08/11/2021 - 16ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Boa tarde a todos e a todas.
Declaro aberta a 16ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária, da 56ª Legislatura.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-cidadania na internet, localizando-se em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria 0800612211.
Esta reunião será dividida em duas partes.
Primeira parte, apresentação do relatório da Fonacate sobre a reforma administrativa.
Na segunda parte desta audiência teremos um debate de um requerimento apresentado por este Senador sobre racismo estrutural.
Vamos já aos convidados da primeira parte.
A intenção nossa, neste momento, é garantir cinco minutos para cada um dos convidados, o que daria em torno de 30 minutos, com as minhas falas naturalmente, para que às 15 horas se inicie então a segunda parte desta reunião.
De imediato, passo a palavra ao Presidente da Fonacate, Sr. Rudinei Marques, para a apresentação do relatório da Fonacate sobre a reforma administrativa.
O SR. RUDINEI MARQUES (Para expor.) - Boa tarde, Senador Paim.
Parabenizo a CDH por este espaço importante que abre para o Fórum das Carreiras de Estado e a equipe que produziu esta nova série de cadernos que estamos lançando aqui hoje. Na verdade, não é estritamente sobre a reforma administrativa, mas sobre o contexto que fundamenta as reformas liberais aqui no Brasil e no mundo.
Nesse sentido, em nome do Fórum das Carreiras de Estado, das nossas 37 afiliadas, eu tenho a satisfação de cumprimentar o José Celso Cardoso Junior, que é o Coordenador da Comissão de Estudos do Fonacate, e os professores que estão aqui, a Professora Denise Gentil, o Professor Miguel Bruno e o Professor Illan Lapyda, porque o Fórum entende que as finanças públicas têm que estar a serviço do desenvolvimento nacional, a serviço da vida das pessoas. E não é isso que nós estamos vendo no Brasil e no mundo, onde as finanças públicas são capturadas por interesses privados.
Então, acho que com isso nós estamos neste momento prestando um grande serviço para a compreensão da dinâmica das reformas liberais que aqui assumem roupagens diferentes, ora a reforma da previdência, agora a reforma administrativa, agora a apropriação dos precatórios por um mercado paralelo, que vai surgir, para comprar precatórios e negociá-los pelo valor cheio, apesar de pagarem os beneficiários só a metade, com os deságios que estão sendo praticados no mercado, enfim.
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Então, tudo isso nós vamos por à luz do dia. Precisamos debater esse assunto, as finanças públicas, como elas vêm sendo apropriadas, capturadas por interesses privados. E essa série de cadernos, então, tem esse intuito.
Já falei demais. Vou passar a palavra para o Zé Celso para ele fazer aí as apresentações com mais calma.
E agradeço mais uma vez, Senador Paim, esse espaço importantíssimo que a CDH abre para que nós possamos por esse tema em debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Rudinei Marques, Presidente da Fonacate.
Eu quero ainda agradecer ao Presidente desta Comissão, que é o Senador Humberto Costa, que está em outra missão no dia de hoje e por isso não está aqui, e ao Contarato, outro grande Senador também que é o Vice-Presidente.
Então, vamos agora aos painelistas, já que o Rudinei fez uma apresentação.
De imediato, passo a palavra ao Sr. José Celso Cardoso Junior, Coordenador da Comissão de Estudos do Fonacate, pelo tempo máximo de cinco minutos. Não é por mim, é pela sequência desta reunião.
O SR. JOSÉ CELSO PEREIRA CARDOSO JÚNIOR (Para expor.) - Muito bem!
Boa tarde a todos e todas! Bem-vindos e bem-vindas todos os que nos assistem, os Senadores. Quero cumprimentar, em especial, o Senador Paim, que tem sido um grande aliado nesse esforço de elucidação dos problemas relativos ao Estado brasileiro, em particular, no dia de hoje, em relação às finanças públicas, que, como disse o colega Rudinei, Presidente da Fonacate, vêm sendo apropriadas de forma indevida e silenciosa por parte dos grandes interesses rentistas e fiscalistas da economia brasileira. E essa série do Fonacate, Senador Paim, se refere justamente a esse tema, ao fato de que nós temos visto no debate, por exemplo, sobre a reforma administrativa, que os argumentos relativos à própria reforma pouco interessam na verdade ao mercado e aos próprios formuladores daquela proposta. Aquela proposta se destina menos a promover qualquer tipo de melhoria das formas de funcionamento e organização do Estado brasileiro, e muito mais a viabilizar uma canalização extra de recursos para o rentismo e para o setor privado, que pretende se apropriar de setores rentáveis das políticas públicas.
Então, depois de ter realizado mais de dois anos de debates sobre a reforma administrativa e produzido uma série de estudos que desmontam o argumento do Governo e que colocam em evidência a necessidade de uma outra reforma de outra natureza, nós resolvemos agora avançar para uma série de estudos que mostram a essência, na verdade, falaciosa do argumento liberal e fiscalista, rentista que tenta por meio dele justificar a necessidade dessas reformas. Quer dizer, desde a reforma da previdência, passando pela reforma trabalhista, pela emenda do teto de gastos e agora pela reforma administrativa, o argumento tem sido o mesmo, o de justificar a necessidade dessas reformas por meio de uma suposta quebra estrutural das finanças públicas brasileiras, algo que está muito longe da realidade. Então, esses estudos buscam justamente desmistificar esse discurso, essa narrativa, e apontar para os verdadeiros problemas relativos às finanças brasileiras.
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Um dos problemas que está sendo revelado por esses estudos é esse, o da financeirização das finanças públicas, e, por meio dessa financeirização, uma forma de apropriação privada das finanças públicas, que deveria servir para o conjunto das políticas e para a população e, na verdade, crescentemente vai servindo a interesses menores e a interesses privilegiados no seio do Estado brasileiro.
Então, rapidamente, passo para os nossos colegas convidados, que produziram os seus estudos: o Professor Miguel Bruno, professor da Escola de Estatística do IBGE; na sequência, a Professora Denise Gentil, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); e, por fim, na sequência, o colega da USP Ilan Lapyda, que fez um estudo também muito importante sobre esse tema, apontando para os setores ou para os agentes de mercado que se beneficiam desse processo de captura das finanças brasileiras.
Então, eu acho que seria interessante começar nesta ordem: Professor Miguel Bruno; na sequência, Professora Denise; e, por fim, Ilan.
Muito obrigado, colegas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
De imediato, passamos a palavra para o Professor Miguel Bruno.
O SR. MIGUEL ANTONIO PINHO BRUNO (Para expor.) - Boa tarde, Senador Paim. Boa tarde, demais colegas.
O José Celso já apresentou o substrato, digamos assim, um pano de fundo.
Esse capítulo de que eu pude participar define a financeirização e as suas principais consequências, destacando o fato de que, apesar de ser um fenômeno mundial, no Brasil, se apresenta com muito maior peso em termos de degradação das condições de vida, de rebaixamento das taxas de crescimento econômico, porque as taxas de juros vigentes em nosso País são exorbitantes, enfim, completamente fora dos padrões internacionais.
Eu não vou ter tempo de mostrar para vocês alguma parte dos dados que eu separei. Talvez, se o senhor me conceder um minuto, só mostrar o que significa isso concretamente, já foi publicado várias vezes. Eu não sei se eu posso aqui compartilhar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O senhor tem cinco minutos. Seu tempo é de cinco minutos. Fique à vontade. Aí você decide como vai usar os seus cinco minutos.
O SR. MIGUEL ANTONIO PINHO BRUNO - Já está aparecendo para vocês aí?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora está.
O SR. MIGUEL ANTONIO PINHO BRUNO - Então, o que eu queria destacar é simplesmente esse gráfico, que eu acho que é bastante elucidativo; a gente vem publicando-o inclusive no Brasil e internacionalmente.
O crescimento do capital rentista no Brasil é exorbitante. Isso significa um poder político e econômico do setor bancário financeiro e do seu principal sócio atualmente, que é o setor do agronegócio; são os dois principais setores ganhadores. Sem nenhum preconceito contra esses setores, mas não se pode desenvolver um país quando apenas um ou dois setores ganham e os demais perdem. Então, isso é fundamental.
Quando se pensa em qualquer reforma, isso tem que estar em pauta, ou seja, o Brasil está definhando, estamos retornando a uma economia primária exportadora, com uma plataforma considerável de acumulação rentista financeira. Isso não é pavimentar o nosso desenvolvimento. Isso precisa estar claro, inclusive para a população que não tem acesso a essas informações, porque essas informações são especializadas, são científicas, e, evidentemente, da nossa mídia o principal patrocinador é o mercado financeiro. São os dois setores ganhadores: o mercado financeiro e o setor de commodities.
Então, na verdade, inclusive, em sala de aula, os alunos entram com uma opinião, e a gente tem que dizer que não é exatamente assim, que é preciso estudar, e não se desinformar.
Enfim, a gente vê... O que é esse azulzinho? Esse azul é, na verdade, o capital fixo produtivo, é uma síntese de máquinas e equipamentos, que foi muito significativo no período de crescimento, nos anos 70 até 1980, e, depois, a acumulação de capital produtivo fica estagnada e é o capital rentista, financeiro que tem crescido neste País.
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Então, isso é de uma gravidade enorme porque, independentemente dos novos Governos que forem assumir este País, não há como desenvolver este País nessa condição estrutural. Isso está claro para a gente. Não é apenas o meu grupo de pesquisa que detectou isso. Isso é um ponto pacífico, é consenso na literatura econômica internacional. Isso é extremamente grave, não é veiculado, não é informado para a população. A população está completamente alheia. E eu diria que muita gente até responsável pelo nosso Governo, enfim, não tem consciência disso porque fica restrita à área acadêmica, mas está disponível nos maiores estudos internacionais sobre o tema. Enquanto não equacionarmos isso, não teremos o nosso desenvolvimento.
Enfim, o meu capítulo se destinou exatamente a isto: a mapear essas condições e definir a financeirização, mostrar as diversas definições, que são sempre muito convergentes, muito coesas, e apresentar os indicadores para o caso brasileiro. E isso nos tem angustiado porque somos economistas e desenvolvimentistas e isso para nós significa andar na contramão de tudo o que precisa ser feito para termos, um dia, o Brasil desenvolvido, com justiça social.
Eu ficaria por aqui e agradeço esta oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Professor Miguel Bruno.
De imediato, então, a nossa querida Denise Lobato Gentil, Professora e Pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ. O tempo é seu.
A SRA. DENISE LOBATO GENTIL (Para expor.) - Boa tarde, Exmo. Senador Paulo Paim, que nos dá a imensa honra desta oportunidade de falarmos de um tema tão importante. Boa tarde aos meus colegas Miguel Bruno, José Celso, Illan e Rudinei Marques.
O meu capítulo nessa parte vai tratar do endividamento das famílias pobres e de classe média no Brasil. E esse é um dos lados mais desfavoráveis e visíveis do processo de financeirização, ao qual o meu colega Miguel Bruno estava se referindo. Essa dinâmica financeirizada da sociedade brasileira implica em vários mecanismos que são absolutamente autoritários e antidemocráticos. E um deles é que o capital das grandes corporações financeiras, como os bancos, os grandes fundos de investimento, os fundos de pensão, as seguradoras, passou a ter uma ascendência sobre o capital industrial. O sistema financeiro, na verdade, com os seus instrumentos e instituições, atua de forma que os seus interesses prioritários são as atividades especulativas. O sistema financeiro atual atua em prol de si mesmo. Ele é um sistema autorreferenciado, que só tem relação consigo mesmo. É um sistema que não contribui com a sociedade, que não objetiva vencer a crise, gerando empregos, que não oferece créditos com juros minimamente razoáveis para a população e para as empresas. Então, o crédito virou para nós uma violência expropriadora da renda das famílias e das empresas, porque os juros são, anomalamente, elevados, colocando em risco a sobrevivência dos cidadãos e ameaçando qualquer tipo de esforço produtivo das empresas, porque os juros, de fato, são extorsivos. Então, o dinheiro, como o Miguel falou, e o poder político que ele gera se tornam um objetivo em si mesmo.
Outra característica da financeirização é que os interesses dos agentes da grande finança se infiltraram no Estado de tal forma que a intervenção do Estado não está mais voltada para a busca do pleno emprego, não tem mais o objetivo de combater a pobreza ou de redistribuir renda, e, muito menos, de fazer a reindustrialização do País ou o progresso técnico. O que acontece é que o poder da finança, dentro da estrutura do Estado, tornou-se, na realidade, extremamente deletério para os trabalhadores do setor público e do setor privado. Por quê? Porque ele nos conduziu ao abandono dos modelos desenvolvimentistas e a uma opção de combate à inflação como prioridade.
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O que acontece é que as políticas de combate à inflação, na verdade, são políticas que favorecem à especulação financeira, que favorecem à privatização de tudo aquilo que é público, e isso vai bloqueando o crescimento, vai rebaixando o nível de investimento, destruindo postos de trabalho e, evidentemente, abrindo caminho, porque é para isso que servem as privatizações, para grandes corporações... (Falha no áudio.)
... financeiras irem ocupando espaço que eram os espaços do Estado e que atendiam aos cidadãos brasileiros.
Na minha parte, eu procuro mostrar que a combinação dessa estratégia de política macroeconômica ultraneoliberal retrógrada com o mercado de trabalho desregulamentado e precarizado, juntamente com o desmantelamento do Estado de bem-estar social, foi articulada com a expansão do crédito para o consumo, ou seja, o endividamento das famílias é a contrapartida. E por quê? Porque o crédito vai funcionar como mecanismo compensatório para a perda do emprego, para a queda dos salários reais, para o achatamento, para a degradação da oferta de serviços públicos e para o estreitamento das transferências de renda para as famílias, principalmente as famílias mais pobres.
Então, o endividamento do trabalhador de baixa renda e de classe média vai funcionar como um mecanismo de alívio e de adiamento dos efeitos deletérios da crise sobre as famílias. Na verdade, o endividamento é a última alternativa para evitar, reduzir ou retardar o sofrimento da marginalização, e é a isso que a gente chama, nessa minha parte, de reprodução social por meio de dívida, de consumo comandado por dívida.
Então, para finalizar, eu quero dizer que é importante entender que foi a expropriação dos direitos sociais e a degradação dos serviços públicos que fizeram com que as famílias fossem forçadas a recorrer a planos de saúde, a fundos de previdência aberta, a educação privada, a seguros de toda espécie, para buscar, no mercado, a preços elevadíssimos, uma proteção que antes era assegurada, de forma gratuita, pelo Estado.
Então, o mercado, sobretudo o mercado financeiro, tomou o lugar do Estado, e este é o objetivo da privatização dos serviços públicos: abrir caminho rentável para o capital privado. É por isso que os grandes fundos de investimento hoje... (Falha no áudio.)
... estrutura econômica e social do País.
Aí, sem renda suficiente para pagar por esses fundos, por esses produtos financeiros supercaros, porque eles estão além da capacidade de pagamento das famílias, elas são obrigadas a se endividar. Então, as famílias são constrangidas a entrar no rolo compressor do endividamento fatal para compensar a perda de renda e a perda de salários e, assim, elas favorecem o ... (Falha no áudio.)
Então, houve uma reestruturação do Estado para operar, de forma consistente, com a lógica do mercado financeiro. Governo e mercado financeiro moldam, ativamente, a financeirização do cotidiano das famílias. O Governo é cúmplice do processo de financeirização, e a financeirização é uma maneira com que o Estado induz e organiza a população para que só alguns floresçam e outros sejam deixados para trás.
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Então, eu quero finalizar dizendo que, nesse contexto, o empréstimo para pobres e para a classe média é um grande negócio, que ficou ainda mais rentável com o aumento do custo de vida, que está se tornando exclusivo no Brasil e cuja compensação é um auxílio, um auxílio emergencial, um Auxílio Brasil que irá direto para os cofres dos bancos, para pagar dívidas, enquanto os brasileiros vivem cada vez mais de bicos porque não há empregos dignos com salários decentes nem o Estado de bem-estar social à altura do enfrentamento do nosso problema. Isso se agravou muito mais ainda com o mercado de crédito da era digital porque foram criadas facilidades tecnológicas que fizeram do crédito um mecanismo com alto grau de automação e digitalização, internet banking, fintechs, uma variada forma de acesso por computador e celular que criou ambientes facilitadores da contratação de empréstimos e de uma venda agressiva de serviços, o que pode compreender o mínimo vital das famílias de média e baixa renda. Então, hoje nós temos, de famílias financeiramente incluídas, famílias que viraram financeiramente exploradas.
Muito obrigada, Senador, por esta oportunidade.
Obrigada aos colegas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, professora e pesquisadora do Instituto de economia da UFRJ, Professora Denise Lobato Gentil. Muito obrigado.
Por fim, fechando o bloco, o Pesquisador Ilan Lapyda.
O tempo é seu por cinco minutos.
O SR. ILAN LAPYDA (Para expor.) - Muito obrigado.
Boa tarde a todas e a todos. Eu queria agradecer imensamente o convite para estar neste evento tão importante. Parabenizo na figura do Senador Paulo Paim a CDH do Senado pela realização do evento. Quero cumprimentar também o Rudinei Marques e o José Celso Cardoso, parabenizando o Fonacate por produzir esses textos, todo esse material para fundamentar a discussão. Cumprimento também meus colegas de Mesa. Estou muito honrado por estar junto com Miguel Bruno e Denise Gentil, que são pesquisadores excelentes.
Quero também reforçar a importância de discutir a questão da financeirização, que tem sido muito falada nos últimos anos - acho que o Miguel Bruno até comenta isso no texto dele - sem que se saiba exatamente muitas vezes o que é a financeirização e qual o alcance dela, as consequências dela. Então, é importante mostrar qual a extensão desse fenômeno e o que ele é.
No meu artigo, no meu texto, eu falo de algumas peças chave nesse enredo do processo de financeirização, que são os agentes privados das finanças que operam em articulação justamente com o Estado, inclusive se beneficiando do rentismo sobre o Estado. Eles ganharam no Brasil proeminência nos últimos 20, 30 anos, sobretudo, o que a gente às vezes chama de (Falha no áudio.)
... tenha surgido recentemente, mas que sua importância tenha crescido muito. Eu também... a gente fala muito sobre eles, então vou me concentrar nos fundos de investimento, porque os fundos de investimento não só reúnem muita poupança privada no Brasil, porque os outros investidores institucionais, como fundos de pensão, etc., muitas vezes... Fundos de investimento para ter os recursos geridos. Então, olhar para os fundos de investimento já nos dá uma boa noção do quadro.
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Eu também vou apresentar dois gráficos rapidamente, se eu puder - está desabilitado aqui para eu compartilhar. (Pausa.)
Ah, perfeito.
Então, um é este aqui: o crescimento do patrimônio líquido dos fundos de investimento desde 1995. Então, em 1995, os fundos de investimento, o patrimônio líquido dos fundos de investimento correspondia a 8,8% do PIB, e isso veio num crescendo; já em 2007, representava mais de 42% do PIB; e, hoje em dia, está mais de 80% do PIB. Então, há um acúmulo de riqueza crescente. As barras em laranja mostram o crescimento real em cada ano. Só em raros momentos, há um decrescimento, como na crise de 2008. Para que se tenha uma noção do crescimento do patrimônio líquido dos fundos de investimento no Brasil. Em 2020, ele já estava em cerca de R$6,5 trilhões. Isso para se ter uma dimensão da magnitude.
Mas a questão é: para onde estão indo esses recursos? Como eles são alocados? Essa é uma questão importante, não é? Porque não é só a quantidade, mas onde está. E, aqui, esse outro gráfico mostra isso, quer dizer, a linha azul, que claramente se demarca de todos os outros tipos de alocação, são os títulos públicos federais, ou seja, cerca de 70%, mais de 70%, em boa parte do tempo - agora voltou, teve um pequeno decrescimento, mas retorna ao patamar de 70% -, dos recursos dos fundos de investimento vão justamente para os títulos da dívida.
E o que é a dívida pública? Essa seria toda uma outra discussão, não é? Mas a questão é que, então, os fundos de investimento junto com instituições financeiras e fundos de previdência detêm praticamente 80% do total da dívida pública brasileira. E a questão relativa a isso é justamente que os fundos de investimento possuem um papel, digamos, duvidoso no desenvolvimento do País, já que grande parte do retorno que eles obtêm vem do rentismo sobre a dívida pública - certo? - e o financiamento propriamente do setor produtivo privado é bastante questionável. Por exemplo, em debêntures, dá para ver aqui que há menos de 5% de investimento em debêntures, que seriam uma espécie de financiamento direto das empresas.
Então, com isso, também a gente mostra esse lado, o lado privado, justamente da privatização do Estado e da riqueza do Estado, de uma dívida pública que também tem um caráter, em boa parte, improdutivo, ou seja, não financia novos projetos de um Estado desenvolvimentista, que vai promover os direitos sociais, mas de um Estado que cada vez se volta para pagar a própria dívida pública.
Acho que, com isso, eu encerro, dando um pouco essa dimensão, com esses dados dos agentes privados, da financeirização. E agradeço novamente à Comissão de direitos humanos, aos Senadores e Senadoras e aos meus colegas aqui de Mesa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, meus cumprimentos ao pesquisador Ilan Lapyda pelo trabalho apresentado, por todo o grupo, naturalmente.
Então, meus cumprimentos, Rudinei Marques, Presidente da Fonacate; meus cumprimentos, Sr. José Celso Cardoso Junior, Coordenador da Comissão de Estudos da Fonacate; meus cumprimentos, Denise Lobato Gentil, professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ; e meus cumprimentos a Ilan Lapyda, pesquisador, e a Miguel Bruno, professor. Vocês deram uma aula rápida, objetiva, mas eu sei que quem assistiu entendeu que quem está ganhando neste momento é a especulação financeira. Temos um Governo aí que é um Governo da desconstrução, é o Governo da privatização, tanto que um dos principais agentes desse Governo veio ao próprio Rio Grande do Sul e disse que, se eles pudessem, eles privatizariam tudo. Mas disse com essa expressão. Quando eles dizem tudo, para mim, vai tudo, não é? Vai Petrobras, vai Caixa Econômica Federal, enfim, vai tudo aquilo que foi construído pelo povo brasileiro durante séculos.
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Eu lamento muito e tenho que informar que, amanhã de manhã, lá na Comissão de Economia, eles vão tentar - tentar - votar, já, a privatização dos Correios, sem passar pela CCJ. Já há um parecer no Supremo Tribunal Federal do próprio Procurador da República dizendo que é inconstitucional. Na Câmara, não passou pela CCJ, foi direto para o Plenário, e vão querer votar ainda este ano. É claro que nós vamos... Eu quero que haja um debate entre as duas partes e não de forma isolada como eles fizeram. Queremos também que vá à CCJ e queremos sessões de debates no Plenário do Senado. Mas temos o receio de que eles façam o que fizeram já com a Eletrobras e aquilo que estão perseguindo na própria reforma administrativa, que vocês conhecem muito bem. As preocupações de vocês são também as nossas com tudo isso que vem acontecendo, e, como foi dito aqui, quem ganha mesmo é a especulação financeira; não é o mercado produtivo, não é trabalhador, não é o social, não é educação, não é distribuição de renda, não é previdência, não é nada.
Mas que sirva de alerta o que vocês hoje aqui também demonstraram com muita, muita competência. Eu conheço praticamente todos, até porque sou o mais jovem de vocês... Claro que é uma descontração! Eu estou isolado no Rio Grande do Sul, pela idade - já tenho mais de 70 -, e tenho princípios, ainda, infelizmente, de diabete e também de pressão alta, mas estou me cuidando e, por isso, estou trabalhando virtualmente neste período, mas louco para voltar já no corpo a corpo que a gente faz no dia a dia, não é, Rudinei? Você participou muito comigo, Rudinei - vocês todos, Denise, enfim, vocês -, nas caminhadas por esse Brasil todo, debatendo aí o que estava para vir. E nós tínhamos razão: o que estava para vir é o que se encontra aí.
Mas o ano que vem, eu chego a dizer - e não vou usar um outro termo para não dizerem que eu estou desviando o debate de forma inadequada -, o ano que vem é o ano das nossas vidas, porque nós temos a chance de mudar o curso da história.
Muito obrigado a todos vocês.
Voltaremos, com certeza, outras vezes, para debates aprofundados como este em que vocês hoje puderam dar uma pincelada, mas deram um alerta ao povo brasileiro.
Até a próxima.
Obrigado a todos. (Pausa.)
Neste momento, eu vou entrar na segunda parte da nossa audiência pública de hoje.
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A segunda parte da audiência pública, que será realizada nos termos do Requerimento nº 3, de 2021, desta Comissão, de autoria do Senador Paulo Paim, é para debater o tema Racismo Estrutural.
Com esse objetivo, os nossos convidados do dia de hoje são: Iraneide Soares da Silva, Professora e Coordenadora Nacional do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros; Renato Ferreira, Mestre em Políticas Públicas e especialista em Gestão Pública e Corporativa da Diversidade; também a advogada Tamires Sampaio, Mestre em Direito Político e Econômico, Secretária Adjunta de Segurança Cidadã de Diadema e diretora do Instituto Lula; e Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da OAB.
Rapidamente, aqui, eu apresentei os convidados, e nós vamos ordenar os trabalhos da seguinte forma: eu farei uma abertura desta nossa live, falando um pouco sobre essa situação, lembrando que nós temos, em novembro... Novembro é o Mês da Consciência Negra, quando nós esperamos que tanto Câmara quanto Senado façam uma pauta que vá na linha de combater o racismo estrutural no nosso País. É com esse objetivo que eu faço aqui agora as primeiras considerações e, em seguida, vou passar a palavra para os nossos convidados.
Estão vendo aí? Porque houve duas reuniões ao mesmo tempo, não é? Mas, a Iraneide Soares da Silva já está na tela.
Então, Iraneide, eu vou fazer a abertura dessa nossa audiência pública, que, como eu dizia, é de suma importância no Mês da Consciência Negra. Esperamos que esta audiência pública contribua, como os outros setores fazem no mês das mulheres, no mês do trabalhador rural, enfim, nas mais variadas áreas, para que possamos, neste mês, no Mês da Consciência Negra, aprovar projetos que venham a combater o racismo no nosso País
Mas vamos lá, então! Eu vou fazer a minha abertura e, em seguida, eu passo para os convidados e convidadas.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater o racismo estrutural, em atenção ao Requerimento nº 3, de 2021, de minha autoria.
Neste mês de novembro, Mês da Consciência Negra, conforme o PLS nº 482, de 2017, aprovado no Senado, que garante, inclusive, a data de 20 de novembro como reconhecimento de feriado nacional de Zumbi e da Consciência Negra, o qual aguarda aprovação na Câmara Federal.
É muito importante, porque, hoje, não chega nem a um décimo o número de cidade neste País que reconhecem como feriado nacional o Dia da Consciência Negra, a data e Zumbi dos Palmares. Nós queremos, esse projeto foi apresentado no Senado pelo Senador Randolfe, mas houve outros no passado, que foram derrotados, infelizmente, de minha autoria, de Benedita da Silva, Caó, Abdias, enfim, de tantos que trabalharam para o feriado nacional. Desse aqui eu fui o Relator, conseguimos aprovar no Senado e se encontra, agora, na Câmara dos Deputados.
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Precisamos falar de racismo estrutural vivido diariamente pela população negra em nosso País. O Brasil não tem como prosperar se permanecer calcificado no racismo. Discursos sem ações práticas não se sustentam mais. A comoção sem elaboração e implantação de políticas públicas, raciais e integradas só convém para o que chamamos de antirracismo por conveniência. Não podemos permitir que 56,2% de nossa sociedade, que é negra, sejam massacrados diariamente pela falta de equipamentos públicos que direcionem políticas para a nossa população.
O racismo e as desigualdades perpassam as mais variadas áreas, como a saúde, por exemplo, a educação, a habitação, a segurança, a abordagem, e por aí vai. O Brasil subnotificou quase 70% dos casos graves de covid-19, em 2020. Os dados são de um estudo da Vital Estratégia, instituição internacional de saúde sem fins lucrativos.
Apresentamos e aprovamos o PL 2.179, 2020, que eu aqui já citei, marcadores sociais que combatem a subnotificação da pandemia, mas, infelizmente, a matéria está parada na Câmara dos Deputados.
Quando falamos em violência, os números não fogem da verdade, não deixam ninguém mentir. Dados do Monitor da Violência mostram que, em 2020, no País, 78% dos mortos pela polícia foram negros. Com os movimentos negros do Brasil, Coalizão Negra por Direitos, apresentamos o PL 5.231, de 2020, que trata da abordagem policial dos agentes públicos e privados. O texto foi aprovado no Senado e aguarda a prestação na Câmara.
No próximo ano, temos a Lei de Cotas, Lei 12.711, de 2012, que passará por uma variação, e, para garantir a sua permanência, apresentamos o PL 4.656, de 2020, que além de garantir a sua vigência inova ao incluir instituições particulares como promotoras dessa política.
Existem inúmeros projetos que vão nesse sentido também na Câmara dos Deputados. Esperamos que não importe qual se vote primeiro, ou o da Câmara ou o nosso do Senado, o importante é a causa: que se vote, e a Casa irmã vai acompanhar a votação acontecida na primeira Casa - assim eu espero.
Estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), indicou que, entre 2014 e 2018, a proporção de graduados pretos e pardos nas instituições federais cresceu consideravelmente, razão que aumenta desde 2010, e superou em quase oito pontos percentuais a de graduados brancos, em 2018: pretos e pardos, 51,2%; e brancos, 43,3%.
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E, neste mês de novembro, buscamos a ajuda de todos e de todas para aprovar as seguintes matérias raciais:
- o PL 4.373, de 2020, que tipifica como crime de racismo a injúria racial. O Supremo já decidiu pela constitucionalidade da matéria. Só falta agora o Congresso deliberar. Está na pauta do Senado o projeto que tipifica a injúria como racismo: é de minha autoria, e o Senador Romário fez um belo relatório. A matéria está pronta para ser apreciada;
- o PL 3.434, de 2020, que reserva vaga para estudantes nos programas de pós-graduação. Também é um projeto apresentado por nós e está pronto para deliberação em Plenário. Isso já existe na prática, mas falta consagrar na lei;
- o PRS 55, de 2020, que cria o Selo Zumbi dos Palmares nos Municípios que adotarem políticas públicas destinadas ao combate ao racismo e aos preconceitos, inclusive no mundo do trabalho. Esse Selo Zumbi dos Palmares também é uma forma de homenagear aquelas cidades que adotam políticas afirmativas; apresentamos com esse objetivo. Não tem gasto nenhum para a sociedade e muito menos para o Estado;
- o PL 2.000 - este para mim é muito importante -, que reconhece o sítio arqueológico da região do Cais do Valongo como Patrimônio Histórico da Cultura Afro-Brasileira, em decorrência do título de Patrimônio Histórico da Humanidade conferido pela Unesco. Se essa lei não for aprovada e consagrada, nós poderemos perder o Patrimônio Histórico da Humanidade que é o Cais do Valongo, e foi assim conferido pela Unesco.
Louvamos também pela instalação da Subcomissão da Promoção de Igualdade Racial. Já apresentamos e aprovamos na CDH e está pronta para ser instalada a Comissão, para que possamos efetivamente implantar medidas de combate ao racismo por meio do Legislativo.
Apresentamos e aprovamos também inúmeros outros projetos que estão lá na Câmara dos Deputados. Esperamos que, durante o mês de novembro, se deem essas votações.
Eu vou de imediato, agora, passar a palavra para os nossos convidados.
A primeira convidada presente aqui conosco já está na tela. Agradeço também a presença da Senadora Rose Freitas, do Senador Vanderlan Cardoso e de todos aqueles que estão nos assistindo neste momento.
Então, de imediato, passamos a palavra para a Professora Dra. Iraneide Soares da Silva, Coordenadora Nacional do Consórcio Nacional de Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (CONNEABs/Uespi).
Professora, o tempo é seu. Os seus dez minutos iniciais à sua disposição para o tema, na linha do combate ao racismo estrutural.
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A SRA. IRANEIDE SOARES DA SILVA (Para expor.) - Boa tarde, Senador. Boa tarde a todas as pessoas que nos escutam.
Muito obrigada, Senador, pelo espaço, para a gente debater esse tema tão importante para todos nós, todas nós, sociedade brasileira.
Bom, vamos pensar, vamos discutir um pouquinho este racismo estrutural. O que é isso?
E, assim, eu começo a dizer que... Primeiro, quero lembrar, Senador, que os nossos passos vêm bem de longe. O racismo no Brasil não é algo contemporâneo, não é algo recente, mas é algo de tempos bem distantes e bastante calcificado.
Eu até daria um exemplo bem simplório que seria a base de uma casa, a base da nossa casa, que é composta por areia, é composta por pedra, ferro... Mas há um elemento que é importante e que compõe toda a casa, que é o cimento, que vai sedimentando a nossa casa. E o racismo para nós é esse cimento. Ele sedimenta, ele consegue atingir todos os espaços da nossa casa e das nossas vidas.
E, quando eu falo isso, eu digo que o racismo no Brasil não é um problema meu enquanto mulher negra, não é do Senador Paim, enquanto homem negro, não é seu, daquele ou daquela pessoa negra. É um problema do Brasil, da sociedade brasileira, e é um problema que precisamos resolver conjuntamente. Precisamos, de fato, nos tornar pessoas antirracistas. E, quando a gente fala em racismo estrutural, a gente está falando de um conjunto de práticas, de hábitos, de situações, de falas e de costumes que estão arraigados em toda a estrutura da nossa sociedade, que estão na nossa casa, na casa do nosso vizinho, que estão na escola, que estão no hospital, que estão nas instituições, mas também no nosso cotidiano mais privado e que precisam ser combatidos.
E esse racismo, como um mal, perverso, é estrutural, exatamente porque ele atinge, ele perpassa todas as estruturas das nossas vidas, das nossas instituições e, consequentemente, ele segrega, ele discrimina, ele sobrepõe um grupo sobre outro... E é disso que a gente está falando. É essa sobreposição que gera os números que o Senador Paim estava colocando há pouco tempo, que gera números perversos para nós.
Por exemplo, pensar que a taxa de analfabetismo, em 2016, de acordo com dados do Pnad, enquanto para os brancos, para a população branca, era de 4,2%, para a população negra era de 9,9%. A diferença é muito grande.
Se a gente for a outros dados, por exemplo, rendimento médio de trabalho, a gente vai ver que as pessoas brancas conseguem ganhar... o branco consegue ganhar 2.814; o pardo, 1.606; e o preto, 1.570. Aí se você soma pretos e pardos, você vê que a discrepância é grande, de fato, em toda a estrutura.
As nossas políticas, as nossas políticas públicas, em termos de legislação, conseguiram avançar um pouco, sim. Temos a nossa LDB, em que foram agregados os arts. 26-A e 79-B, que instituem a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e a obrigatoriedade de se comemorar o 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra nas escolas. Isso é importante.
A Lei 12.711, Lei de Cotas, também para a gente é um marco importante. Nós temos o Estatuto da Igualdade Racial, nós temos a própria Constituição, Constituição essa construída e produzida a partir também de algumas bandeiras de lutas nossas que foram importantes, bandeiras que tratam da terra dos nossos quilombolas, dos nossos indígenas, bandeiras que nos... O próprio preâmbulo da Constituição traz um discurso que se aproxima da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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Então, nós conseguimos, de fato, avançar em termos da legislação, mas, na prática, as nossas atitudes... Nós precisamos de fato agir e pensar como pessoas antirracistas, independentemente da cor da pele, da etnia, da raça. Nós precisamos de atitudes, de atitudes práticas no nosso dia a dia, de nos ver enquanto sujeitos que promovem, com o seu cotidiano, uma ação afirmativa. E a ação afirmativa de que estou falando não é somente uma política, mas uma ação individual que, consequentemente, reverbera todo um coletivo.
Quando a gente pensa em números, pensa esses números... Eles são tão frios! É preciso pensar, sobretudo, que são famílias. Por exemplo, a cada 23 minutos um jovem negro tomba em nosso País. Um jovem negro tomba e, consequentemente, uma família, uma mãe, um pai, irmãos. E muitas vezes esse jovem negro é aquele que leva comida para dentro de casa, é aquele que é a base da família, da mãe negra que muitas vezes não tem um companheiro para estar contribuindo, porque também muitas vezes ele tombou. Então, esses números, que parecem frios, não podem ser frios, não devem ser frios. São vidas, são vidas de pessoas, de homens, de mulheres, de jovens, são as nossas vidas.
E isso também não é algo estanque, essa realidade social nos atinge diretamente. Peguemos, por exemplo, o abismo social que existe entre brancos e não brancos. Cargos gerenciais, em 2018: o IBGE colocava que os brancos ocupavam 68,6%, enquanto os negros ocupavam somente 29,9%. Olhem a diferença, olhem o abismo existente entre esses dois grupos! É bastante expressivo. E a gente está falando do século XXI!
O Senador se reportava ao passado mais próximo. Por exemplo, 20 anos atrás, quando a gente ia para a batalha para pensar o processo preparatório Durban, quando no Fórum Social Mundial, lá no Rio Grande do Sul, nós debatíamos e discutíamos uma legislação para a educação, políticas afirmativas, trazíamos toda uma série de bandeiras. E estávamos naquele momento, no final dos anos 1990, no século passado, ainda carregando bandeiras e gritando: "O Brasil é racista!" Entramos no século XXI e conseguimos algum avanço, sim, quando o Brasil, em 2001, disse, afirmou para o mundo que é um País racista, que precisa corrigir, a partir de políticas públicas, as discrepâncias entre homens e mulheres, brancos e negros.
Vamos começar o nosso debate. Estou provocando e, aí, vamos pra frente.
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Muito obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos à nossa primeira convidada, Dra. Iraneide Soares da Silva, Coordenadora Nacional do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Conneabs) e professora da Uespi. Foi brilhante, fez uma exposição clara e objetiva nos seus dez minutos.
Quero, com alegria, registrar também a presença - já falei da Senadora Rose de Freitas e do Senador Vanderlan Cardoso - da Senadora Zenaide Maia, que faz parte também desta Comissão.
De imediato, passo a palavra - se já está na tela, seria pela ordem dos inscritos aqui - ao Professor Renato Ferreira. Parece-me que ele entrou, teve um probleminha e voltou. Dr. Renato, eu já ia te chamar de Renato, porque o meu nome também é Paulo Renato. Então, eu ia te chamar de Renato. Mas deixe-me apresentá-lo aqui e vou passar a palavra para o senhor.
Vou passar a palavra neste momento para o Professor Renato Ferreira, que é Mestre em Políticas Públicas, Especialista em Gestão Pública e Corporativa da Diversidade. O tempo é seu por dez minutos. Assunto: racismo estrutural.
O SR. RENATO FERREIRA - Paim, me ouve?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeitamente.
O SR. RENATO FERREIRA (Para expor.) - Senador Paulo Paim, primeiramente gostaria de agradecer pelo convite mais uma vez e pela oportunidade de estar junto com V. Exa. em mais este momento importante da nossa história, nós que já estivemos juntos em vários momentos.
Eu agora, por conta da minha tese de doutorado, tenho estudado muito sobre o direito e as questões raciais. Analisando as questões constitucionais, o debate constitucional, a Constituinte, vejo que novamente está lá o Senador Paulo Paim atuante, trabalhando junto com seus companheiros para nos propiciar normas jurídicas importantes para a consolidação do Estado democrático de direito. É muito gratificante, Senador, ver toda essa sua trajetória, desde o processo constituinte até os dias de hoje, sempre enérgico, sempre agregador e sempre contundente na luta antirracista. Para nós ativistas, para nós intelectuais, para nós que somos antirracistas, é um orgulho ter o senhor como Senador nos representando tão bem nessa Casa. O senhor é um homem republicano da alta estirpe e tenha certeza de que a minha fala não é só minha, é a fala de muitos colegas, de muitos pesquisadores, de muitos professores e de muitos juristas antirracistas deste País. É um orgulho ter o senhor aí nos representando no Senado Federal!
Bom, o tema que me foi proposto aqui é o tema do racismo estrutural, um tema recorrente neste debate. Eu vou fazer uma digressão um tanto quanto histórica e também sociológica para entrar na parte jurídica, que penso ser oportuno, sobretudo por conta da entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial.
É necessário que nós façamos algumas ponderações sobre o que significa, primeiro, o reconhecimento do racismo estrutural, o seu conceito, as suas características, os seus desdobramentos na sociedade brasileira e, sobretudo, entender que nós já fizemos a travessia do debate sobre o racismo estrutural e nos encontramos em outra quadra.
Eu advirto sempre os meus alunos dos cursos em que trabalho as relações raciais - o curso Saber Afirmativo, que é um curso que nós temos, Senador, para preparar jovens negros para o mestrado; o curso Justiça Negra - Luiz Gama, que é um curso que nós temos para preparar jovens juristas para as carreiras jurídicas; o curso que nós temos lá junto ao Frei David no Educafro, curso que visa capacitar pessoas negras. Enfim, todas essas nossas ações são no sentido de dialogar no debate sobre o racismo estrutural, mas sobretudo para assentar o debate sobre o racismo estrutural onde ele merece ser assentado.
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Então, o que o movimento negro, os intelectuais negros e os ativistas vieram buscar como um consenso sobreposto nesse debate? As relações raciais se moldam a questões que afetam o poder. Ninguém analisa as questões raciais, ninguém reivindica uma identidade para nada. Quando falamos de relações raciais e suas tensões... (Falha no áudio.)
... estamos falando de relações de poder. Então, nesse sentido, como nós todos sabemos, o histórico do Brasil traz um déficit significativo de poder - e é disso que se trata - para as pessoas negras, que são descendentes de seres humanos africanos que foram escravizados injustamente, porque sequer eram considerados... (Falha no áudio.)
... não havia mais nenhuma razão jurídica para que as pessoas negras continuassem subalternizadas. Ali era o momento de o Brasil atacar as desigualdades raciais do mesmo modo que fez com desigualdades sociais que foram negadas aos imigrantes que estavam chegando aqui exatamente naquele período.
Pois muito bem, o Brasil, num primeiro momento, entrou em políticas racistas, declaradamente racistas, que foram expostas no Código Penal, criminalizando a cultura negra, criminalizando a religião de matriz africana, criminalizando o corpo negro. Isso ocorreu num primeiro momento por força do impacto da eugenia para a formação moderna brasileira. A formação moderna brasileira está essencialmente ligada à eugenia. A modernidade brasileira se consolidou tendo o racismo estrutural como uma espécie de pilar ideológico na matriz política de construção da modernidade brasileira. Não se pode falar em modernidade brasileira sem se falar em racismo estrutural... (Falha no áudio.)
... a eugenia era que dizia o status de significado que os negros deveriam ter dali para frente. Tanto isso é verdade que a própria Constituição de 1934 traz a eugenia como um vetor importante para o Brasil. Está escrito lá na Constituição de 1934, ali naquele governo.
Então, o que ocorre? O Brasil, de um modo geral - e aí foi um avanço para tentar rebater a eugenia -, decretou uma sociabilidade simbólica que se convencionou chamar, por diversos intelectuais, de democracia racial. Então, a democracia racial, que é tida por muitos - e eu vou citar apenas um aqui: Florestan Fernandes - como um mito, na verdade é para além de um mito. A democracia racial, tratou-se de uma política. Para nós no Direito existe uma categoria muito importante, que é a categoria das ações que são comissivas por omissão. Geralmente, a gente entende que a ação pode ser voluntária ou involuntária, a gente sempre entende a ação como um ato, mas existem muitas condutas que são omissivas. Então, por exemplo, se alguém tem o dever jurídico de fazer algo e nada faz, ele está sendo omisso, e essa omissão, inclusive, pode ser tipificada como um crime.
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Então, é exatamente aí que eu quero chegar, para discutir, nesse primeiro momento, esse aspecto histórico-social do racismo estrutural. Quando se fez a abolição, debruça-se na eugenia, a eugenia passa a ditar as políticas brasileiras, e isso cristaliza, isso consolida as desigualdades legadas pela escravidão.
A desigualdade que os negros hoje têm não tem nada a ver com a escravidão mais. Os negros estão numa desigualdade não é por conta da escravidão. Durante todo o século XX houve tempo - o Professor Hélio Santos está certo -, houve tempo para dar aos cidadãos, agora não mais escravizados, negros brasileiros uma cidadania digna. O Brasil não o fez porque adotou a política de democracia racial como ação omissiva, deixando os negros à própria sorte, ou melhor, ao próprio azar, para que, daí, pudessem - sozinhos - resgatar a sua identidade.
Trata-se aqui, quando se fala dessa identidade, de resgatar a sua humanidade, porque os negros chegaram aqui e nunca foram tratados como seres humanos. E o intelectual que melhor diz isso é o Achille Mbembe, naquele texto clássico dele que fala da necropolítica. Trata-se aqui de resgatar a cidadania, mas, sobretudo, a humanidade das pessoas negras que vieram da África e dos seus descendentes. Esse é um ponto que a gente precisa traçar como uma epistemologia, mas, sobretudo, como uma premissa importante para esse debate.
Pois muito bem, vieram outros sistemas, acabou a Velha República, e é importante ainda destacar um fato importantíssimo: quando houve a abolição, Senador, vários fazendeiros queriam entrar na Justiça, porque a abolição da escravatura, do ponto de vista jurídico formal, significou uma expropriação do senhor de escravo. O escravo era coisa, o senhor tinha pago por aquilo. Então, quando o Estado promove a abolição... (Falha no áudio.)
... o governo deveria indenizar os senhores, e esse pedido de indenização foi feito. O Ministro da Economia era ninguém menos do que Ruy Barbosa, um dos maiores juristas liberais da história do Brasil. E foi, exatamente, o Ruy Barbosa, num despacho seu, que disse que não ia indenizar ninguém, e que se tivéssemos que indenizar alguém, que se indenizassem os escravos - palavras do Ruy Barbosa.
Então, desde Ruy Barbosa que se sabe que os afro-brasileiros deveriam ser indenizados; desde Ruy Barbosa, da República Velha, que já se sabe que os afro-brasileiros deveriam ter políticas de inserção para que a integração se desse. Pois não veio. A Europa foi destruída duas vezes durante o século XX e pôde se reerguer. No entanto, a situação dos afro-brasileiros, praticamente em nada mudou durante o século XX. Quem mostra isso não somos nós, quem mostra isso são os indicadores sociais oficiais deste País, todos e em todas as categorias: indicadores na educação; na saúde; na segurança pública; na moradia; todos vão dizer, de modo ululante, o lugar dos negros na sociedade de classes.
Eu ouso dizer que nunca houve igualdade para os negros, nem material e nem formal. E vou até mais longe, com Milton Santos: nunca houve humanidade, na história do Brasil, para a pessoa negra; as pessoas negras nunca foram consideradas humanas, de fato, no Brasil. Um autor importante é o Norberto Bobbio, porque nunca houve, nunca houve igualdade coisa nenhuma, a igualdade é o ideal da razão... (Falha no áudio.)
... nem formal e nem material.
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Pois bem, no final do século XX, o movimento negro, cônscio dessas coisas que estou trazendo aqui... E eu só posso trazer esses ensinamentos porque o movimento negro, como nenhum outro movimento, chamou para si a responsabilidade de não permitir o genocídio da população negra, que só não foi praticamente dizimada por força da luta do movimento negro. Daí a Professora Eunice Prudente falar com muita propriedade que o brasileiro negro deve sua cidadania ao movimento negro brasileiro, porque, se não fossem as denúncias do movimento negro, estaríamos quase todos dizimados. O plano eugenista era nos matar em cem anos.
Então, nós chegamos à Constituição de 1988 com objetivos fundamentais. Primeiro, tornar o racismo crime, criar políticas de combate ao racismo; segundo, criar políticas de promoção da igualdade racial. Da Constituição de 1988 nós saímos com duas premissas: combater o racismo como crime e promover a igualdade racial. Esse processo de 1988 até aqui, que passou por marchas, que passou por Durban, consolida não mais o status de racismo estrutural na sociedade brasileira, mas consolida um estágio de enfrentamento ao racismo por meio das políticas de promoção da igualdade racial. Essa é a quadra histórica que nós atravessamos hoje. Nós vivemos hoje a era da promoção da igualdade racial.
E me deixem aqui fazer, por fim, uma observação sobre a era que estamos atravessando. Da Constituinte de 1988 emergem duas categorias importantes de poder: uma é ambiental e outra é da questão racial. Pois bem, a questão ambiental não era, até 1988, uma questão de Estado, ela era uma questão de ambientalistas. Eram os ambientalistas que falavam da importância de preservar o meio ambiente, praticamente não existia política pública para defender o meio ambiente. De 1988 para cá, as políticas ambientais tornaram-se políticas de Estado. Elas hoje estão presentes em tudo, no governo federal, no governo estadual, no governo municipal. Elas têm capilaridade na mídia, elas têm a simpatia da mídia, elas têm a capilaridade dos gestores e, sobretudo, dos órgãos de controle e de poder - falo aqui de Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Contas. Elas têm também o apoio da sociedade brasileira, das escolas, existe uma educação ambiental fortíssima neste País. Então, quando alguém quer retroceder nas políticas ambientais, ainda que tenha algum tipo de sucesso, acaba tendo problemas porque a política ambiental é uma política de Estado, não é mais uma política só de ambientalistas, com todos os entraves e os problemas que ela pode ter.
Pois muito bem, o mesmo não se dá com a política de igualdade racial. Ela veio da Constituição como uma política de Estado, mas ela se enfeixou nesse desdobramento como política de governo, daí porque quando vem um governo progressista ela avança, e um governo reacionário, quando assume, ela retrocede. Esse é o ponto. As políticas de promoção da igualdade racial no Estatuto da Igualdade Racial proposto por V. Exa. estão exatamente nessa seara.
Então, fica muito difícil combater o racismo estrutural quando promover a igualdade racial e enfrentar o racismo é coisa somente de ativista do movimento negro. Combater as desigualdades raciais precisa ser coisa do Estado brasileiro, precisa ser cada vez mais uma questão republicana. Nós não podemos atravessar mais um século tendo o movimento negro sozinho dizendo para o Brasil que é importante reduzir as desigualdades raciais e que isso é importante para fazer do Brasil um Estado soberano e um país que não permite que desigualdades incompatíveis com o Estado democrático de direito possam permanecer por mais um século.
Era isso o que eu queria dizer, Senador. Eu teria mais a falar aqui, mas queria ser breve, deixando uma saudação para V. Exa.
Mais uma vez, obrigado pela oportunidade.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, vai ter mais oportunidade neste mesmo debate de hoje, meu querido amigo e Professor Renato Ferreira, Mestre em Políticas Públicas, Especialista em Gestão Pública e Corporativa da Diversidade.
O Renato era jovem ainda quando eu já estava começando a ter cabelos brancos. A bancada da Constituinte era Benedita da Silva, o nosso inesquecível KO, já falecido, Edmilson Valentim e este Senador. Éramos quatro a bancada negra, assim considerada, na Assembleia Nacional Constituinte.
Mas conheço o Renato de muitos momentos da história, não é? Educafro, momentos das caminhadas em Brasília, debates na CDH. É muito bom te ver aí com toda essa força, firme, corajoso e dando aula pra nós outros, que trabalhamos, trabalhamos, trabalhamos, mas é preciso, cada vez mais, termos também os nossos quadros preparados, com aulas como a que você deu aqui, e também a Dra. Iraneide assim o fez.
Então, neste momento, eu passo a palavra para a nossa querida convidada Dra. Tamires Sampaio, advogada e Mestre em Direito Político e Econômico; Secretária Adjunta de Segurança Cidadã de Diadema e Diretora do Instituto Lula. Por favor.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO (Para expor.) - Boa tarde!
Vocês me ouvem?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Boa tarde!
Estamos te ouvindo.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Ah, perfeito.
Eu quero começar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Em seguida vai ser Humberto Adami - só para atualizar aí, Dr. Humberto Adami.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Eu quero iniciar minha fala agradecendo o convite. Para mim é uma honra estar aqui, Senador Paulo Paim, companheiro de partido, de movimento inclusive. A gente sempre se encontra em atividades do movimento negro.
E quero dizer da honra que é para mim estar ao lado do Dr. Humberto Adami, companheira também da OAB, da Dra. Iraneide, do Dr. Renato, professor que eu acabei de conhecer.
Eu sou formada em Direito, sou Mestre em Direito Político e econômico, sou militante do movimento negro pela Conen.
Eu até ia fazer uma fala um pouco mais abrangente, mas, como as falas da Dra. Iraneide e do Dr. Renato, que me antecederam, já trouxeram uma perceptiva mais geral, eu vou focar a minha fala numa perspectiva de segurança pública, que é um tema que eu tenho acompanhado, agora diariamente, na Secretaria de Segurança em Diadema, que eu acho que é um dos temas fundamentais para a gente pensar, inclusive quando a gente fala sobre combate ao racismo estrutural, porque não dá para a gente pensar em qualquer outra política pública se a nossa população não estiver viva, não é? Então, pensar a construção do combate ao genocídio da população negra é, inclusive, pensar como a gente constrói uma política pública de segurança que não seja baseada na morte da nossa população.
Há alguns pontos que já foram trazidos aqui. Essa questão sobre o racismo estrutural se reproduz em todas as nossas relações sociais e institucionais, da forma como ele se relaciona com a política, com o Direito, com a ideologia, com a economia. E, a partir disso, essas violências que a população negra sofre diariamente são violências que são inclusive naturalizadas, são chanceladas por ações e por omissões do Estado. Por isso que fazer uma discussão sobre esse tema no Senado Federal é fundamental. O Senado, como parte do Poder Legislativo do nosso País, tem um papel importante na construção do combate a essas estruturas. Mas, de certa forma, ele também, como parte de uma estrutura da nossa sociedade, acaba reproduzindo o racismo, não é?
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Seja pela ausência, na totalidade, da população negra nesses espaços ainda, a gente sabe quão poucos são, ainda, Senadores negros no nosso Parlamento, mas também ele acaba sendo naturalizado em alguns que são...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dra. Tamires, me parece que a sua internet caiu.
Se a internet dela não voltar...
Vamos lá de novo. (Pausa.)
Dra. Tamires?
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Oi, você está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora sim. Tinha caído.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Ah, caiu?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora estou lhe ouvindo. Estou lhe ouvindo.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO (Por videoconferência.) - Agora está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Tá.
Então, vou retomar um pouco. Ficou muito tempo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Uns 30 segundos, nem um minuto.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Tá, nem um minuto. Então, perfeito.
Eu vou só retomar um pouco o que eu estava comentando sobre como a gente acompanhou agora, durante este ano, um ano de pandemia, a CPI da Covid e o quanto a pandemia, de certa forma, inclusive, atingiu, majoritariamente, a população negra e os povos indígenas, a população quilombola, por serem, inclusive, parte de uma parcela da população que está em uma situação de vulnerabilidade e, por estarem em uma situação de vulnerabilidade social, não têm condição, não têm condição de se proteger neste processo com a ausência de políticas públicas mais assertivas do Governo Federal.
Mas, falando sobre segurança pública, que é o que eu comentei que eu acho que é um ponto fundamental, a gente vive num país em que segurança pública está aliada à manutenção da ordem social, em especial, e manutenção da ordem em um país em que a nossa estrutura social é racista, em que as violências contra a população negra são chanceladas por ações e por omissões do Estado, de certa forma, acaba sendo a relação da segurança pública com a manutenção dessas violências, inclusive, a utilização do sistema de segurança pública, dos agentes de segurança pública para efetuar a ação dessas violências que a população negra sofre.
Então, é fundamental a gente tentar construir uma noção de segurança pública baseada na garantia de direitos, e não na manutenção da ordem. Segurança pública precisa estar atrelada à garantia do combate à desigualdade social, à garantia do acesso à educação da população, à garantia do espaço de cultura e lazer, à garantia de pleno emprego, porque é combatendo as desigualdades sociais, é garantindo acesso aos direitos, ou seja, garantindo acesso à cidadania plena que, de fato, a gente consegue construir uma sociedade segura para todos e todas, porque a gente sabe que um dos principais fatores que geram insegurança no Brasil é a desigualdade social.
Então, pensar que um país como o Brasil, em que quase 30% da população encarcerada está relacionada, por exemplo, à lei de drogas, em um processo em que a criminalização, essa guerra às drogas, na realidade, é uma guerra à população negra, é uma guerra contra a população pobre e periférica. A guerra às drogas é um dos principais fatores que chancelam a violência que a população negra, em especial as que moram em comunidades e favelas sofrem.
O companheiro que me antecedeu falou sobre aquele ...
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Oi! (Pausa.)
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Voltei.
Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Bom, vou tentar retomar. A minha internet está um pouco oscilando aqui. Eu estava com o wi-fi, mas o wi-fi parece que desligou, e, agora, eu estou com o 4G. Então, é um pouco mais...
Mas retomando: o companheiro Professor Renato, que me antecedeu, falou sobre o Mbembe, e o Mbembe, quando fala sobre a necropolítica, a política de morte, ele também mostrava um conceito que é o conceito de território de exceção, que são territórios em que é como se o direito não existisse. São territórios em que a morte, de certa forma, é autorizada. E, quando a gente pensa no Brasil, nas periferias, que são espaços que são majoritariamente negros, a gente encontra esses territórios de sessão, que são territórios em que os direitos de garantia de acesso à saúde, esporte, lazer, educação não chegam em sua maioria, mas em que o Estado, na perspectiva de força, está sempre presente. Então, os agentes de segurança estão sempre presentes. E os agentes de segurança, estando sempre presentes, acabam, de certa forma, promovendo uma violência chancelada nessa lógica da guerra às drogas, como eu comentei.
Por isso que é fundamental, quando a gente pensa sobre segurança pública, em especial nessa mudança de uma perspectiva de segurança pública para uma perspectiva de segurança pública cidadã, que a gente construa uma nova política sobre drogas, um processo que entenda uma substituição sobre drogas mais na perspectiva da saúde pública do que, necessariamente, da segurança, trabalhando muito mais a prevenção e a redução de danos do que, necessariamente, a violência, porque é o que acontece agora, atualmente.
Então, Senador, Senadores presentes nesta solenidade, companheiras e companheiros, a gente precisa entender que, quando a gente constrói uma política de combate ao racismo estrutural, essa política de combate precisa estar aliada a uma construção que envolva uma série de ações do Estado brasileiro, ações que envolvam a educação... E, no ano que vem, a gente tem um ponto fundamental em relação à educação, que são os 10 anos da Lei de Cotas. O Congresso vai fazer uma discussão, uma avaliação sobre a transformação que aconteceu durante esses 10 anos.
Eu, inclusive, sou fruto da Lei de Cotas. Se hoje eu sou advogada, se sou mestre em Direito Político e Econômico, é graças a essa legislação. Isso porque eu fui estudante pelo Prouni no Mackenzie, mas uma estudante cotista do Prouni. Eu consegui uma bolsa no mercado, que também estava aliada à política de cotas. E, assim como eu, milhares de jovens brasileiros também tiveram acesso ao ensino superior e também hoje têm acesso a um diploma universitário graças a essa política.
E o Congresso, no ano que vem, vai avaliar. A gente conseguiu, de fato, atender e atingir o que a gente precisava ou ainda falta muito mais? Vamos ampliar ainda o prazo dessa Lei de Cotas? E como ainda melhorar essa Lei de Cotas? E eu acho este também um outro ponto fundamental, porque, para além da inclusão e do acesso ao ensino superior, a gente precisa garantir a permanência desse jovem na universidade também. Então, não dá mais para a gente pensar o acesso sem pensar também junto a permanência. Não dá para a gente pensar em como a gente consegue garantir que essa população acesse o ensino superior sem também pensar em como a gente inclui essa população no mercado de trabalho.
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E aí eu estou levantando esses pontos, tanto no que se refere à questão da segurança quanto, agora, no que se refere à questão da educação, porque a política pública de combate ao racismo ela precisa necessariamente ser intersetorial, ela precisa ser interseccional, ela precisa ser pensada em uma série de ações, em uma série de setores, inclusive, não só do Poder Legislativo, mas também do Poder Executivo e do Poder Judiciário, que são bases da nossa República, de certa forma, e que são bases que de alguma forma acabam reproduzindo o racismo, acabam naturalizando essas violências também.
Então, para que a gente combata o racismo, para que a gente combata essa naturalização dessas violências que a população negra sofre, essas desigualdades que são sistêmicas, porque o racismo é uma tecnologia de poder, ele se reproduz, inclusive, como essa tecnologia poder, para que a gente consiga todos esses níveis em que ele é representado, e não pensar uma política isolada por si só, porque não vai ser uma política isolada que vai garantir, de fato, que a gente consiga combater isso, mas um conjunto de ações que a gente vá construir em torno disso, e envolve repensar essa perspectiva de segurança cidadã, envolve repensar políticas outras de educação, e eu acho que, agora, com muita gente fazendo uso de cotas esse é um ponto que vai ser fundamental pra gente discutir.
Já deu o tempo, então, quero mais agradecer, a gente vai continuar o debate, ansiosa para ouvir o companheiro, Dr. Humberto.
Obrigada, Senador. É um prazer estar aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Dra. Tamires Sampaio, que foi na linha dos que nos antecederam, com a mesma grandeza de conhecimento e estudo. É importante saber que você veio da política de cotas, que você veio do Prouni.
Está aí a experiência vivida por você para contar, agora, como Doutora, advogada, mestra em Direito Político e Econômico e Secretária Adjunta de Segurança Cidadã de Diadema e Diretora do Instituto Lula, o que mostra que toda a questão da segurança tem a ver com a educação, com saúde, com habitação, com saneamento básico, com combater a miséria, a pobreza e melhorar a qualidade de vida de todo o nosso povo.
Parabéns, parabéns a você.
Mas, como eu tenho que falar menos e ouvi-los mais, eu vou de imediato, agora, para o Dr. Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, do Conselho Federal da OAB.
O Humberto Adami, conhecido de nós todos há muito, muito tempo, é mais um mestre que nos dá a alegria da sua presença no dia de hoje, aqui na CDH, via essa audiência, mas, ao vivo, pela TV Senado para todo o Brasil.
Por favor Dr. Humberto Adami.
O SR. HUMBERTO ADAMI (Para expor.) - Querido senador Paulo Paim, meu muito boa tarde a toda sua equipe, especialmente a valorosa Bebel.
Tamires, querida, que bom te ver aqui! Iraneide, Renato... A Tamires é orientanda do Silvio de Almeida também - lembro-me do livro dela. Eu estive lá, inclusive, ela estava presente no dia em que nós fomos entregar, o Conselho Federal da OAB foi entregar a placa de reconhecimento do Luiz Gama.
Luiz Gama, mais do que advogado, você foi herói da pátria e, com isso, abriu o que eu chamo, Paim, de a ressurreição do Luiz Gama, porque desse momento em que a OAB foi lá e disse que ele era mais do que advogado, começaram um monte de homenagens, livros. O Luiz Gama, particularmente, depois de 140 anos, ressuscitou, e ressuscitou para que todos nós conhecêssemos a sua obra, a sua vida e a profundidade da sua importância, o que é uma reparação também. Isso graças, no meu ponto de vista, a essa força poderosa que é a OAB. Virou, inclusive, a Medalha Luiz Gama no Instituto dos Advogados Brasileiros, que eu tive a oportunidade de receber.
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Mas eu ouvi todos aí falando, já bastante conhecidos. O Renato, como você disse, era bem novinho aí quando começou, era recém-formado, quando vieram os vestibulares aqui da UERJ, eu me lembro dele em 2003, em 2005, junto com o Frei Davi aqui e a professora também... Daqui a pouco eu me lembro dela... É César, Raquel César. E a Iraneide também. Eu tive um probleminha, perdi algumas falas, para entrar aqui eu estava correndo de um lado para o outro.
Mas você veja que, dentro do que está sendo falado - e eu quero falar mais sobre reparação da escravidão -, a OAB está se contorcendo toda para aplicar cotas para pretos e pardos nas eleições agora do dia 16 de novembro. Então, são 5.573 Municípios, 27 seccionais e o Conselho Federal estão literalmente se contorcendo, porque você sabe que é, Senador, um problema que sempre aflige muito essa coisa de botar cota para preto em qualquer lugar do País Brasil.
Então, lá está acompanhando, mas é um momento muito importante. Muitos de nós fomos chamados às pressas agora para a reunião do conselho eleitoral - eu e a Silvia Cerqueira -, porque estava lá uma possibilidade. Ora, eu ouvi o Renato falando aqui e a Tamires também que alguém queria ir lá discutir se a cota poderia ser não pela caráter fenotípico, mas ainda pelo critério de "o meu bisavô lá atrás", pelo critério genotípico. E isso é uma coisa que já está de há muito superada nos vestibulares, como disse a Tamires, que começaram com essa discussão. Mas hoje você já tem os concursos públicos - e eu estou acompanhando dois concursos públicos agora pelo IARA, o Instituto de Advocacia Racial Ambiental, como amigo da corte.
Naquele tempo, como diriam alguns, se dizia o seguinte: "Nós não queremos judicializar". Você se lembra disso, Senador Paulo Paim? "Nós não queremos judicializar. Nós queremos ir pela política", mas, como ter pela política, se você tem uma representação tão rarefeita no Parlamento brasileiro e que eu não vejo a menor possibilidade de mudar tão cedo?!
Às vezes eu vejo alguns companheiros do Movimento Negro: "Não, nós vamos fazer, vamos fazer pressão", mas fazer pressão com que força parlamentar, se nem nos governos, nos anos do Governo Lula, que foi com uma ampla maioria popular, uma ampla maioria Parlamentar, se conseguiu avançar mais do que o que foi conseguido? E, na minha opinião, poderia ter sido feito muito mais. Então, acho que hoje o cenário não é digno dessas bravatas todas que vejo por aí. Acho que há um erro de contextualização. Nós estamos muito mais num momento de resistência e de preservação do que foi conseguido nesses anos todos aí. E, olha, eu trabalhei no segundo Governo Lula, o Renato também, lá na Seppir. Eu trabalhei com três ministros: o Ministro Edson Santos, o Ministro Eloi Araújo e um pedacinho da Ministra Luiza Bairros. E muitas coisas, quando se olha pra trás, poderiam ter sido mais bem feitas e em quantidades superiores. Só pra deixar um exemplo claro, a lei de história da África e cultura afro-brasileira tem apenas dois artigos, que são os artigos de alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação; o resto é construção de resoluções do Conselho Nacional de Educação. Viram o peteleco que aquele tal de Weintraub deu nas resoluções do Conselho Nacional de Educação? Quer dizer, era para se ter fortalecido mais, com um sistema de legislação mais forte.
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Agora, parece que o Supremo que está avançando mais; fez a equiparação da injúria racial e do racismo. Mas isso poderia ter sido feito lá atrás com leis. E mesmo o Estatuto da Igualdade Racial, de que tanto se fala, foi... E muita gente acha que foi pouco, mas a gente sabe que foi o que foi possível aprovar com a conformação de forças que havia na época. E reclamam. E, se naquela época foi ruim, agora eu vejo isso com uma dificuldade muito maior.
Mas há avanços - há avanços. E eu quero falar da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, que eu já estou presidindo há três gestões na nacional e duas na estadual, e dessa Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros. A comissão nacional, na verdade, andou do jeito que ela pôde, sozinha, em muitos lugares, e foi fazendo, abrindo porta para esses maravilhosos advogados e advogadas que hoje têm acesso a entrar numa chapa, porque a eleição da OAB tem 50% de advogadas mulheres, paridade de gênero, e 30% de pretos e pardos. Como sempre, há muitas denúncias de fraude, de falsos pardos, mas nós sabemos que é assim mesmo; o importante é incluir e não parar. Nos vestibulares da Uerj também foi assim. Então, está avançando. E a Comissão da Verdade se espalhou em 18 seccionais e muitas subseções. Então, isso foi importante. Está trabalhando, fazendo do jeito que pode.
Como diz a Professora Maria Sueli Rodrigues, que é a secretária nacional da comissão e a responsável pelo Dossiê Esperança Garcia, lá na OAB do Piauí, com a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra: "O importante, Adami" - sempre ela me diz - "é falar sobre a reparação da escravidão", porque eu penso que esse é o tema do porvir. A igualdade racial, a ação afirmativa é uma vitória que a gente tem que preservar, mas a gente precisa avançar. Eu sempre digo que não é possível que apenas umas poucas vagas em concursos públicos, quer de natureza dos empregos públicos federais, quer dos vestibulares, seja o que a escravocracia brasileira entenda por reparação da escravidão; ela é uma parte muito pequena. Então, nós temos que falar, avançar mais, para falar sobre a verdadeira reparação da escravidão.
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Eu quero lembrar que tudo está sendo judicializado, e o escritório tem acompanhado muito, a OAB também, mas principalmente o escritório - meu escritório particular de advocacia -, o IAB e o IARA. Há três coisas para lembrar. O Cais do Valongo, para se implementar o comitê gestor, foi necessário que o Ministério Público e a Defensoria Pública ajuizassem uma ação, e estivemos lá como amigo da corte, para o juiz determinar que a União Federal faça a instalação do comitê gestor. Dois concursos da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal estão com os mesmos problemas - eu tenho acompanhado lá como amigo da corte - que a gente tinha anos atrás, não só a questão de cota. E agora eles inventaram uma outra coisa: a banca corrige só uma parte das provas de redação, Senador Paim, do concurso público, para os cotistas. Então, você tem lá 2 mil cotistas fazendo a prova, aí a banca diz: "Só vou corrigir de 1,2 mil, porque eu calculo que serão 300 vagas, pois são 3 mil vagas". E aí - já vai terminar meu tempo, então vou acelerar - não se consegue que todos os cotistas que estão na primeira fase tenham as provas de redação corrigidas, o que os impede de seguir no concurso. Vou mandar um ofício aí para que o Senado acompanhe isso.
E, por fim, agora, o IARA foi acusado - essa é a maior! - por dois juristas, dois doutores em Direito, de ser um perseguidor, fazer uma perseguição jurídica do Monteiro Lobato. Porque nós entramos contra agora... Além de o caso do Monteiro Lobato, com Caçadas de Pedrinho, estar lá atrás ainda, o caso ainda está sub judice, porque saiu do Supremo e foi para o Superior Tribunal de Justiça, agora há um prêmio que foi criado, inclusive no Senado Federal, para exportar o racismo brasileiro de Monteiro Lobato. O IARA ingressou com um mandado de segurança, porque é a única coisa que o IARA pode fazer. Às vezes perguntam: "Ah, mas você não fez a outra ação?". O IARA não pode fazer as ações constitucionais, pode fazer mandado de segurança, e também as pessoas físicas. Então, eram essas principalmente...
Eu quero dizer... Eu sei que o senhor vai falar aí, Senador Paulo Paim, sobre a Subcomissão de Igualdade Racial, dentro da Comissão de Direitos Humanos, e eu queria dizer - eu que tive fiz a proposição - que a minha ideia era propor uma comissão de reparação da escravidão. O tema que vai vir agora é reparação da escravidão, porque, se a gente diminuir o tamanho do arco, a flecha chega mais perto. Então, nós temos que esticar mais a flecha para ela chegar mais longe.
Acho que a ação afirmativa precisa de vigilância. E estamos tendo aí novos reforços, como muitos desses jovens que foram beneficiados pela política de cotas e que estão aí hoje brilhando em muitos lugares, como a querida Tamires e o próprio Renato também, mas também o Irapuã, essa turma toda. O Irapuã Santana diz uma coisa que eu gosto muito de ouvi-lo dizer: "Para mim, ser cotista da Uerj... Se não fossem as cotas, ser estudante da Uerj não era impossível, era impensável". Ele hoje é professor da Uerj e está aí cheio de ações. Então, isso é muito importante. Há o Sílvio também, que já é de uma geração anterior. E nós estamos aqui para aplaudir e para incentivar.
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Quero dizer que a secretaria aqui na OAB do Rio de Janeiro, Paulo Paim - para encerrar -, vai ter uma secretária adjunta da seccional inteira negra, que é a Dra. Mônica Alexandre Santos, que vai ser a secretária adjunta na seccional da OAB do Rio de Janeiro. A OAB do Paraná vem com outra conselheira negra, conselheira federal, que é a Silvana Niemczewski; ou seja, nós estamos vivendo a execução de sonhos de muita gente que veio antes e precisamos sonhar mais à frente e muito mais forte.
Um abraço e muito obrigado por ter-me permitido estar aqui hoje.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da OAB, que nos trouxe uma série de exemplos de ações, encaminhamentos feitos e deixa mais uma proposta aí para a CDH.
A CDH faz as reuniões, e depois a gente se reúne com o Presidente da Comissão, que é o Humberto Costa, com o Vice, que é o Contarato, e vamos dar os devidos procedimentos. Mas a sua proposta é interessante: uma subcomissão, uma comissão para reparação de todo esse tempo de escravidão a que foi submetido o povo negro. Que fique também nos encaminhamentos para que a gente possa depois encaminhar lá no Congresso.
A Subcomissão da Igualdade Racial já foi aprovada por unanimidade; a pandemia é que trouxe uma série de problemas. A Comissão Mista de Igualdade Racial, Câmara e Senado, também só não foi instalada ainda devido a este momento por que estamos passando. Mas, se não der para instalar este ano - estamos já em novembro -, como já foi aprovada, instalaremos, com certeza, no início do ano que vem.
E parabéns pela sua fala, que enalteceu e deu um brilho para a nossa audiência pública de hoje.
Neste momento o que nós pretendemos fazer - chegaram aqui algumas perguntas - é botar algumas perguntas na tela para que vocês possam fazer algumas ponderações. Eu daria mais cinco minutos a cada um agora para que vocês possam responder a alguma dessas perguntas ou também fazer o que entendam de complemento de fala.
Pergunta número um, que nos chegou aqui - eu vou falar bem devagar para vocês poderem escrever, tomar nota ou guardar: "Como os senhores acreditam que podemos liquidar esse racismo conhecido por muitos como estrutural, institucional, que há séculos assombra a nossa sociedade e dizima o povo negro?".
Dois: "Estamos vivendo uma pandemia que externou cada vez mais o racismo e a desigualdade existente em nosso País, que ceifou já a vida de 610 mil pessoas - 609 mil vidas foram ceifadas. Pesquisa e estudo informam que a população pobre e negra são as mais afetadas". Ele quer um comentário sobre esse tema: 610 mil vidas que perdemos, e por que é que exatamente a população negra foi a mais afetada.
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Três: "No ano de 2020, o Senado, junto com os movimentos negros, conseguiu aprovar algumas matérias que combatem o racismo, como o PL 5.231, de 2020, que trata da abordagem dos agentes públicos e privados, a famosa abordagem. Diante dos diversos crimes vividos no dia a dia da nossa gente, o que vocês acham que a Câmara dos Deputados poderia ter feito e por que a Câmara não se sensibilizou pela aprovação dessa proposta?".
O projeto aqui no Senado foi apresentado por mim, mas foi uma obra do movimento negro; a Coalizão Negra por Direitos foi a principal, a proponente número um, e eu fui o Relator, ou melhor, eu fui o autor. Conseguimos aprovar no Senado e, infelizmente, a Câmara não votou. O Relator, se não me engano, foi o Senador Contarato. Mas, em resumo - não importa quem foi o autor ou quem foi o Relator - que movimento vocês entendem que poderíamos fazer para que a Câmara se debruçasse sobre esse projeto da abordagem pela sua importância? O Relator desse projeto lá é um grande Deputado, amigo, parceiro, negro também, o Deputado Orlando, que vocês conhecem, aí de São Paulo, do PCdoB.
Essas são, eu diria, três perguntas básicas que eu deixo para que vocês se posicionem. E nós poderíamos agora seguir aquela teoria de que os últimos são os primeiros e os primeiros são os últimos: é com você, Dr. Humberto Adami.
Dr. Humberto Adami, cinco minutos para ponderar, se assim entender, sobre essas perguntas, ou fazer sua fala de encerramento. Humberto Adami, é com você, doutor.
O SR. HUMBERTO ADAMI - Eu peguei por alto as perguntas aí.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É mais um...
O SR. HUMBERTO ADAMI (Para expor.) - Eu achei importante a questão da pandemia, que me parece que não está bem esclarecida. Houve muitas denúncias de que os pretos e pardos... E quero aproveitar, Senador, para dizer que venho ouvindo em muitos pronunciamentos, inclusive oficiais, se falar sobre negros e pardos. Eu aprendi o seguinte: os negros são a soma estatística dos pretos e pardos, que é a classificação do IBGE. Portanto, parece-me que não há outra categoria no IBGE que não seja preto, pardo, amarelos, vermelhos e brancos. Então, me parece que é errado você dizer, como eu tenho visto, negros e pardos. Há uma confusão de falar de melancia e laranja e botar tudo na mesma classificação. Então, coloco isso também aí na mesa, o que, com certeza, vão aproveitar para esclarecer.
Embora tenha havido denúncias nesse sentido na CPI, especialmente da Dra. Jurema Werneck, que falou pela Anistia Internacional - ela levou dados lá, e a gente vê falar todo dia disso -, eu acho que precisa ser melhor explicado com os dados. Mas eu penso que os pretos e pardos, como os pobres em geral, que na sua grande maioria são exatamente os pretos e pardos, mas há também os brancos pobres, estão na linha de tiro.
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O desafio do Brasil é com essa violência do Estado, que nada defere às populações pobres deste País. Então, é por isso que eles sempre serão a grande maioria, são os que menos têm. Eu ouvi falar aí sobre o meio ambiente. Eu fui Presidente da Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas. Antes de eu estar no campo racial, que acabou me sugando de vez, eu tive um passado bastante ambientalista, na época da ECO 92, 93, e acabei presidindo a ABAA (Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas). Durante muito tempo, a minha advocacia foi nessa área, e vejo que o assunto não muda e também está em retrocesso. A COP 26 agora passou por isso tudo aí e, nós vimos lá indígenas e negros ainda pedindo o retrocesso do Estado.
O que eu faço de reflexão para a provocação é que muita gente diz: "Ah, isso aí está no Governo Bolsonaro", e eu digo: "Não, isso está desde há um tempão". A demarcação de terras quilombolas está desde 1988. Ela pode ter piorado, e muito, com o Governo Bolsonaro, que extrapolou todo e qualquer limite de civilidade e, por isso, tem que ser expurgado nas próximas eleições, mas eu queria fazer essa crítica aos governos anteriores desde a Constituição, porque não é possível que você tenha pouco mais de 350 quilombos em terras demarcadas, se são mais de 6 mil, e nós tivemos governos que estariam, pelo menos em tese, com essas forças nas suas entranhas. Então, me parece que o resultado, olhando de hoje para trás, é muito pouco; teria que ter havido mais quilombos demarcados, teria que ter havido um avanço maior.
Eu cheguei, pela Federação Nacional das Associações Quilombolas e pelo IARA também, Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, a fazer um pedido, que foi acatado na Câmara dos Deputados, de auditoria do Programa Brasil Quilombola. A auditoria do Brasil Quilombola teve muita repercussão na época, muita gente até reclamando, mas ela, de R$500 milhões, que era o Programa Brasil Quilombola, o TCU (Tribunal de Contas da União), depois de um ano em que verificou onze ministérios, chegou à conclusão de que você tinha os 14% da execução orçamentária do Governo Federal, mais o que completava 50% de contingência de recursos públicos, e 50% dos recursos de R$500 milhões do Programa Brasil Quilombola não conseguiram ser localizados, Senador Paulo Paim, pelo Tribunal de Contas. Por quê? Falta de transparência, falta de auditabilidade e falta de publicidade. E nós tivemos hoje, aliás, anteontem, a Ministra Rosa Weber deferindo uma liminar para proibir essas verbas secretas do orçamento público brasileiro que o Parlamento está operando, o Governo está operando em sigilo.
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Queria também propor que se fizesse um exame sobre a proibição desses sigilos, que poderes, a polícia e o Exército Brasileiro vêm colocando em temas absolutamente desnecessários. Qualquer coisa que o comando da polícia, o comando do Exército queira esconder, decreta um sigilo de cem anos. Na minha opinião, isso é absurdamente inconstitucional e deveria ter uma atenção muito célere do Parlamento brasileiro. Isso esconde malfeitos. É o que a ministra Rosa Weber falou também na decisão dela de proibição, de apuração dessas verbas que estão sendo distribuídas com um segredo e um sigilo absurdamente inconstitucionais. Não pode haver falta de publicidade.
Eu agradeço a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, obrigado, Dr. Humberto Adami, por toda a sua exposição e as contribuições que deixou aqui para os encaminhamentos que a Comissão fará e vai encaminhar junto à Presidência desta Comissão. As suas sugestões serão, com certeza, aproveitadas.
Então, de imediato, eu passo a palavra para a Dra. Tamires Sampaio, advogada e Mestre em Direito Político e Econômico, Secretária Adjunta de Segurança Cidadã de Diadema e Diretora do Instituto Lula.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Ativou? Pronto?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto. Perfeito.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO (Para expor.) - Eu vou ser bem breve. Eu quero, mais uma vez, agradecer a oportunidade de participar desta audiência com referências para mim na política, no movimento e no Direito.
Eu vou responder, a primeira pergunta; acho que são três pontos. O primeiro é a questão de como combater o racismo. Eu acho que o primeiro ponto é entender que o combate ao racismo precisa, necessariamente, ser pensado numa perspectiva estrutural, interseccional e intersetorial. Então, não é uma ação específica. O racismo não é uma caixinha isolada de todo a estrutura do nosso País; ele estrutura as nossas relações, ele estrutura as nossas instituições e, para isso, para combatê-lo, inclusive a gente precisa entendê-lo e construir uma série de ações e políticas públicas em torno desse tema.
O segundo ponto é em relação ao que eu comentei sobre a Lei de Cotas, que eu acho que é fundamental e é um tema sobre o qual eu tenho certeza de que o Congresso vai se debruçar a partir do ano que vem. O que eu acho que é importante é o seguinte: a gente avançou, e muito, milhares de jovens tiveram acesso à universidade graças a essa política de cotas. Como eu comentei, eu mesma sou uma dessas jovens, mas eu acho que, nesse processo de avaliação, é fundamental que a gente tente construir como a gente consegue aprimorar ainda mais essa política de cotas. Então, como não apenas garantir o acesso à universidade, mas também a permanência na universidade é um ponto fundamental. A gente tem vários jovens que até conseguiram entrar, mas que, por diversos fatores sociais, econômicos inclusive, não conseguiram permanecer, ou que, mesmo tendo permanecido, tendo o diploma, hoje têm uma dificuldade enorme de entrar no mercado de trabalho - mesmo com o diploma. Eu acho que isso precisa ser pensado junto com a política pública, não é? Então, a gente garante o acesso, mas para quê?
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E aí esse processo do "para quê?" precisa ser construído junto também. A gente precisa pensar como garantir a permanência, como, depois de formado, a gente também incluir esse jovem no mercado de trabalho para ocupar outras posições várias que também nos são negadas historicamente.
Por fim, quero reforçar essa questão da segurança pública, porque é isto: quando a gente fala sobre o genocídio da população negra e sobre o combate ao genocídio, não dá para a gente pensar em nenhuma política pública para quem não sai vivo. Então, a construção de uma política de segurança pública cidadã, voltada para a garantia de direitos, voltada para a prevenção, é primordial para a gente conseguir, de fato, não só combater o racismo mas também construir uma sociedade verdadeiramente democrática, com participação popular, garantia de direitos e cidadania, de fato, à população negra.
Bem breve a intervenção. Eu estou na rua, então eu estou com medo de cair de novo e vou encerrar por aqui.
No mais, quero agradecer e estou à disposição, Senador! É isso. Obrigada, companheiros!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Tamires Sampaio, advogada e Mestre de Direito Político e Econômico, Secretária Adjunta de Segurança Cidadã de Diadema e Diretora do Instituto Lula. As suas propostas serão também, dentro do possível, encaminhadas.
Bem lá atrás, nós aprovamos o que chamamos de auxílio, para manter os alunos vulneráveis na universidade, de um salário mínimo. Eu me baseei na minha própria história. Quando eu estava no Senai, eu ganhava um salário mínimo para estudar: meio expediente era aula; meio expediente era oficina; e na época de férias, então, na fábrica. Mas eu ganhava um salário mínimo. Baseado nisso, eu apresentei, aqui, também, a proposta de um salário mínimo, aprovamos no Senado, mas, infelizmente, está parado na Câmara. Só para dar uma referência.
Muito obrigado, viu! Parabéns tanto ao Dr. Humberto Adami quanto a você, Dra. Tamires Sampaio.
Passo a palavra para o Dr. Renato Ferreira, Professor e Mestre em Políticas Públicas, especialista em Gestão Pública e Corporativa da Diversidade.
O SR. RENATO FERREIRA - Olá! Senador Paim, V. Exa. me ouve?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito!
O SR. RENATO FERREIRA (Para expor.) - Eu quero, primeiro, agradecer as perguntas. São perguntas de pessoas que estão acompanhando o debate e estão inteiradas da questão.
Eu vou aproveitar, na resposta, para dialogar com as pessoas que falaram comigo.
Logo de cara, aqui, existe uma questão sobre o Fundo de Promoção da Igualdade Racial, que nós infelizmente não conseguimos aprovar, que é um debate importante e que dialoga com o que o Dr. Humberto Adami estava falando: sobre o aspecto da ação afirmativa e da questão da reparação.
Deixe-me falar uma coisa, aqui, um minuto, que é muito importante.
A política de promoção da igualdade racial, o antirracismo de um modo geral, se consubstancia no debate crítico fundamentado em três teorias: a primeira teoria seria a teoria da reparação, essa que nós estamos buscando e que o Dr. Humberto Adami tão bem defende lá na OAB; a segunda teoria seria a teoria da Justiça distributiva, uma Justiça mais social nesse aspecto; e a terceira teoria, que mais se impactou no Brasil, sobretudo a partir dos anos 2000, é a ideia de reconhecimento.
A ideia de reconhecimento é muito boa e é importante, mas toda ideia de reconhecimento, quando vai à política, transborda em ação afirmativa. E a ação afirmativa, dado o modelo americano, hegemônico, que se estabeleceu nas Américas, visa reduzir desigualdades sociais dadas historicamente a um grupo excluído, mas que é um grupo minoritário.
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Então, as ações afirmativas, ao longo do tempo, se bem aplicadas, fazem, sim, uma significativa diferença na sociabilidade de um determinado país, quando ela é voltada para promover direitos de um grupo minoritário. A ação afirmativa é, portanto, uma política voltada para esses grupos; por isso que ela começou na Índia. Existem realmente castas minoritárias que precisam dessas políticas, porque é uma minoria da população estigmatizada, como é no caso dos Estados Unidos, em que os negros não chegam a 13% da população. Então, a ação afirmativa, aí, nesse aspecto, contribui de maneira considerável: você está diante de um grupo minoritário.
Agora, o grande problema é o seguinte: como você vai implementar somente ações afirmativas se, no seu cenário, na sua sociabilidade, na sua ordem social, você tem um grupo que é minorizado, mas não é minoritário, que é o caso brasileiro? Os negros no Brasil não são a minoria; eles são minorizados do ponto de vista da sua existência cidadã e humana, mas eles nunca foram minoria. E digo mais: se não fosse o critério da autodeclaração do IBGE, possivelmente nós teríamos mais de 70% de população não branca. Dizer que o Brasil é um país que tem quase a metade da população branca é um absurdo. Não há como ter uma população branca com mais de 30% neste País... Não há como ter. É só a gente olhar, considerar a chegada dos índios... Não tem como ter, no Brasil, quase 50% de população branca.
Então, o que acontece aqui - e esse debate da reparação é importante -? Do ponto de vista da sociedade brasileira, ação afirmativa só, com base na teoria do reconhecimento, é pouco. Nós precisamos falar cada vez mais e agir cada vez mais no sentido de promover políticas de reparação. E elas têm sentido por quê? Porque houve um dano histórico que não prescreve - está aí a ONU; está aí a Justiça brasileira dizendo -, o racismo não prescreve, e o que se fez com as populações negras não prescreveu.
Agora, quem precisa indenizar e reparar? É o Estado brasileiro, porque foi ele o promotor desse holocausto. Então, é por isso que as políticas de reparação são políticas essenciais e políticas de Estado; é por isso que as instituições de Estado estão obrigadas a promover as políticas de reparação.
Então, é muito importante fazer esse corte - e eu acho que o Dr. Humberto Adami foi muito feliz quando ele traz essa questão da reparação: nós não podemos ficar só satisfeitos com ação afirmativa.
E vou dar um dado aqui. Em 2015, o CNJ adotou política para negros na magistratura: 20% das vagas para a magistratura são destinadas à população negra. Em cinco anos, o número de juízes negros dobrou: saiu de 13 e foi para vinte e alguma coisa. V. Exa., Senador Paim, imagine, só mesmo quase chegando na década de 2050, o número de negros juízes vai ser compatível com o número de negros na sociedade brasileira. Somente quase na década de 2050, se a gente continuar adotando 20% de ação afirmativa. Ação afirmativa é muito importante, mas ela tem uma limitação no tempo e na história, sobretudo em sociedades em que os grupos são a maioria minorizada. Esse é o ponto.
Para encerrar, a pergunta que fala: como se liquida com o racismo? Olha, uma vez eu disse, num evento com uma professora importante, que nós queríamos acabar com o racismo, e ela me advertiu: "Renato, não se acaba com o racismo. O racismo é um produto das próprias relações humanas, e não se acaba com o racismo". Durante muito tempo, essa frase me perturbou, e eu só pude encontrar algum tipo de paz para essa frase, quando eu ouvi o Nelson Mandela dizer que ninguém nasce racista; as pessoas aprendem a ser racistas. Se elas aprendem a ser racistas, elas podem ser ensinadas a amar. Então, a gente pode acabar com o racismo se a gente ensinar as pessoas a amarem.
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Nesse sentido é que é desafiador para a história da humanidade, porque a humanidade nunca pôde conviver sem algum tipo de discriminação contra o diferente. É contra isso que nós temos sempre que lutar.
Por fim, sobre essa questão da abordagem policial, que impacta no auto de resistência, que impacta na questão da segurança pública, eu sempre afirmo: para as populações negras, de um modo geral, nunca houve segurança pública coisa nenhuma; só se pode falar em segurança pública quando você está diante de uma ordem constitucional, legal, legítima e democrática. Quem é preto, que nasceu na favela, que mora na periferia sabe que preto não tem direito à segurança pública; que o braço do Estado que vai lá é um braço, muitas vezes, de extermínio; que, sim, como a colega falou, trata-se de uma região conflagrada em que você tem um território em que o direito que está ali é o direito da exceção. Eu me filio, sim, à corrente de autores como o Agamben, como o próprio Achille Mbembe, que entendem isso. Nesses territórios, muitas vezes, o que nós temos são políticas de exceção, não são políticas, portanto, democráticas, não são políticas de segurança pública, porque ninguém tem o direito de morrer, muito menos assassinado por agentes do Estado. Então, não há política de segurança como um direito da população negra; isso é ainda um desafio para o Estado brasileiro.
Deixo aqui o meu abraço afetuoso ao Senador Paim por mais esta oportunidade; uma saudação especial a todos e a todas que estão presentes aí, o Dr. Humberto Adami, companheiro de tantas lutas, com quem já dialogamos e trocamos e temos muitas coisas para trocar.
Gostaria de encerrar a minha fala dizendo que momentos como este, de algum modo, reificam o nosso axé, reificam a nossa militância, reificam a nossa certeza de que nós estamos no caminho certo, estamos num processo difícil para nós ativistas e antirracistas, mas nós estamos no caminho certo. Axé, pessoal! Obrigado!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Professor Renato Ferreira, Mestre em Políticas Públicas, especialista em Gestão Pública e Corporativa da Diversidade. Nossos cumprimentos pela sua exposição, fazendo uma retrospectiva histórica muito clara e muito firme e mostrando o quanto o povo negro sofre e continua sofrendo neste País.
Vamos, agora, passar a palavra para a Dra. Professora Iraneide Soares da Silva, Coordenadora Nacional do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (CONNEABs) e Uespi.
A SRA. IRANEIDE SOARES DA SILVA (Para expor.) - Vamos lá! Estou aqui de volta.
Começo lembrando que eu sou filha do movimento negro. Eu cresci, desde os 12, 13 anos, e hoje chego a meio século com o movimento negro e aprendendo com o movimento negro. Por isso, eu começava a minha fala, lá atrás, dizendo que os nossos passos vêm de longe, porque os meus passos também vêm de longe.
Hoje eu sou professora de uma universidade estadual no Piauí. O Piauí manda um abraço para o Senador! Muito carinho aqui no chat dos nossos alunos; muito carinhosamente acolhendo nossa tarde.
Quero dizer, pessoal, Senador, que a pobreza no Brasil tem cor e tem cara. Lá no final dos anos 90, eu me lembro de uma pesquisa que saía da Vânia Santana e do... Não lembro quem é o outro, mas, enfim...
O SR. RENATO FERREIRA - Marcelo Paixão.
A SRA. IRANEIDE SOARES DA SILVA - Marcelo Paixão exatamente! Marcelo Paixão e Vânia Santana!
E lá nos anos 2000, final dos anos 90, essa pesquisa apontava que éramos 70% dos que estavam em extrema pobreza. Triste aquilo! E, naquele momento, a população negra era menos de 5% na universidade. Também bastante triste!
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Nesse caminhar, nós fomos a Durban, nós vivemos todo um processo de levantar bandeiras por reparações, sim, também. Voltamos de Durban, trouxemos um governo democrático, participamos do governo no Ministério da Educação com a Professora Eliane Cavalleiro, com a Professora Denise Botelho, vivemos todo aquele processo na Secadi de pensar e repensar e do enfrentamento e do embate também. Como o Dr. Adami bem colocava, não era fácil, não era fácil trocar uma vírgula, uma letra ou uma palavra na legislação pra inserir palavrinhas que pudessem nos contemplar. Nunca foi fácil pra gente, não é?
E hoje eu estava vendo uma pesquisa do IBGE de 2020 que diz que são 52 milhões os que estão em pobreza e extrema pobreza e, desses, 72,7% são negros. Olhe a necropolítica aí, Dr. Renato! Olhe a necropolítica funcionando, e de modo muito perverso!
Ocorre que, hoje, nós já não somos mais somente 5% na universidade. Nós tínhamos nas universidades núcleos de estudos e pesquisas africanas, afro-brasileiras; nós temos professores como eu, que entram na academia também nesse processo de formação a partir do ativismo. Consigo adentrar a academia com mestrado, com doutorado, vivendo todo o processo. No entanto, ainda não conseguimos mexer nesse número. Como assim, vinte anos depois ainda somos 72% da população que está na pobreza e na extrema pobreza? Por que a pandemia nos atinge de modo tão cruel, de modo tão direto? Está aí o dado, está aí posto.
Então, assim, o que eu trago como proposta, Senador, pra a gente pensar é o seguinte. Nós temos dois imbróglios ainda. Avançamos em termos de legislação? Eu digo que sim. Temos limitações ainda, poderíamos ter avançado mais naquele momento em que tivemos acesso, mas foi o que foi possível fazer, com o estatuto, com a legislação, com a LDB, enfim, foi o que foi possível fazer.
Mas, assim, o que temos ainda como imbróglio são os currículos das nossas IEs, que ainda são bastante duros. Nós ainda não nos sentimos parte, nós ainda temos uma educação calcada na teoria do colonizador. Fato. Nós ainda não conseguimos mexer a contento com o nosso currículo das universidades públicas em nosso País.
E nós temos outro nó, que é o seguinte. Quando esse aluno acessa - a Tamires colocava muito bem - a universidade por meio do sistema de cotas, ele se depara com os programas de estágio, em que não há política de cotas; com os programas de pós-graduação, que também não o acolhe; e, consequentemente, com o mercado de trabalho, que, mesmo com a legislação trabalhista prevendo cotas no serviço público, por exemplo, ainda não é uma realidade para todos os Estados, ainda não é uma realidade sobretudo para os Estados e Municípios - a lei é apenas federal e, mesmo assim, é limitada. Concurso para professor com duas vagas, com uma vaga... Já era! E, geralmente, esses concursos para a docência, para o ensino superior, oferecem uma vaga por disciplina. Geralmente não entramos.
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Então, assim, são desafios pra gente ainda. Vinte anos: eu estou colocando como marco Durban... (Falha no áudio.)
... então, desafios bastante graves. Percebemos que a nossa população, de fato, ainda vive a necropolítica de modo muito perverso, mas também é preciso dizer que, como nossos passos vêm de longe, nossa luta também não é de hoje, ela é de ontem e, se preciso for, faremos Palmares de novo, porque estamos prontos e prontas para o enfrentamento. Estamos prontos para o acolhimento de propostas interessantes que nos contemplem, mas também para o enfrentamento. Se preciso for, faremos Palmares de novo, aqui estamos pra isso.
Muito obrigada pela oportunidade.
Parabéns aos colegas que compuseram comigo nesta tarde, muito aprendi.
Muito obrigada mais uma vez a todas as pessoas que estiveram conosco nesta tarde.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Professora Iraneide, que é doutora também: Dra. Iraneide Soares da Silva, Coordenadora Nacional do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Conneabs e Uespi).
Agora eu vou para o encerramento.
Chegaram aqui inúmeras folhas do e-Cidadania, mas a maioria das perguntas vão na linha daquilo que os senhores já responderam.
Para encerrar, eu vou fazer somente uma fala bem rápida para dizer que nós programamos no Senado... Eu falei na abertura e vou repetir agora, aproveitando a audiência da TV Senado. O mês de novembro é o mês da Consciência Negra, e nós estamos trabalhando pra aprovar... Estivemos com o Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado, e ouvimos que, da parte dele, ele vai colaborar. Claro que não depende só dele, mas também do Colégio de Líderes. O Senado já aprovou uns oito projetos que estão na Câmara, e nós levamos mais quatro pra ele.
Um deles, o 4.373, de 2020, tipifica como crime de racismo a injúria racial, cujo Relator é o Senador Romário. Quero aqui também agradecer ao Líder Paulo Rocha, que foi quem fez o meio-campo para as nossas propostas do movimento negro com o Presidente Pacheco.
O PRS 35, de 2020, cria o Selo Zumbi dos Palmares nos Municípios que adotarem políticas afirmativas destinadas ao combate ao racismo e aos preconceitos, inclusive no mundo do trabalho.
O PL 2000, de 2021, reconhece o sítio arqueológico da região do Cais do Valongo como patrimônio histórico e da cultura afro-brasileira em decorrência do título de Patrimônio Histórico da Humanidade conferido pela Unesco. Segundo alguns especialistas que nos procuraram na época de apresentar essa proposta, se nada for feito, se continuar como está, nós poderemos perder esse título de Patrimônio Histórico da Humanidade.
Outro caminho, claro, é nós instalarmos - não vai haver problema nenhum - a Subcomissão da Igualdade Racial. Já foi aprovada na CDH, sob a presidência do Senador Humberto Costa.
Matérias no Senado.
O 5.231, de 2020, trata da abordagem...
Entre as matérias aprovadas no Senado, destacamos duas aqui.
A que trata da abordagem dos agentes públicos e privados, matéria aprovada no Senado, está na Câmara e tem como Relator o Deputado Orlando Silva, que está fazendo lá um movimento muito positivo, é um brilhante Parlamentar.
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Temos também o PL 482, aprovado no Senado, que garante o dia 20 de novembro feriado nacional de Zumbi, da Consciência Negra. Na Câmara, a matéria tramita como PL 3.268. Nós já a aprovamos no Senado.
Eu serei bem rápido, só lembrarei o que falei antes. Falou-se sobre a questão do fundo. A PEC 33, nós a apresentamos em 2016. Nós a tínhamos apresentado quando apresentamos o estatuto. Não teve jeito, tivemos que tirar naquele momento, como tiramos a política de cotas, foi a única forma de aprovar o estatuto. Depois aprovamos a política de cotas e, agora, estamos tratando de tentar aprovar o Fundo de Promoção da Igualdade Racial. Está no Plenário da CCJ, e o Senador Weverton, que tem um compromisso com o povo negro, é o Relator.
Lembro ainda quanto ao projeto da abordagem: eu falei antes que eu fui Relator, mas não, eu fui o autor; o Relator foi o Senador Fabiano Contarato. É só esse esclarecimento.
Para encerrar, permitam que eu use aqui duas frases.
Uma é do Abdias do Nascimento, que é uma lenda, alguém indescritível, um homem sempre além do seu tempo. Quando eu era Deputado, eu saía da Câmara e ficava no Senado ouvindo o Abdias falar. Uma vez eu ouvi essa fala dele e a guardei.
De Abdias do Nascimento:
O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia [ele era muito firme]. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isso é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir, ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial.
Palavras do nosso inesquecível Abdias do Nascimento.
Também lembro outra frase bem curtinha, de Conceição Evaristo: "A noite não adormece em nossos olhos enquanto o racismo não morre."
É isso, meus amigos. Quero agradecer muito a cada um de vocês, Humberto, Renato, Iraneide, a nossa querida advogada que já se retirou, a Tamires...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, a Tamires está aqui. Agradeço à Tamires também.
Olhem, muito, muito obrigado.
Parabéns pela história de vocês!
Nós íamos fazer essa live... Quando abre espaço a gente pega. Era ao vivo pela TV Senado, não é? De imediato, a Isabel, que nos assessora com muita competência, ligou pra vocês, e vocês, de pronto, aceitaram, ninguém recusou. Os quatro se colocaram à disposição pra falarmos sobre o racismo estrutural.
Eu termino com uma frase de que gosto muito: é muito bom saber que no mundo existem pessoas iguais a vocês. Direitos humanos não têm fronteiras.
Uma salva de palmas para nossos painelistas!
Muito obrigado e até o nosso próximo encontro.
Obrigado, Zenaide, Rose, Vanderlan, Senadores que acompanharam o debate.
Tchau, tchau!
(Iniciada às 14 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 45 minutos.)