29/09/2021 - 14ª - Comissão de Agricultura e Reforma Agrária

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO. Fala da Presidência.) - Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
Declaro aberta a 14ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura do Senado Federal.
Antes de iniciarmos os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior.
As Sras. e os Srs. Senadores que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
A presente reunião destina-se à realização da segunda audiência pública, nos termos do Requerimento nº 3, de 2021, da CRA, de iniciativa desta Presidência, para instruir o PL 6.417, de 2019, de autoria dos Senadores Styvenson Valentim, Luis Carlos Heinze e Soraya Thronicke, que altera a Lei 8.171, de 17 de janeiro de 1991, para dispor sobre o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Agropecuária, o SNPA.
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Esta audiência pública é interativa por meio do Portal e-Cidadania, no site do Senado, e também pelo telefone 0800-612211.
Os nossos convidados de hoje são: Dr. Guy de Capdeville, da Embrapa; o Dr. Reginaldo Minaré, da CNA; Dr. Evaldo Ferreira Vilela, do CNPq; e José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, do Ipea.
Nós faremos da seguinte forma: cada um dos convidados terá 20 minutos para as suas exposições, inicialmente pela ordem que aqui foi citada. Depois, nós inverteremos, nas considerações finais. Quem for o último será o primeiro, quem for o primeiro será o último. As considerações finais serão em torno de 5 minutos para cada um.
Antes de iniciarmos com os nossos convidados, faço as nossas colocações nesta Presidência. A importância da ciência, da tecnologia, da inovação, do desenvolvimento da agricultura brasileira é inquestionável. Isso ocorre de norte a sul do País, em todos os biomas, com variedades de plantas adaptadas para cada tipo de solo, de clima e de tratos culturais locais. É o caso da nossa Rondônia, um dos mais jovens Estados da Federação que, desde a sua transformação de Território nacional, passou a contar com as pesquisas desenvolvidas por diversas instituições, como a Embrapa, que foi instalada no nosso Estado em 10 de junho de 1975; a Ceplac, centro de pesquisas voltado ao cacau, instalado em 1971 no Estado de Rondônia; a Emater, instalada em 1984; o Senar/CNA, que atua desde 1991 em Rondônia; a UNIR (Universidade Federal de Rondônia), com diversos cursos de graduação, pós-graduação, com diversas linhas de pesquisa voltadas para a agropecuária; o Ifro (Instituto Federal de Rondônia), com seus cursos técnicos de Agronomia, Aquicultura, Zootecnia, Agroecologia e Agronegócio; e tantas outras instituições públicas e privadas, como o Idaron, o Fefa, só para citar algumas que se dedicam à pesquisa, à assistência técnica, à extensão rural e à organização do setor agrícola em nosso Estado.
Ao citar essas instituições, saliento que foi graças às pesquisas desenvolvidas que Rondônia se tornou um grande produtor agrícola, se destacando no cenário nacional em várias culturas, como café, cacau, soja, milho, carne, leite, pescado e uma grande diversidade de produtos da agricultura familiar. Um exemplo disso é o nosso café clonal, desenvolvido pela nossa Embrapa, que fez a produtividade do café de Rondônia saltar de 9 sacas por hectare para 35 sacas por hectare, em menos de dez anos. Foram anos de pesquisas até que a Embrapa conseguisse desenvolver um café genuinamente rondoniense, adaptado ao nosso solo, ao nosso clima e com alta produtividade. Esse café é chamado cientificamente de BRS Ouro Preto é composto pelo agrupamento de 15 clones de grãos com adaptações aos trópicos úmidos e à baixa altitude da Amazônia e, por isso, é chamado pelos agricultores de Rondônia como café clonal.
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A certificação deste café no Ministério da Agricultura encontrou alguns entraves justamente por conta da falta de integração da base científica com a base institucional. Trabalhamos intensamente, desde 2009, para que as pesquisas sobre esta variedade fossem concluídas, experimentadas e aplicadas pela Embrapa em nosso Estado, inclusive com a destinação de recursos para a Embrapa através de emenda parlamentar na época. Também realizamos um trabalho institucional e político-estratégico para que esta variedade de café clonal fosse certificada pelo Ministério da Agricultura, o que ocorreu em 2012, depois de algumas audiências públicas que realizamos na Comissão da Agricultura aqui e lá em Rondônia, especificamente na cidade de Cacoal, quando nós discutimos o aumento da produtividade do café em Rondônia. O que faltava era apenas a articulação institucional entre a base científica dos nossos pesquisadores da Embrapa e a base institucional e política do Ministério da Agricultura. Creio que com a modernização do SNPA teremos uma sintonia mais fina entre essas esferas institucionais, pois teremos uma governança integrada. Outro exemplo é o cacau produzido em Rondônia de forma totalmente sustentável, no sistema agroflorestal cabruca, integrado à Floresta Amazônica, graças às pesquisas científicas da Ceplac.
Portanto, a ciência, a tecnologia e a inovação estão na base do desenvolvimento da nossa agricultura, tanto em Rondônia, como em todo o Brasil, e é por isso que este tema se reveste de grande importância para todo o País. A reorganização desse setor em um novo modelo de governança, numa rede digital conectada e cooperativa, como está propondo o PL nº 6.417, vai modernizar o SNPA, Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Agropecuária, e dar condições para que ele contribua de forma ainda mais efetiva para o desenvolvimento da nossa agricultura.
Estamos buscando a interação entre todas as plataformas de pesquisa para que os resultados cheguem de forma mais célere aos nossos produtores rurais. Não podemos ter sobreposição de pesquisa nem entraves burocráticos e institucionais para aplicação imediata da pesquisa após a comprovação dos testes experimentais. Vimos com a experiência do café clonal de Rondônia o quanto as aplicações imediatas das pesquisas podem contribuir para o aumento da produção e da produtividade. Em dez anos, demos um salto muito grande. Repito: de 9 para 35 sacas por hectare. E é isso que interessa para o nosso produtor. Temos excelentes pesquisadores e instituições sérias e comprometidas, conhecimentos e saberes acumulados que precisam de um sistema de governança moderno e eficiente, para produzirem resultados ainda mais efetivos para a nossa agricultura. Nesse sentido, os debates que estamos promovendo aqui na Comissão de Agricultura estão trazendo uma grande contribuição para o nosso parecer sobre esta matéria. E, na condição de Relator desse PL, agradeço por antecipação a todos os especialistas, pesquisadores, cientistas e gestores dessa área tão importante para a nossa agricultura.
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Hoje, portanto, vamos começar ouvindo os nossos convidados. Passo a palavra agora ao nosso convidado Guy de Capdeville, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Na sequência, Reginaldo Minaré; depois, Evaldo Ferreira Vilela; e, por último, José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho. E, no retorno, nós inverteremos a ordem, para que todos possam fazer as suas colocações.
Passo a palavra, então, para o representante da Embrapa, Dr. Guy de Capdeville. V. Sa. Tem 20 minutos para fazer a sua explanação.
O SR. GUY DE CAPDEVILLE (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia, Senador Acir Gurgacz. Em seu nome, Senador, eu gostaria aqui de cumprimentar todos demais Senadores e Senadoras que compõem esta Comissão.
E eu gostaria de aproveitar esta oportunidade, Senador, ao iniciar, antes de entrarmos no tema da nossa audiência, e de agradecer imensamente o apoio de V. Sa. a todas as ações da Embrapa com emendas e a esta Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, que vem sempre se preocupando em nos apoiar com o nosso orçamento.
Como todos sabem, a Embrapa é uma instituição de Estado e ela depende dos recursos públicos, porque ela tem como sua meta principal, o seu objetivo principal o lucro social e trazermos soluções para o fortalecimento do agro nacional, que hoje, como todos sabem, tem uma participação importantíssima no PIB nacional.
Senador, quero também agradecê-lo aí pela chamada da audiência pública que se realizará no dia 07/10, em homenagem aos 48 anos da Embrapa. E, em nome do Presidente Celso Moretti, que infelizmente não pôde comparecer a essa audiência, por motivo de saúde, eu gostaria de agradecê-lo e de agradecer a toda esta Comissão por esse apoio.
Senador, eu vou compartilhar aqui a minha tela.
O meu objetivo principal...
Eu ficarei sem enxergá-los. Então, por gentileza, Senador, se houver algum problema aí, durante a minha fala, por favor, me interrompa aqui.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Pois não. (Pausa.)
O SR. GUY DE CAPDEVILLE - Os senhores conseguem ver a minha tela?
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Sim, já está compartilhada.
O SR. GUY DE CAPDEVILLE - O.k.
Bom, o que eu gostaria aqui de inicialmente falar, antes de entrar em algumas considerações em relação ao projeto de lei, é que algumas situações que foram postas foram importantes aí para chegarmos a este momento. A Embrapa, só para relembrar aqui, principalmente à nossa audiência, que está acompanhando pelo canal da TV Senado, a Embrapa é instituição de pesquisa composta de sete unidades centrais, que ficam localizadas aqui em Brasília, mais 43 unidades de pesquisas descentralizadas, que estão espalhadas em praticamente todos os Estados brasileiros. Essas unidades têm mandatos e atuação em temas distintos. E isso, por si só, estabelece uma grande rede no País. Junto da sua origem, aqui no País, da criação da Embrapa, na mesma época e até um pouco antes, foi estabelecida a ideia da construção do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária. Eu sei que todos os senhores conhecem bem este assunto. Eu só estou aqui tentando trazer um alinhamento, mostrando a importância da Embrapa como coordenadora da relação com várias universidades nacionais e com as organizações estaduais de pesquisa agropecuária, que, junto com o setor privado e com fundações, estabeleceu essa estrutura organizada que nós chamamos de Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Agropecuária.
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A nossa relação com as Oepas, com essas Organizações Estaduais de Pesquisa, é muito intensa. Nós temos toda essa rede de instituições com as quais nós colaboramos, com várias universidades. Aqui, é só uma amostra do que nós temos em termos de relação com várias universidades públicas, apesar do arrefecimento, do enfraquecimento da estrutura do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, pois, quando da promulgação, a Constituição de 1988 nos tornou incapazes de fazermos a gestão orçamentária que era prevista para ser feita.
Para mostrar alguns números para os senhores aqui, para ver como a Embrapa ainda continua fazendo essa rede importante com a maioria dos atores desse sistema, que, por questões mais orçamentárias, acho que se enfraqueceu: com o setor produtivo, nós temos hoje, no modelo de inovação aberta, 178 projetos em parcerias diretas. Nessas parcerias, foram aportados em torno de R$122,5 milhões, e aproximadamente 86% desse montante foi aportado pelos parceiros do setor produtivo, pelos parceiros externos. No Governo Federal, aqui, cabe um agradecimento tanto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social quanto ao nosso Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq. Cumprimento o Professor Evaldo Vilela pela parceria que a Embrapa tem tido com o CNPq. Ao longo de uma década, o CNPq financiou mais de 550 projetos da Embrapa, totalizando cerca de R$53 milhões. E muitos, muitos desses projetos, em parceria com várias dessas instituições que compõem o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária.
Com as universidades, nós colaboramos ou já colaboramos com mais de 160 delas. Historicamente, a USP tem sido a nossa maior parceira, mas, recentemente, a Universidade Federal de Pelotas tornou-se a mais intensa em parcerias mais atuais. Em termos das nossas relações com as organizações estaduais de pesquisa, 70% do que nós fazemos acontece com três instituições: Epamig, Apta e Epagri, mas nós também ampliamos muito essa rede com parceiros internacionais. Hoje, nós temos vigentes mais de 40 projetos de parceria internacional, cujos principais países parceiros são França, Reino Unido e Estados Unidos.
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Nós temos também, estabelecemos e formalizamos isso mais recentemente na Embrapa, o estabelecimento do que nós chamamos Unidades Mistas de Pesquisa e Inovação, UMIPIs. Elas são estruturas, que nós concebemos, que consistem em alianças estratégicas firmadas entre a Embrapa e outras instituições, sejam elas públicas ou privadas, nacionais ou internacionais, visando atender as necessidades regionais ou territoriais, resolvendo desafios de pesquisa, desenvolvimento e inovação que sejam específicos ou mesmo temporários, mediante ações de cooperação técnico-científica, buscando apoiar a criação, a implantação e a consolidação de ambientes promotores de pesquisa e inovação.
Aqui nós temos exemplos de unidades mistas que nós temos vigentes. Uma das mais importantes que consideramos é a Unidade Mista de Pesquisa em Genômica Aplicada a Mudanças Climáticas, que é uma parceria entre a Embrapa e a Unicamp. Temos uma também na área de automação e sustentabilidade na agropecuária, que tem a parceria da UFSCar e da USP. Temos, como o senhor mencionou, a Ceplac. Acabamos de criar uma unidade mista, junto com a Ceplac, para trabalharmos, principalmente no Pará e em Rondônia, o cacau e as iniciativas de pesquisa, que estão crescendo muito na região Norte. E nós estamos também construindo novas, como por exemplo, estamos propondo a instituição de uma no Espírito Santo, junto com o Instituto Federal, com a Universidade Federal, estamos fazendo contato inicial ainda com as instituições, mas essa é uma demanda antiga de vários Deputados e vários Prefeitos do Estado do Espírito Santo. Apesar de já termos alguma atuação, principalmente em café, nós consideramos que esse Estado merece ter a presença da Embrapa, em parceria, já dentro dessa lógica que estamos discutindo aqui nesse Estado.
A nossa participação internacional se dá praticamente no mundo inteiro. Nós temos parceria com o Canadá, com os Estados Unidos... Aqui na América do Sul todos os países são parceiros da Embrapa. Na África, na Europa, na China, na Austrália, Japão, Coreia... Então, a nossa rede internacional é muito sólida e, para que os senhores tenham ideia, nós temos cerca de 151 acordos bilaterais estabelecidos com outros países, 47 países no total. São 127 instituições de pesquisa e participamos de seis acordos multilaterais entre três ou mais países.
Na cooperação científica, nós temos o que nós chamamos de Laboratório da Embrapa no Exterior, que são duas unidades que foram sediadas, uma nos Estados Unidos, no ARS/USDA, e a outra no Agropolis, na França, em parceria com o Cirad, que permitem um leque muito amplo da Embrapa em atuação internacional na fronteira do conhecimento científico.
Aqui algumas das instituições com as quais nós relacionamos no exterior, num programa que nós chamamos de Cientista Visitante, em que nós enviamos os nossos pesquisadores e nossos analistas de pesquisa para fazerem trabalhos de pesquisa, ganhando conhecimento, trocando experiência e fazendo intercâmbio de conhecimento com esses passeios.
Só para que os senhores tenham uma noção, em termos de contratos nacionais e internacionais, nós temos ativos hoje mais de 3,3 mil contratos nacionais, com parceiros privados e públicos, e mais de 186 internacionais. E, desses contratos e convênios, são cerca de 2 mil contratos e 1,4 mil convênios.
Bom, com relação ao PL propriamente dito, nós temos as seguintes considerações, Senador. Primeiro nós concordamos totalmente com a iniciativa de se reestruturar o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, incluindo os atores atuais e, eventualmente novos atores que surgiram desde a origem desse Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária. E aqui nós propomos que tenhamos a definição de um novo modelo de gestão. E, como base, propomos seguir orientações contidas no relatório que o CGEE produziu por demanda da Embrapa e de parceiros, que tem orientações bastante interessantes ali e que nós consideramos que são importantes de serem levadas em consideração.
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Com relação à coordenação do Sistema Nacional de Pesquisa, nós entendemos que não há mais necessidade de que a Embrapa faça esse papel. Nós já concordamos com o relatório do CGEE, no sentido de que nós podemos desenhar uma estrutura mais horizontal envolvendo as instituições que participam, o Estado brasileiro. E a proposta é que nós façamos uma discussão mais ampla desse novo sistema nacional, envolvendo todas as instituições que já participam dessas discussões desde o início, mais as novas instituições que poderiam vir a compor essa nova estrutura, esse novo modelo que nós estaremos desenhando.
Nós entendemos que o projeto de lei deva dar as orientações e diretrizes estratégicas, sendo que o modelo de funcionamento poderia ser proposto por portaria do próprio Ministério da Agricultura, que tem conhecimento, expertise em estabelecimento de políticas. Nós, como Embrapa, somos fornecedores de informações técnico-científicas para suporte à estruturação e ao fortalecimento de políticas públicas. Porém, esse papel obviamente deve ser de um ministério. E aqui a nossa sugestão, pela própria ligação direta que existe com o setor produtivo, o Ministério da Agricultura poderia fazer o papel de estabelecer um modelo de funcionamento junto com essas instituições para termos um desenho final disso.
E, claro, aqui é importante, Senadores, demais participantes, demais colegas, nós precisamos estabelecer qual será a forma de fomento dessa rede. Na minha visão e na visão da Embrapa, um dos principais motivos de nós não termos tido um sucesso intenso, porque nós temos um sucesso parcial, foi a nossa incapacidade de distribuir os recursos a partir da promulgação da Constituição de 1988. E, por não termos recursos estabelecidos de uma fonte específica para vir para a rede, nossas instituições acabam - vou usar um termo, vamos dizer, light - concorrendo por recursos públicos e outras fontes de recursos, quando nós deveríamos estar desenhando juntos as iniciativas para o sucesso dessa rede. Não nos cabe aqui voltar ao passado e saber quais foram as motivações de ela ter sido mais enfraquecida ou menos. São vários fatores, inclusive, o enfraquecimento das nossas agências de transferência de tecnologia que aconteceram em alguns Estados. Isso tudo ajuda a desestruturar. Portanto, fica aqui uma sugestão aos senhores de que nós pensemos... O próprio CGEE, no seu relatório, aponta algumas oportunidades de captação de recursos, mas nós precisaríamos ter algo destinado à rede e não a cada uma das suas instituições, senão nós acabaremos competindo, quando nós deveríamos estar trabalhando juntos, uma vez que o recurso que fomenta, principalmente as instituições públicas, é recurso público e acaba saindo do mesmo pacote.
Então, senhores, era isso que nós tínhamos a falar. Parabenizo-o aqui novamente, Senador Acir Gurgacz, por essa iniciativa e agradeço imensamente o apoio que o senhor e esta Comissão têm dado à nossa empresa. Um grande abraço a todos.
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O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós que agradecemos a sua presença e a sua explanação.
Passo a palavra agora ao Reginaldo Minaré, Diretor Técnico Adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). V. Sa. tem 20 minutos para fazer a sua explanação. Muito obrigado pela presença. (Pausa.)
O Reginaldo está conectado conosco ou não? (Pausa.)
Está, não é?
O SR. REGINALDO MINARÉ (Para expor. Por videoconferência.) - Bem, eu estava com dificuldade para abrir o som aqui, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Muito bem.
O SR. REGINALDO MINARÉ - Um bom dia, Senador Acir Gurgacz, na pessoa de quem eu cumprimento todos os Senadores presentes. Parabenizo-o pela iniciativa da audiência pública sobre esse projeto de lei, sobre esse tema, que é fundamental não só para o Brasil, mas para qualquer nação que queira se desenvolver e participar do mercado mundial no futuro. Agradeço o convite à CNA, em nome do Dr. João, nosso Presidente.
Enviei ao Senado uma apresentação - são seis no PowerPoint - e acredito que será breve, dentro do templo previsto.
Vou procurar compartilhar aqui... (Pausa.)
Não está subindo aqui. Vamos ver.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Está liberado, Reginaldo.
O SR. REGINALDO MINARÉ - Ela não está conseguindo carregar.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós aguardamos. Não há preocupação.
O SR. REGINALDO MINARÉ - Está ótimo. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Pronto! Está compartilhado.
O SR. REGINALDO MINARÉ - Maravilha!
Muito bem, o projeto de lei sobre o qual estamos dialogando é uma iniciativa absolutamente interessante, procura trazer para o universo da ciência e tecnologia não a construção de uma rede, porque a rede já existe. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Agropecuária no Brasil já está funcionando. O que o projeto traz é uma ferramenta para melhorar a interação desse sistema, talvez sistematizá-lo de fato, congregando todas as instituições que realizam pesquisas no campo da agropecuária brasileira. É uma proposta moderna, fala de uma plataforma digital, e precisamos mesmo ter essa ferramenta. O digital, hoje, é a ferramenta mais indicada para fazer esse tipo de aglutinação.
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O País é continental, temos uma série de instituições que realizam pesquisas e realizam excelentes pesquisas, como o próprio representante da Embrapa apresentou o que a Embrapa faz. Temos universidades, como a USP de Pirassununga, no campo da pecuária; temos a USP de Piracicaba; temos Lavras; temos Viçosa e outras tantas, no Sul, Norte e Nordeste, cada uma com a sua especialidade. Temos instituições fantásticas como CNPq, Capes, Fapesp e outras mais. E congregar isso, esse volume de talentos e de iniciativas, dentro de uma plataforma, nós entendemos ser bastante pertinente e muito interessante. Ao final, faremos até pequenas sugestões ao projeto.
A importância do projeto talvez a gente consiga vislumbrar melhor com uma passagem de um livro de Martin Heidegger em que - escrevendo uma carta a um colega dele, no Japão, Professor Kojima, e procurando responder uma pergunta que o Professor Kojima fez sobre o que significa a europeização do mundo; de onde vem esse domínio; de que retira o seu poder; qual o elemento que nele se apresenta dominador - Heidegger argumentou que, como característica mais evidente, apresenta-se a técnica moderna, que está na base da edificação da sociedade industrial. E, de fato, o filósofo alemão não deixa de ter razão; ao contrário, a técnica moderna é um instrumento que faz com que as principais nações invistam forte parcela dos seus PIBs, as grandes empresas inovadoras invistam significativa parcela do seu faturamento, seus lucros, na pesquisa, porque esse é o caminho que facilita a produção, que melhora a produção, que garante a produção e garante a competitividade. E isso é muito importante para o Brasil, não só no campo da agricultura, mas como Nação, como preocupação com o futuro da Nação. A agricultura pode até ir bem vendendo commodity, hoje e amanhã, porque é importante vender soja, mas, talvez, o País não vá bem vendendo soja e comprando iPhone. Esse é um ponto que passa por uma estrutura de pensamento de futuro da Nação e não só da agricultura.
Mas, como Heidegger disse, a técnica é a grande força do que o professor japonês chamou de europeização do mundo. E o termo "técnica" tem origem no grego téchne, que significa ter conhecimento na produção. O conhecimento não pode ser, simplesmente, recebido, como se recebe um objeto, visto que, entre a capacidade de fazer alguma coisa e a capacidade de saber fazer alguma coisa, é, em particular, o elemento intelectual e fundamental do saber fazer que tem que estar presente. E, aqui, nós temos um diálogo direto com as grandes universidades do País que preparam mão de obra não só para instituições como a Embrapa, como outras instituições de pesquisa, mas para as empresas e o setor produtivo de uma forma geral. São elementos importantíssimos. Os recursos humanos são, efetivamente, prioridade para o desenvolvimento do País. Estando nessa plataforma, certamente, enriquece o nosso ambiente, promove o espírito dos cientistas, contribui com essa reforma institucional que tem um potencial gigantesco para a promoção e o desenvolvimento dos talentos que temos, inclusive para incentivar novos jovens para essa área. Esse é um ponto importante. O PL aborda um tema fundamental, que é o estímulo ao desenvolvimento do saber fazer científico, do saber fazer tecnológico, e isso deve ser permanente. A técnica é fator fundamental para o desenvolvimento econômico das nações, e não só do setor produtivo, isoladamente. Então, parabéns pela apresentação do projeto e por essa série de audiências públicas, que, certamente, contribuirão não só com esse projeto, mas com vários outros que tramitam na Casa!
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Especificamente sobre o campo brasileiro. A CNA não representa desenvolvedores de tecnologia; a CNA representa consumidores de tecnologia. Os agricultores são grandes consumidores de tecnologia, investem bilhões em tecnologia todos os anos. Diferentemente, talvez, de uma fábrica, que tem o seu investimento concentrado em um local e pode noticiar que investe R$500 milhões, R$1 bilhão, R$2 bilhões no País trazendo tecnologia, os agricultores, de forma dispersa - são milhares -, fazem isso anualmente, investem bilhões em tecnologia, a agricultura, a pecuária, e são, sim, consumidores de tecnologia, e, sempre que a tecnologia tem um balanço positivo na planilha de custo do agricultor, o agricultor adota. O agricultor tem que ter esse trabalho de avaliar se a tecnologia desenvolvida é interessante do ponto de vista competitivo, que o custo/benefício dela é interessante. A partir daí ele adota a tecnologia.
Mas nós somos um país que tem um mosaico de agricultura. Muitas vezes, principalmente para o público urbano, quando a gente fala em agricultura, muita gente pensa em grandes fazendas, em grandes produções, e essa não é a realidade do País, mas uma parcela da realidade do País. O censo do IBGE, em 2017, contou 5,073 milhões estabelecimentos rurais. Destes, 90,6% são propriedades com menos de 100 hectares. As Regiões Sul e Nordeste estão até acima da média nacional. A Região Nordeste tem 95% de estabelecimentos com menos de 100 hectares e a Região Sul, 92,3%. E aí são menos que são 100 hectares. Pode ter 99, mas pode ter 5, pode ter 2, 10... Estão todos dentro desse pacote.
E cada agricultor precisa desenhar o seu modelo de negócio para procurar ter um rendimento pelo menos semelhante ao que ganha, por exemplo, um delegado de polícia, um consultor do Senado, da Câmara, um trabalhador da área privada. O agricultor, como empresário rural, é como o dono da padaria, o dono do restaurante, ou seja, ele tem que produzir, ter renda para bancar as despesas da sua família, educação dos filhos e o seu investimento na própria estrutura produtiva. Como desenhar o modelo de negócio? Qual tecnologia o agricultor vai adotar ou, primeiro, o que ele vai produzir para ter uma boa renda? Dependendo do tamanho da propriedade, ele não ganha com escala, ele vai precisar de muita tecnologia e de agregação de valor, talvez produzindo queijos artesanais, produzindo mel, produzindo cogumelo, produzindo carnes com cortes especiais, temperos, e ele precisa de variedades, genética, técnicas, ferramentas para implementar sua produção, principalmente dentro da pequena e média propriedade rural. Os grandes têm mais acesso, os grandes conseguem ter assistência técnica, conseguem analisar melhor o cenário; os pequenos têm uma certa dificuldade. Então, temos um universo gigantesco de desenvolvimento de tecnologias, desde conectividade, desde modelos de negócios, desde embalagens para produtos para esse universo de pequena propriedade, propriedades com menos de 100 hectares. É claro que para as grandes também precisamos de novas tecnologias, mas aqui estamos falando de um público em que muitos estão na baixa renda e até na pobreza, mesmo sendo proprietários rurais. Desses 4,5 milhões de estabelecimentos com menos de 100 hectares, 76% são estabelecimentos classificados como agricultura familiar, 79% dos estabelecimentos não receberam assistência técnica. Os 20% que receberam indicaram como principal fonte Governo Federal, estaduais e municipais e 30% iniciativa própria. Dos 5,073 milhões estabelecimentos, apenas 15% declararam que obtiveram financiamentos, empréstimos e garantias de preços. Aqui também tem um universo gigantesco para ampliar: ferramentas de linha de crédito, aplicativos, até mesmo a própria assistência técnica poderia ser robustecida porque talvez possamos até ter uma agricultura digital em vários aspectos, mas precisamos ter o agricultor digital também, ele precisa aprender a utilizar as tecnologias, precisa conseguir ter acesso às tecnologias. O censo nos trouxe outro dado: 72% das propriedades rurais do País estavam offline em 2017. Isso é um ponto importante, há um universo para ampliar a conectividade no campo brasileiro. Da data da coleta dos dados, já se passaram cinco anos, certamente vários proprietários conseguiram conectar pelo menos a sede de suas propriedades, a sua casa no campo, mas a área rural não mudou muito. Estamos ainda numa era offline no campo. Passou o 2G, o 3G, o 4G, estamos caminhando para o 5G e temos 72% do campo offline.
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Talvez já tenha melhorado um pouco esse indicador, mas não muito, porque o censo foi de 2017. Agora, no que diz respeito à cobertura da área, e não só à conectividade ali, com wi-fi dentro da propriedade, da casa da propriedade rural, certamente ainda estamos num patamar semelhante ao que estávamos em 2017. O projeto é extremamente interessante, como já disse. Tem o nosso apoio. Certamente vai ampliar o potencial de aproveitamento dos recursos, que não são muitos, evitar trabalho em duplicidade. Inclusive essa plataforma tecnológica poderá ser um verdadeiro banco de talentos para o nosso País, onde as pessoas possam encontrar um volume muito grande de informações dentro de uma única plataforma digital. A sugestão que nós apresentamos é que o PL, no art. 11-C, que dispõe sobre a estruturação da rede, poderia, em seu §1º, conter a exigência de participação das instituições que realizam pesquisas e desenvolvimento utilizando recursos públicos. Não deixar de forma voluntária. Mas nesse caso que utiliza recurso de qualquer ente federado, deveria, sim, haver essa exigência de colocar as suas informações dentro dessa plataforma digital que o projeto de lei propõe criar. Também no art. 11-C, sugerimos acrescentar um §6º, prevendo espaço na plataforma digital da rede para a disponibilização de tecnologias e processos já desenvolvidos e que ainda não contam com parceiros para fazer chegar o produto ou processo desenvolvido aos consumidores, que, nesse caso, em grande medida, serão os agricultores.
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Muitas instituições desenvolvem bons produtos, bons processos e não têm um braço comercial para colocar esses produtos no mercado. É o caso da Embrapa. Nós não temos um braço comercial da Embrapa que possa comercializar produtos com a marca da Embrapa, como se uma empresa de mercado efetivamente fosse. Isso é importante.
Não estamos propondo esse tipo de criação dentro da plataforma, mas simplesmente um espaço onde o desenvolvedor da tecnologia, que tem o produto, que tem o processo, encontre a outra ponta, que seja um investidor que queira colocar esse produto, esse processo no mercado, fazendo-o chegar aos agricultores.
Acredito que melhoraria muito o desempenho do aproveitamento daquilo que a plataforma propõe desenvolver, que é produzir inovação. Ao produzir essa inovação, é interessante levar essa inovação para o mercado. E certamente, dentro dessa plataforma, caberia muito bem um espaço para onde os fios se encontrem, onde o desenvolvedor de tecnologias e processos encontre o investidor que vai criar, desenvolver esse produto e levar esse produto, criar uma rede de distribuição para esse produto.
A rede de distribuição no nosso País é muito importante. Só dentro do Mato Grosso, a gente coloca duas Alemanhas e meia; dentro do Pará, a gente coloca uma França vírgula nove. Então, o nosso território exige uma rede de distribuição robusta, porque senão o produto não chega nos agricultores que estão distantes dos centros desenvolvedores. Então, são essas duas propostas que nós apresentamos, Senador Acir. Com relação ao modelo de gestão, nós pensamos até em propor uma forma compartilhada, mas esbarramos na possibilidade de tornar o projeto inconstitucional, porque, ao fazer sugestões na área da criação do modelo de gestão, nós estaríamos mudando o funcionamento de algum órgão público no Governo Federal, e aí me parece que a Constituição não permite que isso seja feito por via parlamentar. Talvez o projeto não tenha tratado desse aspecto, por conta dessa limitação constitucional. Porém, nada impede, e aí é constitucional, que, no decreto regulamentador da lei, quando sancionada for, o Presidente da República abra um diálogo com todos os integrantes desse sistema de inovação e encontre a melhor forma de gerenciar essa rede. Entendemos que o importante é que essa rede, dentro de uma plataforma digital, efetivamente, aconteça. E o projeto tem o mérito de fazer isso. Na regulamentação, certamente, a questão da gestão e, inclusive, do fomento poderiam ser debatidos de forma mais detalhada. Era o que tínhamos a comentar sobre o projeto. Agradeço ao Senador Acir e agradeço a todos que nos ouviram. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós é que agradecemos, Reginaldo, pela sua presença e sua bela explanação.
Passo a palavra, agora, para Evaldo Ferreira Vilela, Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). V. Sa. tem 20 minutos para fazer a sua explanação.
O SR. EVALDO FERREIRA VILELA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, quero cumprimentar aqui o Senador Acir e todos os demais Parlamentares que nos acompanham nesta iniciativa de hoje, neste evento; cumprimentar, também, os colegas de apresentação, em particular o Guy, que foi nosso aluno, lá em Viçosa, então, tenho lembranças do seu tempo lá, Guy; cumprimentar aqui, também, todos aqueles que nos acompanham, o público em geral; e parabenizar, Senador, essa iniciativa muito importante, tendo em vista a relevância atual que nós temos da agricultura brasileira, particularmente do agro, para o nosso PIB, para a nossa condição de Nação soberana.
Eu trago, aqui, um pouco da visão, obviamente, da ciência, por estar no CNPq, essa instituição estratégica para o desenvolvimento do Brasil e que, obviamente, como todas as outras instituições, tem sofrido muito com as transformações a que nós temos assistido dessa nova era digital e, principalmente, em função da pandemia e do chamado pós-pandemia com que, certamente, a gente terá que lidar. Nesse contexto, o que chama muito a atenção e que nos traz aqui com muita propriedade a discussão sobre o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária... Eu não trouxe nenhuma apresentação, porque eu quero ser enfático em apenas alguns pontos que são essenciais para que nós possamos revigorar, como já foi dito, o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária.
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Isso é um trabalho que não é só na agricultura. Nós estamos trabalhando a ciência brasileira, que é robusta. Em muitas áreas, como nas ciências agrárias, nós temos uma ciência que está entre as dez melhores do mundo, particularmente nas ciências agrárias, na matemática, na saúde, de uma maneira geral, e em outras áreas também, que são muito importantes.
Mas o que nos traz à mente aqui agora nessa discussão são questões que não podemos ignorar. O que vai fazer do Brasil uma Nação maior, uma Nação mais soberana... E nós precisamos trabalhar a questão da soberania tecnológica do Brasil, haja vista agora no caso da covid a gente não ter sido capaz de produzir, inclusive, respiradores artificiais. Hoje nós não produzimos antibióticos. Já produzimos no passado. Então, o Brasil carece hoje de uma plataforma tecnológica.
E isso na agricultura... Eu sou da área agrícola, então eu conheço um pouco o que acontece. Como já foi dito aqui, os nossos agricultores têm uma percepção muito clara daquilo que interessa a eles, o que é importante para eles. E eles absorvem isso com muita facilidade. Agora, nós precisamos ver que, inclusive por falta de um fortalecimento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, nós temos perdido protagonismo. As nossas tecnologias hoje no campo têm um componente externo ao Brasil muito forte, o que não é problema para o agricultor particularmente, porque ele usa a tecnologia, usa o conhecimento muito bem, é muito empreendedor. O agricultor brasileiro é fantástico no uso de tecnologias e de conhecimento, mas isso acarreta uma dificuldade para o nosso País.
Então, o que eu trago aqui é exatamente essa preocupação que nós estamos tendo no CNPq e na ciência brasileira de constituir redes, redes de colaboração. A palavra mais procurada nos dias de hoje é exatamente a colaboração. Redes colaborativas de pesquisa. É isso que está levantando a ciência mundial, fazendo com que ela tenha mais relevância. E quando a gente fala em redes de colaboração, nós temos que ver aqui... As tecnologias são importantes, as plataformas são importantes, mas é a condição humana, é o ser humano, é o pesquisador, e obviamente trazer uma substituição.
Então, uma rede de pesquisa tem que cuidar para que haja um espaço permanente de interlocução entre os pesquisadores e desses com a sociedade. Então, não é uma rede simplesmente de pesquisa, de fazer pesquisa e fazer publicação. É uma rede num conceito atual. Nós temos no CNPq um exemplo muito bem pensado, que são os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, os INCTs, que foram pensados lá atrás, em 2008, e que hoje são uma realidade. Nós temos 102, dos quais muitos da área de agricultura, e que trazem uma riqueza muito grande porque eles têm um fator humano, uma atenção às necessidades do pesquisador no processo colaborativo, onde eu tenho um pouco e usufruo um pouco do que você tem, e você também me oferece um pouco. Então, eu acredito que a rede de colaboração e o novo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária tem que se preocupar muito em dar confiança, em dar protagonismo a essa rede de pesquisadores, porque a partir dela nós conseguimos recursos. Nós não podemos ter a ideia de fazer uma rede e buscar recurso pra essa rede. É claro que nós temos que buscar recursos, mas a propriedade de termos a colaboração no início, no cerne da questão, resolve muito. Nós temos hoje redes colaborativas, dentro dos próprios INCTs, que sobrevivem com muito pouco. A pesquisa brasileira aprendeu a viver com pouco. Nós somos muito eficientes, muito resilientes, e isso é importante. Agora, a partir de uma rede que gera confiança, que tem um sistema de governança - isso é que é importante -, nós podemos alavancar recursos inclusive da iniciativa privada, não só dinheiro público, na iniciativa privada também.
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Agora, eu lembro aqui uma questão muito importante de ser trabalhada, que foi exatamente o início da agricultura tropical sustentável, que foi iniciada por vários e a própria Embrapa, lá no começo, mas que teve a concepção de Alysson Paolinelli, hoje um ícone da nossa agricultura tropical, que foi aquela pessoa que, lá atrás criou, sem que tivesse esse nome, uma rede de colaboração entre universidades e o início da Embrapa. A Embrapa foi criada inicialmente dentro de uma rede, que nem tinha esse nome na época, uma rede de colaboração. Nós conseguimos, naquele momento, aliar, fazer uma aliança entre a pesquisa que existia na universidade e a pesquisa que nascia na Embrapa. Isso foi o motivo maior, no meu entender, que alavancou a pesquisa agropecuária no Brasil, transformou as ciências agrárias no Brasil. E aí veio depois o sistema nacional, com recursos, o que foi muito importante. O Guy mostrou muito claramente a perda de protagonismo dessa rede, do sistema nacional, a partir da Constituição de 1988 e a perda de orçamento, que estrangulou o sistema e ele passou a ser pontual, como o próprio Guy mostrou. A Embrapa tem algumas parcerias, algumas alianças hoje, mas é um sistema que precisa ser revigorado. Por isso, essa iniciativa aqui do Senado é fantástica. É a hora do Brasil reagir nesse sentido. Agora é importante isso que o CGEE falou e que o Guy mostrou aqui: é preciso ter uma governança horizontal, plana. Isso aí é uma questão muito séria. Nós não podemos, na era digital pós-pandêmica ou pandêmica, querer buscar exemplos no passado, a não ser para uma reflexão, mas o que nós fizemos no passado está no passado, foi feito, ótimo, não serve mais. Hoje, se você não tiver uma de plana de colaboração entre pesquisadores, obviamente trazendo as suas instituições, não funciona. Não funciona. Não adianta você querer colocar esses pensadores, por uma questão legal, ou como queira, fazendo pesquisa junto. Não funciona mais assim. Hoje o mundo se transformou muito, a gente precisa prestar atenção nas modificações. Eu estou vivendo isso muito, como agência de fomento, espelhando no que as agências de fomento fazem lá fora, como elas fazem com que os pesquisadores e a sociedade participem de um processo de construção de conhecimento, onde não existe mais essa dicotomia entre pesquisa básica e pesquisa aplicada, onde o foco da pesquisa é na solução de problemas e o problema exige pesquisa básica, exige pesquisa aplicada, que é simplesmente o quê? Ele exige conhecimento - conhecimento já existente, que a pesquisa aplicada usa, ou conhecimento novo. Sem conhecimento novo, a gente não avança na inovação. Não existe isso. A gente precisa prestar muita atenção em como o mundo... O que aconteceu na China. O desenvolvimento da China foi todo centrado em ciência, uma ciência que nem conheciam e que aprenderam conosco, e fazem muito melhor do que a gente hoje, porque apesar do sistema autoritário, ditatorial, que eles têm, eles construíram uma coisa que é impressionante, como as redes de pesquisa funcionam com liberdade entre os pesquisadores - não liberdade política, que eles não têm, mas a liberdade de colaboração entre pesquisadores e instituições com foco na solução de problemas, porque o mundo hoje foca na relevância do trabalho de cada um. A relevância é que é importante. E, para ter relevância, precisa ter foco.
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Aí eu acrescento a outra coisa que eu gostaria muito de ver nessa iniciativa, que é foco. Por que a Embrapa deu certo? Por que a agricultura brasileira se tornou a agricultura tropical que não existia? Porque teve foco, porque teve um plano, teve planejamento. Naquela época, se fazia ainda muito planejamento. E Alysson Paolinelli concebeu, juntamente com Eliseu Alves, com outros da Embrapa, Cecília Lima, enfim, uma plêiade de pessoas, de intelectuais de altíssima qualidade, pessoas que pensam o futuro, que fizeram um trabalho essencial, de constituir aquilo que mais eleva a categoria humana, que é a colaboração. Então, eu deixo aqui uma questão que eu gostaria muito de ver nesse projeto, que é uma rede com uma governança horizontal, focada na colaboração, que pressupõe dinheiro, claro que pressupõe dinheiro. Não se faz ciência, não se faz tecnologia, não se faz desenvolvimento sem dinheiro, mas não é o dinheiro que faz a questão humana, e sim a questão da colaboração entre pesquisadores, entre intelectuais, a liberdade de contactar pessoas, ver a relevância das pessoas. Eu trabalhei muito, até chegar ao CNPq, com sistemas de startups e spin-offs trazidos de universidades. É impressionante como o mundo hoje valoriza o ambiente de trabalho, o ambiente de colaboração. Uma rede não pode ser criada sem levar em consideração a possibilidade de as pessoas conversarem, terem um ambiente. Isso é importantíssimo numa rede de colaboração. E aí, por trás de tudo isso, nesse plano, é ter um planejamento, um plano. Aonde nós queremos chegar com essa rede? Qual é o foco do novo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, que deve ser chamado de rede colaborativa de pesquisa agropecuária? Visando à inovação, claro - não se faz mais nada, não se faz ciência hoje sem focar na inovação -, porque a inovação é exatamente aquilo que traz o benefício para a sociedade. Não tenho a menor dúvida. Nós fazemos muita inovação hoje no agro brasileiro - nós estamos de parabéns por isso -, mas nós precisamos ver que estamos perdendo protagonismo em relação ao que vem do exterior e o que nós fazemos aqui. Isso é muito perigoso. A soberania tecnológica do Brasil está em risco em várias áreas, em particular na área da saúde e na área do agro. Nós precisamos reagir a isso, porque nós temos talentos - não faltam talentos -, nós temos resiliência, nós temos instituições fortes como a Embrapa, as universidades públicas. Temos um sistema que já deu muito certo no passado e que precisa agora ser revigorado dentro dessa concepção mais atual, prestando atenção que nós mudamos de era, não estamos mais na era industrial.
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Quando o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária foi criado, nós ainda vivíamos num sistema da era industrial, em que as relações eram diferentes. Hoje, nós temos relações completamente diferentes, de um protagonismo individual muito grande e de uma valorização muito grande dos talentos e do propósito. Uma rede tem que ter propósito e seus elementos constituintes têm que ter propósitos firmes de fazer avançar a pesquisa e a aplicação da pesquisa.
Aqui foi falada a questão do Vale da Morte, e é realmente uma questão muito séria, mas o Vale da Morte não será sobreposto, resolvido simplesmente com um decreto. Isso não existe. O principal problema do Vale da Morte é exatamente a falta de colaboração entre a pesquisa nacional e o setor e a dificuldade em alavancar investimentos, principalmente privados, porque aí você consegue transformar conhecimento em nota fiscal. Isso pressupõe confiança e uma rede nacional de pesquisa agropecuária nos moldes atuais, como existe por todo lado no mundo - a China é o exemplo maior hoje. E o CNPq tem os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que funcionam como redes colaborativas, inclusive com a iniciativa privada, e têm resultados fantásticos, só que os resultados não aparecem ao público porque muitas vezes notícias boas não são divulgadas, mas nós temos hoje indústrias dentro de universidades públicas no Brasil trazidas pelos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, como agora, por exemplo, na vacina. O Brasil vai ter a sua primeira vacina para covid graças à existência de dois Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que já são redes e que colaboram entre si. São redes que se sobrepõem, em determinados aspectos, e colaboram de uma maneira muito eficiente. Certamente será a vacina mais barata do mundo, a que nós estamos produzindo aqui, agora, no Brasil, e que vai sair até o início do ano que vem. Bom, eu finalizo aqui, mas com essa chamada de que nós precisamos de uma nova rede de colaboração que gere confiança entre os parceiros e que tenha uma governança completa. Como o Guy mesmo falou, o CGEE já apontou isso, não é uma questão de ter uma cabeça, como a Embrapa foi - deu muito certo, graças a Deus, no passado, mas deixou muito ressentimento por conta da aplicação dos recursos. Então, uma rede de governança plana, horizontal, tem uma transparência que o mundo exige hoje: o pesquisador quer saber muito claramente o papel que ele desempenha e o que ele obtém de recursos. Então, a transparência é absolutamente necessária numa rede como essa e ela vem através de uma colaboração, inclusive nos investimentos, e de uma discussão ampla de governança muito bem estruturadas. Eu fico por aqui. Agradeço muito a oportunidade de estarmos aqui, discutindo essa importância de uma rede colaborativa em pesquisa no setor agrícola do Brasil. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós é que agradecemos, Dr. Evaldo Ferreira Vilela.
Nós ouvimos já três palestrantes, e uma coisa que converge é planejamento. Ciência, pesquisa, tecnologia e inovação são muito importantes, mas realmente, de fato, como diz novamente o Dr. Evaldo, planejamento é fundamental para que a gente possa avançar, como outros países avançaram. No passado, esses países que avançaram mais do que o Brasil utilizaram o Brasil como exemplo, e hoje nós estamos fazendo o inverso, por isso que nós precisamos usar da tecnologia para progredirmos e atualizar as nossas leis para darmos condições para que os nossos centros de pesquisa possam avançar e ajudar a agropecuária brasileira.
Passo a palavra agora ao Dr. José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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V. Sa. tem 20 minutos para sua explanação. Se precisar de mais um tempo, como de costume, será concedido, evidentemente.
O SR. JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO - Eu só gostaria de saber se meu áudio está saindo perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Está bom, está bem.
O SR. JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - É um prazer enorme participar desta audiência pública da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal.
Na pessoa do Senador Acir Gurgacz, eu cumprimento todos os demais Senadores e participantes desta audiência e também cumprimento aqui os colegas de mesa, o Guy de Capdeville, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa; o Reginaldo Minaré, Diretor Técnico Adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil; e o Evaldo Ferreira Vilela, Presidente do CNPq.
Eu vou fazer uma apresentação, que vou compartilhar com vocês, e essa apresentação está dividida em duas partes. Eu não sei se vocês estão vendo. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Ainda não.
O SR. JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO - Ainda não?
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Agora está abrindo. (Pausa.)
Pois não, agora compartilhou.
O SR. JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO - Eu coloquei um título, "Sistema nacional de inovação agropecuária: instituições e recursos humanos".
Eu sou pesquisador do Ipea, professor de Pós-Graduação em Agronegócio da UnB e em Economia Aplicada da UFV.
A minha apresentação, como eu estava falando, está subdividida em dois blocos. No primeiro bloco, eu faço um retrospecto do que foi, ali na década de 70, a reestruturação da pesquisa. Eu vou falar brevemente e mostrar... Acho que a fala do Evaldo focou três questões que eu acho que são muito importantes: a primeira, instituições fortes - o Evaldo tinha comentado isso -; redes colaborativas; e planejamento. Eu acho que essas três coisas são importantes dentro desse contexto.
A minha fala em relação ao projeto de lei é mais em termos de defender, e talvez eu vá fazer algumas colocações no intuito de pensar o futuro, como deveria ser e como articular essa rede colaborativa.
Então, nessa primeira apresentação, um gráfico de curva de oferta e de demanda, em que o aumento da produção se dará de duas formas: seja um deslocamento da curva ao longo da curva de oferta, que seria um resultado de curto prazo, de eficiência duvidosa, em que a gente poderia inclusive ter aumentos inflacionários; seja um deslocamento da curva de oferta, que é um investimento de médio e longo prazo. Isso demanda investimento público e privado em extensão, ciência e tecnologia e isso pode ter resultados mais efetivos, inclusive com redução de preço. Basicamente, a formulação das políticas públicas nesse sentido, para fazer o deslocamento da curva de oferta, deve focar capital humano e mudanças tecnológicas. Isso valeu no passado e isso vale também nos dias atuais.
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A construção do sistema de pesquisa no Brasil. No passado, em finais da década de 60, o País passava por um crescimento muito vigoroso. Delfim Netto, Ministro da Fazenda, junto com Cirne Lima, Ministro da Agricultura, formaram um grupo de cientistas sociais com sólida formação econômica para pensar no problema: por que a agricultura brasileira, a despeito de ter um bom serviço de extensão e um avançado programa de crédito, não evoluía? Esse grupo era formado por José Pastore, Eliseu Alves, Aloísio Campello, Affonso Celso Pastore, Carlos Langoni e Guilherme Dias.
Entre 1971 e 1972, Guilherme Dias elaborou uma pesquisa de campo em que ele mostrou o seguinte: o estoque de conhecimento existente não seria suficiente para municiar extensão rural por mais de três anos na disseminação das tecnologias. Então, com esse estudo, rejeitou-se a tese de que havia tecnologia suficiente e o problema produtivo estava na ausência de difusão. Delfim Netto usou este argumento e outras evidências para apoiar a pesquisa pública. Então, em 1972, o grupo sugeriu a criação de um arranjo institucional de pesquisa e, em 1973, a Embrapa foi criada.
Por que a gente fala muito da Embrapa? Porque o setor agropecuário brasileiro, antes e depois da década de 70, são dois setores distintos. Antes a gente dependia exclusivamente de poucos produtos, economia pouco diversificada, havia um atraso tecnológico muito grande, e, depois da década de 70, a reestruturação da pesquisa, a extinção do antigo DNPEA e a criação da Embrapa e suas unidades descentralizadas e o foco na pesquisa, o que propiciou que houvesse um aumento exponencial da produção. Mais recentemente, depois da década de 90, a gente também tem um boom de crescimento muito grande, aliado a transformações institucionais que aconteceram.
Em 1974, Alysson Paolinelli é nomeado Ministro da Agricultura, e, apesar das mudanças de Governo, o caminho da mudança institucional continuou o caminho que havia sido traçado. Então, houve a consolidação da Diretoria da Embrapa (Irineu Cabral, Eliseu Alves, Almiro Blumenschein e Edmundo Gastal). É bom lembrar que - talvez o Evaldo tenha comentado - a criação desse sistema surge através de uma rede de pesquisa, então pessoas que já trabalhavam na área de extensão rural saem da extensão justamente para criar o sistema de pesquisa agrícola brasileiro na década de 70.
Os resultados. Primeiro, nós tivemos deflação dos preços dos alimentos ao longo do tempo, então, com a modernização agropecuária, verificou-se a expansão da oferta e a queda dos preços - talvez isso tenha sido o maior programa de redistribuição de renda no País desde a década de 70. Ao mesmo tempo, as políticas de substituição de importações, que visavam beneficiar o setor industrial, geravam uma tendência à valorização cambial que deprimia os preços dos produtos agropecuários exportados e beneficiava o processo de industrialização, em detrimento da agricultura. Na verdade, se o setor industrial compreendesse a reformulação que foi feita na década de 70, talvez a indústria também tivesse tido uma guinada ao longo desses anos, tal como nós observamos no setor agropecuário.
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A incorporação do Cerrado à produção foi a primeira entrega de alto impacto de investimentos em pesquisa da Embrapa. Com esse mapa aí a gente observa - década de 70, 80, 90, 2000 - que a produção agropecuária adentrou no Cerrado brasileiro, e hoje o Cerrado, que no passado era considerado uma terra improdutiva - inclusive alguns livros mostravam esse bioma de forma caricaturesca -, as árvores eram retorcidas, com baixa produtividade do solo, impróprio à produção agropecuária, hoje, com o uso de ciência e tecnologia, esse território foi incorporado à produção, o que beneficiou a expansão exponencial da oferta produtiva.
Bom, essa aqui é a história que todos nós já conhecemos: da década de 70 até hoje, a área plantada praticamente duplicou, ao passo que a produtividade triplicou. No ano passado, em tempos de pandemia, o agronegócio foi o único setor de atividade econômica que cresceu (2,5%), em detrimento da retração dos demais setores de atividade econômica (indústria, serviço e comércio). Em 2020, a participação no PIB estava estimada aí em torno de um quarto do PIB total do País, e no ano atual estima-se uma safra de 254 milhões de toneladas, algo muito próximo do que foi no ano passado. Em compensação, com os preços elevados, com a taxa de câmbio mais elevada, o valor bruto da produção aumentou a ponto de chegar a R$1,1 trilhão, a despeito também das secas e geadas que nós tivemos no presente ano.
O que motivou o sucesso da mudança institucional? Primeiro, a análise dos problemas com sólida base econômica - e aí eu, como economista, tendo a entender que a questão da base econômica foi central dentro desse planejamento - e a avaliação empírica para definir bons diagnósticos - o diagnóstico feito pelo Guilherme Dias justificou os investimentos em pesquisa agropecuária na década de 70 e depois. E o problema era muito claro: reduzir a dependência das importações e evitar o risco de desabastecimento interno de alimentos. E o foco era aumentar a produtividade agropecuária.
Então, era necessário investimento em capital humano: naquela época, na década de 70 e depois, havia programas de capacitação, e mais de 2 mil técnicos foram enviados ao exterior para fazer esse processo de transformação. Em conversa com o próprio José Pastore, ele comentou que lá em finais da década de 60 eles imaginavam fazer um programa de capacitação de 400 pesquisadores, mas ele nunca imaginava os audaciosos 2 mil pesquisadores com que a Embrapa fez na década de 70. A manutenção do orçamento público ao longo dos 15 anos, principalmente os anos iniciais, foi preponderante para o sucesso e as primeiras entregas, e os resultados, observáveis, com uma estratégia bem definida de divulgação. Esse acho que foi o panorama.
Nos tempos atuais, muda-se o contexto - não é? -, e aí eu acho que as questões das redes colaborativas são importantes.
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Então, pensando em talvez contribuir com essa discussão, primeiro, acho que a denominação deve mudar. Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária a gente pensava ali na década de 90, mas talvez, ajustando, a minha opinião seria Sistema Nacional de Inovação Agropecuária. Então, eu acho que a nomenclatura é muito importante.
Eu definiria também três estágios de coordenação dentro desse sistema. A gente teria um órgão superior, com entidades governamentais, organismos não governamentais e setor privado, lembrando: a Embrapa, dentro desse processo, é central, em toda essa transformação. A forma de redes colaborativas que o próprio Guy apresentou mostra que a Embrapa tem muito a contribuir dentro desse processo. Ela não seria uma única instituição a coordenar, mas ela tem papel central em termos de pensar e definir esse planejamento.
Em termos da inteligência estratégica, que seria um segundo ponto, a gente colocaria a Embrapa, e aí eu sugeriria a gente começar a pensar na criação de uma secretaria de economia agropecuária. Eu participei da equipe de transição do Governo entre final de 2018 e início de 2019, e uma das sugestões que eu havia feito na criação do novo Ministério da Agricultura era incluir um departamento de economia e avaliação de políticas públicas dentro da Secretaria de Política Agrícola. E eu acho o seguinte: diante da discussão do projeto de lei a que a gente está se referindo, eu acho que a gente tem que começar a pensar na estruturação de uma secretaria de economia agropecuária. Essa secretaria teria a função de elaborar, reformular e avaliar as atuais políticas públicas e, é claro, conciliar esse novo arranjo colaborativo com diversas instituições. Eu coloco aqui o exemplo do Ipea - mais para frente eu vou explicar como isso pode acontecer -, mas isso não se restringe exclusivamente ao Ipea, isso pode acontecer com outras instituições.
E o terceiro nível seriam as instituições executoras da pesquisa: Embrapa, organizações estaduais de pesquisa, instituições de ensino e pesquisa, e faltaram aqui também as instituições privadas, seja empresas, seja instituições de pesquisa, que também contribuiriam com essa análise.
O fomento. O fomento deve ser público e privado, e aí eu coloco duas palavras: otimização e complementação. Quando eu falo em otimização, refiro-me a, pensando no cenário de escassez de recursos públicos, pensar em soluções inteligentes para otimizar o gasto público. E a complementação é atrair cada vez mais o setor privado dentro desse processo. Para isso, é claro que a gente também tem que manter uma atenção: quanto mais a gente atrai recurso privado, a gente tem que entender que o Estado não pode também ser capturado pelas instituições privadas.
A secretaria de economia agropecuária. A Emenda Constitucional 109 inseriu, no art. 37, §16, a importância da avaliação pública, das políticas públicas. Não é possível... Vou dar um exemplo: vamos pensar em política de crédito, política de seguro. A gente sempre tende a demandar mais recursos, mas a gente não tem uma avaliação correta dessas políticas.
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Só para dar um exemplo: na questão do seguro rural, a gente não tem avaliação se a política de seguro está surtindo o efeito correto ou não. A gente verifica que são poucas empresas que estão dentro desse setor ofertando crédito, os beneficiários das políticas estão naquelas regiões onde os riscos são menores e a gente não tem as avaliações corretas dessa política pública. Eu não estou dizendo que a política de seguro é equivocada, mas eu estou dizendo que é importante ter a avaliação das políticas públicas a partir do momento em que os recursos são escassos e a gente tem que otimizar esses investimentos.
Então, é necessário definir o projeto, avaliar esse objeto e os resultados alcançados. A partir do momento em que nós tivermos as avaliações das políticas públicas, nós teremos condições de falar se a gente deve ou não aumentar recurso na política A, B ou C.
A equipe... Eu tinha mencionado que eu tinha sugerido a criação desse departamento, mas, infelizmente, no primeiro retorno que nós tivemos do Ministério da Economia para fazer um corte e um ajuste do orçamento, a primeira coisa que foi cortada foi esse departamento. É engraçado que a criação do Ministério da Agricultura fundiu diversos órgãos - sistema florestal, o antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário, enfim, várias instituições foram juntadas -, mas, no final, as caixas que vinham das outras instituições entraram dentro do sistema do Ministério da Agricultura e não tiveram reformulações como essa que eu estou falando.
Eu participei do Ministério da Agricultura nos dois primeiros anos e acho que uma das atividades muito louváveis foi a tentativa de se criar o observatório do setor agropecuário, com oferta e integração de base de dados; mas esse observatório também ainda não está em funcionamento. Então, mais um motivo, que é o seguinte: a criação de uma secretaria de economia agropecuária vai ser extremamente importante para fazer a elaboração, a reformulação e a reestruturação dessas bases de dados, que eu acho que têm muito a ver com a plataforma que o projeto de lei pretende criar e disponibilizar.
No que se refere à integração das bases de dados, é necessário repensar e democratizar o acesso às informações. Primeiro, IBGE, Bacen, e não somente INPI. Então, quando eu falo IBGE e Bacen, o IBGE tem uma sala de sigilo; essa sala de sigilo você só pode utilizar se você for ao Rio de Janeiro. Com as tecnologias a gente não consegue... As novas tecnologias poderiam permitir o acesso dessas bases via remota ou mesmo em outras instituições, como Ipea ou dentro do próprio MAPA ou mesmo da Embrapa, mas a gente ainda está no modelo arcaico de que a gente só pode ir ao IBGE. Qual é o problema disso? Nós não conseguimos cruzar diferentes bases de dados. Exemplo: no Banco Central, eu tenho base de dados de crédito, de seguro, mas não tenho base de dados de produção. Como eu vou avaliar política pública se eu não tenho dados produtivos que eu vou conciliar com as políticas de dispêndios? Então, a gente não consegue fazer a avaliação das políticas, logo a gente tende sempre, quando há demanda de aumentar recursos para política A, B ou C, a aceitar devido ao lobby que existe diante dessas políticas.
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Os novos arranjos colaborativos. Eu tinha mencionado o Ipea como um exemplo desses novos arranjos. Quando eu estava no Ministério da Agricultura, eu fiz a proposição da criação do núcleo de estudos de economia agropecuária, que era uma interação entre o Ipea e o MAPA. Foi uma ação muito bem-sucedida.
Primeiro, a Emenda Constitucional 95, conhecida como teto dos gastos, mostra a importância de a gente pensar em formas de equilibrar o gasto público por meio da sustentabilidade das despesas públicas, no intuito de reestruturar as despesas. A Emenda Constitucional 95 trouxe, então, nesse cenário, a restrição das despesas públicas com pessoal, as chamadas despesas de custeio, impactando as nomeações de novos servidores pelos órgãos públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Então, como pensar em estruturar uma rede colaborativa com otimização de recursos e complementação de novos? A complementação, como eu tinha falado, deve vir junto com as associações entre o setor privado. E a otimização deve vir através das avaliações que a gente faz, definindo as prioridades das políticas, mas também criando soluções inteligentes.
Esse modelo que foi criado junto com o Ipea foi um modelo que utilizou um orçamento muito enxuto. Nós contratamos praticamente oito, nove pesquisadores, e esses pesquisadores conseguiram oferecer, em menos de um ano, um novo diagnóstico do setor agropecuário. Esse novo diagnóstico foi lançado no final do ano passado junto com a Ministra Tereza Cristina. É um documento que pode ser baixado no site do Ipea, cujo título é "Uma jornada pelos contrastes do Brasil", que envolveu 28 capítulos, 64 pesquisadores ao todo, de diferentes instituições. Não tenho dúvida de que é um rico e profundo estudo sobre o setor agropecuário e posso dizer que foi um embrião de arranjo colaborativo bem-sucedido.
Eu também arrisco dizer que essa iniciativa foi um microambiente, mas, com o atual projeto lei em questão, iniciativas desse tipo com diferentes instituições podem alcançar um macroambiente. E aí eu não tenho dúvida de que a nova secretaria de economia agropecuária, junto com a expertise que a Embrapa tem, vai ser fundamental para organizar esse novo arranjo colaborativo.
Então, a gente pode facilitar o acesso de informações estratégicas, unindo a ideia do Observatório da Agropecuária dentro desse contexto, unindo a questão da integração das diferentes bases de dados de diferentes instituições, e assim vai, levando informação não somente do lado do gestor público, mas também dos agricultores em geral.
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Desafios - e aqui eu já parto para a finalização da minha apresentação - para se pensar o SNIA, que seria o Sistema Nacional de Inovação Agropecuária. É preciso haver um núcleo de economistas com sólida formação econômica no Ministério da Agricultura e dentro da Embrapa. E eu falo com a minha experiência: no Ministério da Economia e no próprio Ipea, instituição à qual eu pertenço, é necessário haver bons economistas com formação de economia rural. Às vezes, a demanda vem do Ministério da Agricultura, a gente não tem as avaliações correta das políticas, mas o Ministério da Economia, por também não compreender exatamente como as questões funcionam dentro da agricultura, tende a devolver os recursos para se fazerem as políticas e, no final, a gente gasta mais sem fazer o uso mais otimizado dos recursos. Remodelar o Sistema Nacional de Inovação Agropecuária deverá acompanhar uma ampla política de capacitação de pesquisadores em diferentes áreas, sobretudo em economia e áreas finalísticas que envolvem o setor agropecuário.
A captação de recurso, como eu já tinha falado, também visa buscar estratégias e soluções inteligentes, seja otimizando os recursos públicos de um lado e maximizando a atração de recursos privados de outro. Incluo aí não só recursos dentro do Território nacional, mas também facilitar o acesso a recursos externos.
Deve-se também pensar... É preciso evitar, pensando aí no projeto lei, que os projetos plurianuais e anuais não incorram em rigidez do sistema de pesquisa. A minha experiência que eu tenho com os planos plurianuais dos últimos anos: às vezes a gente enrijece e cria a sistemática mais burocrática, ao invés de permitir uma agilidade dentro da pesquisa agropecuária, que, em última análise, é o que a gente quer fomentar.
E é importante estimular a participação do setor privado, inclusive no financiamento, contudo a gente também tem que ter a atenção de que o Estado não pode ser capturado por interesses particulares.
E, por fim, eu acho o seguinte: tal como no passado, em que existiram aquelas várias lideranças, o próprio José Pastore, Delfim Netto, Cirne Lima, Alysson Paolinelli, entre outros que eu mencionei anteriormente, Dr. Eliseu Alves, fundamental dentro da criação da Embrapa e na consolidação da Embrapa ao longo dos 15 anos iniciais, a gente tem que promover novas lideranças dentro desse cenário. Enquanto a gente ficar rediscutindo o passado com as lideranças antigas, a gente não promoverá uma transição entre a atual sociedade e a sociedade do passado. Então, eu acho que as lideranças atuais devem ter consciência nesse sentido de que jovens pesquisadores devem entrar com maior participação nesse processo.
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Por fim, eu agradeço. Deixo aí meus contatos e minhas redes sociais no Instagram, no ResearchGate e no Telegram.
Agradeço a participação e fico aí aberto a questionamentos e qualquer contribuição que eu possa acrescentar nesse sentido.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós é que agradecemos, Dr. José Eustáquio, pela sua explanação e a sua presença junto conosco.
Passo a ler alguns comentários dos nossos internautas que participaram desta audiência pública.
Joel Martins, do Rio de Janeiro, diz o seguinte: "A tecnologia e inovação no agronegócio deveria ser disponibilizada para a agricultura familiar, seria uma [...] [simbiose] com a tecnologia".
O Jose Stenio, do Ceará, diz o seguinte: "No Brasil, são liberadas mais substâncias agrotóxicas que estão relacionadas ao aumento do câncer. Acesso ao orgânico e alimento saudável já".
E o Weverton Dias, de São Paulo, diz: "No Brasil, assim como em outras nações, [...] [dever-se-ia] investir em energias renováveis para o agro, visando um método orgânico desde sua concepção".
E o Joel Martins, do Rio de Janeiro, fala o seguinte: "Grande oportunidade de conciliar desenvolvimento com aumento de produtividade e minimização do desemprego e da insegurança alimentar".
São algumas perguntas que eu também peço para que os nossos debatedores possam escrever para oportunamente também fazer as suas colocações sobre essas perguntas.
A Pamella Ferreira, de Minas Gerais, pergunta: "Quais os benefícios que a inovação agropecuária vai trazer para a sociedade?".
E o Bruno Pires, de São Paulo, pergunta: "Em questão da tecnologia empregada nos meios agropecuários, [como o] Brasil se encontra [...] em relação a outros países de mesmo porte?".
O Brunno Phillipi, de Pernambuco, pergunta: "Qual benefício que a tecnologia tem a favorecer na exportação de produtos agropecuários?".
Katharine Fortunato, de Minas Gerais, pergunta: "Será desenvolvida alguma técnica voltada para melhorar a qualidade do solo e intensificar a preservação ambiental?".
Essas são algumas perguntas que nós recebemos dos internautas e observações feitas pelos mesmos.
Eu, mais uma vez, antecipadamente, ao final da nossa audiência, agradeço aos autores desse projeto, a Senadora Soraya Thronicke, o Senador Styvenson e o Senador Luis Carlos Heinze.
Agora, para fazer as suas colocações finais, as suas considerações finais, nós inverteremos a ordem. E, se, por acaso, algum de vocês quiser fazer alguma pergunta para os demais debatedores, fique à vontade.
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Para as suas considerações, passo a palavra ao Dr. José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, do Ipea, mais uma vez agradecendo a sua presença, a sua participação junto conosco nesta audiência pública.
V. Sa. tem cinco minutos para as suas colocações.
O SR. JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO (Para expor.) - Acir, eu coloquei aqui dois pontos, porque são várias perguntas e eu acho que, se for responder a todas, a gente poderia se perder. Então, vou pegar a questão da agricultura familiar, que muitos tentam entender que o desenvolvimento tecnológico não beneficia o pequeno agricultor.
Eu acho que a tecnologia, quando ela é disponível no sistema como um todo, beneficia o grande, o médio e o pequeno produtor.
Agora, os estudos que nós estamos fazendo no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostram o seguinte: lá no passado, havia uma atenção muito grande em relação à extensão rural e, depois, no período mais recente, a gente observa que a extensão rural não é o gargalo principal da difusão tecnológica. Os agricultores conseguem interpretar e entender essas informações que vêm do sistema e aplicar dentro do processo produtivo.
O importante talvez nessa equação é que os pequenos produtores são desorganizados. Então, talvez as redes colaborativas possam pensar em reestruturar formas organizacionais e produtivas coletivas - aí eu falo em associações produtivas e friso a importância do cooperativismo dentro desse processo. Aliado a todo desenvolvimento de novos conhecimentos que a plataforma vai gerar e ofertar ao público, eu acredito que a agricultura familiar vai ser beneficiada. Ela não será beneficiada se as imperfeições de mercado, por causa das questões de escala, não a permitirem adentrar dentro desses mercados.
E aí eu entro no segundo ponto, que foi o questionamento de um dos internautas: a questão das exportações. Por que é importante exportar? Ao exportar, você mantém os preços dos produtos num nível que remunera o investimento produtivo, ou seja, você aumenta a renda do produtor; e você contribui para que você tenha continuação desses investimentos ao longo do tempo. Agora, se você não tem o setor externo dentro dessa equação, aí a gente volta naquelas análises do Ruy Miller Paiva, que foi um colega meu do Ipea, que falava que existia um mecanismo de autocontrole e que esse mecanismo de autocontrole iria criar um problema de depreciação de preços. A inovação tecnológica simplesmente aumenta a oferta, e o aumento da oferta faz com que os preços caiam, mas a queda dos preços não consegue remunerar esses investimentos. Então, eu acho que a estratégia de adentrar os mercados externos, que são aqueles que remuneram melhor, é importante nessa equação.
Eu acho o seguinte: a plataforma que está sendo discutida, a organização do Sistema Nacional de Inovação Agropecuária, tem a contribuir com o sistema de forma a democratizar as informações e levar, inclusive diminuindo as imperfeições de mercado, ao ponto de o pequeno agricultor ser inserido nessa dinâmica.
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O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, José Eustáquio.
De fato, a agricultura familiar tem uma importância muito grande para toda a população brasileira e é necessário que o Governo passe a investir cada vez mais na agricultura familiar. É evidente que a exportação é muito importante para o País, mas produzir alimentos mais baratos para os brasileiros é ainda mais importante, principalmente neste momento de crise que atravessamos, não só o Brasil, mas o mundo inteiro. Investir na agricultura familiar para que possamos produzir mais alimentos com menor preço para a população brasileira é de fundamental importância.
Agradeço ao Dr. José Eustáquio por sua participação conosco.
Passando a palavra ao Dr. Evaldo, faço-lhe um questionamento: o que o Brasil investe em pesquisa, ciência, tecnologia e inovação é suficiente para atender aos interesses nacionais? Não é uma questão do Governo, mas uma questão de Estado. Não é este Governo ou aquele Governo, não é esse o ponto, mas uma questão de Estado. O Estado brasileiro investe suficientemente para que a gente possa ter as nossas pesquisas para inovação, ciência e tecnologia?
Passo a palavra ao Dr. Evaldo Ferreira Vilela, do CNPq.
O SR. EVALDO FERREIRA VILELA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado.
Não, Senador, não investe o necessário e o suficiente, e não em termos só de quantidade de recursos, mas um dos problemas que afeta muito a pesquisa brasileira, em nível federal e também estadual, é a falta de fluxo. Às vezes, nós temos recursos suficientes num dado momento, mas no ano seguinte aquilo desaparece, perde-se no tempo. Então, a falta de um planejamento, a falta de continuidade no fluxo de recursos... Porque uma vez que você para uma pesquisa, você não consegue continuá-la depois, você tem que voltar à estaca zero. Então, o dano causado ao desenvolvimento científico e tecnológico por falta de planejamento e por falta de continuidade de apoio é absolutamente crucial. E o Brasil hoje merece, porque ele construiu - aos trancos e barrancos, mas construiu - uma base científica muito forte nas universidades, na Embrapa, nos institutos, como o próprio Ipea, e nós precisamos aproveitar isso.
Agora, respondendo a uma das perguntas - e acho que o José Eustáquio foi muito correto nas suas afirmações com relação às tecnologias e à questão da agricultura familiar -, a tecnologia é extremamente importante, inclusive para nós levantarmos recursos para a agricultura familiar.
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Veja que, na Itália, por exemplo, a agricultura biológica floresceu de uma maneira espetacular, e baseada toda em produção de pequenos agricultores, na agricultura familiar. O potencial da agricultura familiar no Brasil para produzir alimentos de qualidade, inclusive na bioeconomia, é fantástico. Então, a tecnologia não favorece só as exportações - esse pode ser momentaneamente o caso -, sem tecnologia nós não iremos alavancar a agricultura familiar no nosso País. E existe essa possibilidade de produção biológica, dentro da bioeconomia, com potencial absurdo, enorme. Precisamos prestar atenção a isso.
Com relação ainda à tecnologia: a tecnologia é extremamente importante para produzirmos quantidade de alimentos e qualidade para os alimentos, principalmente dentro de uma vertente sustentável. A questão ambiental não vai desaparecer do horizonte, claro que não. Nós precisamos produzir com sustentabilidade ambiental inclusive, ambiental e humana, mas muito fortemente ambiental. E não é possível fazer isso sem tecnologia.
Lembro que a falta do alimento contribui muito para a mortalidade, para o óbito de pessoas, e também para guerras e migrações. As migrações a que nós assistimos hoje na Europa decorrem muito da falta de alimentos para as pessoas em seus países. Então, alimento, como Roberto Rodrigues sempre fala, é paz. Você não obtém uma sociedade com paz sem alimento. Então, a tecnologia tem a ver com a paz, tem a ver com a convivência pacífica entre os povos, porque gera condições para a produção de alimentos.
Eu quero, então, agradecer muito e louvar aqui esta iniciativa. Espero que a gente consiga restabelecer um sistema ou uma rede de colaboração nacional muito importante e que não seja muito burocrática. Acho que está no momento de a gente pensar como o mundo está pensando: eliminando passos burocráticos que muitas vezes só dificultam. Brasília tem muito esta característica de pensar o Brasil a partir de regras e normas estabelecidas aqui no Planalto sem observar o Brasil real. Isso cria muita dificuldade para o processo produtivo e para o processo de democratização das oportunidades para todos os brasileiros. Menos regras e mais colaboração, mais ênfase no foco, no benefício para a sociedade!
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós é que agradecemos, Dr. Evaldo, por sua presença e por sua explanação.
De fato, não podemos criar mais burocracia. Ao contrário, temos que diminuir a burocracia para que a gente possa avançar e usar toda a tecnologia a favor e não contra. Nós estamos recebendo nos próximos meses o 5G no Brasil e temos que usar toda essa tecnologia em favor da produção, em favor da melhoria da qualidade de vida, e a burocracia é uma coisa que não combina com a tecnologia, muito pelo contrário.
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Agradeço as suas colocações e também a sua presença conosco, que foi de muita valia para o nosso trabalho, para que nós possamos fazer esse relatório o mais rapidamente possível. Nós queremos receber todas as informações, as experiências e todas as sugestões possíveis para que a gente possa, de fato, fazer um relatório que venha trazer inovação e tirar a burocracia ao máximo possível para que os centros de pesquisas possam trabalhar com mais tranquilidade para trazer benefícios para o nosso País.
Passando a palavra para o Dr. Reginaldo, pergunto: como a CNA tem investido em ciência e tecnologia para ajudar a produção agropecuária brasileira?
Com a palavra o Dr. Reginaldo Minaré, da CNA.
O SR. REGINALDO MINARÉ (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador Acir.
A CNA, estando em Brasília, tem a sua rede distribuída pelo Brasil com as federações e mais de dois mil sindicatos atuantes. A gente funciona muito como uma ouvidoria no que diz respeito tanto à questão de necessidade de inovação quanto de assistência técnica. Ao receber esse retorno dos representados, nós procuramos as instituições de pesquisa - somos grandes parceiros da Embrapa e de diversas universidades - para levar as demandas dos agricultores por necessidade de inovação e também para verificar o que as instituições têm de produtos já na forja que poderiam ser disponibilizados aos agricultores.
Recentemente fizemos uma excelente reunião com a Embrapa Agrobiologia de Seropédica, no Rio de Janeiro, que tem ótimos produtos e processos desenvolvidos, mas alguns com dificuldade de encontrar parceiros para chegar ao campo. Este é um trabalho que vamos procurar fazer, e estamos já fazendo: procurar esse tipo de parceria para tirar esse produto da prateleira e levá-lo, de fato, para o campo. Esse é um exemplo rápido do que a CNA faz.
Agora, o que a agricultura faz de mais relevante é consumir tecnologia, e, quando a tecnologia é boa, o agricultor investe, ou seja, ele coloca o dinheiro dele no produto que foi desenvolvido, e isso faz o fomento da cadeia, isso é interessante.
Senador, com relação aos comentários que foram feitos, a gente fala sobre se essa tecnologia na agricultura vai trazer benefícios para a agricultura familiar.
Eu até arriscaria uma resposta bastante assertiva: a tecnologia vai ser a solução de hoje em diante para melhorar a renda e até a sobrevivência da agricultura familiar, a existência da agricultura familiar. Isso é necessário. O agricultor, para ele produzir em pequena área, tem que escolher um produto, tem que ter um bom modelo de negócio, tem que ter as melhores tecnologias e conseguir agregar valor. Temos que ter essa transição na agricultura familiar, temos que ter um gestor que entenda a necessidade de produzir com regularidade e com qualidade para ter a sua renda no campo como se estivesse trabalhando num ótimo trabalho na cidade. Isso é fundamental.
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Então, a tecnologia não vai melhorar, ela vai permitir a sobrevivência da agricultura familiar. E aí não se trata de tecnologia de grande envergadura, não, de química, física, talvez até no próprio processo, mas de como - usando a palavra "colaborativa", que foi utilizada e eu gosto muito dela - comprar insumos em grupo, em associação, como vender o seu produto em associação, como criar rede de venda, inclusive venda direta, com portais, não só individualmente, mas um grupo de produtores.
Isso tudo precisaremos levar ao campo, tornar o agricultor de fato um agricultor digital. O grande foco é a pessoa. A tecnologia é um detalhe que vai ajudar a pessoa, mas o grande foco é a pessoa, o grande foco é o cientista, não é a instituição, é o cientista, a pessoa. E o agricultor é assim, a agricultura também é assim, o agricultor precisa estar bastante capacitado. Então, o conhecimento e a técnica são fundamentais.
Liberação de uso de agrotóxicos: não foi excessivo. No Brasil nós temos um histórico de represamento de liberação de defensivos agrícolas. Tudo o que foi liberado nesses últimos anos, mais de 90%, são produtos genéricos, produtos que nós já utilizávamos aqui há mais de 20 anos, que já não têm nem proteção de patentes mais, e são produtos utilizados no mundo todo, porque, se utilizarmos um produto aqui que não é utilizado ou não tenha limite de resíduos estabelecido em outros países, nós não conseguimos exportar. Isso é fato. Então, o agricultor brasileiro utiliza o defensivo agrícola - ou o agrotóxico, como a lei o nomina - exatamente dentro daquilo de que ele precisa para proteger a sua lavoura, como fazem os agricultores do Japão, da Alemanha, da Holanda, da Bélgica, dos Estados Unidos.
A ciência e a tecnologia ainda não apresentaram à agricultura um produto que substituísse 100% o uso dos agrotóxicos. Se fosse assim, países como Alemanha, Estados Unidos e Japão, que estão na linha de frente da inovação tecnológica, não utilizariam esses produtos mais, mas eles os utilizam tal qual o agricultor brasileiro - muitos até mais, como é o caso do Japão.
A sociedade brasileira não precisa se preocupar com essa liberação. Ela está ocorrendo de forma absolutamente razoável e adequada, e o uso que o agricultor faz desses produtos é um uso extremamente consciente. É um produto caro, e o agricultor não utiliza esse produto além da necessidade, assim como todos os agricultores do mundo - não é um produto que utilizamos só no Brasil.
A Pamella Ferreira faz uma pergunta sobre os benefícios para a sociedade do uso da tecnologia na agricultura.
O benefício é gigantesco e começa com a geração de emprego especializado nos centros urbanos. A tecnologia é produzida nas universidades e nas empresas por pessoas, por talentos que nós temos espalhados pelo Território brasileiro. Então, o benefício começa com a geração de empregos especializados, continua com a rede de distribuição, com a rede de assistência técnica e chega ao agricultor, que vai produzir com mais qualidade, com mais regularidade, com mais garantia para assegurar a sua produção. Isso vai distribuir renda dentro da família e para os trabalhadores da agricultura. Então, é um processo fantástico, é uma indústria que o Brasil tem e que domina muito bem.
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No Brasil de hoje, eu diria que agricultura está para o Brasil assim como a indústria está para a Alemanha. Nós temos uma agricultura de padrão mundial que é um excelente mecanismo de distribuição de renda. Nas cidades onde a agricultura é forte há bastante vida, elas têm um fluxo de capital bem maior. Então, Pamella, é fundamental para o Brasil o desenvolvimento de tecnologias para fortalecer a nossa agricultura, principalmente as pequenas e médias propriedades, que poderão exportar também os seus produtos com maior qualidade e valor agregado.
O Bruno Pires fala de um estudo comparando outras nações, que mostra como o Brasil está nesse universo.
Olha, considerando os países que têm um padrão de desenvolvimento semelhante ao do Brasil, nós estamos, se não liderando, entre os que lideram no que diz respeito à evolução da nossa agricultura. Como já disse, a nossa agricultura tem padrão mundial, é uma excelente agricultura. E ela tem o respaldo das tecnologias que nos trouxeram até este momento e certamente vão fazer crescer muito ainda o setor.
O Bruno, de Pernambuco, comenta algo semelhante ao que a Pamella Ferreira comentou sobre o que a tecnologia na agricultura pode favorecer a sociedade.
Como já disse, isso gera renda tanto na cidade quanto no campo, distribui renda tanto na cidade como no campo, além de garantir a segurança alimentar em dois momentos: primeiro para que tenhamos um alimento seguro, como temos até agora e vamos ter no futuro, e, segundo, com a regularidade necessária. A segurança alimentar não é só termos o alimento seguro, mas é termos o alimento, é irmos ao supermercado e encontrarmos o alimento para comprar e levar para casa. Isso é fundamental, e nós estamos proporcionando isso. E, quando digo "nós", refiro-me a todos os envolvidos nessa grande rede de produção agrícola, não só o agricultor. Nós vamos ao supermercado e encontramos os alimentos lá.
Por fim, a Khatarine Fortunato fala sobre melhorar a qualidade do solo.
Esse é um ponto pouco falado no Brasil, mas o plantio direto foi uma revolução para o melhoramento do solo no Brasil. Antes se fazia a aragem da área a ser plantada, expunha-se o solo à erosão pela chuva e pelo vento, podendo até causar assoreamento em lagos, em rios e em nascentes. O plantio direto eliminou esse processo. O solo, além de ficar seguro sob a palha, tem sua microbiota muito enriquecida. Então, a tecnologia para melhorar o solo já está sendo utilizada e, certamente, ainda tem espaço para melhorar.
Os insumos biológicos estão ajudando. Por exemplo, grande parte da nossa soja já não utiliza ureia mais para que as plantas tenham acesso ao nitrogênio; temos a inoculação, que é um processo muito mais amistoso para o nosso solo. Então, temos, sim, essa preocupação, e o Brasil nesse ponto está muito à frente, está muito à frente.
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Outro ponto que nós temos que é fantástico no Brasil é a recolha de embalagens de agrotóxicos. Temos a melhor rede de recolha e reaproveitamento de embalagens de agrotóxicos do mundo. Isso é muito importante. E pouco se conhece sobre essa rede que nós temos. As indústrias de defensivos investem muito nesse segmento.
A nossa agricultura está sendo desenvolvida de uma forma robusta, de uma forma muito sustentável. E temos um universo para o futuro, principalmente no que a gente vem chamando de agricultura de boutique, que é aquela produção de produtos em menor escala, de produtos com alto valor agregado e que poderia diversificar a nossa pauta de exportação, como mel, frutas, lácteos, peixes e, inclusive, produtos como a castanha baru - poderíamos investir muito no desenvolvimento do cultivo dessa planta que é originária da nossa flora e que nos traz já um indicador de que temos, sim, um potencial muito grande de exploração dessa castanha.
Senador Acir, era o que tinha a colocar.
Já também agradeço ao Senador Styvenson, ao Senador Luis Carlos Heinze, à Senadora Soraya pela apresentação deste projeto e ao senhor, Relator da matéria, que solicitou e está conduzindo estas audiências públicas. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Nós é que agradecemos, Dr. Reginaldo Minaré, pela sua presença junto conosco e pelas suas explanações.
Passando a palavra para o representante da Embrapa, o Dr. Guy de Capdeville, faço uma pergunta: o que V. Sa. acha de a Embrapa ter um braço comercial para comercializar os seus produtos? V. Sa. tem a palavra.
O SR. GUY DE CAPDEVILLE (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador Acir Gurgacz.
Eu quero aqui, primeiramente, agradecer esta oportunidade e este convite para participarmos desta excelente audiência.
Eu quero cumprimentar aqui os colegas: o Reginaldo, da CNA; o Professor Evaldo Vilela, do CNPq; o Sr. José Eustáquio, do Ipea. Foram excelentes considerações. Eu acho que nós convergimos aqui com a maioria das ideias e das formas de pensar.
Eu gostaria de aproveitar a oportunidade para fazer dois comentários. E aí eu passo à sua resposta. Senador.
O Sr. José Eustáquio propôs a criação de uma secretaria de economia. Eu concordo com a ideia de que nós devamos ter no Ministério da Agricultura um grupo dedicado a isso, mas, na Embrapa, nós já temos um grupo bastante grande de socioeconomistas. E eu defendo a visão do Professor Evaldo Vilela: essa poderia ser uma iniciativa bastante interessante, mas estabelecida em rede, com parceiros de cada uma das instituições que comporão o sistema nacional de inovação agropecuária, como o José Eustáquio está chamando, e eu concordo com esse nome. Hoje em dia, o que nós fazemos, de fato, é o avanço no conhecimento para chegar à inovação. Então, eu defendo que isso seja trabalhado no formato de rede, com profissionais de cada instituição, porque isso abriria o leque de visão que nós poderíamos ter.
Senador, a Embrapa já vem fazendo uma série de movimentos - e aí eu faço também comentário ao que o colega Reginaldo falou - no sentido de termos a capacidade de fazer a gestão financeira de ativos gerados pela Embrapa. Nós acabamos de aprovar, na nossa diretoria e no nosso Conselho de Administração... E aqui cabe ressaltar que o Conselho de Administração tem dado um apoio enorme a esse movimento. Nós estamos estabelecendo um Núcleo de Inovação Tecnológica dentro da Embrapa que terá uma fundação terceirizada contratada para poder fazer a gestão dos royalties que a Embrapa capta com as suas tecnologias. Isso é um movimento completamente novo dentro da Embrapa, porque nós conseguimos... Ao contrário de, ao captarmos royalties, colocarmos isso na Fonte 100 do Governo - o que não retorna para a Embrapa, porque o teto orçamentário é estabelecido -, esse valor deveria ser adicional para que ele pudesse ser retornado para dentro da empresa, para dentro da Embrapa, que é uma empresa totalmente sem fins lucrativos. Isso é importante frisar. Porém, esse formato de termos captação de royalties em tecnologias produzidas pela Embrapa é o que vai fortalecer ainda mais a pesquisa agropecuária nacional. E aí o estabelecimento desse NIT... E nós já aprovamos a contratação, já foi validado pelo Conselho de Administração, de uma fundação que fará a gestão. Até o ano que vem, nós estaremos com esse modelo estabelecido.
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Outro ponto que eu citei aqui na minha apresentação é esse modelo de inovação aberto que nós fazemos com o setor produtivo. Hoje, nós temos um modelo de projetos que nós chamamos de projetos tipo 3, que são parcerias na lógica da inovação aberta em que nós, dependendo do porte do agricultor ou da associação que esteja nos procurando para resolvermos uma solução, talvez até pontual, de alguma demanda de um dado setor produtivo ou de um dado produtor rural... Quando se trata de grandes players, nós estamos num modelo muito similar ao modelo Embrapii, que foi estabelecido... Quando eu fui Chefe-Geral da Embrapa Agroenergia, nós aprovamos uma unidade Emprapii, e essa unidade Emprapii propõe que a gente divida em terços a relação financeira e de exploração de tecnologia, de desenvolvimento e exploração de tecnologias. Então, o parceiro comercial aporta até um terço ou no mínimo um terço; a Embrapa aporta um terço econômico, não financeiro, que é seu pessoal e infraestrutura, e aporta também um terço financeiro, com os recursos do orçamento Embrapa. Nós temos adotado esse sistema dividido em três para a agricultura familiar e para médios produtores, com essa contrapartida financeira da Embrapa. Com os grandes players, nós temos buscado não fazer essa contrapartida financeira, porque nós precisamos de um aporte mais robusto, uma vez que grandes players, em geral, têm demandas tecnológicas mais avançadas e mais complexas. Isso é importante de ser dito.
Então, nós estamos movimentando. Estamos fazendo uma série de movimentos para ver se conseguimos estabelecer fundos junto com o setor produtivo. Temos feito ações junto às câmaras setoriais do Ministério da Agricultura e até mesmo da CNA, que é uma grande parceira nossa agora. Temos intensificados fortemente as nossas iniciativas junto à CNA para desafios de grande porte. E isso é atendimento específico ao produtor rural.
Entretanto, cabe ressaltar aqui, senhores, que a Embrapa tem um papel estratégico de País que vai na direção do que o Senador Acir Gurgacz mencionou: da segurança alimentar. E aí entram os nossos programas de melhoramento. Os nossos programas de melhoramento... Hoje, o grande desafio que nós enfrentamos é lembrar... E, na Embrapa, nós temos buscado orientar nossa programação - inclusive, iniciamos um projeto corporativo dentro da empresa - em que estamos reavaliando e fortalecendo os programas de melhoramento pelo seguinte aspecto: são os programas de melhoramento que garantem a continuidade do agro nacional no padrão em que ele está. Os programas de melhoramento... Hoje, a minha grande preocupação, que eu tenho levado a nossas equipes, é: o que nós estamos fazendo para não ter que reagir às questões de mudanças climáticas e, sim, para antecipá-las? Senhores, alguém tem dúvida de que as mudanças climáticas já estão nos assolando? Olhem o que acontece na Califórnia, na Austrália, na Turquia: incêndios de larga proporção. Olhem o que está acontecendo no Brasil! O degelo das calotas polares: na região antártica, estão surgindo ilhas que nunca apareceram antes devido ao degelo. Está chovendo no pico da Groenlândia, quando não se tem recorte na história da humanidade de que tenha tido alguma água naquele local, a não ser gelo. Esses impactos, como os vulcões que estão em erupção jogando cada vez mais emissões, vão afetar a agricultura, afetarão a agricultura no perfil de pragas... O Professor Evaldo Vilela, um entomologista, é uma pessoa que conhece profundamente esse tema, e tenho certeza, Professor, de que o senhor comunga comigo: mudanças climáticas mudarão o perfil de pragas, mudarão o perfil de doenças. E as nossas cultivares estão preparadas para esse impacto?
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Uma colega do público pergunta: quais os benefícios da inovação para a sociedade? Eu vou dar um exemplo. Nós temos tido uma preocupação enorme, na Embrapa, com as questões de mudanças climáticas, porque nós somos, junto com as universidades, quem fará o trabalho que vai trazer as soluções para quando elas forem demandadas. E nós temos que estar prontos de forma preventiva e não de forma reativa. Nós descobrimos recentemente microrganismos que vivem associados ao mandacaru, que é uma cactácea, um cáctus muito comum na Região Nordeste, e essa espécie de bactéria que nós isolamos tem um efeito muito positivo no milho quando associada às raízes do milho para reduzir o impacto de períodos de déficit hídrico. Isso pode ajudar muito a estiagens que venham a acontecer, dada essa questão de mudanças climáticas. Quando nós falamos em bactérias fixadoras de nitrogênio, a famosa tecnologia FBN, em que a Embrapa vem evoluindo há décadas... Ela começou lá na década de 70 com a pesquisadora Johanna Döbereiner, mas hoje nós temos microrganismos combinando o efeito de fixador de nitrogênio que, só na cultura da soja, traz uma economia de seis vezes o orçamento da Embrapa por ano, ao se evitar a necessidade de adubação com nitrogênio. O BiomaPhos, que é outro insumo que nós acabamos de produzir, recupera aquele fósforo que foi usado na adubação e que fica imobilizado no solo. Esse microrganismo ajuda a diminuir a necessidade de adubação com fósforo. E fósforo é explorado do ambiente, ele é tirado do solo. E isso ajuda muito a mitigar esses impactos.
E aí eu faço a relação com a próxima pergunta: o que nós vamos fazer em termos de solo? O colega Reginaldo mencionou o plantio direto. Eu vou mencionar o programa que o Ministério da Agricultura, sob coordenação da Embrapa, lançou, que é o PronaSolos. O objetivo deste PronaSolos é avaliarmos, analisarmos e conhecermos o perfil, a química, a composição de todos os solos que compõem o sistema produtivo nacional. E vamos também, numa próxima etapa, estudar toda a microbiota de microrganismos que vivem no solo, porque, senhores e senhoras, quem faz a verdadeira fixação de carbono atmosférico no planeta são os microrganismos que vivem no solo, seguidos pelas plantas. Acreditem se quiserem. O grande estoque de carbono que nós temos está no solo. E esse trabalho deste PronaSolos terá um papel importantíssimo. E aí nós temos parcerias com CPRM e várias outras universidades. E nós teremos total controle e conhecimento sobre os nossos solos, podendo usar tecnologias como plantio direto, fixação biológica e várias outras para garantir a fertilidade em longo prazo. Então, isso mostra claramente a nossa preocupação. E, falando em agricultura familiar, a maior parte dos trabalhos que são feitos pela Embrapa é voltada para o pequeno e o médio produtor. O grande produtor hoje também se beneficia dos trabalhos da Embrapa, sem dúvida, mas eles têm acesso a tecnologias mais evoluídas que são conhecidas pelo setor privado. Empresas como Bayer, Basf, Syngenta são empresas que trazem tecnologia que a Embrapa tem olhado e não vai fazer ações de competição com isso, porque são movimentos de mercado que devem acontecer e são importantes para o Brasil. Agora, para a agricultura familiar, eu convido a todos a visitarem o Portal Embrapa e a Agência Embrapa de Notícias. É só entrar na internet e digitar: Portal Embrapa ou Agência Embrapa de Notícias. Lá os senhores verão uma série de iniciativas feitas para a agricultura familiar. Vou dar só um pequeno exemplo para concluir a minha fala. Nós estamos, na Região Nordeste do País, levando a integração lavoura-pecuária-floresta, que é enxergada muito como um sistema altamente sustentável de produção, mas não para os grandes: nós estamos trabalhando para os pequenos, para o agricultor familiar. E como é que a gente pensa isso? Vou dar um exemplo. Nós estamos fazendo um trabalho de integração com a macaúba. A macaúba é uma palmeira que muitos conhecem, que tem uma produção de óleo elevada que pode chegar até 4 mil quilos de óleo por hectare, mas ela é uma planta perene que demora de cinco a sete anos para produzir, para ficar em nível de produção comercial. Como um produtor familiar vai produzir uma planta desta, se ele tem que fazer os tratos culturais e, por sete anos, ele não vai ter nada retornando desse cultivo? Integrando com lavouras de ciclo curto, como o amendoim, como o milho, como a soja, como o algodão... Algodão, não, mas... Talvez até o algodão, mas outras que sejam de importância para a agricultura familiar, em que o produtor consegue ter a renda anual, consegue executar os tratos culturais, mas, quando essa planta se tornar produtiva, o big money chega para ele, quando ele terá volume de produção a ser vendido. E nós da Embrapa estamos trazendo outras soluções para agregar valor a essas cadeias, não só explorar a commodity, mas explorar o valor agregado - no caso do óleo da macaúba, produção de biodiesel, produção de diesel verde, os resíduos da macaúba para produção de nanofibras, para produção de açúcares, na lógica da produção de etanol de segunda geração ou de químicos renováveis.
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O nosso papel é desenvolvermos a tecnologia, o sistema de produção, ofertar a genética, mas, ao mesmo tempo, trazer outras soluções que possam agregar valor, trazer crescimento econômico para esses produtores rurais. E, com isso, fortalecemos ainda mais o nosso agro, que não é dependente única e exclusivamente do agro de exportação. O mercado interno é fortemente abastecido pela agricultura familiar nacional.
Senador, era isso.
Eu gostaria de agradecer imensamente esta oportunidade.
E gostaria de parabenizar os colegas: Reginaldo, da CNA; Professor Evaldo Vilela, do CNPq; e o José Eustáquio, do Ipea. Contem com a Embrapa, e a Embrapa conta muito com as suas instituições. Nós temos e acreditamos muito no que o Professor falou: o trabalho em rede. É isto que nós temos estimulado na nova administração da empresa: fazermos um trabalho em rede não só de instituições, mas rede de laboratórios e rede de pesquisadores, como nós temos, por exemplo, como o Professor Evaldo falou, nos INCTs do CNPq.
Obrigado a todos.
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Obrigado, Senador e demais membros da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária por esta oportunidade.
Ficamos à disposição para sempre que precisarem.
O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado a V. Sa.
Agradeço, mais uma vez, a todos os palestrantes: Sr. Guy de Capdeville, Reginaldo Minaré, Evaldo Vilela, José Eustáquio. Muito obrigado pelas suas presenças e pelas suas colocações.
Nós tínhamos destinado duas audiências públicas para instruir o relatório do PL 6.417, mas, em função de pedidos de várias entidades para que nós fizéssemos mais audiências públicas, nós estamos marcando mais uma audiência pública com este tema para a próxima quarta-feira.
2ª PARTE
EXTRAPAUTA
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE AGRICULTURA E REFORMA AGRÁRIA N° 9, DE 2021
Em aditamento ao Requerimento nº 03 de 2021-CRA e nos termos regimentais, requeiro Audiência Pública para instruir o PL 6417/2019 que “altera a Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, para dispor sobre o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Agropecuária (SNPA)”, com a presença dos seguintes convidados:
- Representante do Conselho Nacional das Entidades Estaduais de Pesquisa Agropecuária - CONSEPA;
- Representante do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE; e
- Representante do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Autoria: Senador Acir Gurgacz (PDT/RO)
Os Srs. e as Sras. Senadoras que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado o requerimento.
Agradecendo, mais uma vez, aos nossos convidados, também agradeço aos Senadores que participaram desta audiência pública: Senador Esperidião Amin, Senador Angelo Coronel, Senador Luiz do Carmo, Senador Roberto Rocha, Senadora Rose de Freitas, Senador Rodrigo Cunha, Senador Luis Carlos Heinze, Senador Nelsinho Trad e Senador Paulo Rocha.
Lembro que, na próxima terça-feira, nós teremos audiência pública da CRA junto com a CMA para debater o marco legal do licenciamento ambiental. Na quarta-feira, portanto, nós teremos outra audiência pública para debater este mesmo tema de hoje. E, na próxima quinta-feira, nós recebemos o nosso convidado o Presidente da Embrapa para fazer uma explanação sobre o trabalho que a Embrapa vem fazendo para o nosso País.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta reunião.
(Iniciada às 8 horas e 01 minuto, a reunião é encerrada às 10 horas e 25 minutos.)