01/10/2021 - 23ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

R
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 23ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública em atenção aos Requerimentos nºs 29, 30, 36 e 37, de 2021, da Comissão de Meio Ambiente, de minha de autoria e de autoria do Senador Zequinha Marinho, com o objetivo de avaliar a política nacional sobre a mudança do clima executada pelo Governo Federal, com ênfase nos instrumentos de prevenção e controle de desmatamento e queimadas nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, para identificar falhas de omissões e propor recomendações.
Esta é a segunda audiência desse ciclo de avaliação e, em função das agendas e da emergência apontada pelo último relatório do IPCC, precisamos ampliar as abordagens inicialmente previstas para os dois encontros num só. Na primeira audiência, ouvimos as contribuições das organizações civis socioambientais. Para o debate de hoje, convidamos representantes do setor privado e das instituições de pesquisa.
Eu vou ler aqui a lista dos nossos convidados, em ordem alfabética: Sr. Alexandre Berndt, Chefe-Geral da Embrapa Pecuária Sudeste, representando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária; Sra. Ane Alencar, Diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, representando o Sr. Paulo Moutinho; Sr. Carlos Nobre, Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo; Sr. Felipe Nunes, Pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais, representando o Sr. Raoni Rajão; Sr. Muni Lourenço Silva Júnior, Vice-Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
Também enviamos convite à Amata, mais precisamente à Sra. Ana Leite Bastos, mas ela ainda não está presente aqui conosco. Também foram convidados os Srs. Marcelo Brito, da Associação Brasileira do Agronegócio, e Márcio Nappo, da JBS.
Nós vamos iniciar - alguns estão tentando, com dificuldades, entrar - os nossos trabalhos, assegurando que, quando os demais entrarem, participarão normalmente da nossa audiência pública.
Essa reunião ocorre de modo exclusivamente remoto, por meio do sistema de videoconferências adotado pelo Senado.
R
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, e pelo telefone 0800-612211.
O relatório completo com todas as manifestações está disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada orador usará a palavra por até 15 minutos. Caso opte por usar material de apoio, será autorizado o compartilhamento da tela ao longo da exposição.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Senadores inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários em cinco minutos.
Para inscrição, usem a função "levantar a mão" no aplicativo ou registrem o pedido no bate-papo da ferramenta.
Solicito à Secretaria que, neste momento, abaixe todas as mãos, silencie os microfones e monitores as inscrições.
Vamos iniciar, então, aqui a nossa roda de debates com os nossos convidados. A gente vai aqui ouvir inicialmente o Professor Alexandre Berndt, que é Chefe-Geral da Embrapa Pecuária Sudeste, que representa, aqui nesta audiência pública, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Sr. Alexandre, o senhor tem o tempo de até 15 minutos.
O SR. ALEXANDRE BERNDT (Para expor.) - Bom dia, Senadora. Bom dia a todos os presentes.
Eu vou fazer uma exposição verbal aqui, bem rápida e objetiva, para começar os trabalhos.
Primeiramente, eu gostaria de agradecer à Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal pelo convite para participar desta audiência e trazer um pouco da experiência da Embrapa na busca de soluções sustentáveis para a produção de alimentos no País.
A Embrapa é uma instituição federal de pesquisa que cumpre o seu papel ao compartilhar informações técnico-científicas qualificadas para subsidiar discussões e permitir tomadas de decisões com base em ciência. Nós produzimos soluções para evitar o fogo e o desmatamento nos biomas brasileiros e trabalhamos para ofertar tecnologias sustentáveis para a produção de alimentos. A Embrapa faz um trabalho intenso de comunicar o que a ciência tem feito para contribuir em alto nível com a mitigação dos efeitos de mudanças climáticas e com aspectos relacionados à produção sustentável de alimentos. A Embrapa, provavelmente, é a única instituição de pesquisa brasileira com presença em todos os biomas.
A Embrapa tem alternativas para a produção sustentável de alimentos, como, por exemplo, tecnologias para agricultura sem queima na Amazônia ou corta fogo; o Projeto Tipitamba, que desenvolveu um triturador para evitar o processo de corte e queima; pastagens consorciadas com o amendoim forrageiro; pastagens nativas enriquecidas; a Fazenda Pantaneira Sustentável; enfim, várias tecnologias de produção sem desmatamento e em sintonia com o ambiente.
Eu gostaria de trazer aqui um destaque para as mudanças climáticas, cuja relação é direta com desmatamento e queimadas. É evidente o esforço de governos e empresas no sentido da descarbonização das economias. As mudanças climáticas são concretas, deixam seus impactos e reflexos em todas as regiões do País. Para impulsionarmos a produção sustentável, é fundamental a colaboração de políticas públicas, como o Plano ABC e o ABC+, com esforços privados, especialmente do setor financeiro, como fundos de governança social e ambiental, conhecidos como ESG, créditos de carbono e outros fundos verdes. Políticas internacionais como o Green Deal, europeu também, e sua estratégia "from farm to fork", com foco em agricultura, bem como em estratégias do Governo americano também para inovação agrícola, essas políticas têm forte impacto no comércio internacional, especialmente de commodities de ingredientes de rações para alimentação animal. Então, esses assuntos serão ampla e profundamente discutidos na próxima reunião da COP (Conferência das Partes), em novembro, realizada no Reino Unido.
R
Foi comentado brevemente aqui pela Senadora o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, divulgado agora em agosto de 2021, que destacou alguns pontos que vão afetar a produção de alimentos no mundo. Por exemplo, houve um destaque para os aerossóis, que são partículas muito finas emitidas pela queima de combustíveis. De certa forma, esses aerossóis estão contendo, freando o aquecimento global por constituírem uma barreira física para a radiação. Quando as economias passarem a adotar outros combustíveis mais sustentáveis, mais renováveis, a concentração de aerossóis na atmosfera deve cair e, provavelmente, o aquecimento global será potencializado. Nesse relatório também o metano entrou em foco, especialmente porque é um gás de vida curta, entre dez e vinte anos. Com a expectativa e a necessidade de uma intervenção imediata para a redução de emissões e o controle do aquecimento global, o metano, por ser um gás de vida curta, entrou em pauta e ganhou mais destaque, porque, se controlarmos o metano, não precisaremos esperar cem anos para reverter os efeitos do aquecimento, e esses efeitos seriam mais imediatos, em vinte anos.
Outro ponto importante que tem relação com a pecuária é o destaque para o metano, a emissão de metano global decorrente do potencial e possível descongelamento do permafrost, que é uma camada de solo orgânico que passa o ano todo praticamente congelado, principalmente no hemisfério norte, nos países como Rússia, Canadá e Alasca, e que, em função do aquecimento global, está descongelando. Nesse processo, a matéria orgânica entra em fermentação e produz uma quantidade muito grande de metano. Essa grande quantidade de metano liberada pelo descongelamento do permafrost aumentaria significativamente o aquecimento global, e isso traz junto a discussão sobre o metano da pecuária, porque o metano é o principal gás emitido pela pecuária global.
Existem diferentes instituições, associações, empresas discutindo critérios e diretrizes para uma produção de alimento de baixo carbono no Brasil e no mundo. Várias cadeias estão discutindo isso internacionalmente. Uma delas, que eu trago como exemplo aqui, é o trabalho da cadeia do leite junto com a FAO. Foi criado um comitê internacional no final de 2020, que conta com a presença de grupos como a Global Dairy Platform, da International Dairy Federation, da International Livestock Research Institute e da Global Research Alliance, que são instituições internacionais preocupadas em discutir e fortalecer os compromissos do setor de leite para alcançar a meta climática. Desse comitê também a Embrapa participa, compartilhando as suas informações técnico-científicas.
Para quantificar os fatores de emissão e o potencial de remoção de carbono em sistemas de produção, houve um grande esforço nas últimas décadas de diferentes instituições de ensino e pesquisa, entre elas a Embrapa, em todos os biomas brasileiros. Esse trabalho da Embrapa começou com a Rede Agrogases e depois foi continuado pela Rede de pesquisa Pecus, que determinou vários fatores de emissão. Os resultados dessas pesquisas estão publicados em diferentes formas, entre eles, artigos científicos, teses, dissertações, relatórios técnicos, resumos e congressos.
R
Em abril de 2021 agora, há pouco tempo neste ano, o Ministério da Agricultura lançou dois documentos com coletâneas desses resultados de pesquisa com fatores de emissão para a agricultura e a pecuária brasileiras. Esses documentos foram escritos em linguagem acessível para técnicos de extensão e produtores e estão disponíveis no site do Ministério da Agricultura. Nessas coletâneas, é possível encontrar fatores de emissão para sistemas de produção em todos os biomas, inclusive Amazônia, Cerrado e Pantanal, que são focos desta audiência.
Eu encerro aqui esta fala inicial destacando que a Embrapa desenvolve várias tecnologias para a produção sustentável de alimentos no Brasil.
Fico aqui à disposição para responder as perguntas no momento da discussão.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Sr. Alexandre, pela sua participação.
A Ane já está presente conosco, então, nós vamos...
Ane, a gente está aqui seguindo a ordem alfabética.
Agora, com a palavra, a Ane Alencar, que é Diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, que representa aqui, nesta audiência pública, o Sr. Paulo Moutinho.
Ane, você tem 15 minutos.
A SRA. ANE ALENCAR - Bom dia, Senadora.
Eu gostaria de mostrar alguns eslaides. Então, vou compartilhar a minha tela. Tudo bem? (Pausa.)
O SR. AIRTON LUCIANO ARAGÃO JÚNIOR - Está autorizado, Ane.
A SRA. ANE ALENCAR - Ótimo. Obrigada. (Pausa.)
Vocês estão vendo ou ainda não?
O SR. AIRTON LUCIANO ARAGÃO JÚNIOR - Ainda não.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Ainda não.
A SRA. ANE ALENCAR - Então, deixe-me tentar de novo. (Pausa.)
E agora?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Agora sim, estamos vendo.
A SRA. ANE ALENCAR (Para expor.) - Está ótimo.
Primeiramente, gostaria de agradecer o convite em nome do Dr. Paulo Moutinho. Eu sou sua colega de instituição, mas eu venho trabalhando diretamente com esse tema, principalmente de fogo, de incêndios, de queimadas e desmatamentos na Amazônia.
Vou fazer um recorte para o bioma Amazônia dos dados que a gente tem observado, das análises e das pesquisas que a gente tem desenvolvido na região.
Começo aqui por este dado do MapBiomas Fogo, que a gente lançou no início de agosto para todo o Brasil. Este dado revela uma coisa muito importante: em 36 anos, de tudo o que queimou no Brasil, 41% queimaram na Amazônia. E a gente se pergunta: como? Porque a Amazônia, a Floresta Amazônica, naturalmente, é um bioma sensível ao fogo, não deveria ter fogo naturalmente se não fossem o ser humano e as suas ações atuando sobre o bioma. Então, hoje, quando a gente olha para o Brasil, 41% do que foi queimado nas últimas três décadas ocorreram nesse bioma. Isso representa cerca de 16% do bioma.
A gente fica com essa informação, e vamos trabalhar uma coisa conceitual, que é bem importante para a gente entender o fogo na Amazônia. Não existe fogo se não tivermos uma consonância destes três elementos: condições ambientais favoráveis, material combustível suficiente e de qualidade para queimar e fonte de ignição.
R
No caso da Amazônia, a gente pode ter condições ambientais que favoreçam o espalhamento e a ocorrência do fogo, essas condições ambientais podem gerar condições em que o material combustível fique de qualidade para queimar, mas as fontes de ignição são humanas. Então, isso é superimportante, Senadora e demais Senadores, porque, se a gente quiser conter o fogo na Amazônia, a gente tem que conter a fonte de ignição, tem que conter quem risca o fósforo.
Aí, nesse sentido... Claro, existem vários outros tipos de fogo, mas eu estou falando dos principais tipos de fogo na Amazônia, que a gente classificou aqui em três: o fogo que segue o desmatamento, o fogo que é usado como manejo agropecuário para limpeza de pastagem, e esses dois tipos de fogo geram um terceiro, que são os incêndios florestais.
Enfim, ao que isso nos leva? Onde estamos hoje em relação ao desmatamento e ao fogo da Amazônia? Eu trouxe aqui os últimos dados, os dados, enfim, a que eu tive acesso até ontem.
Os dados de cima representam a curva de focos de calor que representam o fogo ativo. E o vermelho mais escuro é 2021. Então, a gente tem uma curva muito parecida, no caso do fogo, com o que aconteceu em 2019, um pouco menor e atípica no que diz respeito a 2020 para setembro, mas, se vocês olham os outros anos, a gente também ainda está com um nível alto de fogo.
No caso do desmatamento, apesar de ter havido uma redução em agosto e provavelmente uma redução agora em setembro, que é essa linha pontilhada, porque ainda não fechou o mês nos dados do Deter, quando a gente olha o acumulado do ano, a gente vê que a curva está muito próxima ao que aconteceu em 2020 e 2019 e muito diferente dos outros anos.
Isso significa, no caso do fogo... Vamos falar do fogo primeiro. Esses são os dados de focos de calor de janeiro a setembro nos últimos cinco anos. E a gente vê que 2021 está mais baixo do que 2020 e 2019, mais alto do que 2018 e um pouco mais baixo do que 2017, que foi um ano de uma, vamos dizer, ressaca de uma seca superextrema que ocorreu desde o final de 2014, 2015 e 2016.
Para mostrar para vocês o que será que está acontecendo, por que o fogo reduziu, aí eu tenho que dizer para vocês que, na minha opinião, infelizmente ou felizmente, nesse caso... E infelizmente porque a gente não sabe qual é o papel do Governo, mas felizmente porque a gente viu que por questões divinas a chuva ajudou bastante. Esta é uma diferença entre os mapas: uma anomalia de chuva para 2021 no mapa de cima e uma anomalia de chuva para 2020 no mapa de baixo. Então, vocês veem que tem muito mais azul na Amazônia, o que significa uma anomalia com áreas que tiveram mais chuva. E é justamente a parte da Amazônia que começa a queimar agora, mais para o final de setembro. A chuva, de fato, teve um impacto considerável na redução do fogo.
R
No caso do desmatamento, a gente já não pode dizer a mesma coisa. Claramente, nós estamos num outro patamar de desmatamento a partir de 2019, consolidando aí 2020 e 2021. Esses são os dados do Deter ajustados para o período do Prodes, de agosto a julho. E a gente vê o quanto que esses desmatamentos têm aumentado em tamanho também. Eu peguei essa foto do site do MapBiomas Alerta, que mostra os desmatamentos na região de Lábrea, por exemplo, numa das vicinais de Lábrea, em que foram mais de 3 mil quilômetros quadrados em dois anos. Assim, são desmatamentos muito grandes.
E aí não há como a gente entender o desmatamento e o fogo se a gente não entender onde é que eles estão acontecendo. Quando a gente olha para a Amazônia como um todo, quando a gente pega o bioma, metade do bioma - que está em verde, aqui nessa pizza - são áreas protegidas, terras indígenas e unidades de conservação; cerca de um quarto são imóveis rurais e assentamentos; o outro quarto são terras públicas, entre florestas públicas não destinadas e áreas sem uma informação cadastral clara. Quando a gente olha os dados de 2019 para fogo e desmatamento e 2020 para fogo e desmatamento, a gente vê que a maior parte do fogo e do desmatamento - pelo menos 50%, metade, um pouco mais da metade - ocorre em terras públicas. Isso não deveria ser aceito pela sociedade brasileira! E, quando a gente olha o dado pelo menos até junho de 2021, a gente vê que esse dado está aumentando e está aumentando em florestas públicas não destinadas, principalmente. Então, é muito... Se a gente fechasse os olhos para o que ocorre nos imóveis rurais e nos assentamentos e lidasse com desmatamento e fogo somente em terras públicas, ou seja, só combatendo a ilegalidade, a gente chegaria à mínima taxa de desmatamento que nós tivemos em 2012, cerca de 5 mil quilômetros quadrados. Então, isso é muito importante, Senador, isso tem que estar no topo da cadeia das prioridades, para o combate do desmatamento e do fogo na região.
E aí, quando a gente olha onde isso está acontecendo em termos de domínio fundiário, grande parte do desmatamento está ocorrendo em terras públicas federais. E isso também chama a atenção, porque, nos Estados, de uma certa maneira, isso está sendo controlado.
E aqui, quando a gente olha para as terras indígenas... E eu trouxe isso, porque eu acho superimportante mencionar que, apesar de o desmatamento em terras indígenas ser um pequeno percentual do desmatamento da Amazônia, esse desmatamento é bem concentrado em algumas terras indígenas. Então, a gente olha que, de todo o desmatamento que ocorreu em terras indígenas, 70% ocorreram em dez terras indígenas. Então, é muito concentrado. É um pouco mais, 50%, dos focos de calor.
E algumas dessas terras indígenas estão sofrendo com garimpo ilegal, exploração madeireira ilegal, invasão de terras ilegal.
E aqui, trazendo um pouco a história do garimpo, com recorte aqui para TI Kayapó... Esses são dados do MapBiomas Mineração, lançados também em agosto. E a gente vê o aumento do garimpo ilegal em terras indígenas, mostrando aí neste gráfico abaixo. E a gente consegue ver aí, nesta animação, o quanto o garimpo estava aumentando no final da década de 90; na década de 2000, começou a diminuir; e aí, no final da década de 2010, a gente vê o negócio crescendo de novo. Então, há um incentivo muito grande à mineração em terras indígenas e unidades de conservação também.
R
Uma outra coisa que chama atenção e que grita - e é importante que as terras indígenas passem logo por todo seu processo de homologação - é que, em muitas terras indígenas, está havendo muito CAR em sobreposição com terra indígena. Esse é o caso da Terra Indígena Ituna/Itatá, que está aí no top 10 das terras indígenas mais desmatadas da Amazônia. Quando você olha para o dado de CAR nessa área, em 97% da terra indígena, há CAR em sobreposição com terra indígena.
Passando para as unidades de conservação, também é um processo muito localizado nesta região da BR-163, da Terra do Meio. E aí eu trouxe aqui para vocês uma foto da Flona do Jamanxin, na região da BR-163, mostrando o quanto o desmatamento está entrando dentro dessa floresta. Esse é o desmatamento de 2019-2021, também do Mapbiomas Alerta.
Por fim, eu acho que o mais importante é a gente olhar para as florestas públicas não destinadas. Quando a gente pega o escopo do total das florestas públicas não destinadas, a maioria é estadual - 56%, estadual; 44%, federal -, mas, quando a gente olha para o desmatamento, a gente vê claramente aqui neste gráfico que deu uma subida de 2018 para 2019, permanecendo alto em 2020, e que grande parte desse desmatamento ocorre em florestas públicas não destinadas federais. O desmatamento que ocorreu nessas áreas ocorreu principalmente em áreas de sobreposição com o CAR.
Esta é uma foto de uma área que a gente sobrevoou há umas duas semanas, mostrando esse processo de ocupação ilegal de terras públicas, muitas com o CAR, como eu mostrei anteriormente, mostrando aqui, por exemplo, o processo de cadastramento, o aumento dos cadastros de CAR nessas áreas públicas. Aqui a gente vê por tamanho. E parte disso em áreas federais.
Para finalizar, a gente trouxe algumas recomendações que são bem importantes. E eu as dividi em dois grupos.
Um grupo eu até coloquei em vermelho para destacar, porque eu acho que é a prioridade da prioridade, prioridade zero. É de fato investir no comando e controle inteligente. Isso pode reduzir mais da metade do desmatamento e do fogo, como a gente viu nos dados. É o resgate do PPCDAM. É importantíssimo o desmatamento passar a ser uma prioridade para este Governo. E eu não estou dizendo nem só para conservar florestas; eu estou dizendo também para conservar a reputação do nosso agronegócio. E também é apoiar as pautas dos povos de comunidades tradicionais, que têm um relacionamento mais harmonioso com a floresta.
R
Para isso é preciso fortalecer e articular melhor as agências de comando e controle, com lideranças muito claras, com processos de fiscalização e operações mais permanentes. Que essas operações, o resultado delas, tenham uma transparência para a sociedade, para as pessoas ficarem atentas: "Olha, está rolando investigações, uma investigação...". E o combate ao crime organizado, que vai muito além do roubo de terras: existe tráfico de drogas, existem comercializações ilegais, entre outras coisas.
A destinação de florestas públicas é fundamental para áreas de produção sustentável; e cancelar o CAR nessas áreas; e também uma agenda positiva que inclua a consolidação das áreas protegidas, economias de base florestal, conservação dos ativos privados, implementação, de fato, do Código Florestal, suspender o CAR nessas áreas, em áreas que desmatam reserva legal e APP; e, por fim, apoiar economicamente e prover assistência técnica para os assentamentos na linha de produção sustentável.
Obrigada e estamos aqui disponíveis para perguntas e respostas.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Ane. Excelente contribuição e preocupante. A gente vê os dados, e realmente isso nos faz fazer a grande reflexão de que a gente precisa fazer muito pelo nosso País.
Vamos agora aqui, com o Carlos Nobre, que é Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - o Professor Carlos Nobre.
Antes eu queria cumprimentar, de forma muito especial, a querida Senadora Zenaide Maia, que está nos acompanhando. Que Deus te abençoe! Uma Senadora muito atuante, muito presente, muito dedicada e médica muito competente.
Quero cumprimentar também o nosso Presidente Jaques Wagner, que é Presidente da Comissão de Meio Ambiente, e agradecer pela confiança que ele nos dá para a condução desta audiência pública.
Com a palavra o Professor Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
Professor, o senhor tem 15 minutos.
O SR. CARLOS NOBRE (Para expor.) - Bom dia, Senadora, um bom dia a todos.
Eu vou complementar bastante o que a Ane falou no sentido de que eu vou olhar mais os aspectos climáticos e os riscos que a Amazônia vem sofrendo.
O relatório do Grupo de Trabalho 1 do IPCC, lançado em agosto, demonstrou claramente que o que nós estamos vendo, o aumento da frequência dos eventos climáticos extremos, ondas de calor, secas, queimadas, inundações, entre outros, já ultrapassou e muito o que seria a variabilidade natural do sistema climático. E é decorrente, sim, do aquecimento global, resultado das emissões antropogênicas dos gases de efeito estufa.
E o que nós estamos vendo realmente acontecer, com um aumento muito preocupante desses eventos climáticos extremos, na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal, no planeta todo, isso é, em primeiro lugar, resultado dessas mudanças climáticas globais.
Cito alguns dados aqui.
Na Amazônia, secas extremas em 2005, 2010, 2015 e 2016, que causaram aquelas enormes queimadas em 2016 e 2017, que a Ane mostrou, e de novo uma megasseca em 2020.
Inundações em 2009, 2012, 2017 e 2021. Recorde histórico do nível de vazão do Rio Solimões e do Rio Negro em 2021.
No Pantanal. Secas, no sul do Pantanal, em 2019; secas recordes em 2020 e 2021, com enorme número de áreas queimadas em 2020 e também em 2021.
R
No Cerrado foi essa megasseca de 2021, 2020, com um recorde histórico também no Sudeste e no Centro-Oeste neste ano e também no sul do Brasil, com secas consecutivas em 2020, 2021.
E, no Nordeste, nós tivemos a maior sequência de secas de 2012 a 2018, sete anos de secas consecutivas.
Então, muito disso tem a ver com as mudanças climáticas globais. Então, é importante destacar isso, porque nós temos que criar políticas de convivência com esta realidade que é a mudança climática que já está acontecendo. Nós estamos ainda longe de atingir as metas do Acordo de Paris, mas esses extremos já são uma realidade do dia a dia.
Eu vou falar um pouco mais da Amazônia. O Brasil, vamos lembrar, mostrou um pioneirismo muito grande, lá atrás, em 2009, na COP 15, em Copenhague. A COP 15 não deu muitos resultados, não houve compromissos dos países em reduzir fortemente as emissões, mas o Brasil se saiu bem quando anunciou um plano de reduções e emissões, que se tornou o marco legal aprovado pelo Congresso em 2010. E voluntariamente o Brasil colocava uma meta de redução das emissões até 2020, e essa meta era muito ambiciosa para a Amazônia, de 80% de redução do desmatamento, em 2020, em relação à média do período de 1996/2005, e de 40% no Cerrado. Isso significaria que a Amazônia, em 2020, teria que ter menos de 4 mil quilômetros quadrados de desmatamento. A Ane já falou: o menor ano foi o de 2012, com 4.600 quilômetros quadrados totalmente desmatados. Só que o desmatamento, como a Ane também mostrou, vem crescendo nos últimos anos, desde 2015, acentuadamente nos últimos dois anos, três anos, e, em 2020, passamos de 11 mil quilômetros quadrados, muito longe do marco legal que foi aprovado pelo Congresso em 2010.
Em 2015, no Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu com reduções totais de emissões de 43% até 2030, em relação às altas emissões do ano-base de 1995. Entretanto, nós estamos na contramão. As emissões vêm aumentando nos últimos anos. Devido à pandemia - veja bem este dado importante -, as emissões globais caíram 7% em 2020, devido à diminuição das emissões do setor de transporte e outros setores, e o Brasil foi um dos únicos países do mundo a ter emissões aumentadas em 2020 e também em 2021. Os níveis de desmatamento, como a Ane também já mostrou, estão muito altos, estão no mesmo nível praticamente de 2020. E, além disso, devido ao recorde dessa crise hídrica de geração hidrelétrica, todas as termelétricas estão funcionando e emitindo gás de efeito estufa. Certamente o Brasil terá um aumento nas emissões em 2021. Então, vamos lembrar que, para o atingimento do Acordo de Paris, nós temos que cortar as emissões globais em 50% até o final de 2030, um desafio global, o maior desafio talvez enfrentado pela humanidade.
R
Deixe-me voltar mais à questão da Amazônia também, como a Ane, porque existe um enorme risco que nós estamos realmente vendo acontecer. A Bacia Amazônica engloba a maior floresta tropical do planeta, é a região da maior riqueza de biodiversidade, mais de 10% de toda biodiversidade, única e insubstituível. Essa enorme biodiversidade confere estabilidade e resiliência aos ecossistemas terrestres e aquáticos, que são produtos de uma dinâmica complexa que coevoluiu há milhões de anos e que também recebeu os seres humanos há 12 mil anos, os indígenas, que conseguiram manter essa floresta em pé e se beneficiar muito desse maravilhoso ecossistema. Ele é um dos elementos essenciais do sistema climático terrestre, para a sua estabilização, desempenhando um papel decisivo nos ciclos globais de águas, regulação da variabilidade climática. Também exporta água para fora da Amazônia, auxiliando sistemas de formação de chuvas ao sul da Amazônia, nos Andes e, principalmente, na Bacia do Rio Paraná. Então, é um dos mais importantes. E também não vamos nos esquecer: a Amazônia hoje, mesmo com esse grande desmatamento, armazena entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono no solo e na vegetação.
Mas, infelizmente, a gente está vendo que inúmeros estudos científicos mostram que estamos muito próximos de um, chamado em inglês de sticking point, ponto de inflexão, um ponto de não retorno. É extremamente preocupante, porque nós estamos cada vez mais próximos desse ponto de não retorno, que é uma espécie, entre aspas, que eu chamo de "savanização", é uma mudança da rica floresta, que é muito vulnerável ao fogo - e a Ane mostrou isso muito bem, como ela está ficando cada vez mais vulnerável ao fogo -, o que pode acontecer se nós continuarmos nesse ritmo de desmatamento e degradação.
Para a Floresta Amazônica como um todo - originalmente 6,2 milhões de quilômetros quadrados -, nós já desmatamos mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, cerca de 18% da floresta, com esses 20% de desmatamento ocorrendo na Amazônia brasileira, e uma porção quase idêntica, cerca de 17% da Floresta Amazônica, se encontra em diversos estágios de degradação. E todo ano, como a Ane mostrou muito bem, dezenas de milhares de hectares de floresta são queimados, o fogo penetra nessas florestas degradadas. Antes, o fogo não conseguia se propagar por mais do que alguns metros, e hoje ele se propaga por centenas de metros e quilômetros no chão da floresta.
E o sul da Amazônia está mostrando todos os sinais desse risco, entre aspas, de "savanização" de degradação florestal, que vai desde a Bolívia, da Amazônia na Bolívia, ao Acre, Rondônia, Mato Grosso, Pará, até o Oceano Atlântico. São mais de 2 milhões de quilômetros quadrados. E todos os sinais são evidentes. O que nós estamos vendo ali? A estação seca já ficou três a quatro semanas mais longa nessa região. O início da estação chuvosa era no final de setembro e agora está na terceira semana de outubro em grande parte dessa região.
Ali, durante a estação seca, as temperaturas são até três graus mais quentes. Houve uma redução da chuva na estação seca de 20% a 30%, tornando-a muito mais vulnerável aos incêndios. E também nessa região, estudo recente da pesquisadora Luciana Gatti e de vários outros coautores - eu sou um deles - mostrou que ali nessa região, até na estação chuvosa, a floresta já é uma fonte de emissão de carbono. A floresta perdeu sua enorme capacidade de retirar gás carbônico da atmosfera.
R
Então, nós temos realmente quase que lançar uma moratória de desmatamento, degradação florestal e uso do fogo, quer dizer, realmente não há mais tempo a perder. Se nós não conseguirmos frear os desmatamentos, zerar os desmatamentos, a degradação e as queimadas, muito possivelmente todo esse sul da Amazônia vai se "savanizar", vai se degradar entre 20, 30 anos. Isso lançaria cerca de 250 a 300 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, algo que tornaria o atendimento dos objetivos do Acordo de Paris... Veja bem, para nós mantermos a temperatura do planeta abaixo de 1,5 grau, que é essencial, o maior desafio da humanidade, nós podemos emitir, no máximo, 500 bilhões de toneladas de carbono, até zerar as emissões de gás de efeito estufa. Se nós perdermos toda essa região, 50%, 60% da Amazônia, para esse processo de degradação... Aqui, veja bem, se isso acontecer, pode até parar o desmatamento, mas o clima vai se tornar um clima de savana, e aí, em 20, 30 anos, grande parte da floresta desaparece. Então, nós precisamos realmente construir uma resiliência para a Amazônia.
Então, torna-se urgente a restauração dos ecossistemas terrestres e aquáticos, conservação da biodiversidade em áreas naturais, manejadas, manutenção da diversidade cultural, bem como aperfeiçoar cada vez mais os sistemas de monitoramento do risco de incêndios florestais na Amazônia. Então, essas ações são muito importantes. Portanto, os tomadores de decisão, o Congresso de todos os países amazônidas e o Congresso do Brasil, têm que tomar medidas urgentes, realmente, para diminuir esse risco de desaparecimento de 50%, 60% da Floresta Amazônica.
O atual modelo de desenvolvimento ainda alimenta e acelera essas práticas de desaparecimento da floresta. O MapBiomas também mostrou, nos últimos anos, que acima de 95% dos desmatamentos são ilegais, a degradação florestal. O Governo emite uma lei federal proibindo as queimadas, mas é completamente ignorada em todo o Brasil, no Pantanal, no Cerrado, na Amazônia.
Então, nós precisamos, realmente, ter uma mudança radical de atitude perante a Amazônia.
E eu reforço também os pontos finais que a Ane colocou, que é como, realmente, parar essa velocidade de degradação que nós estamos impondo na Amazônia. O maior potencial socioeconômico da Amazônia está na floresta em pé - é o que nós chamamos de desenvolver uma bioeconomia de floresta em pé e rios saudáveis, beneficiando todas as populações amazônicas, os povos indígenas, as populações tradicionais, os ribeirinhos, os quilombolas e também beneficiando as populações urbanas com o enorme potencial que os produtos da floresta têm. E aumentar muito o número de sistemas agroflorestais, agroecológicos. Por exemplo, temos algumas cooperativas na Amazônia, e o melhor exemplo que nós temos é a Cooperativa de Tomé-Açu (Camta), que produz mais de 120 produtos de 64 diferentes espécies da floresta em pé, em sistemas agroflorestais. Essa cooperativa já até começa a gerar pessoas na classe média, que é o sonho de qualquer país em desenvolvimento sustentado, gerar uma classe média. A floresta em pé tem um maior potencial de gerar essa bioeconomia que vai melhorar muito a qualidade de vida das populações amazônicas e manter, salvar a Amazônia. Então, esse é um grande desenvolvimento sustentável para a Amazônia, e ela depende, realmente, de esforços combinados, colaborativos, de formuladores de políticas para a Amazônia, implementação dessas políticas em nível nacional, em nível subnacional, e também de trazer o setor financeiro, o setor privado, junto com a sociedade civil e com o apoio de toda a comunidade internacional. Então, essa é uma transição que nós temos obrigação, como brasileiros, que dominamos, temos 60% da Floresta Amazônica, de salvar o futuro da Floresta Amazônica e de todas as suas populações.
R
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Professor Carlos Nobre, pela sua contribuição.
Eu queria pedir à Ane e aos demais, se puderem, deixar disponibilizado à Comissão o conteúdo da apresentação, que é, realmente, muito importante para nós.
Nós vamos, agora, seguir com o Professor Felipe Nunes, que é pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais e representa o Sr. Raoni Rajão.
Felipe, você tem até 15 minutos.
Eu quero cumprimentar aqui, rapidinho, Felipe, o Senador Izalci Lucas, que também acompanha a nossa audiência pública.
O SR. FELIPE NUNES (Para expor.) - Bom dia, Senadora. Bom dia a todos.
Primeiro, eu gostaria de agradecer o convite e dizer que é uma honra participar de um debate de tão alto nível, como demonstrado pelas palestras que nos sucederam e também por ser conduzido pelo Senado Federal, tão importante no monitoramento e controle das políticas públicas.
Eu aqui represento um grupo de pesquisadores da UFMG, são mais de 15 pesquisadores como o Professor Raoni Rajão, o Professor Britaldo Soares Filho, que vêm se debruçando, há mais de 20 anos, fazendo uma ciência robusta em apoio a políticas públicas. Aqui a contribuição esperada é um recorte para as políticas climáticas e ambientais do Brasil, com um recorte geográfico mais para a Amazônia, para a gente discutir a questão do desmatamento, complementando, de certa forma, as apresentações aqui colocadas.
Eu vou pedir licença para compartilhar a minha tela. (Pausa.)
Já está sendo visualizada? (Pausa.)
A tela já está compartilhada?
O SR. AIRTON LUCIANO ARAGÃO JÚNIOR - Sim, está tudo bem. Estamos ouvindo bem.
O SR. FELIPE NUNES - Obrigado.
Então, não há como a gente dissociar as políticas climáticas e ambientais das emissões de gás de efeito estufa e desmatamento, porque, basicamente, temos como principal emissor o setor de mudança de uso da terra e florestas. O perfil brasileiro de emissões está muito relacionado a esse setor que, basicamente, está trazendo a questão do desmatamento, bem colocada aí pelo Professor Carlos Nobre e pela Ane.
R
Então, nosso desafio, se formos colocar as prioridades, é o sucesso da nossa política climática. O sucesso, ou insucesso, das metas estabelecidas está ligado a uma trajetória de combate ao desmatamento, necessariamente.
E, ao falar de desmatamento, principalmente na Amazônia, nós não temos como não mencionar o principal instrumento de política pública aplicado historicamente no Brasil, na Amazônia, específico, que é o PPCDAm, que foi lançado a partir de 2004 e tem uma trajetória que está ligada à trajetória do desmatamento. A partir de diferentes eixos de políticas públicas, o PPCDAm pode ser definido como um conjunto, um mix de políticas públicas para combate ao desmatamento, às ilegalidades, aos crimes ambientais em geral, e já foi reconhecido, inclusive, como um dos principais instrumentos de política pública pelo mundo, um dos mais eficientes no combate a crimes ambientais. Infelizmente, parece que foi esquecido ou mesmo está descontinuado, seja em termos legais, seja, então, na prática.
Mas algumas lições são importantes para trazermos à tona, à luz da ciência, buscando a série histórica, por exemplo, do desmatamento, e a atuação do PPCDAm.
No seu início, nas primeiras fases, o PPCDAm teve uma ênfase muito forte no ordenamento territorial e no monitoramento e controle do desmatamento, em sua grande maioria, ilegal. Ou seja, a criação de áreas protegidas, um planejamento territorial e um monitoramento, a fiscalização ambiental e a autuação de infratores ligados ao desmatamento foram essenciais para a redução do desmatamento, que atingiu um pico aí, de 2004 a 2012, de cerca de 80% a 84% de redução do desmatamento, e agora nós ganhamos, a partir de 2012, um aumento, chegando a picos acima de 10 mil quilômetros quadrados, em 2019, com tendência de continuidade de alta.
E, ao falar das primeiras fases, a literatura científica mostra que, sim, precisamos de um mix de políticas públicas para tratar de um tema tão complexo como o desmatamento na Amazônia e as emissões de gás de efeito estufa resultantes. Contudo, esse mix é baseado no controle, monitoramento da legislação. Se você não tem um regramento e aplicação, um enforcement, em inglês, para que você tenha o controle das atividades legais e inibir as atividades ilegais, você não tem um arcabouço eficiente para dar o sinal a todos os atores econômicos de que você precisa seguir a lei e o padrão estabelecido pelo Governo, que, no caso, é o combate ao desmatamento.
Então, quando olhamos esse recorte de 2008 a 2020, nós vemos uma trajetória de queda nos autos de infração contra crimes contra a flora, que são, basicamente, o desmatamento, a conversão irregular de áreas de floresta para outros usos, e vemos, além dessa redução drástica, nos últimos anos, uma redução mais acentuada, após uma elevação de 2012 até 2016.
R
Para entender melhor isso, a gente precisa colocar também outro elemento, que é o custo e a efetividade da fiscalização. A fiscalização ocorre, deve ocorrer, mas tem um custo e leva a uma autuação ser efetiva ou não, a depender dos instrumentos de punição que o Estado tem para dissuadir, levar esse elemento de dissuasão para que os novos infratores não cometam crimes ambientais, como por exemplo o desmatamento ilegal.
E o que vemos é que, além de os autos de infração na Amazônia estarem caindo, menos autos de infração estão sendo lavrados, o custo por auto de infração tem aumentado drasticamente, ou seja, estamos inserindo elementos, principalmente a lei de garantia da ordem, as operações militares, que são extremamente custosas. O que a gente precisa ter na visão é que, sim, há um custo, mas também é preciso olhar a efetividade. Então, a gente precisa balancear custo e efetividade para definir uma boa política de combate ao desmatamento.
A gente vê historicamente também os embargos caindo, principalmente ali de 2013 para cá, com uma drástica redução em 2019 e 2020. A legislação brasileira estabelece que o embargo é uma medida cautelar importante para conter desmatamentos em andamento e crimes ambientais continuados, assim como a destruição de equipamentos em áreas remotas da Amazônia são essenciais para que os fiscais, o Estado apure para descontinuar o crime, uma vez que você pode autuar o desmatamento e logo depois, no ano seguinte, você já verifica nas imagens de satélite se esse desmatamento está, por exemplo, continuado.
Se a gente coloca sob um recorte geográfico, aqueles Municípios que tiveram redução nos autos de infração também combinam com os top 10 do desmatamento, ou seja, aqueles Municípios que estão tendo aumento do desmatamento, em geral, estão sendo também menos fiscalizados, tendo menos autuações em termos de fiscalização ambiental, principalmente federal.
Mas também não basta só autuar na fiscalização lavrando autos de infração, você tem que conduzir um processo, um rito sancionador para que esses autos de infração sejam julgados. Há recursos para que esteja presente o contraditório, a ampla defesa, mas esse processo precisa ser célere e baseado em critérios técnicos, para que você tenha realmente o efeito de dissuasão esperado, para que o infrator realmente pague pelo crime e isso gere uma sensação de punição, para que se evitem novas infrações no caso do desmatamento, por exemplo. E o que a gente vê, buscando a série histórica, é que os processos em andamento para pagamento dessas multas ligadas a crimes contra a flora, ou seja, desmatamento, estão caindo, com uma redução muito drástica nos últimos anos, inclusive o valor das multas pagas, no total, que financia de certa forma a continuidade da fiscalização.
E também os julgamentos. Quando a gente olha, a gente vê uma redução drástica, principalmente de 2015 para cá, no número de julgamentos. Isso é resultado das mudanças infralegais, normas e instruções normativas, em sua grande maioria, que estabelecem as instâncias de julgamento, que recentemente levaram a um processo com núcleos de conciliação e a uma maior morosidade. Com isso, a gente tem a sensação de que os julgamentos não são realizados na velocidade esperada, e é uma sensação de impunidade que afeta, por sua vez, e incentiva novos desmatamentos.
R
Nesse contexto de atuação fragilizada historicamente e acentuada nos últimos anos, das agências federais, principalmente o Ibama e o ICMBio, os Estados, a gente percebe que tendem, estão tentando responder a esse vácuo gerado. Por exemplo, os embargos lavrados pela Secretaria de Meio ambiente do Pará tiveram um aumento visando compensar, vamos dizer assim, a ausência de atuação do Governo Federal. Apesar disso, o desmatamento continua a crescer.
Rondônia, mesma situação. Naquela curva laranja ali, por exemplo, a atuação do Ibama no Estado caindo drasticamente em termos de embargos lavrados. E há certa compensação de embargos por parte da Secretaria de Meio Ambiente. E da mesma forma, e ainda de forma mais acentuada, o Mato Grosso, que também tem atuado com o aumento dos embargos, principalmente ligados ao desmatamento ilegal, para compensar também, de certa forma, essa falta de atuação, o vácuo gerado pelas agências federais.
E aí, já caminhando para a conclusão, para permitir também o debate, os dados hoje que temos disponíveis sob uma análise científica. A gente já consegue atribuir que parcela significativa do aumento do desmatamento está relacionada ao desmonte das agências ambientais, ou seja, à falta de atuação, à burocratização, à morosidade.
Os Estados, em termos de níveis federativos, estão buscando cobrir o vácuo deixado, principalmente pelo Ibama, mas com um sucesso limitado, porque além de o Ibama ter uma série de recursos, know-how, expertise para trabalhar a fiscalização, que não é uma atuação simples, leva junto tecnologia, imagens de satélite, atuação junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e uma série de fatores que exigem mão de obra qualificada. Esse vácuo não consegue ser compensado rapidamente no tempo.
E ultimamente temos visto as leis de garantia da ordem conduzidas pelo Governo Federal. É importante deixar claro que as Forças Armadas e as forças policiais sempre atuaram em conjunto com Ibama, ICMBio e as agências federais no combate ao desmatamento ilegal. Só que atualmente o novo modelo traz essa centralidade, esse protagonismo maior no planejamento e execução às Forças Armadas, em detrimento dos analistas e cargos já com experiência na fiscalização ambiental das agências federais. E isso leva, além de um alto custo, a um aumento da ineficiência, porque, muitas vezes, o desmatamento ilegal, você não... Muitas vezes, não, você sempre vai precisar, é claro, de uma expertise, de uma inteligência territorial, de uma experiência para combate ao desmatamento ilegal, ao invés de simplesmente colocar toda a máquina militar para...
R
Então, já em termos de recomendações para contribuir com o debate, a gente propõe reverter as mudanças normativas pós-2019, para simplificar o rito sancionador, que são os julgamentos administrativos, na esfera do Ibama e do ICMBio; recompor o quadro de analistas e fiscais do Ibama e do ICMBio, as notícias que temos são de que estão em andamento, o que é um risco; restringir o acesso aos cargos de gestão para os analistas de carreira ou com comprovada experiência na área, por exemplo, como acontece na Polícia Federal, a ser conduzido no Ibama, no ICMBio; e apoiar os Estados para que tornem os ganhos nessa governança ambiental permanentes, porque, a partir do momento em que você tem um vácuo no Governo Federal, os Estados estão investindo nessa governança ambiental, e é importante que sejam apoiados, porque a atuação será mais eficiente se for conduzida e coordenada na esfera federal, estadual e também municipal.
Eu agradeço aqui a atenção - aqui, os meus contatos - e fico à disposição para eventuais questionamentos.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Professor Felipe, pela sua contribuição. Também peço que, se tiver algum escrito, que possa realmente nos enviar aqui à Comissão, ficaremos muito gratos.
Com a palavra agora o Sr. Muni Lourenço Silva Júnior, que é Vice-Presidente da confederação nacional da agricultura e pecuária do Brasil, pelo tempo de até 15 minutos.
O SR. MUNI LOURENÇO SILVA JÚNIOR (Para expor.) - Obrigado.
Bom dia, Senadora Eliziane Gama! Saúdo V. Exa. e, da mesma maneira, saudamos o Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Senador Jaques Wagner e também todos os eminentes Senadores e Senadoras da República que estão participando desta importante audiência pública. Quero cumprimentar também os demais expositores que estão participando desta audiência pública e a todos que estão acompanhando virtualmente esse debate sobre questões climáticas, hoje tema cada vez mais central e prioritário para os debates nacionais e mundiais.
Quero aqui, Senadora Eliziane Gama, agradecer em nome da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), na pessoa do nosso Presidente João Martins, pelo honroso convite que foi a nós formulado para participarmos dessa audiência pública e podermos expressar os nossos pontos de vista em nome do setor agropecuário brasileiro.
O desenvolvimento da produção de alimentos no Brasil é caracterizado pela garra e pelo talento empreendedor dos produtores rurais brasileiros. Aliando-se a esses fatores políticas públicas de crédito rural, pesquisa agropecuária e assistência técnica que fizeram do Brasil hoje um país de grande destaque no contexto da segurança alimentar mundial.
Nosso País soube como poucos potencializar sua atividade agropecuária com base na incorporação de novas tecnologias, aumento de produtividade, em um exemplo de crescimento verticalizado, de produção de alimento nos trópicos. Tudo isso compatibilizado com a sustentabilidade ambiental e uma das legislações ambientais mais completas e rigorosas do mundo. Em nosso País, a produção de alimento caminha de mãos dadas com a sustentabilidade ambiental, sendo a harmonia entre a produção de alimentos e a conservação ambiental prioritária para os produtores rurais brasileiros.
O bioma Amazônia tem estado no topo da agenda da temática ambiental mundial. A nosso ver é extremamente relevante ser destacada a desafiante dimensão social relacionada a essa Amazônia. O bioma Amazônia é o lar de 25 milhões de brasileiros, que vivem distribuídos em mais de 500 cidades. Os Índices de Desenvolvimento Humano da região, quando descartadas as zonas urbanas, são considerados como baixos e muito baixos, sendo que no bioma existe pouco mais de 1 milhão de produtores rurais, dos quais 89% são pequenos produtores. Esses brasileiros merecem cidadania, saúde, educação, segurança, infraestrutura, presença do Estado nos três níveis da administração pública e as mesmas condições de vida oferecidas aos demais brasileiros. E é sabido que miséria, pobreza e degradação ambiental andam juntas. Por isso é tão fundamental contínuos investimentos em educação, saúde, financiamentos e assistência técnica, não sendo aceitável imaginar que somente as ações de comando e controle bastarão para melhorar a questão ambiental na Amazônia.
R
Consideramos que os mecanismos e sistemas de monitoramento e controle de desmatamento ilegal precisam permanentemente ser implementados pelos governos, tanto em nível federal, como pelos Estados e Municípios, visando ao controle do desmatamento ilegal e dando transparência às informações. Tais ações são imprescindíveis para que se possam separar e segregar as atividades legais das ilícitas, garantindo, assim, a tranquilidade e a normalidade à maioria absoluta dos produtores rurais brasileiros, os quais trabalham em consonância com a legislação, não só de natureza ambiental, como também as boas práticas agropecuárias, visando à sanidade e à qualidade dos nossos produtos.
É necessário o aprimoramento dos mecanismos de detecção, de monitoramento, permitindo a identificação de desmatamentos legais, ilegais e irregulares. Para o desmatamento ilegal em áreas privadas, ou seja, para aqueles que descumprem o previsto pela Lei 12.651, promovendo corte de vegetação em APPs e reservas legais, deve-se aplicar os dispositivos do próprio Código Florestal, independentemente das sanções cabíveis na Lei nº 9.605, de 1998, a Lei de Crimes Ambientais. Os desmatamentos em propriedades privadas vêm reduzindo a cada ano. A caracterização total de desmatamento por categoria fundiária permite orientar as ações e políticas de controle e joga luz sobre as origens e causas do desmatamento.
Com efeito, é extremamente importante se qualificar o desmatamento, separando os dados de desmatamento legal e ilegal. É necessária a integração dos bancos de dados do Governo Federal e dos Estados, responsáveis pelas concessões das licenças de desmatamento, agilizando a classificação para fins de fiscalização e promoção da regularização ambiental.
Com a ampla adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos proprietários rurais, o Brasil alcançou 6.472.624 cadastros, compondo 63,8% do Território brasileiro. Com os dados declarados, foi possível identificar que 4% do Território nacional está protegido sobre Área de Preservação Permanente e 25% sobre reserva legal. São 192.999.579 hectares em remanescente vegetação nativa sob responsabilidade da propriedade privada, 35,5% do total de área declarada. O bioma Amazônia possui 220 milhões de hectares cadastrados em mais de 1.058.666 imóveis. Esses imóveis possuem todos os dados necessários à sua identificação, além dos polígonos que definem seu perímetro, áreas protegidas e áreas de uso econômico, ou seja, esses produtores rurais possuem endereço fixo e responsabilidade direta sobre qualquer infração ambiental ocorrida dentro de suas divisas. É necessária a ação pró-ativa dos órgãos ambientais, ressaltando que o dever de licenciar e fiscalizar desmatamento ilegal é dos Estados, e o Ibama tem obrigação supletiva, conforme a Lei Complementa nº 140, de 2011, e que os órgãos ambientais precisam acelerar a análise dos Cadastros Ambientais Rurais e implementar o PRA. Aliás, o nosso sistema CNA/Senar, em parceira com várias instituições, está implementando o programa Pravaler, que, em seu projeto piloto, está possibilitando a regularização ambiental e produtiva de produtores rurais do Município de Boca do Acre, aqui no Estado do Amazonas, auxiliando a que o produtor resolva o seu passivo ambiental e obtenha mais renda, iniciativa esta que começa a ser estendida para outros Estados. Aliás, em relação aos Estados, verifica-se que há dificuldade no acesso dos produtores rurais às autorizações de supressão, o que expõe o empreendedor a abrir áreas, abre aspas, "irregularmente", pois sem autorização, embora muitas aberturas de área estejam de acordo com o que o Código Florestal permite.
R
É necessário avançar para garantir e certificar essa contribuição por meio da análise de dados declarados, ratificando os ativos, identificando os passivos e construindo políticas para que todos tenham condições de atingir a regularidade ambiental. O CAR é um instrumento que permitirá aos órgãos públicos ampla transparência e monitoramento sobre as áreas dos produtores rurais, trazendo segurança para todos que agem na legalidade e permitindo que os produtores possam produzir e comercializar a sua produção sem pressões.
Pautados pela legalidade, os proprietários rurais, em sua maioria absoluta, aderiram à legislação ambiental cumprindo as exigências do novo Código Florestal, inscrevendo-se no CAR, identificando-se como responsáveis pelas áreas cadastradas. Isso permite separar proprietário rural responsável e cumpridor das leis daqueles que usam a terra apenas para exaurir os seus recursos naturais. Com o CAR analisado, os produtores poderão implementar o programa de regularização ambiental, instrumento do Código Florestal que visa a recuperação de passivos com regras aplicáveis e viáveis para a retomada da conformidade ambiental. No entanto, para que esse benefício do Código Florestal ganhe escala, o CAR precisa ser analisado.
Acreditamos ainda que o Congresso Nacional tem muito a contribuir com a temática da redução dos desmatamentos e incêndios florestais, principalmente a partir da aprovação de marcos legais para superarmos problemas criados no passado, cujos debates estão em curso de questões fundamentais, como a regularização fundiária e ambiental, em especial a partir da necessária aprovação do Projeto de Lei nº 2.159, de 2021, Licenciamento Ambiental, aprovado na Câmara e pendente de apreciação no Senado Federal. A aprovação do marco legal sobre a regularização fundiária, para que nós possamos acelerar a regularização fundiária não só de pequenos imóveis, mas também de médias e grandes propriedades rurais, dentro dos marcos legais. É necessária a aprovação de uma política sobre o manejo do uso do fogo. Há diversos PLs em tramitação na Câmara dos Deputados sobre esse assunto. No âmbito da questão de políticas climáticas, temos como importante o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que depende da implementação de mecanismos e arranjos de mercado ainda em estudo, já que as fontes de recursos são escassas e as demandas ilimitadas, visto que os países desenvolvidos, responsáveis pelas mudanças climáticas, não estão cumprindo as suas obrigações referentes ao repasse de recursos aos países em desenvolvimento, notadamente quando, em 2009, os países desenvolvidos prometeram financiamento de US$100 bilhões até 2020, que se tornariam anuais após 2020, visando financiar o desenvolvimento sustentável dos países emergentes, entre os quais o nosso Brasil. Esses repasses, até o momento, foram irrisórios, e a aplicação desses recursos à parte que cabe ao nosso País será de grande valia, no sentido de acelerar o pagamento e a remuneração pelos serviços ambientais prestados pelos produtores rurais e todos aqueles envolvidos na questão ambiental, e também de grande valia no sentido de acelerar o processo de regularização ambiental e fundiária da Amazônia - e quem fala aqui é um filho do Amazonas, nascido no Amazonas, de que eu muito me orgulho -, bem como financiar o desenvolvimento científico, tecnológico e, em consequência, social, principalmente da nossa Amazônia.
R
Finalizando, Senadora Eliziane Gama, a CNA reitera o seu compromisso com respeito à legislação, bem como ao uso racional dos recursos naturais, visando ao desenvolvimento sustentável do País, garantindo-se às presentes e às futuras gerações uma sadia qualidade de vida, com o desenvolvimento econômico e social da nossa população.
Muito obrigado e bom dia a todos!
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Bom dia, Professor Muni! Eu lhe agradeço profundamente pela sua participação conosco na nossa audiência pública.
Eu queria cumprimentar aí a Professora Ana Leite, que infelizmente não conseguiu entrar aqui para participar conosco, por problemas da internet, da tecnologia, enfim, absolutamente normal.
Bom, pessoal, eu quero cumprimentar aqui a Senadora Zenaide Maia. Eu gostaria de saber se a Senadora Zenaide Maia quer fazer a sua intervenção. Estou vendo que ela não fez inscrição, mas eu acho que ela quer participar.
Senadora Zenaide, se V. Exa. quiser fazer o uso da fala, V. Exa. tem o tempo para fazer.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Presidente, eu posso ouvir os expositores. Ainda faltam alguns, não é, ou não?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Não, não, já terminaram todos.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Ah, é só para formular questão.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Agora é para as perguntas dos Senadores, participação dos Senadores, e também a manifestação pelo e-Cidadania. Eu estou aqui com algumas perguntas, mas eu faço as perguntas depois de você.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para interpelar.) - Bom dia a todos e a todas!
Quero aqui parabenizar a Comissão de Meio Ambiente por promover esta audiência pública de um assunto que envolve vida.
R
Gente, nós estamos falando de vida, de todas as formas de vida! Quanto se destrói uma Amazônia e um Cerrado, está-se destruindo a vida vegetal e a animal, para chegar também à gente, aos humanos.
O que me chamou a atenção foram as primeiras exposições, que mostraram os dados, as fotografias. Aqui, eu já queria deixar claro, gente, que contra fatos não existem argumentos! Não queiram me convencer de que o que foi mostrado aí, com este mapa mostrando o índice de desmatamento e o fogo matando o resto...
Agora, eu tenho uma pergunta ao Sr. Muni Lourenço, que representa a CNA. O senhor falou que o agronegócio brasileiro é responsável pela segurança alimentar do mundo. Primeira pergunta, Muni: não são responsáveis pela segurança alimentar do nosso País? Porque nós temos um país em que 100 milhões de habitantes estão em insegurança alimentar. Estou falando aqui de fome, uma coisa difícil de explicar, Senadora Eliziane, a quem está nos assistindo. Como, num país que é o terceiro maior produtor de alimento do mundo, de grãos, de proteína animal, o segundo maior exportador do mundo, temos 30 milhões com fome e, em insegurança alimentar, praticamente a metade da população?
Sr. Muni, a gente sabe que a maioria do extrativismo... O extrativismo que a gente tem são mineral, vegetal e animal. E, na verdade, o agronegócio é um extrativismo, porque ele usa a terra e a água e não deixa de extrair. A maioria desses produtos são exportados e não pagam imposto sobre exportação, e o ICMS também não é pago pelo agronegócio devido à Lei Kandir, em que o Governo Federal tem o compromisso de repor esses impostos e nunca devolveu esses recursos aos Estados.
E queria lembrar o seguinte aqui: não tem como explicar! Por isso, estou perguntando: como a CNA...
Quanto a essa questão de dizer aqui que não desmatou, isso seria dizer que a gente está vendo aquelas árvores derrubadas, mas que a gente está tendo ilusão ótica quando se mostram as fotografias, que, com todo o respeito, foram mostradas.
Nada contra o agronegócio. Agora dizer que é segurança alimentar do mundo e deixar o nosso povo com fome fica difícil de os senhores explicarem, gente!
Lembro mais: a Amazônia, o Cerrado, os nossos biomas são a vida, gente! São vida! Está aí esse desmatamento... Quando eu vejo, no Pantanal, aquele Rio Araguaia seco, aquilo dói! E não há saída se não esbarrar...
E essa história de marco legal, isso aí não é simples como querem mostrar, porque já existem determinadas leis que a gente nem regulamentou. E, agora, está aumentando...
Outra coisa para o que eu queria chamar a atenção da Comissão: já há um projeto de lei do Senado, que eu não sei o número, que prevê que terras que foram degradadas possam ser utilizadas também pela agricultura, pelo agronegócio.
R
A pergunta, Dr. Muni, é esta: são responsáveis pela segurança alimentar do mundo, mas, no País onde ele tira a água, utiliza o solo e desmata, ele não é responsável pela segurança alimentar do nosso povo, que está aí morrendo, muitos de fome? Só tenho essa pergunta, Sra. Presidente.
Obrigada pela oportunidade.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, querida Zenaide.
Eu pediria só que o Professor Muni fizesse aí as anotações. O que nós vamos fazer? Eu vou ler agora as perguntas aqui do e-Cidadania, que eu vou compartilhar com vocês, e vou retornar a uma rodada para que vocês façam as falas, na verdade, referentes a essas perguntas que eu vou fazer agora - da mesma forma que a Zenaide, vou fazer também aqui duas perguntas. E aí a gente já entra nas considerações finais.
Nós vamos aqui às perguntas do e-Cidadania.
A Katharine Fortunato, de Minas Gerais, diz o seguinte: "Quais as atitudes tomadas pelo Governo Federal para o combate ao desmatamento e às queimadas no País?".
A Carmen Santos, do Paraná, faz aqui algumas perguntas: "Com o cenário atual, ainda é possível reverter a destruição, uma vez que o Governo favorece o agronegócio responsável por danos ambientais? Alguém tem certeza da existência de tal política? As áreas de proteção ambiental tornam-se cinzas atualmente. Qual a política climática do Governo? Desmantelamento dos órgãos de proteção ambiental?". Ela ainda continua: "Não acredito em uma política pública para proteção ambiental. O dinheiro é mais importante do ponto de vista do Governo".
O Geova Chagas, de Minas Gerais, pergunta o seguinte: "Preservar os biomas é preservar as vidas. Creio que a destruição dos mesmos é algo irreversível. O combate às queimadas é urgente devido à escassez de água que estamos vivendo".
Foram as perguntas aqui selecionadas.
E eu quero colocar aqui, na verdade, o seguinte - vou ler exatamente como está aqui no meu script. Antes de devolver a palavra aos convidados para as suas respostas e considerações finais, quero comunicar que, no intuito de aprofundar os debates e valorizar o interesse e a participação dos cidadãos nas audiências públicas, assim como ajudar a tarefa dos Relatores nas Comissões, a Secretaria vai encaminhar outras perguntas que recebemos diretamente aos convidados. Se quiserem responder, poderão fazê-lo remetendo de volta à Secretaria a resposta gravada em vídeo, que será anexada à gravação desta reunião e ligada à pergunta do cidadão lá no Portal e-Cidadania, em que estarão também marcadas todas as perguntas que lemos ao longo da reunião com indicação exata do momento dessa leitura.
E eu queria aqui fazer dois questionamentos, na verdade, que todos vocês podem responder na medida em que acharem, de fato, importantes.
O primeiro deles - e eu queria, inclusive, trazer aqui os meus cumprimentos ao nosso mestre o Professor Carlos Nobre - é referente, Professor e colegas, a um estudo internacional que foi divulgado agora, no mês de agosto, que trata especificamente sobre os efeitos das queimadas, do desmatamento, enfim, e o que isso pode resultar na precipitação na Amazônia - algo em torno de 55% a 70%, ou seja, um percentual de fato muito alto. E uma das coisas que, na verdade, foi colocada e que tem um impacto muito maior do que se imaginava é exatamente essa variação da umidade interna dentro da Amazônia. Então, eu queria que os senhores na verdade nos fizessem um comentário acerca dessa pesquisa que foi divulgada agora, uma pesquisa internacional, no mês de agosto.
R
E o outro é referente exatamente às metas do NDC brasileiro. Quando você pega, por exemplo, o desmatamento que a gente está vivenciando hoje, no Brasil, com o programa, digamos assim, do Governo Federal em relação ao enfrentamento do desmatamento e também das queimadas e, ao mesmo tempo também, como é o comportamento dos setores econômicos em relação ao cumprimento dessas metas, a gente acaba vendo aí de forma muito intensa a dificuldade do estabelecimento de uma política pública do Governo Federal para que de fato essas metas possam ser cumpridas. O que isso pode significar e qual a contribuição que o setor econômico tem em relação à responsabilidade com o cumprimento de metas do Acordo de Paris?
Pronto. A minha assessora está pedindo aqui... Se os senhores puderem responder à Zenaide, fazer um comentário sobre o que eu falei e também em relação aos nossos internautas, tudo isso, gente, em cinco minutos para cada um de vocês...
Nós vamos iniciar com quem a gente começou que é o Alexandre Berndt. Você, Alexandre, tem a sua primeira participação, já colocando, inclusive, as suas considerações finais.
O SR. ALEXANDRE BERNDT (Para expor.) - Obrigado, Senadora
Tanto a questão da Senadora Zenaide quanto a resposta a essa publicação sobre precipitação da chuva eu vou deixar para os especialistas, como o nosso Professor Carlos Nobre.
Houve uma pergunta também no chat comentando sobre como a gente pode contribuir para novas políticas públicas e para melhorar essas políticas. Eu trago aqui uma experiência que eu recebi da equipe Embrapa Pantanal, que estabeleceu parcerias com o Governo do Estado do Mato Grosso, via Assembleia Legislativa e Secretaria do Estado, para desenvolver, subsidiar e regulamentar ações no Pantanal em relação às atividades de restauração de áreas de campo colonizadas por espécies lenhosas e também com parâmetros para a realização do manejo da vegetação nativa utilizando o fogo eventualmente, com todas essas ações visando diminuir a incidência dos incêndios. Existem também notas técnicas que a equipe da Embrapa Pantanal vem entregando e pretende entregar até o fim do ano para definir critérios para substituição de pastagens no Pantanal, também levando em conta a sustentabilidade. Os critérios de formação de pastagens cultivadas devem observar que o desmatamento ou a formação de áreas de campos seja feito dentro de parâmetros que garantam a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. A Embrapa tem uma parceria com a Famato e o Senar do Mato Grosso e está aplicando também a ferramenta que eu mencionei rapidamente, a Fazenda Pantaneira Sustentável, em 15 propriedades rurais no Pantanal. Essa ferramenta permite realizar um diagnóstico para avaliação das fazendas de maneira sistêmica, complexa, para avaliar qual seria o potencial produtivo de cada uma delas e comparar com o desempenho das propriedades em relação ao potencial de produção, especialmente de gado bovino, que é uma atividade importante para o Pantanal. Além disso, a Fazenda Pantaneira Sustentável também permite avaliar o grau de sustentabilidade ambiental e social por meio de alguns indicadores. No fim dessa análise, é possível ter uma visão da propriedade, indicar pontos onde é possível melhorar a produção com a colaboração da extensão rural, via Senar, nesse caso, com a adoção de boas práticas pecuárias e de gestão da propriedade rural. Então, esse é um exemplo que eu trago para dizer como a ciência e a pesquisa, especificamente da Embrapa na produção de alimentos, podem contribuir com as políticas públicas.
R
E eu já deixo, então, meus agradecimentos aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada.
Vamos, então, agora, seguindo ao próximo.
Eu queria pedir aqui ao Professor Muni - e vou passar aqui para ele - exatamente para atender aí à pergunta da Zenaide.
Professor Muni.
O SR. MUNI LOURENÇO SILVA JÚNIOR (Para expor.) - Muito obrigado, Senadora Eliziane.
Eu agradeço pela pergunta da Senadora Zenaide Maia e quero aqui colocar à senhora, Senadora, que os produtores rurais brasileiros não produzem alimentos somente para a exportação. Não há só produção de commodities para fornecimento para outros países. O setor agropecuário brasileiro mostrou que atende, primeiramente, ao consumo da população brasileira. Isso ficou patente, inclusive, durante a pandemia, em que alguns cogitavam a possibilidade de desabastecimento de alimentos para a população brasileira, e isso não ocorreu. Então, a produção rural brasileira tem compromisso, em primeiro lugar, com o abastecimento do nosso País. Agora, é fato - e isto é reconhecido, inclusive, pela própria ONU - o papel determinante da produção de alimentos brasileira, inclusive para saciar a fome de outros países, de quase 1 bilhão de seres humanos que hoje não têm acesso a uma alimentação básica diariamente.
E eu registrei e quero reiterar aqui o exemplo da importância, inclusive, da produção de alimentos, da produção rural realizada na Amazônia por mais de 1 milhão de produtores rurais na Amazônia, inclusive para a segurança alimentar da população amazônida de mais de 500 cidades existentes na Amazônia. Então, isso é um exemplo claro da importância da produção rural, do produtor rural para a segurança alimentar de uma região como a Amazônia.
Eu quero aqui também em relação à colocação da Senadora Zenaide registrar e reiterar aqui a posição nossa, da CNA e, por extensão, de todos os produtores rurais brasileiros, de absoluta observância da legalidade - isso é um princípio, para nós, inarredável - e, nesse sentido, a nossa posição contrária ao desmatamento ilegal e a tudo que esteja à margem da legalidade. Agora, deixo muito claro que as infrações e o desmatamento ilegal são uma situação residual, são exceção. A maioria absoluta e maciça dos produtores rurais brasileiros cumpre a legislação ambiental, o Código Florestal, trabalha honestamente e merece todo o respeito e o reconhecimento da população brasileira, inclusive pelo papel cada vez mais importante e central na geração de emprego e renda no nosso País, principalmente no campo.
E eu quero aqui - já finalizando, me parece, as participações - agradecer, mais uma vez, em nome da CNA, pela oportunidade de participarmos desta importante audiência pública.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Professor, pela sua participação.
E eu queria, na verdade, até fazer aqui também um adendo à querida Zenaide: se os projetos hoje que são defendidos pela Confederação Nacional da Indústria forem aprovados, nós teremos ainda mais dificuldade, Zenaide, em relação ao cumprimento das metas do Acordo de Paris.
Vamos passar aqui ao próximo.
Eu estou com uma pergunta do André. Eu vou sair aqui do vídeo, porque ele a passou no meu celular. Então, como eu estou usando o meu celular, eu vou ficar sem imagem, mas eu vou precisar sair aqui - não é sair, mas só vai sair a imagem - e ler a pergunta do André Lima, que é uma pessoa que tem participado muito ativamente nos nossos debates. E eu vejo que o questionamento dele, de fato, é muito importante. Ele diz o seguinte: "Vocês acham que é possível e necessário que o Ibama e o Serviço Florestal Brasileiro possam cancelar automaticamente o CAR (Cadastro Ambiental Rural) em terras indígenas e florestas públicas e em imóveis com desmatamentos ilegais em APP e Reservas Legais? - pois o CAR foi criado para exercer esse monitoramento em tempo real e também no controle dos desmatamentos". Então, a pergunta é se os senhores acham que é necessário e seja possível, na verdade, que o Ibama e o Serviço Florestal Brasileiro possam, na verdade, cancelar automaticamente o CAR.
R
Então, eu queria pedir aos demais que já considerassem essa pergunta do André.
E a próxima a falar será a nossa querida Ane Alencar.
A SRA. ANE ALENCAR (Para expor.) - Senadora, temos muito material aí, muitas perguntas interessantes para debater.
Eu vou começar falando sobre a esperança. É difícil a gente falar de esperança hoje em dia, mas eu vou começar falando sobre isso. A gente até vem de um desmatamento na Amazônia, na década de 90, de cerca de 15 a 19 mil quilômetros quadrados em média. Naquela época, a gente nunca pensou que a gente fosse conseguir reduzir, de fato, o desmatamento ao ponto de chegar a menos de 5 mil quilômetros quadrados em 2012. Isso aconteceu, Senadora, numa época em que foram criadas mais unidades de conservação, e criadas, homologadas, mais terras indígenas. O agronegócio brasileiro realmente produziu muito mais no final da década de 2000, um agronegócio bem pujante. Então, assim, isso tudo ocorreu ao mesmo tempo em que o desmatamento se reduzia e ao mesmo tempo em que a governança ambiental era estabelecida na região. Então, é possível. A gente já sabe como fazer. Basta vontade política para fazer, basta a gente entender que, para o Brasil se colocar no mundo novamente como um protagonista, ele não pode virar as costas para o meio ambiente. Isso é fundamental. E a gente fez, conseguiu fazer isso, reduziu o desmatamento com a... (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Eu peço só que a Senadora Zenaide desligasse o microfone.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Não, é só... Presidente, é só quebrando o protocolo.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Pois não, Zenaide
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Depois eu falo. É só para explicar ao Professor Muni que, em nenhuma hora, eu quis desacreditar do agricultor. A agricultura familiar é responsável por 70% do alimento que vai para a nossa mesa. Era só para dizer isso. O que eu mostrei é que tem que ter um olhar diferenciado para o que está acontecendo.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Certo. Tudo bem, Zenaide. Então, você fez a sua colocação.
Vamos seguir com a Ane.
Gente, só para fazer uma retificação. Minha assessora disse que, em vez de eu ter falado Confederação Nacional da Agricultura, eu teria dito "indústria". Se eu falei "indústria", não é indústria. É Confederação Nacional da Agricultura, que tem mandado, inclusive, vários projetos aqui para o Congresso Nacional.
Continue, Ane.
R
A SRA. ANE ALENCAR - Então, só voltando, sim, é possível reduzir, é possível reverter essa situação de degradação. A gente já provou que conseguia fazer isso com menos tecnologia do que temos hoje para monitorar, para identificar quem está sendo responsável pelo desmatamento. O próprio CAR, que foi citado pelo representante da CNA, como um instrumento importante nessa perspectiva do monitoramento, de quem está fazendo ou não o ilícito ambiental... Então é isso, gente, é superpossível, basta vontade política.
Sobre as outras questões relacionadas ao papel dos eventos climáticos extremos nas emissões, o nosso comprometimento com as metas do acordo climático de Paris: bem, com eventos climáticos extremos, a gente vai ter mais seca, vai ter mais fogo, e as nossas emissões também vão aumentar.
Na NDC brasileira, a gente tem dois grupos, vamos dizer assim, de metas. Um grupo está relacionado mais à mudança de uso da terra, que basicamente diz "combater o desmatamento ilegal", mas que não deveria ser "combater o desmatamento ilegal", porque vai que alguém muda a lei e aí tudo se torna legal? A gente cumpriu a meta, não é? Então, temos que ter cuidado com isso. A gente tem que combater e reduzir o desmatamento de forma expressiva, para a gente, de fato, dar uma contribuição, como País, para esse tema de mudanças climáticas. O segundo grupo diz respeito a melhorias nas boas práticas, principalmente na pecuária, na produção pecuária.
Por fim, eu acho que as políticas climáticas têm que ser revisitadas. O PPCDAm, de novo, tem que ser fortalecido. O CAR é um instrumento importante - como o André mesmo colocou e eu coloquei na minha apresentação - e deveria servir para enquadrar aqueles que não estão seguindo a legislação ambiental. E, de fato, pensar nesta possibilidade de suspender os CAR em todas as áreas públicas. Por exemplo, as florestas públicas não destinadas, que foram arrecadadas pelo Governo Federal como florestas, deveriam continuar como florestas. As terras indígenas... Nas unidades de conservação é um pouco mais complicado, porque, dependendo do tipo de unidade de conservação... Mas, enfim, o CAR é um instrumento importante, deve ser valorizado e deve ser utilizado para combater o ilícito ambiental e colocar o Brasil em outro rumo, o rumo em que a gente conserve os nossos recursos naturais - e eu não estou falando só de florestas -, mas também aumente a produção.
Obrigada, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, querida, pela sua participação.
Agora, vamos seguir com o Professor Carlos Nobre, Professor da USP.
O SR. CARLOS NOBRE (Para expor.) - Os dois pontos que você levantou, em primeiro lugar, muito rapidamente, reitero, a floresta evoluiu em milhões de anos, toda a floresta, principalmente a Planície Amazônica, em milhões de anos, evoluiu sem fogo, porque é tão denso o dossel, que só 4% da energia solar que atinge o topo da floresta chega ao chão. Então, aquela vegetação no solo da floresta é muito úmida. Se cai uma descarga elétrica, ela faz um pequeno foguinho ali que anda metros, porque nada é inflamável. É diferente da Savana, é diferente do Cerrado, que evoluiu dezenas de milhões de anos com o fogo. A mata é muito suscetível ao fogo. A floresta é muito suscetível. Então, quando começa a degradar, como está acontecendo hoje na Amazônia - já existem quase 1 milhão de quilômetros quadrados na Floresta Amazônica degradados -, aí o fogo se espalha com a maior facilidade, e está acabando realmente, trazendo um risco gigantesco. É aquilo que eu falei anteriormente: nós estamos vendo o sul da Amazônia todo à beira do precipício dessa, entre aspas, "savanização", degradação e desaparecimento da floresta.
R
Então, é muito importante preservar a Floresta Amazônica. Nós temos que zerar o desmatamento, e, realmente, o histórico deste "legal versus ilegal" não serve para nada no Brasil. Desculpem-me a franqueza, mas não serve para nada, porque o Congresso tem legalizado quase todo o desmatamento ilegal ao longo do tempo. Então, nós temos que zerar o desmatamento. E também temos que começar a enxergar...
Talvez a gente devesse ter, no Brasil, também uma comissão nacional da agroecologia, não só da agricultura tradicional. Já há inúmeros estudos que mostram que sistemas agroflorestais na Amazônia têm um valor econômico e beneficiam muito mais as populações tradicionais do que a pecuária. Há inúmeros estudos. E cooperativas que produzem... Como eu falei antes, já existe até, ali em Tomé-Açu, gente que atingiu a classe média, famílias que podem mandar seus filhos para estudar em cidades que têm universidade. Então, esse modelo tradicional de uma agricultura de baixa produtividade, que é o que domina a maior parte da pecuária na Amazônia, tem que ser alterado. Como a Ane falou, é possível, sim, ter uma pecuária muito mais produtiva e a agricultura regenerativa, o que muitos grupos da agricultura do setor agropecuário do Brasil já começam a endossar. Mas o mais importante para a Amazônia - e este é um grande desafio para os países amazônicos - é nos tornarmos uma potência ambiental da sociobiodiversidade, não da substituição da floresta por qualquer outro tipo de agricultura.
Ah, sim, para finalizar, nós - a Ane faz parte também, assim como outros brasileiros e cientistas de países amazônicos, lideranças indígenas - produzimos o Painel Científico para a Amazônia. É um documento que vai ser lançado agora na COP 26, com mais de 200 autores e 34 capítulos, que cobre tudo: a importância da Amazônia como entidade regional do sistema terrestre; o que aconteceu na Amazônia nos últimos 50 anos, com todo o risco que os desmatamentos, as queimadas e a degradação vêm trazendo para a floresta, para os povos indígenas, para as comunidades tradicionais. E, depois, vários capítulos colocam as ideias dessa nova biodiversidade. A Ane Alencar liderou alguns desses capítulos. Então, é o futuro sustentável. O que nós devemos fazer, os países amazônicos, para um futuro sustentável e do ponto de vista econômico é o potencial dessa bioeconomia de floresta em pé.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Professor Carlos Nobre, pela sua participação.
R
Vamos agora ao Felipe Nunes, que é pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG.
O SR. FELIPE NUNES (Para expor.) - Obrigado, Senadora.
Eu vou tentar aqui reunir, nestes cinco minutos, o desafio de comentar as perguntas enviadas pelo e-Cidadania com os questionamentos da meta da NDC brasileira e também dessa pesquisa que a Senadora mencionou sobre o impacto do desmatamento na umidade, as chuvas e o que a ciência mostra.
O primeiro ponto do que eu captei dos comentários e perguntas da audiência é sobre o que o Governo Federal tem feito para o combate a essa degradação ambiental. Quando eu falo em degradação ambiental, é sobre queimadas e desmatamento. Há outra série de situações de degradação ambiental, mas vamos focar na queimada e desmatamento.
A ciência já se debruçou sobre o que funcionou ou não para o combate à degradação ambiental, no PPCDAm e outras políticas ambientais. Basicamente, há um consenso de que o que funcionou foi a criação de áreas protegidas na Amazônia e o monitoramento e o controle, que seriam a fiscalização ambiental de modo eficiente, detecção das infrações, punição e ter uma sensação como resultado de punição do Estado a qualquer comportamento a infrações ambientais, à margem da lei.
O que a gente vem vendo é que aquilo que funcionou nas primeiras fases do PPCDAm, que é reconhecido até pela ONU como um dos principais instrumentos de combate ao crime ambiental do mundo, se não for o maior, é que o ordenamento territorial e esse monitoramento, controle da fiscalização ambiental, foram os eixos principais dos resultados alcançados no combate ao desmatamento. E atualmente o que a gente vê é um enfraquecimento desses eixos, sendo que já comprovadamente estão correlacionados, em diversos estudos, inúmeras publicações, à redução do desmatamento.
Outro ponto colocado que a Senadora traz, que foi uma pesquisa recente que saiu sobre o impacto do desmatamento na umidade, na precipitação, ou seja, no equilíbrio climático, que vem sendo afetado pelo desmatamento. Nós também aqui na UFMG, em parceria com vários outros autores nacionais e internacionais, publicamos este ano um estudo que correlaciona as áreas de desmatamento, principalmente as áreas que têm maior desmatamento, acima de 50% da área. A partir de uma série de modelagens, foi correlacionada a precipitação total dessas áreas, e o que a gente viu é que, no curto prazo, há um aumento da precipitação e rapidamente um declínio considerado dessas precipitações, chegando em algumas regiões a até 50% de queda de precipitação, isso com impactos consideráveis, sistêmicos. Mas a gente também conseguiu correlacionar a impactos na produtividade agrícola, principalmente na precipitação, ligada ao atraso, por exemplo, das chuvas nas safrinhas, que estão relacionadas a uma produtividade brasileira diferenciada. Ou seja, o impacto econômico do desmatamento na Amazônia já é sentido, e a gente estima que, se mantidos os níveis atuais de desmatamento, pode-se chegar até a US$1 bilhão por ano de prejuízos, só em função da redução dessa precipitação. Por último, queria só comentar sobre as metas da NDC brasileira. Conforme eu coloquei no início, o sucesso do Brasil ou insucesso vai ser medido pelo combate ao desmatamento. Claro, os outros setores também têm participação importante, não é? É um desafio multissetorial. Mas o desmatamento é o carro-chefe para o Brasil ter sucesso.
R
E o Brasil recentemente mandou sua quarta comunicação nacional, e é comum que em toda comunicação nacional haja aprimoramentos científicos. E isso traz, por exemplo, mudanças nas linhas de base. Mas infelizmente o Brasil optou por manter aumentos absolutos nessa linha de base, considerando manter a redução, a meta, a redução em porcentagem, ou seja, relativa, e isso implicaria um aumento que a gente estima de cerca de 400 milhões de toneladas-ano, 400 milhões de toneladas até 2030, ou seja, seria uma forma de a contabilidade deixar com que o Brasil emita mais, ou seja, menos ambicioso naquilo que já prometeu.
Então, nós também publicamos isso e ficamos à disposição aí, porque nós consideramos que seria um retrocesso no protagonismo do Brasil no Acordo de Paris.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Felipe, de coração, pela sua participação.
Queria agradecer a todos vocês que estiveram conosco. As contribuições de vocês serão fundamentais para conseguir dar o relatório de nossa autoria, que está tratando exatamente da política do Governo Federal em relação a mudanças climáticas. Aliás, o relatório será apresentado na COP 26.
Nós decidimos, na verdade, construir esse relatório depois de ouvirmos todos os setores da sociedade, o que nós entendemos que é fundamental, de fato, para termos um relatório conclusivo, um relatório democrático, um relatório que seja construído, de fato, por várias mãos, não é?
Então, muito obrigada pela presença de todos vocês. A gente não tem quórum suficiente para deliberar sobre as atas. Agradecendo a presença de todos e todas e nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada esta reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 10 horas e 05 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 54 minutos.)