25/08/2021 - 14ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Fala da Presidência.) - Eu declaro aberta a 14ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
O objetivo da reunião: A primeira parte da presente reunião destina-se à realização de audiência pública em atenção ao Requerimento nº 27, de 2021, da Comissão, de autoria do Senador Jaques Wagner, com o objetivo de debate do Projeto de Lei nº 490, de 2007, que altera a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
Eu quero explicar que o Senador Jaques Wagner está em Salvador. Daqui a pouco ele entrará. Ele está entrando no seu escritório. Ele entrará na nossa audiência pública. Ele é o nosso Presidente. Eu sou Vice-Presidente da Comissão de Meio Ambiente. O Senador Jaques Wagner fará uma apresentação. E nós tocaremos a audiência pública. Temos sete convidados. Eu darei a cada um o prazo de dez minutos para, de uma maneira assim bem concisa, fazerem a apresentação inicial. E durante os debates, com a participação dos Senadores ou com cidadãos, internautas do e-Cidadania, nós faremos a complementação. Certo é que cada um terá mais tempo para, nas respostas, explanar os seus pontos de vista.
Mas eu vou começar quando o Senador Jaques Wagner entrar, lá em Salvador. A gente termina a palestra da primeira convidada especial. O tema é demarcação de terras indígenas.
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Este assunto, demarcação de terras indígenas, já vem se arrastando desde o tempo do Império. Desde o Brasil Império, desde o Brasil Colônia, já vem sendo discutido o problema das terras indígenas. Até hoje, aqui mesmo, na Esplanada, aí fora, está cheio de representações indígenas que vieram justamente como instrumento de pressão sobre uma votação que ocorre daqui a pouco no Supremo Tribunal Federal. Então, esta audiência veio justamente neste dia marcante e importante.
Eu quero agora, antes de passar a palavra para a Dra. Marcela Menezes, passar a palavra para o Senador Jaques Wagner, nosso Presidente da Comissão, que fará as informações necessárias para que todos os internautas e todos os Senadores e Senadoras possam entender o real objetivo desta audiência pública histórica.
Então, eu passo a palavra, aliás, eu saio da Presidência e a transfiro para o Senador Jaques Wagner.
Com a palavra o Senador Jaques Wagner.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Bom dia, querido amigo Senador Confúcio Moura, Vice-Presidente desta Comissão.
Quero cumprimentar todos os convidados para esta audiência.
Como V. Exa. já colocou, esta audiência foi marcada exatamente em mais um momento de protesto e de esclarecimento sobre a questão das terras indígenas. Há uma ação no STF, há mais de um projeto na Câmara dos Deputados; todos eles tentando reduzir a ocupação de terras indígenas. Portanto, esta audiência tem exatamente esse condão.
Eu quero agradecer a V. Exa. Eu tive que estar em Salvador. Eu vim ontem tarde da noite exatamente porque hoje vou recepcionar o ex-Presidente Lula em visita a meu Estado e não poderia deixar de recebê-lo. Portanto, eu lhe agradeço a disposição de estar aí para a condução da reunião.
Havendo número regimental, declaro aberta 14ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
A primeira parte da presente reunião destina-se à realização de uma audiência pública em atenção ao Requerimento nº 27, de 2021, desta Comissão, de autoria deste Senador, com o objetivo de debater o PL 490, de 2007, que altera a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, e dispõe sobre o Estatuto do Índio.
Estão conosco no dia de hoje, em ordem alfabética, no Plenário, a Sra. Alessandra Korap Munduruku, líder indígena; o Sr. Davi Kopenawa Yanomami, líder indígena representando o Sr. Dário Kopenawa Yanomami, Vice-Presidente da Hutukara, associação ianomâmi; e a Sra. Juliana de Paula Batista, advogada, representante do Instituto Socioambiental. Por meio do sistema de videoconferência, como acontecerá esta reunião, a Sra. Brenda Brito, Pesquisadora do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon); a Sra. Marcela Menezes, Coordenadora Adjunta do Programa Povos Indígenas do Instituto Internacional de Educação do Brasil, representando o Observatório do Clima; o Sr. Paulo de Tarso Moreira, Procurador da República do Ministério Público Federal do Estado do Pará. Foi feito o convite também ao Greenpeace, mas, infelizmente, não houve resposta.
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Esta reunião ocorre de modo semipresencial, com o uso do sistema de videoconferência adotado pelo Senado.
Após as exposições iniciais, será dada a palavra aos Senadores inscritos. As inscrições para o uso da palavra podem ser solicitadas por meio do recurso de levantar a mão ou no chat da ferramenta para os Senadores que, como eu, estão remotos.
Solicito à Secretaria que, neste momento, abaixe todas as mãos de quem se encontra remotamente, silencie os microfones e monitore as inscrições.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em Senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800-612211.
O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada orador usará da palavra por até 15 minutos. Para quem está em modo remoto e optar por usar material de apoio, será autorizado o compartilhamento da tela ao longo da exposição.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Senadores inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários, em até cinco minutos.
Eu vou passar, então, a palavra à primeira oradora, a Sra. Alessandra Korap Munduruku, a menos que, entre vocês, tenha havido uma combinação de quem fala primeiro.
Eu perguntaria aos expositores se há alguma ordem ou, senão, eu passaria imediatamente a palavra, para ganhar tempo e aproveitar o tempo de transmissão, para a Sra. Alessandra Korap Munduruku. (Pausa.)
Eu pediria ao querido amigo, Senador Confúcio Moura, para passar a direção para V. Exa., apesar de que eu vou ficar aqui acompanhando, porque eu acho que V. Exa. aí sente muito mais o clima do que eu. Então, eu lhe peço se V. Exa. tem disponibilidade...
O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Perfeitamente.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - ... entre tantas matérias.
E aqui, mais uma vez, publicamente, a minha admiração e o meu reconhecimento - não só meu, mas de todos os Senadores da Casa - pelo trabalho que V. Exa. vem fazendo à frente da Comissão de Acompanhamento da covid, que tem trazido, primeiro, informações e, depois, o posicionamento do Senado, de forma muito altaneira, para enfrentar essa crise que entristece tanto o nosso País. E eu quero aqui, publicamente, perante esta Comissão, fazer o reconhecimento da minha alegria de V. Exa. estar podendo ladear este Senador aqui, como Vice-Presidente desta Comissão.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Senador Jaques Wagner.
Eu posso continuar aqui dirigindo até às 10h. Depois eu tenho um compromisso. Aí o senhor, se puder, ou outro...
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu assumo aqui.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Está bem, daqui a uma hora.
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - O.k.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Alessandra, você espera só um pouquinho, até para você dar uma lida aí, mas eu vou abrir esta audiência com a primeira pessoa que entrou no sistema aqui e está aguardando há algum tempo, que é Marcela Menezes. Marcela Menezes é coordenadora adjunta do Programa Povos Indígenas do Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB), representante do Observatório do Clima.
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Então eu não sei se falo doutora, professora... Marcela Menezes está com a palavra pelo tempo de até 15 minutos. A senhora pode entrar. Se tiver alguma projeção, nos avise. Marcela Menezes com a palavra. (Pausa.)
Marcela Menezes? Ela está na sala?
A SRA. MARCELA MENEZES (Por videoconferência.) - Eu estou aqui.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Vamos entrar, Marcela? Pode falar.
A SRA. MARCELA MENEZES - Eu estou aqui. Os senhores estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Isso, estamos. Está com a palavra, Marcela, por favor.
A SRA. MARCELA MENEZES - Bom dia. Muito obrigada pelo convite. Eu só gostaria de tirar uma dúvida, porque os líderes indígenas, parece que já chegaram, não é? E eu posso conceder a minha vez, apesar de ter entrado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - A senhora pode entrar. A senhora pode falar. Pode falar.
A SRA. MARCELA MENEZES - Se eles quiserem falar primeiro, eu posso conceder a vez.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Não, a senhora fala, depois eu passo para eles. Pode falar a senhora.
A SRA. MARCELA MENEZES (Para expor. Por videoconferência.) - O.k. Então, bom dia!
Gostaria de saudar os Senadores e Senadoras aqui presentes na Comissão de Meio Ambiente. Esta audiência pública é de suma importância para este momento que estamos vivendo, de mobilizações indígenas em luta pelos seus direitos e pela demarcação de terras indígenas. Está em discussão esse PL nº 490 e toda a tese do marco temporal e tudo aquilo que diz respeito ao futuro das terras indígenas do Brasil.
Então meu nome é Marcela Menezes. Eu sou Coordenadora Adjunta do Programa Povos Indígenas do IEB, uma organização não governamental que atua há mais de 20 anos na Amazônia brasileira, e represento o Observatório do Clima, que é uma rede que há mais de 20 anos, reúne 40 organizações da sociedade civil no Brasil em defesa do clima, sendo a maior rede de organizações da sociedade da América Latina nesse tema.
Então, por que essa pressa em aprovar o PL 490? Por que é que há essa intenção de retirar os direitos indígenas no meio de uma pandemia mundial de saúde? Na realidade, parece que a intenção tem sido muito mais paralisar as demarcações de terras indígenas e passar para o Congresso um direito que é previsto na Constituição, que é a guardiã dos direitos indígenas no Brasil. E a base desse processo parece ser o marco temporal, que não tem amparo legal. Inclusive hoje o Supremo Tribunal Federal vai fazer um julgamento sobre isso.
E qual é mesmo o benefício que esse projeto traz para os povos indígenas? A gente tem que sempre se perguntar sobre isso antes de analisar qualquer matéria. Parece ser mais um fruto do interesse de outros setores do que dos próprios indígenas. Então, será que esse PL, de fato, traz algum benefício, ou ele abre os territórios para mais devastação, mais desmatamento, aumentando contaminações, exploração em seus territórios e aumentando a destruição?
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Por outro lado, o que eu quero ressaltar aqui é que as terras indígenas são fundamentais para a conservação da biodiversidade do Brasil e global, porque os povos indígenas e suas comunidades reconhecem o valor da floresta em pé, da proteção, e o manejo dessas áreas. Enquanto 20% da Floresta Amazônica foi desmatada, nos últimos 40 anos, as terras indígenas da Amazônia Legal perderam somente cerca de 2, 2,5% de suas florestas. Hoje, o desmatamento fora de terras indígenas, por exemplo nos imóveis rurais, é acima de 50%, é 52,5%. Então, as terras indígenas são fundamentais para a proteção do meio ambiente. As comunidades indígenas protegem 30% das florestas da Amazônia e representam quase 30% dos estoques de carbono da região. São bilhões de toneladas de carbono que são muito importantes para o combate às mudanças climáticas, retém o carbono as florestas que são protegidas pelos povos indígenas. A preservação das terras indígenas é muito importante para evitar as mudanças climáticas, porque elas têm, em média, 50% mais carbono por hectare do que as áreas que não são protegidas na Amazônia brasileira.
Eu queria citar um relatório que foi publicado pela ONU, em março deste ano, que reconhece, com base em mais de trezentos estudos, que os povos indígenas da América Latina e do Brasil são os melhores guardiões de floresta da Região, principalmente quando seus territórios são demarcados. Eles têm papel decisivo contra a crise climática. Esses autores também apontam que as taxas de desmatamento são muito mais baixas nos territórios indígenas e especialmente nos territórios onde os povos tiveram seus direitos reconhecidos. Cuidar dessas florestas é uma das formas mais eficientes de limitar essas emissões de gases de efeito estufa.
Dados do Imazon - o companheiro do Imazon está aqui presente - mostram o aumento gravíssimo do desmatamento da Amazônia Legal brasileira. Registraram-se mais de 8 milhões e quilômetros quadrados de hectares de desmatamento acumulados nos últimos 11 anos, de agosto do ano passado até junho deste ano. É a maior devastação para o período em dez anos.
Qual é a solução para esse impasse? É realmente paralisar a demarcação das terras indígenas? Não. É não retroceder nesses direitos indígenas que foram duramente conquistados. Nós temos que avançar na consolidação dos territórios indígenas, nós temos que demarcar, proteger e apoiar a gestão que os povos fazem dos seus territórios, respeitando as decisões - conforme é garantido na Convenção 169 da OIT -, consultá-los em relação a esses processos. Hoje, no Brasil, a gente tem mais de cem planos de gestão territorial e ambiental de terras indígenas, são instrumentos que são conhecidos legalmente pela Pngati, que foi uma política pública, construída em 2012, com ampla consulta aos povos indígenas. A solução está no fortalecimento da gestão territorial, por meio da qual os povos indígenas e suas organizações conservam, defendem, gerenciam e usam a floresta e seus territórios de forma a manter seu valor de conservação e promovem o bem-estar.
Ao invés de a gente fortalecer esses projetos de lei que estão buscando retirar direitos e paralisar demarcações, a gente deveria estar aqui discutindo como demarcar, proteger e apoiar essas iniciativas sustentáveis dos territórios indígenas que valorizem a sua cultura e reconheçam o bem que eles fazem ao Brasil e ao clima do Planeta.
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Devemos buscar fortalecer as políticas públicas que protegem as terras indígenas e apoiar o financiamento de iniciativas que ajudem esses povos a fazer a gestão dos seus territórios.
Queria finalizar, saudando os mais de 6 mil indígenas de todo o Brasil que estão em luta, acampados lá fora, debaixo desse sol quente, no meio de uma pandemia que já matou mais de 500 mil brasileiros.
Terra indígena é terra protegida. Acho que a gente precisa reconhecer a contribuição que as terras indígenas trazem para o meio ambiente e para o clima do Brasil para a gente poder avançar na demarcação e na consolidação e no apoio a esses territórios, e não na paralisação dessas demarcações.
Muito obrigada e um bom dia para todos.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Dra. Marcela, parabéns pela sua apresentação, muito clara, muito didática! Importantíssimo o seu ponto de vista.
Então, neste momento, eu vou passar a palavra para a líder indígena Alessandra Korap Munduruku, que está aqui à minha direita. Ela vai usar a palavra neste momento pelo tempo máximo de 15 minutos.
Fique bem à vontade, Alessandra.
Pode falar, ouviu?
Fique bem tranquila.
A SRA. ALESSANDRA KORAP MUNDURUKU (Para expor.) - Kabiá!
Bom dia a todos!
Como eu sou uma liderança do povo mundurukú, fui convidada pelo Sr. Jaques, o Senador...
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Fora do microfone.) - Senador Jaques Wagner.
A SRA. ALESSANDRA KORAP MUNDURUKU - E, aí, a gente veio falar sobre o PL nº 490 - porque não é só um PL, são vários PLs que estão tramitando no Congresso -, também vai para o Senado, depois, para o Supremo.
Eu, como uma das lideranças, como as outras pessoas que estão preocupadas com suas terras... Há territórios indígenas que já são demarcados, homologados, registrados e estão tendo muitas invasões dentro dos territórios que hoje ninguém consegue tirar. O próprio Governo não tira esses invasores de dentro do território. E fico imaginando como seria nessas terras que não são demarcadas, como é o caso de várias terras como Sawre Muybu.
A gente fez uma autodemarcação, de ir para o mato, de estar no meio da lama, no meio da floresta e, dizendo, botamos placa lá, porque esse é o dever do Estado e o Estado não o faz. E a gente tem que fazer o papel do Estado, ir com os guerreiros e com os caciques, as mulheres, e com criança, ir para o mato para fazer a demarcação, porque a gente sabe onde é o nosso território. A gente sabe onde caçamos, pescamos, onde tem fruta, onde tem os alimentos para sustentar a nossa cura, a nossa alma também.
E, de repente, aparece o PL nº 490, o PL de querer barrar a demarcação. A gente sabe que a Funai não está do lado dos povos indígenas. Eles só querem saber de mineração, só querem saber de madeira, de explorar o nosso território, com aquela questão de desenvolvimento, de deixar o nosso rio sujo, a floresta derrubada. É isso que eles querem, entregar máquina para a gente. Só que a gente não vive de máquina. A gente vive de vida! A gente vive do território!
A gente vê lá, com os nossos parentes, que o Rio Tapajós, que é o mais lindo do mundo, infelizmente, está sujo. Se tu fores na beira do Rio Tapajós, principalmente em Itaituba e Jacareacanga, a água é branca, é branquíssima agora, nesse meio. Eu sei disso porque, quando a gente bota o remo, a gente vê o tanto de lama que vem do garimpo. E, aí, com o PL, que quer barrar a demarcação, o marco temporal é um pacote só; o marco temporal é dizer que a gente não é indígena, só porque a gente usa roupa, só porque a gente também usa celular. A gente não parou no tempo, não! Do jeito que o homem branco evoluiu, a gente também evoluiu, mas com a natureza em pé, com o rio limpo! É a única coisa que a gente pede. A única coisa que a gente quer é paz! A gente não tem sossego!
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Eu, saindo do mato, cheguei aqui com as crianças passando frio. É um clima totalmente diferente. Nós temos crianças, nós temos idosos que saíram da sua aldeia... A gente não veio só para passear; a gente não veio só olhar para a cara do Senadores, dos Deputados; a gente veio falar da vida, a gente veio falar do que está acontecendo no nosso território.
Eu sei que esta casa não é nossa, porque eu quero a minha casa. Eu não quero sair do meu território. Meu povo não vai sair do território porque lá é nosso por direito, está na Constituição. Não está dizendo na Constituição do marco temporal; não está dizendo na Constituição que tem que parar a demarcação. Está dizendo que o Governo, que o Estado tem o dever de demarcar os territórios, e isso estão explorando.
Eu falo que o meio ambiente somos nós: nós que estamos ali no mato, nós que estamos enfrentando lideranças queimando casas, casas de rezas, que estão curando, porque, muitas vezes, a cura da cidade nos adoece, a comida da cidade nos adoece. Mas lá, não! A gente tem o remédio, nós temos raízes, e, de repente, aqui, a gente deixa de consumir tudo isso por causa do agronegócio.
Eu quero um desenvolvimento, mas com a minha árvore em pé, com a minha floresta em pé e o rio limpo, e que tirem todos os invasores de dentro do território. E que todo o povo que está aqui, com 6 mil, e aqueles que estão no seu território, que não puderam chegar... porque é muito caro. Você sabe que, para sair da sua aldeia, passar quatro dias para chegar ao Município e mais três dias de viagem, é cansativo. É tempo de roça; é tempo de plantio. A gente tem que sair da nossa casa para chegar aqui e dizer que os índios estão querendo evolução. A gente quer, sim, mas com o nosso respeito, com o nosso território demarcado, com o nosso desenvolvimento e que envolva todas as crianças. As crianças são o futuro.
Eu sou uma das ameaçadas, doutor. Eu sou! Quantas e quantas mulheres estão sendo ameaçadas, quantos homens estão sendo ameaçados por defender o território, por defender a nossa casa, o nosso rio e a nossa floresta.
E quero dizer que aqueles que compram, os países internacionais que estão comprando soja, comprando gado, madeira, ouro, estão vendo o sangue indígena, estão vendo as casas queimadas, estão vendo as casas dos povos indígenas sendo invadidas, tirando os povos indígenas do seu território.
E esse PL para que que existe? É inconstitucional! Qual é o interesse do agronegócio? Qual é o interesse do agronegócio em acabar com o nosso rio, com a nossa casa, com a nossa floresta? A gente não aceita.
Eu sou uma mulher, eu tenho filhos, daqui a pouco eu tenho netos, e eu quero um futuro para os meus netos e bisnetos. Eu sei que eu vou morrer hoje. Eu posso morrer, mas eu vou deixar um território garantido para os meus filhos, garantido para os meus netos e para tantos outros povos que existem.
Quero dizer que nós temos sim uma economia. Esse aqui, ó, é de tucumã; esse aqui, ó, é de ossos dos animais.
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Mas a gente, sim, a gente cria, a gente vende copaíba, a gente vende andiroba, cumaru, mas é um dinheiro que vem da floresta, é um dinheiro que não é do ouro, é um dinheiro que não é da destruição, não; é da natureza, é da floresta. E mostrar pro mundo que a gente vive, sim, da roça, da agricultura familiar, mas, desde 1500, mais de 521 anos, que a gente vem fazendo isso, mas não está destruído o nosso território, não. Não está destruído. Mais de 521, um pedacinho de terra, está ali a floresta. Está lá plantada a mandioca, a batata, a cana, mas está lá. Nós nunca destruímos, nunca botamos uma máquina para destruir hectares de terra.
E digo para o Senado: vote, vote, pensa no meio ambiente, pensa! Não precisa gostar dos povos indígenas, mas respeitar, dizer: "Os indígenas precisam de respeito!". Isso que nós pedimos, as escolas, a universidade dizer: nós precisamos ser respeitadas; não de destruição, nem de violação de direito.
Quero dizer, Senador, que esta Casa, os Senadores que estão nos ouvindo, que falam do meio ambiente, que falem dos povos indígenas. Porque tem um Senador do Estado Pará que só pensa em mineração. Ele só pensa em madeira, ele só pensa em soja e ele diz que ainda está lá na Comissão do Meio Ambiente, mas ele não é meio ambiente, porque quem é meio ambiente somos nós. Nós somos!
Se ele quiser falar dos povos indígenas, se eles quiserem falar de nós, dos povos quilombolas, que venham falar, venham peitar em nós, porque nós estamos aqui, e eu sou uma mulher pra peitar qualquer Senador que está no Estado do Pará, que queira destruir a gente, porque a gente não vai entregar nosso território. A gente não vai entregar minha casa. A minha casa está lá, o meu território está lá. Os caciques me deram essa voz, e eu tenho esse direito de falar. Então, vou falar!
Obrigada pela oportunidade. O PL nº 490 não pode avançar, não pode ser aprovado. É a morte, é a morte nossa, é a morte do nosso filho, é tirar sonho dos nossos filhos, é tirar sonho da nossa vida. E a gente, mesmo resistindo mais de 521 anos, a gente vai resistir, porque nós temos alma, a gente tem raiz, nós temos cultura. Então, a gente não vai parar aqui, a gente quer continuar vivendo mais e mais anos, porque a gente vai preservar.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Alessandra, você merecia muito aplauso. Muito aplauso. Eu tenho certeza de que quem está assistindo a TV Senado te amou. Suas palavras são palavras de emoção, palavras que saem do seu coração, da sua pureza, em defesa do que é mais sagrado, que é a terra indígena. Nós vamos resistir aqui.
O Senador Jaques Wagner está te assistindo lá em Salvador. Daqui a pouco ele vai falar, tá? Eu tenho certeza de que ele está emocionado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Falou?
Ele está emocionado lá, eu tenho certeza, e eu me somo, Jaques. Você está aí em Salvador, e eu me somo a você. Eu quero ser liderado para resistir aqui. Nós vamos bravamente resistir e derrubar esse projeto de lei quando ele chegar aqui da Câmara. Você pode liderar esse movimento, Jaques. E conte comigo.
Bem, nós vamos dar continuidade....
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Parabéns a...
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Pode falar.
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Por videoconferência.) - Só estava dando os parabéns pela bela intervenção da liderança Alessandra Korap. Ela realmente fala de dentro da alma, com muita verdade, com muito coração. E tenha certeza de que suas palavras, como já disse nosso querido Senador Confúcio, contaminam positivamente as pessoas que lhe ouvem.
Meus parabéns!
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado.
Vou passar a palavra para o Davi Kopenawa Yanomami, que é um líder indígena. Deve ser lá de Roraima, não é, Davi? É de Roraima, não é?
O SR. DAVI KOPENAWA YANOMAMI (Fora do microfone.) - De Roraima.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) -
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Exatamente. Representante Davi, que tem também uma organização: Dário, Vice-Presidente, e outros. Então, V. Sa., Davi, pode usar o microfone. Só é puxar para o seu lado aí, para a sua boca. E você está com a palavra por até 15 minutos. Fique à vontade, tá? Pode falar.
O SR. DAVI KOPENAWA YANOMAMI (Para expor.) -
(Pronunciamento em língua indígena.)
Bom dia a todos, Senadores, Senadoras.
Esta Casa é a casa do povo, a casa dos guerreiros está aqui. Eu agradeço porque chegou a hora em que vocês me convidaram para vir aqui, a Brasília, para escutar vocês. Eu quero escutar os Senadores, Deputados e autoridades. O que a autoridade quer? No que a autoridade está de olho, que não cansa de falar.
Então, primeiramente, meu nome é Davi Kopenawa Yanomami. Moro na comunidade Watoriki, que divide o Amazonas e divide Roraima, divide a fronteira da Venezuela. Eu sou chamado também para cuidar da onda do mundo, que é muito perigoso para todo o mundo. Então, eu queria tocar no assunto. É prioridade fundamental a floresta, a terra, a saúde, a vida. Esse é o meu conhecimento, conhecimento e sabedoria do povo yanomami. O meu povo yanomami não veio para invadir o Brasil, não vieram andando e rugindo, como os brancos estão andando e rugindo para tomar as terras dos outros. O povo indígena brasileiro não é assim, não.
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Isso que eu queria colocar para os guerreiros, para os parceiros que estão apoiando nossa luta, apoiando nossa briga por causa do meu povo yanomami, por causa do povo indígena brasileiro, que existe. Nasceram aqui, viveram mais de 500 anos. O meu povo brasileiro indígena que vive, que cuida da terra, que cuida do meio ambiente, como o branco fala. Meio ambiente é saúde. É ele que traz a saúde para todos os povos da Terra, povo da cidade, povo da comunidade, para a gente viver bem, ar limpo. Todo mundo sabe: a floresta brasileira vale mais que a destruição. É por isso que nós estamos aqui falando o nome do Brasil, nome do povo indígena, nome do povo brasileiro que vive aqui.
Eu queria colocar, eu queria, assim, deixar bem claro para as autoridades escutarem e sentirem e pensarem. O não indígena, sociedade civil, que fala para nós, e a sociedade que veio atravessar o mar de canoa grande, para invadir o Brasil... Eu queria dizer o nome do homem que pisou as nossas terras, olhou e cresceram os olhos, o nome dele era Pedro Álvares Cabral. Foi ele que chegou aqui e invadiu.
Os brancos são recentes invasores. Isso que eu queria dizer. O povo indígena já estava aqui, já estava morando, já estava vivendo, cuidando da nossa terra, do Planeta, cuidando da nossa saúde, criando nossos filhos, trabalhando para a gente comer. Índio não é destruidor; índio não precisa desmatar muito, como o branco faz. A natureza já criou, já plantou muitas árvores boas, árvores espalhadas. Ela deixou plantar o nosso medicamento, remédio nativo que a gente usa. E o homem destruidor está destruindo, está matando tudo, derrubando e queimando. Isso não poderia fazer, não. Eu pensava que o homem era mais inteligente.
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Eles são inteligentes para fazer outras coisas: destruir a terra, sujar a água, matar peixe e matar o meu povo indígena do Brasil. Esse é o trabalho do Governo, que quer pensar outro jeito. Não poderia continuar assim, não. Já brigamos muito, já brigaram com nossos pais, com nossas lideranças, até o pai de outros Deputados e Senadores também defenderam. Por isso, estou aqui falando com vocês, cobrando o erro de vocês. Quem está errado? É o homem branco que está errado, não está respeitando. Ele não está respeitando a lei, a Constituição Federal, que criou em 1988. Está passando por cima. Eu queria colocar assim.
Então, a nossa terra yanomami já foi reconhecida. O povo indígena, o povo brasileiro já reconheceu. Autoridades passadas já reconheceram, olharam. Brigamos muito. A terra yanomami é reconhecida no Brasil e fora. O povo yanomami é número um. Nós, povo yanomami, cuidamos do nosso Brasil há muito tempo, antes da chegada dos invasores já estava cuidando. Por isso, eu queria que vocês pensassem, decidissem e fizessem respeitar o povo brasileiro, o povo indígena que está fazendo um bom trabalho para vocês e para os índios.
Eu queria também colocar o PL nº 490. Para mim, para nós todos, povo indígena, não é bom. Isso dá uma raiva, dá uma raiva. A gente só fica brigando por causa dessa lei. E o marco temporal, que estava escondido, agora está saindo de novo, como cobra. Vocês já conhecem a cobra grande: quer morder de novo, mexer de novo nas nossas terras yanomami, a terra maior, kayapó, e mundurukú. Tem três terras que nós ganhamos. Nós ganhamos, não; nós pegamos de volta. Pegamos de volta, porque autoridades passadas já roubaram o nosso Brasil muito grande. O que vocês querem mais? O que vocês querem mais? A terra que sobrou para o meu povo yanomami, meus parentes kayapó e mundurukú? Vamos respeitar a gente, vamos respeitar. Nós somos seres humanos e vocês também. Cada um de nós fala diferente. Vamos respeitar, deixem o meu povo viver em paz!
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Lá é casa dele, lá é nosso lugar, onde nós nascemos! O marco temporal está voltando. Está voltando para mexer de novo, roubar, mexer e calar, a minoria do povo indígena. A maioria do povo indígena brasileiro não quer. Ninguém está precisando diminuir a terra, enganar o povo indígena. Minoria do povo indígena que foi vendida, eles querem. Mas eu não quero que o marco temporal mexa na minha terra yanomami.
Muita gente fala que a terra yanomami é muito grande e tem pouco índio. O pouco índio sabe respeitar o nosso Brasil, ele sabe respeitar a nossa cultura da terra. Vocês podem conhecer, vocês podem sonhar, a cultura da terra vale para nós. Ele que cuida de nós, ele que cuida de nós, morar, fazer casa, trabalhar, comer e criar nossos filhos. Nossos filhos, também cria. Então, eu, Davi Kopenawa Yanomami, não quero que o marco temporal seja aprovado. Não quero aprovar. Ele quer amarrar o pescoço e matar afogado. Isso que o nosso povo indígena brasileiro quer. Não é hora de acabar com o nosso povo yanomami. Não é hora de acabar, mexer na terra.
Realmente nosso Brasil é rico de mundo. Não é só a terra yanomami que fica lá, rica no mundo. Claro que a nossa riqueza é água, prioridade para nós todos. Sem a água, o que vocês vão fazer? O que vocês vão tomar? Porque branco toma muita água. Sem a água, o branco vai morrer de sede. Sem a terra, o branco não vai viver nada, não vai viver bem.
Então, essa é a minha palavra, que eu queria deixar aqui nesta Casa. Eu continuo lutando para outros parentes que não tiveram demarcadas as terras, o Governo brasileiro, com Funai, com Ministério da Justiça, que têm que demarcar outros parentes, não estão demarcadas as terras. Isso que eu queria dizer para vocês. Vamos continuar lutando até não deixar acontecer. Essa luta não vai acabar. Nós morreremos; a luta vai ficar para nossos futuros netos.
Essa é a minha palavra. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Davi Kopenawa Yanomami, pelas suas palavras ditas com o coração, na defesa dos interesses dos povos indígenas, contra esse projeto de lei que fere, segundo suas palavras, de morte os interesses dos índios.
Vamos continuar a nossa audiência pública. Eu vou prestigiar aqui a palestrante que chegou em primeiro lugar. Depois, a Dra. Juliana entra. Tá, Juliana? Só um pouquinho.
Eu passo a palavra para a Sra. Brenda Brito, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A senhora tem até 15 minutos para apresentar os seus pontos de vista sobre o tema em debate.
Então, com a palavra Brenda Brito.
A SRA. BRENDA BRITO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada. Um bom dia a todas e todos, às Senadoras e Senadores presentes, ao Senador Confúcio Moura, que preside a reunião neste momento. Também queria cumprimentar o Senador Jaques Wagner, Presidente da Comissão de Meio Ambiente, a quem eu agradeço o convite para falar nesta audiência representando o Imazon, que é um instituto de pesquisa não governamental, fundado há 30 anos, sediado em Belém, e que atua na promoção do desenvolvimento sustentável e da conservação da Amazônia.
Nessa fala, eu queria abordar dois tópicos ligados ao PL 490. Primeiro, eu queria trazer uma reflexão sobre a pressão que nós observamos, por um lado, para agilizar e desburocratizar um processo que leva à privatização de terra pública por meio de regularização fundiária, enquanto, por outro lado, a gente vê uma tentativa de dificultar a destinação de terras públicas para fins prioritários pela Constituição, como é o caso das terras indígenas.
E o segundo ponto, eu queria reforçar o que também já foi falado pela Marcela antes de mim, que é o papel essencial da demarcação das terras indígenas, diante da situação de emergência, na mitigação de mudanças climáticas, e pelo papel fundamental que as terras indígenas representam para o cumprimento pelo Brasil dessas metas definidas pelo Acordo de Paris.
E, antes, quero só reforçar que as falas anteriores já deixam muito evidente que o texto do PL 490 viola direitos constitucionais, viola a Convenção 169 da OIT. A gente sabe que a Constituição de 1988 corrigiu uma injustiça histórica do Estado brasileiro com os povos indígenas, ao prever o direito originário às terras que eles tradicionalmente ocupam, que é uma injustiça que deveria ter sido sanada cinco anos depois da promulgação da Constituição, ou seja, até 1993, mas que se arrasta até hoje.
Segundo o Instituto Socioambiental, há mais de 200 terras indígenas em processo de demarcação ainda não finalizados. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estima que haveria em torno de 500 terras indígenas ainda sem processo iniciado na Funai. E alguns dos processos de demarcação que já foram iniciados duram mais de duas décadas sem conclusão, e essa demora alimenta conflitos de terra, que a gente tem visto se exacerbarem aí nos últimos anos.
E, quando a gente fala de destinação de terras públicas, fazendo uma leitura da nossa Constituição com a legislação federal vigente, a gente identifica uma ordem de prioridade para esse reconhecimento das demandas territoriais, e a prioridade número um é justamente o reconhecimento de terras indígenas, ou seja, nenhum outro eventual interesse de destinação de áreas nesses territórios indígenas pode prevalecer.
Uma vez que você reconhece terras indígenas, a sequência nessa ordem de prioridade de destinação de terras públicas seria para reconhecimento de territórios quilombolas, de áreas de comunidades tradicionais, de áreas para conservação ambiental e áreas para agricultura familiar. E destinar terras públicas já ocupadas para médias e grandes ocupações privadas seria a última dessas prioridades, lá no final, se não houver nenhuma outra sobreposição desses interesses prioritários. Mas o que a gente tem observado é justamente uma tentativa de inverter essa ordem de prioridades, criando procedimentos para acelerar a privatização de terras públicas sem impor salvaguardas suficientes, que impeçam, por exemplo, que um título de terra seja emitido sobreposto a um território indígena ou de uma comunidade tradicional que ainda não tiveram seus direitos territoriais reconhecidos.
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Eu queria lembrar que, entre 2005 e 2019, foram pelo menos quatro leis federais e três medidas provisórias que flexibilizaram ou desburocratizaram, como muitos falam, as regras de regularização fundiária. E não que seja errada a adoção de procedimentos para aumentar a eficiência dos órgãos de terra, como o Incra, que faz a regularização fundiária em terras federais, mas uma coisa é alterar a lei para aumentar a eficiência de procedimentos com as devidas salvaguardas e outra completamente diferente é alterar a lei para anistiar práticas como grilagem de terras públicas, estimular mais invasão e desmatamento nessas áreas, visando, posteriormente, a uma apropriação privada desse território.
E eu queria lembrar que existem dois projetos de lei tramitando no Senado que trazem grandes riscos à integridade das florestas públicas e da garantia de direitos territoriais, que são prioritários por lei. Um é o PL que foi recentemente aprovado na Câmara, o Projeto de Lei 2.633 - não sei se formalmente está tramitando no Senado, mas deve chegar -, e o Projeto de Lei 510, que está tramitando no Senado. E ambos esses projetos de lei trazem, no seu texto, uma previsão de que áreas que não atendam aos requisitos de regularização fundiária para serem tituladas sem licitação poderiam, mesmo assim, ser privatizadas via licitação. E o que isso significa? Que uma área de floresta pública, por exemplo, que for ocupada no futuro e que for desmatada ilegalmente não poderia ser titulada sem a licitação, mas que o Governo poderia pegar essa área que foi invadida no futuro e desmatada e fazer uma licitação dessa área. E isso eu entendo que é uma porta aberta para a continuidade do que a gente chama de processo de invasão e desmatamento de terra pública.
E como isso afetaria, por exemplo, as demandas indígenas? Pelo PL 2.633, aqui de forma muito resumida, os procedimentos que estão sendo trazidos nesse PL praticamente estabelecem que a prioridade de destinação seria a regularização fundiária - ou seja, privatização -, a não ser que exista um estudo técnico conclusivo demonstrando que, naquela área, incide um outro interesse prioritário, como, por exemplo, uma demanda indígena, ou que se apresente um processo administrativo já em curso em que se discute essa demanda prioritária com aquela gleba pública claramente identificada. Então, sem esse estudo conclusivo e sem a identificação daquela gleba no processo administrativo, essa área pública poderia ser encaminhada para a privatização mesmo que tenha indício de outras prioridades. Então, entendo que o próprio PL 2.633 possui, no seu texto, ameaças também à integridade desses territórios indígenas e acaba também afrontando esses direitos garantidos pela Constituição.
E eu queria também, nesse sentido, destacar uma incoerência que a gente vê no texto do PL 490, que quer impor esse marco temporal de ocupação em territórios indígenas até 1988, enquanto que, na atual lei fundiária, a 11.952, áreas ocupadas por não indígenas até 2011 podem ser tituladas sem licitação, resultando na privatização desse território. Quanto a esse marco temporal da regulação fundiária, existe uma pressão no PL 1.510, inclusive para alterá-lo, havendo a possibilidade de titular sem licitação áreas ocupadas mais recentemente.
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Então, o que a gente vê nessa tese do marco temporal para territórios indígenas é uma evidente intenção de limitar esses direitos originários desses povos, enquanto que, por outro lado, existe uma pressão para liberar um contínuo processo de invasão e grilagem de terras públicas.
Um ponto que eu acho que é importante a gente refletir é que, em todo esse período, o que a gente tem visto de projetos de lei que tentam simplificar, desburocratizar é muito nesse sentido da regularização fundiária para privatização, mas a gente não vê essa mesma linha de tentativa de desburocratização, quando a gente fala, por exemplo, de demarcação de territórios indígenas ou de reconhecimento de territórios de comunidades tradicionais.
Seriam muito bem-vindos, por exemplo, projetos de leis que, de alguma forma, reconhecessem iniciativas, como a própria Alessandra comentou, da autodemarcação de terras indígenas como foi feita pelo povo mundurukú.
Esse é o tipo de desburocratização que o Congresso brasileiro deveria estar incentivando, porque quanto mais rápido for o reconhecimento das terras indígenas menor vai ser a chance de conflito, porque todos vão saber que se trata de um território indígena, e também menor a chance de a gente ter um desmatamento associado à tentativa de ocupação daquele território.
Já fazendo um gancho para o segundo ponto, que é a importância fundamental da demarcação das terras indígenas e das garantias constitucionais destes territórios para a redução do desmatamento, para a mitigação das mudanças climáticas e, muito importante lembrar, para a garantia de serviços ambientais que são fundamentais para uma das principais atividades econômicas no País, que é o agronegócio.
Vários estudos científicos comprovam esse papel das terras indígenas na conservação das florestas e na redução do desmatamento. A Marcela, que falou primeiro hoje, citou um estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), publicado este ano, que demonstrou, fazendo uma análise na América Latina e no Caribe, que o desmatamento é mais baixo em territórios indígenas e em comunidades tradicionais que são formalmente reconhecidas.
Então, assegurar a demarcação desses territórios é uma maneira eficiente e - segundo esse relatório - de baixo custo para reduzir as emissões de carbono.
Em 2020, um outro estudo avaliou, olhando para a Região da PanAmazônia, ou seja, a Amazônia no Brasil e os países fronteiriços, mostrando que, entre 2003 e 2016, as emissões de carbono associadas ao desmatamento, fora de terras indígenas e de áreas protegidas, foram mais que o dobro daquelas que ocorreram dentro desses territórios protegidos.
E, falando de um estudo específico sobre o Brasil, uma análise do projeto MapBiomas sobre o desmatamento que ocorreu no Território brasileiro, entre 1985 e 2018, também revelou que são as terras indígenas e as áreas protegidas que perderam menos florestas se comparadas a outras categorias fundiárias. Só 0,5% do desmatamento que ocorreu nesses 33 anos ocorreu dentro desses territórios.
Então, qualquer estratégia de redução de desmatamento precisa incluir a aceleração da demarcação das terras indígenas. Os cientistas mostram que a gente não pode mais adiar esse tipo de medida. O relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), divulgado há poucas semanas, mostra que parte da Amazônia tende a ficar mais seca se tivermos um aumento de temperatura média no Planeta acima de 2ºC. Isso vai impactar não só a produção agrícola que acontece na região, mas também a redução de chuvas que são geradas a partir da Floresta Amazônica e que são fundamentais para a irrigação da produção agrícola no restante do Brasil.
Há um outro estudo que eu queria comentar, que é muito relevante, que foi liberado por pesquisadores da UFMG, publicado neste ano também, em que eles estimam um prejuízo econômico para o agronegócio de até US$1 bilhão, ou seja, no Brasil atual, quase R$6 bilhões por ano, devido à redução de chuvas provocada pelo desmatamento. Os autores chegam a falar uma frase que eu acho bastante impactante, que o Brasil já pode ter passado de um limite, no qual, a partir de agora, qualquer desmatamento adicional vai se traduzir em perdas econômicas diretas para o agronegócio e, portanto, para todo o País.
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Então, esse é o prejuízo que tem que ser levado em conta na hora de avaliar propostas legislativas que criam obstáculos à demarcação, às medidas de contenção do desmatamento, como é o caso da demarcação de terra indígena.
Finalizando, se o Congresso quer ser um agente que contribui com a redução do desmatamento, com o cumprimento dos direitos humanos, com a mitigação das mudanças climáticas, evitando prejuízos bilionários para o País, projetos como o Projeto de Lei 490, projetos que tentam flexibilizar de forma negativa as regras de regulação fundiária, precisam, realmente, ser arquivados, porque, se eles forem aprovados, não vai ser suficiente depois aprovar projetos de lei, por exemplo, que tentam antecipar cumprimento de metas do Brasil para o Acordo de Paris, como é o caso de um projeto de lei que está tramitando no Senado, o PL 1.539, da Senadora Kátia Abreu, que tenta antecipar para 2025 uma meta estabelecida para 2030, que eu acho que é importante. Porém, se você começa a ter medidas que vão contra a conservação da floresta, que incentivam o desmatamento, não vai adiantar aprovar esse tipo de projeto de antecipação de metas, porque elas simplesmente não serão atingidas, assim como não foram atingidas aquelas previstas para a redução do desmatamento que teriam que ser cumpridas até 2020 e não foram.
Na trajetória em que o País está hoje e se o Congresso aprova esse tipo de projeto de lei que estimula o desmatamento de floresta pública, realmente não vai ser possível atingir essas metas antes de 2030 e talvez nem em 2030. Eu acho que esse é um ponto sobre o qual todos nós precisamos realmente refletir.
Eu agradeço pelo espaço e sigo à disposição para qualquer dúvida.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Dra. Brenda Brito.
Eu fico aqui pensando o que seria dos povos indígenas se não fossem as organizações da sociedade civil, como você acabou de apresentar, que representa o Imazon; Dra. Marcela, que representa o Programa Povos Indígenas do Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB); e tantas outras organizações; como também as pastorais da Igreja; o Conselho Indigenista Missionário e tantas outras pessoas saudosas, como os grandes sertanistas brasileiros, a Apoena Meireles e como o grande defensor, aqui no Senado, no passado, que foi Darcy Ribeiro e outros tantos que trabalharam pela causa indígena no Brasil.
Meus parabéns pelo trabalho e pela sua belíssima apresentação.
Dando continuidade, eu registro aqui a presença do nosso querido Senador Paulo, do Estado do Pará, que nos está dando, com a sua presença aqui, o testemunho e o seu compromisso com o tema em questão. O Senador Jaques Wagner, está lá em Salvador, viu, Paulo? Ele está acompanhando de lá e está emocionado com esta apresentação. Você não assistiu aos dois indígenas da liderança falarem, o que foi profundamente emocionante.
Eu vou passar aqui agora para a Juliana de Paula Batista, nós estamos já caminhando para a finalização das apresentações e, depois, eu vou ter que sair, Paulo, você vai sentar aqui no meu lugar e o Jaques Wagner vai ficar lá presidindo, vão ficar dois Presidentes: ele a distância e você presencial. Eu tenho um outro compromisso agora, daqui a pouco. Eu vou só fechar aqui a palavra da Juliana de Paula Batista, pelo tempo de até 15 minutos.
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Juliana, você está com a palavra. Pode puxar o microfone para perto, ligar o sonzinho que está na sua frente e começar.
A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor.) - Exmo. Sr. Presidente Jaques Wagner; Senador Confúcio Moura; Senador Paulo; Alessandra Korap Munduruku e Davi Kopenawa Yanomami, que estão aqui presentes; todos que nos acompanham pelas redes sociais, bom dia.
A gente está passando pela maior pandemia do século. Nós vivemos um momento no mundo inteiro que é sem precedentes. E aqui no Brasil, a gente também passa por um momento que é sem precedentes desde a redemocratização do País. A gente nunca teve retrocessos na área ambiental e de direitos indígenas tão intensivos, tão rápidos e tão agressivos, e é um momento em que a gente espera que o Congresso Nacional e que o Poder Executivo possam olhar para o povo, para a economia, para os níveis de pobreza, que se tornam cada vez mais alarmantes, de uma maneira que a gente não via há muito tempo. Mas não é isso que está acontecendo, não é? Infelizmente, a gente tem visto a pauta do Congresso Nacional ser dominada por projetos de lei para o desmonte do licenciamento ambiental, para o incentivo da grilagem de terras e agora, infelizmente também, para o desmantelamento dos direitos fundamentais dos povos indígenas. Em um momento em que a população precisa tanto de uma legislação e de políticas públicas, a gente tem aí tanto o Congresso quanto o Executivo dedicados em retirar direitos das minorias, e isso é extremamente preocupante.
Essas ameaças estão vindo em várias propostas. O PL 490 é uma delas. Ele está tramitando, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e deve seguir para aprovação no Plenário. Esse projeto tem uma justificativa absolutamente falaciosa: a gente vê na justificativa do PL que eles querem adequar a legislação à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e é uma adequação extremamente seletiva, porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é uma jurisprudência que garante os direitos indígenas. Eles pinçam alguns pontos dessa jurisprudência, deturpam-na, inclusive, diante do quadro geral de jurisprudência que a gente tem e dizem que estão fazendo essa adequação, dizem principalmente que estão tentando adequar a legislação à jurisprudência relativa ao marco temporal. O STF não tem uma jurisprudência consolidada em relação ao marco temporal. Existe um precedente em que isso foi levantado, em um caso específico, que foi o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em que foram levantadas 19 condicionantes para operacionalizar a demarcação daquela terra indígena, um caso que aconteceu no que a gente chama de processo subjetivo, que não tem esse efeito vinculante.
Se existisse uma jurisprudência dominante, a gente não teria hoje o julgamento de uma repercussão geral, que é justamente o instrumento para que o tribunal possa decidir, debater e definir qual é a sua jurisprudência dominante. E a gente vê aí os legisladores empenhados em colocar uma data limite para que os indígenas possam exercer os seus direitos: se não ocupavam as terras em 05 de outubro de 1988, se não ficar comprovada uma posse dessas terras em 05 de outubro de 1988, não pode mais existir a demarcação dessas terras. E é uma teoria que vem para extinguir direitos, porque os indígenas não surgiram por geração espontânea a partir de 6 de outubro de 1988. Em 5 de outubro de 1988, eles estavam em algum lugar. Ninguém pergunta: que lugar é esse? Vamos demarcar, então, essas terras? Simplesmente se tenta dizer que eles nunca estavam onde eles dizem que estavam como uma forma de extinguir direitos e de não se concretizar a Constituição Federal de 1988.
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Uma outra forma. Eles dizem: "Olha, o marco temporal não se aplicaria se os indígenas comprovarem que, em 5 de outubro de 1988, eles estavam em conflito pela terra ou se existisse uma ação da Justiça questionando a retirada dessa terra". Ora, senhores, em 5 de outubro de 1988, os indígenas eram tutelados pelo Estado brasileiro, eles nem sequer poderiam entrar com ações na Justiça. Como que eles colocam uma forma probatória que, em 5 de outubro de 1988, não era possível?
Eu trabalho com um grupo indígena em cujo território, na década de 60 e 70, a Força Aérea Brasileira, em plena ditadura militar, pulou de paraquedas, abriu uma pista de pouso, os aviões pousaram, os indígenas foram colocados com armas na cabeça dentro desses aviões e levados para o Parque Indígena do Xingu. Como que eles iam se manter em conflito, lutando pela terra até 5 de outubro de 1988, se o Estado brasileiro os removeu de forma forçada, manu militari, para o Parque Indígena do Xingu? Não existia a menor condição desse tipo de prova, que até o Ministro Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, já qualificou como prova diabólica, porque a gente se vale da flecha lançada, que não pode voltar atrás, para, 30 anos depois, exigir uma prova que não era exigível naquela época. Quem tem uma prova de onde estava no dia 5 de outubro de 1988? Eu desafio qualquer pessoa, qualquer grupo apresentar uma prova hoje de onde estava no dia 5 de outubro de 1988. A gente não pode exigir algo que naquela época era impensado.
E o projeto ainda vem no sentido de mitigar o usufruto exclusivo dos indígenas, dizendo que a Constituição precisa ser regulamentada. E, sob esse pretexto de regulamentar, o que está acontecendo é de fato se retirar e se degradar o texto constitucional. O texto constitucional é muito claro em dizer que o usufruto dos indígenas é exclusivo sobre as riquezas dos rios, dos lagos e dos solos e qualquer mitigação desse usufruto exclusivo só pode acontecer mediante relevante interesse público da União justificado e na forma de uma lei complementar.
Então, a gente tem aí também, durante o processo legislativo do PL 490, uma série de inconstitucionalidades formais: primeira, isso não poderia ser regulamentado por lei ordinária; segunda, os direitos territoriais indígenas são considerados cláusulas pétreas, e as cláusulas pétreas, que são o núcleo duro e intangível da Constituição, sequer podem ser reformadas por emenda à Constituição.
Uma outra questão que esse PL traz e que a gente vê muitos Deputados falando é a necessidade de os indígenas produzirem em suas terras. Primeiro, a gente tem que lembrar que os indígenas já são um setor produtivo da sociedade brasileira. No Alto Rio Negro, os indígenas têm mais de 200 variedades de mandioca, que garante a segurança alimentar e a conservação da biodiversidade. Os germoplasmas dos produtos da floresta e dos produtos das roças indígenas não estão conservados em nenhum outro lugar. Eles são detentores de um conhecimento e de uma biodiversidade inestimáveis, riquíssimos, que a gente não tem em nenhum outro lugar do planeta Terra.
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Os kaiabis do Xingu, por exemplo, produzem 8 tipos de milho, 16 tipos de cará, 22 tipos de amendoim. Você pega os amendoins... São sementes que você nunca viu na vida. Existe amendoim de tudo quanto é cor, uma coisa incrível, uma diversidade maravilhosa. Os ianomâmis vendem cogumelo para inúmeros restaurantes. Diversos povos indígenas estão produzindo borracha, castanha. A Alessandra, que está aqui com a gente, tem investido intensamente na produção dos artesanatos.
Então, os povos indígenas já são um setor produtivo. E, se eles quiserem produzir coisas que não estão dentro da gama de produção tradicional, eles também têm direito, a partir de um projeto de futuro e de escolha, mas isso não pode ser uma imposição do Estado brasileiro. O Estado brasileiro não entra em uma fazenda e determina o que um produtor rural tem que produzir, o que ele tem que fazer. Por que os Parlamentares se sentem no direito de determinar o que os índios têm que querer, têm que fazer, têm que produzir e como? Essa é uma opção deles. Essa não é uma opção nossa.
E é por isso que é muito criticável que esses projetos venham sendo discutidos, analisados e aprovados sem um processo de consulta livre, prévia e informada, que é garantido por diversos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Ele não é garantido apenas pela Convenção 169 da OIT - e existe um processo para o Brasil sair dessa convenção. Quando você olha a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, você vê que o direito de consulta livre, prévia e informada decorre da própria Convenção Americana de Direitos Humanos, do Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos. Ele está garantido em uma série de tratados internacionais.
E, quando tratados internacionais que têm um valor, na hierarquia de normas, equivalente a emendas constitucionais ou a normas supralegais impõem um processo de consulta todas as vezes que medidas administrativas ou legislativas possam afetar esses povos diretamente e essas consultas não são realizadas, a gente tem uma nulidade formal no processo legislativo, porque existe uma determinação de que essa consulta seja integrada ao processo legislativo. Ela precisa ser realizada. É a forma que a gente tem de equiparar uma desigualdade de poder, de diálogo e de influência que os povos indígenas têm na sociedade brasileira e de construir uma sociedade mais livre, mais justa e mais democrática, que é o que está previsto na nossa Constituição.
A gente tem todos os dias aqui, no Congresso Nacional, o lobby das mineradoras, o lobby da CNI, o lobby da CNA, mas a gente não tem todos os dias no Congresso Nacional a voz dos povos indígenas podendo dizer quais são as suas prioridades, o que eles querem. Não é possível que o Estado e os Parlamentares continuem pensando que podem substituir mais de 300 povos diferentes e com projetos de futuro e de vida diferentes pelas suas vontades e seus projetos de futuro, quando esses povos, principalmente na Amazônia brasileira... A Amazônia brasileira, que ainda tem 98% dos territórios indígenas, ou melhor, 98% das florestas nos territórios indígenas conservados na Amazônia brasileira. Quem, fora das terras indígenas... Eu desafio um produtor rural que apresente o mesmo índice de conservação das terras. Não existe! São os povos indígenas que hoje são os guardiões da floresta e que têm as chaves para a mudança do clima, para um desenvolvimento econômico que seja mais inclusivo, mais sustentável e que traga alternativas para a população de um modo geral.
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Em relação a alguns dados, eu gostaria de comentar, porque a gente escuta muito um bordão extremamente racista e preconceituoso. Eu escuto muito, quando eu falo que trabalho com direitos dos povos indígenas, que existe, abre aspas, "muita terra para pouco índio". E isso é uma grande falácia.
A gente tem que lembrar que 21,2% do Território nacional é ocupado por pastagem, 11% por pastagem degradada. O setor produtivo precisa - o setor produtivo do agronegócio, porque como eu disse, os povos indígenas também são um setor produtivo da sociedade - começar a olhar para dentro e buscar as respostas e inovação tecnológica. Como que esse setor, que já é dono de mais da metade do País, não tem como, o agro que é tech, que é pop, que é tudo, precisa atacar direitos indígenas para continuar se desenvolvendo. É um setor que precisa olhar para dentro e parar de atacar direito das minorias brasileiras.
Se 11% dessas pastagens degradadas fossem recuperadas, por exemplo, esse setor teria como se expandir dispensando a abertura de novas áreas. Agora, me digam, Srs. Deputados e Senadores, 13,8% do Território nacional, se todas as terras forem demarcadas, seriam terras indígenas. A gente tem 21,2% do Território nacional ocupado por pasto. Boi vale mais do que gente?
É uma pergunta que a gente precisa começar a fazer quando se diz que há muita terra para pouco índio. Há mais terra, 21% do Território nacional, ocupada por pastagem e a gente está atacando direito de populações de coletividade, são mais de 300 povos, como eu disse aqui. E a gente ainda tem os povos indígenas que vivem em isolamento, que não têm contato com a sociedade nacional.
O PL 490 permite, inclusive, que se possa fazer contato com esses povos. A gente tem uma política mundialmente reconhecida desde a redemocratização do País, que é a política de não contato com os povos isolados. Só se faz contato com esses povos quando eles expressam livremente o desejo de fazer contato, até porque eles não têm imunidade... O que a gente chama... Não tem resistência. Eu esqueci agora o termo técnico. E qualquer contato com essas comunidades pode ser fatal, pode ocasionar um genocídio, estão entre as populações mais vulneráveis do mundo.
Como que o PL permite contato com esses povos para intermediar relação estatal de interesse público, que poderia, inclusive, ser delegada a agências e empresas nacionais ou privadas, abrindo margem e possibilidade para, em tese, grupos evangélicos radicais fazerem contato com esses povos com interesses que não têm nada a ver com interesse público supostamente relevante?
Essa política de não contato precisa ser mantida porque é um direito desses povos continuar vivendo em isolamento segundo seus usos, costumes e tradições, que é uma garantia constitucional.
Uma outra questão que eu gostaria de levantar em termos de dados é que nós temos hoje 51 milhões de hectares de terras públicas não destinadas no País - 51 milhões de hectares. Equivale a duas vezes o Estado de São Paulo, equivale a cinco vezes e meia o território de Portugal, e a gente tem colocado, a gente não, o Congresso Nacional tem colocado a grilagem e o grileiro como privilegiados na destinação dessas terras.
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É um patrimônio público inestimável, imenso e que pode ser destinado de uma forma racional para resolver os conflitos fundiários, as necessidades do agronegócio, a retirada de invasores das terras indígenas e das terras quilombolas.
Então, a gente não tem falta de terras no País. Por que se criam esses conflitos com os povos indígenas quando a gente tem áreas equivalentes a duas vezes o Estado de São Paulo para serem pensadas de uma forma racional e colocadas para resolver todos esses conflitos?
Por fim, 45% da população indígena vivem hoje na Amazônia, e as grandes áreas já foram demarcadas. O passivo que a gente ainda tem para demarcação não é um passivo grande. Fora da Amazônia, essas terras correspondem a uma área minúscula do Território nacional. Por exemplo: na Bahia, as terras indígenas equivalem a 0,6% do Estado; em Santa Catarina, a 0,87%; em Mato Grosso do Sul, a 2,25%; no Rio Grande do Sul, as terras indígenas equivalem a 0,4% do Estado! É uma demanda no sentido de que o Estado brasileiro precisa finalizar essas demarcações, porque é uma determinação constitucional.
Como eu disse, as grandes terras indígenas já foram demarcadas. O passivo que a gente tem hoje não é um passivo por demarcações que seja extremamente expressivo ou que possa comprometer o agronegócio como o setor do agro vem, infelizmente, propagandeando, inclusive levantando dados que a gente não tem nem como aferir de onde eles tiraram.
Até 2020...
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Dra. Juliana, a questão do tempo...
A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA - Finalizando.
Por fim, a gente gostaria de mencionar que as terras indígenas e o desmatamento evitável das florestas podem gerar ao menos 246,8 milhões em serviços ecossistêmicos, o que é algo que a gente precisa considerar. Vinte e nove investidores globais que detêm juntos 3,7 trilhões em ativos administrados ao redor do mundo pediram que o Governo brasileiro demonstre mais compromisso com a evitação do desmatamento e com os direitos dos povos indígenas. Não é o que está acontecendo. Nós estamos eliminando possibilidades futuras de investimento, de entrar na OCDE, em um momento de crise econômica, em que a gente deveria estar demonstrando um compromisso maior com essas pautas. Infelizmente, não é esse o compromisso que o PL 490 vem demonstrar.
Eu agradeço muito a participação e peço desculpas pelo excesso no tempo.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Dra. Juliana, a sua palestra foi muito esclarecedora no campo do Direito, a senhora discorreu muito bem, mostrando legislações, competências em relacionamento com a infringência dos direitos dos povos indígenas. Gostei muito da sua apresentação.
Antes de passar a palavra para o próximo e último apresentador, que é o Procurador da República Dr. Paulo de Tarso Moreira de Oliveira, eu quero, rapidamente, submeter dois requerimentos à apreciação dos Senadores.
Requerimento, primeiro, nº 25, de 2021, de minha autoria, e o Requerimento nº 26, de autoria do Senador Jaques Wagner, comigo, juntos.
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE N° 25, DE 2021
- Não terminativo -
Requer que seja convidado o Exmo. Sr. Joaquim Álvaro Pereira Leite, Ministro do Meio Ambiente, a comparecer a esta Comissão, a fim de prestar informações sobre a política ambiental que pretende implementar.
Autoria: Senador Confúcio Moura (MDB/RO)
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE N° 26, DE 2021
- Não terminativo -
Requer, nos termos do art. 58, § 2°, II e V, da Constituição Federal, que seja convidado o Senhor Joaquim Álvaro Pereira Leite, Ministro de Estado de Meio Ambiente, a comparecer a esta Comissão, a fim de prestar informações sobre os planos, direcionamentos e ações previstos para a gestão da pasta.
Autoria: Senador Jaques Wagner (PT/BA) e outros
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Os Senadores e Senadoras que estiverem de acordo com esses dois requerimentos e com a sua aprovação permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Estão aprovados os dois requerimentos.
E agora eu vou passar aqui o meu posto de Presidente para o Paulo Rocha, nosso Senador, que está aqui presente; lá em Salvador, está o nosso real Presidente, que é o Jaques Wagner.
A causa, Jaques, é nobre. A causa é nobre. Você nos lidere, nós vamos seguir o seu rumo, o seu bastão.
Então, senta aqui, Paulo, por favor. Só um minutinho para passar...
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Pela ordem. Por videoconferência.) - Antes de V. Exa. se retirar, queria apenas agradecer e só dizer que cada dia amplia a minha admiração por V. Exa. A gente se conhecia a distância, mas a admiração é consequência principalmente da sua honestidade intelectual, da sensibilidade que V. Exa. tem com os seres humanos, porque não é outra a função pública senão respeitar e trabalhar pelos seres humanos do nosso País, do nosso Estado, do nosso Município. Então, quero lhe agradecer profundamente e dizer que até agora têm sido extremamente esclarecedoras as exposições que foram feitas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Senador.
Eu quero registrar a presença do Senador Wellington Fagundes, do Estado de Mato Grosso, que está aqui.
E eu passo aqui a nossa cadeira de Presidente ao Paulo. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Bom dia a todos!
Estou temporariamente ocupando a Presidência desta importante Comissão, ao mesmo tempo em que também nós estamos em debate de um grande e importante tema, que é a questão indígena, principalmente no enfrentamento das legislações que chegam aqui, quer seja através do Executivo ou até de iniciativa própria do Parlamento, mas que colocam em xeque já as conquistas e aquilo que está na Constituição brasileira, em relação aos nossos povos originais.
Queria saudar o companheiro Senador Wellington Fagundes.
Senador, há ainda nosso convidado para intervir; depois da intervenção dele...
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT) - Como eu tenho uma audiência com o Ministro da Educação agora, e a gente tem que se submeter também ao horário deles, gostaria de saber se eu poderia fazer aqui, deixar já algumas perguntas postas. Serei rápido.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Sim.
Com a palavra V. Exa.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT. Para interpelar.) - Eu venho acompanhando a reunião. Quero aqui cumprimentar a todos que já falaram, em nome da liderança da Alessandra, do Davi também, da Juliana, do Paulo de Tarso - todos.
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Sr. Presidente, eu vou aqui ler rapidamente.
Para além do controvertido marco temporal de ocupação, cuja adoção em processo de demarcação de terras indígenas será definido pelo Supremo Tribunal Federal em breve, o substituto do Projeto de Lei nº 490, de 2007, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, permite a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, ainda a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, independentemente da consulta às comunidades indígenas envolvidas ou órgão indigenista federal competente.
Aí vêm as perguntas: na opinião de V. Sa., a instalação de equipamentos públicos, como os mencionados, é compatível com a Constituição de 1988 e com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que detém status normativo supralegal em nosso ordenamento jurídico?
Existe uma incompatibilidade intrínseca entre, de um lado, os direitos dos povos indígenas e a preservação do meio ambiente e, de outro lado, o interesse público nacional presente em operações em faixa de fronteira ou exploração de riquezas de cunho estratégico?
O substituto permite que a demarcação de terras indígenas conte com a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil desde o início do processo administrativo demarcatório. Embora, em regra, seja recomendável a participação de múltiplos atores em processos deliberativos de maior relevância social, seria razoável supor que a presença de vários intervenientes, alguns com interesse antagônico aos das comunidades indígenas, durante todas as fases dos processos, poderia acarretar atrasos demasiados na fiscalização dos procedimentos demarcatórios?
Ainda, Sr. Presidente, eu quero registrar que, essa semana passada, nós tivemos a presença do Presidente Bolsonaro com o Presidente da Funai, vários ministros, lá no meu Estado do Mato Grosso, em Cuiabá, para lançar lá um seminário de desenvolvimento sustentável, onde foram entregues vários tratores, equipamentos e houve também a discussão do que a comunidade indígena do Mato Grosso gostaria em termos de produção, em termos de apoio a essa necessidade deles também de produzir alimentos.
No Mato Grosso, nós temos lá a Reserva dos Parecis, onde foi construída uma estrada estadual, passando no meio da reserva, que foi construída pelo Estado, mas é delegado aos indígenas fazer a cobrança do pedágio. A gente sabe que isso melhorou muito a condição econômica daquela comunidade. O Cacique Arnaldo esteve lá conosco.
Depois me reuni com o Instituto Federal de Educação e Tecnologia, e eles cobraram, de forma veemente, a implantação de uma escola técnica específica na linha de ensinamento junto das comunidades indígenas. Eles, inclusive, alegaram: "Olha, Presidente, se vocês não fizerem, nós vamos fazer com o próprio recurso". Mas, claro, o Instituto Federal de Educação e Tecnologia, a que eu quero aqui, inclusive, parabenizar muito, todo o instituto, através do Reitor Júlio, que nos atendeu muito bem... E já estamos conversando essa hipótese.
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Daqui a pouco, eu vou lá estar com o Ministro da Educação, Senador Paulo Rocha, visto que eu estarei relatando o Ministério da Educação (MEC) para o próximo ano, e, claro, vamos discutir a necessidade de melhor aplicar os recursos do MEC como um todo.
Eu perguntaria aqui também às lideranças que estão nesta palestra de que forma vocês entendem que é importante, que é bom o desenvolvimento das riquezas e, principalmente, da agropecuária, até a questão também das reservas minerais... Como vocês acham que isso deve ser feito para beneficiar especificamente a comunidade indígena, e não para serem exploradas.
Então, é nesse sentido que esta Comissão de Meio Ambiente... Claro, temos a preocupação, porque nós sabemos as dificuldades que vivem os povos indígenas. No meu Estado, temos muitas etnias, os quilombolas, os ribeirinhos, enfim, e, às vezes, muitos deles passando muita dificuldade.
E eu queria um comentário de vocês de como está hoje também a questão da saúde indígena, se é oportuno falar aqui, já que o maior motivo aqui são exatamente as demarcações.
Mas eu tenho certeza de que esta Comissão, no seu compromisso, Presidente Paulo Rocha, de todos nós, é estarmos aqui reconhecendo e apoiando a necessidade dos nossos irmãos indígenas, até porque são os primeiros a estarem aqui. Então, nós queremos o desenvolvimento socioeconômico sustentável, claro, sem agredir os costumes, as tradições de cada povo, de cada etnia.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Senador Wellington, V. Exa. quer que um deles responda a essa pergunta antes de V. Exa. sair ou...
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT) - Se for possível...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Sim.
Davi, você quer responder às perguntas dele?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - É, os interesses indígenas versus os proprietários, produtores também rurais, o que é que você acha disso, dá para conciliar, dá para conciliar esses interesses, e também como vai a vida, nessa questão da pandemia, da saúde dos povos indígenas?
A SRA. ALESSANDRA KORAP MUNDURUKU (Para expor.) - Davi, o problema é que eles querem que o empresário entre na terra e depois ele seja rico, enquanto a gente vai ficar com o rio sujo e com a floresta destruída. Isso é que eles querem, esses produtores... A própria Funai sabe disso; a própria Funai, que está dando máquina, mas não quer demarcar terra indígena; a própria Funai, que está dando máquina, falando em plantação de soja, mas há muitos invasores dentro da terra indígena, como é o caso do território do senhor, como é o caso dos mundurukús, como é o caso dos kayapós... Olhem os outros tantos povos indígenas que estão sendo invadidos, e cadê que as autoridades fazem alguma coisa? Não fazem. Mas, quando é para falar sobre exploração dentro do território indígena, são os primeiros a entrar.
Primeiro, se o Mato Grosso... Eu vou falar porque me convidaram. Quando se fala sobre a defesa, eu tenho que falar, porque é meu povo, são todos os outros povos, que estão sofrendo, pedindo pela demarcação, e até agora não houve nenhuma. Mas, quando é para explorar mineração, quando é para explorar soja, quando é para plantar soja... Quantos portos estão sendo instalados lá em Itaituba para plantar toneladas e toneladas de soja? Quantas ferrovias vão ser construídas para plantar cada vez mais toneladas de soja e desmatar? É como se a nossa educação fosse vendida, como se a nossa cultura fosse vendida, como se fosse a nossa cultura, os nossos filhos fossem vendidos.
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Se os paresís querem ser destruídos, porque querem máquinas, problema deles, mas que faça o dever do Estado a Funai, qualquer autoridade venha respeitar nossos direitos, porque nós, mundurukús, não somos iguais aos yanomamis, não somos iguais aos paresís, não somos iguais aos tupinambás, não somos iguais aos pataxós. Nós somos mais de 300 povos indígenas, mais de 200 línguas falantes, e há quantos povos isolados? Enquanto eles, produtores do agronegócio, estão cada vez invadindo.
Lá, na minha aldeia... Por exemplo: lá, na aldeia Sawre Muybu, foram quase 15 anos atrás de educação. Agora é que nós conseguimos, com muita luta, mas eles querem em troca de algo. Toda vez que é para ter uma educação, uma escola, um ensino médio, eles querem algo para nos destruir. "Eu te dou, eu te dou educação, mas eu quero um pedaço da tua terra. Eu te dou a saúde, mas eu quero um pedacinho do teu rio para construir hidrelétrica, para construir ferrovia, para construir hidrovia". Tudo é em troca.
Os pariuati e os brancos nunca pensam só na terra deles. Sempre querem invadir a terra dos outros.
Eu jamais vou aceitar pessoa, dentro da minha terra, negociar, fazer o que quiser dentro da minha terra, porque depois a gente perde o direito, como está acontecendo com o marco temporal, como está acontecendo com o PL 490.
A gente, Davi, nós, que estamos defendendo a floresta, os nossos filhos, porque eles precisam conhecer cada pássaro, cada formiga, cada folha, cada árvore, a floresta, onde nascem os peixes... Eles precisam saber. Lá é uma secura, mas não quer dizer que nós precisamos viver na seca também não, porque, quando nós saímos do nosso território, a gente vê seca, calor, e a gente só pede água, água, água. Queremos água, porque é uma secura. Mas quem está ajudando a desmatar? O agronegócio! A Funai era para ajudar, e não está fazendo o papel dela não. Só fala em desenvolvimento, no desenvolvimento para destruir o nosso povo, dizimar o nosso povo, dizimar os povos indígenas. A gente não pode aceitar não.
Já chega de as pessoas pariuati quererem mandar em nós! Já chega os pariuati chegarem a dizer: "Você tem que fazer o que eu estou mandando!" Não! Quem que manda nessa casa somos nós, são os nossos filhos, que estão lá. Não é o pariuati que tem que ficar toda hora mandando o que temos que fazer. Nós temos direito a educação, nós temos direito a saúde, nós temos direito a território, nós temos direito a viver no território! Isso é direito, isso é obrigação do Estado, mas não faz o papel dele...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Conclua, Alessandra.
A SRA. ALESSANDRA KORAP MUNDURUKU - Eu fico indignada, doutor! Eu fico indignada como as pessoas confundem cada povo com um povo, como se nós quiséssemos máquina, como se nós quiséssemos ouro, como se nós quiséssemos só destruição... A gente não precisa disso não... A gente precisa de terra, a gente precisa de vida, a gente precisa de água e de floresta. Disso, sim, a gente precisa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Conclua...
Davi, você quer... (Pausa.)
O.k. Responda aí.
Ela já falou sobre a questão da terra, agora fala sobre como é que está a questão da saúde, etc., que foi uma pergunta que ele fez...
O SR. DAVI KOPENAWA YANOMAMI - Então...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Como é que está a vida? Como é que está a vida?
O SR. DAVI KOPENAWA YANOMAMI (Para expor.) - Ele pode escutar, mas ele está rugindo... (Pausa.)
Então, eu não conheço o pessoal e não conheço o trabalho dele.
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O meu povo yanomami não está acostumado. Bom, eu entendi. Ele é filhotinho dos destruidores, que chamam. Ele é filhotinho dos destruidores da nossa terra indígena. Eu não preciso de apoio para explorar a terra ocupada, a terra usada... Há muito tempo que está lá. Eu não quero deixar, abrir mão para eles, exploradores, que exploram a nossa terra, onde a gente mora. Isso é muito ruim para a minha família, nossos pais, minha mãe, irmãs, irmãos; não é bom, é só tipo trabalho. É só para ele conseguir benefício para ele e para nós, povo indígena, ele não vai dar benefício bom para o povo indígena, que está protegido.
A terra Yanomami... Eu sempre falo que tem que deixar a terra Yanomami protegida, deixar protegida para o povo yanomami, porque não precisa de destruidor lá. Abre estrada, derruba mato, cria boi e destrói o meio ambiente. Eu não aceito.
Eu não estou pedindo isso, eu estou pedindo... O nosso povo yanomami está necessitando e pedindo respeito ao pessoal, respeito às terras. Já está homologado, como eu falei. Já está registrado e reconhecido. O meu povo yanomami não está mais isolado. Nós estamos na nossa casa. Então, estou pedindo para os Senadores, Senadoras, Presidente apoiarem, respeitarem a nossa a terra. A terra Yanomami já está ocupada há muitos anos, muito tempo. Isso é o que eu queria responder para ele.
A minha fala é isto, a minha fala é: não! Não precisa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - O.k. O.k.
Senador Jaques Wagner queria falar sobre...
Senador Jaques Wagner. (Pausa.)
Senador Jaques Wagner. (Pausa.)
Senador Jaques Wagner.
Jaques Wagner.
Bom...
Senador Jaques Wagner, queria falar sobre este momento? (Pausa.)
Senador Jaques Wagner.
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O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Por videoconferência.) - Pois não, Senador Paulo Rocha?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Quer falar antes? Ainda falta um último convidado.
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não estou ouvindo. Aumente o som aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Oi?
Ainda falta a gente ouvir um último convidado, que é o Paulo de Tarso Moreira Oliveira, Procurador da República do Ministério Público Federal. A gente ouve, depois você quer fazer uma intervenção final?
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Senador Paulo Rocha, V. Exa. está aguardando alguma coisa da minha parte?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Oi?
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu não...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Como último convidado deste importante debate, vamos passar a palavra ao Sr. Paulo de Tarso Moreira Oliveira, do Ministério Público Federal no Estado do Pará. V. Exa. tem...
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos! Bom dia a todos! Eu acho que houve um ruído aí na comunicação. Eu também não ouço o Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Nós o estamos.
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA - ... da sessão, Senador Paulo Rocha, mas do meu microfone...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Nós estamos ouvindo-o.
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA - ... foi retirado o mudo, então eu entendo que, talvez, seja a deixa para eu iniciar a minha explanação.
Só peço uma confirmação, assim que possível, da Mesa, se realmente... Senador Jaques, o senhor me ouve? (Pausa.)
Então, eu vou iniciar a minha explicação, a minha a minha fala aqui. Continuo sem ouvir o microfone da Mesa, assim como acredito que o Senador Jaques também não estava ouvindo, mas eu vou prosseguir aqui.
Bom, inicialmente eu faço...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Alô? Alô, Paulo?
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA - Oi?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Passou a ouvir?
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA - Sim, agora eu ouço bem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Então V. Exa. tem o tempo determinado aí para fazer a sua intervenção, depois a gente passa a palavra para o Senador Jaques Wagner.
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA - Perfeito. Muito obrigado.
Primeiramente eu faço uma saudação aos Exmos. Srs. Senadores da República Confúcio Moura, que presidiu a sessão até dado momento; na sequência, o Senador Paulo Rocha. Também saúdo o Senador Jaques Wagner, Presidente da Comissão, que me fez o convite para estar presente e também saúdo os demais presentes ao evento, em especial as lideranças indígenas, as quais externaram com muita propriedade os seus dramas de vida, não é?
Eu vou fazer uma explicação, uma explanação breve, porque acredito que muitas das questões jurídicas já foram abordadas e eu vou falar um pouco da minha experiência na Amazônia.
Eu sou o Paulo de Tarso Moreira Oliveira, eu sou membro do Ministério Público Federal, eu tenho atuação no Estado do Pará desde 2016. Eu atuei na Força-Tarefa Amazônia, com ênfase no eixo temático da mineração ilegal de ouro na Amazônia. Fui coautor do manual de atuação contra a mineração ilegal de ouro na Amazônia e tenho algum conhecimento de causa. Vim da Bahia pra cá e me lancei nesse mundo, conheci muitas lideranças, fui a regiões - entre aspas - "distantes" dos grandes centros. Por que as aspas? Porque numa perspectiva plural da Constituição, nós não sabemos se nós estamos distantes ou se nós não fazemos esse caminho com mais frequência. Então, eu fui a Jacareacanga, fui a Itaituba, fui a assembleias dos indígenas, em especial a etnia mundurukú, que me ensinou e me ensina bastante.
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Então vou fazer uma explanação muito mais prática, falando da minha experiência de vida em contato com esses povos tradicionais e comunidades aqui na Amazônia em relação a esse projeto de lei que foi mencionado aí como mote do chamamento do Senador Jaques.
Primeiramente vamos fazer um registro também. Eu queria registrar aqui que a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão já acompanha iniciativas legislativas e administrativas que tocam direitos indígenas. Então, a 6ª Câmara do Ministério Público Federal já teve a oportunidade de se manifestar em relação à PEC nº 215, de 2000, por exemplo, em 2013, que pretendia, tal qual o PL nº 490, atribuir ao Congresso a demarcação das terras indígenas. Na época, a Câmara apontou a inconstitucionalidade dessa PEC, por violação a direito fundamental e ofensa ao direito adquirido dos indígenas em relação às terras tradicionalmente por eles ocupadas, destacando-se ali a natureza declaratória desse direito preexistente.
Também em 2017 a Câmara encaminhou à Câmara dos Deputados uma nota técnica sobre uma proposta de emenda que pretendia legalizar atividades agropecuárias e florestais nas terras indígenas, também se manifestando pela inconstitucionalidade da medida. E outras manifestações também. Em relação ao próprio PL nº 490, a 6ª Câmara também fez uma nota pública, também afirmando essa inconstitucionalidade, essa inconvencionalidade também, desse projeto de lei.
E o que me mostra a minha experiência, o que me mostrou a minha experiência na Amazônia? Primeiramente, eu observei que, na prática, visualizando o seguinte, o problema de termos essas leis generalizantes, como como essa do PL nº 490, é justamente retirar a pluralidade da sociedade. Uma lei que pretenda tratar de modo uniforme toda uma pluralidade de mais de 30 povos indígenas, não sei quantas línguas faladas no Brasil, é uma redução inapropriada, para dizer o mínimo. O Estado previu o pluralismo e tem o dever de proteger os povos indígenas na sua diversidade. Daí a importância de se ter o procedimento da consulta prévia livre e informada, porque é justamente esse processo de diálogo com os povos indígenas.
Eu quero chamar atenção a uma questão muito grave, muito grave, que eu acredito que toca a todos os Congressistas do Brasil, que é esse apeamento, essa retirada de atribuição do Congresso. Veja, na prática nós observamos, ao longo de alguns episódios que eu acompanhei muito diretamente, falas e manifestações do então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e outros agentes políticos de igual forma, sinalizando e dizendo muito claramente que descumpririam políticas públicas previstas na Constituição e na lei. Ora, na minha atuação na ponta, em conversa com indígenas, em contato com comunidades, eu pude observar que essas falas, essas manifestações de agentes políticos do Executivo tinham o condão de diretamente, imediatamente, gerar um cenário de ameaças e violências insuportável. Então, eu acompanhei situações de pessoas ameaçadas, de pessoas que tiveram suas casas queimadas, de pessoas que sofreram violências, espancamentos na rua. Subscrevi, junto com os colegas da unidade, inclusive, um pedido que eu jamais pensei em fazer, um pedido de representação ao PGR para que ele representasse ao Supremo para intervir no Estado do Pará, no sul do Pará, em relação à segurança pública, dado o descontrole na região. Tudo isso foi causado, Srs. Senadores, por uma fala, uma posição, uma manifestação pública política muito indevida e inapropriada. Então, enquanto nós discutimos aqui a questão do PL nº 490, enquanto nós discutimos essa questão legislativa no plano macro, nós não podemos esquecer que no plano concreto as terras indígenas já estão sofrendo uma grande violência, um grande processo de supressão de direitos. Existem invasores que estão, neste exato momento, buscando se apropriar dos recursos das terras indígenas e colocando toda a população à margem desse processo, o que me leva a outro ponto que deve ser também levar em consideração.
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O Senador Wellington provocou, questionou a questão de aliar os povos indígenas com o desenvolvimento. Mas, ora, que desenvolvimento é esse, que noção de desenvolvimento é essa? O que se entende por desenvolvimento? Essa é uma pergunta também que precisa ser feita. Precisamos também pensar nessa questão. Os povos indígenas são povos... A gente tem uma diferenciação de povo de recente contato e povos de contato mais remoto, mas são povos que têm peculiaridades culturais e justamente por essas peculiaridades esses povos foram assim, de modo muito específico, tratados na Constituição. A Constituição é muito clara, aliás, no art. 231. Se nós lêssemos esse artigo todos os dias, talvez fosse muito mais tranquilo lidar e entender esse processo que os indígenas do Brasil têm sofrido.
Então, a Constituição assegura - abre aspas - "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições, direitos originários sobre suas terras, que tradicionalmente ocupam, [...] competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os sus bens".
E o que são as terras indígenas? São aquelas ocupadas pelos índios, "por eles habitadas em caráter permanente, [...] imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições."
Ora, então precisamos entender que os indígenas têm a sua forma de desenvolvimento. Cada um dos povos indígenas do Brasil tem a sua visão do que é desenvolvimento. E nós, quando lemos a Constituição, não podemos, não devemos ler a Constituição entendendo que o indígena é o outro. O indígena é parte da nossa sociedade. Nós teríamos que fazer essa leitura também entendendo, fazendo um exercício de empatia e lendo a Constituição como se nós fossemos indígenas também. E essa leitura não é feita. Nós infelizmente caímos sempre nessa falha interpretativa de ler a Constituição como se nós fossemos uma sociedade distinta da sociedade que tem o indígena como o tronco formador da população nacional. Infelizmente, aquilo que foi feito para a população negra é irremediável - é irremediável. Temos a política dos quilombos, mas é irremediável. São pessoas que, por mais impensáveis violências, tiveram que se apropriar de uma língua diversa da sua, hoje a maioria da população sofre com a marginalização e, quanto aos indígenas, temos ainda a chance de fazer algo diferente em relação aos povos indígenas, de olhá-los com suas especificidades, de conversar com eles, de entender e aprender com essa população com suas línguas e com suas tradições. E a minha experiência aqui na Amazônia tem revelado que todas essas proposições legislativas, tudo isso vem a reboque de uma dinâmica de violência, de ameaças fomentadas, por ação ou por omissão, pelo próprio Estado brasileiro. E isso é de uma violência absurda. O Congresso deveria estar discutindo não a aprovação do PL 490 ou de leis correlatas, leis que vêm a reboque com essa mesma temática, mas devia estar olhando, sim, para aquilo que tem sido feito com os povos indígenas pela ação ou pela omissão do Estado brasileiro. Essas violências já estão ocorrendo. Parece-me que é uma espécie de balão de ensaio: muito do que se faz, muito do que se joga, muito do que se apregoa, inclusive em proposições legislativas, o Estado já se adiantou, já foi lá, já estimulou a invasão. E nós temos uma consequência, uma relação direta entre as manifestações políticas de agentes políticos do Executivo e o incremento das violências praticadas nas terras indígenas.
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Então, eu não quero me estender muito, acho que já vou lá para o meu minuto 12 da apresentação.
Só registrar um dado, que as terras indígenas ainda hoje sofrem com registros de Cadastro Ambiental Rural, permissões e requerimentos de permissão de lavra garimpeira. Todos esses registros são autodeclaratórios e escondem pretensões de organizações e de lobistas sobre as terras indígenas. E acredito que essa vontade de se apropriar das terras indígenas é muito mais de agentes outros do que propriamente do indígena. Ele apenas quer sobreviver e viver plenamente como sempre viveu.
Portanto, eu agradeço o espaço e me coloco aqui à disposição para falar um pouco mais sobre a minha experiência na Amazônia, acredito que foi essa a razão do meu chamamento aqui para falar nesta Comissão.
E me coloco à disposição aqui para a fase de conversas ou debates.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Dr. Paulo de Tarso. Com certeza, sua intervenção em muito contribuiu aqui para nossa Comissão, para a gente consolidar essa visão que está em debate, principalmente para proteger os interesses dos povos indígenas.
Senador Jaques Wagner, tem a palavra V. Exa.
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O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Pela ordem. Por videoconferência.) - Senador Paulo Rocha, agradeço por cumprir esse papel e dirigir a reunião.
Como já disse no começo, hoje eu tinha um compromisso inadiável, que é a chegada do ex-Presidente Lula em visita à Bahia, e, portanto, estou acompanhando a sessão remotamente. Quero lhe agradecer e agradecer muito a cada um dos palestrantes, dos convidados e convidadas. Foram depoimentos de natureza diferenciada, a começar pelas duas lideranças indígenas - na minha opinião, de forma muito contundente e muito verdadeira de quem efetivamente vive o problema e se sente ameaçado -, que trouxeram o seu depoimento - na minha opinião, repito - profundamente contagiador da alma de cada um de nós. E depois, todos outros depoimentos de quem já consegue fazer uma abordagem também emotiva e emocional, porque ninguém vive o drama da demarcação sem se envolver emocionalmente, mas traçando aspectos legislativos, jurídicos e técnicos também altamente, profundamente esclarecedores.
Eu chamo a atenção para um deles, que, aliás, vive essa Casa. De um lado, primeiro, eu sou contra esse fast track legislativo que virou a Câmara e o Senado. De repente, parece que se vive na pandemia e se quer ter uma produtividade - não sei se positiva ou negativa, mas medida em números de leis que se aprovam - numa rapidez que em tempos normais nós não tínhamos. Na verdade, o que nós estamos fazendo é suprimir o processo legislativo, reduzindo apenas ao Plenário, seja da Câmara ou do Senado - me envolvo menos com a Câmara, que não é a Casa em que eu vivo, mas aqui no Senado. Então é tudo na base do Relator de Plenário e vamos tocando, sob o argumento de que é preciso legislar.
Eu boto o dedo num aspecto altamente contraditório. Enquanto que no PL da chamada demarcação fundiária se pretende trazer o marco temporal cada vez mais para perto, a despeito do compromisso do Relator de não mexer no marco temporal, no caso aqui se quer regredir o marco temporal para dizer que quem estava lá estava, quem não estava, não pode mais ser indígena. Como já foi dito por um dos expositores, como se alguém pudesse ter uma radiografia, uma fotografia de quem estava lá. Não se tinha GPS naquela época, não se tinha uma série de instrumentos que há hoje. Então, toda a demarcação tem um outro caráter de reconhecimento, antropológico inclusive, do que acontecia.
Então, eu acho extremamente rico esse conjunto de exposições que foram feitas agora pela manhã. Eu já pedi à Secretaria da CMA para recolher, porque pessoalmente quero lê-los todos e também poder fazer material de divulgação e continuar nessa luta, porque eu não vejo... Passou na Comissão de Constituição e Justiça e foi direto para Plenário. Então, há uma corrida, na minha opinião, uma certa marcha da insensatez, no sentido de querer aprovar tudo sob o guarda-chuva da covid.
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Perdoem-me a franqueza, eu já tenho dito isso para muitos, mas o que parece é isto: já que ninguém pode estar aqui... Eu próprio tenho ido pouco ao Plenário do Senado. Então, os debates se limitam a três minutos e está encerrado; não se vê um verdadeiro debate. O aprofundamento de matéria se faz na Comissão. E é por isso que muitas Comissões e muitas matérias são terminativas na Comissão. Estamos transformando o Plenário do Senado numa grande Comissão, pra um debate, V. Exa. sabe disso, muitas vezes muito aquém, em tempo e em profundidade, daquilo que nós precisamos. E aí vem tudo, como o Estatuto do Índio, que também está pra ser votado, todas essas questões que já foram aqui levantadas.
Então, eu quero só agradecer. Eu sei que V. Exa. agora vai abrir a palavra para aqueles Senadores inscritos. Eu queria só fazer mais um, alerta não, mostrar um ponto de vista.
Recentemente, com a retoma pelos talibãs - e eu não quero aqui entrar no juízo de valor da direção do Afeganistão -, muitos de nós, o mundo todo se indigna porque entende que a cultura, os hábitos desse segmento são hábitos pra nós absolutamente absurdos. Eu também acho. No entanto, aqui, como já foi dito pela liderança indígena, quer se impor um modelo de desenvolvimento e um modelo de cultura; ou seja, a gente se indigna com o que acha absurdo lá fora e não se dá conta do absurdo que estão fazendo aqui dentro, de querer impor uma cultura, um jeito de vida todo. Desenvolvimento é desenvolvimento ou é enriquecimento de alguns? Tudo é mais terra pra mais gado ou pra mais ouro? Não estou dizendo que não seja um valor isso; mas nós vamos a isso na usura sem limite?
Então, eu quero só agradecer pessoalmente, inclusive saio muito enriquecido desta reunião, pelos depoimentos, repito, de natureza diferente, mas absolutamente complementares. E eu espero que a gente possa sensibilizar os colegas Senadores. E eu vou aproveitar a palavra de um dos convidados ou convidadas. Aqui nós não estamos querendo estabelecer uma dicotomia ou uma falsa dicotomia entre os que querem desenvolver e os que não querem desenvolver, os que querem preservar e os que não querem preservar; é possível fazer desenvolvimento com sustentabilidade, é possível fazer desenvolvimento com a sustentabilidade tripartite - econômica, social e ambiental -, e eu diria aqui cultural, porque aqui, no caso de terras indígenas, estamos tocando num aspecto também não só social, como também cultural desses povos.
Então, agradeço mais uma vez. Agradeço a V. Exa. por estar assumindo.
E devolvo a palavra a V. Exa. para fazer o encaminhamento da reunião.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Presidente Jaques Wagner.
Como também não há mais nenhum Parlamentar com inscrição, eu só queria devolver a palavra aqui somente às duas lideranças indígenas que estão aqui pra gente concluir a nossa sessão, uma vez que as perguntas também do e-Cidadania tiveram das várias... Elas são, digamos assim, autorrespondidas pela própria intervenção já dos nossos convidados.
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Por exemplo, Geovane Rocha, Mato Grosso do Sul: "Que benefícios trariam para as comunidades essa alteração na lei 6001/73?"
Então, pela própria intervenção dos vários convidados, já estão respondidas as várias propostas que estão colocadas.
Neuza Paula, do Paraná: "O índio de hoje não é o mesmo do passado, nada mais justo que poder usufruir das riquezas que existem em suas terras, da exploração delas!"
Francisco B. do Carmo, Pará: "Os índios são os primeiros moradores de nossa pátria, tudo que venha prejudicar o direito deles não é bem-vindo."
Willis Polli, Paraná: "Os verdadeiros donos do Brasil são os indígenas. Então, precisamos de leis que garantam o direito deles, de forma muito mais abrangente."
Katharine, de Minas Gerais: "A sociedade brasileira se mostra apática em relação a esta pauta danosa aos ambientes e aos povos indígenas."
Quero dizer que todas essas intervenções são arquivadas, são colocadas na nossa Comissão. E as respostas às intervenções, repito, já foram dadas.
Quero, antes de concluir, passar a palavra, por três minutos, à Alessandra, para fazer as suas considerações finais.
A SRA. ALESSANDRA KORAP MUNDURUKU (Para expor.) - Eu agradeço o convite. Mais uma vez no Senado: que ouçam nossas vozes, que nos escutem, porque os homens brancos ainda são muito surdos, ainda são muito cegos.
E obrigada mesmo pelo convite. Só isso que eu tenho que falar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Sra. Juliana.
A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor.) - Também agradeço muitíssimo a participação.
E mais uma vez nós lembramos aqui nesta Casa, no Senado Federal, que o povo brasileiro espera um Congresso Nacional com uma atuação verdadeiramente comprometida com o bem comum neste momento de pandemia, neste momento de agudização de crise financeira. A pauta do Congresso não deveria estar sendo usada pra retirar direitos de minorias e pra promover um desmonte da legislação de proteção do meio ambiente que nós temos. Nós precisamos fortalecer os compromissos com o meio ambiente, com os povos indígenas, com os povos quilombolas, com essas comunidades que vêm ajudando o País a conservar a Amazônia, conservar todos os biomas e dar ao mundo um exemplo de sustentabilidade, dar ao mundo um exemplo de uma nação que pode ser cada vez mais plural. Existe espaço pra todo mundo. Existem terras disponíveis pra gente resolver os problemas e os conflitos.
E é fundamental também que a população brasileira esteja atenta, nas próximas eleições, pra votar em Parlamentares que assumam compromisso com essas causas, porque disso depende o futuro das presentes e também das futuras gerações.
Muito obrigada, Sr. Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Quer concluir a sua intervenção com um recado final aí?
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O SR. DAVI KOPENAWA YANOMAMI (Para expor.) - Bem, é bom que... Agradeço nossa conversa, nossa troca de ideia. Nós povo yanomami, eu... O benefício mais importante para meu povo yanomami é a terra, a riqueza - a riqueza da saúde, a riqueza do ar limpo, a riqueza proteção, respeitado o meu povo yanomami. Há muito que nós estamos lá. O benefício do meu povo yanomami é a sociedade civil, o governo respeitar. É respeitar, porque nós somos reconhecidos de vocês, nós somos índios de vocês, também nós estamos fazendo um bom trabalho, em parte, para lutar junto e trabalhar junto para nosso futuro, outra geração, para eles viverem bem, nossos filhos, da aldeia, da comunidade, para eles viverem bem, com saúde e harmonia, e permanecerem na sua terra Yanomami, que foi criada para viverem.
Então, essa é a minha palavra. Eu agradeço que vocês me deixaram aqui falar. Essa minha fala vai ficar nos seus pensamentos, nos corações e continuar a lutar até não deixar acontecer o que é muito feio para o meu povo yanomami.
É essa a minha opinião.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Davi, liderança indígena dos yanomamis.
Sra. Brenda Brito ainda está online?
A SRA. BRENDA BRITO (Para expor. Por videoconferência.) - Sim.
Gostaria de agradecer também pela oportunidade, pelo convite. Queria fazer eco aqui à fala do Senador Jaques Wagner sobre essa preocupação que todos nós temos em relação a vários projetos de lei que estão sendo aprovados de forma muito açodada durante a pandemia e que tratam de questões fundamentais, que têm relação com a conservação dos recursos naturais, com a condução dos direitos dos povos indígenas, não é? E a gente tem outros projetos que estão tramitando que também trazem muitos riscos à conservação das nossas florestas públicas; tem a questão do projeto de licenciamento, que já tá no Senado; tem, como eu falei, dois projetos de lei que querem mudar a regra de regulação fundiária, com muitos riscos; tem o próprio PL 490 que ainda está na Câmara e que eu espero que seja arquivado, não é?
Então, eu acho que tudo isso traz muita preocupação, num momento em que a gente vive essa pandemia, essas restrições, essa dificuldade de entrar nesses debates de forma mais profunda e, acima de tudo, de realmente mostrar as diferentes, muitas vezes, brechas, armadilhas que acabam surgindo de um dia para a noite nesses PLs que estão sendo votados aí, de forma muito rápida, mudando texto em cima da hora. Isso nos preocupa bastante, especialmente diante de toda essa questão, essa urgência climática que a gente está vivendo, em que a gente realmente não tem mais tempo para ficar aqui flexibilizando regras que vão levar a mais desmatamento. A gente precisa parar o desmatamento agora, o Brasil está secando, o Brasil está reduzindo suas chuvas, e isso vai ser ruim não só para os povos indígenas, mas vai ser ruim para todo o País.
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Então, é muito importante que esses projetos sejam extremamente debatidos e, na medida do possível, eventualmente arquivados, quando trouxerem a impossibilidade de serem efetivamente melhorados.
Muito obrigada pelo espaço.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Sua contribuição é muito importante para este debate, para este assunto na nossa Comissão.
Sra. Marcela Menezes, ainda está online?
A SRA. MARCELA MENEZES (Para expor. Por videoconferência.) - Sim, estou aqui somente para agradecer mesmo o convite, a participação e a gente espera que o Senado seja, de fato, uma Casa que proteja os povos indígenas, que, de fato, construa leis que sejam para garantir os direitos indígenas e o futuro dos territórios indígenas, já que isso é um bem para o Brasil, para o mundo e não avance com projetos que retiram direitos, ainda mais num momento dramático de aumento de mudanças climáticas e desta pandemia.
Então, a gente agradece e está sempre à disposição para o diálogo em defesa dos direitos indígenas e das demarcações.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Marcela.
Por fim, o Dr. Paulo de Tarso.
O SR. PAULO DE TARSO MOREIRA OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Eu gostaria de parabenizar todos, a Mesa, a Comissão de Meio Ambiente do Senado por este espaço. É muito importante conferir um lugar de fala para os indígenas que, em sua maioria, não contam com financiamento, com apoio financeiro de grandes grupos econômicos.
É preciso para que se engendre, verdadeiramente, um debate democrático, é preciso a preocupação do Senado que seja dada a oportunidade de realmente fazer os contatos, ir às comunidades, entender que os indígenas que vivem tradicionalmente, muitas vezes, sequer falam português e não têm a menor intimidade com a burocracia estatal dos processos legislativos.
Eu saúdo esta oportunidade. Acredito que a Comissão fez e faz um excelente trabalho e acredito que esse posicionamento deve permanecer. Essa posição de cautela em relação a esses projetos açodados, que tramitam com muita velocidade, invariavelmente, são patrocinados por interesses que não são os interesses dos povos indígenas e são efetivamente protegidos pela Constituição Federal, que lhes atribui o direito de viver tradicionalmente com a sua reprodução física e cultural de seus usos e costumes.
Então, fica o meu agradecimento, minha exortação que a Comissão continue fazendo esse trabalho e abrindo, cada vez mais, os espaços de debate e os lugares de fala para os indígenas do Brasil.
Muito obrigado, bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Muito obrigado, Dr. Paulo.
Antes de encerrar esta reunião, queria dizer ao meu companheiro Jaques Wagner, que está presidindo esta importante Comissão, neste momento, no Senado, momento em que nós vivemos uma regressão das conquistas que nós já tivemos no nosso País: conquistas constitucionais, conquistas sociais, conquistas de políticas públicas, conquistas da democracia e, de novo, o Brasil está em cheque e todas essas conquistas e avanços estão colocados em cheque, porque falta ao Estado brasileiro se planejar mais para atender aos interesses de uma sociedade tão plural, como é a sociedade brasileira.
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Em nosso Território, tão cheio de responsabilidades, inclusive perante o mundo, como a questão climática, a questão ambiental e, principalmente, o respeito às terras dos povos originários, quer sejam os indígenas, quer sejam os quilombolas, há a ausência de um planejamento estratégico para que se respeitem esses direitos, não só os direitos da terra, das suas propriedades, mas também os direitos da sua cultura, da sua forma de viver, da sua forma de se desenvolver humanamente. Então, o Estado brasileiro está a dever um plano estratégico para que a gente não fique, de governo em governo, com esses sustos. Quando chega um governo democrático, há um nível de tratamento e de respeito, como recentemente nós já vimos no Governo Lula. Mas, agora, neste Governo, é totalmente ao contrário, porque destrói tudo isso. Os nossos povos indígenas são vítimas dessa falta de planejamento e dessa falta de respeito dos governos de plantão.
Eu venho de um Estado também com essa complexidade, o Estado do Pará, em que há exemplos claros disso. Na época dos governos militares, por exemplo, eles fizeram um verdadeiro assentamento dentro das terras dos tuerês, da reserva de tuerê, em São Félix do Xingu. Colocaram lá um assentamento de 324 famílias, ou seja, colocaram os pequenos contra os indígenas. E só se chegou a uma solução depois de 20, 30 anos. Portanto, houve uma luta lá para resolver essa questão.
Com a justificativa, na época dos militares, de ocupar para não entregar, fizeram a Transamazônica, cortando o Estado do Pará com mil quilômetros de uma estrada sem nenhum planejamento, colocando a colonização sobre os índios, sobre as terras indígenas, etc. etc., e também a construção de Tucuruí, da Usina de Tucuruí, que foi um verdadeiro ataque não só à floresta, ao meio ambiente, mas também às terras indígenas, alagando lá milhares de hectares de terra e da floresta, sem que levassem em consideração o respeito à própria ciência, à própria tecnologia que já existia para poder produzir energia para o nosso País.
Então, o Estado brasileiro está a dever um plano estratégico.
Estou falando só dos exemplos do Pará, porque eu vivi isso desde quando eu militava no movimento social e, depois, como Deputado e, agora, como Senador.
Agora mesmo está em xeque o escoamento da produção dos grãos lá de Mato Grosso. Além de terem feito já uma estrada - aquela ali, pelo menos, foi pensada, foi planejada, avaliando seu asfaltamento, criando condições de reservas, respeitando reservas indígenas, etc. -, agora querem uma estrada de ferro, chamada Ferrogrão, que, de novo, coloca em cheque, coloca conflitos sobre as terras dos nossos irmãos indígenas.
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Tudo isso é a falta de um planejamento de um Estado que quer se desenvolver - e tudo em nome do desenvolvimento - e vai desrespeitando todos, tudo: o meio ambiente, a floresta, as nossas terras indígenas, os nossos indígenas, a sua cultura, o seu povo. Então, é preciso realmente que haja um planejamento estratégico, principalmente para esses biomas mais... Porque tem responsabilidade, inclusive, perante o mundo na questão ambiental, climática, etc.
Por isso, Senador Jaques Wagner, eu vou tomar uma iniciativa aqui na Comissão para que a gente crie uma Subcomissão de pensar constantemente... Quem sabe uma Comissão Mista entre o Senado e a Câmara Federal para que a gente se debruce diuturnamente na perspectiva de pensar esse planejamento estratégico, não é? Porque, em tudo, se fala em desenvolvimento, mas o preço é caro, principalmente para aqueles que têm uma forma de se desenvolver diferente de outros povos, de outros interesses. É claro que o desenvolvimento do pessoal do grão é totalmente contrário ao desenvolvimento dos indígenas, à visão de desenvolvimento deles, porque eles querem viver e eles sabem viver da sua floresta, da sua terra, do seu jeito de ser, etc.
Então, em respeito a isso, eu quero agradecer a presença das lideranças indígenas, da Dra. Juliana, da Dra. Brenda e da Dra. Marcela, do Paulo de Tarso. Representados aqui os povos indígenas por estas grandes lideranças: a Alessandra Munduruku e o Davi dos ianomâmis.
Está encerrada a sessão.
(Iniciada às 8 horas e 40 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 05 minutos.)