10/11/2021 - 32ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 32ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública em atenção ao Requerimento nº 10, de 2021, da CMA, de minha autoria, com o objetivo de instruir o Projeto de Lei nº 2.788, de 2019, que "institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab); discrimina os direitos das Populações Atingidas por Barragens (PAB); prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDpab); estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor; revoga dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências".
A primeira audiência de instrução ocorreu na 22ª Reunião da CMA, em 8 de outubro de 2021.
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Para esta segunda audiência, convidamos, em ordem alfabética, o Sr. Claudio Sales, Presidente do Instituto Acende Brasil; o Sr. Edmundo Antonio Netto Junior, Procurador da República no Ministério Público Federal de Minas Gerais; o Sr. Julio Cesar Ferreira, Diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram); a Sra. Fernanda Lage, assessora que representa a Deputada Estadual por Minas Gerais Beatriz Cerqueira.
Também convidamos a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que não pôde comparecer ou indicar representantes.
Esta reunião ocorre de modo exclusivamente remoto, por meio de sistema de videoconferências adotado pelo Senado Federal.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, e em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800-0612211 - 0800-0612211.
O relatório completo, com todas as manifestações, está disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos nossos expositores.
Na exposição inicial, cada orador usará a palavra por até 20 minutos. Caso opte por usar material de apoio, será autorizado o compartilhamento da tela ao longo da exposição. Nesse caso, é fundamental que encaminhe um arquivo à Secretaria para publicação e apoio na elaboração do relatório.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Senadores inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários em até cinco minutos.
Expositores iniciais.
Passamos a palavra por 20 minutos, primeiramente, ao Procurador da República no Ministério Público de Minas Gerais, o Sr. Edmundo Antonio Dias Netto Junior.
Seja bem-vindo, doutor!
O SR. EDMUNDO ANTONIO DIAS NETTO JUNIOR (Para expor.) - Muito obrigado, Senadora Leila Barros.
Eu cumprimento V. Exa., parabenizo os Parlamentares brasileiros por uma proposição legislativa de elevado nível e V. Exa. por promover um debate dessa importância. Parabenizo igualmente os Parlamentares por tratarem da mesma forma os direitos de atingidos por barragens, sejam essas pessoas atingidas quem forem, ou seja, o Projeto de Lei 2.788 anda muito bem ao definir o que se entende por populações atingidas por barragens, em seu art. 2º, reduzindo incertezas que vulneram o princípio da segurança jurídica.
Assim, desde que sejam violados os direitos de populações atingidas por barragens, devem eles ser reparados sejam eles quais forem, devem-se respeitar os mesmos direitos à luz do princípio da igualdade, sejam barragens ligadas ao setor elétrico, sejam barragens de mineração, sejam quaisquer outras barragens. Não importa efetivamente se tais populações vierem a ser atingidas por uma barragem do setor elétrico ou por barragem do setor minerário. Isso é um ponto que confere equidade ao projeto de lei.
Não teria realmente nenhum sentido dizer, dirigindo-nos a um atingido: "Olha, você foi atingido pelo setor minerário. Então, você é titular de um determinado rol de direitos.". "Agora, você, de outra parte, que é atingido por uma barragem do setor elétrico, não faz jus a esses mesmos direitos", embora, por exemplo, tenha perdido a mesma capacidade produtiva das terras que ocupava, que é um dos pontos que qualifica uma população como atingida por barragem, nos termos do PL 2.788. Isso só não beneficiaria, tal distinção, a população atingida. Trata-se, obviamente, de um argumento tão vazio quanto perverso, que termina, ao fim e ao cabo, por beneficiar ambos os setores, seja o setor elétrico, seja o setor de mineração.
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Eu estou certo de que o Senado Federal não permitirá uma injustiça de tal nível. Afinal de contas, a perspectiva que deve informar esse processo de reparação a populações atingidas é a das próprias pessoas atingidas. Não se trata de uma abstração, mas da centralidade do sofrimento da vítima. Um princípio que foi desenvolvido por um grande magistrado e internacionalista brasileiro, o mineiro Antônio Augusto Cançado Trindade, que, quando ainda juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em vários casos, ainda antes de se tornar juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia, no caso Servellón García e outros vs Honduras, por exemplo, ponderou que, por mais breves e efêmeras que tenham sido as vidas dos abandonados do mundo, torturados e assassinados com brutalidade por seus semelhantes, ocupam estes, no entanto, como vítimas, uma posição central no direito internacional dos direitos humanos. Aplicável ao Brasil evidentemente e, portanto, a partir dessa perspectiva não se há de fazer qualquer distinção entre o setor minerário, o setor elétrico ou barragens de qualquer outro setor econômico.
Nisso também anda bem, muito bem, o PL 2.788, ao enunciar em seu art. 3º, §2º, que:
Na aplicação desta lei, deve ser considerado o princípio da centralidade do sofrimento da vítima, com vistas à reparação justa dos atingidos e à prevenção ou redução de ocorrência de fatos danosos semelhantes.
Infelizmente não é o que nós vemos em determinadas reparações.
Assim, a minha primeira conclusão é a de afastar a discussão que busca distinguir os atingidos do setor elétrico quanto à incidência da política nacional de direitos das populações atingidas por barragens, porque essa distinção se assenta em um evidente sofisma que parte da premissa, evidentemente falsa, de que as hipóteses de afetação às populações atingidas por um ou outro tipo de empreendimento seriam, a priori, distintas e não o são, bem o sabemos.
Onde há uma razão, o mesmo direito, como enunciavam os romanos. Ubi eadem ratio ibi idem jus, ou seja, onde houver o mesmo fundamento deve-se aplicar o mesmo direito.
As hipóteses de afetação de populações atingidas por barragens são claramente enunciadas no art. 2º do PL 2.788 de maneira muito objetiva.
Passo a um segundo ponto, que considero importante. O fato de que o PL 2.788 estabelece balizas claras para as diversas formas de reparação previstas no §1º do art. 3º do projeto. Tais balizas permitem reparações mais equânimes e justas às populações atingidas, alcançando uma objetividade que se faz necessária no Direito brasileiro, como já há em Minas Gerais, mas objetividade essa que deve ser levada às demais unidades da Federação brasileira.
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Eu vou dar um exemplo. No caso do Rio Doce, em 16 de novembro de 2017, o Ministério Público Federal, que eu integro, e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais firmaram um acordo com as empresas causadoras do desastre, a Vale, a BHP Billiton e a Samarco, um acordo assegurando direito às assessorias técnicas independentes ao longo de toda a Bacia do Rio Doce. Esse foi o primeiro acordo que enunciou esse princípio expressamente. E as empresas ali se recusaram - Vale, Samarco e BHP - que fosse utilizada a expressão "sofrimento da vítima". Então, constou, já que se tratava de um acordo, a centralidade da pessoa atingida, ou seja, o poluidor pagador - vamos além, vamos ser mais claros -, o destruidor, o causador de desastres não deveria poder, à luz do Direito, optar por uma opção que abraça uma semântica de eufemismos negando o sofrimento patente que causou a milhares, milhares e milhares de pessoas ao longo da Bacia do Rio Doce. Pois bem, mas se trata do primeiro acordo feito no âmbito nacional que enunciou esse princípio com base na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Contou-se ali... Esse acordo foi construído de maneira participativa, junto ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), colhendo subsídios de grupos acadêmicos como o Gepsa da Ufop, entre tantos outros, da Professora Manoela Roland, que já falou aqui pelo Homa, e do PoEMAS, também do UFJF.
Pois bem. Essas entidades de assessoria técnica independente permitem a viabilização da participação informada das pessoas atingidas, para que se faça face a uma enorme assimetria das pessoas atingidas diante de mineradoras violadoras da lei que se encontram entre as maiores do mundo, como a Vale e a BHP Billiton. E não há nenhum exagero em dizer claramente que são mineradoras violadoras da lei.
Pois bem. Posteriormente, em 25 de junho de 2018, um conjunto maior - aquele artigo anterior havia sido firmado pelo MP Federal e pelo MP de Minas - de instituições, pois também o MP do Espírito Santo se somou, assim como as defensorias públicas, firmou um acordo que estava calcado também nas assessorias técnicas independentes para permitir a participação informada dos atingidos, inclusive em uma esfera chamada Comitê Interfederativo, criado por um acordo, esse sem qualquer participação, firmado pelos Governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo com as mineradoras Vale, Samarco e BHP, o chamado e malfadado Ttac, de 2 de março de 2016.
Pois bem. Esses acordos, seja o de novembro de 2017, seja o de 25 de junho de 2018, não chegaram a ser totalmente implementados. O primeiro deles, o que pela primeira vez enunciou o direito à assessoria técnica independente, o que é acolhido no PL 2.788, não chegou a sequer ser homologado integralmente pelo Juízo da 12ª Vara Federal, que inseriu ressalvas que, a seu critério, lhe pareciam adequadas, do que, data venia, discordo.
Pois bem. A previsão de um marco normativo objetivo permite que a mesma solução seja adotada em casos distintos de reparação.
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Menos de três anos e meio depois do desastre na Bacia do Rio Doce, o desastre da barragem da Vale, na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, foi distribuído a partir de uma ação ajuizada pela Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais à então 6ª Vara da Fazenda Pública estadual de Belo Horizonte. As instituições que já vinham atuando conjuntamente, os três Ministérios Públicos e as três Defensorias Públicas Federais e dois Estados atingidos por essas três mineradoras, Vale, Samarco e BHP, começaram desde o início a atuar conjuntamente.
No dia 18 de fevereiro de 2019, fizemos uma reunião aqui no prédio onde eu estou, na sede do Ministério Público Federal, em Belo Horizonte, propondo medidas emergenciais, entre as quais um pagamento mensal emergencial, medida essa contemplada no PL 2.788; a previsão de assessorias técnicas independentes; o princípio da centralidade do sofrimento da vítima. A mineradora Vale se levantou da mesa, a mesma Vale que causara o desastre ao lado da sua parceira, BHP Billiton, controladoras da Samarco, na Bacia do Rio Doce, e que reincidiu nesse novo desastre de 25 de janeiro de 2019. Levantou-se da mesa e não aceitou, alegando que tais medidas não eram previstas no Direito brasileiro.
Vejam bem, senhores, a importância de haver um marco normativo claro. Dois dias depois, em audiência judicial, na ação que havia sido ajuizada pela Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, em que ingressamos como amicus curiae, ao lado da Defensoria Pública da União - a Defensoria Pública de Minas ingressou também no feito, nessa ocasião, assim como o Ministério Público do Estado de Minas Gerais -, a Vale percebeu, diante da sinalização clara de um grande magistrado que então atuava no caso Brumadinho, Dr. Elton Pupo Nogueira, que ele iria decidir favoravelmente àquelas medidas, porque, após a Vale se ter levantado da mesa dois dias antes, esse conjunto de instituições, ao lado da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, peticionamos em juízo. E, para deter a narrativa desse processo, em poucos minutos ela voltou fazendo o acordo, porque viu que haveria ali presente um Estado representado em seu juiz de direito estadual, o Estado juiz, para impor a essa mineradora causadora do desastre medidas emergenciais que ela havia recusado dois dias antes. Nessa ocasião, diante do magistrado estadual, ela fez o acordo.
Pois bem. Esse acordo, assim como também extrajudicialmente conseguimos fazer em prol de uma comunidade indígena, pataxó e pataxó-há-há-há, de São Joaquim de Bicas, prevendo também a assessoria técnica independente e o direito a um pagamento mensal emergencial de um salário mínimo por adulto, meio salário mínimo por adolescente e um quarto por criança, esse acordo bebia na fonte de um acordo inicialmente feito com relação ao pagamento mensal emergencial, um acordo feito pelo MPF e também pelo Estado do Espírito Santo, ainda em 15 de dezembro de 2015, ano do desastre, prevendo um auxílio de subsistência para trabalhadores que dependiam do Rio Doce e de seus afluentes e que depois gerou o auxílio financeiro emergencial, do Ttac de 2 de março de 2016.
Assim como o acordo firmado na Justiça estadual, em 20 de fevereiro de 2019, com relação ao pagamento mensal, com relação à assessoria técnica independente, bebia na fonte da experiência que demorou nove meses de reuniões para ser construída, da previsão ao direito de assessorias técnicas independentes. Por quê? Porque não havia um marco normativo. Então, a mineradora contava com uma margem muito maior.
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Pois bem, não obstante o acordo do Rio Doce tenha sido anterior, e nós peticionamos algumas vezes pela implementação desse acordo, o fato é que em uma minoria muito pequena das territorialidades atingidas se alcançou a implementação das assessorias técnicas independentes no caso Rio Doce, esse que não havia sido homologado integralmente pelo juízo da 12ª Vara Federal e cujo pedido para a implementação das assessorias, inclusive, por diversas vezes, reiteramos em juízo. As assessorias técnicas independentes foram efetivamente implementadas na Bacia do Rio Paraopeba em decorrência do desastre da Vale na mina do Córrego do Feijão, porque o Juiz de Direito estadual que, então, atuava no caso, o Dr. Elton, assim decidiu.
Essas mineradoras não atuam, salvo em seu discurso de sustentabilidade e de responsabilidade social, que eu reputo inexistente, para uma reparação integral, salvo quando o Estado se faz presente, seja pelo Poder Legislativo, em um PL que venha estabelecer um marco normativo como esse, seja pelo Judiciário, quando um juiz assim o determina, como fez o então Juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública estadual.
Pois bem, o que eu precisaria dizer ainda para complementar é essa disparidade entre as medidas emergenciais adotadas no caso Rio Doce e no caso Brumadinho, cujo pagamento mensal emergencial tinha uma amplitude inclusive maior do que aquela prevista no TTAC de 2016, que, por sua vez, seguia o auxílio subsistência de 15 de dezembro de 2015, no acordo firmado pelo MP Federal e do Espírito Santo, um acordo pontual para os trabalhadores que dependiam do Rio Doce e seus afluentes para sobreviver.
Pois bem, qual o motivo dessa disparidade? A inexistência de um marco normativo, que deixa um espaço vazio para a interpretação do Direito, de maneira que ela possa ser feita de uma forma ou de outra, porque a interpretação do Direito se presta a conclusões distintas. O intérprete legítimo do Direito, que é o Poder Judiciário, é que, em última análise, irá pacificar a pluralidade de interpretações possíveis, porque a norma é uma realidade abstrata e, no mundo concreto, prevalece a interpretação do texto normativo. Aclarar essas disposições normativas é um mérito inegável do projeto, seja para qual setor estejamos falando que opere com barragens.
Eu entendo que há um conjunto de princípios que obrigam o poluidor pagador; no caso Rio Doce e Brumadinho, o poluidor que causa desastres, mortes e poluição e rompe histórias e projetos de vida. Eu entendo que esse conjunto de princípios que obriga o poluidor pagador, para além da poluição e para essa reparação ambiental, leva à necessidade de implementar mecanismos que reduzam a assimetria de poder. E aí eu me refiro a um dos pontos do projeto lei, que é o direito a assessorias técnicas independentes - independentes porque são escolhidas pela população atingida. São custeadas pelo poluidor pagador; ele tem o dever - e isso é um princípio no nosso Direito - de custear isso, mas elas são da confiança da população atingida, elas reduzem a assimetria e se coloquem em linha, Senadora Leila, com o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, que foi adotado em Escazu, na Costa Rica, em 4 de março de 2018, assinado pelo Brasil ainda em setembro de 2018, mas que se encontra pendente de ratificações. Seria mais um avanço, Sra. Senadora, para medidas de reparação, de participação informada, de acesso à informação e acesso à Justiça em assuntos ambientais no nosso País.
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Em minha avaliação, não há dúvida de que, no caso Rio Doce, não se fez avançar o Direito, não obstante tenha sido o primeiro acordo que previu a centralidade da pessoa atingida, ainda que as empresas não tenham concordado em utilizar a expressão "sofrimento da vítima", acordo esse chamado Termo Aditivo de 16 de novembro de 2017, que previu assessoria técnica, mas que teve uma homologação meramente parcial e não teve, a meu ver, urgência na obrigação às empresas para a sua implementação. Então, acho que faltou, em meu juízo, em minha avaliação pessoal, uma avaliação mais condizente com a magnitude do desastre na Bacia do Rio Doce.
E por que isso foi possível? Porque não há, para além dos princípios jurídicos aplicáveis, um marco normativo que minudencia esses princípios em regras de maior completude. Se nós tivéssemos a sabedoria de aprender as lições do jurisconsulto romano Ulpiano, há pouco menos de 20 séculos, honeste vivere, alterum non laedere, et suum cuique tribuere, ou seja, viver honestamente, não para causar danos aos demais e dar a cada um o que é seu, poderíamos, então, ter uma base normativa mais principiológica, porque os princípios também são normas, mas, infelizmente, o movimento de resistência de empresas como Vale, Samarco e BHP Billiton demonstrou a necessidade de um marco normativo minudente com relação ao direito das populações atingidas por desastre.
Essas regras de ouro enunciadas por Ulpiano, se seguidas, já resolveriam os problemas que estamos hoje sendo chamados a debater, mas, infelizmente, vimos que, para empresas dessa magnitude, é essencial minudenciarmos os princípios em regras jurídicas que reduzam a sua liberdade de se colocar em um ou em outro sentido.
Eu diria também, é um outro ponto do projeto, que a previsão de que o reassentamento seja coletivo, como opção prioritária, de forma a preservar os laços culturais e de vizinhança. Veja que, no caso Rio Doce, há uma comunidade de esteira, um distrito de Barra Longa, que foi um dos Municípios mais atingidos. Em sua sede, foi o mais atingido pelos rejeitos da Vale e da BHP Billiton, em que apenas 37... Eu já não atuo mais no caso, mas, pela informação que obtive, das 37 famílias com direito ao reassentamento, apenas nove, apenas nove se beneficiarão do reassentamento coletivo, porque o tempo do processo, o tempo da reparação levou as demais a buscar uma reparação individual, rompendo laços de vizinhança, de compadrio, relações sociais e de amizade.
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Enfim, o que é mais barato para a mineradora causadora do desastre: reconstituir toda uma comunidade, com rede de água e esgoto, com praça, equipamentos públicos, ou dar uma casa para cada uma dessas famílias? Pois bem, das 37, apenas 9, segundo informação que eu obtive, que seria preciso checar, estariam contempladas com esse reassentamento coletivo, que é uma das opções.
Para terminar, acho de bom tom lembrarmos aqui o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, que diz tanto sobre esses desastres de que Minas Gerais se tornou epicentro:
Vão-se as minas nos navios...
Pela terra despojada,
ficam lágrimas e sangue.
Quase 232 anos nos separam, Sra. Senadora Leila, daquela capitania de Minas Gerais onde viveram os inconfidentes, mas ainda hoje, em sua enlouquecida busca pelo lucro a qualquer custo, as mineradoras BHP Billiton, Vale e Samarco nos fazem lembrar dos versos de Cecília Meireles, em seu Romanceiro da Inconfidência, recuando a um período ainda anterior, aquele que no Romanceiro é dito como um dos maus presságios, para dizer a nossa grande poeta Cecília Meireles - abro aspas:
Que a sede de ouro é sem cura,
e, por ela subjugados,
os homens matam-se e morrem,
ficam mortos, mas não fartos.
Fecho aspas.
Agradeço o momento que me foi concedido para expor essa experiência, em caso em que atuei e em que não me encontro mais, e cumprimento V. Exa.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Somos nós que agradecemos, Doutor. Foi excelente o senhor passar para nós a sua experiência, que foi muito válida. Aqui, estou com a minha assessoria, nós ouvimos atentamente a sua explanação, e agradeço a sua participação.
Vamos passar a palavra agora para o Sr. Claudio Sales, que é o Presidente do Instituto Acende Brasil.
O SR. CLAUDIO SALES (Para expor.) - Senadora Leila, meus agradecimentos. Estou muito honrado por esta participação no Senado, onde, até por histórico familiar, meu pai foi Senador em priscas eras.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Olha! Seja bem-vindo, Doutor.
O SR. CLAUDIO SALES - Memórias reverenciais.
Deixe-me colocar aqui no ar a apresentação. Por favor, me avisem se não estão assistindo.
Preparei uma apresentação aqui para ver se consigo, disciplinadamente, ficar dentro do tempo.
Estão assistindo? Por favor, confirmem.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Não estamos ainda.
O SR. CLAUDIO SALES - Alexandre, me ajude aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Vou pedir ao Airton, nosso assessor...
O SR. CLAUDIO SALES - O.k., eu já testei com o Airton, é só ver aqui... Me desculpe.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - O.k.
O SR. CLAUDIO SALES - Precisei recorrer aqui a um universitário, que, no caso, é o nosso Diretor para Assuntos de Meio Ambiente e Sustentabilidade, que, mais do que universitário, é PhD e me ajudou aqui.
Agora, sim, está na tela a primeira apresentação. Creio que sim. Está aparecendo na tela a apresentação? Façam um sinal, por favor. (Pausa.)
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Neste tempo, o meu propósito é dividir a minha fala nesses seis temas, numa breve apresentação; depois, vou falar, sim, sobre a caracterização dos diferentes tipos de barragens; vou apontar os dados, o que está sendo previsto para o setor elétrico, a possibilidade de construção de novas usinas; vou chamar a atenção para as melhores práticas no setor elétrico com relação às populações abrangidas por empreendimentos; e vou chamar a atenção para alguns pontos do projeto de lei antes de chegar à conclusão.
Breve apresentação. Para quem não conhece, o Instituto Acende Brasil é um centro de estudos que visa aumentar o grau de transparência, eficiência e sustentabilidade do setor elétrico. O que fazemos é examinar com rigor acadêmico essas oito principais dimensões do setor elétrico e sobre cada uma delas publicar então, sempre baseado em dados e fatos, análises de toda natureza, análises e recomendações. Publicamos através de white papers, artigos acadêmicos, conferências etc. Além disso, o Instituto Acende Brasil presta serviço ao mercado de treinamento, projetos de pesquisa e coisas dessa natureza.
Uma ressalva logo no início: esse tema de barragens, um tema que para o setor elétrico é bastante antigo, tem sido falado muito recentemente, infelizmente, motivado pelas enormes tragédias ocorridas tanto em Mariana quanto em Brumadinho. E aí eu quero ressalvar desde o início, e vou mostrar isso adiante, que se trata de barragem sim, de um jeito ou de outro, mas são totalmente diferentes as barragens que são utilizadas no setor elétrico e outros tipos de barragens, por exemplo, todas aquelas que foram citadas nos exemplos do palestrante que me antecedeu.
E quais são essas diferenças de barragens? Senadora, há pelo menos seis funções diferentes que são tratadas como barragens, de diferentes naturezas. Você pode ter barragens para reserva de água para abastecimento das cidades, consumo humano, ou o que seja; pode ter barragem para geração de energia elétrica, barragens das usinas hidrelétricas; barragem para o controle de cheias; barragens para contenção de sedimentos, como os exemplos citados; e para contenção de rejeitos industriais.
Essas barragens, em função da sua finalidade ou do terreno onde se localizam, podem ser também de diferentes naturezas. Podem ser barragens impermeáveis ou de rejeitos. No caso das barragens para reserva d'água, para geração de energia elétrica e também controle de cheias, são barragens impermeáveis, onde a contenção da água é a atividade fim do empreendimento que está aí. Elas podem ser de terra, de rocha, de concreto ou de uma mistura dessas coisas. E, por último, as barragens de rejeitos, que, como bem diz o nome, é para rejeito de um processo produtivo qualquer. E, aí, a maneira construtiva também é totalmente diferente, feita na terra.
Então, as barragens de usinas hidrelétricas, além dessa diferença radical em sua concepção e de processo construtivo, elas são sujeitas - até porque são a própria atividade fim dos seus empreendimentos - a manutenções e acompanhamentos extremamente rígidos e, inclusive, supervisionadas e controladas, entre outros órgãos, pela agência reguladora do setor elétrico.
Um pouco de dados no mundo concreto, o desafio que temos pela frente, em se tratando de novas usinas hidrelétricas para o setor elétrico, dados da realidade. Não é que essas usinas serão construídas, longe disso, mas esse é o universo das usinas que estão sendo consideradas pela EPE, a empresa de pesquisa e planejamento do setor de energia do Governo.
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Então, no radar da EPE, no plano do Senado, estão essas sete usinas, num total de 1,1 mil megawatts de potência. Só para dar uma ordem de grandeza, Senador, a capacidade instalada de usinas no Brasil é da ordem de 180 mil megawatts ou 180 gigawatts. Aí é apenas um gigawatt que está no horizonte de consideração e análise, e não significa que sejam projetos que serão levados a leilão e muito menos construídos, ou seja, é um universo bastante pequeno. Esse dado é que eu quero que fique, na realidade.
Bom, no setor elétrico, eu acho que um dado da realidade também ajuda a nossa consideração aqui: falar sobre como tem evoluído o tratamento que o setor dá para essas questões; e dar algum exemplo de melhores práticas adotadas no setor com relação ao tratamento das populações abrangidas por usinas hidrelétricas. Aí eu quero destacar.... Depois, ao final da palestra, eu vou deixar aqui um link para uma publicação - essa que eu estou mostrando aqui - feita pelo Instituto Acende Brasil, cujo tema foi "O homem e a usina". Então, numa meia dúzia de páginas ou pouco mais, há o depoimento de várias pessoas, várias famílias que, de alguma maneira, foram afetadas pela construção de usinas hidrelétricas. Então, existem depoimentos ali com muitos aspectos de desdobramentos favoráveis, mas também muitos aspectos de críticas. É tudo isso aqui.
Mas eu quero chamar atenção, neste momento da minha fala, para a última página, que tem o histórico de como o setor elétrico tem tratado essa questão. A perspectiva histórica, Senador, é muito importante, porque ela nos dá essa segurança para que venhamos a dar novos passos na construção desse nosso futuro.
Primeiro um dado: nos últimos 125 anos, cerca de 200 mil famílias tiveram que mudar de casa para assim garantir a instalação de um parque instalado, responsável por mais de 70% da energia elétrica produzida no Brasil. Foram 200 mil famílias que deram essa contribuição. Agora, como é que isso aconteceu ao longo do tempo? A primeira usina hidrelétrica foi ainda do final do século XIX, 1883. Mas eu quero destacar que em 1978 foi a primeira vez na Cesp, aqui em São Paulo, que se criou, enfim, um reservatório, um modelo-piloto do projeto integrado, onde foram estabelecidas as primeiras bases da inauguração de estudos de impacto ambiental. Até então isso não existia.
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Em uma fala numa conferência, Jerson Kelman, que é um acadêmico que foi inclusive Diretor-Geral da Aneel num tempo, referindo-se à evolução e ao progresso do setor elétrico no que diz respeito ao tratamento dessas questões, disse o seguinte: "Antigamente, o método de reassentamento ou de relocação de famílias utilizado no setor elétrico era o método hidráulico. O método hidráulico era assim: começava a encher o reservatório, e as famílias tinham que sair correndo". Enfim, essa frase é tão dramática, é tão caricata quanto dramática e quanto verdadeira naquela época. Isso é coisa do passado. Na fala dele, é evidente que ele usou isso para reforçar o argumento e para mostrar como isso mudou radicalmente ao longo do tempo. E hoje é fantástico o que acontece. Enfim, isso foi em 1978, quando foram estabelecidas as bases que resultaram na maneira como são tratadas as questões socioambientais e os processos de licenciamento hoje em dia.
Eu vou dar mais exemplos recentes. Esse histórico é muito oportuno, Senadora. Vou deixar isso com a senhora e com todos que estão nos assistindo.
Aqui há alguns exemplos de como essa questão é tratada hoje no caso de usinas hidrelétricas. Eu trago dois exemplos bem recentes de usinas de maior porte que foram construídas e que já estão em operação: a Usina Hidrelétrica Peixe Angical, construída pela empresa EDP, uma usina de cerca de 500MW, uma usina de médio a grande porte; e a Usina Estreito, construída pela empresa Engie, uma usina de maior porte ainda, com cerca de 1,1 mil megawatts. Em ambos os casos, obviamente, são usinas que passaram por todo o processo de licenciamento ambiental, não só definindo o Plano Básico Ambiental, como também cumprindo o Plano Básico Ambiental; e, em ambos os casos, foi criado um foro de negociações.
O que era esse foro de negociações? Ele tinha o Ibama, que é a agência do meio ambiente, como coordenador; nele havia a agência ambiental estadual, como, no caso, o Naturatins, do Estado de Tocantins; representantes do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual; representantes do Poder Executivo, dos Municípios, das prefeituras que de alguma maneira eram atingidas pela barragem; representantes da comunidade ou entidades representativas da população afetada pelos empreendimentos; o Movimento dos Atingidos por Barragens e quem mais quisesse dos atingidos pelas barragens. Esse foi um espaço de diálogo com a finalidade de propor soluções de consenso não previstas nos programas ambientais de aquisição de terras, de relocação urbana etc. Outros temas adicionais àqueles que já estavam tratados no processo de licenciamento ambiental foram trazidos para esse foro.
Esse foro não tinha caráter deliberativo, mas foi um avanço, uma prática espetacular, que agora se tornou padrão comum no setor, porque permitiu, em um espaço democrático de diálogo, que as comunidades, primeiro, se informassem melhor, porque nem sempre a comunidade atingida tem essa facilidade por conta própria, por ser um material muito denso, até por não poder recorrer a outros aspectos até mesmo de tecnologia e internet. Há essas dificuldades naturais, e a gente sabe dos contrastes do nosso País. Então, esse foro tinha o papel de esclarecer diretamente todas as dúvidas que essas pessoas ou essas comunidades poderiam ter, de acolher os seus anseios, de colocar as condições, de explicar isso junto com os órgãos licenciadores, para, ao final de tudo, se chegar a um consenso, que foi o que aconteceu.
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Então, essa melhor prática já vem sendo praticada no setor - estão aqui dois exemplos, Senadora - e fica facilmente compreendida quando nós nos defrontamos com esse histórico em que se percebe a evolução e a modernização do setor elétrico no tratamento dessas questões.
Dito isso - eu estou controlando aqui o meu tempo, para não estourar -, eu queria chamar a atenção para alguns pontos desse projeto que dão a base, os argumentos que eu quero colocar. (Falha no áudio.)...
Em primeiro lugar, eu quero chamar a atenção para o art. 3º do projeto. (Falha no áudio.) ... inciso VIII e IV. Ele fala de reparação pelos danos morais, individuais e coletivos, decorrentes dos transtornos sofridos em processo de remoção ou de evacuação compulsória. E eu vou chegar no inciso IV, ele fala em compensação social e, novamente, referindo-se a danos morais, abalos psicológicos, dentre outras coisas.
Vamos lembrar, Senadora, que o Código Civil, no seu art. 927, já regulamenta reparação por danos morais. Além disso, boa parte do que está no PL é prática nas empresas durante a implantação dos empreendimentos, enfim, até subjugados ao processo de licenciamento ambiental, o Plano Básico Ambiental.
Por último... (Falha no áudio.) ... do PL, por outro lado, ambiental, inclusive com a ampliação do seu escopo. Alguns incisos, do nosso ponto de vista, extrapolam a responsabilidade do empreendedor e estão muito pouco objetivos, trazendo uma enorme insegurança jurídica para a consecução dos empreendimentos. Outros pontos que eu quero destacar, no art. 4º, falam sobre compensação pelas perdas imateriais necessária à reconstituição dos modos de vida e das redes de relações sociais. Do nosso ponto de vista, isso é absolutamente impraticável, devido ao grau de subjetividade. De um lado, pela arbitragem do que seriam essas perdas, e, em segundo lugar, pela impossibilidade... Há que se reconhecer a impossibilidade de reconstituir integralmente o modo de vida e as relações sociais. Ora, Senadora, se uma pessoa, uma família tiver que se mudar de uma cidade, por uma razão qualquer, você não reconstitui integralmente o modo de vida e as relações sociais dela, que vai ter novos vizinhos. É uma coisa impossível, ou seja, é impraticável esse inciso III da maneira como está sendo definido.
O art. 7º fala na constituição de um comitê local de composição tripartite e caráter provisório, etc., etc. Terá por base estudos socioeconômicos realizados no âmbito do licenciamento ambiental, que solicitará a manifestação do comitê local, ou seja, subjugando, depois de feito todo o processo de licenciamento ambiental, a deliberação desse comitê. Ou seja, as questões relativas aos atingidos por barragens devem ser tratadas no bojo do processo de licenciamento ambiental, processo esse que, repito um pouco, Senadora, vem evoluindo de uma maneira, ouso dizer, entusiasmante no que diz respeito à conjugação necessária entre o melhor tratamento para aquelas pessoas que são afetadas pelo empreendimento vis-à-vis a viabilidade do próprio empreendimento. Então, é lá no bojo desse processo de licenciamento que essas questões são tratadas. A aprovação, o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação do programa de direitos das populações atingidas é, sim, de responsabilidade funcional do órgão ambiental, e ele pratica isso. Um agente externo ao Sistema Nacional do Meio Ambiente - vale dizer, todos os órgãos ambientais inclusive, ou preponderantemente - não pode atuar de forma sobreposta ao órgão licenciador, sob pena de impor uma terrível desorganização institucional. Dito isso, apresento nossa conclusão, Senadora e demais Senadores.
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Primeiro, uma reflexão: no ambiente empresarial a palavra "previsibilidade" é talvez a de maior relevância. Insegurança jurídica, o que é descabido, e gastos imprevisíveis são o principal obstáculo, enfim, o principal fator de evasão de investimentos no País.
Por outro lado, a aprovação de mais uma lei não garante o direito das populações beneficiadas por barragens. Eu estou fazendo questão de usar essa expressão aqui porque, como a senhora vai ver até em um pequeno documentário que vou mostrar a seguir - mas também muito está contido aqui nesta publicação a que me referi -, é claro que a afetação pela construção de uma barragem tem benefícios e sacrifícios associados, e cabe às pessoas definir o seu balanço em relação a essas questões. São inúmeros os benefícios para a população que só se materializam em função da existência da construção de uma barragem.
Acordos transparentes com a participação das partes envolvidas, mediados pelo órgão ambiental e supervisionados pelo Ministério Público - tanto em nível estadual quanto federal -, não há dúvida, do nosso ponto de vista, são a melhor forma de garantir a justa indenização pelos impactos sofridos pelas famílias que vivem no entorno dos empreendimentos do setor elétrico.
Então, a aprovação do texto, da maneira como foi construído, apresentado, acho que teria um efeito totalmente danoso, de ampliar a insegurança jurídica; impacta negativamente o ambiente de negócios no Brasil e compromete o esforço, que deve ser permanente, de busca de conciliar a precaução e a eficiência.
Por último, uma reflexão, Senadora: nos próximos anos - enfim, a gente está vivendo isso mais do que, talvez, em outras épocas - investimentos em infraestrutura serão essenciais para acelerar o crescimento econômico do Brasil e, só assim, aumentar a qualidade de vida da população como um todo, gerando emprego e renda para todos.
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Dito isso, ainda usando o tempo que me resta, Senadora, vou tomar a liberdade de apresentar um trecho de apenas seis minutos do documentário chamado Na Trilha da Energia, que o Instituto Acende Brasil produziu. É como se fosse uma aulinha explicando o setor elétrico, em vários capítulos. Passou na televisão e hoje está disponível no YouTube. Um dos capítulos tratava sobre questões socioambientais e havia lá um trecho que falava exatamente sobre as populações atingidas por barragem, preocupação desse projeto de lei do qual a senhora é Relatora. Então, tomo a liberdade, são apenas seis minutos. Ele mostra, na palavra de especialistas, mas principalmente na palavra de atingidos, qual é a impressão que têm do que lhes ocorreu.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. CLAUDIO SALES - Pronto, Senadora. Eu ouvi que o meu tempo se esgotou.
É isso.
Espero que tenha sido útil ter essa visão da realidade, lembrando que o setor elétrico... (Falha no áudio.) ... economista...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada pelo material que o senhor apresentou, Dr. Claudio, nós vamos ver esse vídeo na íntegra também aqui com a equipe.
O SR. CLAUDIO SALES - Vamos disponibilizar não apenas esse vídeo, que já estou passando para o Aírton...
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Certo.
O SR. CLAUDIO SALES - ... como também essa publicação aqui. E vamos dar o caminho. O nosso site tem muita informação também sobre esse tema.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Perfeito.
O SR. CLAUDIO SALES - Obrigado pela atenção, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que agradecemos, doutor. Agradecemos mesmo a sua participação, Presidente do Instituto Acende Brasil, Sr. Carlos Sales. Obrigada pela sua explanação.
O SR. CLAUDIO SALES - Uma correção: Claudio.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Ah, Claudio! Perdão, perdão! Claudio Sales, é verdade.
O SR. CLAUDIO SALES - Carlos é um dos meus filhos. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - É verdade. Desculpa.
Passo a palavra agora para a Sra. Fernanda Lage, assessora que representa a Deputada Estadual por Minas Gerais, a Parlamentar Beatriz Cerqueira.
Passo a palavra para a Sra. Fernanda Lage. Seja bem-vinda, Fernanda.
A SRA. FERNANDA LAGE (Para expor.) - Muito obrigada, Senadora Leila Barros.
Eu saúdo e parabenizo V. Exa. pela condução dos trabalhos e, na sua pessoa, eu cumprimento todas e todos aqui presentes e também quem nos assiste.
Conforme foi dito, eu represento a Deputada Estadual Beatriz Cerqueira, do Partido dos Trabalhadores, que não pôde estar presente aqui hoje.
Pelo acompanhamento que o mandato realiza in loco nos territórios atingidos, seja pela construção, pela manutenção, descondicionamento e também pelo rompimento de barragens, nós destacamos aqui a importância do Projeto de Lei 2.788, para complementar e conferir maior efetividade à política de segurança de barragens e também para reconhecer a primazia dos direitos humanos.
Em um relatório dos anos 2000, da Comissão Mundial de Barragens, estimava-se à época que entre 40 e 80 milhões de pessoas já tinham sido deslocadas por empreendimentos no mundo, em cerca de 45 mil grandes barragens. E no Brasil, de acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens, essa soma já é bem superior a 1,5 milhão de atingidos. Desses, cerca de 70% nunca receberam nenhum tipo de indenização ou compensação.
Desde a década de 70, o processo de construção de barragens se intensificou no nosso País, principalmente depois de obras hidrelétricas para dar conta do processo de desenvolvimento em curso, e também com a privatização do setor elétrico, na década de 90, essa situação de violação sistemática de direitos humanos se agravou.
Em 2006, a Comissão Especial de Atingidos por Barragens, no âmbito do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, realizou um estudo de caso em sete barragens constatando que há um padrão vigente de construção que vem provocando graves violações de direitos humanos, seja em obras hidrelétricas ou em barragens de água ou de mineração. Com esse tipo de constatação, o entendimento é de que historicamente o clamor social sobre a importância da criação de um marco jurídico para os atingidos e atingidas por barragens seja reconhecido, assegurando direitos e trazendo segurança jurídica não só para as empresas, mas também para as pessoas.
Aqui em Minas Gerais, nós conquistamos a aprovação da política estadual dos atingidos por barragens, a Lei 23.795, de 2021, infelizmente após dois crimes socioambientais de enormes proporções que ceifaram 292 vidas humanas, deixando centenas de quilômetros de lama e destruição ao longo das Bacias do Rio Paraopeba e do Rio Doce, conforme foi muito bem trazido pelo Dr. Edmundo, crimes esses que se perpetuam pelas contínuas violações de direitos das populações atingidas, agravadas pela ausência de um marco legal.
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É profundamente lamentável a constatação de que, ao longo de muitas décadas de violações, de luta, de reivindicações, as populações atingidas conquistaram vitórias, mas ainda não conquistaram direitos de forma efetiva.
Nesse sentido, então, a gente ressalta que a Pnab (Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens) é imprescindível e é essencial para avançarmos, diminuindo a assimetria normativa entre as empresas e as populações, diminuindo as discrepâncias nas tratativas das empresas com as populações atingidas, muitas vezes envolvendo a mesma empresa. Se existem danos, conforme já vêm sendo trazidos por vários relatórios, estudos já mencionados aqui, a responsabilidade das empresas é objetiva; então, existe um inegável dever de reparação que vem sendo historicamente negligenciado.
A já reconhecida dívida social com os atingidos só cresce ao longo dos anos, e a Pnab vem para suprir essa lacuna, essa omissão do Estado brasileiro.
Quanto melhor nós definirmos direitos, quanto mais atuarmos em caráter preventivo, menos direitos serão violados e maior segurança jurídica será conferida não só às pessoas, mas às empresas também. É uma vergonha nós termos setores tão avançados, como o setor elétrico e o setor de mineração, e nós não assegurarmos os direitos das pessoas atingidas.
A Pnab reconhece direitos que são internacionalmente assegurados, sistematicamente violados, mas que ainda não são devidamente reconhecidos pela legislação brasileira.
Nesse sentido, eu queria ressaltar a importância do parâmetro da reparação integral. E, quando a gente fala integral, é sabendo que, na literalidade do termo, nenhuma reparação de direitos humanos será realmente integral, mas é um termo, é um conceito que parte dos precedentes já reconhecidos pelos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, que preveem a mitigação, a restituição, a compensação, a reabilitação, a satisfação e, sobretudo, a não repetição de violações de direitos humanos.
É muito importante também, como já foi falado também pelo Dr. Edmundo, o reconhecimento do princípio da centralidade do sofrimento da vítima, que também parte de parâmetros internacionais; o direito ao reassentamento coletivo, no caso de deslocamento compulsório; o direito às assessorias técnicas independentes como ferramenta essencial no processo de reparação envolvendo pessoas atingidas e empresas, uma relação tão assimétrica.
Eu acho que toda essa discussão é muito importante para nos levar a refletir sobre que tipo de desenvolvimento nós queremos, que tipo de desenvolvimento nós aceitamos.
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Nenhum projeto de desenvolvimento do País pode ignorar a vida, o bem-estar, a dignidade, a integridade humana. Nós precisamos compreender os conflitos em sua integralidade, levando em consideração todos os aspectos socioambientais. Eu acho que a gente está seguindo um caminho de avançar nesse sentido.
Então, queremos saudar esta iniciativa, agradecer a oportunidade de estar aqui hoje. Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que agradecemos a sua presença, a sua participação, Fernanda Lage, que está representando aqui a Deputada Estadual por Minas Gerais Beatriz Cerqueira, do PT de Minas Gerais. Agradeço a sua participação.
Vou passar a palavra agora... Só para esclarecer aqui, nós vamos dar esse tempo aos nossos expositores. Vou passar também algumas perguntas do e-Cidadania, que podem ser respondidas ou não por todos vocês, e, no final, a minha assessoria preparou aqui algumas perguntas que eu gostaria de, enfim, fazer a todos e deixá-los bem à vontade para responder. Mas isso ao final das exposições.
Eu agradeço mais uma vez a sua participação, Fernanda. Obrigada.
Vou passar a palavra agora para o Sr. Júlio Cesar Ferreira, que é o Diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração, o Ibram.
Seja bem-vindo, Dr. Júlio Cesar.
O SR. JÚLIO CESAR NERY FERREIRA (Para expor.) - Obrigado, Senadora. Começamos agradecendo à senhora, Senadora Leila Barros, a oportunidade de atender a essa convocação da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, para trazermos a nossa contribuição na discussão desse importante projeto, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens.
Infelizmente, a gente sempre tem que reconhecer que a gente teve esses dois grandes acidentes, que devemos lamentar sempre, por suas tristes consequências, mas devemos deles tirar as lições e aprendizados para aprimorar a segurança das nossas operações, seja em barragens, seja nos outros itens da mineração.
É importante ressaltar, contudo, quanto à resposta regulamentadora dada pelos Poderes Executivo e Legislativo nos âmbitos do Estado de Minas Gerais e em nível federal, com edição de 24 diplomas legais a partir de 2017, buscando incrementar a segurança das operações das barragens de mineração.
Podemos dizer, com certeza, que hoje o Brasil dispõe de um quadro regulador que traz maior segurança para a população, lembrando aqui que a Sra. Senadora foi a Relatora também do PL 550, que gerou a Política Nacional de Segurança de Barragens.
Além da ação...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - É... Na verdade - desculpe-me, doutor -, eu fui autora do 550.
O SR. JÚLIO CESAR NERY FERREIRA - Ah, a senhora foi autora do PL 550. Isso.
Todos os organismos internacionais que cuidam das barragens e da sua padronização, para que fiquem criando os critérios construtivos para isso, também se debruçaram sobre essas regulamentações, para aprimorá-las, de forma a buscar evitar novos desastres.
Tivemos o banimento, no Brasil, das barragens a montante e hoje a gente tem aí os critérios para a construção das barragens - e eles são similares para todas as barragens de terra - bastante aprimorados.
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Desses marcos, devemos citar sempre a Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010; a edição da Lei 23.291, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens, no Estado de Minas Gerais; a Lei 1.466, de 2020, que eu já citei e que realizou a Política Nacional de Segurança de Barragens; e a Lei 23.795, de 2021, que instituiu, com bases similares ao propósito desse PL que está em tramitação, a Política Estadual dos Atingidos por Barragens, em Minas Gerais.
Sobre esse PL 2.788, respeitosamente, a gente pede licença para fazer algumas notas. Deve ser visto que as barragens enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens estão indistintamente sujeitas a obrigações aqui citadas na política dos atingidos, sem consideração de qualquer critério de anterioridade da estrutura a eventuais ocupações a montante. Também não existem outras considerações a respeito de método construtivo, categoria de dano potencial, e nem uma necessária delimitação do alcance da medida.
Outro ponto a ser ressaltado em seu art. 2º é que, de acordo com a nossa lei civil, o dano potencial hipotético não é reparável. Para haver a reparação civil, seria necessário o dano efetivo e o nexo causal. As perdas mencionadas no texto devem ser comprovadas e mensuráveis. Nesse sentido, a redação dos incisos poderá trazer, como já foi dito, uma insegurança jurídica e falta de previsibilidade contra os eventuais custos que seriam suportados pelos empreendedores, para o que pedimos sua atenção. Ademais, há incisos que podem trazer subjetividade, em especial, quanto à desvalorização dos imóveis, mudança de hábitos das populações e alteração em seu modo de vida, gerando, igualmente, insegurança jurídica ao não definirem claramente os critérios de classificação da pessoa como o atingido.
As disposições contidas no art. 3º acerca da reparação e da indenização já estão, em nosso ver, satisfatoriamente tratadas no Código Civil brasileiro. Deve ser preservada a possibilidade de um particular poder negociar diretamente com o empreendedor, não estando necessariamente sujeito às diretrizes do reassentamento coletivo. E também a gente entende ser necessário que as assessorias técnicas sejam previamente cadastradas, conforme essa regulamentação a ser editada.
O prazo previsto no inciso XIII não depende apenas do empreendedor, que pode ser obrigado a adquirir imóveis, regularizá-los, desmembrá-los, o que pode levar tempo, tendo em vista a burocracia inerente a esses procedimentos.
O §1º do art. 3º contém conceitos também abertos cuja análise é essencialmente subjetiva, podendo gerar uma insegurança jurídica. Como valorar, por exemplo, a diversidade de situações e experiências, vocações e preferências, culturas e especificidades de grupos, comunidades, famílias e indivíduos? Carece ainda, em nosso entender, de definições claras acerca da formação do comitê local da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens, uma vez que o art. 7º não traz as regras claras acerca da sua formação e composição.
Da mesma forma, as disposições contidas no art. 4ª acerca da reparação e/ou indenização também já são satisfatoriamente tratadas no Código Civil brasileiro.
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Deve ser solicitada também uma melhor definição de alguns aspectos citados, como o conceito de danos imateriais, que em nosso entendimento é de difícil valoração.
São alguns exemplos de aprimoramentos que podem ser feitos. Devemos considerar que o projeto apresenta também muitos pontos importantes. Para complementá-los, gostaríamos de citar trabalhos em desenvolvimento no Ibram para aprimoramento da transparência e da comunicação do setor com a sociedade e também da segurança das barragens.
Desde o ano de 2019, o Ibram trabalha na implantação das métricas e metas para os componentes de sua carta-compromisso com a sociedade brasileira, que passamos a denominar de Agenda ESG da Mineração. Dentre eles está a segurança dos processos, a segurança e saúde da população e dos trabalhadores e a segurança das barragens e estruturas de disposição de rejeitos. São 12 componentes nessa carta-compromisso, dentre eles esses três. Esse trabalho envolve a participação de dezenas de profissionais das empresas associadas.
Em outra iniciativa, o Ibram tem apoiado efetivamente a implantação no Brasil do Padrão Global da Indústria para a Gestão de Rejeitos, que tem como objetivo final evitar qualquer dano às pessoas e ao meio ambiente. É o objetivo declarado de zero dano, com tolerância zero para fatalidades humanas.
O padrão exige que operadores assumam responsabilidade e priorizem a segurança das estruturas de disposição de rejeitos ao longo de todas as fases do seu ciclo de vida, inclusive nas fases de fechamento e pós-fechamento. Além disso, o padrão exige também a divulgação de informações relevantes que suportem a prestação de contas e responsabilização pública, priorizando também o diálogo com as comunidades.
Em outra iniciativa, o Ibram trabalha também para a implantação entre os seus associados do TSN ou, como indica a sigla em inglês, Towards Sustainable Mining, que podemos traduzir "por uma mineração sustentável", que é um programa desenvolvido pela Associação de Mineração do Canadá, e já é adotado em diversos países - na América do Sul podemos citar, por exemplo, Argentina e Colômbia -, que visa a possibilitar que a indústria mineral atenda às necessidades da sociedade no que diz respeito às demandas por produtos da cadeia do setor, de maneira responsável em termos sociais, ambientais e econômicos.
Mediante um conjunto de oito protocolos indicadores, busca ser um programa direcionado ao desempenho de longo prazo, que mostra a melhoria desse desempenho ao longo do tempo, por meio de indicadores verificáveis e auditáveis. Atua com responsabilidade por suas métricas e suas avaliações são conduzidas ao nível das unidades operacionais, com transparência, uma vez que as empresas devem relatar anualmente os indicadores e as informações de uma forma independente e serem auditados por uma auditoria externa a cada três anos.
Já no implementar da transparência na divulgação das informações principais acerca das barragens do setor, o Ibram também desenvolve o projeto Proxy, que é o resultado de um acordo de cooperação entre a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e o Ibram para a integração e a utilização de uma plataforma para compartilhamento de informações de riscos tanto de barragem como de outros. A plataforma foi originada na própria plataforma proximidade da Cemig, que foi concebida e é utilizada desde 2005 para a divulgação das principais informações referentes às barragens da Cemig.
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Essa plataforma consiste em dois ambientes, um sistema web e dispositivos móveis, um aplicativo que se caracteriza pelo potencial de uso compartilhado, como instrumento único de gestão de emergência. A plataforma Prox tem como principal objetivo o estreitamento do relacionamento e da comunicação entre o empreendedor, órgão de proteção, defesa civil e as comunidades localizadas na região a jusante das barragens.
Os objetivos específicos para essa implantação são alinhados às principais etapas do desenvolvimento do sistema, que são as seguintes: permitir à população acesso às informações sobre risco no seu Município e orientação sobre os procedimentos de autoproteção; otimizar a comunicação entre empreendedores e os órgãos públicos, o fortalecimento do sistema de proteção e defesa civil, a viabilização e a elaboração de planos de contingência municipais e dos planos de emergência das empresas participantes.
Esse programa conta atualmente com a participação de diversas associadas e teve apoio, no seu desenvolvimento, da Defesa Civil de Minas Gerais.
Hoje a gente negocia já com alguns Municípios também a entrada de defesas civis municipais nesse programa.
Esse aplicativo já está disponível tanto para Android quanto para iOS e pode ser baixado nas lojas desses aplicativos, gratuitamente, hoje, com as informações das barragens da Cemig. A gente espera que até o primeiro quadrimestre do ano que vem já estejam lançadas aí as principais barragens das empresas associadas do Ibram.
Então, agradecendo novamente a oportunidade, Senadora Leila, nós colocamos o Instituto Brasileiro de Mineração à disposição desta Comissão para qualquer outra colaboração que seja necessária.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Agradeço a participação do Sr. Júlio César Ferreira, que é o Diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração, o Ibram.
Bom aqui, por meio do e-Cidadania, nós recebemos algumas manifestações que eu gostaria de compartilhar com os nossos expositores e com aqueles que acompanham a nossa audiência, já dizendo aos que estão conosco nesta manhã que nós vamos encaminhar essas perguntas aos expositores, porque, na sequência, a minha equipe acompanhou, nós acompanhamos aqui atentamente a audiência, e nós temos alguns questionamentos que, enfim, faremos agora aqui. Quem se interessar em responder ou responder após a audiência, mandar para nós as notas, nós agradecemos. Mas nós vamos expor esses questionamentos aqui para os senhores.
Primeiro as manifestações.
Dellana Rosa, da Bahia. Quais os principais benefícios da Política Nacional de Direitos às Populações Atingidas por Barragens?
A Dilma Souza, de Minas Gerais. Sabemos que os rejeitos podem ser aproveitados em construção de tijolos. Então, por que não contratar oficinas para ensinar como se faz?
Rafael dos Santos, do Rio Grande do Sul. As regras de responsabilidade social do empreendedor são mais rígidas? Essa política terá impacto nos culpados pelos incidentes anteriores?
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Débora Torres de Castro Azevedo, de Alagoas.
'Quando serão reparados os danos causados ao meio ambiente e às populações ribeirinhas afetadas?"
E, por fim, comentários. Nós temos alguns, eu vou citar apenas o da Maria Bortoletto, de São Paulo.
"Aproveitar os rejeitos para a construção de tijolos é uma opção autossustentável, se não houver nenhum perigo de contaminação com voluntários".
E, por fim, acompanhando a audiência e todas as explanações, o Projeto de Lei, o 2.788, de 2019, busca aperfeiçoar a legislação sobre a segurança de barragens para fortalecer os direitos das populações atingidas pelo impacto da construção de barragens e de acidentes e desastres envolvendo esses empreendimentos. A necessidade de se promover a segurança jurídica dessas populações ficou muito evidente nos trágicos casos dos rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho, no Estado de Minas Gerais, que ocorreram respectivamente em novembro de 2015 e janeiro de 2019.
Ao assumir a relatoria, nosso gabinete recebeu várias manifestações que questionam alguns dispositivos da nova proposta. Resolvemos, então, solicitar a realização de audiências públicas - esta é a segunda -, a fim de compreender as posições dos diferentes atores que serão de certa forma impactados de forma a subsidiar a construção do nosso parecer.
A primeira pergunta que eu faço... O projeto equipara o tratamento legislativo dado à população atingida em duas situações distintas: pela construção de uma barragem e no caso de um rompimento dessa estrutura. Eu pergunto aos senhores: "Como os senhores avaliam essa equiparação?"
Eu passo a palavra ao nosso Procurador Edmundo, Dr. Edmundo Netto Junior. O senhor tem cinco minutos.
Obrigada.
O SR. EDMUNDO ANTONIO DIAS NETTO JUNIOR (Para expor.) - Obrigado, Senadora.
Bom, nessa primeira pergunta da distinção entre as causas de aplicabilidade da política nacional ora projetada, parece-me que a leitura deve ser a partir da perspectiva das pessoas atingidas, não do tipo de barragem. O Sr. Claudio Sales trouxe uma explicação. É evidente que são barragens diferentes as do setor minerário e as do setor elétrico, mas as hipóteses de aplicação da lei, quando aprovado o PL 2.788, são claríssimas e são trazidas no art. 2º, quando diz que a população atingida por barragem é aquela cujos sujeitos tenham sofrido um ou mais dos impactos provocados. Ou seja, independentemente da questão técnica, porque é uma distorção de foco, uma perspectiva equivocada, a partir do plano empresarial, isso mostra um descompromisso evidente com os direitos humanos, mas não é a técnica construtiva que deve ensejar isso. Por isso que o tratamento deve ser equânime.
Com relação também à pergunta que foi feita sobre a questão dos tijolos, que foi feita inicialmente por uma participante de cujo nome eu não me recordo, e a segunda complementou, a complementação me pareceu muito adequada quando ela diz:" Desde que isso não cause contaminação". Todos nós sabemos, há estudos demonstrando na Bacia do Rio Doce a contaminação por metais pesados, assim como na Bacia do Paraopeba. Esses estudos são bastante preocupantes. Eu citaria aqui, especificamente o estudo da empresa Ambios, que foi incumbida da função pelo Comitê Interfederativo, no caso Rio Doce, que detectou a presença de determinados metais que causam danos. Então, esses tijolos será que são, de fato, inertes? Uma eventual obra na casa, com a destruição parcial desses tijolos, é passível de gerar contaminação? Ou seja, em fase em que cada dia mais devemos louvar a ciência, apenas a técnica poderá demonstrar se esse material reunido em tijolos será, de fato, inerte.
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Eu gostaria também, Sra. Senadora, de dizer que não me entusiasmei tanto assim com o licenciamento ambiental, não compartilho do entusiasmo do Sr. Claudio Sales. Entusiasmo é uma palavra grega, de origem grega, que significa aquele que tem Deus dentro de si, ou seja, devemos reservá-la para algo realmente muito mais profundo, por exemplo: o entusiasmo com a cultura do povo krenak, que foi atingido pelo desastre na Bacia do Rio Doce. Se a gente usa esse entusiasmo para algo como o licenciamento ambiental, que sabemos falho, o que diremos, então, por exemplo, da fantástica mobilização e fortalecimento do movimento indígena que nós vemos atualmente em nosso País? Vou dar um exemplo: o licenciamento da Barragem de Fundão não havia considerado sequer a presença do povo indígena krenak, no Município de Resplendor, no médio Rio Doce. Alguém tem dúvida aqui de que eles foram severamente atingidos pelo desastre da Vale, da BHP Billiton e de seu braço Samarco? Sofreram danos ambientais, culturais e, inclusive, espirituais, na medida em que consideravam o Rio Doce, que eles chamam Watu, como uma entidade sagrada, onde se encontram os seus maretes.
Parece-me também que a fala do Sr. Claudio, data venia, ao dizer que a indenização por danos morais já se encontra resolvida pelo Código Civil, não apresenta a necessária consistência, na medida em que o representante do Instituto Acende Brasil - e eu pergunto aqui: qual Brasil? De que forma queremos acender esse Brasil? - afirma, por um lado, não haver condições de implementar a recomposição de danos das pessoas que sejam compelidas a se realocarem, mas, contraditoriamente, afirma que a lei, o Código Civil já resolve a situação dos danos morais. Eu citei, na minha fala, Ulpiano: "[...] honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere", ou seja, se vivêssemos honestamente, não causássemos danos aos demais e déssemos a cada um o que é seu, essa discussão seria ociosa, mas as falhas nas reparações de Brumadinho e Rio Doce demonstram que o marco normativo é absolutamente necessário.
O Sr. Claudio Sales também trouxe uma peça publicitária com depoimentos quantitativamente, inclusive, reduzidos de pessoas que tiveram de ser realocadas. Eu dou um exemplo aqui: há um projeto em Minas Gerais - Sra. Senadora, sei que é um Estado de sua afeição -, e, nesse projeto de construção da UHE Formoso, no médio Rio São Francisco, o rio da integração nacional, em momento algum, os empreendedores apresentaram informações sobre a presença de povos e comunidades tradicionais. Eu solicitei ao Niisa (Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental), da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), e eles me encaminharam um relatório fazendo referência a nada menos do que 145 povos e comunidades tradicionais que não haviam sido mencionados pelo empreendedor, em relação aos quais já havia estudos realizados apenas naquela baixada do médio São Francisco, nas proximidades de Montes Claros, ou seja, qual a confiabilidade que devemos ter no licenciamento da forma como ele é feito em nosso País? Mas, de outro lado, a Sra. Fernanda Lage, assessora da Deputada Beatriz Cerqueira, tocou num ponto essencial: de que a previsão de um marco normativo claro sobre os direitos das populações atingidas por barragens também traz segurança jurídica aos próprios empreendedores. É isso que a gente precisa construir. E essas empresas violadoras de direitos humanos serão mais e mais respeitadas na medida em que passem a observar, franca, plena e profundamente, os direitos humanos.
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Eu não vou ter tempo de falar sobre a fala do Sr. Júlio Cesar, mas apenas diria que ele começou errado quando, ao reconhecer os desastres nas bacias do Rio Paraopeba e do Rio Doce, referiu-se a eles como acidentes. Então, na realidade, isso traz a lógica do acaso. As investigações mostram que não estamos falando de acaso, mas de desastres criminosos, ressaltando ainda que, na medida em que o Sr. Júlio Cesar menciona como um avanço a Política Estadual dos Atingidos por Barragens de Minas Gerais, por meio da Lei Estadual 23.795, de 15 de janeiro de 2021, o natural seria ele desejar, então, já que considera um marco adequado, que isso fosse ampliado para todo o País, porque não há nada justifique que uma empresa tenha que observar um marco num Estado, mas a pessoa atingida em outro Estado seja titular de um patamar inferior de direitos.
Enfim, são essas as considerações que eu gostaria de dizer, acrescentando ainda que, com relação à retroatividade da lei que o Sr. Júlio Cesar colocou, a gente está falando de uma situação que representa um passivo atual - e é a esse passivo que se dirige o PL 2.788. Não há inconstitucionalidade alguma nem nenhuma violação ao princípio da retroatividade legal, na medida em que estamos falando de uma situação presente. Inclusive, a Constituição no setor minerário obriga, expressamente, ao empreendedor a recuperação das áreas degradadas, a recuperação do meio ambiente, que, desde a Convenção de Estocolmo, de 1932, diz respeito também ao meio ambiente humano.
É isso, Sra. Senadora.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que agradecemos, Dr. Edmundo. Obrigada pelas respostas. Só para que o senhor saiba, quem nos perguntou sobre os tijolos foi a Dilma Souza, de Minas Gerais, e os comentários da Maria Bortoletto, de São Paulo. Muito obrigada.
Agora eu vou passar para a segunda pergunta, como ninguém mais levantou a mão, apenas o senhor: "As perdas dos desapropriados ocorrem em muitas obras grandes de infraestrutura, como barragens, estradas, aeroportos e postos, que resultam no deslocamento de populações estabelecidas, muitas vezes, há várias gerações. O que pensam a respeito da mitigação proposta no PL e há outras formas mitigar e compensar as perdas do desapropriado e da sua comunidade indo além da simples indenização pecuniária? Quais seriam essas compensações?".
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Vou passar a palavra, agora, para o Sr. Carlos Sales.
Obrigada, Sr. Carlos. Com a palavra.
O SR. CLAUDIO SALES - Um prazer, Senadora, mas, de novo, Carlos é meu filho. Eu sou Claudio Sales. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Que coisa! E o pior é que está escrito aqui Claudio! Eu estou... Perdão! Claudio Sales, perdão, perdão! (Risos.)
O SR. CLAUDIO SALES - Mais do que compreensível. Eu fico feliz de ver que esse negócio não acontece só comigo; também com os outros.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Ai, ai... Obrigada. (Risos.)
O SR. CLAUDIO SALES (Para expor.) - Mas, respondendo a essa questão que foi levantada pela ouvinte, eu queria considerar, antes, o seguinte: primeiro, deixar muito claro que há diferença, sim, entre o que é uma barragem para usina hidrelétrica e o que é uma barragem para rejeitos de processo industrial de mineração. As diferenças são estruturais e, portanto, do jeito que o projeto foi construído, onde tenta aplicar uma régua comum a duas realidades totalmente diferentes, não há dúvida nenhuma de que você vai gerar distorções. Eu vou dar mais alguns exemplos. Quando se trata de usinas hidrelétricas, enfim, coisa que foi dita até por um dos apresentadores, que os direitos não são reconhecidos, quer dizer, essa frase que fica, às vezes, ecoando, a meu ver, ela tem que ser desmentida na raiz, porque todo o processo de licenciamento ambiental leva em conta a identificação de direitos, o reconhecimento e a materialidade disso na forma de indenizações, compensações ou o que quer que seja.
No caso de uma forma bem direta de reassentamento, por exemplo, um direito básico que sujeita o atingido pela barragem para ser indenizado hoje reconhece não apenas os proprietários das terras, das localidades como também os usuários de qualquer natureza, ou arrendatários ou, até mesmo, posseiros. Enfim, isso, de novo, é um retrato real da evolução que tem tido o tratamento dessas questões ao longo dos projetos de licenciamento ambiental.
Eu vou mais adiante, hoje em dia, para construir uma usina hidrelétrica, o risco, com o simples cumprimento da legislação ambiental nos ritos regulatórios do processo de licenciamento, já existe um risco elevadíssimo, e eu dou um dado concreto que demonstra isso. Recentemente, há poucos anos, foram apresentadas, no Rio Parnaíba, três usinas para serem construídas, apresentadas em leilão. O processo é o seguinte: primeiro, é feito um inventário, uma determinação, a usina, só então, é submetida a leilão, tem que passar pelo processo de licenciamento ambiental, ter a licença prévia. Então, a despeito de ter passado pelo processo, ter a licença prévia e ser apresentada por leilão, na avaliação dos empreendedores, o risco inerente àqueles projetos ainda era tão alto que ninguém fez oferta.
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Então, o que eu quero lhe dizer, Senadora Leila Barros, de informação mesmo é que, hoje, o rigor desse processo já é, ouso dizer, bastante adequado; tem sido aprimorado constantemente, independentemente da existência de uma nova lei, muito menos de uma lei que inutiliza uma regra comum, inspirada por eventos recentes, fortemente inspirada por eventos recentes relativos a barragens de rejeitos. mas, enfim, adotando essa régua que, no caso do setor elétrico, só teria o efeito final de aumentar exponencialmente o risco que já existe e está submetido a avaliação, produzindo resultados como, inclusive, não haver oferta para determinados projetos que são apresentados.
Ouso dizer, para ser dramático, mas marcar a posição, que, dado o grau de dificuldade, você viu ali, por que só há sete projetos apresentados pela EPE, projetos hidrelétricos eventualmente considerados a serem submetidos a leilão para eventual construção, por que só há sete? Porque já foram excluídos na Amazônia, em que sabidamente tem uma afetação maior; então, nem se considerou colocar nessa fase de inventários, etc., porque já se sabe da dificuldade de sua concepção. Então, o que eu quero dizer, de forma dramática, é o seguinte: se a esse ambiente em que o estado da redução das coisas existentes já aponta riscos grandes que dificultam a realização desses implementos se adiciona essa régua que vem da mineração para os projetos hidrelétricos, vale dizer, com certeza, do meu ponto de vista, baseado na experiência que a gente tem, não vai se fazer mais nenhuma usina hidrelétrica no Brasil. É o depoimento que eu posso dar e posso fundamentar.
Por que eu falo isso com uma certa segurança, dentre outras coisas? Porque, num passado também recente, o Instituto Acende Brasil desenvolveu um projeto de pesquisa para avaliar os impactos das usinas hidrelétricas nas regiões em que elas são apresentadas. O projeto de pesquisa levou mais de dois anos na sua concepção e, dentre outras coisas, resultou num artigo acadêmico que foi publicado na Energy Policy, que é a revista acadêmica internacional do setor de energia mais conceituada do mundo. Então, o que fazemos é a avaliação das externalidades socioambientais das usinas hidrelétricas. Foram avaliados 26 indicadores: saúde, segurança, educação, renda dos Municípios, do poder público, atividade econômica como emprego, etc., desmatamento, 26 indicadores. Foi uma avaliação bem objetiva, reconhecida pela academia internacionalmente. Então, isso dá segurança para compreender o fenômeno.
E, por último, só para chegar ao ponto, sem querer me alongar mais... Exatamente, 15 segundos. Ressaltar que...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Não, eu peço desculpas, Dr. Cláudio e também ao Dr. Edmundo, os dois aí que...
O SR. CLAUDIO SALES - Mas vão ser 15 segundos, só uma frase...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Podem concluir. É porque a gente não tem muita ação sobre essa gravação, mas, concluam, por favor.
O SR. CLAUDIO SALES - Então vou usar 20, já que a senhora foi um pouco mais benevolente, 20 segundos.
Lembrar que é da natureza humana, a unanimidade, como dizia Nelson Rodrigues, muitas vezes é difícil, quase impossível. Se perguntarmos às pessoas que estão assistindo a essa nossa fala aqui, em conjunto, se terão gostado ou não, alguns vão dizer que sim, outros dirão que não. Sempre existe. Por isso que, até naquele documentário de que mostrei um pequeno trecho, nós fizemos questão de mostrar duas visões sobre a mesma questão, para deixar que o espectador faça sua avaliação.
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Então, a busca dessa unanimidade, a imposição dessa unanimidade por conta de lei não atinge o objetivo de melhorar a qualidade do tratamento das usinas hidrelétricas, no que diz respeito às pessoas que são afetadas pela usina, e praticamente inviabiliza, se for mantido nesses termos, a consecução de todo e qualquer novo projeto hidrelétrico aqui no nosso País.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada, Sr. Cláudio.
Eu não tenho, nós não temos aqui mais perguntas, e eu acho que tanto a Fernanda quanto o Sr. Júlio César não levantaram a mão. Então, eu vou passar agora para as considerações finais, eu acho que é importante, caso os expositores queiram fazer as suas considerações finais, o que eu acho importante. Vou dar dois minutos, e na hora em que houver a gravação lá, podem concluir a fala de vocês, que nós aguardamos, tá?
Eu vou passar a palavra para o nosso Procurador da República, do Ministério Público Federal, o Edmundo Netto Junior.
Doutor, o senhor tem três minutos. E, como falei, havendo a gravação, pode concluir sua fala. Obrigada.
O SR. EDMUNDO ANTONIO DIAS NETTO JUNIOR (Para expor.) - Obrigado, Senadora.
Eu insisto nesse ponto da unidade dos efeitos desses empreendimentos. O art. 3º, combinado com o art. 2º, são bastante felizes quando mencionam: "entende-se por populações atingidas por barragens todos aqueles sujeitos a um ou mais dos seguintes impactos: pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens".
Não se deve entrar aqui na questão da técnica construtiva. Eu insisto: o princípio da centralidade do sofrimento da vítima nos obriga a utilizarmos a perspectiva das pessoas atingidas. Então essa visão de partir da técnica construtiva, sem dúvida, é uma visão superada, em dissintonia com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Por exemplo, alguém nega o primeiro inciso do art. 2º, que a construção de uma usina hidrelétrica possa gerar perda da propriedade ou da posse do imóvel? Impossível negar. Inclusive o próprio Sr. Claudio Sales trouxe uma peça publicitária mostrando que isso acontece. Alguma dúvida de que pode causar desvalorização de imóveis em decorrência de sua localização próxima ou a jusante dessas estruturas? É o segundo inciso. E por aí vai. O terceiro fala da perda de capacidade produtiva das terras, o quarto inciso, da perda do produto ou de área de exercício da atividade pesqueira. A gente sabe que há um controle da fauna aquática em empreendimentos elétricos; ou seja, os efeitos que a gente está tratando aqui - por isso, o PL 2.788 foi tão feliz - são efeitos comuns, que exigem que um ou mais, apenas, deles estejam presentes para que uma população seja atingida por barragens.
Eu responderia também à pergunta que foi apresentada à senhora no chat, Sra. Senadora, com relação a outras formas de reparação. O projeto é tão satisfatório, que também prevê outras formas de reparação. Então, por exemplo, a gente fala, a gente verifica aqui, em alguma altura, que ele fala sobre a possibilidade de compensação quando não for possível reconstituir a situação anterior; a possibilidade de indenização, que foi mencionada por quem pergunta; a possibilidade de reposição, quando o bem ou a infraestrutura são destruídos, ou a situação social prejudicada são repostos ou constituídos. A compensação social, essa era uma preocupação das supostas dificuldades, mas um compromisso efetivo com os direitos humanos nos obriga a enfrentar esse problema, Srs. Claudio Sales e Júlio César, ou seja, a compensação social, quando a reparação assume a forma de benefício material adicional às formas de reparação.
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Isso consta no §1º do art. 3º. O Projeto de Lei nº 2.788 resolve muito bem essa situação, porque a gente sabe, realmente, que há danos que são impossíveis de serem reparados. Basta a gente ver os desastres no Rio Doce e no Rio Parauapebas.
Então, para ficarmos na citação literária feita pelo Sr. Claudio Sales, mencionando Nelson Rodrigues, a frase conhecida de que toda unanimidade é burra, eu diria que, se há unanimidade entre os setores elétrico e minerário, é preciso que repensem as suas posições.
Agradeço e, mais uma vez, parabenizo o Senado Federal por este importante debate.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada pela sua participação, Dr. Edmundo.
Realmente, está sendo uma audiência que tem nos ajudado muito, a primeira e esta segunda, em termos da qualidade dos expositores e das grandes dúvidas que nós tínhamos com relação ao projeto, muitas dessas dúvidas foram mitigadas na primeira e na segunda audiências.
Eu agradeço a vocês a participação.
Vou passar a palavra, agora, para o Sr. Claudio Sales - falei certo agora -, Claudio Sales, Presidente do Instituto Acende Brasil.
Dr. Claudio, o senhor tem aí três minutos, com mais um, para concluir a sua fala.
Obrigada pela participação, Dr. Edmundo e Dr. Claudio.
O SR. CLAUDIO SALES (Para expor.) - Obrigado, Senadora Leila Barros.
Primeiro, uma breve reflexão. Foi falado no material publicitário do Instituto Acende Brasil. Não sei por que o senhor foi buscar essa palavra. Não existe nenhuma publicidade ali. Ao senhor até recomendo que assista não só a esse trecho, mas a toda a série Na Trilha da Energia. Não se trata de material com destaque. Trata-se de material informativo de educação sobre o tema, temas diversos do setor elétrico. Há vários capítulos, capítulos que tratam sobre tributação na conta de luz, capítulo que trata sobre transmissão, geração, enfim. É muito interessante, mas não se trata de material publicitário. Eu não sei por que o senhor avocou isso na sua fala.
Número 2, falou sobre legislação, questão dos danos morais, que foram os pontos que eu tinha levantado ali. Aqui, de memória, me ocorre, por exemplo, uma dessas usinas grandes, construídas recentemente, uma usina hidrelétrica, a Usina de Jirau, eu sei que ali foram tomadas várias iniciativas judiciais, recorrendo para algum tipo de indenização por danos morais. A Justiça brasileira reconheceu que nenhuma dessas ações progrediu, todas foram rejeitadas. E no que isso me faz pensar é numa coisa que eu apelido de teoria da captura.
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Quando você tem um empreendimento de grande porte, com um investimento gigantesco feito, cumprindo todas as normas, regulares, durante bom tempo, esse empreendimento - durante a construção certamente, mas muitas vezes depois - fica alvo de grupos de pressão e o empreendedor, qualquer que seja ele, estatal ou privado, fica "capturado", entre aspas, pelo investimento que ele já fez. Então, ele fica mais suscetível a atender determinadas pressões por ganhos que vão beneficiar grupos de pressão específicos.
Assim, surgem várias iniciativas - não estou dizendo que todas são assim -, mas boa parte dessas que foram iniciativas de se buscar uma indenização, que a Justiça provou indevida, de dano moral podem muito bem se classificar nisso, enfim, mais uma manifestação daquele fenômeno que a teoria de captura e a atuação dos grupos de pressão podem justificar.
Por último, uma palavra de otimismo, Sra. Senadora. É entusiasmante, sim, quando nós percebemos a evolução que o País teve no que diz respeito ao tratamento dessas questões e todo o processo de licenciamento ambiental, como ele é feito e o vigor com que vem sendo empregando.
No caso das empresas, das usinas hidrelétricas, das barragens das usinas hidrelétricas, isso tem dado mais do que certo. E eu cito dois argumentos para isso: primeiro é que não há, de novo, nenhum caso de nenhum exemplo citado aqui que tenha se passado lá; segundo, hoje, o problema já é o contrário, o problema é que, já com a legislação e com as práticas adotadas, tanto em nível de legislação ou de regulação pelos órgãos ambientais, etc., já há um risco inerente que produz dois efeitos - olhando sempre o lado bom -, que é fazer com que, se o empreendimento for adiante, esses riscos sejam levados em consideração e, se transcenderem isso, o empreendimento sequer seja desenvolvido, como no exemplo que eu dei de usinas que foram colocadas a leilão e não foram adiante.
Então, de novo, Senadora Leila, o alerta que eu faço é com relação a essa regra: são realidades totalmente diferentes; a evolução no tratamento do tema de segurança em barragem é feita de forma totalmente diferente; a materialidade do fato, totalmente diferente. O fato é que, hoje, no setor elétrico, já se tem essa prática dos fóruns em que as questões são debatidas e até se buscam consensos, na medida do possível, a todo tempo, com a população atingida totalmente esclarecida, com a mediação feita pelos órgãos públicos, inclusive o Ministério Público. Então, esse avanço não pode ser descartado e subjugado por um risco extraordinário, como dito no próprio texto do projeto de lei, muitas vezes, imensurável, ou seja, o que, do meu ponto de vista, inviabiliza totalmente, 100%, todo e qualquer novo empreendimento hidrelétrico.
Então, é melhor que se avance da maneira correta, fazendo os projetos que são possíveis fazer, passando por esse processo do licenciamento ambiental, passando pelas melhores práticas dos fóruns. Tenho certeza de que, enfim, o saldo é positivo, inclusive e principalmente para as comunidades que são atingidas pela construção de barragens.
Muito obrigado, Senadora, pelo tempo e atenção, não só da senhora, mas...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Imagina! Nós que agradecemos, Dr. Claudio. Obrigada pela sua participação, assim como pela do Dr. Edmundo.
Passo a palavra, agora, para a Sra. Fernanda Lage, assessora que representa a Deputada Estadual por Minas Gerais Beatriz Cerqueira, do PT de Minas.
Com a palavra, Fernanda, por três minutos.
Obrigada.
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A SRA. FERNANDA LAGE (Para expor.) - Muito obrigada, Senadora.
A Deputada foi uma das proponentes e membro da CPI que acompanhou, que apurou as causas e, enfim, os desdobramentos do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Após longos seis meses de intensos trabalhos e também lendo relatórios, acompanhando casos de violações de direitos humanos por barragens do setor elétrico, a gente percebe que o modus operandi das empresas é o mesmo. Eu entendo que a reparação de direitos ela se dará na medida das violações que forem constatadas no caso concreto.
Então, de forma alguma, não consigo entender essa necessidade de diferenciação a partir do método construtivo, a partir do tipo de barragem, porque o foco aqui, como foi muito bem colocado pelo Dr. Edmundo, tem que estar nas pessoas atingidas, que não são atingidas só com os rompimentos; são atingidas desde o momento do planejamento, da construção, enfim. É isso que precisa ser levado em consideração: o princípio da centralidade do sofrimento das vítimas.
Um outro aspecto é que os danos sociais são incorporados no cálculo das tarifas de energia, mas a ausência de um marco legal não tem permitido justas e efetivas reparações em graves violações de direitos humanos.
Eu quero concluir aqui reafirmando que o lucro não vale a vida. A gente não pode continuar permitindo um modelo de desenvolvimento que beneficia alguns poucos e gera tantos danos sociais e ambientais.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que agradecemos, Fernanda, sua participação, mandando já um abraço para nossa Deputada Beatriz Cerqueira, e parabéns pelo trabalho junto à CPI do acidente de Brumadinho.
Bom, eu passo a palavra agora para o Sr. Júlio Cesar Ferreira, representante do Ibram. Não sei se ele quer passar suas considerações finais.
Sr. Júlio.
O SR. JÚLIO CESAR NERY FERREIRA (Para expor.) - Sim, Senadora.
Primeiro, quero agradecer novamente a participação, o convite e, segundo, quero me desculpar pelo engano quando eu disse que V. Exa. era Relatora, quando, na verdade, foi a autora do PL 550. Quero agradecer a disponibilidade do diálogo que a senhora teve na ocasião da tramitação daquele projeto na Câmara, e a gente vê que isso está se repetindo agora neste projeto.
E quero dizer que nós, do Ibram, não somos contra o projeto; nós reconhecemos a importância dele até na minha fala. Já seguimos a lei em Minas Gerais e não temos nada contra esticar a lei para o Brasil, estender a lei para o Brasil todo. O que a gente traz são simples sugestões que a gente entende que possam ser aprimoramentos no projeto.
Falando sobre a questão dos rejeitos, há um movimento intenso de tecnologia de aproveitamento de rejeitos. A gente sabe que a geração de rejeitos é efetivamente muito grande, que possivelmente nem tudo poderá ser aproveitado pela sua quantidade - a quantidade necessária pela redução tanto de teores quanto o aumento dos volumes lavrados -, mas existe, sim, essa pesquisa para uso tanto da construção civil quanto de outros, que também são bem promissores como, por exemplo, na utilização em rodovias como base e sub-base para pavimentação ou mesmo no revestimento de rodovias que não são asfaltadas no interior, em estradas vicinais. Não existem pesquisas em andamento nesse sentido.
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E é importante que, nesses projetos, existam já colaborações também com comunidades que devem ser estimuladas. As iniciativas do Ibram, só para lembrar, tanto a Agenda ESG quanto o TSM, incentivam e demandam um diálogo efetivo com a sociedade. Então, é algo que a gente incentiva, é algo que a gente deseja e é algo que a gente pretende sempre trabalhar para melhorar. Sabemos que temos problemas, e a busca deve ser de resolvê-los.
Quanto aos rejeitos também, temos novas formas de disposição que estão surgindo. Avanços tecnológicos importantes apareceram aí nos últimos anos, que estão permitindo até, em muitos casos, a redução do uso de barragens, colocando em empilhamentos, que têm, vamos dizer assim, um impacto muito menor.
A questão de se os rejeitos são inertes ou não pode ser determinada através de testes químicos, que são baseados aí na Norma ABNT 10.004, que, inclusive, está sob revisão. Então, o momento agora é de também, junto à Associação Brasileira de Normas Técnicas, trabalhar com ela no aperfeiçoamento aí dessas caracterizações dos rejeitos.
Então, novamente, gostaria de agradecer a oportunidade e colocar o Ibram à disposição da senhora e do Senado Federal para colaborar no que for necessário.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que agradecemos, Dr. Júlio Cesar Ferreira, representante do Ibram.
Em nome aqui do Senado, da minha assessoria e da Consultoria do Senado, agradecemos a participação dos expositores. E peço recomendações, sugestões. Por favor, encaminhem aqui para o gabinete. Nós queremos entregar o mais rápido possível esse parecer e contamos muito com o trabalho e o apoio de todos vocês que participaram hoje desta audiência conosco aqui no Senado Federal.
Encerrando e agradecendo a presença de todos - expositores, internautas, assessorias, enfim, todos aqueles que acompanharam essa excelente audiência - e nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada a nossa reunião.
Boa tarde a todos.
Muito obrigada.
Estamos aqui aguardando as sugestões e as recomendações. Beijo.
(Iniciada às 10 horas e 07 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 07 minutos.)