23/09/2021 - 10ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG. Fala da Presidência.) - Bom dia, senhoras e senhores. Com grande honra, damos início a esta reunião.
Havendo número regimental, declaro aberta a 10ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instrução do Projeto de Lei 5.343, de 2020, que “institui a Lei de Responsabilidade Social; estabelece normas de responsabilidade social para a redução da pobreza e dá outras providências”, conforme os Requerimentos nºs 1 e 2, de 2021, da CCJ, de minha iniciativa.
A presente reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. Senadoras e dos Srs. Senadores e dos convidados, por sistema de videoconferência, para exposições e debates.
O acesso à sala de reunião estará restrito às Sras. Senadoras e aos Srs. Senadores, aos convidados, aos servidores da Secretaria da Comissão e das áreas de tecnologia do Senado Federal, no estrito exercício de suas atribuições. Caso necessário, um assessor poderá adentrar a sala de reunião para atender demanda do respectivo Senador, retirando-se imediatamente após a finalidade cumprida.
As regras e os procedimentos para a reunião foram definidos para fins de prevenção da transmissão da covid-19 no âmbito do Senado Federal, no que couber e estando de acordo com o Decreto Legislativo nº 6, de 2020, com os Atos da Comissão Diretora nºs 7, 8 e 9, de 2020, e o art. 24 do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021; com os Atos do Presidente nºs 2, 4 e 6, de 2020, e 2, de 2021, que altera o Ato nº 3, de 2020; com a Instrução Normativa da Secretaria-Geral da Mesa nº 14, de 2020; e com o Ato da Diretoria nº 4, de 2020, e nº 3, de 2021.
Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800-0612211.
São convidados a esta conferência: Sr. Marcos Mendes, economista; Sr. Vinícius Botelho, economista; Sra. Tereza Helena Gabrielli Barreto Campello, economista, ex-Ministra de Estado de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Sr. Luis Henrique Paiva, Coordenador de Estudos em Seguridade Social da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea; Sr. Erik de Figueiredo, Subsecretário de Política Fiscal, representante do Ministério da Economia; S. Exa. Dr. Eduardo Matarazzo Suplicy, ex-Senador da República, atualmente Vereador do Município de São Paulo, que se encontra presencialmente nesta sala - a quem cumprimento, como também ao Dr. Erik de Figueiredo, que também se encontra presencialmente -; e os representantes do Ministério da Cidadania que estão sendo indicados, Sr. Adeildo Nogueira, Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Assistência Social; Sr. Danyel Iório, Diretor Substituto do Departamento de Proteção Social Especial; e Marcos Maia Antunes, Coordenador-Geral de Planejamento e Vigilância Socioassistencial.
Justificou a sua ausência a Sra. Monica Baumgarten de Bolle, economista.
De acordo com o art. 94, §§2º e 3º do Regimento Interno, a Presidência adotará as seguintes normas. Os convidados farão suas exposições e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Senadoras e Senadores inscritos. A palavra às Senadoras e aos Senadores será concedida na ordem de inscrições. Os Senadores interpelantes dispõem três minutos, assegurado igual prazo para a resposta do interpelado, sendo-lhes vedado interpelar os membros da Comissão.
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Então, nós vamos dar início a esta reunião. Eu agradeço sobremaneira a presença distinta dos eminentes professores, economistas, representantes do Governo, a emitente ex-Ministra Tereza Campello, cumprimento, mais uma vez, o eminente Senador Eduardo Suplicy, cumprimento as Sras. e os Srs. Senadores que se encontram remotamente, acompanhando a reunião, de modo especial, a Senadora Rose de Freitas.
Nós vamos dar início, portanto, a essas apresentações, pelo eminente economista Professor Marcos Mendes. Por solicitação do Senador Tasso Jereissati, autor do projeto, a quem também rendo aqui as minhas homenagens e o cumprimento pela iniciativa e por sua sugestão por nós acatada, nós vamos dar início, naturalmente, por aqueles que colaboraram com o Senador Tasso na elaboração da proposta. Por isso, os Professores Marcos Mendes e Vinícius Botelho serão os primeiros a fazerem as suas apresentações. Desse modo, nós vamos permitir que cada qual faça sua exposição por até 10 minutos, 12 minutos, e, posteriormente, nós faremos as indagações, caso surjam, das Sras. e Srs. Senadores.
Eu vou, no momento oportuno, quando o tempo estiver se esgotando, fazer o sinal, mas conto com a colaboração, a objetividade e a cooperação de todos.
Dando início, portanto, aos trabalhos, convido o eminente Professor Marcos Mendes, a quem revejo, ainda que virtualmente, pelo painel daqui, do nosso computador, para tecer as suas considerações sobre o projeto, no qual tem grande participação.
Com a palavra V. Sa. Professor Marcos Mendes.
O SR. MARCOS MENDES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador e Presidente! Bom dia a todos os Senadores, Senadoras, participantes desta audiência!
Bom, Senador Anastasia, eu gostaria de começar os meus comentários chamando a atenção para o ponto central de que redução de pobreza, no longo prazo, depende de uma economia robusta, de uma economia que cresça e da capacidade de controlar a inflação. Por isso, eu saúdo esse projeto, por ele ser um projeto que tem uma forte preocupação com a responsabilidade fiscal, casada com a responsabilidade social.
É importante a gente lembrar o que aconteceu logo no começo da pandemia, quando diversos economistas vieram a público dizer que seria importante gastar o quanto fosse, sem limites, porque a inflação estava morta, e haveria um novo modelo econômico surgindo no mundo, em que os governos poderiam gastar à vontade, que não haveria mais aumento de inflação. Pouco mais de um ano depois, nós estamos vendo a inflação explodir no Brasil e em vários países do mundo. Sobretudo, no Brasil a inflação está sendo bem mais forte na cesta de consumo da população mais pobre.
Então, não é possível simplesmente enxugar gelo, a gente querer ter um padrão de gastos públicos que seja incompatível com a estabilidade fiscal, que é condição necessária, ainda que não suficiente, para que tenhamos condições para um crescimento econômico consistente ao longo do tempo, com controle de inflação. Sem crescimento e sem controle de inflação nós não chegamos à nossa meta de reduzir a pobreza.
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O tempo todo em que a gente desenha um programa social, a gente tem, portanto, de estar preocupado com os efeitos colaterais. Não adianta dizer que eu vou fazer uma expansão acelerada e significativa dos gastos sociais se eu não tiver suporte para ter uma estabilidade macroeconômica.
Existe também uma argumentação de que a gente pode aumentar significativamente os programas sociais e financiar isso com a tributação dos mais ricos. É sempre muito importante a gente ter uma estrutura tributária progressiva em que os mais ricos efetivamente paguem uma carga maior no custo fiscal do Estado, mas temos que estar conscientes de que não é simples, em termos políticos, chegar a esse desenho. A gente está vendo a discussão da reforma do Imposto de Renda, em que a maioria das propostas que teriam impactos progressivos sobre a renda estão sendo debulhadas do projeto, e o efeito final dessa reforma do Imposto de Renda provavelmente será neutro ou regressivo, e, em vez de aumentar a receita, derrubará a receita. Então, a gente não pode contar, desenhar um programa muito ambicioso de transferência de renda e redução da pobreza contando que, no futuro, a gente vai conseguir receita para financiar isso tributando os mais ricos, porque a gente sabe da dificuldade que existe para efetivamente conseguir atingir esse ponto.
Minha outra consideração é a de que o Brasil já gasta muito com assistência social. Se nós pegarmos aqui um dado do Tesouro Nacional, o Brasil, em 2018 - dado mais recente -, gastou 12,8% do PIB com despesas de proteção social. A média dos países emergentes é de 4,3%, praticamente três vezes menos do que o Brasil. Em saúde e educação nós gastamos em linha ou acima do que gastam os demais países emergentes. Eu tenho uma conta que eu gosto de fazer, que é a seguinte: se nós pegarmos tudo o que é gasto com política social no Brasil, somando abono salarial, benefício de prestação continuada, seguro defeso, aposentadoria rural e bolsa família, se todo esse dinheiro fosse para os 40% mais pobres da população, nós teríamos 237 bilhões para dividir entre 28 milhões de famílias, o que dá aproximadamente R$700 por mês por família, o que seria um impulso, um aumento de 80% na renda do trabalho que essas famílias conseguem obter. Se a gente tirar a aposentadoria rural da conta, dizendo "olha, a aposentadoria rural é um pouco previdência, um pouco assistência social", mesmo assim, daria para aumentar em R$350 ou em 40% a renda das famílias mais pobres. Por que nós não conseguimos isso? Porque boa parte dos programas sociais que existem não chegam aos mais pobres: o abono salarial não chega aos mais pobres; o benefício de prestação continuada tem muita distorção e é, em boa parte, capturado pela chamada classe média baixa; o seguro defeso tem muitas fraudes e distorções; e aí o dinheiro se perde.
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Bom, levando em consideração esses pontos iniciais, eu tenho como considerações a respeito especificamente do projeto... Sou suspeito para dizer, porque, como o Senador Anastasia falou, ajudei a construir parte desse projeto - e o colega Vinícius Botelho vai descrever melhor os seus detalhes -, mas me parece que ele é muito importante no sentido em que, se, por um lado, ele respeita, ele tem a flexibilidade para respeitar as restrições fiscais - então, os valores dos diferentes benefícios podem ser aumentados à medida que for havendo maior espaço fiscal dentro do orçamento, e há um estímulo no projeto para que as emendas parlamentares sejam direcionadas para robustecer o orçamento do projeto, certamente dando uso melhor aos recursos do que o que acontece hoje com as emendas parlamentares, que são uma dispersão de dinheiro do orçamento em projetos muitas vezes de baixo impacto e de baixa relação custo-benefício -, ao mesmo tempo, o projeto tem a capacidade de atingir dois públicos diferentes. Ele atinge não só as pessoas de muito baixa renda e que não têm capacidade de gerar renda suficiente para garantir a sua sobrevivência - então essas pessoas vão receber uma espécie de um benefício similar ao Bolsa Família, uma transferência direta de renda -, mas também aquele outro público que consegue obter renda, mas tem muita volatilidade na sua renda, que são basicamente os informais, as pessoas que não têm seguro saúde, que não estão protegidas pelos mecanismos de FGTS e outros mecanismos dos trabalhadores formais - para essas pessoas, haveria uma poupança, que poderia ser sacada em momentos de queda abrupta da sua renda. Com isso, é possível conciliar um orçamento mais enxuto, atendendo um contingente maior de pessoas, focalizando no tipo de ajuda que cada um precisa: transferência de renda para quem não consegue gerar renda e seguro para quem consegue gerar renda, mas tem muita volatilidade nos seus benefícios.
Eu gostaria de concluir com alguns pontos, fazendo algumas observações sobre detalhes que me parecem muito importantes.
Há sempre uma tendência em querer tornar o pagamento desse tipo de transferência de renda um pagamento obrigatório, a que todos têm direito, extinguindo a fila - como existe hoje a fila do Bolsa Família, haveria a fila desse novo benefício. Isso tem um grande efeito colateral negativo de gerar uma judicialização similar ao que acontece no benefício de prestação continuada. Uma vez que você diz que todos que preenchem os requisitos têm direito imediato a receber o benefício, a tendência é que ocorra o que aconteceu com o BPC, que haja interpretações criativas do que é preencher os requisitos e levar à Justiça indicadores adicionais de pobreza que não estão definidos na legislação, o que força a condição de elegibilidade e aumenta o público do programa, fora do controle do governo.
Outra ideia que é muito comum é indexar o benefício ao salário mínimo. Isso gera dois problemas. Primeiro, aumenta a rigidez orçamentária, deteriora as condições macroeconômicas e aí mina aquilo que eu falei no começo, que é a necessidade de a gente ter uma economia com equilíbrio fiscal intertemporal, com capacidade de controlar a inflação, para efetivamente reduzir a pobreza. E o segundo ponto é que enfraquece o salário mínimo como instrumento de política de trabalho. Começa-se a segurar o salário mínimo por uma questão de finanças públicas, embora possa haver, do ponto de vista do mercado de trabalho, razões para aumentar o salário mínimo.
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E, por fim, nos meus últimos dois minutos, eu gostaria de fazer uma consideração entre benefício universal versus benefício focalizado.
Esse programa, que está sendo proposto aqui, assim como o Bolsa Família, são benefícios que tentam focalizar nos mais pobres, e existe uma tendência a pessoas que preferem benefício universal. O problema do benefício universal é que ele é muito caro. Se eu pagar R$200 para 211 milhões de pessoas no Brasil, isso vai me dar uma conta de R$506 bilhões por ano, o que é claramente impagável. Por outro lado, se eu restrinjo o orçamento a, digamos, R$60 bilhões e quero pagar um benefício universal, se eu dividir R$60 bilhões por 211 milhões de pessoas vai dar R$24 por mês por família, o que não tira ninguém da pobreza.
Há muita gente que diz que não, você faz o benefício universal e recolhe de volta de quem não precisa através do imposto de renda. O problema é que o imposto de renda no Brasil incide sobre uma quantidade muito pequena de pessoas, você só tem 32 milhões de declarações entregues. Se você supuser que há dois dependentes em cada declaração, três pessoas em cada declaração, você irá obter de volta R$230 bilhões, e a conta ainda ficaria em R$276 bilhões, o que continua sendo impagável.
Então, como nós já temos no Brasil uma tradição muito grande de focalizar políticas, eu acho que a gente deve continuar nessa trilha, que é o que propõe esse projeto. O Brasil tem capacidade institucional para isso, não podemos jogar fora essa capacidade institucional, daí a opção desse projeto por continuar na trilha de um benefício focalizado.
Eu esgotei os meus doze minutos.
Agradeço o convite para participação e fico à disposição para o momento do debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito obrigado, Professor Marcos Mendes.
Cumprimento V. Sa. que, de maneira tão didática e pedagógica, como grande professor que é, nos expôs de modo muito brilhante as suas posições.
Agradeço muito a sua gentileza e convido agora o Professor Doutor Vinícius Botelho, que também já exerceu, na Secretaria dos Ministérios da Cidadania e Desenvolvimento Social, atividades relativas ao tema.
Então, convido, para a sua exposição, o Dr. Vinícius Botelho, por gentileza.
O SR. VINÍCIUS BOTELHO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia!
Agradeço o convite para poder expor o trabalho que fizemos e que, em grande medida, subsidiou o projeto de lei do Senador Tasso Jereissati.
Trago alguns pontos que foram caros para nós na elaboração do projeto.
Nós desenhamos esse conjunto de benefícios, que são, basicamente, o benefício de renda mínima, o benefício de poupança de seguro família, que é uma poupança voltada para os trabalhadores informais, e um benefício de poupança voltado para os jovens que estão em fase de conclusão do ensino médio. A motivação foi a de, justamente, oferecer uma reformulação, uma atualização da estrutura de proteção social brasileira durante o período de grande discussão a respeito desse tema no início da pandemia, no começo do ano passado.
Naquele momento havia uma grande comoção por conta de um fato que já é histórico da realidade brasileira, que é o fato de que existe um contingente de trabalhadores informais que não constam em nenhum tipo de registro administrativo, contingente que é da ordem de dezenas de milhões de pessoas. A gente tem mais ou menos uns 35% da população trabalhadora que está nesta condição: não tem proteção, não tem acesso aos mecanismos de proteção de transferência de renda, mas também não tem acesso à seguridade social tradicional. De modo que, de um lado, a gente tem os trabalhadores que são protegidos pelos programas geridos no INSS e, do outro lado, a gente tem o Bolsa Família e os programas associados ao Cadastro Único. No meio, temos esse grupo de trabalhadores que não têm proteção nem de um lado nem de outro.
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Várias vezes ao longo da história, ao longo da evolução das políticas públicas brasileiras, tentou-se criar estratégias de formalização para poder abarcar esse público e permitir que fosse alcançado por políticas de proteção. No entanto, a maior parte dessas estratégias teve uma efetividade muito baixa. A capacidade desses programas de efetivamente formalizar trabalhadores e oferecer benefícios foi muito pequena, o que ficou evidente com o fato de que ainda existia um conjunto enorme de pessoas em situação de vulnerabilidade e que não estavam identificadas em nenhum registro no início da pandemia. Por isso, precisou-se de estratégias complementares ao Cadastro Único para se identificar trabalhadores de baixa renda e transferir benefício para eles.
Então, no nosso projeto, a gente tenta uma abordagem diferente. Em vez de fazer expansão da rede de benefícios formais para abarcar os trabalhadores que estão na informalidade, nós desenhamos um conjunto de benefícios que poderiam ser complementados ao Cadastro Único, mais próximo da assistência social, de modo que essa estrutura de benefícios poderia ser mais plástica e, portanto, se adaptar melhor à realidade dos trabalhadores. Nas simulações que fizemos, teríamos um conjunto de benefícios: benefício de renda mínima, que basicamente é uma atualização - como a gente chamou a atenção em algumas apresentações, é um aperto de parafuso ou outro dentro do Bolsa Família, com ajustes mínimos -, seria o componente de transferência de renda; a gente teria, em complemento a isso, um benefício que nós chamamos de Seguro Família, que foi incorporado ao projeto do Senador Tasso, que basicamente oferece uma poupança depositada mensalmente a partir do valor de renda declarado pela família no Cadastro Único - hoje o Bolsa Família é composto de benefícios voltados para a família, para crianças e jovens dentro da família -; e um terceiro benefício, que é o Benefício de Superação da Extrema Pobreza, que basicamente completa a renda familiar até o patamar da extrema pobreza, o que significa que, se a renda declarada pela família inicialmente mais a renda associada aos outros benefícios não for o suficiente para atingir, nos valores de hoje, R$89 per capita, esse Benefício de Superação da Extrema Pobreza entra em ação e completa a renda da família até esse ponto.
Isso é extremamente positivo do ponto de vista do combate à pobreza e, nesse sentido, a gente propõe uma reformulação do Programa Bolsa Família para fortalecer esse mecanismo de complementação - hiato de pobreza, como a gente chama. Então, haveria esse complemento da renda familiar até o patamar de R$125 per capita. Por outro lado, nesse tipo de mecanismo também, a cada real a mais que a família recebe, você tem a redução de um real no valor do benefício. Existe uma compensação de um para um. Se a família tiver um real a mais de renda declarado, um real a mais de renda do trabalho, o valor do benefício cai em função disso, e hoje não existe nenhum programa que seja voltado para essas famílias que declaram algum tipo de rendimento.
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No nosso estudo, que está disponível do site do Centro de Debates de Políticas Públicas, a gente mostra que existe um contingente muito grande de famílias que já declaram uma renda informal que não está presente em outros registros administrativos. Então, existe um contingente grande de famílias declarando algum tipo de rendimento e que poderiam ter algum tipo de política pública voltada para elas. E o que nós fizemos? O desenho do Seguro Família, que basicamente é entender essa declaração de renda feita pela família no Cadastro Único como uma forma de contribuição a um sistema de proteção social.
Então, quando as famílias declaram um rendimento dentro do Cadastro Único, elas, por um lado, hoje já abrem mão de uma parte do Benefício de Superação da Extrema Pobreza, caso elas estejam em situação de extrema pobreza - hoje aproximadamente metade das famílias é beneficiária do Benefício de Superação da Extrema Pobreza especificamente. Essas famílias passariam a ter um direito adicional, uma poupança, um valor que vai sendo acumulado mensalmente e que pode ser resgatado uma vez que essa família tenha uma queda no seu rendimento declarado.
Então, é uma mudança de lógica no sistema: a gente sai de uma situação em que todos os benefícios são exclusivamente voltados para as famílias mais vulneráveis para criar um benefício que tem uma natureza de transição, porque é um benefício justamente voltado para as famílias que declararam algum tipo de atividade, que declararam algum tipo de rendimento, estão tendo redução nos valores dos benefícios assistenciais por conta disso, mas passam a ter acesso a um benefício trabalhista voltado para trabalhadores, independentemente do seu vínculo de emprego, seja esse vínculo formal, seja informal.
Nesse sentido, a gente consegue estabelecer uma camada adicional de proteção para as famílias que estejam com algum tipo de vínculo informal e que tenham a perda desse vínculo. Além do reforço no valor e nas linhas de elegibilidade das famílias de extrema pobreza propostas pelo projeto, a gente tem uma segunda camada que, basicamente, oferece um colchão adicional de proteção às famílias que declararam rendimento no passado e, por algum motivo, tiveram uma queda no valor desse rendimento, segundo o declarado pelo Cadastro Único. Na verdade, é uma contrapartida à informação prestada espontaneamente pelas famílias.
Nesse sentido, a gente entende que a proteção social como um todo fica mais completa, com essa emulação dos sistemas de seguro social dentro da lógica assistencial. Então, a gente tem os benefícios de natureza assistencial e os benefícios de natureza trabalhista, em que tipicamente mais renda implica um aumento no valor dos benefícios, e a gente cria esse híbrido que permite a conexão entre os dois mundos, que é justamente a Poupança Seguro Família.
Em paralelo a isso, a gente propõe também a criação de uma poupança que a gente chama de Programa Mais Educação, que é uma poupança voltada para os jovens que estão em idade escolar e podem terminar o ensino médio. O objetivo dessa poupança é reduzir a evasão do ensino médio, foi baseada em um programa que já funcionou no Rio de Janeiro e em algumas experiências internacionais também que foram exitosas e avaliadas academicamente. Nesse programa, basicamente, se acumula uma poupança durante o ciclo escolar do jovem e, no momento em que ele se forma no ensino médio, ele pode sacar esse valor. O objetivo desse programa é justamente combater a evasão do ensino médio, que é um dos grandes gargalos da estrutura de formação dos jovens hoje.
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A gente tem um problema grave de evasão do ensino médio, particularmente voltado para as escolas públicas. Houve um programa similar no Rio de Janeiro que teve uma avaliação mostrando que o impacto do programa foi no sentido de reduzir a evasão e sem nenhum tipo de redução no nível de aprendizado dos alunos, ou seja, eles ficaram mais na escola e, ao mesmo tempo, aprenderam ficando na escola e tiveram o seu diploma de conclusão no ensino médio, que é essencial para a inclusão no mercado de trabalho posteriormente.
Então, com esses três eixos, nós temos a estrutura principal de benefícios do projeto. Além disso, nós temos algumas outras iniciativas paralelas voltadas à promoção do desenvolvimento infantil, editais que permitam a identificação e o apoio de jovens que tenham talentos específicos evidenciados por meio de olimpíadas e outras iniciativas científicas similares. A gente propõe também que uma parte dos recursos seja voltada para o desenvolvimento infantil, que é um dos grandes gargalos do desenvolvimento no longo prazo, basicamente porque, quando a gente olha a literatura acadêmica a respeito de quais são os programas que efetivamente promovem a emancipação da pobreza no longo prazo, a gente tem muita dificuldade de identificar uma única resposta.
Tipicamente, os programas têm, quando a gente olha a superação da pobreza no longo prazo, um impacto limitado, que varia muito de acordo com o contexto; às vezes é identificado impacto, às vezes não é. Então, a resposta que se tem hoje para como fazer as famílias efetivamente se emanciparem da condição de pobreza é muito limitada. Nesse sentido, a gente precisa dessa diversidade de estratégias que envolvem, por um lado, o desenvolvimento infantil, que teve evidências positivas em uma série de contextos em experimentos. Então, a gente precisa expandir esse tipo de iniciativa. E, por outro lado, a promoção, a identificação de talentos e habilidades em jovens em idade escolar e o apoio a esses jovens por meio de bolsas de estudos, iniciativas afins, para que esses jovens possam se desenvolver, ser identificados e fazer a sua inclusão produtiva.
Quando nós trabalhamos no financiamento da proposta, como o Marcos colocou, nós sugerimos um dispositivo por meio do qual os valores associados aos benefícios e as linhas de elegibilidade do programa possam ser alterados, de acordo com a disponibilidade orçamentária, justamente para dar espaço para que uma eventual revisão de programas de outra natureza, um espaço orçamentário no futuro, venha aumentar esse programa social. E o nosso objetivo com esse dispositivo é justamente trazer ao debate as melhores formas de se fazer a transferência de renda e a poupança independentemente de financiamento.
No nosso estudo original, nós, inclusive, simulamos a nossa proposta e propostas alternativas de reformulação da estrutura de política social, assim como o sistema atual, que é muito competitivo em termos de eliminação da pobreza. O sistema atual já, pelos relatórios do Safety Nets do Banco Mundial de 2015 e 2018, é um dos sistemas com maior capacidade de chegar aos 20% mais pobres e, ao mesmo tempo, um dos sistemas mais capazes de eliminar pobreza extrema.
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Só que o nosso programa tem não só uma capacidade maior de eliminação da pobreza nesse público, em torno de 14% da pobreza residual, como também uma possibilidade de cobertura maior da população vulnerável, porque o instrumento de poupança com valor menor de contrapartida pela declaração de renda informada no Cadastro Único nos permite atender um universo de pessoas com até mais de R$750 per capita, o que dá mais ou menos 45% da população brasileira.
Então, nesse sentido, a nossa estratégia combina, dentro de um arcabouço fiscal, dentro do teto de gastos, outras iniciativas que têm impacto na pobreza muito menor: abono salarial, salário-família, que foram criados, inclusive, em outro contexto de capacidade de formação de política. No tempo em que as políticas foram feitas, a mais baixa renda a que se poderia chegar eram os trabalhadores de baixos salários e hoje, com o Cadastro Único, é possível chegar à população efetivamente de baixa renda, à população informal, à população que não tem rendimento nenhum. Então, aqueles programas têm condições de ser atualizados para a realidade de hoje.
Nesse sentido, naquela proposta original, houve algumas alterações na transferência da proposta original para o projeto de lei, mas, de qualquer forma, a nossa ideia era justamente a de criação de um benefício de natureza trabalhista para se complementar a estrutura social, e isso foi preservado no projeto, para que a gente pudesse fazer essa transição do trabalhador entre a assistência e o mundo da seguridade social.
Com isso eu finalizo a minha fala ao final do tempo e agradeço mais uma vez a oportunidade e o convite para expor.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Vinícius Botelho. Agradeço a V. Sa. a exposição feita igualmente com muito profissionalismo e muito preparo. Quero cumprimentá-lo. Permita-me...
Já está aqui conosco o eminente autor da proposição, Senador Tasso Jereissati, a quem igualmente cumprimento e saúdo.
Queria, Dr. Vinícius, abusando da minha condição de Presidente desta reunião, fazer tão somente uma pequena referência à exposição de V. Sa. O primeiro programa no Brasil relativo a uma poupança destinada a recursos para alunos do ensino médio, chamado exatamente Poupança Jovem, foi feito em Minas Gerais, ao tempo do Governo do PSDB, quando era Governador Aécio Neves e eu, Vice-Governador; depois eu continuei, como Governador. Outros Estados seguiram, inspirados no modelo mexicano. Foi o modelo mexicano o primeiro modelo que funcionou muito exitosamente. Nós só não conseguimos universalizar. E agora veio, recentemente, uma notícia do Governo de São Paulo: o Governo Doria também lançou um mecanismo parecido em seu Estado.
Mas o cumprimento pela exposição e agradeço muito as excelentes ideias colocadas.
Dando sequência à nossa audiência pública, eu tenho a honra de convidar - está conosco presencialmente e agradeço muito, portanto - o eminente representante do Ministério da Economia, Dr. Erik Figueiredo, Subsecretário de Política Fiscal daquela pasta.
Com a palavra, portanto, o Dr. Erik, por gentileza, para suas manifestações.
O SR. ERIK ALENCAR DE FIGUEIREDO (Para expor.) - Muito obrigado.
Primeiramente, quero agradecer o convite para participar deste debate, que contribui para a consolidação do Brasil como uma Nação que preza pelo bem-estar da sua população, em especial pelo desenvolvimento humano da parcela mais vulnerável.
Quando o Ministério da Economia é chamado a falar sobre esse tema, ele sempre tem um viés fiscal sobre espaço no orçamento, teto de gastos, coisas do tipo. Eu vou aproveitar o meu tempo aqui para falar um pouco sobre desenho econômico, os possíveis impactos econômicos da proposta em si. Eu vou passar uma visão geral sobre política social, que já foi destacada na fala do Professor Marcos Mendes, e depois vou, em alguns pontos, lógico, no limite do tempo, da proposta em si.
Por favor.
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Bem, o primeiro ponto que eu quero destacar é justamente a relevância desse tema. A pobreza é reconhecida como um dos principais fatores de transmissão intertemporal dos choques. O que isso quer dizer? Quando você tem um choque adverso - e agora nós estamos vivendo a emergência do covid-19 -, esse choque tende a se propagar para as gerações futuras; e o principal canal de transmissão é justamente a pobreza. Então, uma família que hoje é atingida por um choque econômico tende a transmitir para os seus descendentes ou via uma educação não apropriada ou condições de saúde piores. Então, você transmite de uma geração para outra a pobreza ou o choque ou o resultado do choque. Isso é muito grave.
Então, primeiro, quero parabenizar pela iniciativa, porque de fato é um tema relevante para o bem-estar social da população.
Só que aqui nós temos que destacar a questão da política social em si, do desenho da política social. O Professor Marcos Mendes já destacou que uma política social que efetivamente combate a pobreza de longo prazo ou a pobreza estrutural necessita de um arcabouço fiscal, estar equilibrada nas contas públicas, obedecer às regras fiscais. Esse é o primeiro passo. Só que aqui eu acrescento um ponto adicional: que uma política social bem desenhada também pode contribuir para uma menor pressão no futuro sobre o orçamento, porque aí nós teremos menos necessidade de política social no futuro. Por isso que eu chamei de equilíbrio fiscal (t) e equilíbrio fiscal (t+1). Então, nesse ponto, nós fazemos uma conexão entre esse lado mais frio, o fiscal, e o lado do desenvolvimento humano.
Então, inicio aqui a minha fala sobre a proposta em si com uma tecnicalidade - na verdade, não é um tema que nem se deve estender muito; nem vou me estender muito nesse ponto -: a proposta possui metas de redução da pobreza. É louvável a existência de metas, mas, do jeito que ela está, ela tem reduções, entre aspas, "muito modestas": de 12% para 11%. Então, eu alerto aqui para uma tecnicalidade estatística. A própria mensuração da pobreza é um estimador estatístico com variação, com intervalos de confiança. Então, na verdade, a variação de 12% para 11% pode não configurar uma redução de fato na pobreza, e, sim, apenas uma variação estocástica. Então, eu acho que a proposta poderia atentar para esses indicadores.
Por favor, só mais um.
Aqui eu chego ao eixo principal da proposta, que já foi destacado. São três pontos: Benefício de Renda Mínima, Poupança Seguro Família e Poupança Mais Educação.
Aqui eu coloco um comentário bem geral e eu tenho que colocar aspas nisso: uma proposta não pode se dar apenas na "mera" - e as aspas estão na "mera" - transferência de renda. "Mera" porque transferir renda para parcela mais pobre não é algo que possa ser taxado com essa palavra. Mas a proposta é carregada de um conceito chamado igualdade de oportunidades. Esse conceito é usado em diversas passagens do texto.
E, só para esclarecer aqui rapidamente, a igualdade de oportunidades considera que a renda, o resultado econômico do indivíduo é fruto de duas grandezas, de dois conjuntos de variáveis. A primeira variável é associada ao seu esforço - eu vou traduzir como esforço -, que seria a educação, a capacidade de inserção no mercado de trabalho. E um outro conjunto de variáveis, que é associado às circunstâncias, ou seja, o indivíduo nasce numa região menos desenvolvida do País, com um pior acesso às escolas ou escolas de baixa qualidade, mas, o fato de ele ter nascido nessa região não é de responsabilidade dele, então, ele herda essa condição. E aqui a gente está trazendo diversas dimensões, como gênero, raça ou outras variáveis.
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Então, na verdade, o filósofo John Roemer, o norte-americano John Roemer, quando desenvolve essa teoria, diz que a desigualdade que deve ser combatida ou o conceito de igualdade de oportunidades é fazer com que essas variáveis que são herdadas não interfiram no resultado econômico. É como se vocês colocassem todas as pessoas num mesmo ponto e deixassem que elas "competissem", entre aspas, no mercado de trabalho, mas sem que os seus fatores de origem interfiram nesse resultado. Esse é o grande ponto dessa teoria. E aqui eu trago novamente um ponto levantado, acredito, pelo Vinícius: ele disse que é muito difícil você identificar quais são essas variáveis, quais são as variáveis que, de fato, combatem essa desigualdade de oportunidades. A educação é uma delas. Num texto de 2008, até o próprio John Roemer tenta analisar qual o papel da desigualdade nesse ponto, na redução desses fatores de oportunidades.
Aqui eu trago um ponto que merece reflexão, que é um texto do Gonçalves, que diz que, no caso brasileiro, cerca de 70% das famílias pobres permanecem nessa condição dez anos depois. Então, será que, de fato, nossa política social está conseguindo combater a pobreza estrutural? As pessoas vão conseguir, a partir dos seus esforços, superar a condição de pobreza? Então, essa é a pergunta que eu deixo nesse eslaide.
Por favor.
Mais um.
Então, isso contribui para a criação do que eu chamo de "círculo vicioso da pobreza": você é pobre, tem um acesso pior às escolas, seus filhos também, provavelmente com a alta probabilidade de que o seu filho também será pobre. Nós temos que quebrar esse círculo vicioso da pobreza. E isso traz à discussão - e é o ponto que eu quero destacar com mais veemência - que a superação da pobreza envolve "n" dimensões. Se uma pessoa mora numa região sem acesso a esgoto, ela não tem acesso a segurança, não tem acesso a renda, a distribuição de renda em si não ataca essas outras dimensões, e o Brasil tem "n" dimensões que devem ser atacadas, então, na verdade...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ERIK ALENCAR DE FIGUEIREDO - Não, não, não é uma novidade, Senador, mas é um ponto que eu acho...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ERIK ALENCAR DE FIGUEIREDO - Então, por favor, só para ilustrar, o próximo eslaide.
Aqui nós temos a população atendida por esgotos em 2018, com base no Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento. A gente observa que existe uma correlação muito forte entre pobreza e acesso a esgoto, mas nós sabemos também os efeitos deletérios da rede de esgoto na perpetuação da pobreza. Uma criança que é exposta a um ambiente sem esgoto, sem uma rede de esgoto, está muito mais propensa a desenvolver doenças que vão contribuir ou, digamos assim, vão reduzir as suas chances de, no futuro, ter um desempenho melhor no mercado de trabalho.
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Então, esse ponto, na verdade... O grande ponto da discussão é que - pode passar, por favor - esse programa tem que ter uma conexão. Geralmente, no debate acadêmico relacionado à política social, você tem a política social sendo avaliada como algo independente do restante da economia, sem conexão com o mercado de trabalho, sem conexão com o ambiente econômico, sem conexão com as condições de vida dos trabalhadores em si.
O que eu quero destacar aqui é que a gente tem que trazer um pouco dessas dimensões, além da iniciativa louvável do projeto, e tentar criar uma agenda de desenvolvimento que discuta temas fora dessa rede de proteção social. E aqui o "fora" eu falo de novo entre aspas, porque, para mim, na minha visão, todos esses processos são conectados. Ao melhorar o mercado de trabalho, você tem impacto sobre a pobreza; ao melhorar as condições de vida, via saneamento ou qualidade da educação, você tem impacto sobre a pobreza.
Então, o meu papel aqui é discutir que existem várias outras iniciativas - de fato, muitas delas estão caminhando no Congresso Nacional - que também contribuem e, às vezes, são até pouco exploradas. Por exemplo, essa parte que eu coloquei do marco do saneamento foi discutida. No ano passado, foi discutido esse tema, foi aprovado esse tema, mas não se explorou o impacto de longo prazo sobre a pobreza. Então, às vezes, essas coisas passam despercebidas. Nós teremos que ter, em cada projeto discutido e aprovado no Congresso Nacional, também uma conexão, ou seja, um impacto social desse projeto. Então, essa é a parte que eu quero destacar.
É evidente que eu tive que fazer um resumo. Aparentemente a minha ideia não era trazer e fazer disso algo muito grande e que torne inviável a proposta; muito pelo contrário, eu desenvolvi até um documento analisando a proposta, que eu posso disponibilizar para os Senadores, mas, dado o limite de tempo, eu vou, na verdade, alertar para esses temas fora da proposta em si, mas que são muito importantes para a superação da pobreza.
Esse é um tema muito caro para o Ministério da Economia e para mim, em especial, que estudo esse tema desde 2006, quando fazia minha tese de doutorado. Então, para mim, é uma satisfação poder participar, porque é algo que, quando eu estava fora do Governo, tomava muito tempo da minha vida de pesquisa.
Agradeço a oportunidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Dr. Erik, muito agradecido pela gentileza da sua exposição. Eu o cumprimento e fico satisfeito em sabê-lo, inclusive, dedicado ao tema. Eu queria lhe agradecer.
O senhor fez uma menção especial ao marco do saneamento e, por dever de justiça, eu quero referenciar, mais uma vez, que o Senador Tasso Jereissati foi o grande Relator e impulsionador do tema. Aliás, se não fosse o empenho pessoal do Senador Tasso Jereissati - eu sou testemunha -, essa matéria tão importante para o Brasil não teria sido aprovada no Congresso Nacional. V. Sa. tem razão, é um tema que tem desdobramentos em vários segmentos, não só na economia, como também na saúde, no investimento etc.
Agradeço a V. Sa. e o cumprimento pela presença.
Dando sequência à representação governamental, eu tenho a honra agora de convidar os representantes do Ministério da Cidadania. Indicaram dois que vão, portanto, repartir o seu tempo. Por isso, peço que cada qual fique entre cinco, seis, sete minutos.
Convido, em primeiro lugar, o Dr. Danyel Iório, Diretor Substituto do Departamento de Proteção Social Especial daquela pasta.
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O SR. DANYEL IÓRIO DE LIMA (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, bom dia a todos!
Muito obrigado, Senador Anastasia. Na sua pessoa, cumprimento todos os que estão presentes aqui na nossa reunião. É bom rever o Dr. Vinícius Botelho, que foi colega de ministério, aqui como Secretário da Sagi. Obrigado a todos pela exposição.
Bem, estamos aqui eu e o Diretor André Veras. Vamos fazer uma rápida explanação principalmente focada em torno do BPC e dos efeitos que o projeto pode ter sobre o benefício como ele está estabelecido hoje. Mas antes eu gostaria de fazer uma rápida fala primeiramente sobre o mérito do projeto, que é muito importante. De fato, o direcionamento do enfrentamento à pobreza do Estado brasileiro é consenso. É necessário que a gente avance, que a gente melhore. Nisso eu acho que a proposta tem diversos méritos. No entanto, em que pese o objetivo do projeto de lei, as políticas públicas que hoje existem para a superação da pobreza, como foi muito explicado pelo colega da economia, devem levar em conta a multissetorialidade, a multifacetalidade da pobreza; isso é algo muito caro às políticas públicas. Então, imagino que a gente precise ter um pouco mais de integração dessa dimensão de renda com outros aspectos. Esse é um primeiro comentário que eu trago necessariamente aqui, para que a gente o integre ao debate.
Em segundo lugar, há o impacto que a gente precisa dimensionar sobre o que já existe hoje. A gente tem uma convergência de objetivos, com relação ao enfrentamento da pobreza, da pobreza extrema, mas temos algumas divergências na forma de fazer isso, na implementação de como fazer isso. Então, isso eu trago muito em linha com a atual proposta do Auxílio Brasil, consubstanciado na Medida Provisória 1.061. Nós não estamos aqui para falar sobre essa proposta, não estamos aqui para falar sobre o PL, mas é importante dizer que existem divergências em como fazer, e acho que é importante que a gente sublinhe isso.
Enfim, aqui, fiz minha fala inicial, só para trazer rápidos elementos de introdução.
E, André, você poderia, então, por favor, pegar a fala?
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Danyel Iório, agradeço a V. Sa.
E convido o Dr. André Rodrigues Veras, que é Diretor do Departamento de Benefícios Assistenciais do Ministério da Cidadania, para a sua palavra.
O SR. ANDRÉ RODRIGUES VERAS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Anastasia! Bom dia, Senador Tasso, todos os Senadores presentes, todos os Parlamentares presentes nesta Comissão! Agradeço também, em nome do Ministério da Cidadania, a oportunidade de estar aqui conversando com vocês a respeito de tão importante tema para a sociedade brasileira.
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Em linhas gerais, eu gostaria de dizer, de início, que nós temos a satisfação de ter uma atuação conjunta de todos os membros, de todos os que nos antecederam, que visa à redução das desigualdades, ao combate à pobreza. Esse tema é bastante meritório. Então, eu faço essa primeira menção honrosa à intencionalidade do PL.
Mas eu queria trazer aqui, de forma muito sintética, alguns pontos que nos chamaram a atenção em relação à proposta apresentada. O primeiro deles é o que se refere à avaliação da pobreza e da situação de desigualdade em um olhar muito específico para a questão da transferência de renda. Nós, do Ministério da Cidadania, sobretudo da Secretaria Nacional de Assistência Social, temos que ter um olhar multidimensional para o enfrentamento da pobreza, considerando, além das questões relativas à renda, todas as demais privações que compõem o contexto da pobreza. Nesse sentido, como disse o nosso colega Danyel, que nos antecedeu, a gente entende que temos aí uma proposta bastante construtiva em relação ao enfrentamento, que é algo que consiste no Auxílio Brasil.
Além disso, em relação às questões do Cadastro Único, Senador, nós entendemos que são trazidas algumas alterações de atuação do Cadastro Único que podem, digamos assim, desvirtuar aquelas inicialmente propostas e aquelas que vêm sendo desenhadas para que a gente tenha uma adequada focalização do processo, isso porque o Cadastro Único, apesar de todas as dificuldades relacionadas a não identificação de uma parte da população, é uma ferramenta de inclusão social, é uma ferramenta que identifica milhares de pessoas e que é utilizado pela rede de assistência social. Então, ele não é apenas uma base de dados. Ele é um instrumento pelo qual os programas usuários do Cadastro Único podem e devem fazer a avaliação de elegibilidade dos beneficiários que são usuários do Cadastro Único para programas sociais.
Enfim, o processo de cadastramento, de inclusão cadastral, altera substancialmente a dinâmica atual do modelo de gestão e execução compartilhada do Cadastro Único pelos três entes da Federação ao possibilitar o cadastramento das famílias por outros órgãos que não sejam os postos do Cadastro Único e outros equipamentos no âmbito da assistência social municipal. Em que pese a gestão do Cadastro Único ser realizada de forma compartilhada, sua execução é realizada, sobretudo, de forma descentralizada nas estruturas municipais do Sistema Único de Assistência Social.
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Estudo sobre o histórico do Cadastro Único e do então Programa Bolsa Família indica que esse modelo teve como objetivo responder à diretriz de descentralização político-administrativa prevista na Constituição de 1988 para a área de assistência social, uma vez que, para o Governo Federal, com os governos estaduais e principalmente os municipais o conjunto de ações seria primordial para o êxito da implantação, por esses entes estarem mais próximos da realidade social.
Então, a lógica do PL altera um pouco essa gestão descentralizada nesse modelo, à luz do que nós entendemos previsto na Constituição.
Para além disso, o PL também traz algumas alterações em relação ao benefício de prestação continuada (BPC). E aí eu queria destacar que as principais alterações que eles trazem em relação ao benefício de prestação continuada são três: a adoção do conceito de família para operacionalização do cálculo da renda per capita familiar para acesso ao benefício; a retirada da impossibilidade de acumulação do BPC com outros benefícios no âmbito da seguridade social; e a exclusão de outros benefícios de prestação continuada ou de benefícios previdenciários para fins de concessão do BPC no mesmo grupo familiar.
E aí, em relação ao primeiro ponto dito aqui, o conceito de família adotado pelo Cadastro Único e até mesmo adotado num tempo remoto no início da operacionalização do benefício de prestação continuada, ele é constante de objetos de estudo, de pesquisa e também de proposições legislativas, mas nós ainda não temos uma segurança completa no sentido de que a adoção do conceito de família hoje adotado pelo Cadastro Único, que é a adoção do conceito de família do PL, isso vá trazer, de fato, benefícios.
Então, pensando nessa constante demanda da sociedade, de uma forma geral, e até seguindo recomendações do Tribunal de Contas da União, nós aqui da Secretaria Nacional de Assistência Social estamos desenvolvendo um ciclo de estudos ao longo deste ano, com contribuições de diversos atores, de diversas instituições. E deixo aqui já o convite para aqueles que nos antecederam para participar dessa construção, inclusive equipes do Ipea, enfim - Luis Henrique Paiva e Vinícius Botelho acho que já foram convidados -, para fazer essa avaliação de quanto isso vai afetar não só ao benefício de prestação continuada, mas também a todos os impactos em relação à rede socioassistencial de proteção social, uma vez que a gente tem um olhar, como eu disse, mais ampliado, numa avaliação multidimensional para as questões de enfrentamento à pobreza.
Para além disso, observa-se que a proposição traz ali a instituição de acumulação do BPC com outros benefícios de seguridade social. E aí nós estamos falando de pagamentos destinados à mesma pessoa que poderiam ocasionar redundância na proteção. E aí, fazendo o link com falas que me antecederam aqui em relação ao orçamento público, isso é uma medida que não racionaliza bem ou adequadamente os recursos públicos, entregando uma proteção ou mais de uma proteção de renda para aquela mesma pessoa.
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Por fim, em relação à proposta, nós temos que observar que ela traz, em seu bojo, uma descontabilização dos benefícios de prestação continuada e benefícios previdenciários para até um salário mínimo, no cálculo da renda per capita, para fins de concessão de um novo benefício de prestação continuada.
Então, eu quero fazer frente aqui à grande judicialização que existe no benefício de prestação continuada, de tal sorte que essa matéria já foi julgada pelo nosso Supremo Tribunal Federal, já no sentido de que devam ser desconsiderados esses benefícios para o cálculo da renda. Então, na medida em que nós temos uma proposição que vai em sentido contrário à consolidação e à pacificação do tema no âmbito do Judiciário, nós entendemos que ela pode trazer dificuldades operacionais e pode trazer algum cenário de desproteção.
Senador Anastasia, essas eram as nossas breves considerações a respeito do PL. O Ministério da Cidadania se encontra à disposição para o diálogo e para as contribuições desse tema que também nos é tão caro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. André Veras. Agradeço a V. Sa. a gentileza da participação. Certamente outros encontros e reuniões teremos ainda na tramitação do projeto com o Ministério da Cidadania, que é tão importante para esse mister. Agradeço, portanto, a participação dessa representação governamental.
Dando sequência aos convidados desta audiência pública, eu convido o Dr. Luis Henrique Paiva, Coordenador de Estudos em Seguridade Social da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, para sua participação, ele que foi convidado por sugestão do Senador Alessandro Vieira.
Dr. Luis Henrique Paiva, por gentileza, a palavra é de V. Sa., igualmente pelo prazo de até 12 minutos.
O SR. LUIS HENRIQUE PAIVA (Para expor. Por videoconferência.) - Cumprimento especialmente o Senador Tasso Jereissati, cujos projetos são tão importantes e, muitos deles, aprovados, contribuem para mudar para melhor a cara do Brasil e a maneira como a população brasileira vive. Queria também cumprimentar o Senador Suplicy, na pessoa do qual eu saúde meus colegas painelistas.
Deixe-me ver se eu consigo... Será que poderiam permitir que eu compartilhasse a minha tela? Eu tenho uma apresentação para fazer.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Já fiz a solicitação aqui, à Secretaria da CCJ, para fazê-lo, Dr. Luis Henrique.
O SR. LUIS HENRIQUE PAIVA (Por videoconferência.) - Muito obrigado, Senador.
Perfeito.
Bem, muito obrigado.
Eu acho que a propositura de uma Lei de Responsabilidade Social é algo muito importante. O nome me chamou muito a atenção, e o que me pareceu mais interessante é que ele faz clara referência à Lei de Responsabilidade Fiscal. Se nós temos uma Lei de Responsabilidade Social, isso significa que a responsabilidade fiscal não é a única responsabilidade que nós temos, e eu acho que isso é um ponto muito importante, porque isso traz para quem olha para o projeto de lei a clara sensação, que eu acho absolutamente correta, de que a gente tem outras responsabilidades além da responsabilidade fiscal, e isso não é nenhum demérito para a responsabilidade fiscal. Eu acho que todos nós concordamos o quão importante ela é, mas ela aponta que existem outras responsabilidades, e uma delas é com os mais pobres.
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Eu acho que, de alguma maneira, ela sugere que programas sociais, especialmente aqueles voltados para os mais pobres, devem ser vistos como garantias de direitos. Se nós temos responsabilidades em relação aos mais pobres, então nós temos que garantir direitos que essas pessoas mais pobres têm. Mas, na verdade, eu talvez iria para uma linha razoavelmente diferente da proposta no projeto e eu vou tentar explorar isso aqui um pouco.
O ponto fundamental é o seguinte: se a gente quisesse fazer uma lei de responsabilidade social ou um programa de transferência de renda que desse base sólida para uma postura de responsabilidade social por parte do Governo Federal, a minha pergunta foi: quais seriam as características mínimas que deveriam compor um programa como esse? Então, eu tracei três características mínimas. Isso não significa que sejam todas as características; outras características poderiam também compor esse programa, mas seriam características mínimas, na minha opinião.
Em primeiro lugar, a linha de elegibilidade teria que estar prevista em lei, assim como o critério de ajuste periódico. Isso teria que estar sendo definido em lei. E eu já adianto um ponto que eu vou tentar demonstrar um pouco à frente, que linhas muito baixas de elegibilidade, como a linha de 1,90 por dia por paridade de poder de compra do Banco Mundial, a linha de extrema pobreza do Banco Mundial para o mundo, ela não é adequada para o Brasil, e eu vou tentar demonstrar isso logo à frente.
A segunda característica é que os benefícios deveriam ser simples, bem desenhados, com valores e também critérios de ajustes periódicos definidos em lei. O ponto fundamental, até onde eu consigo ver, é que, se a gente propõe uma postura, por parte do Governo Federal, de responsabilidade social, nós não podemos perder para a inflação. Os benefícios dos mais pobres não podem perder para a inflação, especialmente a inflação dos alimentos. Do contrário, nós estamos faltando com a responsabilidade que a gente deveria ter com relação a essa população.
E uma terceira característica é que o número de beneficiários não pode ser limitado pelo orçamento existente. Isso é uma característica até hoje do Bolsa Família, infelizmente. Isso leva à existência de fila, e o fato é que, se a gente tem responsabilidade social com os mais pobres, o ponto que me parece fundamental é que não pode haver fila. Se há pobres precisando do benefício, e nós não atendemos por falta de orçamento, então há fila e nós estamos faltando com a nossa responsabilidade com relação a eles.
Obviamente nada disso é pacífico, e eu vou tentar demonstrar alguns pontos aqui do que eu defendo como características mínimas, e a primeira é por que que linhas baixas como R$160 por mês para linhas de extrema pobreza... E a linha do Banco Mundial de extrema pobreza, de 160, já é mais alta do que a adotada para o Brasil, que é de R$89, do Bolsa Família. E por que que eu acho que ela não é adequada para o Brasil? Eu acho que vale a pena a gente olhar um pouquinho como o Banco Mundial escolheu essa linha de 1,90 por dia ou de aproximadamente R$160 por pessoa por mês.
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O Banco Mundial pegou uma série de países de renda baixa e média e fez um graficozinho muito simples, que é este gráfico que eu estou mostrando para vocês. Ele, basicamente, pega uma medida que é parecida com a medida de renda, uma medida de consumo muito parecida com a medida de renda. E aqui as linhas de pobreza que cada país escolheu. Então, aqui é basicamente... O Banco Mundial chegou à seguinte conclusão: para um conjunto bem limitado de países muito pobres, praticamente não existe elasticidade de renda da linha de pobreza, ou seja, há países que vão ganhando renda aqui, um pouquinho, mas a linha praticamente não muda.
Então, o Banco Mundial falou assim: "Realmente esse grupo de países, para o qual a elasticidade é muito próxima de zero, são os países mais pobres do mundo". No caso, os 15 países mais pobres do mundo. Aí, não há nenhuma dúvida de que a linha de pobreza média deles é uma linha de extrema pobreza para o mundo todo, porque nós estamos falando dos mais pobres desses países. E de que países nós estamos falando, então? Aí, surgiu a linha de US$1,25 por dia, que depois foi ajustada para US$1,90, em função da inflação. Basicamente, a questão é: quais são esses países? São países como Malauí, Serra Leoa, Níger, Uganda, Ruanda, Gana. São países muito mais pobres que o Brasil.
Então, essa linha de 160 é uma linha absolutamente inadequada para o Brasil, sem nenhum demérito para esses países - são países de renda realmente baixa. O Brasil não é um país de renda baixa; o Brasil é um país de renda média-alta. Para países de renda média, o Banco Mundial sugere linhas muito superiores, ou linhas de 3,20, que é de aproximadamente R$250, alguma coisa em torno de R$270 talvez, hoje em dia, e 5,50, alguma coisa em torno de R$450 por dia.
Eu não imagino que a gente possa adotar uma linha dessas imediatamente, mas são linhas que a gente tem que ter no horizonte, porque é isso que o Brasil é, é assim que o Brasil deveria medir a sua pobreza e é assim que o Brasil deveria buscar complementar renda para os mais pobres, pensando-se que é um país de renda média-alta, e não um país extremamente pobre, de renda muito baixa, como Malauí ou Serra Leoa. O Brasil não é Malauí, o Brasil não é Serra Leoa, o Brasil não é Ruanda. Então, a gente tem que trabalhar com linhas mais altas do que essas.
O segundo ponto é que a gente deveria manter atualizados os benefícios. Não pode haver perda para a inflação e não pode haver fila. Aí, muita gente, obviamente, vai lá advogar que isso não pode acontecer com programas tipo o Bolsa Família, porque isso, obviamente, implica impactos fiscais.
Eu contesto esse argumento, mostrando que, se a gente pegar em 2018 - o quadro provavelmente piorou desde então -, o Brasil gasta 15,4% do PIB com transferências. Quinze vírgula quatro por cento do PIB não é pouca coisa, eu concordo inteiramente com o que já foi dito antes - o Brasil gasta muito com as transferências. Curiosamente, 15% do PIB é protegido contra a inflação e 15% do PIB é voltado para programas que são garantidos como direitos.
O programa que gasta apenas 0,4% do PIB, o Bolsa Família, é o único que não tem reajuste previsto em lei, ele é o único que pode ter fila. Quer dizer, é como se a gente falasse o seguinte: vamos garantir para todo mundo, toda a população brasileira, inclusive nós, bastante ricos. Se que estivesse garantido, como direito, valores do benefício corrigidos, no mínimo, pela inflação, talvez por cifras mais generosas. O Bolsa Família, que encontra e alcança, de fato, os mais pobres, esse, não; para esse, a gente tem que estabelecer um orçamento e, se não der, a gente vai ter que trabalhar com fila. Obviamente, isso não se encaixa com a ideia de responsabilidade social. Obviamente eu acho que a gente tem que ter responsabilidade fiscal também, mas, se é para discutir, eu acho que a gente tem que olhar para o orçamento como um todo, e não simplesmente olhar o 0,4% do PIB do Bolsa Família e falar: o ajuste tem que ser feito aqui. É basicamente falar: o ajuste vai ser feito em cima dos mais pobres. Então, vamos olhar para tudo, vamos olhar para as aposentadorias dos servidores públicos, vamos olhar para as aposentadorias de gente como eu, servidor público de carreira de elite.
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E falo assim: sinto muito, se der algum problema aqui, o seu Bolsa Família vai ter o valor garantido; a sua aposentadoria, não. Coisas desse tipo. A gente tem que ter, então, uma... Se a gente quer ter um compromisso com a responsabilidade fiscal, a gente tem que olhar para o orçamento como um todo e não achar que a gente tem que fazer um ajuste em cima do orçamento dos mais pobres.
O outro argumento é que o Bolsa Família poderia ser muito mais bem focalizado do que é. Se a gente faz uma abordagem comparativa - e aqui eu fiz uma abordagem comparativa no estudo que nós publicamos no Ipea -, o Programa brasileiro Bolsa Família está no topo das melhores focalizações observadas na América Latina, é um programa muito bem focalizado. É um pouco ingênuo a gente achar que ele vai melhorar da água para o vinho; não vai. Ele vem melhorando ao longo dos anos de forma muito consistente e ele não vai dar saltos de melhoria de focalização. Não vai não existe uma mágica para isso.
Então, quais lições que a gente já aprendeu e que eu acho que a gente deveria levar em conta? A primeira delas é que não existe solução mágica para melhorar substantivamente a focalização de programas como o Bolsa Família. O Bolsa Família já é muito bem focalizado. Qualquer um que olha para o quadro geral na América Latina vê que o Bolsa Família é um dos melhores, um dos mais bem focalizados programas na região. Então, é um programa que eu acho que é muito sólido, muito bem avaliado, muito. A gente deveria ter um cuidado enorme para sugerir alterações num programa tão bem avaliado assim. O segundo ponto é que o orçamento importa, e não adianta a gente falar assim: "Ah, não há orçamento nenhum, mas nós vamos conseguir resultados muito melhores". Impactos melhores na redução da pobreza só pela via de transferência de renda e só ocorrerão com um aumento substancial do orçamento. Não adianta a gente criar ilusões a esse respeito. E o terceiro ponto é que simplicidade importa. Eu acho que o Bolsa Família hoje já é complexo demais. Querer que ele resolva também problemas como desemprego informal, a tutoria educacional dos mais jovens, sirva de garantia para microcrédito é criar um programa que quer resolver todos os problemas que afeta os mais pobres. Transferência de renda faz transferência de renda. É isso que ela faz. Outros programas de governo podem se juntar ao Bolsa Família e fazer, mas querer resolver isso tudo via transferência de renda é cometer um erro. É um erro achar que esses programas são soluções mágicas; esses programas não são soluções mágicas.
E aí o que fazer? Obviamente eu estou aqui no reino já da sugestão. Eu acho que é o seguinte: o que a gente vai fazer depende muito do orçamento existente. Se o orçamento for o orçamento atual, eu sugeriria manter o Bolsa Família como está. Ele tem um bom impacto na redução da pobreza, quando a gente considera o orçamento que ele tem; ele tem uma excelente focalização dos mais pobres; ele tem impactos educacionais; ele tem impactos na área de saúde; ele é reconhecido internacionalmente. Mudar um programa desses para manter o orçamento acho que faz muito pouco sentido. É um programa que já evoluiu muito e apresenta bons resultados. Se a gente tiver um orçamento um pouco maior, acima de R$35 bilhões/ano e menor do que R$60 bilhões/ano, eu sugeriria que a gente caminhasse na direção de adotar as características mínimas que eu apresentei anteriormente e fizesse alguma expansão do programa. Agora, se nós conseguíssemos mobilizar um orçamento substantivamente maior, acima de R$60 bilhões/ano, eu acho que a gente realmente poderia dar um passo na direção de uma maior universalidade. Agora, se nós conseguíssemos mobilizar um orçamento substantivamente maior, acima de R$60 bilhões/ano, eu acho que a gente realmente poderia dar um passo na direção de uma maior universalidade; não pagar benefício idêntico para todos os brasileiros, porque isso de fato não faz sentido, mas avaliar a criação de um benefício infantil universal, que tem também no Senador Tasso um dos campeões, um dos grandes defensores, e combinar essa transferência infantil universal com o benefício focalizado para os adultos. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Eu é que agradeço a gentileza da exposição do eminente Dr. Luis Henrique Paiva, representante do Ipea, pela riqueza da sua manifestação e da contribuição dada a esta audiência pública.
Agradecendo, portanto, ao Dr. Luis Henrique, que também cumpriu o prazo que lhe foi solicitado, eu convido agora, com muita satisfação, a presença da Sra. Tereza Helena Gabrielli Barreto Campello, Economista, ex-Ministra de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Convido, portanto, a eminente Ministra Tereza Campello para as suas observações.
Com a palavra V. Exa., eminente Dra. Tereza Campello.
A SRA. TEREZA HELENA GABRIELLI BARRETO CAMPELLO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia, Senador Anastasia! Bom dia a todos!
É uma honra estar aqui nesta Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Também agradeço muito a oportunidade de poder participar deste debate e fazer meus comentários sobre o projeto de lei.
Cumprimento o Senador Tasso Jereissati, os demais Senadores presentes, meus colegas aqui de Mesa e, com carinho muito grande, cumprimento também nosso sempre Senador e atual Vereador Suplicy.
Também agradeço muito a condução dos trabalhos.
Senador, o projeto é muito amplo. Eu vou me limitar a algumas considerações que acho que podem contribuir de forma diferenciada para o debate - infelizmente, com esse tempo, nós não conseguimos tratar de uma matéria tão ampla.
Eu inicio parabenizando o Senador Tasso Jereissati por trazer esse tema da responsabilidade social para o centro do debate. Eu imagino que o nome do projeto de lei, o título, o conceito, a ideia de discutir responsabilidade social soa praticamente como uma matéria óbvia. A gente vem, sob o império e a supremacia do debate do fiscal, trazer esta discussão: vamos discutir responsabilidade social. Isso é absolutamente fundamental e importante. Então, eu saúdo essa iniciativa de colocar o tema na agenda.
Nós atualmente, por exemplo, estamos discutindo a Medida Provisória nº 1.061, que extinguiu o Programa Bolsa Família, um programa de 18 anos, um programa reconhecido no mundo todo como o melhor e maior programa de transferência de renda do mundo, mais eficiente e sustentável, que nunca deixou de ser pago, custando menos de 0,5% do PIB. O Bolsa Família já foi extinto pela medida provisória, e o debate que vem sendo feito é um debate que não discute a responsabilidade social de extinguir um programa como esse, substituí-lo às vésperas das eleições, ferindo praticamente o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, e colocar no seu lugar outro projeto de lei. E o que o Parlamento vem discutindo? Se vai ter dinheiro no ano que vem, ou não, para pagar esse substituto do Programa Bolsa Família, quando, na verdade, o fundamental hoje seria exatamente discutir a responsabilidade social e qual o fundamento, se esse projeto vai ou não cumprir seu objetivo e substituir com eficiência um programa de Estado, como é o Bolsa Família. Então, o debate fiscal tem imperado e subordinado todo o debate social e, nesse sentido, acho que a iniciativa do Senador Tasso Jereissati, de colocar esse tema na mesa, é absolutamente fundamental.
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No entanto, eu acho que o projeto, como ele foi apresentado, tem três problemas básicos, dos quais eu acho que qualquer Lei de Responsabilidade Social deveria tratar.
O primeiro é que agenda social não é só uma agenda de pobreza, é mais que isso. A agenda social, necessariamente, teria que envolver um conjunto de áreas, que é o que a gente trata no social: a educação, a saúde, o conjunto da assistência social, a própria previdência, segurança alimentar e nutricional. Todas essas são questões afetas ao social e deveríamos, quando a gente discute responsabilidade social, tratar desse conjunto de questões, mas, na verdade, o projeto de lei não trata da assistência social, trata de uma fração da área de assistência social, que são os programas de transferência de renda voltados para a população mais pobre. Então, nesse sentido, eu acho que a gente deveria agregar ao debate uma discussão importante sobre o conjunto da agenda social. Esse é o primeiro ponto que eu trago aqui como sugestão.
A segunda questão, que eu acho ainda mais relevante, é que nós temos, como eu disse já, o império e a supremacia do debate da questão fiscal, inclusive estabelecida na Constituição com um teto, o que, aliás, vem se mostrando absolutamente ineficiente na medida em que a cada dia a gente tira mais coisas do teto e deixa debaixo do teto somente aquilo que afeta a maioria da população que é pobre, que é o Sistema Único de Saúde e os programas de transferência de renda, o resto está saindo geral do teto.
O que, na minha avaliação, um programa de responsabilidade como previsto na Lei de Responsabilidade Social deveria colocar na ordem do dia? Trata-se de saber quais são os mínimos, porque sob o teto nós já vivemos. Qual é o mínimo que deve ser garantido para o conjunto da população para garantir, aí sim, a responsabilidade social? Portanto, se temos um teto, vamos garantir um piso? Quais são os mínimos constitucionais, que a própria Constituição já estabeleceu, e como nós vamos garantir que a população os acesse? É que, se for para garantir o debate fiscal, que é o que me parece que continua imperando na proposta do Senador Tasso Jereissati - se me permite, Senador -, continuará imperando a agenda fiscal. Não se pode discutir sob a agenda fiscal, inclusive, a agenda que chega aos mais pobres, dos pobres, e fazê-la flutuar, que é o que o projeto de lei faz: os benefícios vão flutuar segundo a agenda fiscal.
Se é para fazer isso, nós já temos o teto, já há a própria Lei de Responsabilidade Fiscal e, então, não precisaríamos de mais uma camada criando um conjunto de condicionantes para conduzir a agenda, quando é para ela chegar, como disse o Luis Henrique, para o mais pobre dos pobres. Então, eu acho que já temos leis suficientes tratando de responsabilidade fiscal e de condicionantes fiscais. O que eu acho que deveríamos discutir é qual é o mínimo suportável e como nós podemos avançar para garantir que se opere e se chegue, de fato, aos mais pobres. Há uma terceira questão, que eu trago também como uma sugestão - e inclusive nem é uma sugestão minha, é uma sugestão da nossa ex-Secretária Nacional de Orçamento Esther Dweck, Professora da UFRJ. O que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece? Uma das questões que ela estabelece é que qualquer medida tenha que avaliar impacto orçamentário e fiscal de curto e de longo prazo. Por que não propor que qualquer medida, qualquer política pública tenha que avaliar, tenha que trazer a justificativa e tenha que trazer as informações de quais são os impactos de curto, médio e longo prazo no social, ou seja, na desigualdade, na pobreza, na fome? Esta seria, talvez, uma medida absolutamente necessária: para qualquer ação que se vá implementar em políticas públicas no Brasil, que se traga essa informação para que o conjunto do Parlamento e da população brasileira consigam avaliar o que essa medida trará de efeitos a longo prazo para a redução da pobreza, para a redução das desigualdades e para o avanço da agenda de justiça e de direitos sociais.
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Eu acho que essa seria uma medida iluminadora da agenda, para que a gente não discuta e fique preso somente na discussão de curto prazo, que é hoje o que opera a agenda fiscal. A agenda, o debate fiscal e orçamentário no Brasil é um debate de curtíssimo prazo: qualquer discussão é feita olhando-se qual é o impacto que nós vamos ter na relação dívida-PIB, qual é o impacto que nós vamos ter no orçamento e nas metas fiscais neste ano e no ano que vem, quando, na verdade, para discutir o social, o que nós tínhamos que levantar, a pergunta que teríamos de fazer não é quanto custará esse gasto no curto prazo - o que é uma discussão, inclusive, ineficiente e curta -, seria quanto custa não fazer; quanto custa, por exemplo, não enfrentar a questão da fome no Brasil imediatamente.
A fome voltou ao Brasil. O Brasil tinha saído do mapa da fome em 2014 e voltou ao mapa da fome. Quanto custa ao Brasil hoje não enfrentar a fome? Custa mortalidade infantil, custa voltar a índices de desnutrição para as crianças. E esse custo tem que ser avaliado; implicará custos na saúde no médio e no longo prazo; implicará inclusive, Senador Anastasia, impactos na produtividade do trabalho no médio e no longo prazo. Então, o debate sobre o social tinha que ser o debate de quanto custa não fazer, olhando no médio e no longo prazo os impactos sociais que a não execução de políticas públicas com garantias mínimas de direito podem trazer, inclusive do ponto de vista do custo, como eu disse: o custo que nós vamos ter no Sistema Único de Saúde com o aumento da pobreza, com o aumento da desnutrição infantil e assim por diante.
Bom, há um segundo aspecto - vou tentar me ater aqui ao meu tempo. Eu trouxe algumas sugestões aqui sobre o que eu acho que uma lei de responsabilidade social deveria conter, que são esses três pontos que eu listei agora, e há um segundo aspecto, pelo qual vou passar rapidamente, que diz respeito às metas de pobreza.
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Eu acho também meritório que se discutam metas de pobreza. Obviamente, não se reduz pobreza no Brasil olhando somente política de transferência de renda. Fundamentalmente, para enfrentar a pobreza, o País tem que voltar a crescer, e esse projeto não é um projeto que deva estar restrito à agenda social, mas ele não pode estar restrito a cumprir metas fiscais. Precisamos voltar a ter política industrial, precisamos voltar a ter um modelo de desenvolvimento econômico para este País, ou a pobreza não será reduzida. Nós podemos mitigar a pobreza, mas, para enfrentá-la de fato e reduzir desigualdade e pobreza neste País, nós precisamos de medidas estruturais.
Eu acho que a linha de pobreza que foi estabelecida - o Luis já tratou disso, então eu também vou passar muito rapidamente - é incompatível hoje inclusive com as metas estabelecidas, que são metas - concordo com o que o Luis colocou -, parâmetros insuficientes para discutir países de média renda, como o Brasil, ou países em desenvolvimento, como o Brasil. Então, sequer parâmetros baixos internacionais para países pobres nós estamos propondo nesse projeto, com valores fixos. Portanto, é absolutamente insuficiente, não só para olhar o Brasil hoje, mas para olhar países em desenvolvimento, e é incompatível com qualquer parâmetro internacional que se discuta hoje para o que seria uma linha de extrema pobreza e de pobreza minimamente adequadas. Então, eu acho que esse ponto é um ponto que tem que ser enfrentado, o projeto de lei é bastante inadequado nesse sentido.
Há um terceiro ponto. Esse me preocupa muito no curto prazo e eu realmente gostaria de fazer um apelo aos senhores. Eu sei que esse projeto de lei está sendo discutido agora e foi apresentado já há praticamente um ano. Portanto, talvez, se a gente o estivesse discutindo há um ano, a gente pudesse discutir com outra folga. Nós estamos discutindo mudar, extinguir o Bolsa Família, extinguir um programa que funciona há 18 anos, que é reconhecidamente um programa eficiente, reconhecidamente um programa sustentável, um programa que funciona. Ele exige aperfeiçoamento, sempre pode ser aperfeiçoado; eu inclusive listaria alguns aperfeiçoamentos, acho que os valores são insuficientes, também acho que ele deveria chegar a um número maior de famílias. No entanto, como extingui-lo hoje, às vésperas das eleições, com um Governo completamente descomprometido com a melhor qualidade da execução de políticas públicas, em especial na área social? Fazer isso agora, Senador Tasso Jereissati, Senador Anastasia, conjunto de Senadores que estão aqui nos assistindo hoje, é absolutamente temerário. Por que nós vamos, às vésperas das eleições, mudar algo que funciona e colocar no seu lugar um programa... Esse projeto, em especial, é um projeto que piora o desenho do Bolsa Família porque o torna mais complexo. É incompreensível, com um conjunto de equações acadêmicas, ser proposto sem discussão nenhuma com a área social. No mínimo nós tínhamos que discutir, Senador Anastasia, com o Congemas, com o conjunto dos gestores na área de assistência social, com a rede de assistência social que conhece a população pobre, para tentar avaliar os impactos de extinguir o Bolsa Família e colocar no lugar algo completamente complexo, cheio de equações. O que nós temos que fazer, na verdade, é simplificar mais o Bolsa Família e não torná-lo mais complexo.
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Não é verdade que essa proposta aperfeiçoa o Bolsa Família: ela extingue o Bolsa Família como ele é hoje e coloca no lugar uma outra coisa. Então, vamos assumir: "Queremos extinguir o Bolsa Família e botar outra coisa no lugar". Não é só mudar o nome - assim como o projeto que está sendo discutido, do Auxílio Brasil, não é só mudar o nome -, é botar abaixo aquilo que existe de melhor no Bolsa Família e colocar outra coisa no lugar. Fazer isso hoje, às vésperas das eleições, é inclusive temerário do ponto de vista do que era o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dizia o quê? "Não vamos mudar a coisa num ano eleitoral", pois é um ano em que as coisas não funcionam bem, é um ano em que quem está no comando da máquina está preocupado em se reeleger - e é o que nós estamos vivendo hoje.
Portanto, é muito risco a gente jogar tudo que funciona na lata do lixo e colocar uma outra coisa no lugar feita na academia. Nós temos que chamar gestores municipais para fazer esse debate.
Então, desculpem a minha empolgação, mas eu me coloco à disposição para a gente fazer essa discussão com outro vagar. Eu acho que é possível a gente avançar e fazer esse debate, mas eu não acho que nós estamos num momento que seja um momento calmo, tranquilo e que permita que a gente avance na construção de política de transferência de renda. Eu acho que o programa, para ser uma lei de responsabilidade social, teria que agregar esses outros aspectos que eu havia levantado anteriormente e, em especial, exigir que a gente pense quais são os impactos que cada uma das leis, daqui para a frente, vão ter no curto, no médio e no longo prazo, porque curto prazo é a Lei de Responsabilidade Fiscal, é olhar só o fiscal. Para olhar o social... Não se avalia o social olhando o curto prazo. Para avaliar o social, nós temos que fazer avaliação de médio e de longo prazo: quais os impactos na educação, quais os impactos na saúde e assim por diante.
Então, agradeço muito a oportunidade e fico à disposição para continuar o debate, se for adequado.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito obrigado, eminente Ministra Tereza Campello. Agradeço muito a gentileza de sua participação. Cumprimento-a por sua experiência, seu conhecimento, que certamente sempre enriquecem.
E eu vou, antes de convidar o Senador Suplicy para tomar assento, por gentileza, à bancada, passar a palavra ao Senador Tasso Jereissati, que gostaria de fazer umas observações sobre o que foi dito pela Ministra Tereza; e ele também vai justificar que terá de se ausentar.
Com a palavra o Senador Tasso Jereissati.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSDB - CE. Para interpelar.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, meu querido amigo, grande Senador e homem público Eduardo Suplicy, senhoras e senhores palestrantes, eu queria apenas pedir uma intervenção rápida, dizendo que, a meu ver, há duas interpretações equivocadas que eu preciso esclarecer, até em função - o Senador Suplicy conhece estes funcionamentos do Senado - de que eu estou com uma reunião na CRE e outra na CPI paralelas a esta, e eu vou ter o maior interesse em ouvir a sua explanação, mas preciso dizer que, em determinado momento, eu tenho esse problema.
Essa lei de responsabilidade social, que nós estamos assim chamando e que tem como principal coração do projeto justamente o atendimento de uma renda mínima para aquelas populações que vou chamar de mais vulneráveis, tem historicamente, sem dúvida nenhuma, o nascimento dessa discussão no Brasil através da sua palavra, através da sua atuação, através da sua insistência no tema.
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E queria dizer que, se essa discussão hoje tem alguma inspiração, com certeza vem das discussões que V. Exa. promoveu aqui - não só aqui, mas fora do Senado também - durante anos. Mas queria esclarecer alguns pontos equivocados, a meu ver, de interpretação equivocada: não extingue a Bolsa Família, não muda o nome da Bolsa Família e não é focado na questão fiscal. Ele apenas tenta ter um equilíbrio entre aquilo que se pretende gastar a mais neste programa, tendo parâmetros de responsabilidade fiscal, como o senhor sabe bem, porque nós sabemos e V. Exa., que foi meu professor de Economia na Fundação Getúlio Vargas - sabia disso? - sabe muito bem que o desequilíbrio fiscal leva à inflação, leva a um descontrole, e que nenhuma política social funciona sem que haja um controle da moeda, uma estabilidade econômica.
Eu gostaria de deixar esse esclarecimento, agradecendo a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito obrigado, eminente Senador Tasso Jereissati, autor desse importante projeto.
Eu convido agora, para a sua palavra, o eminente economista, Professor, Senador, atualmente membro da Câmara Municipal do Município de São Paulo, Eduardo Matarazzo Suplicy.
O Senador Suplicy tem, como todos sabemos e como disse o Senador Tasso, uma ligação mais que histórica com esse tema, e exatamente em razão disso eu vou me permitir aqui subverter um pouco as regras, e ainda que tenhamos outro compromisso em breve, vou conceder ao Senador Suplicy 30 minutos, que acho que é um tempo adequado, até 30 minutos para a sua exposição, para depois darmos o encerramento com as conclusões e seguirmos para as outras Comissões.
Agradeço muito a presença do Senador Suplicy, que gentilmente se dispôs a estar aqui presencialmente.
Com a palavra S. Exa. o Senador Eduardo Suplicy.
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY (Para expor.) - Caro Presidente desta reunião e Relator dessa matéria, Senador Antonio Anastasia, agradeço muito o convite que me formulou.
Cumprimento também o Senador Tasso Jereissati, que tem representado tão bem o povo do Ceará e com quem muitas vezes dialoguei aqui durante os meus 24 anos de Senador. Tivemos às vezes divergências, mas, na maioria das vezes, pontos de apoio a proposições no interesse da Nação brasileira.
Cumprimento os economistas Marcos Mendes e Vinícius Botelho, que ajudaram a elaborar esse projeto; a querida Ministra Tereza Helena Gabrielli Barreto Campello, que tanto tem se distinguido na área, primeiro, do desenvolvimento social e combate à fome, ela, que foi uma das responsáveis pelas racionalização e unificação dos programas que havia anteriormente no Bolsa Família e que fez com que, desde 2003, esse programa viesse a ser aperfeiçoado e reconhecido nos mais diversos países do mundo como um exemplo. Cumprimento também Luis Henrique Paiva, do Ipea, que está estudando este assunto; o Erik Figueiredo, que aqui representa o Ministério da Economia e trouxe inúmeras reflexões importantes; e também os representantes do Ministério da Cidadania Danyel Iório e André Rodrigues Veras, que aqui colocaram o ponto de vista do Ministério da Economia.
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Permita que eu faça uma breve recordação. Quando aqui cheguei, ao Senado, apresentei, em primeiro lugar, Antonio Anastasia e Tasso Jereissati, meus caros amigos, um primeiro projeto de garantia de renda mínima através de um imposto de renda negativo. Toda pessoa adulta que não recebesse ao menos 45 mil cruzeiros à época passaria a ter o direito de receber 50% da diferença entre aquele patamar e o nível de renda da pessoa.
Recebeu o parecer entusiástico do então Senador Líder do PDT Maurício Corrêa, depois Ministro da Justiça, Ministro e Presidente do STF. E ele disse: "Olha, vamos fazê-lo gradualmente ao longo de oito anos. No primeiro ano, de 60 anos ou mais; no segundo ano, de 55 anos ou mais". E também propôs que o Poder Executivo pudesse estabelecer 30% ou 50% como a taxa do imposto de renda negativo. E eu aceitei.
E, em 16 de dezembro de 1991, após quatro horas e meia de debate, José Paulo Bisol fez um discurso maravilhoso e convenceu a todos. Inclusive, depois, o então Senador, falando em nome do PSDB, Fernando Henrique Cardoso disse: "Olha, trata-se de uma proposta de uma utopia realista, o PSDB vai votar a favor". Houve só quatro abstenções, e assim aconteceu. Foi para a Câmara dos Deputados. Germano Rigotto, o Relator, deu parecer favorável.
Acontece que, em agosto de 1991, então, o coordenador do programa paralelo de Lula, que havia perdido a eleição para Collor de Mello em 1989, Walter Barelli, convidou economistas simpatizantes do PT para um diálogo sobre propostas. Quando eu e Antonio Maria da Silveira explicamos, eis que José Márcio Camargo, professor até hoje da PUC do Rio de Janeiro, ponderou que seria ótimo começar a garantia de uma renda, mas começando pelas famílias carentes, desde que as suas crianças estivessem indo à escola, de tal maneira a cortar um dos principais elos do círculo vicioso da pobreza. E escreveu sobre isso em 1991, 1993, na Folha de S.Paulo. Em 1994 para 1995, Cristovam Buarque, então Governador eleito pelo PT aqui, no Distrito Federal, e José Roberto Magalhães Teixeira, Prefeito de Campinas, ambos iniciaram programas de renda mínima associados à educação que logo depois repercutiram positivamente, inúmeros Municípios adotaram, e, no Congresso Nacional, surgiram seis propostas, três na Câmara e três no Senado.
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Em 1996, quando Philippe Van Parijs, o criador da Rede Mundial da Renda Básica, visitou o Brasil já pela segunda vez, eu pedi uma audiência com Fernando Henrique Cardoso, Presidente, e o Ministro Paulo Renato Souza, da Educação, e Nelson Marchezan, um dos proponentes. Eis que Philippe Van Parijs disse: "Olha, o objetivo maior é alcançarmos a renda básica universal, mas iniciar relacionando-as às oportunidades de educação é muito positivo". E o Presidente deu sinal verde para que o Congresso Nacional, com meu apoio e de todos os partidos, votasse a Lei 9.573, que instituía o programa relacionado à educação; os primeiros 20% de Municípios de menor per capita teriam 50% das suas despesas com aquele programa. Mas, logo em 2001, o Presidente, por medida provisória, adotou o que veio a ser a lei aprovada por todos, Lei 10.216, pela qual a União financiaria 100% dos gastos de todos Municípios que adotassem programas naquela direção. E eis que, seis meses depois, veio o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás.
Veio o Governo do Presidente Lula em 2002 com o Programa Fome Zero, o Cartão-Alimentação e, em outubro de 2003, o Presidente Lula racionalizou e ficou tudo no Bolsa Família, que teve o desenvolvimento de 3,5 milhões de famílias, em dezembro de 2003, para 14,2 milhões em 2014-2015, o que fez diminuir significativa tanto a desigualdade quanto a pobreza extrema. Como Tereza Campello ressaltou, foi um programa de formidável sucesso.
Nesses últimos cinco anos, com a recessão, desemprego e o não ajuste adequado dos valores, não houve tanto progresso, mas o programa ainda continua e só agora, surpreendentemente, houve essa extinção por uma medida provisória que não respeita decisão importante do Supremo Tribunal Federal.
Estudando esse assunto com todos aqueles filósofos, economistas, cientistas sociais, mais e mais fiquei persuadido de que melhor seria nós termos uma renda básica de cidadania que um dia passará a ser universal e incondicional. Eis que, em dezembro de 2001, apresentei esse novo projeto. Foi designado Relator o nosso colega Francelino Pereira, ex-Governador de Minas, famoso por dizer "que país é este?", ex-Presidente da Arena, do PFL, me disse: "Eduardo, estou com 81 anos, não serei candidato outra vez, quero estudar seriamente a sua proposta".
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Eu dei a ele meu livro Renda de cidadania - a saída é pela porta, cuja primeira edição foi publicada em fevereiro de 2002, no Fórum Social Mundial. Ele estudou seriamente e disse: "Eduardo, ótima ideia, mas você precisa torná-la compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal: para cada despesa, a receita correspondente. Que tal você aceitar um parágrafo que diga que será instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados", portanto como fazia o Bolsa Família. Eu achei de bom senso. Lembrei das lições do grande Prêmio Nobel de Economia James Edward Meade, que diz, em Agathotopia, que por uma longa jornada esteve em busca de Utopia; por mais que navegasse...
Como vai, querido amigo José Aníbal, de São Paulo?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - Se convém tirar?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - Ah, está bom. Então, um pouquinho assim.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - Ah, não convém por causa das regras aqui. Tudo bem.
Então, eis que eu lembrei que James Edward Meade, em Agathotopia, diz: "Por um longo tempo, eu estive em busca de Utopia. Por mais que navegasse, não conseguir encontrá-la. No caminho de volta, deparei-me com Agathotopia. Agathotopia, em grego, é um bom lugar. Lá um economista me disse: 'Os agathotopianos sabem onde é que fica Utopia, mas não vão te dizer, porque eles são seres humanos perfeitos, que vivem no lugar perfeito, enquanto nós temos uma diferença grande com eles, porque somos seres humanos imperfeitos, que cometemos nossas bobagens repetidas'".
Às vezes eu cometo alguma bobagem, sabe? Todos nós.
Eis que: "Entretanto, conseguimos construir um bom lugar". Ele estudou as instituições e verificou que eram as melhores que até então havia encontrado para simultaneamente obter o maior padrão de vida possível, muito maior a igualdade e a erradicação da pobreza e muita interação entre trabalho e capital.
Quais eram as instituições? Primeiro, muita flexibilidade de preços e salários para a boa alocação de recurso e ter o maior padrão de vida possível com os recursos e a tecnologia vigente. Segundo, muita internação entre capital e trabalho, empresários e trabalhadores, de tal forma que pudessem os trabalhadores ser contratados por cotas de participação nos resultados e, assim, haver melhor distribuição. E, em terceiro lugar, a renda básica de cidadania universal para de fato se chegar à boa dignidade para todas as pessoas e maior igualdade.
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Mas ele, no capítulo final, diz que o importante é você caminhar firmemente naquela direção porque, se você quiser tudo ao mesmo tempo, aí vêm as grandes instabilidades. Ele, James Meade, que nasceu em 1907 e faleceu em 1995, assistiu à Primeira Guerra Mundial, à Segunda Guerra Mundial, às revoluções comunistas, aos golpes de Estado, tudo. Então, eu me lembrei disso e falei para o Francelino: "Eu aceito de bom senso".
Graças a isso, o Senado, por consenso, votou, na Comissão de Justiça, na Comissão de Assuntos Econômicos, e ninguém questionou, em dezembro de 2002, e foi para a Câmara. Em novembro de 2003, era suplente, na Comissão de Constituição e Justiça, o atual Presidente Jair Bolsonaro, como Deputado Federal, que nada falou contra e, portanto, votou a favor. Foi para o Presidente Lula sancionar ou não em janeiro de 2004.
Eu conversei com o Ministro da Fazenda Antonio Palocci, que disse ao Presidente: "Como é para ser instituído gradualmente, é factível, pode sancionar".
O Presidente, numa linda cerimônia, convidou o Philippe Van Parijs para estar presente.
Naquela oportunidade, estava na França, lecionando na Sorbonne, aquele que é considerado por muitos como o maior economista brasileiro. Ele, então, mandou e foi lida, na sessão, a seguinte mensagem:
Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Celso Furtado, 8 de janeiro de 2004.
Neste momento em que Vossa Excelência sanciona a Lei da Renda Básica de Cidadania, quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso País coloca-se na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. Com frequência, o Brasil foi referido como um dos últimos países a abolir o trabalho escravo. Agora, com esse ato que é fruto do civismo, da ampla visão social do Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, o Brasil será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente e, ademais, aprovado pelos representantes do seu povo.
Certo dia, eu fui fazer uma palestra - era maio de 2013 -, com o querido Professor Paul Singer, Secretário de Economia Solidária, lá na Secretaria da Receita Federal, para 600 pessoas, estudantes, professores, funcionários da Receita Federal. Das 8h às 10h, Paul Singer falou da história da economia solidária das cooperativas. Daí ele disse: "Agora vocês vão ouvir a palavra do Senador Professor Eduardo Matarazzo Suplicy, que vai lhes falar da renda básica de cidadania".
Quando o Presidente Lula a sancionou, eu pensei que ele iria formar um grupo de trabalho, de eu queria ter feito parte, para estudar as etapas. E me veio a ideia: "Eu vou escrever para a Presidenta Dilma". Escrevi 34 cartas para ela, mas só consegui ser recebido quando ela já estava, no Palácio Alvorada, aguardando a decisão que infelizmente a retirou do Governo. Mas eu continuo batalhando.
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E, felizmente, eis que, no ano passado, em nome do morador de rua Alexandre da Silva Portuguez, de 51 anos, de Porto Alegre, epilético, a Defensoria Pública da União do Rio Grande do Sul ingressou com um mandado de injunção para que o Alexandre da Silva Portuguez passasse a receber a renda básica de cidadania, conforme está na lei já aprovada e sancionada há 17 anos. E eis que o mandado de injunção foi impetrado.
Dessa maneira, o Presidente Jair Bolsonaro precisa regulamentar essa lei. Eu queria dizer isso ao Erik, porque a obrigação do Governo Bolsonaro é a de regulamentar a Lei 10.835 agora, para que obedeça à determinação do Supremo Tribunal Federal, que diz que, a partir de 2022, deverá o Governo regulamentar, para começar... Todas aquelas pessoas que estejam em condição de pobreza extrema e de pobreza absoluta, no ano que vem, deverão passar a receber a renda básica de cidadania, cujo valor precisa ser definido em diálogo com o Governo Federal e com o Congresso Nacional.
Aqui está, Presidente Davi Alcolumbre, o resumo da decisão do Supremo Tribunal Federal:
[...] não obstante o legislador tenha determinado a implementação progressiva do benefício, com priorização das camadas mais necessitadas da população, passados mais de 17 anos da promulgação da Lei [...], o Programa [...] ainda não foi regulamentado pelo Chefe do Poder Executivo Federal.
[...]
A renda básica [...] deve ser suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, o que reforça a sua vinculação indissociável à cidadania. [...] o valor a ser fixado deve ser o suficiente para [...] à existência minimamente digna.
[...] omitir a implementação da renda básica - que assume a envergadura da própria cidadania sob o viés monetário - representa, sim, a violação de um dever constitucional de normatizar.
Eis que o Supremo Tribunal Federal, por seus 11 Ministros, conforme o voto do Relator Gilmar Mendes, reconheceu a omissão do poder público na regulamentação do benefício e determinou ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei 13.300, de 2016, implemente, em 18 meses, a fixação do valor disposto no art. 2º para o estrato da população brasileira em vulnerabilidade socioeconômica, em extrema pobreza e em pobreza absoluta, R$89 e R$178.
Pessoalmente, eu encaminho a síntese.
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Mas por que a renda básica de cidadania universal será melhor, Presidente Antonio Anastasia, querido Tasso Jereissati? Primeiro, eliminamos inteiramente qualquer burocracia envolvida em se ter que saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal, na carteira de trabalho assinada, ou qualquer atividade que façamos. Se uma mãe toma conta das crianças da vizinha e, no dia seguinte, recebe um trocado, não precisa declarar. Eliminamos qualquer estigma ou sentimento de vergonha de uma pessoa precisar dizer: "Olha, eu só recebo tanto, por isso mereço tal complemento de renda". Eliminamos o chamado fenômeno da dependência, que acontece, quando há um sistema que diz: "Quem não recebe até certo patamar tem o direito de receber tal complemento". E a pessoa está por decidir: "Vou ou não realizar essa atividade que vai me render esse tanto, mas, se eu conseguir, obtiver esse tanto, aí vem o Governo e me retira o que eu estava recebendo naquele programa, eu talvez desista e entre na armadilha da pobreza ou do desemprego. Mas todos vamos, então, passar a receber renda básica em diante, sempre haverá o estímulo ao progresso. Será que não vai estimular a ociosidade? O que é que vamos fazer com aquelas pessoas que têm uma tendência na vagabundagem? Será mesmo?".
Vamos pensar em nós seres humanos, nas mulheres e em nós homens. Todos nós amamos realizar uma série de atividades, porque queremos ser úteis para a comunidade; as mães, quando estão amamentando seus bebês, qualquer dia, hora da noite, da madrugada, com todo o amor e carinho; nós pais e mães, quando estamos cuidando da alimentação, do desenvolvimento de nossas crianças; quando nossos pais e avós são mais idosos, ali estamos para atendê-los com todo o carinho; nas associações de bairros, nas igrejas de todas as denominações, nos centros e diretórios acadêmicos, quantos de nós não realizamos uma série de atividades, porque nos sentimos úteis para a comunidade?
A Constituição brasileira assegura o direito à propriedade privada. O que significa que aquela pessoa que detém a propriedade de uma fábrica, de um banco, de um restaurante, de um hotel, propriedade imobiliária ou títulos financeiros pode receber juros, lucros, alugueis, rendimentos do capital. E eu lhes pergunto: por acaso a nossa Constituição diz que, para receber tais rendimentos do capital, essa pessoa precisa comprovar que está trabalhando, que está com suas crianças e adolescentes na escola? Não!
Portanto, se asseguramos aos mais ricos o direito de receber tais rendimentos, por que não estendermos a todos, ricos e pobres, o direito de todos participarmos, pelo menos um pouco, da riqueza comum de nossa Nação, ainda mais quando percebemos certos aspectos da nossa história? Por mais de três séculos, milhões de pessoas foram arrancadas de sua terra natal na África, para aqui colaborarem para o enriquecimento de tantas famílias, sem que lhes fosse dada a oportunidade, senão a de viver numa senzala e ter uma alimentação que fazia com que os escravos tivessem uma expectativa de vida pouco superior a 30 anos de idade. É uma questão de bom senso.
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Mas qual é, querido Senador Tasso Jereissati, querido Antonio Anastasia, José Aníbal, todos que estejam nos ouvindo, qual é a maior vantagem da renda básica, que eu ainda não falei? É do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano, de que nos fala o grande economista da Universidade de Harvard e Prêmio Nobel Amartya Sen quando diz que desenvolvimento, se for para valer, deve significar maior grau de liberdade para todos na sociedade.
Ele conta que, quando menino, morava em Bangladesh, em Daca - capital de Bangladesh hoje, mas era Índia na época. Seu pai era um ótimo professor, e eles moravam numa boa casa. Certo dia, ele estava brincando no jardim de sua casa quando, de repente, entrou um homem gritando por socorro, esfaqueado nas costas. Ele chamou por seu pai, que logo veio, e acompanhou seu pai levando-o para o hospital. No caminho ele disse: "Bem que minha mulher tinha me avisado para não vir a este lugar tão perigoso, mas eu não tive outra alternativa senão a de primeiro aqui, neste bairro, caracterizado por lutas étnicas, encontrar um trabalho que pudesse dar o sustento da minha família". Mas, ao chegar ao hospital, teve uma forte hemorragia e veio a falecer. Conclui Amartya Sen: tipicamente, esse homem, Kader Mia, não tinha liberdade real; precisou colocar a sua saúde e vida em risco para conseguir um trabalho que pudesse dar o sustento da sua família.
Para aquela mulher, mãe, que às vezes, lá em São Paulo ou na praia de Fortaleza ou onde estiver, em qualquer cidade do Brasil, não tendo como dar de comer para as suas crianças e para a sua avó, resolve vender o seu corpo, como lá no Parque da Luz - eu estive lá conversando com elas, e me deram toda a razão -; ou para aquele rapaz que, não podendo colaborar no orçamento da sua família, resolve se tornar um aviãozinho da quadrilha de narcotraficantes, como o personagem do Homem na Estrada, do Mano Brown, dos Racionais Mc's...
Um homem na estrada recomeça sua vida
Sua finalidade: A sua liberdade
Que foi perdida, subtraída
E quer provar a si mesmo que realmente mudou
Que se recuperou e quer viver em paz
[...], dizer ao crime: Nunca mais
No dia em que tiver para si e para cada membro da sua família uma renda suficiente para atender as suas necessidades vitais, essa pessoa vai ganhar o direito de dizer: "Não; agora eu não preciso aceitar essa única alternativa que me surge pela frente, mas que vai ferir a minha dignidade, colocar a minha saúde e vida em risco. Agora eu posso aguardar um tempo, quem sabe fazer um curso aqui numa instituição na minha cidade, até que surja uma oportunidade mais de acordo com a minha vocação, com a minha vontade". É nesse sentido que a renda básica universal vai elevar o grau de dignidade e liberdade real para todos. "Ah, mas como assim?" Outro dia aqui o Ministro Paulo Guedes - diga a ele por favor - falou: "Imagine! Vamos pagar para todo mundo? Para os Senadores, para os Deputados, para os mais bem-sucedidos empresários brasileiros, para mim, Ministro, para o Eduardo Suplicy, para o Erick?" Sim, Antonio Anastasia, Tasso Jereissati, todos vamos receber - José Aníbal também -, mas, obviamente, os que temos mais vamos colaborar para que nós mesmos e todas as demais pessoas venham a receber. Acontece que hoje um grande número de laureados com o Prêmio Nobel, com o Prêmio Nobel de Economia e da Paz, como James Tobin, Desmond Tutu, Muhammad Yunus, Amartya Sen - são dezenas! -, todos estão recomendando a renda básica universal.
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E fico pensando: quem sabe o Presidente Jair Bolsonaro só recomende e coloque em prática se algum pastor evangélico resolver recomendar. Eu trouxe um amigo meu aqui que é pastor evangélico. Se me permitem, vai dar um abraço em vocês. Aqui está: ele, em 29 de agosto de 1963, fez um dos mais belos discursos da história da humanidade, "I Have a Dream". "Eu tenho um sonho de que um dia [...] todas as pessoas, os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos, serão capazes de se sentarem juntos na mesa da fraternidade". E, em 1997, para onde nós vamos daqui para frente, causa ou comunidade? Ele diz: "Agora está na hora de colocarmos em prática a renda garantida como melhor maneira de erradicar de vez a pobreza".
Bem, além dum pastor evangélico, eu gostaria de lhes mostrar algo. Permitam-me ler... Já leram o último livro do Papa Francisco, Antonio Anastasia e Tasso Jereissati? Posso lhes mostrar: Vamos Sonhar Juntos, Intrínseca, 2020. Na p. 143, eis o que diz o Papa Francisco:
Reconhecer o valor do trabalho não remunerado para a sociedade é vital para repensarmos o mundo pós-pandemia. Por isso, acredito que seja hora de explorar conceitos como o de renda básica universal, também conhecido como imposto de renda negativo: um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos, que poderia ser distribuído através do sistema tributário.
A renda básica universal poderia redefinir as relações no mercado laboral, garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. Daria aos indivíduos a segurança básica de que precisam, eliminando o estigma do seguro-desemprego, facilitaria a mudança de um trabalho para outro, como cada vez mais os imperativos tecnológicos no mundo trabalhista exigem. Políticas como essa também podem ajudar as pessoas a combinar tempo dedicado a trabalho remunerado com tempo para a comunidade.
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Alguns dos economistas que expuseram hoje aqui disseram: "Imagine, como é que vamos avançar para pagar a todos?" Há exemplos, vamos visitá-los.
Antonio Anastasia, já esteve nos lugares onde se paga uma renda para todos? Posso lhe convidar a ir? Eu estive lá. Tasso Jereissati, já foi?
No Alasca, no início dos anos 60, o prefeito de uma pequena vila de pescadores, Bristol Bay, observou que de lá saía uma grande riqueza em forma da pesca, como de tantas vilas de pescadores no Brasil, mas muitas pessoas eram pobres. Então, ele disse: "Vamos criar um imposto de 3% sobre o valor da pesca para fazer um fundo que pertencerá a todos". "Mais um imposto?" "Sou contra!" Foi enorme a resistência, mas, cinco anos depois, deu tão certo que tornou-se governador do Estado do Alasca.
Em 1976, tendo o Alasca descoberto, como nós, na camada do pré-sal do Atlântico, enorme reserva petrolífera, na Baía de Prudhoe, ao norte do Alasca, ele então disse aos seus 300 mil, hoje 750 mil habitantes: "Nós precisamos considerar não apenas a geração presente, mas a vindoura, porque o petróleo não é renovável. Vamos separar pelo menos 25% dos royalties decorrentes da exploração do petróleo para formar um fundo que a todos pertencerá". Pediu que todos votassem; 76 mil disseram "sim", 38 mil, "não"; dois para um, venceu.
Uma vez restituídos, os recursos passaram a ser investidos em fundo permanente do Alasca em títulos de renda fixa, ações de empresas do Alasca, dos Estados Unidos, internacionais, inclusive da Petrobras, Bradesco, Itaú, Vale do Rio Doce, Banco do Brasil - mais de duzentas empresas brasileiras, nós contribuímos para que isso exista lá -, empreendimentos imobiliários. O fundo passou de US$1 bilhão, no início dos anos 80, para, hoje, US$80 bilhões.
Vamos supor, Antonio Anastasia, viver no Alasca um ano mais. Resido em tal endereço; se viajei no ano passado, qual motivo; tenho tantos filhos até dezoito anos - por eles recebe igual para todos -; trabalho em tal instituição, Senado Federal - não precisa dizer qual a sua remuneração, nem o patrimônio acumulado. Tasso Jereissati e os amigos testemunham, duas pessoas: essa declaração é verdadeira. Se tivesse assim agido desde 1982, teria recebido 300, 400, 500. Em 2000, o preço do petróleo foi lá para cima, três mil duzentos e tantos dólares...
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Senador Suplicy.
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - ... no ano passado cerca de 3 mil, cerca de mil.
Consequência: Alasca, 1980, o mais desigual dos 50 Estados norte-americanos; hoje, junto com Utah, é um dos dois mais igualitários. Constitui suicídio político para qualquer liderança no Alasca propor o fim desse sistema.
Portanto, querido Antonio Anastasia, eu acredito muito nessa proposta.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Eu queria...
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - Quero dedicar a minha energia e a minha vida até ver instituída, para valer, a renda básica de cidadania.
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Agradeço muito por ter me dado um certo tempo para aqui expor as razões pelas quais tanto acredito nisso, e quero muito colaborar para que, inclusive, a decisão do Supremo Tribunal Federal agora seja respeitada.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Senador Suplicy, eu queria, em primeiro lugar, fazer aqui o registro do nosso agradecimento profundo pela dedicação, pelo empenho, pelo vigor que o senhor demonstra na defesa dessa tese. Aliás, o Brasil inteiro conhece a bandeira que V. Exa. levantou já há algumas décadas, não é de hoje. E, a despeito de uma trajetória culminada de sucesso e reconhecimento, o senhor continua firme, como um cruzado, e certamente foi esse esforço que inspirou igualmente o Senador Tasso Jereissati na apresentação do seu projeto, assim como os economistas que o assessoraram.
Todos nós somos aliados nessa tentativa, e eu queria, portanto, agradecer muito a V. Exa. pela sua predisposição de vir aqui à sua Casa para apresentar novamente esse seu repto em favor desse tema tão importante que é a Renda Cidadã, que o senhor coloca de maneira tão feliz.
Nós não temos oradores inscritos, mas eu indago ao Senador José Aníbal se ele gostaria de fazer alguma manifestação. Ele sinaliza que não, e o Senador Tasso tem de seguir para a CPI, que já o convocou.
Eu queria, portanto, agradecer muito a presença de todos os convidados e dizer que audiência cumpriu a sua missão. Nós vamos agora fazer as reuniões técnicas para fazer a conclusão do parecer, evidentemente com a participação dos consultores.
Portanto, mais uma vez agradecendo muito a presença de todos os convidados, saúdo todos, os que estão remotamente e aqueles que estão presencialmente. Dr. Erik, agradeço também a presença de V. Sa., representante aqui do Ministério da Economia. Saúdo o Senador José Aníbal. Ao Senador Tasso, o meu respeito profundo e permanente como autor desse importante projeto.
Encerro com uma homenagem ao Senador Suplicy, pela sua dedicação e pelo seu esforço, conquistando aliados a cada dia.
Então, nós vamos encerrar a reunião.
Senador Suplicy.
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - V. Exa. me proporcionou um dos dias mais felizes da minha vida e da minha vida no Senado Federal.
Muitíssimo obrigado!
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Nós é que agradecemos.
O SR. EDUARDO MATARAZZO SUPLICY - Agradeço a presença de Edwiges de Oliveira Cardoso, que foi minha chefe de gabinete por 24 anos. Antes ela trabalhava com o Severo Gomes, que era o meu antecessor aqui.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. PSD - MG) - Muito bem! E ela está muito bem disposta também. Parabéns pela dedicação!
Muito obrigado.
Não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a reunião.
(Iniciada às 9 horas e 08 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 27 minutos.)