo ou registrando seu pedido no bate-papo da ferramenta.
Solicito à Secretaria que, neste momento, abaixe todas as mãos, silencie os microfones e monitore as inscrições.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-Cidadania na internet, em senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800-612211.
O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Para sua exposição inicial, cada convidado terá a palavra por até 20 minutos. Caso opte por usar material de apoio já enviado à Secretaria, a progressão deve ser solicitada ao final de cada tela.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Senadores, para fazerem suas perguntas ou comentários em até cinco minutos.
Eu quero dizer que esta audiência já foi fruto de uma reunião que nós tivemos com a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, e, como hoje é o Dia Internacional da Segurança Alimentar, evidentemente nós fizemos questão de colocar neste dia esta audiência.
Eu creio que, para ganhar tempo, é dispensável enumerar quais são as necessidades e desafios que nós temos para uma agricultura sustentável, com a expectativa de 10 bilhões de humanos se alimentando já no ano de 2050. Portanto, os desafios são grandes.
Nós vivemos um momento em que o mundo inteiro, eu diria, dá uma guinada verde, seja na economia, seja na produção de alimentos, seja, na verdade, na concepção e na consciência de que a nossa casa maior, o planeta Terra, pede socorro e grita contra os maus-tratos que nós temos, como humanos, destinado a ele.
Eu quero voltar a insistir que não é verdadeira, mas falsa a dicotomia entre desenvolvimento e preservação. Temos inúmeros exemplos. Só nessa área de produção de alimentos eu poderia citar a Holanda, com muita tecnologia, produzindo em menos espaço, com menos consumo de água, e outras experiências e, particularmente, a questão da agroecologia e da agricultura familiar, que eu tenho absoluta convicção de que tem um lugar de destaque nesses anos vindouros, exatamente por ela se capacitar a produzir mais organicamente, com menos defensivos e com maior qualidade nutricional nos seus alimentos.
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Então, em função disso, eu quero agradecer primeiro a todos os expositores, que se dispuseram a estar contribuindo conosco neste Junho Verde e nesse tema cujo dia mundial é exatamente o dia de hoje, para, eu diria, os próprios Senadores e para a população em geral que pode nos acompanhar aumentarem a sua consciência em relação à questão da alimentação saudável e da nutrição, até porque, apesar de termos há poucos anos saído do Mapa da Fome, infelizmente o Brasil voltou a figurar no Mapa da Fome, exatamente com a quebra das redes sociais de proteção que nós tínhamos feito, em particular para toda a estrutura que estava montada na questão de segurança alimentar, que foi toda desfeita pelo atual Governo.
Então, para ganharmos tempo, eu queria passar ao primeiro expositor, Sr. Rafael Zavala.
Com a palavra o Sr. Rafael Zavala, que é o representante da FAO no Brasil.
O SR. RAFAEL ZAVALA - Obrigado...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu só queria antecipar, me perdoe: é que houve um contratempo com a minha passagem de avião e eu tenho que estar em Brasília, então eu fiz questão de fazer essa abertura, agradecer a todos vocês, e a sequência da reunião será dirigida pelo Vice-Presidente da CMA, Senador Confúcio Moura, para que eu possa chegar a Brasília. Se eu chegar ainda em tempo, pego o final da reunião.
Sr. Rafael Zavala, com a palavra.
O SR. RAFAEL ZAVALA - Obrigado ao Senador e boa viagem.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado.
O SR. RAFAEL ZAVALA (Para expor.) - Boa tarde a todas as pessoas que acompanham esta reunião da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal.
Gostaria de agradecer o convite aos Senadores Jaques Wagner e Fabiano Contarato e estendo o meu agradecimento ao Vice-Presidente desta Comissão, Senador Confúcio Moura.
Na última edição do Sofi, que é o relatório da FAO e de outros agentes das Nações Unidas sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, estima-se que quase 690 milhões de pessoas passaram fome no mundo em 2019, um aumento de 10 milhões de pessoas de 2018 e de quase 60 milhões em cinco anos. Só na América Latina e no Caribe, quase 47 milhões de pessoas passaram fome em 2019. Sem dúvida, a situação corre o risco de piorar ainda mais com os efeitos da crise alimentar em decorrência da Covid-19, que ameaça gerar insegurança alimentar em populações vulneráveis desde antes da pandemia.
Eu gostaria de promover três reflexões: uma sobre a produção de alimentos no Brasil; outra sobre o consumo de alimentos no Brasil; e outra mais sobre as perdas e desperdícios dos alimentos.
Na maioria dos países da América Latina, há a predominância de populações vivendo em cidades grandes, com populações entre 1 e 3 milhões de habitantes, e também nas megacidades, que têm mais de 3 milhões de pessoas. Essa é uma realidade da América Latina, mas isso não acontece no Brasil. Por aqui, 66% das pessoas vivem em cidades pequenas ou médias: são cerca de 2 mil cidades com populações entre 20 mil e 500 mil habitantes e apenas 35 Municípios com populações entre 500 mil e 1 milhão de habitantes. Nessas 2 mil cidades é fundamental encontrar o equilíbrio entre o urbano e o rural para evitar a migração do campo para a cidade, que pode colocar em risco a estabilidade no caso.
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Um fator estratégico nessas cidades é a presença de sistemas agroalimentares de circuitos curtos, que, com baixa pegada de carbono e enfatizando a inclusão da agricultura familiar e dos processos de agregação de valor, podem gerar esse equilíbrio e, ademais, gerar sustentabilidade. Com isso, o objetivo é gerar empregos dignos, alcançando a estabilidade, o desenvolvimento local e a redução da migração aos núcleos urbanos, que, por vezes, acaba sendo a opção dos mais jovens. Também é necessário garantir a conectividade e eliminar a exclusão digital, que muitas vezes acontece nas zonas rurais e reduzem o acesso à informação e outras possibilidades de melhora de vida.
Essa foi a reflexão da produção. Vamos à reflexão do consumo.
Com relação ao consumo de alimentos, o Brasil tem uma infraestrutura institucional muito robusta. No entanto, ainda falta reforçar esquemas de governança, sobretudo nessas 2 mil cidades que são pequenas e médias, para alcançar uma alimentação saudável e a segurança alimentar em todas as famílias. O pós-pandemia é um contexto muito pertinente para reforçar essas entidades de governança. É preciso avaliar as experiências já realizadas, como as dos conselhos de segurança alimentar, e detectar o que funcionou bem e o que deve mudar.
Está clara a necessidade de uma participação ativa da sociedade civil em termos de alimentação saudável no Brasil. Os guias alimentares do Ministério da Saúde e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) do Ministério da Educação são pilares fundamentais para alcançar uma boa governança em segurança alimentar.
O Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar) é um grande exemplo de política pública, e a experiência brasileira é uma das melhores do mundo. Trata-se de uma política pública ampla que vai muito além da distribuição da merenda escolar. Considera-se uma política ampla, porque são políticas públicas nas quais, além de distribuir alimentos saudáveis nas escolas, promove-se a inclusão econômica por meio da compra pública da agricultura familiar, a inclusão econômica por meio da geração de emprego para a preparação dos alimentos, a inclusão social pela participação dos pais e das comunidades, e também a geração de empregos, como eu dizia, principalmente para as mulheres na preparação dos alimentos. Através do preparo de alimentos, também são promovidos sistemas alimentares de circuito curto com baixa pegada de carbono e se promove também a identidade territorial através do consumo de alimentos locais, e, como visto em alguns casos nesta pandemia, a resiliência da comunidade é fortalecida, mantendo a estabilidade do abastecimento de alimentos nos territórios da América Latina e do Caribe.
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Devido às mudanças climáticas e à pandemia da Covid-19, vimos um aumento significativo na quantidade da população em condições de insegurança alimentar severa, existindo pessoas com fome. O Brasil já mostrou ao mundo como combater a fome de maneira efetiva, e, agora, é o momento de reagir, para tornar efetivo, outra vez, o direito humano à alimentação saudável no País.
Finalmente, quero fazer a reflexão sobre as perdas e desperdícios de alimentos. Na América Latina e no Caribe, 11,6% dos alimentos são perdidos anualmente. Isso equivale a 220 milhões de toneladas de alimentos e a uma estimativa econômica de US$150 bilhões. Além disso, cerca de 30% das emissões globais de carbono são atribuíveis ao sistema alimentar. A pegada de carbono deixada pela perda e desperdício de alimentos é de uma quantidade de 3,3 gigatoneladas de dióxido de carbono, o que se traduz em 8% das emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. No processo de produção dos alimentos que são perdidos ou desperdiçados se utiliza 1,4 bilhão de hectares, o que equivale a 30% da superfície agrícola no mundo. E os números continuam: o uso de recursos atribuíveis a alimentos perdidos ou desperdiçados chega a 250 quilômetros cúbicos, o que representa 6% da extração total de água mundial. Precisamos mudar nossa cultura de consumo e de como lidar com os alimentos, além de práticas agrícolas e pecuárias sustentáveis que nos permitam atender a crescente demanda por alimentos, reduzindo drasticamente o desperdício e as perdas globais.
Eu acho, nessas três grandes questões - produção, consumo e consumo dentro da realidade brasileira, nas 2 mil cidades pequenas e médias, com circuitos curtos, uma melhor produção e uma diminuição de perdas e desperdícios - vamos estar mais perto de uma agricultura e de um consumo sustentável.
Muito obrigado, Senadores, Senadoras, companheiros. Gracias! Desculpas pelo meu portunhol.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Sem problema.
Bom, eu queria - ao tempo em que vou ter que me despedir, para ir para o aeroporto - convidar a Sra. Paula Johns, da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, para fazer o uso também da palavra, por até 20 minutos.
Aí, eu já peço ao Senador Fabiano Contarato ou ao Senador Confúcio Moura, para que possam... O Confúcio já assumiu, mas, se houver qualquer problema, que o Contarato possa assumir.
Obrigado, mais uma vez, a todos e boa reunião! Eu vou encontrá-los, talvez, lá em Brasília.
Paula Johns, com a palavra.
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A SRA. PAULA JOHNS (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas. É sempre um prazer estar aqui discutindo esse tema da alimentação saudável.
Vou me apresentar brevemente. Eu até, depois, vou compartilhar uma apresentação - eu não vou compartilhar agora porque não deu tempo de ela ficar totalmente pronta -, para documentar os dados, algumas reflexões que eu vou trazer.
Não poderia concordar mais com o Senador Jaques Wagner com relação a que não há uma dicotomia entre o que é bom para a saúde, o que é bom para a economia, o que é bom para o meio ambiente. Eu acho que é muito importante começar trazendo isso à tona, não é?
E acho que é muito pertinente a gente falar de alimentação saudável no âmbito da Comissão de Meio Ambiente. Eu acho que esse é um tema central, haja vista também vários dos retrocessos que estão acontecendo na área do meio ambiente - porque a gente está um pouco retrocedendo em várias áreas, no sentido de que a gente sabe que a gente precisa preservar o meio ambiente, a gente precisa de um modelo de agricultura sustentável diferente do que a gente tem hoje, a gente precisa enfrentar as nossas contradições, sempre lembrando do enorme potencial que o Brasil tem de produzir alimentos de base sustentável que façam bem para a saúde das pessoas, do Planeta, da economia, e conseguindo fazer uma distribuição maior, inclusive, de renda.
Então, existem, sim, os mecanismos. Eles existem, e a gente sabe que o Brasil... A gente conseguiu tirar o Brasil do mapa da fome por uma série de políticas públicas que foram adotadas, e lamentavelmente a gente vive nesta situação que eu diria que é imoral - não é? -, porque a gente está convivendo aí com o Brasil se vendendo como celeiro do mundo, inclusive nas discussões que estão acontecendo em relação à Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, se vendendo como um grande produtor, na verdade, de commodities, ao mesmo tempo em que tem praticamente 20 milhões da população literalmente passando fome - passando fome; eu acho que a gente tem que repetir isto: passando fome! - e mais de 100 milhões em situação de insegurança alimentar.
Então, esse é um tema... A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável tem dez temas de atuação que passam por todos esses elementos que estão diretamente conectados com os nossos sistemas alimentares. O sistema alimentar hegemônico não está alimentando a nossa população e ele também está poluindo o nosso Planeta. Existe até uma imagem de que eu gosto muito, pensando assim nos desafios que a gente tem diante de nós, que são algumas ondas. Você tem o colapso da biodiversidade como uma onda gigantesca; você tem a questão das mudanças climáticas como uma outra onda gigantesca; e você tem as outras ondas menores, que são até pequenas diante dessa onda estrutural maior, que é a da recessão e da onda da questão da pandemia que a gente está enfrentando agora. Todas essas questões estruturais de fundo foram expostas e exacerbadas com a pandemia da Covid, mas não que elas não existissem antes.
Então, acho que isso aqui a gente pode tratar como uma grande oportunidade de a gente ver quais são os caminhos necessários para a gente lidar e enfrentar as nossas próprias contradições. A gente tem muitas contradições dentro do Brasil, e a gente tem que reconhecer que a gente é um dos países mais desiguais do mundo; e isso é dado por conta de escolhas que são feitas; isso não é uma coisa que é dada por uma situação natural irreversível.
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Existem soluções para a gente lidar com essas desigualdades, que passam por essas mudanças estruturais. E aí você tem elementos dessa política para provocar essas mudanças estruturais que passam por várias pontas. Uma é - não vou nem me atrever a falar, porque eu estou vendo aqui que, entre os convidados, a gente tem o Paulo Petersen, acho que há pessoas que vão falar muito melhor disso - quais as políticas públicas necessárias que você precisa no campo de uma agricultura mais sustentável e que comporte modelos mais sustentáveis. Eu vou falar mais da agenda regulatória, que é a que cabe a mim aqui, enquanto a ACT Promoção da Saúde, que é a organização que eu represento, é uma das organizações que compõe a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que é um coletivo mais amplo.
Entre os dez itens da agenda, a gente tem alguns itens que a gente chama de uma agenda regulatória. Para a gente conseguir dar conta de minimizar algumas dessas distorções estruturais, a gente precisa de algumas políticas nas seguintes áreas. Uma é na questão da tributação daquilo que não faz bem à saúde. Quando a gente fala o tema tributação - acho que é um tema quase tabu -, eu acho que é relevante a gente trazer esse tema aqui para o âmbito do Senado, uma vez que estamos ensaiando discussões sobre a reforma tributária. Eu acho que a questão da tributação dialoga não só com a pauta ambiental, mas com a pauta da saúde e com a pauta da justiça social. A gente tem defendido uma reforma tributária 3S, que seja solidária, saudável e sustentável, porque, de novo, a forma como a gente tributa são escolhas que a gente faz, e essas escolhas vão ou diminuir ou aumentar essas desigualdades e essas questões estruturais que a gente tem no Brasil e, no caso, hoje, elas aumentam.
Então, a questão da tributação... Quando a gente fala em tributação no campo da alimentação, a gente está falando de tributar de forma majorada somente os produtos que fazem mal à saúde, porque, às vezes, a gente ouve assim: "Nossa, você quer tributar alimentos?". Não, eu não quero tributar comida de verdade, muito pelo contrário. A gente quer tributar os alimentos que fazem mal à saúde para que a gente consiga diminuir essas assimetrias até na própria concorrência de mercado em que você tem muito mais acessível alimentos que são absolutamente nocivos à saúde. Não existe nenhuma dúvida em relação a isso do ponto de vista das evidências em relação à saúde como, por exemplo, os refrigerantes, que é uma categoria de produtos em que não há dúvida de que é uma categoria, eu diria, equivalente ao que o cigarro foi em termos de regulação, porque são produtos absolutamente supérfluos. E eles não só são artificialmente baratos por conta de não serem tributados de uma forma adequada, como o Brasil, inclusive, subsidia a produção dessa categoria de produtos que são altamente nocivos à saúde, ou seja, a gente precisa acabar com esse tipo de subsídio.
Outro tema importante, do ponto de vista da regulação, é em relação à rotulagem. Vejo que a Anvisa está aqui, passou anos debruçada na elaboração de uma norma de rotulagem frontal que ficasse mais clara para o consumidor poder fazer escolhas, mas com base em informações claras e transparentes. Do ponto de vista da saúde, a gente sempre gostaria que fosse melhor do que é, mas é um passo numa direção importante. E você também tem toda a questão do ambiente escolar, da alimentação em ambientes institucionais, aqui vou falar um pouco da alimentação escolar.
Inclusive, estão acontecendo coisas em relação ao Pnae que são bem complexas, a gente precisa dar conta delas. Inclusive, está vindo para o Senado um projeto de lei que tramitou na Câmara e que destrói vários dos princípios básicos do Pnae, que é o da compra de alimentação local, com 30% de garantia de compra também da agricultura familiar e também da agricultura orgânica, enfim.
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E há várias questões do Pnae que estão sendo... É como se o Pnae estivesse sendo jogado, como uma bolinha sendo jogada em jogos de interesses pelos quais se faz reserva de mercado para determinados mercados. E essa é uma lógica que contradiz muito os princípios do Pnae com relação a um programa que vá garantir o direito à alimentação adequada e saudável. Então, este é outro dos temas, os ambientes institucionais, a escola.
Outro tema importantíssimo, quando a gente fala de alimentação saudável, é em relação ao marketing: de que forma a gente está promovendo esses produtos nocivos à saúde? A gente precisa regular isso, principalmente junto ao público infantil, que acaba sendo mais afetado, mais vulnerável a esse tipo de publicidade enganosa desses produtos que, por sua vez, são artificialmente baratos.
E, no cenário atual de crise que a gente está vivendo - eu tinha até pensado aqui -, tem-se uma concentração de poder em relação a alguns setores, como, por exemplo, no campo da produção de alimentos: as 70 maiores empresas tiveram aumento, entre 2019 e 2020, da expansão do PIB do faturamento dessa categoria da indústria de alimentos - lembrando que não é essa a categoria de alimentos que a gente defende como alimentação promotora da saúde -, um aumento de faturamento de 12,8%, enquanto que a expansão do PIB geral foi de 0,5%. Ou seja, quando a gente fala de questões estruturais, a gente está falando deste tipo de coisa: de que forma a produção está se concentrando cada vez mais, gerando uma situação em que, como já foi colocado anteriormente, a gente vive um modelo hoje de produção e consumo em que se está consumindo 1,6% do nosso Planeta? Além disso, estamos profundamente adoecidos com as doenças crônicas não transmissíveis - ao lado aí, agora, deste desafio da Covid -, que matam 70% da população e são responsáveis por uma qualidade de vida piorada. Não é só sobre a questão de morrer, é sobre como a gente está vivendo, convivendo com essas doenças crônicas. O diabetes, por exemplo, que é uma doença evitável, tem números absurdos em relação a novos casos, por ano, no Brasil: são mais de 80 mil casos atribuíveis somente ao consumo de bebidas açucaradas, ultraprocessadas - as bebidas adoçadas ultraprocessadas.
Então, tem-se uma série de desafios que podem ser enfrentados se a gente avançar com essa agenda regulatória, em que se encontra bastante resistência. E eu diria que essa resistência tem uma razão óbvia - eu acho que não se trata aqui de colocar as pessoas no lugar de bandido ou de mocinho -: trata-se de uma concentração de mercado nas mãos de poucos setores que têm um lucro acima da média com a venda daqueles produtos e que precisam vender mais daqueles produtos pela própria lógica de mercado que faz com que se permita que isto aconteça, com a falta de limites às formas em que se é possível, hoje, colocar produtos no mercado sem pagar as externalidades que eles geram na sociedade.
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Então, a gente precisa olhar com cuidado - eu acho que o Legislativo tem um papel fundamental nisso - para essas externalidades, para a gente conseguir encontrar as fórmulas de dar conta delas. E a gente tem essas fórmulas. Então, a gente precisa fomentar alianças, inclusive políticas, no sentido de a gente enfrentar esses obstáculos que a gente tem para garantir uma alimentação adequada e saudável para todos e todas.
E é isso por agora.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Paula Johns, representante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, pela sua belíssima apresentação.
Eu passo a palavra, a seguir, a Thalita Antony de Souza Lima, Gerente de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
A SRA. THALITA ANTONY DE SOUZA LIMA (Para expor.) - Olá, muito boa tarde!
Primeiramente, eu gostaria de agradecer o convite feito à Anvisa para que participássemos deste debate.
Eu vou tentar fazer um compartilhamento de tela. Deixe-me ver se aqui é possível. (Pausa.)
Acho que vocês já estão visualizando.
Bom, primeiro de tudo, eu acho que já foi comentado pelo Senador Jaques Wagner o dia importante que estamos vivendo hoje, em que estamos comemorando aqui o Dia Mundial da Segurança dos Alimentos, que temos como mote neste ano, que é o terceiro ano de comemoração deste dia, a discussão relacionada aos alimentos seguros hoje, agora, para um amanhã saudável. Convido a todos para fazermos uma reflexão sobre a inocuidade dos alimentos e como todos podemos fazer ações que incentivem a adoção e a proteção da segurança dos alimentos.
Bom, acho que, como primeiro ponto de debate, temos que os alimentos seguros são essenciais para a promoção da saúde. Isso está sendo trazido pelos demais participantes desta audiência. E essa alimentação segura e nutritiva também é essencial para o desenvolvimento dos países. Também já foi dito pelo Senador que não existe uma dicotomia nesse ponto. E a própria proteção da segurança, da inocuidade dos alimentos, contribui para esse desenvolvimento.
Nós temos ainda muitos desafios pela frente. Isso também já foi colocado aqui pelo Dr. Rafael. Cerca de 420 mil pessoas morrem e 600 milhões de pessoas adoecem, todos os anos, pelo consumo de alimentos contaminados.
Hoje, no dia mundial, nós tivemos um evento organizado pela FAO, pela OMS, pelo Codex Alimentarius, e foi muito discutida a importância da segurança de alimentos para a segurança alimentar. Então, a Anvisa, como agência reguladora, tem um papel muito importante na garantia da segurança desses alimentos, para que seja evitado o consumo desses alimentos contaminados. E também temos essa dicotomia de quase 821 milhões de pessoas, cerca de uma pessoa em cada nove, que são vítimas da fome. Então, é outro ponto que foi trazido aqui a respeito do desperdício de alimentos.
Temos aí sentencionados o tempo todo as discussões sobre os produtos inovadores, as novas tecnologias. Então, vivemos um momento muito disruptivo. Ainda estamos lidando com paradoxos, com problemas antigos e, de outro lado, somos tensionados, cada vez mais, com novas tecnologias e produtos inovadores, que, inclusive, se propõem a trazer algumas soluções para esse problema que estamos enfrentando em relação à fome, ao desperdício, à contaminação de alimentos.
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Temos aí novas tecnologias de engenharia genética, proteínas alternativas, consumo de insetos, alimentos personalizados. Então, o órgão regulador tem-se deparado com esse debate, com essa evolução. Estamos nos organizando para responder e participando ativamente dessas discussões que têm acontecido.
Eu trago aqui um trecho do relatório da FAO na 1ª Conferência Internacional, que aconteceu em 2019, que coloca muito claramente que os desafios globais de hoje são justamente a transformação da forma como produzimos, comercializamos, consumimos e pensamos sobre os alimentos. E estamos justamente vivendo esse momento de disrupção, esse momento disruptivo. Nós precisamos cada vez mais refletir sobre esse novo modelo de produção e de consumo.
Também há um documento muito interessante do Fórum Econômico Mundial, que fez um desenho de cenários sobre o futuro dos sistemas alimentares. Fica muito clara a importância de haver medidas imediatas, coordenadas, com uma liderança responsiva e responsável entre todos os atores e setores da sociedade.
Esses sistemas alimentares precisam almejar as quatro características para que a gente consiga alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável. Esse sistema precisa ser eficiente - precisa ser um sistema que consuma os recursos de uma forma eficiente, de uma forma responsável -; precisa ser inclusivo; precisa ser sustentável, e precisa ser nutritivo e saudável. Então, temos aí várias vertentes para que a gente consiga evoluir para que haja esse sistema alimentar que inclua e que seja eficiente para todos.
Também já foi comentado aqui a respeito da cúpula que vai acontecer em setembro deste ano e que está sendo organizada pela ONU. No Brasil, estamos tendo alguns diálogos, e algumas videoconferências já aconteceram com a participação de diversos atores. É importante, sim, que o Brasil acompanhe essas discussões.
Nós temos aí as cinco linhas de ações que estão sendo discutidas na cúpula e que conversam diretamente com o tema desta audiência: a necessidade da garantia do acesso à alimentação saudável, segura e sustentável para todos; os padrões de consumo que precisam também ser saudáveis e sustentáveis; a produção em escala de alimentos que sejam positivos para a natureza; a promoção do sustento e a distribuição de valor equitativa; e a construção de resiliência contra vulnerabilidades, choques e tensões.
Então, a cúpula é mais uma das ações que visa contribuir para que os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável sejam alcançados nessa agenda de 2030. E é importante, no Brasil, que a Anvisa também acompanhe essas discussões para que o Brasil também lidere esse diálogo.
Bom, entrando mais propriamente dito no papel da Anvisa nesse contexto, nós temos aqui uma interface muito grande também com o Ministério da Agricultura. O controle sanitário de alimentos, da segurança de alimentos é um controle compartilhado entre a saúde e a agricultura. A agricultura é responsável pela aprovação e regulação dos produtos de origem animal, produtos de origem vegetal e as bebidas. A saúde acaba tendo um foco maior na proteção da saúde do consumidor e uma regulação mais propriamente dita nos alimentos que são embalados, nos alimentos industrializados. E atuamos aí nas diversas etapas dessa cadeia produtiva, tentando garantir a segurança desse alimento e, assim, de certa forma, contribuindo para a segurança alimentar.
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A Anvisa atua em coordenação com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, com as vigilâncias estaduais, municipais, nessa abordagem sistêmica da cadeia produtiva, que vai desde o campo à mesa. Então, fazemos desde os licenciamentos de estabelecimentos até regularização de produtos, seja por meio de registro - algumas categorias de alimentos ainda não são registradas -, seja pelo monitoramento e fiscalização dessas atividades, seja pela comunicação de risco, seja pela regulação. Temos aí uma agenda regulatória bastante intensa.
A área de alimentos da Anvisa, historicamente, sempre teve uma demanda muito grande. Temos no arcabouço o maior estoque regulatório da Anvisa. Então, precisamos sempre atuar para que a gente tenha uma regulação moderna, que contribua para proteger cada vez mais a saúde desse consumidor. Fazemos a regulamentação da rotulagem do padrão de identidade/qualidade/produtos e também a avaliação da segurança dessas novas tecnologias, dessas inovações que vêm surgindo.
Bom, neste cenário regulatório, a discussão precisa ser, principalmente, pautada numa informação qualificada. A discussão regulatória precisa ser pautada nas evidências, na transparência e no diálogo.
Nós temos aí a Lei de Acesso à Informação, que tenciona muito e que claramente cobra, como deve cobrar, a atuação clara, transparente e participativa dos órgãos, mas também dos atores que participam deste debate. Então, eu sempre coloco isto como um ponto importante para a reflexão de todos que participam deste debate regulatório com a Anvisa, seja setor produtivo, seja sociedade civil, seja academia: a importância de que as evidências que sustentam o debate regulatório estejam muito claras, disponíveis e transparentes. Além disso, temos também sendo estabelecidas a obrigatoriedade por diversos meios, pela Lei da Liberdade Econômica, pulicada em 2019; pela Lei das Agências, também de 2019; pelo Decreto 10.411, de 2020; e, recentemente, pela portaria da Anvisa, publicada este ano, da obrigatoriedade de uma análise de impacto regulatório.
Então, a definição clara do problema que a gente está enfrentando, da melhor alternativa e dessa abordagem mais apropriada precisa agora, obrigatoriamente (Falha no áudio.) ... já vinha sendo feito pela Anvisa, pelas agências reguladoras, qual era o modus operandi dessa atuação regulatória. Aqui, eu gostaria de destacar dois pontos, principalmente dois processos regulatórios que foram concluídos mais recentemente e que têm relação com a pauta que estamos discutindo aqui hoje, relacionada à alimentação saudável. A primeira delas é a Resolução 332, que foi publicada no final de 2019, no dia 23 de dezembro, e que definiu os requisitos para o uso da gordura trans industrial em alimentos. Foi uma resolução que buscou uma convergência com as práticas que diversos países do mundo já estão adotando, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, inclusive o prazo para que essa redução do consumo dos ácidos graxos trans pela população seja alcançada.
Então, nós temos os objetivos dessa intervenção da Anvisa, que é reduzir o consumo, então, dessa substância, que, claramente, é nociva para a saúde, tem seus impactos, traz problemas, doenças cardiovasculares. E as medidas de intervenção que vinham sendo adotadas não foram suficientes para garantir a proteção da saúde. Então, foi necessário a gente adotar medidas mais restritivas para o uso dessa substância.
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Então, há os objetivos também de: eliminar os ácidos graxos trans industriais dos alimentos, oriundos dos óleos e gorduras parcialmente hidrogenados, restringindo o teor dos ácidos graxos trans industriais, oriundos do tratamento térmico dos óleos, que acaba acontecendo naturalmente no processamento desses produtos; garantir o acesso dos consumidores a informações claras e precisas - isso é um ponto importante que acaba sendo trazido nos debates regulatórios da Anvisa e só transparece também a importância do consumidor como tendo esse discernimento nas próprias discussões dos objetivos do desenvolvimento sustentável; e garantir o acesso desse consumidor tanto à informação sobre a presença dos ingredientes fontes quanto sobre as quantidades dos ácidos graxos trans nos alimentos.
Então, a gente tem aí, a partir do dia 1º de julho já, bastante próximo, a primeira proibição - a gente tem uma norma escalonada. Então, a partir do dia 1º de julho, a quantidade de gorduras trans industriais nos óleos refinados não vai poder exceder 2%, 2g por 100g de gordura total. Os produtos fabricados até o dia 30 de junho vão poder ser comercializados até o final do prazo de validade - uma transição que a gente já costuma fazer em todas as normas -, mas já temos uma proibição valendo aí, menos de um mês para entrar em vigor.
Teremos também uma medida intermediária, entre 1º de julho de 2021 a 1º de janeiro de 2023, de que a quantidade de gorduras trans industriais não pode exceder a 2% de gordura total dos alimentos destinados ao consumidor final e dos alimentos para o serviço de alimentação. E, a partir do dia 1º de janeiro de 2023, temos uma proibição mais ostensiva do uso dos óleos e gorduras parcialmente hidrogenados na cadeia de alimentos - esses óleos e gorduras que, sabidamente, trazem prejuízos à saúde. E esses prazos convergem com as datas limites também que foram colocadas pela Organização Mundial da Saúde.
Outro ponto também, comentado rapidamente pela palestrante Paula, foi a respeito da publicação dos regulamentos de rotulagem nutricional. Em 2020, a RDC 429 e a Instrução Normativa 75 tiveram como objetivo facilitar a compreensão das informações nutricionais presentes nos rótulos dos alimentos, a fim de auxiliar o consumidor a realizar suas escolhas alimentares de forma mais consciente.
Então, vamos ter mudanças importantes no rótulo dos alimentos. A primeira delas é relacionada à informação nutricional. Foram feitas muitas melhorias na legibilidade das informações nutricionais. O rótulo, obrigatoriamente, vai ter um fundo branco com letras pretas, isso vai permitir que o consumidor consiga enxergar mais claramente essa informação. Foi incluída a obrigatoriedade de outros nutrientes na lista de declaração obrigatória, como os açúcares totais e adicionados, nutrientes que têm um papel muito relevante para a saúde e que não eram obrigatórios de serem declarados na tabela. A informação precisa agora também ser declarada por 100g, isso vai facilitar o consumidor comparar a informação nutricional de diferentes alimentos. E há várias revisões relacionadas ao cálculo, ao percentual dos valores diários e ao tamanho das porções, garantindo uma (Falha no áudio.) ... mais fidedigna para o consumidor. E também vai encontrar na rotulagem frontal, no painel principal dos alimentos, o destaque caso esses alimentos tenham alto teor de sódio, de açúcar adicionado ou de gordura saturada. Então, a conclusão do processo regulatório foi relacionada ao símbolo - a gente fala da lupa -, com esse destaque também em preto e branco, garantindo uma excelente visualização para o consumidor, o que vai trazer claramente para ele a informação quando o alimento tiver alto teor desses nutrientes que são considerados críticos para o desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis. Então, a gente também está no prazo de experimentação desses regulamentos. Temos em 9 de outubro de 2022 o encerramento desse prazo de adequação.
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Bom, esses eram os pontos principais que gostaria de apresentar e fico também à disposição aqui para responder às perguntas.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito bem. Muito agradecido à Dra. Thalita Antony de Souza Lima, que fez uma exposição maravilhosa sobre o papel da regulação sobre os alimentos, mais naturais possíveis.
E eu passo, a seguir, a palavra para o Dr. Paulo Petersen, que é do Núcleo Executivo de Articulação de Agroecologia (ANA).
Com a palavra V. Sa.
O SR. PAULO PETERSEN (Para expor.) - Obrigado, Senador Confúcio.
Boa tarde a todos e todas!
Agradeço, primeiramente, o convite para estar aqui compartilhando algumas ideias e parabenizo a iniciativa desta Comissão. Não é trivial que, numa semana de meio ambiente, esteja se discutindo sistemas alimentares.
Então, eu começo por aí, exatamente fazendo um gancho com o que o Senador Jaques Wagner, logo no início, disse a respeito da existência do que ele chamou de uma falsa dicotomia entre preservação e desenvolvimento. Na verdade, deveria ser uma falsa dicotomia, mas, infelizmente, nós concebemos nossas instituições como se desenvolvimento fosse antítese de meio ambiente e vice-versa, conservação ambiental seja antítese da possibilidade de economias. E quando a gente fala em sistemas alimentares, a gente está falando em sistemas que ocupam a maior parte dos ecossistemas, a maior parte do nosso território. Uma parcela significativa do nosso território e do Planeta é ocupada por ecossistemas agrícolas ou agroecossistemas, como nós falamos na agroecologia. E a gestão desses agroecossistemas está cada vez mais danosa ao meio ambiente. Então, a lógica de organização social e técnica e econômica dos sistemas alimentares cada vez mais está gerando efeitos perniciosos sobre a ecologia mesmo dos sistemas agrícolas, para falar do ponto de vista simplesmente da produção.
Na agroecologia, eu faço parte, então, da Articulação Nacional de Agroecologia, que a gente define como uma espécie de rede de redes, de movimentos, organizações, envolve também a academia, a Associação Brasileira de Agroecologia, envolvida na construção da agroecologia, na prática, a partir dos territórios e no Brasil inteiro. O Brasil, inclusive, se destaca no mundo inteiro como um país protagonista na agenda da agroecologia, tanto na prática, que é uma prática disseminada, mas muito pouco visível, quanto na ciência da agroecologia, quanto no movimento social em defesa da agroecologia. Então, a gente sempre diz que a agroecologia combina de forma articulada estes três entendimentos: é uma prática, é uma ciência e é um movimento, um movimento que busca exatamente, como disse a Paula antes, a reestruturação dos sistemas alimentares. Não se trata de falar da criação de algumas novas cadeias de produções orgânicas ou livre de agrotóxicos e de transgênicos, é mais do que isso - é isso, mas vai além disso -, é uma reestruturação dos sistemas alimentares.
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Então, a agroecologia surge exatamente a partir de uma constatação e de uma visão de que os sistemas alimentares estão exatamente na centralidade de uma série de desafios de civilização que nós podemos até sintetizar na pauta dos objetivos do desenvolvimento sustentável, que são: climáticos, ecológicos, sociais, econômicos, relações de poder, institucionais, violência contra as mulheres. Tudo isso, toda essa agenda é uma agenda que tem que ser entendida de forma única, e não como várias caixinhas, em que cada objetivo desse e suas metas são atingidos através de medidas específicas.
A reestruturação dos sistemas alimentares toca na agenda dos ODS inteira e não simplesmente no ODS 2, relacionado à fome e à desnutrição, toca no combate à pobreza, nas mudanças climáticas e por aí vai - não vou entrar em detalhe nesse debate por falta de tempo.
Quando se fala em transição ecológica justa, é a agroecologia como um enfoque de transformação dos sistemas alimentares. Por que reestruturação? Exatamente pela constatação de que os sistemas alimentares há não muito tempo atrás - podemos botar algumas poucas décadas - foram se desconectando das dinâmicas dos ecossistemas e da dinâmica da sociedade mesmo. Cada vez mais, a gente costuma falar de desterritorialização: não tem mais vínculo com os territórios, não tem mais vínculo com a cultura, não tem mais vínculo com as dinâmicas dos ecossistemas. Então, nós produzimos alimentos ou commodities aqui e mandamos para o outro lado do mundo e, ao mesmo tempo, nós estamos importando aquilo que consumimos; ou seja, os territórios perdem a soberania e a decisão sobre aquilo que vão produzir, como vão produzir, o que vão consumir, como vão processar e como vão distribuir, é a chamada desterritorialização dos sistemas alimentares.
Na agroecologia, nós precisamos reterritorializar, ou seja, aproximar a produção do consumo, em que a gente revitalize as culturas alimentares, em que a economia e a ecologia dos sistemas alimentares não se coloquem como uma dicotomia, mas a economia fortalecendo a ecologia e vice-versa. Trabalhar junto com a natureza e não contra a natureza, que é o que fazem os sistemas alimentares hoje.
A produção agrícola está sempre correndo contra os efeitos negativos que as próprias novas tecnologias vão gerando. Então, o agrotóxico nada mais é do que uma corrida contra a natureza. A gente vai sempre precisar de mais agrotóxicos enquanto a gente continuar fazendo a agricultura da forma como nós fazemos, com grandes monoculturas cada vez maiores, mais extensas, monoculturas, cada vez maiores, mais extensas, monoculturas que desempregam, que não geram alimentação saudável e que fazem com que a nossa agricultura, cada vez mais, seja uma agricultura sem agricultores e sem agricultoras, uma agricultura totalmente vinculada a grandes cadeias de commodities e comandada pelo capital financeiro. Então, falar em reestruturação dos sistemas alimentares significa exatamente ter que desconcentrar. Quando a Paula dá muita ênfase na questão das grandes corporações, eu acho que aí está o ponto central em que nós deveríamos tocar neste debate. Se nós, de fato, quisermos ter sistemas alimentares justos e sustentáveis, nós temos que discutir quem hoje comanda as políticas públicas nos países. Cada vez mais os Governos têm menos poder de controle. Cada vez mais esse controle é feito de fora para dentro, através dos acordos internacionais. Cada vez mais as agendas de desenvolvimento científico e tecnológico são controladas também por essas corporações. Nós vamos desenvolvendo tecnologias que não nos servem, a serviço exatamente de aumentar a escala desse tipo de lógica. Semana passada, comemorou-se com grande júbilo o aumento do PIB brasileiro, mas, se nós formos analisar mais detidamente, desde a década de 50 nós não tínhamos as commodities em primeiro lugar na geração do PIB. Pela primeira vez desde a década de 50 nós estamos voltando, estamos reprimarizando a economia brasileira, e uma reprimarização com base no agronegócio, na grande mineração, que é altamente destrutiva. Nós não temos a menor condição de pensar numa agenda de 2050 de alimentar a população se nós seguirmos nesse caminho.
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Sempre nos perguntam na agroecologia: "Mas a agroecologia é capaz de alimentar a população crescente?" Antes de responder essa questão, nós precisamos já de cara afirmar: precisamos discutir, primeiro, em que condições. Agora, uma coisa nós sabemos: o agronegócio não alimentará. Não alimentará porque já não alimenta, já não alimenta - não é em 2050 -, só que nós não teremos três condições básicas para a permanência do agronegócio do jeito que ele se organiza hoje: clima estável, água abundante e petróleo barato. São três condições absolutamente necessárias para o agronegócio continuar existindo. Essas condições não existirão mais. Então, nós precisamos, ao mesmo tempo, de sistemas agrícolas que independam de petróleo, que cada vez mais trabalhem com fotossíntese, biodiversidade, economia da água e, ao mesmo tempo, sistemas que regenerem as condições ecológicas da produção. Isso é como o representante da FAO falou: são necessárias cadeias curtas, circuitos curtos de comercialização, políticas públicas que encurtem o caminho entre a produção e o consumo e pensar a lógica de territórios. Falar em agroecologia é falar em desenvolvimento territorial, um desenvolvimento em que os sistemas alimentares geram empregos, agrícolas e não agrícolas, empoderam as mulheres e dão visibilidade para o papel que as mulheres têm nos sistemas alimentares. E esse é um dos grandes problemas dos sistemas dominantes: mais uma vez, eles invisibilizam o papel importante que as mulheres desempenham.
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Só para ter um dado importante, a maior parte dos problemas de insegurança alimentar no Brasil e fome, no Brasil e no mundo, isso está exatamente nas áreas rurais. Quem deveria estar produzindo alimentos são os mais vulneráveis.
Então, o que acontece? O Brasil foi o primeiro país do mundo a ter uma política nacional de agroecologia e produção orgânica. O primeiro país. E muito foi desenvolvido em termos de políticas públicas no Brasil. O PNAE, que já foi citado aqui, política de aquisição de alimentos, políticas de Ater, de pesquisa... Nós temos, em várias universidades no Brasil, em unidades da Embrapa, nós temos a agroecologia em desenvolvimento no Brasil. É um capital já construído e que está em franca destruição neste momento, em termos de políticas públicas e do papel que o Estado tem que desempenhar na regulação dos sistemas agroalimentares.
Evidentemente, para transitar nesse caminho, a gente precisa, como já disse a Paula, de um conjunto de políticas públicas na área de regulação, na área de tributação, na área de redistribuição, mas nós, quando discutimos a Política Nacional de Agroecologia, nós colocamos uma questão chave: num país como o Brasil, o acesso democrático aos bens naturais é uma condição básica. A concentração fundiária no Brasil é obscena! Não há a menor possibilidade de se fazer a agroecologia se não houver acesso seguro à terra, à água e à biodiversidade.
Então, nós dizíamos que uma política de agroecologia tem que ter como princípio número um dispositivo que já está na Constituição brasileira, que é a função social e ambiental da terra, e o direito humano à alimentação adequada e saudável. Isso não se conseguirá por novas tecnologias via mercados, que é a discussão que se está fazendo hoje na cúpula da ONU, para terminar minha fala.
A cúpula está, hoje, completamente capturada pelos interesses das corporações, para falar em bom português. E as corporações têm toda uma narrativa que se confunde muito com tudo o que a gente está dizendo aqui: sustentabilidade, justiça... Mas as chamadas falsas soluções, que são as soluções por mais tecnologia, mais controle sobre a natureza, via mercados. Não é com esse tipo de solução que nós conseguiremos enfrentar estruturalmente o problema colocado por sistemas agroalimentares. Ou a gente reestrutura as relações de poder mesmo, restitui aos territórios, ao Governo e à sociedade civil um papel de regulador dos sistemas alimentares, esvaziando o poder imperial que hoje as grandes corporações exercem no mundo inteiro sobre o que se produz, como se produz, como se distribui e como se consome...
Então, essa é a perspectiva da agroecologia para esse debate.
Obrigado!
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito agradecido ao Paulo Petersen.
Passo a palavra, logo a seguir, ao Sr. Airton Luiz Rubenich, Diretor da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita Ltda., Coopan.
Pode usar da palavra.
O SR. AIRTON LUIZ RUBENICH (Para expor.) - Boa tarde a todos!
Boa tarde e obrigado, Senador!
Boa tarde a todos que estão no debate e que estão nos ouvindo!
Quero agradecer pelo convite, em nome de toda a Cooperativa Coopan, por estar presente neste debate.
Eu vou um pouco... No meu caso, eu vou apresentar um pouco a experiência prática que a gente vive aqui. Então, você deve notar que a gente está aqui no interior, no campo, e apresentando daqui a fala.
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Eu vou tentar compartilhar, ver se eu consigo compartilhar a tela, para um pouco ilustrar algumas imagens daqui. A gente vai falar um pouco apresentando a cooperativa, como é que ela se organiza aqui e a produção que a gente tem aqui do arroz orgânico, tanto aqui da cooperativa como a da região, mostrando um pouco como é viável a gente produzir numa escala um pouco maior já um alimento mais saudável.
Então, a cooperativa fica localizada em Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, um assentamento. Deixa só eu me achar um pouco...
Aqui dá para ter uma ideia visual um pouco do que representa essa cooperativa, que é uma cooperativa diferente, em que toda a produção é coletiva. Então, as famílias são oriundas de um assentamento aqui da reforma agrária perto da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Inicialmente, são 29 famílias que são assentadas e que não têm a divisão do lote. O lote é de 20 hectares e é tudo de forma coletiva essa organização. E aí, as famílias com seus filhos e toda a família são consideradas como sócios. Então, hoje nós estamos com 80 sócios e mais 40 famílias porque os jovens já foram formando famílias e agregando à produção.
E, assim, só para vocês terem um pouco a ideia do que a cooperativa trabalha como um todo. Trabalha na questão do arroz, a cadeia do arroz, tanto na produção da lavoura, que não aparece porque é uma área maior, o beneficiamento desse arroz, a produção de suínos, um abatedouro. Vai ter um abatedouro novo com agroindústria, já quase pronto.
Aí, as atividades mais quase de subsistência, que são as vacas de leite, a padaria para subsistência e o centro social, onde também fica a área social da cooperativa para lazer e, enfim, para suprir essa parte. Então, aqui, como eu já falei, as linhas de produção que a gente produz aqui.
E eu vou falar um pouco do arroz, que é o produto que a gente mais produz aqui e de forma orgânica. O arroz hoje, por exemplo, alimenta metade da população mundial. Ele é cultivado em todo o mundo. Em torno de 160 milhões de hectares na superfície da Terra, 730 milhões de toneladas são produzidas em casca.
Então, o Brasil é um dos maiores produtores de arroz da América Latina. O Rio Grande do Sul é o que mais produz, principalmente sistema irrigado, que a gente produz aqui. E aqui eu vou começar a falar um pouco dessa produção agroecológica do arroz.
Aqui não é só da cooperativa aqui que eu vou falar um pouco também. Nós temos na região uma articulação com outros assentamentos para se organizar essa produção.
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Isso envolve em torno de 389 famílias, divididas em 58 grupos de produção, 11 Municípios, 12 assentamentos. E são produzidos em torno de 12,5 milhões de quilos de arroz agroecológico em casca. Então, aqui na cooperativa, vou apresentar um pouco mais o que é produzido aqui. Desse total, a cooperativa aqui produz em torno de 1 milhão de quilos de arroz, entre agulhinha e cateto.
O que é importante aqui, que foi toda a discussão, que avançou um pouco também - depois vou falar de outros itens também, porque eu acho que ajuda a avançar na produção, que não é só o manejo da agricultura - é a questão da cadeia, porque isso é muito importante. A gente conseguiu avançar aqui na região, e a própria cooperativa, em função de nós termos o domínio de toda a cadeia, desde a colheita, a secagem, a armazenagem, o beneficiamento, o estoque e a venda. E aí, isso também ajuda a agregar mais valor.
E quando a gente fala em agroecologia, sempre há aquela briga: bom, na economia, isso vai resolver o problema da família também? Como é que vai se sustentar? Então, essa parte do beneficiamento e da estocagem do próprio produto exerce um papel muito importante nessa questão da cadeia do arroz orgânico.
Então aqui, para vocês verem um pouco só, umas fotos da produção na lavoura, porque, assim, a gente também enfrentou bastantes questões de crítica ou questionamentos, a questão da agroecologia, sobre o uso de máquinas. Só que é uma contradição, por um lado, mas por outro lado, não há como fugir do uso dessa tecnologia, em função da realidade, inclusive do trabalho penoso que é no campo. Então, se não se usar um pouco essa questão da tecnologia, com as máquinas, a produção também fica patinando e não avança.
Então, aqui um pouco para mostrar a indústria que nós conseguimos implantar. Fomos construindo aos poucos. Recebimento, secagem, beneficiamento, que aqui envolve também bastante a mão de obra dos jovens. Eu acho que isso é um outro fator que a gente também quer comentar um pouco nessa questão da agroecologia, da produção, que não fica só a questão do produto em si, há todo um envolvimento social, da família. Nesse caso, esse tipo de organização, e como há a linha completa, proporciona e agrega mais mão de obra familiar, dos jovens, das mulheres, que estão ali no setor de embalagem. Então isso é outro fator muito importante.
Só para mostrar um pouco os produtos que a gente tem. Outro fator é o destino dos subprodutos na questão do beneficiamento, por exemplo, a casca. Então a gente a usa para compostagem, para as camas, no nosso caso, de suínos, mas em alguns casos, de aviário, substratos para floricultura, mistura da ração animal, e a secagem. Ela serve como energia para a secagem do arroz e caldeiras. E a própria cinza a gente aproveita, joga de volta, faz compostagem e vai de volta para o solo, que é para completar um pouco o ciclo, aproveitar na própria lavoura.
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Aqui um pouco da questão dos farelos, da casca, do farelo do arroz e de um outro arroz vermelho que vem junto. A gente também tem os destinos, a maioria aqui na propriedade. O farelo e o arroz quebrado servem de ração na produção de suínos. Então, grande parte do alimento dos suínos produzidos aqui, eles são alimentados com os resíduos, vamos dizer com os subprodutos do arroz.
Então, como é que o MST se tornou um dos maiores produtores da América Latina, reconhecido inclusive pelo Irga, que é o Instituto Rio Grandense do Arroz, aqui no Rio Grande do Sul? A gente começou essa discussão em 1998, 1999, por aí. Como na região metropolitana há vários assentamentos, várias pessoas estavam dispostas a fazer uma produção orgânica. Essas famílias com os representantes se articularam, com a motivação do MST, para organizar essa alternativa de produção. Então, a motivação para isso é ser uma alternativa ao agronegócio e também em função do envenenamento. Nós tivemos um caso, inclusive de um trabalhador nosso, sócio, que se envenenou, na época, e foi parar no hospital. E isso também foi um dos fatores que ajudou na motivação para nós cairmos fora desse tipo de produção.
Quais as dificuldades iniciais que se tem, que tivemos na época? As incertezas dos conceitos da produção, a inexperiência nessa área, que era nova, inclusive o sistema de irrigado era um pouco novo também para as famílias, que eram oriundas de outra região. A gente era da região da soja, do milho, do feijão, vamos assim dizer. Então, foi um desafio também a gente conseguir. E os recursos limitados, na época.
Então se tiraram algumas estratégicas, na época, para a gente conseguir avançar, eu acho que esse é um fator que ajudou muito. Se não fosse essa organização articulada entre os assentamentos, entre as cooperativas que existiam aqui na região, nós não íamos conseguir forças para avançar na produção, até pelas várias dificuldades que a gente tinha, na época, em todos os sentidos.
Algumas estratégias, só para vocês terem uma noção: a formação e a capacitação dos agricultores e dos técnicos, porque, pela falta de experiência, não se tinha muito conhecimento técnico disponível. Então, a gente teve que se capacitar, buscar assessorias, algumas outras assessorias meio escassas na época, para a gente conseguir dominar a produção. E a troca de experiências, que eu acho que foi uma das coisas que mais ajudou também, porque é aquela história: um vai experimentando, uma coisa dá certo e vai falando para o outro; o outro experimentou outra coisa e deu certo, e assim... Talvez a gente fale de uma forma mais simples, porque é a prática que a gente vive e quem vive isso na prática sente o que é a dificuldade de produzir uma coisa de que você não tem muita orientação, não tem muita pesquisa nessa área. Então, essa troca de experiência ajuda muito os produtores a avançarem nessa produção orgânica. E daí, em consequência, a articulação das parcerias para essa capacitação e a comercialização; planejamento das grandes regiões; introdução de um sistema interno de controle porque também a gente começou a introduzir a certificação; correr atrás de recursos; ter uma assistência técnica especializada para ajudar nessa área e a realização anual de seminários. Então, todo ano a gente faz a avaliação da safra, tira o que foi de bom e o que foi de ruim num seminário com todos os agricultores e já projeta o planejamento do próximo ano. Mas ali acontece muito essa troca de experiência de que falei. Então, na nossa experiência, esse foi um fator que ajudou muito esse crescimento que nós tivemos na região. Então, aqui é a composição do que se chama de GGAA, que é o grupo gestor do arroz orgânico. Então, são representantes de produtores dos assentamentos, representantes das bases, de algumas cooperativas, porque tem umas cooperativas que são um pouco diferentes das outras. A nossa é uma cooperativa de produção agropecuária, produção coletiva, e tem a Cootap, que é uma cooperativa considerada regional, que aglutina os produtores que são chamados de individuais, que têm o seu lote e que, por um motivo ou outro, não quiseram participar ou fazer uma experiência como a nossa, que é uma experiência um pouco mais desafiadora, de trabalhar tudo de forma coletiva, dividir as tarefas, dividir as sobras e dividir os desafios também e o trabalho do dia a dia.
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Aqui é a certificação que a gente tem atualmente. Isso é mais para a sociedade, que pede para ter uma garantia de que esse produto é orgânico mesmo, para não ter problemas de questionamento e também para ter o controle da produção.
Nós criamos inclusive uma marca comum, para cada um não criar a sua e, com isso, não ter muita força para comercializar.
As unidades que nós temos de armazenagem estão localizadas em três Municípios. Temos uma capacidade atual de estocagem e beneficiamento de 15,5 mil toneladas.
A comercialização, então, que é outro desafio bem grande: uma parte a gente faz em venda direta; uma parte, as feiras ecológicas; e aí, então, o mercado institucional. A gente queria abrir um parêntese aí, porque foi um dos fatores que ajudaram muito a alavancar e agora está um pouco patinando. E o papel da Conab também foi muito fundamental, na época, e agora também está meio desativada. Mas, na época, ajudou muito a alavancar, porque a gente não tinha estrutura montada de comercialização, de logística, e ainda não tem muito isso. A Conab ajudou a canalizar essa produção. A alimentação escolar, através do Pnae, ajudou bastante. Então, também foram fatores que contribuíram para nós alavancarmos o nosso crescimento no sentido de nos mantermos economicamente também e conseguirmos fechar a linha de produção. As agroindústrias são um investimento alto. Então, nós não conseguimos muitos recursos públicos, tivemos que ir para os recursos privados e conseguir dar a volta.
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Aqui eu queria só aproveitar e relatar um fato que aconteceu, neste ano, aqui na região, nos Municípios de Nova Santa Rita e Eldorado, um pouco o que representa essa questão dos venenos e como isso é agressivo. Como tem os assentamentos, tem um assentamento próximo daqui que fica, inclusive, perto da cidade, que produz bastantes hortifrutigranjeiros e faz feiras na região metropolitana. Os aviões passaram veneno, que é a aviação agrícola, e, à deriva, derivou veneno e praticamente terminou com a produção orgânica de mais de 15, 20 famílias. Então, é só para encerrar esse caso e mostrar como essa questão do veneno afeta, inclusive, quem produz. Foi feita denúncia e tudo. O fazendeiro, inclusive, ameaçou as famílias e passou de novo por cima por gosto. Então, acho que tem que também discutir essa questão das leis de pulverização, do uso do veneno, porque, além de contaminar a própria produção, está contaminando toda a produção dos outros também, na área dos orgânicos ali. A gente poderia falar um monte, não é?
Então, eu acho que, a princípio, era isso que a gente tinha, uma breve contribuição, um pouco do relato do que a gente faz e a experiência que a gente tem aqui, que é possível produzir alimentos orgânicos aos poucos e até com uma escala um pouco maior.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Você conheceu o Adão Pretto, Airton?
O SR. AIRTON LUIZ RUBENICH - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Conheceu?
O SR. AIRTON LUIZ RUBENICH - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Eu fui colega do Adão Pretto, do Deputado, e ele falava muito nessas comunidades aí do Rio Grande do Sul, brilhante, maravilhoso. Depois eu falo. Deixo vocês falarem primeiro. Depois nós falamos sobre o Adão Pretto e outros.
Muito bem. Agora vamos passar a palavra para Bela Gil, que todo mundo conhece. Não é preciso eu ficar falando aqui do seu currículo maravilhoso, rico, extenso, fantástico, que já é sobejamente conhecido entre nós todos.
Bela Gil.
A SRA. BELA GIL (Para expor.) - Muito obrigada, Senador Confúcio.
Eu queria agradecer também ao Senador Jaques Wagner. Ele não está mais aí, mas agradeço muito o convite por esta Comissão.
Eu acho muito importante a gente estar debatendo, numa Comissão de Meio Ambiente, a comida.
Eu também queria cumprimentar os colegas - é sempre bom ouvir a Paula - e os outros que eu conheci aqui agora, mas com a Paula já tive a oportunidade de estar junto, assim on-line.
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Eu vou começar falando um pouco sobre alimentação saudável, que é uma paixão assim na minha vida, e eu acho importante a gente entender a sua complexidade e a sua completude. Quando a gente fala de alimentação saudável, é importante a gente falar disso em nível individual, mas também em nível coletivo, como sociedade, e em nível planetário. Então, obviamente, uma comida saudável vai fazer bem para o nosso corpo, mas ela precisa respeitar a terra, respeitar o solo, respeitar e valorizar quem trabalha nela, que são os agricultores. A gente sabe que 70% da nossa comida vêm da agricultura familiar, enfim, a agricultura familiar detém somente, ocupa somente 23% das terras cultiváveis no Brasil, o resto está na mão do agronegócio. Imagina se a gente tivesse então uma reforma agrária popular, baseada nos princípios da agroecologia, a gente poderia solucionar muitos problemas relacionados à fome, à insegurança alimentar e à má alimentação.
Então, eu acho... Bom, esse fator é superimportante, mas eu acho que a gente precisa falar também sobre essa comida para além do prato. Por que a gente está aqui hoje, na Comissão de Meio Ambiente, falando sobre alimentação? Porque ela é uma ferramenta muito poderosa de transformação. Não só... Acho que quem já teve uma experiência, em nível individual, em relação à alimentação saudável, mudou a alimentação, sabe como a alimentação transforma o nosso corpo, a nossa vida. E, no macro, é a mesma coisa. A gente pode transformar o nosso mundo através das nossas escolhas alimentares, da forma como a gente produz, distribui e consome os alimentos. Então, a comida é essa ferramenta muito poderosa de transformação política, econômica, social, ambiental, cultural, nutricional, enfim, a gente pode aqui enumerar várias, mas é importante a gente entender também que essa possibilidade de usar a comida como uma ferramenta de transformação está na mão de poucas pessoas ainda. Não são todas as pessoas que têm essa oportunidade de escolher o que comer, porque só assim, só escolhendo o que você pode comer, só escolhendo o que você pode plantar, só escolhendo, tendo essa oportunidade, é que a gente pode usar a comida como essa poderosa ferramenta.
Eu, por exemplo, escolho consumir produtos agroecológicos. O arroz Terra Livre é o arroz que entra aqui em casa, é o arroz que está no meu restaurante. Eu escolho produtos orgânicos, agroecológicos, porque eu sei, eu tenho a informação e eu tenho acesso a esse alimento, eu sei do seu poder e das suas vantagens para o meio ambiente, para a terra, para os agricultores. Essa é uma escolha consciente minha, mas pelo fato de eu ter esse conhecimento, essa informação e esse acesso. A mesma questão com produtos da nossa biodiversidade, como já foi falado, que é importantíssima. É importantíssimo a biodiversidade estar conservada, preservada para a manutenção da gente como seres humanos aqui na Terra. Então, eu consumo, eu divulgo esses produtos, principalmente produtos da biodiversidade amazônica: babaçu, cumaru, castanha-do-pará, enfim, vários outros produtos. Eu faço isso porque eu tenho consciência de que, consumindo esses produtos, eu consigo apoiar os povos originários a se manterem nos seus territórios e, nesse sentido, as comunidades extrativistas, de coletores, se mantendo ali, é uma forma de manter a floresta em pé. Ao consumir uma castanha-do-pará que vem de uma comunidade ribeirinha, por exemplo, no meio do Xingu, eu estou ajudando, apoiando essa comunidade a se manter no território, a preservar a floresta, a preservar uma castanheira em pé. Então, acho que é muito importante a gente ter essa consciência. Quando a gente fala de alimentação saudável, não é só saber se a comida faz bem ou mal para a nossa saúde, mas tem que ser a saúde, como eu falei, individual, coletiva e planetária.
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Por outro lado, eu acho que é importantíssimo a gente não ignorar os fatores socioeconômicos e responsabilizar somente o indivíduo sobre aquilo que come. A gente precisa de políticas públicas, como já foi falado pela Paula e pelo Paulo, que regulem melhor as empresas e o mercado, como também a gente precisa dar assistência maior à população, para que todos tenham acesso à terra para plantar, primeiramente, e à comida de qualidade para comer. Então, a gente não pode responsabilizar somente o indivíduo por aquilo que ele come. As políticas públicas são fundamentais neste sentido: para a gente incentivar aquilo que é bom e desincentivar o que é ruim.
Então, eu queria trazer um pouco do nosso cenário atual, que é essa sindemia global que a gente vive, em decorrência do sistema agroalimentar, que é o conjunto dessas três pandemias: de obesidade, de desnutrição e fome e do aquecimento global.
Então, na questão da fome, acho que já foi até colocado aqui, mas é muito triste a gente viver em um mundo que tem uma produção suficiente para alimentar 10 bilhões de pessoas e a gente ainda ter mais de 800 milhões de pessoas passando fome. E isso se dá por essa concentração de terra, pela concentração no controle de produção, pela desigualdade social e pela perpetuação da pobreza. Eu acho que a fome é bem estratégica, na verdade, na nossa sociedade, porque quem tem fome aceita qualquer coisa, aceita qualquer trabalho. Então, é muito importante uma sociedade alimentada. Em uma sociedade sem fome, a gente consegue dar poder ao povo. E não necessariamente é isso que esse sistema alimentar e econômico hegemônico quer. Então, eu acho que é importante a gente ter isso também em mente. Como diz Josué de Castro, a fome no mundo não é um problema técnico, e sim um problema político. Por isso, eu fico muito feliz de a gente estar conversando aqui, nesta Comissão no Senado, sobre essa questão da alimentação, dos sistemas agroalimentares e das suas consequências. Nos moldes que existe hoje, uma das consequências é a fome. Então, a gente precisa urgentemente mudar isso.
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E falando, então, da obesidade, desse outro aspecto dessa sindemia, a questão da obesidade está muito relacionada a esse modelo de produção, distribuição e consumo dos alimentos ultraprocessados. Quando eu falo produção - eu acho até que a Paula tocou nesse assunto -, é importante a gente entender que os insumos, a matéria-prima da produção de produtos ultraprocessados... Você vai ao mercado, a maior parte dos alimentos ultraprocessados... Você vai ao supermercado, olha ali na prateleira, a maior parte deles tem, como matéria-prima, como base, como primeiro ingrediente da lista dos ingredientes, por exemplo, um tipo de monocultura: ou é cana-de-açúcar ou é soja ou é milho ou é trigo. Agora estão querendo aprovar trigo transgênico, enfim.
É muito triste a gente jogar essa responsabilidade somente no indivíduo, quando ele vai ao supermercado escolher o que comer, porque esses alimentos que têm como base essas monoculturas que são subsidiadas pelo Governo, subsidiadas através de isenção fiscal, por meio de subsídios ou fazendo vista grossa para a grilagem, perdoando dívidas, enfim, através disso, eles se tornam falsamente baratos. Então, é muito difícil hoje a gente comparar um produto ultraprocessado com um produto fresco, um vegetal, uma fruta. Os valores estão completamente errados, pelo menos na minha visão de mundo. Por isso é que essa questão, acho que foi a Paula inclusive que trouxe, de a gente tributar esses alimentos ultraprocessados é fundamental para que a gente entenda o verdadeiro valor real daquilo, incluindo todas as suas externalidades, não só as externalidades ambientais, mas as externalidades sociais e de saúde. A gente precisa colocar isso na balança. Então, essa é a questão da produção. Esse problema da obesidade está muito relacionado a essa forma como a gente entendeu que deveria produzir alimentos, baseado em monoculturas muitas vezes transgênicas, que têm subsídios e assim por diante.
A questão da distribuição está muito relacionada também a essa concentração. Eu queria trazer um termo, um aspecto que é importante, que são os desertos alimentares. Muitas pessoas vivem em desertos alimentares, onde precisam caminhar mais ou quase 1km para achar um alimento fresco, sendo que ao seu lado há produtos ultraprocessados. E a gente sabe que os produtos ultraprocessados são muitas vezes hiperconvenientes, rápidos, fáceis de serem consumidos, baratos. Então, é muito difícil sem um apoio do Estado, sem uma diretriz dizendo: "Vamos caminhar para esse lado aqui, porque ele é melhor para todo mundo, dos alimentos saudáveis". Sem esse apoio do Governo, sem essas políticas públicas, fica muito difícil para a população ter uma alimentação saudável. A gente sabe que, no Brasil, nos últimos dez anos, infelizmente, a gente diminuiu o consumo de arroz e feijão. O consumo de feijão caiu 12% e o consumo de arroz caiu 17%. Isso é um dado do IBGE.
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A gente sabe que as doenças crônicas não transmissíveis - como diabetes, obesidade, câncer e tal - estão relacionadas com o estilo de vida e a dieta está entre esses fatores que contribuem para um estilo de vida. Essas doenças são, muitas vezes... Na verdade, hoje em dia, elas provocam 70%, enfim, das mortes no mundo, e isso diz que a gente poderia estar evitando essas mortes através de uma dieta, através de acesso a uma alimentação saudável, uma dieta mais saudável. Então, o mundo está morrendo pela boca. A gente precisa, a gente pode - essa que é a questão - melhorar a forma como as pessoas se alimentam.
Por último, eu queria trazer a questão do aquecimento global, que é totalmente impactado pela forma como a gente produz os alimentos, a forma como a gente produz e a gente consome, mas principalmente como a gente produz os alimentos. Eu acho que foi o Rafael que trouxe o dado das emissões de gases de efeito de estufa relacionados ao sistema agroalimentar e, se eu não me engano, são de 30% as emissões de gases de efeito de estufa em nível global que vêm da agricultura e pecuária, e isso pode ser revertido. A gente fala esses dados e aí, enfim, as pessoas podem pensar: "Poxa, mas a gente vai o quê, não comer? A gente não vai produzir comida? O que a gente vai fazer? Isso é um mal necessário". Não, não é um mal necessário, é essa a questão. A forma como a gente vem produzindo a comida foi o que nos colocou nesse lugar.
Agora, se a gente transitar, se a gente mudar o foco, se a gente passar de uma produção altamente maléfica para o meio ambiente e passar para uma produção benéfica, que é através da agroecologia, que é através de sistemas agroflorestais, através da aplicação de agricultura sintrópica, agricultura regenerativa, essas formas de se produzir comida não só deixam de emitir gases de efeito estufa como elas conseguem sequestrar carbono, então, a gente consegue resfriar a nossa atmosfera produzindo comida. É uma solução, a gente está com o problema e com a solução no mesmo lugar, só basta a gente escolher o que a gente quer. Eu acho que é aqui que está o poder de escolha, o foco. Por isso, eu acho esta Comissão de suma importância. É o momento que a gente tem de decidir, de falar: "A gente está fazendo errado, a gente está fazendo mal feito e a gente pode mudar. A gente pode mudar para ter uma vida mais harmônica, para ter comida no prato de todos". Eu acho isso fundamental.
Então, eu quis trazer, enfim, essa sindemia global, que é esse conjunto, essa conjuntura de pandemias que são decorrentes do nosso sistema agroalimentar, para a gente entender como a comida, que é um direito básico de todos, e a nossa alimentação podem, sim, mudar o nosso destino, o nosso futuro.
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Então, eu queria agradecer essa oportunidade e convidar todos a repensarem o que a gente escolhe para consumir, porque isso vai mudar a forma, enfim, como a gente sobrevive aqui. E gostaria de não só convidá-los a repensar a forma como a gente consome os alimentos, mas convidar aqueles que têm a possibilidade de deixar a vida das pessoas mais fácil, mais justa, mais acessível à alimentação saudável a fazê-lo, com políticas públicas a favor de tributação dos alimentos ultraprocessados, com o fim dessa isenção fiscal para agrotóxico... Enfim, há muitos fatores e são diversas as formas que a gente tem de priorizar uma alimentação saudável e frear o avanço do consumo de alimentos ultraprocessados.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Bela Gil, pela sua apresentação feita, assim, sem projeção nenhuma, tudo muito natural...
Essa palestra com vocês vem desse Junho Verde, criado aqui pela nossa Comissão de Meio Ambiente, e trouxe hoje este tema da alimentação saudável, que é extremamente importante. Eu vi aí a diversidade de opiniões de especialistas, cada um colocando seus pontos de vista de uma maneira profunda, extremamente profunda.
Somente Jaques Wagner, pela sua liderança, pela sua simpatia, conseguiria trazer um grupo tão selecionado como vocês! Eu sei que no YouTube vão ficar registradas as falas de todos os apresentadores, tal a profundidade com que foram apresentadas. Tivemos o Airton, que apresentou a sua experiência de cooperativismo comunitário lá no Rio Grande do Sul, que foi extremamente interessante; e os demais também, cada qual na sua área de formação.
O tema agroindustrialização é extremamente interessante. Alguns Estados brasileiros, entre eles o Estado de Santa Catarina e o Estado de Rondônia, são os Estados que têm mais agricultura familiar do País. O próprio ex-Ministro Afonso Florêncio, um baiano que vocês conhecem, à época em que era Ministro e eu era Governador de Estado, mandou me chamar aqui em Brasília e me deu uma aula - eu, que sou de lá, era Governador e tinha sido Prefeito e tudo lá no Estado - sobre a agricultura familiar de Rondônia. É um Estado em que nós temos... É o Estado da reforma agrária, aquela reforma agrária dos anos 70. O Estado de Rondônia foi edificado sob a égide da colonização de um eldorado brasileiro, e, logicamente, nele entrou muita gente do Sul e de outros Estados mais ou menos afugentada pela agricultura industrializada que estava entrando naquela época no Paraná e em outros Estados e que foi para o Mato Grosso, para o Maranhão, para Rondônia, para o Tocantins e lá chegou essa leva de imigrantes. Entre eles, eu, que fui também. Eu sou médico e fui nessa safra também para lá, para Rondônia.
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O Afonso Florence, como Ministro do Desenvolvimento Agrário, na época, me animou bastante a levar o conhecimento aos agricultores familiares, o conhecimento científico e a tecnologia. Ele me ajudou a montar a primeira feira de agricultura familiar do Estado de Rondônia. Inclusive, o financiamento de até R$50 mil de máquinas ou insumos o Governo do Estado pagava - era juro zero -, para justamente para estimular a agricultura familiar.
Nós compramos muito. Eu segui muito as teorias de Paul Singer, com a sua economia solidária, e também a de um que vocês não conhecem bem, que é Clodomir Santos de Moraes, que é um pernambucano, professor honoris causa de algumas universidades brasileiras e estrangeiras também, que criou a técnica de preparação massiva para a produção de alimentos.
Ele foi uma pessoa extremamente importante para mim, como gestor, na introdução da agricultura familiar robusta no Estado. E lá em Rondônia, como vocês conhecem outros Estados, há também as escolas família agrícola. As escolas família agrícola têm o objetivo, mais ou menos como o Airton falou aí, de um meio a meio entre o conhecimento e a prática, que são as chamadas escolas de alternância, uma maravilha, que nada mais é do que a agroecologia pura.
Eu criei um Instituto lá chamado Instituto Abaitará. Eu consegui levar índios e quilombolas para fazerem o curso técnico de agroecologia. O interessante nessas experiências com esses segmentos populacionais ribeirinhos, extrativistas, índios e quilombolas, é que também me deram assim uma robustez nesse sentido. Passamos a comprar comida da agricultura familiar, quando eu fui Prefeito na cidade de Rondônia, diretamente a produção para os hospitais e para todas as escolas os produtos da agricultura familiar. A compra era feita com uma licitação em separado, somente com os pequenos. Não deixavam os supermercados e outros atacadistas participarem, só mesmo as agriculturas familiares. Então, com tudo que vocês falaram aí, fiquei assim muito embevecido.
E a experiência do Airton coincide muito com a experiência que nós temos em Rondônia, chamada projeto Reca. O projeto Reca fica bem na divisa do Acre, no distrito Califórnia. É um projeto agroecológico impressionante, impressionante.
Quando o Airton apresentou o dele, eu falei: nós temos um lá não tão grande como o dele, mas também assemelhado. Eu fiquei assim entusiasmado com o Projeto Reca, que existe lá no Estado de Rondônia. Assim eu vi também a Paula falar sobre tributação de alimentos ultraprocessados. Está na hora, viu, Paula! Está na hora, se tramitar a reforma tributária, de você escolher a mim ou mesmo ao Jaques Wagner para apresentar a sua proposição do aumento da tributação sobre alimentos ultraprocessados. Então, chegou a hora!
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Eu perguntei ao Airton se ele conhecia Adão Pretto. O Adão Pretto veio do Movimento Sem Terra. Foi realmente um defensor ardoroso de todas essas políticas de produção da agricultura familiar sustentável. Ele pregava isso bastante quando era vivo - ele já é falecido. Um colega fantástico, que deixou, para mim mesmo, muitos ensinamentos.
Mas, sem querer substituir o Jaques Wagner, que é insubstituível, eu quero agradecer a todos vocês e deixar aqui uma pergunta para cada um que não é de minha autoria - a pergunta é dos internautas. Será uma para cada um, para não irem embora sem responder à audiência que vocês tiveram. Eu selecionei poucas - uma só para cada um. Respondam o mais rapidamente possível para não tomar mais o tempo de vocês. Eu agradeço muito. A nossa Comissão ficou muito vaidosa, muito qualificada, muito exibida com a participação de vocês. Nós nos sentimos aqui hoje muito importantes com a participação de pessoas tão maravilhosas, com tanto conhecimento, com tanta explanação linda, com tantos bons exemplos práticos para que se possa ter uma vida saudável na terra em nosso País.
Então, vamos às perguntinhas, rápido, para não tomar o tempo.
Para Rafael Zavala, da FAO, a pergunta é de Osvaldo Lessa, lá da Bahia. À pergunta, Rafael, você responde no final - pode dirigir a resposta para o Osvaldo -: "Por que a Organização Mundial de Saúde não proíbe o Brasil de importar agrotóxico que os Estados Unidos rejeitaram?". É só essa a pergunta.
Aliás, há outra pergunta para o Rafael - mais uma, Rafael, para você -: "Quais os impactos ambientais, econômicos e de produção dessa agricultura sustentável?". Olha bem, a pergunta não é minha; a pergunta é dele lá. Se houver alguma falhazinha na pergunta, responda para ele como ele perguntou.
Bem, agora para a Paula Johns, de Ana Karoliny, do Paraná: "É possível otimizar a utilização da água na agricultura? Como a agricultura pode enfrentar melhor as dificuldades relativas à crise hídrica?". Essa pergunta é de Ana Karoliny, Paula.
Para Thalita Antony de Souza Lima, de Francine Xavier, do Rio de Janeiro - não sei se vai querer responder a isso, mas a pergunta é para você: "Qual o plano do Governo para apoiar a agricultura familiar e o fortalecimento da agroecologia?". Você nem vai querer responder a essa pergunta, mas responda a seu gosto.
Para Paulo Petersen, de Mylena Bernuncio, de São Paulo: "A diminuição dos agrotóxicos contribui para uma alimentação mais saudável. Quais seriam as medidas necessárias para essa [...] diminuição [dos agrotóxicos]?".
Para Airton, rei da cooperativa, do cooperativismo comunitário, a ouvinte, a telespectadora chama-se Kauana Oliveira, do Paraná: "A agricultura sustentável causaria aumento dos produtos para o consumidor?".
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Para Bela Gil, de Leonardo Toledo, de São Paulo: "A agricultura atual é sustentável?". Essa é pergunta.
Vamos às respostas.
Pode começar, Rafael Zavala.
O SR. RAFAEL ZAVALA (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Saúdo todos os colegas e as colegas.
Primeiro, eu vou responder à segunda pergunta, dos impactos ambientais. A maneira de produzir tem mudado muito nos últimos 40, 50 anos, mas a figura jurídica de uso e posse da terra, não. Eu acho que estamos prontos para uma nova figura jurídica de uso da terra, sobretudo, nas zonas de fronteira agrícola. Nessa zona, onde são indispensáveis os sistemas de produção agropastoril ou agroecológico, temos que mudar a maneira como se percebe o uso do solo. É uso urbano ou uso produtivo ou área protegida? Temos que ter uma nova palavra para precisamente apoiar esse sistema, que inclui os serviços ambientais. Além da captura de carvão, temos também de mensurar a fixação de hidrógenos à biodiversidade, a captura de água, sobretudo, nessas zonas de fronteira agrícola, que nos vão permitir uma barricada, um cinturão verde entre a parte agrícola e a parte rural.
Eu estou verdadeiramente convencido de que temos de ter uma nova figura política de uso e da posse da terra para essa região. E Rondônia seria um exemplo fabuloso para começar.
No caso das interdições, nós, como Organização das Nações Unidas, não somos punitivos, não somos jurídicos, não acusamos. Isso está proibido. Sobre o uso dos transgênicos, faz parte da soberania de cada um dos países decidir sobre que política adotam. No caso dos agrotóxicos, sim, há um acordo mundial, que saiu de Roterdã, de que certos agrotóxicos estão proibidos, como o DDT - esse é antigo e está totalmente interdito, totalmente proibido. Há outros como o glifosato, o Roundup, que são permitidos nos Estados Unidos e proibidos na Europa.
Há também uma situação de pleito comercial, alvo de disputa comercial. Mas é do intento de cada país decidir, dentro dos defensivos permitidos, quais se deve racionalizar, quais se deve proibir, dirigindo-se sempre a uma agricultura limpa.
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À medida que vamos produzindo alimentos de maneira mais limpa, vamos estar mais perto de alcançar uma agricultura sustentável e, quem sabe, uma mescla, em que se possa diminuir a monocultura na medida do possível.
Uma última reflexão, Senador. Quero relembrar a todos, meu amigo Paulo Petersen disse e muitos outros dizem, que o agronegócio não produz alimentos. A grande maioria do milho e da soja não vai para os homens, vai para os animais, para produzir proteína e para produzir proteína de que o mundo precisa, quiça estão aqui. Aqui se consome muito, aqui se consome 100kg de proteína per capita, os brasileiros; mas a grande maioria da soja e do milho vai para alimentar suínos e para alimentar bois, sobretudo na China e em países que estão crescendo e que eram vegetarianos por pobreza e não vegetarianos por convicção. À medida que tenham maior poder aquisitivo, demandam proteína.
Temos que fazer as coisas de tal modo que esse alimento que será para todos, de todo modo, seja sem prejudicar a biodiversidade, sem prejudicar o solo.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado.
Muito obrigado, Rafael.
Eu passo a palavra para a Paula Johns, para responder também e para as suas considerações finais.
A SRA. PAULA JOHNS (Para expor.) - Obrigada.
Acho que o Rafael já começou a responder. Essa pergunta é específica sobre a utilização de água. Eu ia até mostrar aqui um eslaide, só que não está habilitado. É claro que uma agricultura mais sustentável, pressupõe uma otimização do uso da água. Se a gente olhar isso, para o escopo das políticas públicas que são necessárias, eu diria que a gente está em maus lençóis no Brasil, porque, se você olhar - eu ia trazer, o que eu vou falar - os dados, eu ia trazer aqui um gráfico mostrando todos os programas fundamentais para você garantir uma agricultura mais saudável, de qualidade, seja o PAA, seja os programas da Ater, distribuição para grupos populacionais específicos, acesso à água para consumo humano e para produção de alimentos na zona rural, ou seja, programa de cisterna, tudo isso teve uma variação, uma queda entre 80% e 100% de financiamento, de recurso. Então, essas políticas estão sendo, sistematicamente, desmontadas. Os números são chocantes. Acho que estamos dando alguns passos atrás em relação a conseguir um modelo de agricultura mais sustentável, mais promotora da saúde.
Estou até entrando um pouco na pergunta que foi colocada para a Thalita, mas como eu não sou do Governo, eu estou mais trazendo aqui elementos, como sociedade civil que acompanha esses assuntos, de que a gente está em maus lençóis.
Eu acho que o Airton talvez tenha uma experiência concreta, porque ele trouxe como foram importantes esses programas para a estruturação da cooperativa; aliás, lindíssima, Airton. Parabéns! Muito orgulho de ver essas histórias de sucesso e ver que elas acontecem. Talvez os exemplos que o Senador trouxe também de Rondônia são muito importantes.
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Acho que a gente tem agora é que também fomentar e promover essas iniciativas locais, estaduais, através da possibilidade de políticas em que a gente tenha a possibilidade maior de aumentar.
Eu conheci o Adão Pretto, Senador. Eu já discuti muito a questão da diversificação das áreas produtivas com tabaco, no sul do Brasil. E ele sempre foi uma pessoa muito participativa em todas essas discussões.
Falando só uma palavra sobre a agricultura familiar, que eu acho que às vezes também ela está envolvida em cadeias maiores que tampouco são sustentáveis. Eu acho que a cadeia de produção de tabaco serve muito como esse exemplo. Então, você tem um deslocamento de milhares de agricultores, na Região Sul do Brasil, que poderiam estar produzindo alimentos em pequenas propriedades de base agroecológicas e que acabam entrando numa cadeia produtiva bem complicada sob vários pontos de vista. Então, acho que gente tem que olhar como é que essas cadeias também funcionam, em que tipo de sistemas alimentares ou não alimentares, sistemas de agricultura, de produção agrícola que acabam usando os elos mais fracos da cadeia produtiva, que são os agricultores, em última instância, os agricultores e as agricultoras.
Eu só queria fechar aqui fazendo uma propaganda. Eu mencionei o PNAE. Passou um projeto de lei na Câmara. Ele está no Senado. E amanhã vai haver um ato grande. São mais de 42 organizações da sociedade civil, movimentos sociais, coletivos, enfim, academia, nesse ato, uma mobilização em defesa do PNAE, da manutenção da essência do PNAE, que vai ser amanhã, às duas horas da tarde. A ANA também está envolvida, várias entidades, amanhã, às duas horas da tarde, ao vivo, no Zoom e no YouTube, uma mobilização bem grande. Acho que o Senado precisa se mobilizar com relação a segurar o que veio da Câmara e que não está legal.
Muito obrigada!
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Paula.
Com a palavra a Thalita, para responder à nossa internauta.
A SRA. THALITA ANTONY DE SOUZA LIMA (Para expor.) - Obrigada pela pergunta, Francine. Aliás, obrigada a todos que estão acompanhando esta audiência com todas as perguntas.
Bom, acho que, como representante aqui de um órgão de Governo, a principal mensagem que eu gostaria de deixar é que qualquer discussão envolvendo a promoção da alimentação saudável, dos sistemas alimentares sustentáveis, precisa ser feita, primeiro, de forma interdisciplinar. Eu acho que eu comentei isso na minha apresentação. E essa foi uma mensagem muito importante que, inclusive, FAO e OMS passaram, hoje, no evento comemorativo em relação ao dia mundial. Então, uma discussão interdisciplinar envolvendo os diversos atores. Então, estamos aqui claramente... (Falha no áudio.)
...modelo, evento que nos dá essa oportunidade de discutir, de ouvir os diferentes atores. Então, a Anvisa tem buscado isso em sua atuação, uma atuação baseada no diálogo, baseada na transparência. O debate precisa ser cada vez mais qualificado. Eu acho que os governos precisam muito disso, dessa informação qualificada e desse debate para que a gente possa fazer a regulação que proteja, que estimule, promova a saúde da população, mas que seja uma regulação que também estimule o desenvolvimento que a gente busca e alcança dos objetivos para o desenvolvimento sustentável na agenda de 2020.
Então, desde já, deixo a Anvisa à disposição para a gente ter continuidade nesse diálogo.
Obrigada!
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Thalita.
Com a palavra, Paulo Petersen.
O SR. PAULO PETERSEN (Para expor.) - Obrigado, Senador.
A pergunta que me foi dirigida tem uma resposta agronômica e uma resposta política.
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Do ponto de vista agronômico estritamente, discutir redução de agrotóxico, a estratégia técnica para discutir redução de agrotóxico tem que partir do entendimento de por que surgem os problemas que suscitam o uso dos agrotóxicos. A explosão de populações de pragas e de doenças são evidências de desequilíbrios ambientais. Então, quanto mais nós desequilibramos os ecossistemas, maior será a necessidade de química. Então, como eu já disse antes, a gente está sempre correndo atrás da natureza. Então, é um processo de artificialização crescente e, quanto mais agrotóxico se usa, mais agrotóxico será necessário.
Do ponto de vista do princípio agroecológico de manejo, não se substitui agrotóxico por um produto menos tóxico, substitui-se agrotóxico por serviços ecológicos da própria biodiversidade. O uso da biodiversidade nas paisagens agrícolas é que permite que essas populações não se desequilibrem. Então, você não tem danos econômicos. Não tendo danos econômicos, não é necessário usar nenhum tipo de recurso, sobretudo recursos químicos. Quando ocorre algum tipo de problema assim, existem alternativas biológicas já bastante consagradas na ciência, tanto de uso de controle biológico, com outros organismos, quanto produtos naturais.
O grande problema é que nós alteramos completamente as paisagens, a biodiversidade, e isso favorece o aparecimento dessas pragas e doenças. Então, agrotóxicos são uma necessidade óbvia. Então, esse correr contra a natureza é um ciclo vicioso de crescente dependência e de crescente custo de produção, porque todos esses agrotóxicos, além de todos os danos ambientais e à saúde, geram danos econômicos a quem produz, inclusive muitos deles também derivados de petróleo. Então, você vai gerando também uma série de irracionalidades econômicas, não é só ambiental e à saúde pública.
Então, é absolutamente possível do ponto de vista técnico. Agora, é preciso superar a lógica da monocultura e dos grandes criatórios. Enquanto a gente continuar indo contra a natureza e estruturando os sistemas dessa forma, essa química será necessária.
Então, assim, dialogando inclusive com o Rafael também, eu acho que é exatamente a gente entender que essa lógica de ocupação dos territórios com grandes monoculturas para exportação, que seja milho, que seja soja, que seja celulose, que seja o que for, a lógica que preside não é a de produção de alimentos, é a de produção de mercadorias, que hoje pode ser destinada para a alimentação do gado; amanhã, se o preço estiver melhor, vai para o etanol; se o preço estiver melhor, vai para outra coisa. Quer dizer, o que preside não é a produção de alimentos. Então, a racionalidade econômica que domina as commodities é outra, que não é produzir alimentos.
Agora, vamos compreender que essa soja e esse milho vão para produzir carne, mas carne e aves em grandes confinamentos, que inclusive são responsáveis também pela possibilidade de criação de novas pandemias. Para você manter aqueles grandes confinamentos, é necessário um grande uso de químicos, de antibióticos e por aí vai. Então, também na produção animal, existe um afastamento enorme da natureza. O que é possível? Qual é a lógica da agroecologia? É produzir carne, proteína animal, integrado à produção vegetal na própria paisagem. É o que historicamente a humanidade fez. O que não dá é essa lógica de aumento das dietas cárnicas, do jeito que está explodindo. Isso é uma completa irracionalidade. Não é um discurso vegetarianismo aqui. Eu estou dizendo é como nós vamos consumindo cada vez mais carne. Esse consumo de carne, do ponto de vista ecológico, é um desastre para o Planeta, porque a gente precisa de muito mais produção vegetal, muito mais ocupação de território, e nós não precisamos de maior consumo de carne. É preciso consumir, sim, proteínas animais, mas o que nós estamos é numa lógica absolutamente irracional do ponto de vista da saúde humana e do Planeta e, ao mesmo tempo, com a destruição da biodiversidade.
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Então, agronegócio não produz alimento, definitivamente. Agronegócio produz commodities. Nós temos que ter esse entendimento e colocar o alimento na centralidade, o direito humano à alimentação, inclusive da população chinesa, que sempre consumiu pouca carne. Eles têm plena condição de consumir carne com a agroecologia, assim como na Europa. Aqueles criadouros europeus de frango, de porco, aquilo é uma irracionalidade, e eles mesmo sabem os problemas ambientais e sociais que são criados lá. E há os problemas ambientais criados aqui para a produção de soja, como a destruição da Amazônia e tudo mais. Esse sistema é inviável.
Então, basicamente, essa é a mensagem que eu gostaria de compartilhar com vocês.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito bom, Paulo. Muito agradecido.
Agora eu passo para o Airton Luiz para responder a pergunta do nosso internauta e também fazer as suas considerações finais.
O SR. AIRTON LUIZ RUBENICH (Para expor.) - Muito bem. Eu acho que, em grande parte da minha pergunta, o Paulo já me ajudou a responder. E, se nós pegarmos as falas dos outros e juntarmos num resumo, isso quase responde a pergunta que me fizeram.
Mas, bom, eu vou começar pelo seguinte: bem, a agricultura sustentável produz, bota mais disponibilização de alimentos na mesa. A primeira questão que acho que tem que ter em vista, que é uma das coisas que a gente está debatendo aqui e tem que debater, é: qual é o conceito de agricultura sustentável? Primeiro, é isso que está por trás. Eu acho que uma das questões que foram faladas, pela Bela Gil ou mais alguém, é o acesso à terra, a democratização do uso da terra. Tem que começar por ali. Daí tu já quebras um pouco essa questão que o Paulo falou da monocultura, porque não produz alimento. Tem que começar por ali. Se olhar a agroecologia por si só, vai ficar no vácuo, no vazio, porque, se não há essas medidas aqui juntas, além de outras que também acho que são importantes, que já foram faladas, que são políticas públicas, que têm que ter incentivo... Por que não, Senador, nós começarmos a discutir um projeto de isenção de impostos para a agricultura orgânica e familiar? Então, são esses tipos de políticas públicas. A gente pode elencar um monte, que já foi dito ali e não vou repetir.
Então, uma agricultura sustentável passa por várias medidas, e, aí sim, eu creio que ela tem muito mais disponibilidade de produtos, de alimentos, além de volume e qualidade.
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Por exemplo, vou fazer um cálculo simples para quem conhece um pouco da agricultura: aqui as nossas famílias, mais ou menos, a gente atua em cima de 500 hectares de terra. Você pega simplesmente 500 hectares de terra, se for tudo produção de arroz convencional, dá X toneladas, que é uma produção... Vamos pegar a produção do Irga, uma produção alta. Agora, se pegar hoje o que nós produzimos aqui, além do arroz, os outros produtos, dobra a soma da produção dos outros. Se pegar só a produtividade, porque nós já estamos chegando a... Por exemplo, o Irga trabalha com 7,7 toneladas por hectare; nós estamos chegando quase a 5 toneladas, com todos os percalços. Se tivesse uma Embrapa, que nem o Paulo disse, que tem muita biodiversidade já disponível, mas que poderia ter mais acesso e ser mais disponível, nós poderíamos até aumentar.
Só para completar, eu não poderia deixar de falar da questão que o Paulo fala, das pragas, por exemplo, nós, aqui, na produção de lavoura, já não temos mais nenhum problema de praga. A questão do agrotóxico, para nós, é a parte mais tranquila, que a gente já conseguiu resolver. Nós estamos um pouco na questão da saúde do solo, da fertilização do solo, ainda apanhando um pouco trabalhando, mas essa é outra parte. Por nós termos uma produção saudável, as doenças praticamente sumiram. Então, tem que entender a lógica da natureza. Então, é muito gritante o que o Paulo fala, é muito preocupante o que a gente conhece, cada vez mais, as plantas estão ficando resistentes ao veneno... Olha, é terrível o troço! Cada vez mais, vai ter mais aumento de agrotóxicos. Se não parar isso aí, não sei onde vai parar. A gente tem experiência, conhece, o Paulo também conhece lavouras... Eu, como sou agricultor, a gente acompanha e conhece as plantas dos nossos conhecidos que ainda não plantam soja, milho, tudo, transgênico... Cada vez mais, a gente tem que fazer uma aplicação de produto, porque a planta está ficando resistente, tem que mudar o tipo de veneno... Então, esse troço está ficando perigoso mesmo.
Mas, para finalizar, quero agradecer pela participação. A gente não é muito prático nessas audiências, mas espero ter contribuído. E quero agradecer também à Bela Gil, que sempre faz propaganda do nosso arroz, o que é muito importante também. Além de a gente brigar, eu acho que a briga é pelas políticas públicas, agricultura familiar, reforma agrária... A gente tem que estar junto nessa questão do meio ambiente, e não só discutir. Eu não vejo como só discutir meio ambiente sem ter uma agricultura familiar, uma reforma agrária por trás do acesso à terra.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito bem! A sabedoria está na simplicidade. Falou muito bem. Todo mundo o entendeu. Muito bem!
Agora, para finalizar, Bela Gil com a palavra.
A SRA. BELA GIL (Para expor.) - Bom, a pergunta direcionada a mim foi se a agricultura atual é sustentável. A resposta é que eu diria que depende. Eu digo que depende, a resposta é sim e não, porque a gente precisa pensar em que tipo de agricultura a gente está falando. Eu acho que, se a gente pensar na questão do agronegócio, para mim, já não é mais agricultura. É o que o Paulo falou: a produção não é mais de alimento, mas de commodity, de mercadoria. Então, se perde esse valor de alimentar. Então, eu acho que, nesse caso, não, mas eu nem considero agricultura.
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E, dentro do que se pode chamar de agricultura, aí, sim, acho que depende, depende do tipo que a gente está falando, da forma como se trabalha a terra, da forma como se produz alimento, se é uma agricultura regenerativa, sintrópica, agroflorestal, agroecológica ou se é uma agricultura baseada em veneno, mesmo que seja da agricultura familiar. A Paula trouxe a questão do tabaco, enfim, uma agricultura familiar pode usar bastante veneno e aí eu não vou entrar na questão do que isso envolve, se só cabe a escolha do agricultor ou não, porque é uma questão ética, social e econômica mais profunda. Mas o que eu quero dizer, para não me alongar muito, é que a forma como a gente produz comida hoje no mundo não é sustentável e a gente precisa mudar isso urgentemente. Então, essa é a resposta mais direta, mas obviamente tem muito o que se discutir quando a gente fala de agricultura e o que a gente considera ser agricultura. Então, é isso.
Agradeço bastante...
Ah, e uma coisa que eu queria trazer que foi falado, na verdade, uma pergunta, acho que foi para a Paula inclusive, sobre água. É importante a gente entender que a água tratada no Brasil, 70% da água tratada vai para o agronegócio, é utilizada no sistema de irrigação e tudo mais, do que não se fala tanto. A gente fica falando para as pessoas fecharem a torneira na hora de escovar os dentes, sendo que 4% da água tratada vai parar nas nossas torneiras e tal; o restante é para produção principalmente dessas grandes monoculturas, o que está relacionado a essa política da China de importar soja do Brasil, porque é uma forma que eles têm de proteger os seus recursos ambientais, principalmente a água, o recurso hídrico. Então, é triste a gente se gabar ou a gente comemorar o PIB proveniente do agronegócio, das exportações e das safras recordes de soja, sendo que a gente está acabando com os nossos recursos. Enquanto a China está se protegendo, a gente acha que está fazendo um trabalho maravilhoso acabando aqui com os nossos recursos. Então, era só isso que eu queria trazer dessa outra pergunta, porque eu acho importante a gente ter em mente o que mais realmente consome e acaba com a nossa água.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito bem, gente. Eu não tenho aqui as palavras que o Jaques Wagner deve ter guardado para falar para vocês de agradecimento.
Mas eu quero abraçar a todos e a todas, parabenizar pela contribuição de todos vocês, especialmente a participação dos internautas, que não esqueceram de fazer suas perguntas. Eu filtrei. Os colegas Senadores, nossos queridos convidados, muito obrigado a todos vocês.
Vou dispensar vocês. Eu acho que muitos nem almoçaram, foi uma hora difícil.
Nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada a nossa reunião. Muito obrigado. Foi um prazer imenso ouvir todos vocês, um prazer enorme.
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A SRA. PAULA JOHNS - Obrigada, boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Um grande abraço, boa sorte, felicidades!
A SRA. BELA GIL - Obrigada.
O SR. PAULO PETERSEN - Obrigado, obrigado pelo convite.
O SR. AIRTON LUIZ RUBENICH - Obrigado.
O SR. RAFAEL ZAVALA - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Obrigado, amigos queridos.
(Iniciada às 13 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 49 minutos.)