16/09/2021 - 21ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 21ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública em atenção aos Requerimentos nºs 1, 4 e 11, de 2020, desta Comissão, de autoria dos Senadores Fabiano Contarato e Luis Carlos Heinze, com o objetivo de debater o "Uso de agrotóxicos no Brasil: impactos ambientais e na saúde e os mitos e verdades sobre estes produtos" e perspectivas do agronegócio.
Estarão conosco, como convidados, no dia de hoje, em ordem alfabética: a Sra. Antônia Ivoneide, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra; o Sr. Carlos Alexandre Oliveira Gomes, Gerente-Geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e especialista em Regulação e Vigilância Sanitária; a Sra. Eloisa Dutra Caldas, Professora Titular do Curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Brasília, membro do grupo de peritos em resíduos de pesticidas da OMS e da FAO; a Sra. Regina Sambuichi, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e a Sra. Silvia do Amaral Rigon, Professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Paraná e representante do Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional.
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Foram convidados também, mas, por questões de agenda, não puderam estar conosco nesta oportunidade as Sras. Larissa Mies Bombardi e Marisa Zerbetto.
Esta reunião ocorre de modo semipresencial com o uso do sistema de videoconferências adotado pelo Senado da República.
Após as exposições iniciais, será dada a palavra aos Srs. Senadores inscritos.
As inscrições para uso da palavra podem ser solicitadas por meio do recurso "levantar a mão" ou no chat da ferramenta para os Senadores que participam remotamente.
Solicito à Secretaria que, neste momento, abaixe todos as mãos de quem se encontra remotamente, silencie os microfones e monitore as inscrições.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800-612211.
O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada orador usará da palavra por até 15 minutos.
Para quem estiver em modo remoto e optar por usar material de apoio será autorizado o compartilhamento da tela ao longo da exposição.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida ao Senadores inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários em até cinco minutos.
Na verdade, nós vamos fazer uma ordem primeira, que vai respeitar a ordem alfabética, e, ao final, nos comentários finais e eventualmente respostas, nós inverteremos essa ordem para os comentários finais.
Portanto, eu concedo a palavra, por até 15 minutos, para sua exposição, à Sra. Antônia Ivoneide. Com V. Sa. a palavra.
A SRA. ANTÔNIA IVONEIDE (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador. Bom dia a todos os outros Senadores aqui presentes. Bom dia aos outros participantes.
É uma honra grande para nós estarmos participando aqui, queremos agradecer já pelo convite e trazer aqui talvez as angústias e as questões trazidas pela agricultura familiar, pelos trabalhadores do campo e principalmente pelos assentados, que é a minha condição. Eu sou assentada no Ceará, sou militante do MST, atuo no setor de produção do movimento. Aqui, por esse convite, quero trazer presentes algumas questões a esta audiência que para nós é importante debater.
Quero dizer que não sou pesquisadora; sou agricultora, camponesa. Portanto, o que eu trago aqui é do que eu estudo, do que eu vejo, dos debates e do que também eu sofro como consequência. Primeiro, quero dizer que os impactos dos agrotóxicos no campo não ocorrem só nessas duas linhas, ambiental e da saúde, mas também social e inclusive econômica para os agricultores.
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No que se refere aos impactos ambientais, nós temos estudos demonstrados e também comprovamos que os agrotóxicos contaminam tanto a água que está sobre o solo, ou seja, nos lagos, açudes, minas e nascentes, como também a água que está no subsolo. Tem se comprovado, através de estudos, que a água que está a muitos metros de profundidade tem resíduos dos agrotóxicos usados sobre as lavouras nessas regiões. Eu estou falando de casos estudados ali no Rio Grande do Norte e no Ceará, que são regiões mais próximas, inclusive onde eu atuo, em que existe comprovação sobre isso. Tem também muitos estudos e outras apresentações da contaminação dos solos em várias regiões e contaminação de animais, inclusive de abelhas, o que tem causado mortes e prejuízos para os apicultores nas regiões onde há grande uso intensivo de agrotóxico.
Nas questões sociais, o que eu quero trazer presente é que os impactos sociais são a desagregação ou o expulsamento de famílias que moram em regiões muito afetadas pelo uso do agrotóxico, porque as famílias não resistem e não aguentam o processo de levarem banho de chuva ou de serem contaminadas nos constantes agravamentos do uso dos agrotóxicos. Portanto, têm que abandonar suas terras, na sua grande maioria, abandonando também a sua lavoura e a sua produção, vindo a compor a periferia de cidades grandes ou mesmo cidades nas regiões aproximadas, como é o caso de Limoeiro do Norte, no Ceará, que é uma das cidades que tem sido muito afetadas com o uso de agrotóxicos, por conta da lavoura da fruticultura nos perímetros irrigados daquela região. E isso tem, então, provocado um crescimento grande na cidade e um maior empobrecimento das populações daquela região.
Na questão econômica, o que eu trago também como um impacto é a contaminação das lavouras dos agricultores perto dessas áreas em que existe grande contaminação por agrotóxico, ou seja, muitos agricultores que poderiam estar produzindo agroecológico, orgânico têm suas lavouras contaminadas com o uso do agrotóxico. Isso causa prejuízo econômico, por exemplo, por não conseguirem vender as suas lavouras e terem alguns processos com essa questão da contaminação.
O mais grave de tudo isso é que essas pesquisas e esses estudos não são feitos, na sua grande maioria, por pesquisadores de entidades públicas, mas individualmente ou em grupos de quem se propõe a fazer. Não há uma preocupação do poder público estadual, municipal e principalmente federal para averiguar, para acompanhar esses impactos causados pelos agrotóxicos. Não há uma definição clara, inclusive, das agências de fiscalização sobre todo o processo, que tenha investigado esse processo a fundo, mostrado e divulgado para as populações quais são esses impactos. Outro elemento é que pesquisadores, na sua grande maioria, que têm feito isso têm sido perseguidos e ameaçados por conta de estarem divulgando e trazendo presentes essas pesquisas. Então, por isso que a gente precisa tomar providências, para que, além disso, se tenha clareza e para que a população seja informada da questão dos riscos dos agrotóxicos nas suas lavouras.
Sobre a questão da saúde, estudos têm mostrado o grande processo de intoxicação grave, que causa problema na pele, causa problema respiratório e outros casos, em função dessa questão das contaminações com o uso do agrotóxico nas regiões mais próximas das comunidades, como no caso que a gente viu agora, mais grave, no Maranhão, que provocou contaminação de comunidades, de crianças e de famílias.
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Quer dizer, quantas escolas não têm tido agravado o risco por estarem sendo pulverizados agrotóxicos muito perto? Também estudos têm mostrado - e aqui no caso do Ceará há alguns - a ocorrência de puberdade precoce em crianças por conta do uso da água contaminada por agrotóxicos, inclusive leite humano sendo contaminado já desde o início, como no caso do estudo que foi mostrado no Mato Grosso e demais regiões.
Um grande problema é que, em grande parte, para uso dos agrotóxicos, também são concedidos incentivos fiscais, ou seja, não existe imposto, na sua grande maioria, sobre isso, para cobrir os custos do próprio poder público, que tem assumido os gastos. Porque, por exemplo, quando existe o adoecimento das pessoas com o uso do agrotóxico, quem é que atende essa população? O SUS. Portanto, causa um custo maior para o SUS esse processo da contaminação e do adoecimento das pessoas. No entanto, há incentivo fiscal, como é o caso do meu Estado, em que há 100% de isenção fiscal para o uso do agrotóxico. E o SUS tem assumido um gasto muito grande em função da contaminação por agrotóxico nas regiões que são mais afetadas.
Outra questão da saúde que tem se mostrado, inclusive pesquisa e estudo mostram o aumento do câncer nessas regiões mais contaminadas. Muitos estudos e tudo, o que eu quero dizer é o estudo de comparação que foi feito com a mesma população, com a mesma região, mesma densidade: regiões que usam pouco agrotóxico e regiões que usam muito agrotóxico. A incidência de câncer é totalmente diferente nessas regiões, como foi o caso do estudo feito pelo grupo do Núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará, que pesquisou lá na região.
No entanto, há muitos outros casos que têm agravado o processo da saúde por várias questões, por dificuldade de respiração, por muitos outros agravamentos. Isso é comprovado e existe estudo feito. O que nós não temos é divulgação constante disso pelos poderes públicos responsáveis por esse processo, por não estarem divulgando, não estarem trazendo presente o que são esses agravamentos.
Aqui, para já ir concluindo o meu processo, quero trazer o processo dos mitos. Nós estamos envolvidos com muitos mitos sobre o uso da agrotóxico. Um deles é o uso de agrotóxicos para acabar com a fome ou para baratear o produto que vai para a mesa dos trabalhadores. Se isso fosse verdade, nós não teríamos tantos milhões de pessoas passando fome no Brasil, no País que mais consome agrotóxicos no mundo; nós não teríamos também o preço da comida como está com o tanto de agrotóxicos que estão sendo usados. Então, esse é um mito muito grande dizer que agrotóxico é para baratear o preço e para acabar com a fome.
De fato, o uso de agrotóxico é uma política assumida pelos governos que tem que ser avaliada, porque se dá incentivo, se dá um monte de questões que não são dados para a agricultura familiar. Não existe uma política de redução do agrotóxico. Não se incentiva a agricultura familiar. Nós estamos num período de pandemia e a agricultura familiar não teve nenhum apoio, nenhum incentivo nesse processo de produção. No entanto, os vários incentivos são dados para a agricultura patronal e empresarial, e a gente não tem.
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Tem na Câmara o processo da política de redução de agrotóxico. O Brasil precisa trabalhar constantemente sobre isso, mas o que está em jogo, por conta dos comprometimentos de muitos Parlamentares, é o avanço e o aumento do uso de agrotóxicos, inclusive com mudança nos rótulos e na classificação de toxicidade. E isso precisa ser resolvido, porque aí há uma enganação da população, que está comendo veneno sem saber. Isso é outro processo que precisa ser esclarecido. Na medida em que a gente não coloca com clareza, puramente, de que está sendo composto, o que está sendo usado de toxidade nessa produção, quem come isso não sabe o que está comendo, não sabe o quanto de veneno está comendo ou está bebendo, na sua grande maioria, das nossas lavouras e do nosso campo.
Portanto, é fundamental que uma audiência como esta traga o debate, principalmente quando está em jogo aprovar o PL, que é o pacote do veneno na Câmara, que vem para aumentar cada vez mais a liberação de veneno e prejudicar tanto socialmente, como a saúde e economicamente as populações do campo. Portanto, eu acho importante, Senadores, os dois Senadores que pautaram essa proposta aqui no Senado, que sejam feitos esses debates em todas as instâncias deste País sobre os agrotóxicos e suas contaminações.
Portanto, quero, desde já, dizer que é fundamental que a gente tenha clareza e tenha a divulgação e o comprometimento dos órgãos de pesquisa sobre a questão dos agrotóxicos. E, acima de tudo, nós precisamos mudar esse modelo de consumismo de veneno, porque não é defensivo agrícola; é tóxico mesmo, é agrotóxico, que intoxica, que adoece as populações.
Muito obrigada, Senador.
Devolvo a palavra.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu é que agradeço pela sua intervenção, Sra. Antônia Ivoneide.
E, agora, convido o Sr. Carlos Alexandre Oliveira Gomes, para fazer uso da palavra. V. Sa. tem até 15 minutos. Com a palavra. (Pausa.)
É só abrir o seu microfone, por favor.
Pronto.
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES (Para expor. Por videoconferência.) - Não estava sendo permitido utilizar.
Então, bom dia a todos! Quero agradecer o convite, agradecer ao Senador Jaques Wagner.
Eu teria uma apresentação também para realizar. Eu não sei se eu tenho essa possibilidade de disponibilizar.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Tem, é só o senhor compartilhar que a gente autoriza aqui. (Pausa.)
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Aqui está informando que eu não tenho...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Está aberto para ele? (Pausa.)
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Agora sim. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Pronto, a sua exposição já está na tela.
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Está aparecendo?
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Está.
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Muito obrigado.
Então, eu agradeço o convite para a gente participar dessa discussão. Acho que é muito importante realmente discutirmos esse assunto. A questão do uso do agrotóxico no Brasil é um tema muito polêmico. Entretanto, é importante nós salientarmos que é um assunto...
Deixe-me ver aqui como faço a troca da... (Pausa.)
Gente, eu não sei se está passando o eslaide. Passou o eslaide?
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não. O pessoal aqui da técnica está pedindo para o senhor colocar em modo apresentação.
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Vamos ver. (Pausa.)
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O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Pronto. Agora sim.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Pronto.
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Agora sim. Vamos aprendendo aqui com essas novas tecnologias.
Vamos passar rápido. Nós temos tempo.
É importante nós sabermos que o uso do agrotóxico é legalmente estabelecido no Brasil. Desde 1989, nós temos a Lei 7.082, que foi logicamente decretada, houve o Decreto 4.074, de 2002. E, já nesse momento, você vê a importância da participação de três órgãos do Governo para trabalhar sobre esse assunto, uma vez que cada órgão desse do Governo tem um olhar para garantir, no caso da Anvisa, a saúde e a segurança não só dos consumidores que consomem os alimentos provenientes de uma agricultura convencional mas também dos trabalhadores rurais, uma vez que esses produtos, pelo seu objetivo, necessitam de um trabalho especial na operação do dia a dia, inclusive a utilização de equipamentos de proteção individual. Temos também logicamente outros órgãos envolvidos. Hoje somente a Anvisa está aqui para falar, mas nós também temos o Ibama envolvido, que faz todas as análises necessárias para garantir que o meio ambiente possa ter condições de reagir à utilização dessa tecnologia, ou seja, são utilizados produtos que não tenham forte impacto no meio ambiente ou, se tiver, que possa ser revertido; e o Ministério da Agricultura, logicamente, com a questão da eficiência agronômica desses produtos, ou seja, esses produtos, para serem utilizados, precisam ser eficientes.
Temos a questão da competência da Anvisa. Então, a Anvisa faz todas as avaliações toxicológicas necessárias para que você consiga extrair os parâmetros de referência toxicológica, como, por exemplo, a dose de referência aguda e a ingestão diária aceitável, que são parâmetros de saúde. Deixo aqui bem claro que nós também estabelecemos os limites máximos de resíduos, que são os famosos chamados LMRs, e intervalos de segurança. Isso aqui é um parâmetro agronômico, seria a quantidade de agrotóxicos necessária para você controlar determinada praga ou doença e o resíduo que fica depois desse tratamento fitossanitário. Nesses resultados, esses resíduos remanescentes nos alimentos são depois confrontados com esses parâmetros toxicológicos agudos ou crônicos, como nós falamos aqui, que são provenientes das avaliações toxicológicas, e são validados para serem estabelecidos como boas práticas agrícolas. Então, isso aqui acho que é importante a gente ressaltar. Muitas vezes, nós temos uma certa confusão quando se fala que passou o limite máximo de resíduo. Com isso, a pessoa pensa logo que poderia haver um impacto na saúde da pessoa e não é bem assim.
De outra forma, também são realizados os estudos agudos toxicológicos, principalmente nos produtos formulados, ou seja, aquele produto que chega do campo e que possibilita a classificação desses produtos. Foi realizada até atualmente uma harmonização com o GHS, em que o Brasil passa a falar uma linguagem como todo mundo. Todo mundo atualmente utiliza o GHS, e o Brasil era o único que tinha uma classificação diferenciada. Com isso, a comunicação do perigo era feita completamente diferente para o mundo inteiro.
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É importante também ressaltar que essa comunicação é para o trabalhador rural e para aqueles profissionais habilitados que realizam o receituário agronômico, uma vez que a embalagem não chega ao consumidor, é uma comunicação direta para separar produtos que têm uma classificação de toxicidade maior daqueles produtos que têm uma toxicidade menor, lembrando que, como o termo já diz agrotóxico, todos esses produtos têm um certo grau de toxicidade.
Vamos passar rapidamente por algumas ações também pós-registro que são realizadas, como alteração de pós-registro, inclusão de cultura, monitoramento do PARA e reavaliações. Então, vamos falar rapidamente sobre o PARA inicial, o controle de resíduos de agrotóxicos em alimentos, mas também sobre a questão de segurança alimentar. É extremamente importante a gente levantar esse assunto por quê? Porque, num conceito mais amplo, segurança alimentar é a produção de alimentos em quantidade e qualidade satisfatória.
Eu consegui recuperar aqui um jornal, na página da Embrapa, que diz que, em 1968, houve uma conferência latino-americana sobre produção alimentar e, como indicativo dessa conferência, foi informado que o Brasil necessitava aumentar pelo menos dez vezes a produção de alimentos, porque o País estava tendo problema inclusive de divisas importando alimentos. Então, num país desse tamanho, realmente você ter que importar alimento é um problema sério, principalmente se você já tem problemas para produzir você terá problemas muito maiores ainda para a distribuição. Então, essa é uma grande complicação, porque, na verdade, a falta de alimento é uma das principais doenças, um dos principais problemas de saúde de uma população, em que você não tem aqueles nutrientes necessários para ter saúde propriamente dita.
Mas logicamente também a segurança alimentar está ligada com a questão de qualidade e segurança do alimento. A qualidade vai vir direto com a conformidade ao limite máximo de resíduos estabelecidos. Todo mundo quer um alimento, principalmente frutas e hortaliças frescas e saudáveis, alimentos extremamente importantes para o consumo da população... Há diversos trabalhos associados em que, com uma alimentação adequada de frutas e hortaliças, você consegue reduzir uma série de doenças crônicas não transmissíveis. Acho que logo haverá uma fala do conselho que provavelmente vai abordar mais profundamente esse tema. Então, não podemos, de maneira nenhuma, sujar, denegrir a questão do consumo de frutas, hortaliças e outros vegetais, que são importantíssimos para a saúde da população. Esse mesmo monitoramento possibilita também verificar a segurança do produto, através da exposição dietética, através da avaliação do risco dietético.
Então, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos é um programa que vem, desde 2001, gerando dados, gerando conhecimento, orientando políticas públicas de governo, de forma a melhorar cada vez mais a segurança e a qualidade dos alimentos.
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No resultado do último ciclo, depois de análise de 4.616 amostras, nós obtivemos os seguintes resultados: em 49% das amostras coletadas não havia nenhum tipo de resíduo encontrado, ou seja, não foi detectado resíduo; 28%, dentro do nível de limite máximo permitido, do limite permitido, o que mostra que esse alimento é seguro para ser consumido, uma vez que, para registrar determinado agrotóxico são necessários todos os estudos toxicológicos; 23% com inconformidade. E essas inconformidades, na sua maioria, foram de utilização de produto não permitido para determinada cultura, aproximadamente 17,3%; acima do limite máximo de resíduo, 2,3%; proibido, ou seja, um contrabando de produto não registrado no Brasil, 0,5%; e, com uma ou duas inconformidades, 2,9%.
Toda vez que nós soltamos esses resultados da Anvisa, que saem desde 2001, nós nos deparávamos com um problema, com uma pergunta muito séria: essas inconformidades detectadas no PARA causam problema para a saúde? Então, foi desenvolvido... A agência se debruçou na metodologia internacional de avaliação do risco dietético, uma metodologia que começamos a trabalhar e a divulgar em 2015, 2017. Fizemos, primeiramente, a avaliação do risco agudo e, posteriormente, esse último resultado já saiu com a avaliação de risco crônico também, utilizando amostras coletadas desde 2013 até 2018.
Nós podemos responder claramente a essa pergunta atualmente, porque, com os dados, com os parâmetros toxicológicos estabelecidos pela Anvisa, tivemos 0% de impacto na ingestão diária aceitável na vida, que seria aquela alimentação durante toda a sua vida. Tivemos um percentual de 0,89% com potencial de risco agudo. O que quer dizer isso? Isso quer dizer que 0,89% dessas amostras apresentavam um teor de resíduos de agrotóxicos em que você poderia ter dado um certo impacto em alguma enzima, em alguma dificuldade de o organismo excretar aquele produto naquele dia. Entretanto, pela quantidade de amostra coletada, a gente percebe 0,89%, mas o nosso objetivo é chegar a 0%. Para isso, nós temos diversos trabalhos ainda correndo em paralelo. Mas tranquilizo a população porque não seria todo dia que a mesma pessoa iria consumir uma amostra com potencial de risco agudo. Então, a gente percebe que a saúde da população está garantida quando você faz essas avaliações de risco.
É importante aqui atestar que, com a questão da pandemia, o PARA foi paralisado em 2020 e também em 2021. Estamos aqui em tratativas para, no ano que vem, reiniciarmos esse programa.
Essas inconformidades só podem ser resolvidas da seguinte forma: você precisa organizar e profissionalizar todas as cadeias produtoras de alimentos. É essencial que você tenha produtores treinados em boas práticas agrícolas, pessoas envolvidas no processo de aplicação de agrotóxicos treinados, porque são produtos em que é necessário ter um certo cuidado.
Foi também, no caso, trabalhada na Anvisa a questão da INC 02, de 2018, que traz a obrigação da rastreabilidade, ou seja, uma vez monitorado, detectado qualquer tipo de problema, hoje em dia é possível regressar até a região de produção primária e fazer os controles necessários.
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A meu ver também, uma questão muito importante de ser trabalhada é a questão do receituário agronômico. Muito já foi feito, o Brasil se destaca nesse controle; entretanto, é preciso corrigir esse receituário. Ele precisa estar ligado a uma assistência técnica real, em que você faça uma indicação de determinado agrotóxico que seja necessário e que siga as boas práticas agrícolas.
Essa questão da comercialização precisa ser atuada. Temos problemas ainda de receituário agronômico de balcão. Isso, sim, são problemas que devem ser pontuados e trabalhados para que não ocorram. Quando um receituário agronômico for indicado, que ele tenha respaldo por um profissional habilitado que se responsabilize pela prática que foi receitada.
Então, é basicamente essa questão da rastreabilidade e da necessidade e que você valorize os produtores que seguem as boas práticas agrícolas de uma maneira em que a qualidade e a segurança do produto que chega ao consumidor sejam as melhores possíveis.
Temos também um trabalho muito importante na Anvisa, que seria a reavaliação. Vou ser breve, não vou falar de cada reavaliação que foi realizada, mas o ponto importante é que, de 2009 a 2021, foram reavaliados 16 ingredientes ativos e, desses, 9 foram proibidos. Então, quando a gente fala de agrotóxico, eu acho que também a gente precisa ter um certo cuidado, nós não podemos botar todos os agrotóxicos do mesmo balaio. Nós precisamos saber que existem agrotóxicos mais tóxicos, agrotóxicos que podem ter problemas que não foram percebidos no momento do registro e que precisam ser retirados e existem agrotóxicos também com menor potencial de toxicidade que auxiliam na produtividade do produtor rural, sem causar perigo não só para a população consumidora, mas também de menor risco para o uso do trabalhador rural.
E uma coisa importante também é que, independentemente do sistema de produção, é necessário que se siga o protocolo mínimo. Então, uma vez que o Estado vem, inclusive, fomentando a agricultura de baixo impacto, a agricultura orgânica para principalmente determinados segmentos da sociedade, esses segmentos da sociedade poderão muito bem se adequar e utilizar esses sistemas de produção que causam menos impacto.
Passando aqui rapidamente, nós já temos outros produtos também, como carbendazim, tiofanato e epoxiconazol, já sendo reavaliados e também estamos fazendo um trabalho sistemático de retirada de monografias. Então, em quatro anos, nós já conseguimos tirar 62 monografias de agrotóxicos que não estavam sendo mais utilizados. E isso, sim, também é um avanço. Não só os agrotóxicos que estão sendo reavaliados estão sendo retirados, mas também estamos trabalhando na retirada de outros que já não têm uso no País.
No último eslaide, eu tenho que apresentar que o grande crescimento de registro do Brasil vem também na questão de produtos de baixa toxicidade. A gente percebe aqui que, em 2018, foram aprovados 14 produtos para agricultura orgânica e, em 2020, essa aprovação foi de 40 produtos para a agricultura orgânica. Em 2018, 35 produtos biológicos foram registrados e, em 2020, 50 produtos.
Então, juntando todos esses trabalhos realizados pelo Estado, a gente acredita que o produtor tem que ter disponibilidade, seja ele produtor de agricultura convencional, em que nós estamos trabalhando para que ele se exponha cada vez menos a agrotóxicos mais tóxicos, seja ele produtor que tenha a característica de se associar a uma agricultura mais próxima da agricultura orgânica.
Então, é basicamente essa a minha apresentação.
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Eu gostaria de agradecer e tentar respeitar o tempo que foi estabelecido.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado pela sua exposição, Sr. Carlos Alexandre Oliveira Gomes.
Eu passo a palavra agora à Sra. Eloisa Dutra Caldas.
V. Sa. tem também 15 minutos para sua exposição.
Antes de começar a sua palavra, eu passo temporariamente a direção dos trabalhos para o nosso querido Senador Fabiano Contarato, que já foi também Presidente desta Comissão nos dois primeiros anos desta Legislatura e é o autor do requerimento pedindo esta sessão.
Sra. Eloisa Dutra Caldas, com V. Sa. a palavra.
A SRA. ELOISA DUTRA CALDAS (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada pelo convite.
Foi muito bom eu ficar depois do Carlos Alexandre, porque ele falou várias coisas que eu gostaria de falar.
Carlos Alexandre, você poderia descompartilhar a sua apresentação?
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES - Vou tentar aqui, gente.
A SRA. ELOISA DUTRA CALDAS - Apesar de que eu não vou, na verdade, apresentar nenhum PowerPoint...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Mas, se a senhora quiser, eu posso colocar na tela a partir daqui. É só dizer qual é o eslaide que a senhora quer ou quais são.
A SRA. ELOISA DUTRA CALDAS - Na verdade, eu não programei nenhuma apresentação aqui, porque eu acho que a minha apresentação é sempre com muitos dados científicos e talvez a comunicação para uma audiência mais ampla não seja a melhor maneira.
O que eu queria ressaltar aqui... Bom, eu sou professora de toxicologia da Universidade de Brasília, temos um laboratório cujo principal foco é a análise de pesticidas em alimentos e água, onde se dá a nossa rotina e nossos alunos fazem as suas dissertações e defendem projetos nessa área, onde são defendidos mestrados e doutorados.
Eu trabalho com isso há mais de 20 anos, e o que eu venho observando ao longo desses anos... E nós utilizamos também... O nosso foco, além de analisar os pesticidas nos alimentos - meu foco, definitivamente, é a toxicologia de alimentos relacionada a pesticidas -, além de a gente analisar os pesticidas nos alimentos, nós também utilizamos os dados que o Carlos Alexandre falou, os dados do PARA de resíduos de pesticidas em alimentos, mas não só os dados do PARA; nós utilizamos também os dados do PNCRC, que é o programa de monitoramento do Ministério da Agricultura. Então, nós trabalhamos com os dados desses dois programas do Governo e publicamos artigos científicos com os resultados desses estudos de avaliação de risco, que é o que importa.
Então, inclusive, ressaltando a fala da Sra. Antônia, no início, é importante destacar que o fato de alimentos conterem resíduos de pesticidas ou de os resíduos desses pesticidas estarem como contaminantes na água e como contaminantes no leite humano não necessariamente significa um risco para a saúde.
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Para responder a essa pergunta - e a Anvisa responde a essa pergunta quando ela faz o seu processo de avaliação de risco -, você precisa considerar não só a quantidade da substância que está no alimento, na água ou no leite, mas também o tanto que é consumido por uma dada população - no caso, leite humano pelo bebê que está amamentando, pela população geral que consome os alimentos tratados com a agricultura convencional, a quantidade de água que nós consumimos - e também a característica toxicológica de cada uma dessas substâncias.
Então, quando a gente utiliza todos esses dados, considera o que está presente nos alimentos, o quanto desse alimento a população consome e a característica toxicológica dessas substâncias, o que os 20 anos de estudo e de trabalhos publicados e teses e dissertações defendidas me mostraram com clareza - e a gente não para nesse trabalho, estamos agora nos preparando para fazer uma nova avaliação com os últimos dados da Anvisa e do Ministério da Agricultura - é que o risco, a relação risco-benefício do consumo de alimentos tratados com pesticidas na agricultura convencional é muito baixa, considerando os benefícios que o consumo de um bom prato de salada pode trazer para o indivíduo e, em uma visão mais ampla, para toda a população.
A minha preocupação é com a forma como, muitas vezes, uma visão muito restrita da informação é passada para a população geral: os alimentos estão contaminados com pesticidas, encontrou-se pesticida na água, ou leite humano contém pesticida. A minha preocupação é com uma comunicação errada para essa população. É fato que pesticidas podem estar presentes nos alimentos, na água e no leite. Isso é fato, mas representa um risco para a saúde? Para mim, essa é a resposta mais relevante. E a minha resposta é que o risco é irrelevante, considerando o benefício do consumo de um bom prato de salada, o benefício da amamentação e que os níveis ambientais encontrados realmente são muitíssimos baixos.
É muito difícil a gente detectar pesticidas na água, porque essas substâncias são facilmente degradadas no meio ambiente. Não se utilizam mais substâncias que permaneciam no meio ambiente por um tempo muito grande. A maioria dos pesticidas que são utilizados, todos os pesticidas que são utilizados hoje são facilmente degradados no meio ambiente, na água; então, os resíduos dessas substâncias como contaminantes são muito raros de se encontrar na água e, quando se encontram, os níveis são muito baixos e os que são encontrados não representam nenhum risco para a saúde humana, o que é, na verdade, o meu foco.
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Agora, fechando essa questão do risco da exposição na dieta pelo consumo dos alimentos e ressaltando novamente a preocupação que eu tenho com relação a como os dados, por exemplo, que o PARA publica da presença de resíduos nos alimentos são comunicados para a população toda - porque em alguns meios o foco é na presença dessas substâncias no alimento, sem considerar que somente a presença dessas substâncias no alimento não representa um risco para a saúde -, eu queria chamar a atenção, principalmente com relação à população que a Antônia representa de alguma maneira, mas a toda a população dos pequenos agricultores - e têm relevância os pequenos agricultores - de que a exposição ocupacional a pesticida é realmente um problema que pode ser grave, principalmente para os pequenos agricultores que muitas vezes utilizam como equipamentos para aplicação de controle de praga nas suas propriedades aplicadores costais, muitas vezes não utilizam equipamento de proteção individual. Então, realmente, a exposição ocupacional a pesticida pode, sim, ser um problema em algumas populações agrícolas, e essa realmente precisa de um trabalho muito grande, principalmente dos órgãos de extensão agrícolas nas pequenas comunidades, para orientar os agricultores a utilizarem os pesticidas de maneira adequada, utilizarem os equipamentos de proteção individual, para que esses agricultores possam estar protegidos durante a atividade agrícola.
É muito fácil, talvez, para alguns interlocutores falar que a solução do problema todo seria eliminar o uso de agrotóxico na agricultura. Só que eu acredito que essa solução a curto, médio e, talvez, a um prazo muito longo não seja possível.
Existem ações do Governo, como o Alexandre comentou, que incentivam... O Ministério da Agricultura tem departamento específico para agricultura orgânica, para incentivar a agricultura orgânica. O número de produtos biológicos que têm sido registrados para utilização não só pelo agricultor orgânico, mas por todos os agricultores para minimizar o uso de pesticidas sintéticos tem aumentado bastante, como o Carlos Alexandre mostrou. Quer dizer, é uma opção viável que pode, sim, diminuir o uso dessas substâncias sintéticas na agricultura e, como tal, diminuir a exposição do agricultor e também diminuir a exposição do consumidor de alimentos.
Então, eu acho que a minha preocupação aqui, a principal mensagem que eu quero deixar aqui é que realmente tem de haver um cuidado muito grande com falas que muitas vezes acontecem. Existe um movimento no País chamado "O veneno está na mesa". Eu fico muito preocupada com esse movimento, porque o símbolo dele é um prato de salada com o símbolo do veneno em cima desse prato de salada. E qual é a comunicação que é feita para a população em geral? Um prato de salada é veneno para sua saúde, o que não é verdade. Então, eu tenho uma preocupação muito grande com a comunicação de risco feita por alguns grupos relacionada à presença de pesticidas nos alimentos, porque essa comunicação pode levar outros grupos populacionais a pensarem que não devem consumir frutas e vegetais porque essas frutas e vegetais estão "contaminados", entre aspas, com pesticidas.
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Na verdade, os órgãos de saúde, o Ministério da Saúde - nós teremos uma nutricionista a nos falar mais tarde -, a Organização Mundial da Saúde ressaltam a importância de se consumir pelo menos cinco porções de frutas e vegetais por dia para poder garantir o aporte necessário de vários nutrientes presentes nesses alimentos que previnem uma série de doenças crônicas - e aí vai desde câncer a doenças cardiovasculares -, enquanto, por outro lado, os estudos não existem - eu não os conheço; se alguém os tem, por favor, me envie -, não conheço nenhum estudo que mostre com clareza e que faça o nexo causal entre o consumo de alimentos tratados com pesticida e que contenham resíduos desses produtos e a possibilidade de aumento de câncer na população pelo consumo desses alimentos.
Agora, novamente, eu gostaria de enfatizar que a população rural realmente deve ser olhada de uma maneira bem especial pelos órgãos de saúde, pela extensão rural, porque muitos desses agricultores inclusive se recusam a usar equipamentos de proteção individual, porque acham que não é necessário.
É engraçado que - eu faço trabalho de campo também -, enquanto você tem alguns agricultores que chamam os pesticidas de veneno - obviamente não os agricultores orgânicos, mas os agricultores da agricultura convencional -, outros agricultores chamam os pesticidas de remédio para planta. Então, esses agricultores que chamam os pesticidas de remédio para plantar devem realmente ser alvos para serem orientados a utilizarem os equipamentos de proteção individual de maneira adequada.
Então, com isso, eu fecho a minha fala.
Muito grata.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) - Agradeço a fala da Sra. Eloísa Dutra Caldas.
Eu não posso perder a oportunidade de fazer um parêntese aqui, Professora Eloisa. Ninguém me contou o que eu vou falar. Antes da pandemia, eu estive em Mato Grosso do Sul visitando os guaranis kaiowás, que estão cercados por latifundiários. Eu presenciei a aplicação de agrotóxicos por aeronaves, o que atinge a comunidade indígena, e eles sofrem com febre, vômito, dor de cabeça e diarreia.
Tenho também estudos - e vou remetê-los posteriormente - até mesmo do Sistema Único de Saúde falando dessa relação de causalidade, desse nexo causal e até mesmo o número de mortes, de abortamento, de deformidades da vida humana intraútero e também da possibilidade de câncer.
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Neste momento, eu quero passar para a Sra. Regina Sambuichi, a quem concedo a palavra por até 15 minutos.
Por favor.
A SRA. REGINA SAMBUICHI (Por videoconferência.) - Olá!
Eu posso compartilhar a tela?
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) - Perfeitamente.
A SRA. REGINA SAMBUICHI (Para expor.) - Está compartilhando aí?
Eu quero cumprimentar todos. Bom dia aos Srs. Exmos. Senadores, aos colegas de Mesa e a todos e todas que estão nos assistindo.
Está aparecendo a apresentação? (Pausa.)
Eu trabalho no Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), sou pesquisadora, e trabalho especificamente na área de avaliação de políticas públicas voltadas principalmente à sustentabilidade da agricultura. Então, eu vou falar principalmente da questão relacionada às políticas públicas voltadas para o uso de agrotóxico.
Estou tentando compartilhar a tela. Está havendo algum problema, não está compartilhando.
Estão conseguindo ver?
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) - Por gentileza, coloque modo de apresentação.
A SRA. REGINA SAMBUICHI - Estou tentando fazer isso aqui, mas não estou conseguindo.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES) - Aperta o F5, por favor.
A SRA. REGINA SAMBUICHI - Consegui.
Então, vou falar um pouco a respeito dessa parte de políticas públicas e vou ressaltar alguns pontos principalmente relacionados a isso.
Para começar, quero falar um pouco sobre o conceito de agrotóxico, porque a lei que regulamenta agrotóxicos atualmente no Brasil é de 1989. É importante a existência dessa lei, mas ela considera, para efeito da lei, que os agrotóxicos e afins são todos os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos que têm a finalidade de alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.
Dentro desse conceito, incluem-se desde pesticidas de alta periculosidade para a saúde como também agentes utilizados no controle biológico de pragas, como vespas e parasitoides que são desenvolvidos para atacar lagartas que atacam os produtos. Então, todos os tipos de produto que for desenvolvido, tanto aqueles de baixa periculosidade quanto os de alta periculosidade, são considerados dentro dessa lei. Há uma influência dentro disso.
Também quero ressaltar outro ponto importante: nós precisamos de políticas públicas quando nós temos casos em que existe externalidade negativa. Quando a gente fala em economia, a gente fala da relação dos agentes em uma transação, geralmente o que acontece? Espera-se que os agentes farão uma transação que seja a melhor para todos os envolvidos e, assim, espera-se que o mercado se autorregule sempre na maneira de haver melhor equilíbrio na interação do bem-estar de todos os envolvidos. Só que, muitas vezes, a gente tem externalidades negativas que vão atingir outras pessoas, e não são os agentes que estão fazendo esse tipo de transação. E, quando isso acontece, não é possível deixar que se regule simplesmente por conta do mercado; é preciso que exista uma intervenção, de fato, por meio de políticas, porque, por exemplo, no caso dos agrotóxicos, a gente sabe que existem prejuízos à saúde, ao meio ambiente, que afetam outros agentes que não estão envolvidos diretamente.
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Quando um produtor vai colocar um pesticida na sua plantação, porque ele quer produzir melhor e ele vai ganhar com isso, aquele que produz aquele pesticida também ganha com isso, vendendo aquele produto. Só que uma população que vive do lado, que recebe um banho de veneno que foi aplicado de avião pelo outro que o está aplicando, vai ser prejudicada, embora não esteja envolvida nessa transação. Então, é preciso que haja políticas públicas para coibir esse tipo de situação, no sentido de que haja um bem-estar de toda a população.
Quando a gente pensa nessa questão das políticas públicas, a gente vê que existem políticas públicas conflitantes que geram incentivos perversos. Por exemplo, no caso de agrotóxico, foi falado até, em uma das falas, sobre a renúncia fiscal para agrotóxicos. O que acontece? A renúncia fiscal para agrotóxicos está dentro de uma política agrícola que visa incentivar a produção agrícola - todos os países têm políticas agrícolas que apoiam a agricultura, isso é natural. Só que, no momento em que essa renúncia se faz para todos os produtos que vão apoiar essa agricultura, incluem-se aí todos os agrotóxicos, tanto os de maior risco quanto os de menor risco, e essa renúncia então traz também um efeito negativo em nível ambiental no momento em que o poder público está deixando de receber aquele recurso que deveria estar recebendo em prol de um produto que pode estar impactando o meio ambiente e causando efeitos negativos para outras populações que não estão envolvidas ali. Então, o que acontece? Essa renúncia não diferencia os produtos por grau de toxicidade, e isso faz com que também não existam incentivos para aqueles produtos de menor toxicidade, o que também é um problema.
Temos também a questão da dificuldade para o registro de novos produtos. A gente sabe que a lei precisa ser rigorosa, aqui já falaram das exigências para o registro de produtos, o que é necessário para minimizar os riscos, os perigos ao meio ambiente, à saúde, muitas vezes a gente quer até que seja mais rigoroso, só que, por outro lado também, a gente ter um marco regulatório rigoroso e difícil de ser cumprido só favorece as grandes empresas internacionais, porque o que acontece? É preciso investimento em pesquisa e desenvolvimento para poder atender essas exigências de registro, de fiscalização e isso contribui para maior concentração do mercado de produção de agrotóxico, diminui a competitividade entre as empresas e também gera problema, na medida em que se fica refém de poucos produtos disponíveis, e não se tem nem como escolher esses produtos, porque, na verdade, só se tem aquele, o produtor tem que usar aquele porque não tem outro.
Também o sistema favorece pacotes tecnológicos de alto impacto ambiental, na medida em que se concentra em poucas empresas multinacionais que já produzem todo esse pacote que precisa ser usado com aquele produto - desde a semente vai precisar daquele produto, porque foi modificada geneticamente para ser usada com aquele produto.
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Tudo isso exige um custo elevado de investimento em pesquisa e desenvolvimento para novas substâncias, é preciso uma rede de distribuição, é preciso propaganda, marketing. E geralmente essas empresas mesmas já fornecem assistência técnica para que o produtor as utilize. Então, o produtor opta por esses pacotes, porque é mais vantagem para conseguir isso aí. E acontece que essas empresas têm menos interesse também em produzir outros produtos menos impactantes, na medida em que o interesse dela é produzir um produto que lhe dê mais dinheiro e mais rendimento.
Eu vou falar aqui só um pouco sobre a linha histórica das políticas que vêm sendo desenvolvidas nessa questão dos agrotóxicos no Brasil, começando pela Lei dos Agrotóxicos, que é um marco importante, e também o decreto de 2002 que regulamenta essa lei. Esse decreto, ao mesmo tempo em que facilitou um pouco mais o registro - alguns até falam que ele facilitou o uso de agrotóxico -, por outro lado, também traz a necessidade de que haja uma diferenciação entre os produtos de baixa periculosidade e os produtos de alta periculosidade.
Outro marco importante é a Lei da Produção Orgânica, de 2003, que trouxe a regulamentação da produção orgânica do Brasil, muito importante para poder regulamentar esse mercado. A partir daí, também temos vários regulamentos que foram feitos - e aí eu falo também do esforço do Ministério da Agricultura no sentido de regulamentar todos esses outros produtos de baixa periculosidade, de também buscar um sistema de registro mais facilitado para esses produtos, de todo o esforço vem sendo feito nesse sentido.
Eu quero também pontuar a importância da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que foi criada em 2012 e, na sequência, vieram os dois planos nacionais de agroecologia e produção orgânica. Eu acho que a importância dessa política foi principalmente fazer essa articulação entre tudo o que vinha sendo desenvolvido nessa visão de tentar fazer sistemas de agricultura ecologicamente mais sustentáveis. Então, houve também toda uma busca de interação de diferentes setores do próprio Governo, porque, às vezes, há aquelas políticas conflitantes: o Ministério da Agricultura tem uma política, o Ministério do Meio Ambiente tem outra que, às vezes, conflita. Colocar todos esses ministérios para trabalhar em conjunto nesse sentido foi importante. E também houve a participação da sociedade civil, que foi fundamental em todo esse processo.
Dentro dessa política nacional, no primeiro plano, houve a elaboração da proposta do Pronara, que era a proposta de fazer um programa nacional de redução de uso de agrotóxicos. Esse programa foi elaborado pelo GT, e a ideia era que ele iniciasse em 2016. Só que, em 2016, houve um impasse: o Ministério da Agricultura não aceitou assinar esse programa, porque havia alguns pontos polêmicos, principalmente com relação a essa questão de redução de uso de agrotóxicos, principalmente essa questão da redução fiscal, de não se utilizar determinado tipo de agrotóxicos, havia também a preocupação de isso atrapalhar o crescimento da agricultura, atrapalhar a questão econômica, e o Brasil também depende muito da exportação. Diante dessa falta de consenso... Esse Pronara foi encaminhado por um projeto de lei para a Câmara dos Deputados, já foi aprovado na Comissão Especial, mas ainda não foi aprovado no Plenário; está, no momento, esperando a aprovação do Plenário.
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E o que acontece? Todo esse trabalho, ao longo de cada Planapo, foi um trabalho também importante, houve muito esforço em vários sentidos para se conseguir construir uma maneira de se ter esses temas agrícolas, principalmente para incentivar a produção orgânica. E uma coisa importante do Planapo II, que foi muito impactado pelas mudanças de Governo, pelo fim do MDA naquele momento, é que ainda conseguiu... Havia previsão de duas metas nesse Planapo II, que era a criação de um Programa Nacional de Bioinsumos, esse grupo de trabalho foi implementado ainda no final do Planapo em 2019, e, em 2020, esse Programa Nacional de Bioinsumos foi lançado. Então, foi um avanço importante nesse sentido.
Aqui é só para falar um pouco dos avanços desse processo. A gente vê aqui - o colega trouxe dados mais atualizados, essas nossas pesquisas foram até 2018 - o aumento do registro de produtos de baixa toxicidade. Isso também é resultado desse esforço para se conseguir facilitar o registro desses produtos, mas, quando a gente compara com o registro de outros tipos de produtos, perigosos e de alta periculosidade, a gente vê que, na verdade, esses produtos de baixa toxicidade ainda são muitos poucos.
Então, só para finalizar aqui, eu enfatizo que a gente precisa avançar numa agenda positiva nesse sentido. É preciso buscar consensos, buscar uma agenda "ganha-ganha", porque, na verdade, a gente tem que se conscientizar de que a sustentabilidade é o melhor, e eu digo até o único caminho para a gente permitir o desenvolvimento do setor agropecuário como um todo, tanto incluindo o agronegócio, a exportação - porque cada vez os mercados estão mais exigentes e, se não houver uma mudança nesse sentido, a gente vai perder mercado -, como também para a pequena agricultura, de média e pequena escala, a agricultura familiar, porque é justamente a que atende o nosso mercado interno. E essa questão da segurança alimentar e nutricional, que já foi falada aqui, é muito importante.
Então, é preciso ter uma visão estratégica nesse sentido, é preciso ter vontade e ação política para poder se pensar no futuro, porque é preciso que a gente avance nessa área da sustentabilidade. Precisamos ver maneiras de reduzir esses incentivos perversos, é preciso diminuir essa questão da isenção fiscal, estimulando a competitividade, e que se possa ter produtos alternativos que sejam viáveis de serem utilizados para que os produtores possam seguir esses outros caminhos; isso precisa ser incentivado. Por isso a importância do investimento no programa de bioinsumos, que é uma questão estratégica, tem que se criar, porque é uma dinâmica diferente da dos grandes pacotes tecnológicos, pois tem que ser construída em cada região, tem que ser construída uma estratégia de produção de vespinhas, por exemplo, tem que haver uma fábrica em cada região. Para você poder liberar determinados tipos de produtos, eles têm que ser feitos localmente, e isso tudo exige uma infraestrutura para se desenvolver esse tipo de tecnologias.
É necessário também investimento em Ater, porque se se deixar a Ater por conta das grandes empresas multinacionais acontece como a gente vê, pelo Censo Agropecuário de hoje, que está ligada a assistência técnica ao maior uso de agrotóxicos. Por quê? Porque é uma assistência técnica que vai justamente incentivar o uso daqueles produtos. E também investimento nas políticas públicas de apoio à agricultura familiar, que são fundamentais para a gente pensar na nossa segurança alimentar nutricional e atendimento ao mercado interno.
São alguns pontos que eu coloquei aqui e de que posso, se tiverem algumas dúvidas ou alguma coisa, falar mais posteriormente.
Eu agradeço a atenção de todos.
Está aí o meu e-mail. Temos alguns estudos a respeito dessas políticas. Se houver interesse, podemos encaminhar.
Agradeço a todos.
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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Sra. Regina Sambuichi, pela sua exposição.
Eu passo a palavra agora para a Sra. Silvia do Amaral Rigon.
V. Sa. também tem 15 minutos para a sua exposição. Vai compartilhar a tela?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não. O.k.
Então, V. Sa. está com a palavra.
A SRA. SILVIA DO AMARAL RIGON (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todas e a todos!
Gostaria de agradecer, em nome do nosso FBSSAN (Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), o espaço para participar desta audiência. Quero cumprimentar o Senador Jaques Wagner, o Senador Fabiano, as demais autoridades presentes, as convidadas que estão participando do debate, os convidados também e as pessoas que estão assistindo pela internet este debate, que é importantíssimo.
Gostaria de começar a partir de onde eu falo justamente da abordagem que nós iremos trazer enquanto fórum, que é uma abordagem que vai tentar trazer uma perspectiva mais sistêmica para os debates que envolvem a questão do uso dos agrotóxicos.
Para a gente entender justamente a relação que existe entre os agrotóxicos e a produção de comida e as consequências que esse processo tem para a saúde humana, para a saúde animal e para a própria saúde do nosso Planeta, nós temos que retornar um pouco na história, no cenário mundial do pós-guerra, no contexto da guerra fria, no momento em que o mundo discutia as causas da pobreza, buscando explicações para esse processo. Aí vamos ver justamente os países do hemisfério norte, principalmente Estados Unidos, defendendo uma ideia de que a pobreza existente deveria ser atribuída à falta de alimentos suficientes para uma nutrição adequada por parte das populações mais pobres, e a proposta para o enfrentamento desse problema seria aumentar a produção de alimentos, porque isso contribuiria para a nutrição, para o aumento da produtividade, para o crescimento econômico e, consequentemente, para uma redução desse quadro de pobreza.
A proposta que foi apresentada nesse período, então, será um pacote tecnológico denominado de "revolução verde", que justamente irá propor o aumento dessa produção a partir do uso de sementes híbridas selecionadas, adubos químicos, uso de agrotóxicos - naquela época chamados de pesticidas - e também a utilização da mecanização, que é aquilo que a gente chama de modernização ou industrialização da agricultura. E essa mesma perspectiva que foi trazida para a produção vegetal foi utilizada também para a criação animal no sentido de trazer uma perspectiva industrial, o manejo em grande escala, com uma interferência bastante importante no comportamento das espécies, no bem-estar animal.
Esse processo irá acontecer nesse período pós-guerra, iniciar nesse período. E as primeiras denúncias sobre os desdobramentos, os impactos que esse processo terá para o ambiente e para a saúde das populações virá com a bióloga e escritora Rachel Carson, que irá lançar, em 1962, o famoso livro Primavera Silenciosa, no qual ela irá denunciar os impactos do DDT sobre os sistemas da vida. Nos 16 anos seguintes, a Rachel Carson vai se dedicar, de forma incansável, a denunciar o perigo do uso de tais pesticidas. E acho interessante aqui a gente considerar uma fala dela, porque ela vai dizer justamente que DDT, de fato, se torna uma substância extremamente perigosa. E coloca assim: "Pode alguém imaginar que seja possível instituir semelhante barragem de venenos sobre a superfície da Terra, sem torná-la inadequada para a vida toda? Tais substâncias não deveriam ser denominadas de ‘inseticidas’ e, sim, de biocidas”. E ela vai escrever no seu livro: "Os efeitos no homem, onde já são conhecidos, demonstraram ser destruidores. Para além desses, encontra-se perspectiva ainda mais avassaladora dos danos que só podem ser detectados no fim de longos anos, e dos possíveis efeitos genéticos que não podem ser [somente o serão] conhecidos durante gerações".
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Em 1972, finalmente o DDT será banido. E o livro Primavera Silenciosa será considerado, em 1992, uma das obras mais importantes no País e também em termos internacionais dos últimos 50 anos, porque, com o banimento, irá se desenvolver nos Estados Unidos uma revolução ecológica e de reflexão sobre as práticas de produção.
Esse trabalho que a Rachel Carson efetivou será corroborado e complementado pelo trabalho do pesquisador francês Francis Chaboussou, que, a partir do seu doutorado, na década de 1970, irá elaborar a chamada teoria da trofobiose. Eu até tenho aqui uma das edições, não sei se vocês conseguem ver. Essa obra está publicada e é mundialmente consultada, porque justamente o Francis Chaboussou vai identificar que o uso intensivo do solo, que justamente é propósito dentro desse grande pacote, com as monoculturas, sem o devido manejo e adubação orgânica, vai levando a uma perda da fertilidade do solo, e isso, de uma certa forma, induz o uso de fertilizante químico solúvel, o que, por sua vez, faz com que a planta tenha uma modificação no seu metabolismo, fazendo com que as suas proteínas sofram um processo de proteólise, liberando aminoácidos essenciais e açúcares que vão ficar numa suspensão ao redor da planta, atraindo insetos e outros organismos vivos que virão se alimentar dessa planta. Consequentemente, com isso, com o aumento da vinda de insetos para atacar essas plantas, serão aplicados mais venenos; e esses venenos irão, tanto na superfície foliar quanto também nas raízes, fazer com que haja uma destruição na microvida do solo, o que também vai afetar o próprio processo da fertilidade desse solo e da nutrição das plantas que estão aí, demandando novamente mais fertilizantes químicos, porque há uma perda dessa fertilidade e, consequentemente, nesse círculo vicioso, uma maior atração para os insetos. Esse processo também vai levar a uma supernutrição desses insetos, que vão intensificar os seus ciclos reprodutivos, a sua longevidade, o que faz com que haja maior ataque à integridade das plantas. Por isso que o Chaboussou vai chamar de - um dos seus títulos - Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos, porque vai denominar esse processo de iatrogênese, como se o médico fosse justamente causar a doença a partir das suas práticas.
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Uma outra coisa muito importante para a gente entender o impacto dos fertilizantes químicos foi trazida por um grupo de pesquisadores - Chalk, um pesquisador alemão, com a equipe do Hubert, um outro pesquisador, francês -, na década de 1970, sobre as consequências verificadas sobre o uso desses fertilizantes químicos na redução de matéria seca, que é a base dos organismos vegetais, fazendo com que haja o quê? Uma redução de vitaminas minerais. Em muitas situações, com a utilização do NPK - nitrogênio, fósforo e potássio, que são as bases dos fertilizantes solúveis -, haverá uma redução também dos aminoácidos essenciais, empobrecendo esse alimento e alterando a sua qualidade nutricional. E também, em todos esses estudos e em estudos mais atuais, há relacionamento desses processos com alteração das características sensoriais dos alimentos vegetais, como cor, sabor, odor, durabilidade, demonstrando uma degeneração na sua qualidade e o aumento de substâncias indesejáveis como nitritos e nitratos, que se transformarão no interior do nosso corpo nas perigosas nitrosaminas, que são compostos carcinogênicos.
Então, o que a gente vai perceber é que a produção de fertilizantes artificiais é extremamente danosa e extremamente intensiva no uso de energia, estando vinculada aos preços do gás e do petróleo.
Se a gente for ver a produção mundial no período de 2015 a 2020, segundo estimativas da FAO, nós vamos passar de 246 milhões para 273 milhões de toneladas, e a perspectiva é de que a África, os países africanos se tornem os maiores consumidores desses produtos, seguidos da América Latina, Sudeste Asiático e Leste Europeu.
Na sequência desses trabalhos todos, nós teremos, no final da década de 1990, a publicação do livro O Futuro Roubado, em 1998, por três autores, Colborn, Dumanoski e Myers, que justamente irão demonstrar - eles são biólogos e trabalham na área da zoologia - que, com a síntese de substâncias químicas nos últimos 50 anos, houve uma interferência dessas substâncias químicas nos sistemas da vida, sobretudo nos processos hormonais, vinculados aos animais e aos seres humanos, porque os organismos humanos não dispõem de mecanismos de detoxificação dessas substâncias, que de certa forma vão se acumulando nos tecidos gordurosos, fazendo uma forma de bioacumulação e de biomagnificação, de forma que os animais que estão no topo da cadeia vão ter uma concentração muito mais elevada de substâncias químicas do que os animais, os organismos vivos que estão no começo da cadeia. Prova disso é a questão justamente do DDT encontrado no leite materno, conforme já foi comentado.
E esses pesquisadores vão encontrar, através de pesquisas científicas, problemas de infertilidade e deformações genitais, cânceres desencadeados por hormônios, como câncer de mama e de próstata, desordens neurológicas, sobretudo em crianças, como hiperatividade e déficit de atenção, além dos problemas de desenvolvimento e problemas de reprodução em animais silvestres. Isso vai acontecer porque ocorre um mecanismo de disrupção endócrina, seja por essas substâncias serem mimetizadores hormonais - ou seja, elas irão de uma certa forma ter uma ação similar à do estrogênio, e nós sabemos da relação do estrogênio com câncer -, seja por essas substâncias serem consideradas bloqueadores hormonais no sentido de serem agentes químicos antiandrógenos, e com isso ocorre a interferência nos processos de fertilidade e o aumento dos cânceres.
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Eu acho que temos vários episódios na história da humanidade que mostram que, além dos problemas de contaminação aguda e contaminação crônica, os desastres ambientais mostram o risco que é a existência e o desenvolvimento dessas substâncias, como ocorreu no desastre de Bhopal, em 1984, em que houve mais de 500 pessoas expostas a uma substância tóxica perigosa utilizada como agroquímico e que resultou na morte de pelo menos 4 mil pessoas. E aí vem a pergunta: se essas substâncias são tão perigosas, por que ainda se insiste na sua utilização? E vai haver aí muitas justificativas para isso, mas o que a gente percebe é que isso nada mais é do que a questão de que a revolução verde foi de fato um pacote tecnológico, mas, sobretudo, um pacote comercial, ou seja, o que existe é um grande interesse realmente em que os países, sobretudo do hemisfério sul, absorvam esse pacote porque ele é extremamente rentável.
Só para a gente ter uma ideia, em 2015, a venda de sementes atrelada ao uso de agrotóxicos girou em torno de US$85 bilhões, e há previsões de que esse montante chegue, em 2025, a 120 bilhões - e sempre lembrando que, das sete maiores produtoras de semente do mundo, cinco são originárias da indústria química, mostrando essa conexão justamente entre as sementes e o uso de agrotóxicos. Isso acontece porque, dentro desse pacote, a ideia é justamente aumentar a produtividade e estimular, gerar uma dependência do uso de determinados agroquímicos. E a partir da introdução das sementes transgênicas, nós vamos observar que esse processo se complicou cada vez mais. A promessa era de reduzir o uso de agrotóxicos, mas os estudos de séries históricas, inclusive nos Estados Unidos, vão mostrar que foi exatamente o contrário: com a introdução das sementes transgênicas, o consumo de agrotóxicos, principalmente do glifosato, aumentou.
E sempre é bom lembrar que essas sementes, as sementes transgênicas que são utilizadas, de uma certa forma trazem todo um risco. Já existem estudos mostrando que o consumo de sementes de alimentos transgênicos na ração animal levou... Em 2005, um relatório feito pela própria Monsanto e que foi encaminhado para a imprensa por uma gerência mostrou o problema de redução de órgãos vitais nessas cobaias alimentadas por transgênicos, problemas dermatológicos e também câncer e outros problemas de fertilidade.
E há essa apropriação indevida das nossas sementes crioulas, sementes nativas, por estas mesmas grandes corporações, porque o objetivo de tudo isso é fazer a privatização dessas sementes, o que, de uma certa forma, traz um grande risco para nós porque passa a haver, com esse processo, uma ditadura, digamos assim, do que será possível comer e do que poderá...
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Por esse processo acho que já está sendo possível perceber que a revolução verde influenciou a estrutura do sistema agroalimentar mundial, gerando um processo que hoje é considerado insustentável, por conta do pacote da produção vinculado às grandes indústrias de transformação desses alimentos e também aos alimentos ultraprocessados, que hoje estão cada vez mais sendo consumidos, e todo o gasto energético, todo o consumo de combustíveis fósseis que está aí na origem desses produtos, a degradação do ambiente, o desflorestamento e também toda a produção animal, principalmente de gado e aves em grande escala, que, além de atentar contra o comportamento geral natural da espécie, está vinculada ao consumo de energia, água e emissão de gases, que contribuirão para o efeito estufa e o aquecimento global.
Por isso hoje essa condição do nosso sistema agroalimentar está intrinsecamente ligada à chamada sindemia global, um processo que foi discutido a partir de 2019 e publicado na The Lancet, que fala de uma má nutrição pelo convívio da pandemia vinculada à magreza, a pandemia vinculada ao sobrepeso e obesidade e a pandemia dos problemas de saúde vinculados ao aquecimento global, responsáveis por mais de 19% das doenças registradas. E isso por quê? Porque justamente os sistemas alimentares de hoje geram de 25% a 30% das emissões de gases de efeito estufa. Então há necessidade da reformulação desse sistema...
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Sra. Silvia, só para lhe pedir para concluir.
A SRA. SILVIA DO AMARAL RIGON - O.k., Senador, já estou concluindo.
Então, é urgente a reformulação desses sistemas de alimentação, de agropecuária e transporte. A proposta hoje seria a construção de sistemas sustentáveis e saudáveis baseados no trabalho da agricultura familiar, que é quem realmente produz comida de verdade, e nos princípios da agroecologia, da própria agricultura orgânica, fortalecendo o trabalho da agricultura familiar, que é quem hoje produz mais de 70% dos alimentos que nós consumimos.
Obrigada. Desculpe ultrapassar o tempo. Depois, nas discussões, a gente pode voltar a alguns assuntos. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Sem problema. Eu lhe agradeço sua contribuição.
Antes de passar a palavra ao nosso querido Senador Fabiano Contarato, que é o autor do requerimento, eu quero só fazer a leitura, agradecendo a participação, de perguntas e comentários que vieram pela nossa internet.
Élvis Luiz, de São Paulo: "De qual forma o Brasil regula o uso de agrotóxicos em suas plantações, a fim de maior qualidade para serem consumidos?".
Gabriela Luiza, de Goiás: "Qual a melhor forma de incentivar a utilização de agrotóxicos legais ou defensivos naturais?".
Patrícia Benther, do Rio de Janeiro: "Por que o Brasil, tendo como uma de suas bases econômicas o agronegócio, não investe mais em métodos sustentáveis de produção?".
Roberto Costa, da Bahia: "Quais são os agrotóxicos mais perigosos utilizados no Brasil? Quais seriam as alternativas sem prejuízos para o abastecimento e economia?".
José de Sousa, do Ceará: "Por que as boas práticas de combate às pragas, de forma orgânica e com preservação da natureza, não são apoiadas de forma mais efetiva pelos bons produtores?".
Anísio Leite, do Mato Grosso: "Existe legislação no Brasil que regula o uso de agrotóxicos [...]? Se existe, é cumprida na íntegra? Se não [é cumprida], por quê?".
Leonardo Toledo, de São Paulo: "É possível ligar a utilização de agrotóxicos a quais doenças?".
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Lucélia Correa, do Rio de Janeiro: "Existem alternativas ao uso de agrotóxicos?".
Juliana Backes, do Rio Grande do Sul: "Quais serão as alternativas para a geração de economia e rentabilidade com o impasse da não utilização dos [...] [agrotóxicos]?".
Fábia, da Paraíba: "Existem pessoas autorizadas por órgãos competentes para a fiscalização do uso dos agrotóxicos nas várias regiões do nosso País? [...]".
E aqui alguns comentários.
João Alberto, do Rio Grande do Sul: "A agricultura feita de forma inteligente, usando simples conhecimentos da biologia das espécies daninhas e de seus predadores, resolve!!!".
Laura Lopes, do Paraná: "Chega de agrotóxicos nos pratos dos brasileiros".
Sílvia Scholant, do Rio Grande do Sul: "O uso de agrotóxicos de uso proibido em outros países faz do Brasil um país desumano e o transforma em pária junto às demais nações".
Alpha Trix, de Goiás: "Produções autossustentáveis economizam gastos e garantem a saúde dos trabalhadores, evitando insalubridade, problemas ambientais e anomalias".
Alícia Barros, do Distrito Federal: "Interessante a discussão, me pergunto se as pessoas entendem os prejuízos que o uso de agrotóxicos irá dar futuramente na área da saúde…".
Gesse Barreto, da Bahia: "Hoje temos no agronegócio uma mola para propulsão da economia, mas sem controle de agrotóxicos não vale nada".
Demétrio Luís, do Rio Grande do Sul: "Não faz sentido permitir no Brasil agrotóxicos que vêm sendo progressivamente proibidos em outros países".
Senador Contarato, antes de passar a V. Exa., eu vou deixar também uma pergunta para a fase final de participação. É óbvio que os palestrantes não são obrigados a responder a essas perguntas, nós depois buscaremos a resposta para enviar. Eu faço questão de fazer a leitura para mostrar o interesse que desperta o tema.
A minha pergunta é: nos estudos estão consideradas as sobreposições desses produtos, dado que sabemos que não se utiliza apenas uma variedade, bem como o efeito cumulativo dessas substâncias no organismo? Porque às vezes a análise feita de um só pode nos dar uma resposta, mesmo que científica, e a sobreposição seguramente pode agravar esse processo. Por isso eu deixo essa pergunta.
Passo agora a palavra ao autor do requerimento, Senador Fabiano Contarato.
V. Exa. com a palavra.
O SR. FABIANO CONTARATO (PDT/CIDADANIA/REDE/REDE - ES. Para interpelar.) - Sr. Presidente, eu quero agradecer a oportunidade e parabenizar V. Exa. por presidir esta audiência pública sobre um tema que eu reputo de extrema importância, tendo em vista que este ataque sistematizado ao meio ambiente tem encontrado terreno fértil em vários segmentos. Na área do agrotóxico isso é muito claro.
Eu já falei e volto a repetir: essa utilização, essa aplicação desses agrotóxicos por aeronave, por exemplo, agrotóxicos como a atrazina, o acefato, o herbicida da agro brasileira, que é 300 vezes mais prejudicial, são agrotóxicos que estão sendo retirados e são proibidos no Reino Unido e na União Europeia.
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Então eu quero agradecer e quero fazer uma fala aqui simples: nos últimos cinco anos, o consumo de agrotóxicos no Brasil cresceu 25%. É um dos mercados que mais cresce no mundo, porém não há relação entre o aumento do consumo desses produtos e o aumento da produtividade nas lavouras, ou seja, quilograma ou tonelada de produção por unidade diária. Já são cerca de 2,3 mil produtos registrados - 2,3 mil! Usamos 500 mil toneladas de agrotóxicos por ano, ao custo de 35 milhões, sendo 35% desse uso em plantações de milho e soja.
No Brasil, a aplicação de agrotóxicos por avião é liberada. A pergunta é: você ficaria próximo ao local onde está ocorrendo uma pulverização em área por agrotóxico? Estou falando porque isso eu presenciei nas comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul. Elas são atacadas com febre, vômito, dor de cabeça e diarreia. Isso ninguém me contou, Presidente; eu vi. Pois é, muitas pessoas, incluindo diversos povos indígenas, não têm escolha.
Dentre os dez agrotóxicos mais utilizados no Brasil, três são proibidos na União Europeia, um deles à base de acefato, que foi proibido em 2003 porque é extremamente neurotóxico. Em 2013, a Anvisa reavaliou esse produto, e o resultado foi conferido em nota técnica, atestando sua neurotoxicidade. Apesar disso, o uso do acefato continua sendo permitido no Brasil.
Sr. Presidente, agora, neste momento, devemos passar para... Transmito ao senhor... Só quero agradecer a oportunidade, agradecer aos convidados e colocar, humildemente, como membro desta Comissão - tenho certeza de que é o comportamento de V. Exa. -, que a Comissão de Meio Ambiente está aberta à comunidade científica, à comunidade acadêmica, às ONGs, à sociedade civil e, obviamente, ao próprio poder público, que tem este dever, esta obrigação de implementar medidas para mitigar os danos resultantes da má utilização do agrotóxico.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Senador Fabiano Contarato, pela sua intervenção.
Agora, conforme combinado, eu vou devolver a palavra aos palestrantes em ordem inversa da que houve na primeira parte, pedindo que se limitem a cinco minutos para os comentários finais.
Cedo a palavra à Sra. Silvia do Amaral Rigon para suas considerações finais e eventual resposta a alguma pergunta.
A SRA. SILVIA DO AMARAL RIGON (Para expor. Por videoconferência.) - Estão me ouvindo? (Pausa.)
Senador, voltando aqui, infelizmente não foi possível a gente discutir as questões referentes ao Brasil porque o assunto é bastante longo. Então só quero reforçar realmente... Eu acho que o Senador Fabiano trouxe questões importantíssimas. A questão do uso dos agrotóxicos se intensificou no Brasil substancialmente a partir do início dos anos 1990, tornando o nosso País o segundo, depois o terceiro e hoje o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Essa utilização é concentrada em lavouras especialmente de soja, milho e cana-de-açúcar, principalmente nas Regiões Centro-Oeste e Sul e no Estado de São Paulo, e praticamente cinco dos maiores produtores respondem por mais de 50% do total dos agrotóxicos consumidos no Brasil. Entre 2007 e 2013, o uso de agrotóxicos dobrou, enquanto a área cultivada cresceu apenas 20%, que é exatamente a informação que ele trouxe, e isso se deu com o aumento dos casos de contaminação, as contaminações crônicas e as contaminações agudas, e de situações que nós já comentamos, além do caso de suicídios.
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Por exemplo, a cultura do fumo hoje, no Brasil, está vinculada à associação de dívidas, a intoxicações, problemas neurológicos, depressão e suicídios. No meu Estado, que é o Paraná, nós tivemos já muitas citações notificadas no Sistema Único de Saúde por mortes por enforcamento, situações de suicídio em função da vinculação a agrotóxicos utilizados nas culturas do fumo. E, dos Estados que hoje mais utilizam essas substâncias, nós temos Mato Grosso, Rio Grande do Sul, São Paulo e meu Estado, o Estado do Paraná, que respondem por mais de 58% desse consumo.
O que eu queria comentar é que eu fui buscar inclusive a atualização dos dados do PARA justamente para poder trazer aqui, a este debate na audiência. A minha preocupação ou até o meu espanto foi justamente com essas últimas modificações que ocorreram na forma de desenvolvimento do PARA, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos, que sempre foi bastante respeitado tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Houve, então, uma modificação na metodologia do trabalho do PARA. E, no nosso Estado, o Estado do Paraná, houve toda uma preocupação com essa mudança, porque o Paraná foi um dos Estados que, desde o início do programa, participou diretamente desse processo. Dessa forma, a partir de 2016, em função de não concordar com a atual metodologia e de se preocupar realmente com os desdobramentos desse processo, o Estado do Paraná não participa mais do PARA nacional e instituiu o PARA no Estado do Paraná. E já há informações muito interessantes do relatório de 2018 e 2019, que deveriam ser compartilhadas. Então, fica aqui a sugestão para que as equipes da Sesa e do PARA Paraná sejam convidadas para as próximas sessões que irão compor a audiência, porque eu sei que ela irá continuar, para que possam ser explicados os fatores de discordância e para que sejam trazidas essas informações.
Por fim, eu gostaria também de sugerir aqui nomes de redes que eu considero que são importantíssimas para virem participar: a Campanha Permanente contra Agrotóxicos e pela Vida, que lançou o novo Dossiê contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida; a Abrasco; a Associação Brasileira de Agroecologia. Também acho importantíssimo serem convidados para participar a Fundação Oswaldo Cruz; o Luiz Cláudio Meirelles; a Articulação Nacional de Agroecologia; o Ministério Público do Trabalho, que, em parceria com o Ministério Público Federal, articula o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
Também seria importantíssima a ABA (Associação Brasileira de Agroecologia); o Instituto Nacional de Câncer; o Conselho Federal de Nutricionistas, porque tem um trabalho também em relação a isso; a equipe do PARA Paraná anterior, que participou do PARA nacional - temos alguns nomes como Alfredo Benatto e Eliana Scucato -; o grupo Tramas; o Greenpeace do Brasil; a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, como importantes participantes.
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Eu gostaria, finalmente, de comentar que, infelizmente, o Brasil retroagiu muito nas suas políticas de soberania e segurança alimentar e nutricional. Nós tivemos a extinção do nosso Conselho Nacional de Segurança Alimentar em 2019. O Consea faz muita falta porque debate todas essas questões como órgão do nosso Sistema Nacional de Segurança Alimentar. E, agora, justamente pelo fato de o Consea ter sido extinto, nós não pudemos realizar a nossa 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar. Então, a sociedade civil mobilizada se articulou e está para realizar, ainda neste ano, uma conferência popular autônoma pela soberania e segurança alimentar no Brasil e realizou, no primeiro semestre de 2021, seus encontros regionais. Em todos os encontros, a questão dos agrotóxicos aparece como algo de grande preocupação, por conta de tudo que já foi comentado aqui. E os encontros regionais trouxeram também a preocupação com a questão de o Brasil entrar novamente no Mapa da Fome, e muito disso tem a ver com esse grande sistema sobre o qual nós estamos falando aqui, esse sistema alimentar no qual o Brasil está inserido.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Para concluir...
A SRA. SILVIA DO AMARAL RIGON - Também os encontros trouxeram a conversa da retomada das políticas públicas, a Pnapo e a própria Pnara, o fomento à agricultura familiar, a agroecologia e a produção orgânica como caminhos possíveis e importantíssimos de serem trilhados.
Seria isso.
Obrigada. Desculpe novamente por passar do tempo.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Por nada! Obrigada, Dra. Silvia do Amaral Rigon.
Eu passo a palavra agora a Sra. Regina Sambuichi. (Pausa.)
Abra seu som.
A SRA. REGINA SAMBUICHI (Para expor. Por videoconferência.) - Não está abrindo. Ah, abriu agora! Ele não estava permitindo abrir.
Eu quero me concentrar, principalmente, na pergunta sobre o que podemos fazer. Eu penso que existem caminhos, e essas decisões precisam ser tomadas logo. Eu acho que uma grande questão que está relacionada a esta situação dos agrotóxicos é que o Brasil depende muito da produção agrícola na sua economia, e qualquer solução que possa ameaçar isso realmente vai ser difícil seguir em frente. Então, o que nós precisamos é trazer alternativas, e essas alternativas existem. Existe já tecnologia para se desenvolver outro sistema para continuar a produção inclusive com mais sustentabilidade e com mais aceitação até dos mercados internacionais.
Então, o que é preciso fazer? Investir justamente nas alternativas. É preciso investir no Programa de Bioinsumos, é preciso investir em alternativas que o produtor possa escolher. Eu penso que, se o produtor puder escolher, não tendo prejuízo, ele vai escolher uma condição mais sustentável, porque isso é melhor para todos. Então, o que é preciso... As grandes empresas internacionais são as únicas que ganham com isso e não têm interesse em investir nisso. Quem tem que investir nisso é a política pública. Tem que existir uma vontade de governo para trabalhar nesse sentido. Se nós tivermos uma maneira de incentivar que haja competitividade, que seja possível desenvolver alternativas tecnológicas mais sustentáveis, isso é possível. Mas, para isso ser possível, é preciso que haja uma condição econômica para isso, e, para haver condição econômica, tem que haver apoio de política pública, senão isso não vai acontecer, se for de outra maneira.
Então, é preciso que haja vontade política neste sentido de investir, porque o agronegócio... Na verdade, às vezes, as pessoas acham que ele não quer perder com isso, mas ele vai perder se continuar desse jeito. Por quê? Com essa maneira que se está fazendo hoje na agricultura, tende a, cada vez mais, haver venenos piores, porque as pragas vão se tornando mais resistentes, e, cada vez mais, tem que se usar mais produtos químicos, causando mais problemas para o meio ambiente.
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É preciso se conscientizar que a sustentabilidade é o único caminho para se desenvolver nesse sentido. Então, se continuar dessa maneira, é um tiro no pé do próprio agronegócio brasileiro e da própria população brasileira, quando você pensa na sustentabilidade e na segurança alimentar e nutricional. Então, esse é um ponto muito importante a ser visto e decidido.
Eu peço aos legisladores, aos tomadores de decisão de política pública: é preciso investir e também pensar nesses incentivos perversos e começar a mudar isso, para haver distinção entre os agrotóxicos, para haver um incentivo maior aos que gerem menos impacto no ambiente. Então, tiram-se os incentivos daqueles que têm mais impacto, e se dá mais incentivo àqueles que têm menos impacto, e, assim, você consegue fazer com que esses que dão menos impacto possam estar mais disponíveis.
Também é preciso investir em assistência técnica e em transferência de tecnologia. A palavra transferência de tecnologia nem é adequada mais hoje em dia, quando a gente não pensa em pacotes tecnológicos. A gente tem que pensar na disseminação dessas tecnologias. É preciso que elas surjam e possam ser criadas, cada vez mais, para cada região, com soluções para cada ambiente. E isso existe. Pode ser assim em política pública. Isso pode ser incentivado, isso pode ser fomentado.
É muito importante também o fato de que a agricultura familiar precisa de apoio. A assistência técnica não pode ser deixada por conta das grandes empresas transnacionais porque isso não vai desenvolver um tipo de produção mais sustentável. Então, nesse sentido, é preciso realmente de assistência técnica pública, é preciso também de políticas de apoio ao desenvolvimento rural, para que todo esse sistema possa mudar. Se isso for deixado por conta dos agentes que hoje comandam, não vai mudar, porque alguém está ganhando muito dinheiro com isso, e, com certeza, não é o Brasil nem a população brasileira.
Então, quem é responsável por ter as melhores soluções para o Brasil e para população brasileira tem que ter uma visão estratégica e tomar as melhores decisões, pensando nisto: no melhor para todos, que é o melhor para a economia, o melhor para a saúde, o melhor para o meio ambiente e para todos, porque esse é o objetivo das nossas políticas públicas.
Agradeço a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu é que agradeço, mais uma vez, a sua participação, contribuindo com o debate do Senado.
Eu passo a palavra agora a Sra. Eloisa Dutra Caldas.
A SRA. ELOISA DUTRA CALDAS (Para expor. Por videoconferência.) - Fico grata novamente pela participação neste debate.
Eu captei alguns comentários feitos pelos palestrantes e também pelo Senador que estava aí presente - não sei se ele já se foi. Eu queria só ressaltar alguns pontos. Não vou repetir minha fala, mas vou só ressaltar alguns pontos que foram colocados pelos palestrantes ou comentários que vieram da população.
Alguém mencionou que os pesticidas não são metabolizados pelo organismo humano. Isso não é verdade, isso não é fato. Os pesticidas são altamente metabolizados pelos mamíferos, inclusive os humanos. Os pesticidas utilizados hoje não são persistentes, não se acumulam no organismo. Nós passamos da era dos organoclorados persistentes, que permaneciam no meio ambiente por muito tempo e se bioacumulavam na cadeia alimentar. Nós estamos falando hoje de substâncias que se metabolizam rapidamente nos organismos dos mamíferos e no meio ambiente e que não se acumulam. Então, esse é um ponto que tem que ficar bem claro, para que essa comunicação não seja passada de maneira equivocada.
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Acho que o Senador comentou... Logo após a minha fala, fez um comentário fora do contexto, na minha opinião, sobre a aplicação aérea, sobre como essa aplicação aérea atinge populações indígenas. Definitivamente, a aplicação aérea não deve ser utilizada quando existe o potencial de atingir populações humanas. Isso é indiscutível! Eu, em nenhum momento, falei sobre isso na minha fala. Então, definitivamente, isso não pode acontecer.
Outra coisa também que foi colocada é que o Brasil - novamente é uma fala que é repetida, repetida, repetida, sem ver os dados - é o maior consumidor - a palavra "consumidor" não é a mais correta - de pesticida no mundo. Isso não é verdade. Justificadamente, por causa da grande área, quem é o maior usuário de pesticida no mundo é a China, o que é justificado pela área desse país. O Brasil e os Estados Unidos utilizam em torno de um terço do que a China utiliza, os dois países trocam entre o segundo e o terceiro lugar, o que também é justificado porque são dois países agrícolas.
Então, eu só queria ressaltar esses três pontos que foram falados, para ajustar realmente com o dado real que se tem.
Novamente, a minha mensagem final é que a comunicação para a população com relação a isso deve ser feita de maneira adequada, principalmente para se garantir que a população tenha um consumo adequado e garanta a segurança alimentar de frutas e vegetais, para reduzir a obesidade e as consequências da obesidade, pelo consumo maior de carboidratos e pelo consumo menor de frutas e vegetais, e para prevenir o desenvolvimento de doenças crônicas. Eu tenho certeza de que a professora da Universidade Federal do Paraná, como nutricionista, tem consciência disso e sabe muito bem da importância do consumo de frutas e vegetais para diminuir o desenvolvimento de doenças crônicas, inclusive cânceres e doenças cardiovasculares.
Muito grata!
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu é que lhe agradeço, Professora Eloisa Dutra Caldas.
Passo a palavra agora ao Sr. Carlos Alexandre Oliveira Gomes.
Está com V. Sa. a palavra.
O SR. CARLOS ALEXANDRE OLIVEIRA GOMES (Para expor. Por videoconferência.) - O.k.! Muito obrigado.
Então, vamos iniciar aqui a fala.
Eu também fiz algumas anotações, e, primeiramente, seria interessante a gente colocar a questão da aplicação aérea. Existe uma previsão por lei de que ela tem que respeitar a distância de 500m, ou seja, 0,5km, para poder ser utilizada. Caso não seja respeitada essa distância, logicamente haverá que se chamar as autoridades para a tomada de medidas e, inclusive, a própria polícia, porque não se está respeitando uma lei.
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Além disso, também nós temos essa questão de agrotóxicos proibidos. Foi feita recentemente uma reavaliação do acefato. Foram feitas algumas restrições nesse tipo de produto. Ele só é considerado agora para aplicação tratorizada. É um produto que, embora não tenha registro na Europa, porque ela tem uma estrutura fundiária completamente diferente da de países como Brasil, Austrália, China etc., que têm esse agrotóxico registrado também, preferencialmente com a utilização por equipamentos para se evitar a exposição... Então, aqui a gente acaba querendo atacar um produto que está sendo direcionado para determinado segmento, de forma que ele não pode ser utilizado para o segmento, por exemplo, da agricultura familiar. Não é permitida a utilização de pulverização costal. Logo, se qualquer tipo de produtor está usando, quem está ilegal é o produtor. Inclusive, não há embalagens pequenas autorizadas desse produto.
Foi muito bem colocada pela fala da professora a questão da quantidade imensa de produtos químicos que existe no mundo, de uma maneira geral. São milhares de produtos químicos no dia a dia da pessoa, desde que ela acorda até que ela vá dormir, a que ela vai ter exposição. E justamente o agrotóxico, pelo fato de ser um produto que exige certa atenção especial, já vem sendo tratado pelo Ministérios da Agricultura e da Saúde, por meio da Anvisa, e pelo Ibama. Agora existem milhares de produtos, botando um olhar crítico, que podem passar por um trabalho inclusive de reavaliação, como foi muito bem demonstrado aqui, porque vem sendo retirada uma série de moléculas nos últimos anos.
É importante também ressaltar a fala da Dra. Eloisa Caldas sobre a questão da importância do consumo de frutas e hortaliças. Como foi aqui colocado, foi aberta a possibilidade de a gente explorar um pouco mais isso. Nós temos dados comprovados pelo Ministério da Saúde: um consumo de 400g por dia pode diminuir 20% dos casos de câncer - nós estamos aqui, inclusive, diminuindo a quantidade de câncer, o que é importante a gente ressaltar -; 31% de casos de doenças do coração; e 11% de casos de derrame. Então, realmente, não podemos fazer uma comunicação errada de programas de monitoramento.
Então, uma modificação na metodologia não do programa, do PARA, e, sim, da comunicação do PARA foi fundamental, pela primeira fala que eu trouxe a este Plenário. O limite máximo de resíduos é uma medida agronômica, e nós precisamos responder se uma alteração, ou seja, um nível a mais ou então a utilização de LMR não presente para aquela cultura podem ser ou não um problema para a saúde da população. Então, nós avançamos, estudamos, fizemos nosso dever de casa e demos uma resposta muito importante para a sociedade, para ela saber se os resíduos de agrotóxicos a que ela está exposta na comida causam ou não problema para a sua saúde. E a resposta pode ser encontrada no relatório do PARA, que nós vimos que precisa melhorar sim.
Na vida nós precisamos melhorar. Qualidade, segurança do alimento é fundamental. E a Anvisa trabalha na legalidade, utilizando esta visão: saúde do consumidor e saúde do trabalhador rural. Precisamos melhorar muita coisa. Existem muitas moléculas que foram registradas no passado que precisam ser reavaliadas; nós estamos fazendo isto, mas, como foi comentado aqui, não podemos mudar a coisa da noite para o dia.
Então, basicamente - nem vou usar todo o meu tempo -, acho que essa era a mensagem que eu queria deixar.
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Quero agradecer aos senhores e dizer que a política do uso de agrotóxico realmente precisa ser discutida, e é um assunto para todos nós.
Existe a possibilidade, por exemplo, de no futuro estreitarmos a utilização para a agricultura familiar, sendo uma agricultura de base orgânica. Ninguém é contra isso, e o Estado já tem uma série de tecnologias registradas e de produtos de baixa toxicidade. É só o produtor migrar do sistema convencional para o sistema orgânico de produção, ou de base orgânica. Como foi muito bem falado, é necessária toda uma política de Estado para que haja essa migração de maneira gradativa, sem essa ideologia exagerada e a politização de um tema que precisa ser abordado com base na ciência e na legalidade.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado ao Sr. Carlos Alexandre Oliveira Gomes por sua contribuição nesta fase final.
Passo a palavra para a nossa última palestrante neste momento, que é a Sra. Antônia Ivoneide.
Está com V. Sa. a palavra.
A SRA. ANTÔNIA IVONEIDE (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, rapidamente, quero dizer que, a partir do que a gente foi ouvindo e das questões que foram colocadas pelos palestrantes, surgem algumas questões. Uma delas é a fome e a escassez de alimentos.
Eu quero dizer que eu passei fome em 1968, quando eu tinha 3 anos de idade. Eu passei fome nos anos 70, nos anos 80 e nos anos 90. Não sei se vocês aqui sabem o que é passar fome. Eu sei o que é passar fome. Mas não foi o veneno que acabou com a fome. Foi o acesso à terra, a políticas públicas, a crédito, à assistência técnica e a políticas de beneficiamento e de comercialização que fez com que milhares de pessoas tivessem o aumento da sua produção e a diminuição da fome. Para acabar com a fome e para aumentar a produção neste País, é preciso que se faça a reforma agrária, que se tenha acesso e que se tenha política e conhecimento, para que os trabalhadores possam se desenvolver, com o aumento da produção, inclusive de comida.
Outro elemento sobre comida é: nós aqui não somos contra a que se coma verdura, até porque somos nós, os agricultores familiares e camponeses, que produzimos verdura. Quem produz a verdura e a comida que vai para o prato somos nós, os trabalhadores rurais e camponeses. O agronegócio produz soja, milho, commodities, e não alimentação direta. Nós somos contra a que essas verduras e essa produção sejam banhadas por veneno ou a que sejamos obrigados a usar veneno, inclusive quando vamos ter acesso a crédito e à própria assistência técnica.
Outro elemento é que eu não aceito, como agricultora, como camponesa, ser culpada pelo meu próprio adoecimento. É muito fácil culpar o sujeito quando acontecem essas políticas, principalmente quando se está em um escritório ou em um gabinete com ar-condicionado, porque não é você que está exposto, inclusive obrigado pelas grandes empresas a misturar e a usar coquetéis de vários venenos. Quando a gente pesquisa um produto, é uma coisa, mas quando se pesquisa... Não se pesquisa, não se analisa quando se juntam três ou quatro produtos, como é o caso dos coquetéis. São obrigados os trabalhadores a usar isso, e têm acontecido mortes e um adoecimento muito grande por causa disso. Eu não sou médica, mas posso dizer que o veneno causa doença, sim, porque a cirrose e outras doenças que afetam o fígado... Inclusive, quem está usando e monitorando isso vê adoecimento, sim, por conta do uso do veneno. É preciso que se pesquise sobre isso.
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Há outra coisa, um dado do Censo de 2017 que comprovou que os agricultores que têm menos terra, ou seja, até dez hectares, usam menos de 50% de veneno; já os que possuem acima de 500 hectares usam mais de 90% de veneno. Portanto, não somos nós, os agricultores, os principais responsáveis pelo uso de veneno neste País.
Outra questão é que nós, camponeses, somos grandes defensores da pesquisa, mas uma pesquisa que tenha autonomia e que tenha, principalmente, financiamento público, para que tenha autonomia. Nós somos contra pesquisas pagas por empresas para defenderem seus próprios méritos, que, inclusive, aqui dizem que não há resíduos em alimentos que são banhados de seis a oito, desde a flor até dois dias antes da colheita. Dizem que não há resíduo de agrotóxico. Então, eu tenho muita dúvida. Eu não sei se vocês que estão aqui acompanhando têm dúvida também, mas eu tenho dúvida em relação a essa pesquisa.
Eu tenho dúvida também sobre poderes... Em vez de a gente estar caminhando para um processo de redução do uso de agrotóxicos, a gente caminha para o aumento, conforme as políticas que estão sendo propostas neste País, como é o processo de liberação pelo MAPA de veneno a cada dia. Quantos venenos já foram liberados desde que essa atual administração assumiu? Então, é um processo que não tem critério razoável. Desculpem-me, mas acho que as agências reguladoras estão a serviço da própria política, e é uma política de negação, inclusive de negar a contaminação e negar o adoecimento por causa dos venenos.
Outra questão que eu quero trazer aqui é que há proposta, sim, de redução do agrotóxico, como é o caso da Lei Assis Carvalho, ou melhor, da Lei Zé Maria do Tomé, lá no Ceará, que proibiu a pulverização aérea. Como a gente sabe, onde os ventos são fortes, não são 400 metros que impedem o veneno de chegar aonde estão as famílias, as escolas ou as lavouras dos produtores que não querem usar veneno. Não é isso, porque, quando se joga veneno dessa distância e quando o vento está forte, ele cai a muitos quilômetros de distância. Portanto, esse é um processo que a gente precisa ir reduzindo, e a Lei Zé Maria do Tomé, que proibiu em todo o Estado do Ceará a pulverização aérea, não diminuiu a produtividade nem a produção das grandes; inclusive houve aumento.
Portanto, não é sobre isso que a gente está falando, mas de como se propõe uma política de redução dos agrotóxicos. Não estamos aqui nem propondo o fim, mas uma política de redução, e não se aceita que pesquisadores, estudiosos, Parlamentares e outros não proponham essa diminuição.
E também se questiona: por que produtos que não são utilizados na Europa ou em outros países são liberados aqui no Brasil? "Ah, não, é porque o clima é diferente." Mas e a água e a situação não são as mesmas? Então, para mim não há clareza de que existe seriedade quanto às políticas e à questão social, do povo, e de que não se está em busca do lucro, que é o que tem acontecido neste País.
Há ainda outra questão: por que a gente paga imposto sobre a comida e não paga imposto sobre o veneno? Por que não há a redução desse imposto? É preciso que se tenha um processo de redução disso, que se debata política pública sobre esse processo da redução dos agrotóxicos.
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Como eu não gastei meu tempo todo no início, Senador, eu queria trazer mais outra questão, que é a seguinte. É preciso que a gente discuta - e nós estamos trabalhando e, inclusive, judicializando - a situação de muitos trabalhadores que estão tendo prejuízo em suas lavouras pela contaminação de venenos que eles não usaram. Há, por exemplo, o caso de Nova Santa Rita, lá no Rio Grande do Sul, e o caso de muitas outras comunidades que estão ali e que produzem agroecológicos, mas que receberam banho de veneno por empresas que estão ali perto. É preciso, então, a gente ver quem paga pelo prejuízo que eu estou levando, quem paga pela água da minha cisterna que foi contaminada porque a poeira do agrotóxico caiu no telhado da minha casa e contaminou a água da cisterna que eu guardei ali, quem paga pela minha vida, pelo processo como um todo que eu estou vivendo. Portanto, não sejamos coniventes e responsáveis pelo adoecimento e pelo envenenamento da população brasileira.
É isso.
Muito obrigada por esta oportunidade, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Ivoneide, por sua participação, também aqui enriquecendo o nosso debate.
Eu queria fazer alguns comentários antes do encerramento.
Eu trabalhei, na Bahia, em Camaçari, no polo petroquímico de Camaçari e, evidentemente, trabalhei de perto com vários desses produtos, alguns deles até, do ponto de vista do seu processo produtivo, letais, até porque, para chegar ao produto final, muitas vezes você começa usando um produto muito mais violento e vai depurando. Já trabalhei em áreas em que era preciso usar máscara o tempo todo, porque a inalação por 30 segundos de determinado gás poderia significar a perda de uma vida, assim como já trabalhei com benzeno, que sabidamente é altamente cancerígeno. Eu estou falando isso porque é evidente que a tecnologia avançou, assim como hoje vários produtos, como, por exemplo, o plástico, que pode ter representado um avanço e um conforto, em tese, para as pessoas hoje... E não sou eu que estou dizendo, mas a ONU, que colocou 2021 a 2030 como a Década dos Oceanos, porque a previsão é que, se continuar nessa mesma marcha que nós estamos hoje, nós teremos mais peso de plástico nos oceanos do que de seres vivos, no caso peixes, crustáceos etc.
Então, é evidente que o exagero... Na verdade, vários aqui já colocaram que os próprios produtores foram modificando o tipo de agrotóxico e mesmo de adubo que usam por reconhecerem, depois da utilização, o que eles efetivamente provocam. Essa é uma afirmação, na minha opinião, inconteste. Não é à toa que países desenvolvidos estimulam cada vez mais, ao preço de você ter um incentivo, o produto orgânico, oriundo da agroecologia. Com o selo de orgânico, efetivamente, ele tem, às vezes, 15%, 20% ou até mais de valorização no mercado. Isso é um fato. Isso significa dizer que, com as informações que as pessoas têm, elas estão cada vez mais optando, na medida em que tenham poder aquisitivo para isso evidentemente, por um produto que é mais caro, mas as pessoas com menor poder aquisitivo dificilmente chegarão lá.
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Mas eu não vou falar nem de veneno nem de agrotóxico. Foi a pesquisa, a ciência e a medicina que nos apontaram a intolerância de pessoas à lactose e ao glúten e quanto dano esses produtos produzem internamente. Eu nem estou falando de agrotóxico, estou falando de componentes normais da alimentação. Então, eu acho que qualquer tipo de justificativa do tipo "não precisamos, porque não produz isso, não produz aquilo"... É evidente que a ciência está aí para fazer pesquisas isentas, para provar o que se pode e o que não se pode.
Agora, eu insisto, e não é este Senador que está falando, eu estou constatando... Hoje, por exemplo, eu li matéria em jornal de economia dizendo que o Brasil está perdendo janela de oportunidade, por exemplo, em bioinsumo. Não foi um jornal ideológico nem um jornal de nenhum tipo de tendência, mas foi um jornal cujo nome prefiro não citar porque não quero fazer propaganda, um jornal nosso, nacional, que analisa os movimentos da economia no Brasil e no mundo. Ontem, por exemplo, eu estava na Embaixada da Noruega exatamente discutindo essas questões do bioinsumo. Por enquanto, como diz a própria reportagem, estamos bem atrás daqueles que se adiantaram.
Então, esse movimento é irreversível na busca de termos uma convivência com o planeta menos agressiva. E as pessoas estão entendendo isso por consciência ou pela emergência que nós estamos vivendo. Creio ser difícil que alguém que milite na ciência, na pesquisa, na tecnologia possa fazer a afirmação de que nós não temos aquecimento global. Está aí a queima do Pantanal, está aí a desertificação de áreas, estão aí os acidentes climáticos. Eu não estou dizendo que é a mesma coisa da discussão dos pesticidas, dos agrotóxicos, dos adubos, eu estou dizendo que são partes da agressão que o modo de vida humano no planeta Terra tem produzido.
Eu quero aqui agradecer a presença de todos, agradecer a presença de cada um que trouxe suas informações, formações e convicções. Evidentemente, todos trouxeram aspectos importantes, e é para isto que a audiência pública é feita: para que haja o salutar confronto de ideias e de argumentos, porque essa é a única forma que eu conheço de superar problemas e de construir democracia, buscando o consenso produtivo.
Eu só queria me associar a uma das palestrantes no sentido de que eu, pessoalmente, considero um absurdo a postura do atual Governo, seja no negacionismo absoluto, seja na eliminação das conferências e conselhos, que, para mim, sempre foram parte importante da democracia, que se exerce pela representatividade, como eu faço aqui, a chamada democracia representativa, e que, na minha opinião, se exerce paralelamente com a democracia participativa ou direta. Para mim, a abertura para a sociedade dessas conferências é fundamental.
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Portanto, eu acho que nós estamos perdendo o bonde da história quando suprimimos essas possibilidades, e vou repetir que não sou eu quem está falando isso. Alguém já disse aqui que as pessoas se convencerão pela consciência ou pela emergência, seja a emergência climática, seja a emergência comercial, porque o nosso comércio bilateral neste momento é prejudicado pela postura da atual administração, do atual Governo Federal, que acaba, ao contrário do que imagina, não ajudando mesmo o agronegócio, em relação ao qual eu pessoalmente não tenho nada contra. Aliás, convidamos sempre pessoas do agronegócio para fazer esse debate salutar. A postura negacionista vai fazendo com que as restrições a produtos nossos, nacionais, tragam cada vez maiores dificuldades.
Então, nada mais havendo a tratar, eu agradeço a participação e a atenção de todos e declaro encerrada esta sessão.
(Iniciada às 10 horas e 36 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 47 minutos.)