20/03/2024 - 8ª - Comissão de Assuntos Sociais

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Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 8ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião atende ao Requerimento nº 128, de 2023, desta Comissão, de minha autoria, para a realização de audiência pública destinada a debater a saúde mental das mulheres profissionais da segurança pública e o impacto do assédio nos altos índices de suicídio.
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Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão: Ouvidoria, através do telefone 0800 0612211; e e-Cidadania, por meio do portal www.senado.leg.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
Sras. Senadoras, Srs. Senadores, convidados presentes, senhoras e senhores que nos acompanham pelo sistema de comunicação desta Casa, Senado Federal, a presente reunião da Comissão de Assuntos Sociais destina-se a debater a saúde mental das mulheres profissionais da segurança pública e o impacto do assédio nos altos índices de suicídio. Trata-se de uma audiência pública que ocorre em sintonia com a realização do 2º Congresso Internacional das Mulheres Policiais, que ocorre de 20/3 a 22/3 na Escola Superior do TCU, aqui em Brasília.
Devo dizer que é motivo de grande satisfação e uma verdadeira realização do meu mandato ter contribuído com uma emenda parlamentar para a realização deste Congresso, que julgo fundamental, além de também ter a oportunidade de trazer este assunto de grande importância para uma audiência pública desta Comissão de Assuntos Sociais.
O estresse, a depressão, a ansiedade e o burnout são preocupações sérias e inter-relacionadas nas forças de segurança públicas femininas do Brasil. Ao longo de suas carreiras, essas profissionais enfrentam uma série de desafios que podem contribuir para esses problemas de saúde mental. É importante citar alguns desses desafios.
Começo pela exposição a traumas e ao estresse ocupacional. Afinal, mulheres nas forças de segurança muitas vezes estão expostas a situações traumáticas e estressantes, como lidar com crimes violentos, acidentes, desastres naturais e confrontos com criminosos. Essas exposições repetidas podem levar ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.
Outras questões são a cultura organizacional e o estigma que mulheres enfrentam nessas carreiras, visto que, em muitas organizações de segurança pública, há uma cultura que enfatiza a resiliência e a capacidade de lidar com o estresse em buscar ajuda. Isso pode levar as mulheres a sentirem-se relutantes em admitir suas lutas e buscar apoio devido ao medo de serem estigmatizadas ou de terem as suas habilidades questionadas.
Há também as longas horas de trabalho, a falta de sono adequado e as exigências operacionais constantes, que podem aumentar o estresse e contribuir para o esgotamento físico e mental.
Temos ainda o eterno desafio de conciliar o trabalho e a vida pessoal, tentando harmonizar as demandas do emprego com as responsabilidades familiares e pessoais, algo particularmente desafiador para as mulheres das forças de segurança, levando a sentimentos de sobrecarga e à falta de controle sobre suas vidas.
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Há também as pressões institucionais, com algumas políticas e práticas enfrentadas por mulheres nessas áreas, como a falta de reconhecimento e oportunidades limitadas de avanço na carreira.
O assédio sexual, o sexismo e a discriminação de gênero no local de trabalho são outros problemas sérios, que podem contribuir significativamente para o estresse, a ansiedade, a depressão e o burnout entre as mulheres nas forças de segurança.
E, por fim, há a falta de recursos e suporte adequado que muitas das forças de segurança enfrentam, ocasionando falta de acesso a cuidados necessários e dificuldades na recuperação e no gerenciamento de problemas de saúde mental.
Sras. Senadoras, Srs. Senadores e todos que nos acompanham, para abordar esse problema é fundamental que instituições de segurança pública implementem medidas para promover a saúde mental e o bem-estar de suas funcionárias. Isso pode incluir programas de treinamento em saúde mental, acesso aos serviços de aconselhamento confidenciais, políticas que combatam o assédio e a discriminação de gênero e iniciativas para promover um equilíbrio saudável entre trabalho e a vida pessoal.
Além disso, é importante criar uma cultura organizacional que valorize a busca de ajuda e apoie abertamente as mulheres que estão enfrentando desafios da saúde mental.
Os debates do Congresso Internacional das Mulheres Policiais apontaram que a falta de debate aberto sobre o assédio e sobre o suicídio e a insuficiência de dados sobre o tema prejudicam a gestão psicológica e dificultam a visão de responsabilidades entre os envolvidos.
Estudos apontam para larga incidência de estresse, depressão, ansiedade, burnout, dentre outros males resultantes da violência organizacional e psicológica a que são submetidas as profissionais da segurança pública.
É urgente discutirmos cada vez mais o problema, em busca de soluções mais efetivas para combater o assédio e o suicídio e promover a saúde mental dessas valorosas profissionais.
Espero que a nossa audiência pública possa contribuir para esse importante debate.
Bom, eu cumprimento a todas e a todos que estão aqui presentes. É um prazer estar com todos vocês.
Eu peço desculpas pelo atraso - terça e quarta-feira, temos uma vida bastante agitada -, mas estou muito curiosa em ouvi-las. Certamente, como vai ser gravada a nossa audiência, outros Parlamentares também terão acesso. E acho que vai ser muito, muito importante essa audiência pública de hoje.
Então, eu convido para compor aqui a mesa nesta audiência pública: a Sra. Juliana Ribeiro, Coordenadora-Geral de Valorização Profissional do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Palmas.); a Sra. Martha Maria dos Santos, Diretora de Direitos Humanos e Políticas Sociais da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (Palmas.); a Sra. Coronel Maria do Santo Costa Sousa, Presidente da Caixa de Benefícios da Polícia Militar do Distrito Federal. (Palmas.)
Ainda estamos aguardando mais dois expositores aqui: a senhora... (Pausa.)
Meu Deus do céu, perdão, gente. É a Soraya Thronicke, Senadora. (Risos.)
A gente passa o dia inteiro conversando.
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Convidados: estamos aguardando a Sra. Ana Magnólia Bezerra Mendes, que é Professora titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília; o Sr. Aldair Divino Drumond, que é Fundador do Instituto Rafaela Drumond; e também, por videoconferência - está confirmado que está conosco -, a Sra. Cheila Marina de Lima, que é Consultora Técnica do Ministério da Saúde.
Sejam todas bem-vindas, é um prazer tê-las aqui conosco!
Eu vou passar a palavra para a Sra. Ana Magnólia Bezerra - não, perdão -, Juliana Ribeiro, perdão, que é Coordenadora-Geral de Valorização Profissional do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Seja bem-vinda, Dra. Juliana!
A SRA. JULIANA RIBEIRO (Para expor.) - Obrigada a todas e a todos pela presença. Está muito bonito estar aqui com todas vocês nos ajudando e nos fortalecendo nessa caminhada pela ocupação dos espaços públicos e dos cargos públicos pelas mulheres. Agradeço à Senadora Leila Barros pela iniciativa, às demais colegas policiais que estão aqui, cada uma na sua instituição e atuando na defesa dos direitos das mulheres. Falar de saúde mental das mulheres, falar das mulheres nas polícias é um assunto de direitos humanos. Então, é nesse cenário que eu gostaria de trazer o debate para nós, o contexto de direitos humanos dessa questão que nós estamos abordando agora, não é?
Os direitos da mulher policial estão um tanto quanto defasados diante da maior parte da população organizada e dos outros segmentos da sociedade que trabalham o contexto da inserção da mulher no mercado formal de trabalho e nos acessos de todos os demais serviços e espaços sociais. A mulher policial tem um passo ainda maior a percorrer, porque as instituições policiais demoraram muito mais para nos acolher como policiais do que em outros espaços de trabalho. Então, eu trouxe aqui um exemplo: nós temos na legislação do Susp - que é a legislação que traz todo o sistema único de segurança pública, que se organiza aqui no nosso país e que é coordenado pelo Ministério da Justiça, para que a gente possa ter mais coordenação nos atos das instituições estaduais e das secretarias de segurança pública para harmonizar a segurança pública -, nós temos aqui algumas menções aos direitos das mulheres a partir do art. 42, e ele nos coloca apenas como uma questão da nossa fase gestacional e no momento de amamentação para que a gente tenha essa consideração dentro das nossas instituições. Existe pouca menção nessa legislação acerca da nossa atuação como servidora pública, e é por isso que a gente tem uma dificuldade de ser vista dessa maneira, como uma servidora pública, como uma policial e não só como alguém que tem esse diferencial, e esse diferencial tem que ser também contemplado nas instituições. É lógico que tem que ser contemplado, mas esse é só um aspecto nosso. A gente não é só mãe, a gente é trabalhadora, a gente é cidadã, a gente é um mundaréu de coisas, e isso não está espelhado nessa preocupação legal. Então, essa lei é de 2023, gente, é de ontem, e a gente está nesse momento ainda.
Então, trazer a saúde e todos os direitos da mulher para mim é uma questão de direitos humanos, e a gente tem que olhar para o futuro para tratar dessa questão, porque nós temos uma dificuldade de nos sentir como sujeitos de direitos humanos. Nós policiais temos uma dificuldade de nos sentir servidores públicos, de nos sentir sujeitos de direitos enquanto servidores públicos, sujeitos de direitos humanos, porque a gente é formado para ser apenas um braço do Estado, o braço da força, o braço que diz "não", e, como sujeitos de direitos, a gente tem uma série de restrições, inclusive restrições para nos manifestar, para ir buscar nossos direitos. A gente não pode se manifestar como qualquer outra pessoa, qualquer outro trabalhador. E isso causa uma diferença em nós, enquanto sujeitos de direitos, e impacta na presença das mulheres nas polícias e também na nossa atuação, porque, se a gente não se sente sujeito de direitos, é difícil a gente reconhecer os outros também como sujeitos, então, a gente cria muita contradição na nossa atuação, e a gente fica para trás nas conquistas enquanto servidor público. Tem tanto servidor, tanta categoria que já conseguiu tanta coisa, e a gente, não. A gente está lá atrás, a gente não pode fazer greve, a gente não pode se manifestar nas redes, a gente não pode manifestar opinião, a gente não pode questionar os nossos superiores. Então, é uma série de coisas que nos restringem e restringem a gente também, mulher, para reivindicar os nossos espaços.
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Quando a gente fala sobre como estão sendo tratadas as mulheres nas instituições e quando a gente vê o resultado disso no adoecimento, é assim. A gente está com muito trabalho a fazer. E a gente tem um momento muito interessante agora que é uma alteração no campo dos ingressos, dos concursos públicos de ingresso, em inúmeras instituições de segurança. A gente teve, desde o ano passado até agora, muitas ações diretas de inconstitucionalidade questionando a cota às avessas das mulheres nas instituições. E isso tudo está caindo, está num efeito dominó. Eu trouxe aqui um exemplo, mas não é só esse. Nós temos... Acho que todos os estados estão com esse questionamento nas suas instituições de segurança. O que são essas cotas às avessas? Os editais colocavam que o número máximo de mulheres para entrar era de 10 a 15 vagas. Não é a cota normal que existe, que é para garantir o mínimo; era para garantir o máximo. Isso se reflete no quanto de mulher tem nas polícias. A gente não passa de 12% nas instituições militares e, nas instituições civis, que não têm esse limite máximo, também não é muito maior, é de, no máximo, 26% de mulheres.
A gente verifica, então, que, para os próximos anos, a gente tem que organizar esse desafio, a gente tem que ter dentro das instituições uma observação do que é preciso fazer para essas mulheres entrarem e ficarem bem nas instituições, senão a gente vai produzir adoecimento, a gente vai produzir questões que não podem ser colocadas como problema individual da mulher, como problema individual da Juliana, da Larissa, mas que são problemas para que a instituição também tem que olhar para não ficar reproduzindo padrões que adoecem e para não perder os momentos de trazer as soluções.
Então, se a gente vai ter um público maior de mulheres daqui para frente - e vai ter, sim, não só nas militares, mas nas civis também -, a gente tem que verificar nos planejamentos institucionais como estão os equipamentos, as instalações, os protocolos, as políticas de transferência, as capacitações, a distribuição de cargos de chefia, de promoções, vagas para cursos e a questão dos assédios. E, aí, a gente entra um pouquinho mais nisso na conversa, porque o impacto desse problema dos assédios é gigantesco na saúde mental, porque a gente tem os assédios morais e os assédios sexuais. E nós mulheres somos as que mais sofrem os assédios sexuais. E isso impacta demais, não é? Nós temos muita informação, muita notícia, muita reportagem sobre as mulheres que sofrem os assédios e que estão tendo problemas de adoecimento mental, estão tendo problema de licenças médicas e também de suicídios. Então, a gente precisa olhar essa questão, precisa olhar para essas mulheres, verificar o que a instituição pode fazer para minimizar essas questões. Tem questões que são, sim, questões pessoais, mas tem questões que são reproduções institucionais que pioram quadros que não precisariam ser piorados, não é? Então a gente tem que se atentar para isso. E, para a gente conseguir fazer tudo isso, para a gente conseguir ter um planejamento institucional, para a gente conseguir analisar esses pontos e muitos outros pontos que nós precisamos, e principalmente a questão dos assédios, nós precisamos vencer uma outra etapa dessa questão da gestão, que é a possibilidade de construir dados que possam conversar entre si nas instituições. Nós temos problemas de dados. As instituições não têm uma cultura de coletar dados de saúde mental, de coletar dados do funcionário, do servidor público, não têm. E, quando coletam, é muito diferente. Eu sou da Polícia Civil de São Paulo. Lá, a gente não tem uma cultura de coletar dados. E os poucos dados são coletados de forma diferente do que a PRF com certeza coleta. Então, a gente nunca vai conseguir fazer uma comparação e nunca vai conseguir fazer uma publicação anual do Ministério da Justiça. Nós somos obrigados a fazer uma publicação anual dos dados de qualidade de vida, mas a gente não consegue fazer hoje, porque cada um fala uma língua, cada um coleta de um jeito.
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Então, nós estamos começando. A gente está com um edital publicado para contratar uma consultoria para ver como todo mundo está coletando e tentar, ao final dessa consultoria, sair com uma ficha básica comum dos mínimos dados, dos mínimos indicadores que a gente precisaria para ter uma visão básica de como está a qualidade de vida, a saúde mental, a questão do suicídio, a questão da mulher, porque a gente não consegue construir uma política hoje por conta disso.
Para vocês terem ideia, a pesquisa mais antiga que tem, que fala sobre saúde mental dos profissionais, que traz um percentual, um estudo mais amplo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública é de 2015. Essa pesquisa trouxe um recorte de que as mulheres policiais declararam mais adoecimento do que os homens policiais. Mas a gente não tem um estudo sobre isso para saber se é porque as mulheres têm mais coragem de pedir ajuda e de assumir as suas questões e os homens têm uma cultura diferente, então têm uma dificuldade. Eu preferi nem trazer esse dado para nós, porque não é um dado que a gente pode bater e sair por aí dizendo que a mulher adoece mais. A gente não tem essa condição hoje, esse dado de uma forma confiável para trabalhar isso para construir uma política. A gente vai precisar ter um desenvolvimento mais sério e mais aprofundado para ver se é isso mesmo, e, se for, tomar as medidas de que a gente precisa.
A gente espera que até o final do ano a gente tenha essa ficha comum para que a gente possa articular com os Estados, com respeito às instituições, com respeito ao pacto federativo, mas que a gente possa fazer esse grande pacto para construir esse banco de dados comum e cumprir a lei, porque está no art. 36 da lei do Susp que a gente tem que fazer essa publicação anual. Então a gente está nesse enfrentamento, nessa construção, e precisamos de todas as instituições para conseguir isso. O Ministério da Justiça não consegue construir nada aqui sozinho; tudo que é construído é construído com as instituições. Então, a gente precisa de muito trabalho político, de muito trabalho de aproximação, de muita rede, para poder chegar a um lugar de impacto, para que a gente consiga trazer coisas diferentes para as mulheres. Aqui é uma pesquisa mais recente, uma pesquisa de 2020, feita por dois juízes. Eles fizeram uma pesquisa no meio da pandemia, em 2020 - ela foi publicada em 2020 -, sobre os assédios. Então, aqui a gente tem um quadro da questão do assédio nas instituições e tem das guardas municipais também...
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(Soa a campainha.)
A SRA. JULIANA RIBEIRO - Agora a gente vai se debruçar na realidade das guardas municipais também, para conseguir contribuir no aprimoramento e na articulação também com essa força de segurança. E essa pesquisa, então, traz esse número superalto, que, por declaração, a que menos falou foi a 65,5%, a que mais falou, 77,2%, que declarou já ter sofrido assédio. Então, são números muito altos e certamente é um número subnotificado. A gente certamente tem mulheres que não declararam, que não declaram e que sofrem essas circunstâncias em segredo.
Eu mesma sofri assédios na minha polícia e não tive coragem de denunciar. Então, hoje, quando estou aqui falando sobre esse assunto, eu também falo por mim, eu também falo como uma pessoa que é, foi vítima e ainda pode vir a ser, porque a realidade ainda é uma realidade difícil, mas a gente tem que saber que...
(Soa a campainha.)
A SRA. JULIANA RIBEIRO - ... se a gente não vier construir, ficaremos para trás.
Agradeço a todas e a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Juliana, desculpe. Pode continuar, finalizar. Desculpe, é porque eu...
A SRA. JULIANA RIBEIRO - Não, eu acho que já está o.k. Apesar de a gente falar tanta coisa ruim, é só para falar que, ainda que a gente esteja em instituições com tanta dificuldade e tanta dificuldade para as mulheres, ainda assim, eu tenho certeza de que todos nós policiais que estamos aqui somos apaixonadas pelo nosso trabalho. Então, a gente tem mais é que se fortalecer e conseguir fazer as mudanças necessárias, enfrentar os desafios, se articular, se articular com os Parlamentares parceiros, nos eventos, nas colegas, nos outros órgãos; quando a gente não consegue mexer por dentro, que a gente se socorra do Judiciário. E vamos em frente para a gente conseguir ampliar a nossa participação, a nossa gestão e a nossa liderança nas polícias!
Sou apaixonada pelo trabalho, sou apaixonada pela atividade policial e também pela articulação política. E é muito bom estarmos aqui nesse espaço.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada. Juliana, vocês não estão sozinhas. Eu acho que em todos os espaços de poder onde a mulher está ela enfrenta dificuldades. Você está falando de 10% a 12% de participação feminina nas forças ali, não é?
A SRA. JULIANA RIBEIRO (Fora do microfone.) - É.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - No nosso caso aqui, são 15% ou 17%. Também enfrentamos. Assim, quando a gente começa a perceber, acaba que as dores, o estresse, as angústias de dividir a carreira com a vida pessoal e com tantas outras situações, é muito, muito parecido! Então, a impressão que dá é só de chegar para você e falar assim, a todas vocês: "Olha, estamos juntas!", porque nós temos aqui 15 Senadoras, e certamente é uma pauta que interessa a todas nós, porque, desculpe, os dados realmente são preocupantes, sabendo que a última pesquisa que vocês fizeram foi em 2015, não é?
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A SRA. JULIANA RIBEIRO (Fora do microfone.) - Foi nem a gente, foi o Fórum Brasileiro de Segurança Pública que trouxe.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Fórum Brasileiro de Segurança Pública, então, 2015, quase uma década, absolutamente desatualizado, não tinha um protocolo. Então, realmente temos muito que avançar.
Assim, quero deixar muito claro o motivo desta audiência: justamente entendemos melhor a situação e como nós, como legisladoras - aqui mulheres legisladoras -, podemos ajudar também as nossas profissionais da segurança pública.
Então, muito obrigada pela sua participação.
Vou passar a palavra agora para a Sra. Martha Maria dos Santos, que é Diretora de Direitos Humanos e Políticas Sociais da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais.
Seja bem-vinda, Martha.
A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS (Para expor.) - Boa tarde a todos os presentes.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Boa tarde.
A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS - Quero agradecer esta oportunidade, Senadora. Você não sabe o quanto é importante a sua fala ali. Eu já estava chorando, porque eu me vi naquilo que você falou. (Pausa.)
Eu não sou acostumada com essas coisas, não. Lá na minha terra, não tem isso não, moço. Lá é no grito mesmo. (Risos.)
Boa tarde à Coronel Maria, à Coordenadora Juliana e às nossas colegas aqui presentes.
Antes de eu ser Diretora, eu sou PRF. Hoje também estou como Presidente do Sindicato da Polícia Rodoviária Federal. É uma luta muito difícil. Infelizmente vivemos numa sociedade bastante machista - desculpa, eu estou emocionada mesmo -, e não é diferente na segurança pública.
Não tem como falar de segurança pública se não falar de direitos humanos.
Quando eu entrei na polícia, há uns dias - não vou contar, para vocês não descobrirem a minha idade -, a minha primeira recepção foi: teria que ir lá para poder pegar a documentação e poder dar entrada na segunda fase. Quando eu cheguei, estava lá uma fila e, na minha vez, disseram: "O que você está fazendo aqui?". Eu disse: "Eu vim saber qual é a documentação". "A senhora daqui, por favor, saia". Eu disse: "Moço, mas eu passei". "A senhora ouviu? Saia". Eu fui para o final da fila e deixei todo mundo passar. Quando chegou a minha vez: "De novo aqui?". Eu disse: "Eu passei". "Dê-me seu documento". Aí entraram, e voltaram, e disseram assim: "Não é que ela passou mesmo e foi uma das primeiras colocadas?". E aí eu vi que eu tinha criado um problema já.
Dessa turma, foram 168 colegas que passaram lá na Bahia e 14 foram mulheres. Dessas 14, eu era a única negra. Eu disse: "Eita!". Então, se é difícil viver com essa questão de ser mulher, imagine se você for negra. Então, eu sabia que eu ia enfrentar esses problemas.
Aí disseram: "Se você quiser, vai trabalhar no administrativo". Eu digo: "Não, eu passei para polícia". "Aí, não, mas você não vai poder ir para a pista". Aí tinha um plantão, e me botou no plantão. Esse plantão era antigamente considerado como lugar de castigo: se quem trabalhava na pista tinha algum problema, jogavam no plantão. Era para colher informações. E, no primeiro dia em que eu fui trabalhar, já disseram para mim assim: "Que bom que chegou uma mulher. Agora vai ter um lugar limpo e vai ter café". Eu tive que limpar e fazer café. Eu sabia de tudo que eu estava passando, mas eu precisava conquistar meu espaço. E não adiantava eu dar de testa, porque eu sabia que eu ia enfrentar uma questão bem preconceituosa. Então, eu tinha que conquistar de qualquer forma o meu espaço. E, aos poucos, eu fui conquistando.
Depois de seis meses, o superintendente falou: "Eu quero lhe dar uma chefia". E aí, quando isso caiu na boca do povo, dos guardas - a gente chamava de guarda -, acharam que eu estava com um caso com o superintendente. Eu pensei: "Eu devo ser muito gostosa...". Pode falar isso? (Risos.)
Sou muito bonita para poder já o superintendente, se eu nem bem cheguei, estar me dando chefia. Então, me seguiam para saber se eu estava tendo caso; minha vida às vezes se tornava um inferno. Chamavam-me de primeira-ministra, porque diziam que eu tinha mais voz do que o superintendente.
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Aí começou a minha história, e eu vi que eu tinha que fazer alguma coisa. Eu não podia mais aceitar. Eu tinha que gritar, eu tinha que dizer para que eu estava ali. Quando nós somos mulheres e policiais, não basta a gente ser boa, a gente tem que provar o tempo todo que é melhor do que todo mundo. Eles podem estacionar a viatura, o carro de qualquer maneira, mas, se for mulher, vai apontar: "Está vendo aí? Não sabem nem estacionar uma viatura". E muitas vezes a gente tinha que se calar diante dessas informações para não dizer... Se estivesse com algum problema, a gente tinha que trabalhar doente, porque senão é mi-mi-mi: "Está vendo que mulher não dá para essas coisas?".
Não comigo, mas já teve caso de colegas acordarem com o colega em cima delas, e ela não teve apoio de ninguém, porque ninguém quis apoiar. Teve uma mulher que estava por perto e ficou com medo e também não quis falar que isso tinha acontecido.
Então, essa é a história das policiais. Hoje melhorou um pouco? Melhorou, mas continua a mesma questão do assédio.
Outra coisa que é difícil para gente: a gente troca tiro e, na mesma hora, tem que estar lá trabalhando como se nada tivesse acontecido. O que eu quero dizer: antes de ver as pessoas fardadas, tem um ser humano ali atrás, tem um trabalhador que tem uma vida própria, que é mãe, que é filha, que é avó, mas as pessoas não veem dessa forma, e a gente não tem ninguém que cuide. Quando a gente chega à casa, ainda tem que ser forte, porque vai ter que ser mãe. Muitas vezes a gente não pode nem compartilhar, porque tem marido que não aceita, e diz: "Está vendo? O que você está fazendo lá? Lá não é seu lugar". Então, não é fácil.
O que acontece? A gente não tem um plano de saúde. Pelo menos a Polícia Rodoviária Federal não tem um plano de saúde. A quem tem plano o Governo paga R$120, que se chama per capita. Então, além de não ter plano, ainda sofre todo esse assédio, esses problemas psicológicos que a gente não pode comentar com ninguém, porque se comentar é mi-mi-mi de mulher, e não tem ninguém que apoie. Tem vezes que você está trabalhando com uma colega e, no outro dia, você sabe que ela morreu. E você fala: "Meu Deus! Eu não percebi que ela estava com algum problema". Ela tentou suicídio. Aí você começa a se sentir culpada e lembra: "Não, tal dia ela falou alguma coisa. Será que aquilo não gera um gatilho?". E muitas vezes a gente não sabe, porque a gente não está preparada para isso e não tem ninguém que nos apoie. Não tem um centro de apoio que apoie as policiais.
Então, o assédio existe, sim. Essa questão desse desgaste da mente, psicológico, existe, sim, e isso precisa acabar. Não é mais aceitável.
Eu ouço muita história. Hoje eu consigo, como Diretora de Direitos Humanos e também como Presidente do sindicato, eu ouço muitas histórias. Muitas estão tomando remédio controlado. Às vezes a gente vai buscar junto aos outros superintendentes, porque às vezes até de outros estados me procuram, e às vezes eles ficam assim: "Não posso fazer nada". Muitas vezes eu tenho que mandar para junta médica para poder a junta médica avaliar o estado psicológico das pessoas para poder chegar a um diagnóstico ou até mudar daquilo ali. Porque muitos dizem: "Não, ela não quer ficar aqui porque não quer trabalhar nesse lugar, quer trabalhar em outro lugar".
Então, se você puder ajudar, eu lhe agradeço de coração. A situação às vezes é mais séria do que você... a de quem está lá dentro. (Manifestação de emoção.) (Palmas.)
A gente precisa desse apoio. Às vezes tem que vir de fora para dentro, porque às vezes de dentro a gente não consegue, e a gente se cala porque as pessoas têm medo ainda.
Esses casos de assédio são reais. Isso acontece, e está acontecendo agora em algum lugar.
A maioria dos chefes de delegacia são homens. Acho que nós só temos uma superintendente mulher, que fica lá no Acre. O restante tudo é homem.
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Entendi.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS - Tem duas? A outra é onde?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS - Rondônia é agora, recente. Saiu agora.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS - É, exatamente. E lá nós temos dez delegacias, e todos os chefes de delegacia são homens.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS - Essa é a nossa realidade. E, muitas vezes, a gente não tem nem apoio das colegas. Não tem. Não tem apoio das colegas. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Martha, primeiro, eu quero agradecer pelo seu relato, pela tua história de vida, pela sua luta. São esses exemplos que nos fortalecem e nos fazem entender o motivo de a gente, muitas vezes, não entender porque a gente está aqui. No meu caso, é mais ou menos isso.
E aí, quando eu me deparo com essa realidade, com esse tipo de situação, aí você entende porque você tem que estar aqui mesmo, batalhando e lutando por dignidade, por respeito. E o que eu posso dizer para você, quando você olha para mim assim - nós paramos ali uns cinco segundos olhando uma para a outra - é o seguinte: de uma forma, eu me identifico com você, e o que nós pudermos fazer aqui, acho que estaremos aqui... Acho que esta audiência vai ser importante porque vou poder levar para a própria bancada o que eu estou vendo aqui, o que eu estou assistindo, e é muito sério. Até agora, duas expositoras... A gente não entende tamanho estresse e o que é o cotidiano de vocês. Só vocês estando aqui para passar para a gente isso, e quero dizer que as portas do meu gabinete estão abertas. Eu tenho meus assessores aqui e tenho a minha vontade, que é o mais importante, e, por eu ser uma representante, representar as mulheres, vocês vão poder contar comigo.
Então, ouvir esta audiência vai ser importante para a gente trabalhar em termos legislativos e de provocação, até em nível de Executivo, o que nós podemos fazer. Esse é o verdadeiro motivo da audiência e o que vai sair também do Congresso, porque eu acho que, além desse debate na audiência, tem um congresso, e, nesse congresso, certamente, teremos um documento, teremos, digamos, algo que seja fruto desse encontro, que eu espero que também nos ajude aqui, dentro da Casa, para fazermos o nosso trabalho.
Então, muito obrigada.
Eu vou passar a palavra agora para a Coronel Maria do Santo Costa Sousa, que é Presidente da Caixa de Benefícios da Polícia Militar do Distrito Federal.
Seja bem-vinda, Coronel. (Palmas.)
A SRA. MARIA DO SANTO COSTA SOUSA (Para expor.) - Boa tarde!
Boa tarde a todos!
Boa tarde, Senadora!
Boa tarde à Mesa!
Quero cumprimentar os demais colegas.
É muito importante a gente discutir esses assuntos. Por isso, a gente tem que valorizar sempre o Parlamentar, no caso a Senadora, por abrir este espaço para a gente.
Bom, eu venho contribuir com ações. O que eu, como veterana...
Primeiramente, vou me apresentar.
Eu sou Maria Costa, maranhense, e sou da primeira turma de mulheres da PMDF, 1983. Vou fazer 41 anos de Polícia Militar. Evidentemente, estou na reserva remunerada, desde 2015, mas ainda trabalhando muito em prol da categoria.
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E quando a gente ouve aqui vários assuntos que, às vezes, a gente nem comenta muito ao longo da trajetória, da caminhada profissional, nada melhor do que uma pessoa que viveu, como ela está colocando no seu relato.
Nós aqui, da PMDF, quando começamos, Senadora, só podíamos chegar ao posto de capitão. Então, eu comecei como soldado, fiz o curso de cabo, de sargento e a minha perspectiva, e de todas nós da primeira turma, 84 mulheres, era chegar a capitão. Simplesmente porque você era mulher.
Mas as coisas foram ganhando corpo, e quando nós fomos fazer... Eu sou da primeira turma também de oficiais, que, desse universo, sete mulheres foram para Minas Gerais e eu sou a Aspirante 89. Então, eu realmente trilhei uma carreira de soldado até coronel.
Quando nós chegamos como aspirantes, nós nos perguntávamos: "Por que a gente não pode chegar a coronel?". Tem ali uma do bombeiro que também passou mais ou menos por isso. A gente foi conquistando, chamando as mulheres, as Parlamentares da época, as autoridades. E, em 1998 - nós entramos em 1983 - nós conseguimos extinguir o quadro feminino e ter o mesmo direito de ascensão que o masculino.
Por isso, quero dizer que, quando ela falou em cotas, a doutora falou em cotas, começou aqui com a gente. Então, primeiro, nós podíamos chegar só até capitão, depois conseguimos o mesmo direito de chegar a coronel, e quiçá - por que não? - a comandante-geral.
Mas a lei de 1998, que nos garantiu esse direito de brigar pela promoção, de chegar a coronel, de comandar a Polícia Militar, nos limitou a 10% - tudo começou aqui conosco -, e ficamos nesse limite de 10% até agora.
Até agora, recentemente, quando no CFP agora em andamento, as mulheres perceberam que a nota delas estava acima do masculino, porque tinha um corte lá, uma nota de 48, e "deram um jeito" - deram jeito entre aspas, eu não estou acusando ninguém -, mas, de repente, baixou para 46 do masculino, sendo que as mulheres tinham nota suficiente. E elas começaram pedindo, Senadora, apenas para que se corrigisse a redação, para que elas continuassem no certame, era só o direito delas de permanecerem no certame, mas foi negado administrativamente. Aí sim, a Deputada Erika Kokay tomou a frente na batalha, levou ao Supremo, e hoje o movimento cresceu tanto que foi derrubado esse percentual de 10% e todas as polícias militares agora estão revendo seus editais.
Uma rápida apresentação sobre isso.
E o que eu, como veterana, de soldada a coronel, posso fazer ou poderia fazer em prol da categoria?
Eu quero trazer aqui a minha experiência de Presidente da maior associação, que é a Caixa Beneficente da PMDF, com 11 mil titulares, mas a gente trabalha com o familiar, e hoje a gente trabalha para mais ou menos 40 mil pessoas. Eu já estou lá há oito anos, Senadora, entrei numa disputa eleitoral em 2015, ainda com vontade de trabalhar, porque eu fiquei na Polícia Militar por 32 anos, de soldada a coronel, e ainda queria trabalhar e não foi mais permitido. Tem um tempo que você tem validade ali na ativa.
Fui para essa associação e comecei a ver, a identificar os sofrimentos. Sou a primeira mulher à frente de uma associação e o primeiro desafio foi o de reconstruir essa associação. E, depois de quatro anos, começamos a trabalhar e identificamos sofrimentos, e são vários sofrimentos, porque aí é para todo mundo, não é só para as mulheres. É o estresse, é o assédio para as mulheres, é o endividamento, é a desestruturação familiar, é o alcoolismo e muitos outros, porque hoje uma coisa que a gente ouve muito, gente, é: o nosso profissional de segurança pública está doente. E o militar, o policial militar em especial, porque - aí dando um testemunho de experiência de vida mesmo, de polícia militar -, quando a gente coloca o uniforme - principalmente a mulher, porque, se ela está ali no período de amamentação, porque eu passei por isso, ou até no período mesmo menstrual, ou está grávida, isso aí ainda é pior -, quando você coloca o uniforme, gente, você não sabe se vai retornar para a sua casa. Você pode se envolver em uma ocorrência e não voltar. Então, o estresse da profissão, a dificuldade de ser policial no Brasil, a incompreensão ou não reconhecimento de grande parte da sociedade e às vezes da imprensa, tudo isso leva a um estresse profundo do profissional de segurança pública. E a mulher está nesse contexto.
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E, aí, o que se pode fazer? Eu entendo que feliz do gestor - feliz do gestor - que compreende o propósito de sua instituição e começa a agir, porque tem muita gente no Brasil que só fala, fala, fala, a gente precisa agir. E eu, como veterana, identificando esses sofrimentos, colocamos lá com a minha equipe... Então, vamos criar um serviço de saúde mental. Começamos, primeiro, com um psicólogo e depois foi crescendo a demanda, porque a Polícia Militar... E é bom eu fazer este recorte: não falo aqui pela Polícia Militar, mas falo como policial militar, pioneira, veterana, respeitada e Presidente de uma grande instituição que é a Caixa Beneficente. Então, a gente foi fazendo gestão no sentido de aumentar, consolidar e falar, gente, de saúde mental, porque tudo isso que foi falado aqui, as agruras, os sofrimentos, o policial às vezes não fala, e a mulher também não fala, porque, quando a gente é formado lá no curso de formação de soldado e outros, você não pode ser molenga, você não pode ter mi-mi-mi, principalmente mulher. E é mais forte ainda para o homem, Senadora, porque o policial é superior ao tempo. Lá em 1983 já incorporamos isso. E para a mulher também.
E, como ela falou aqui, você não pode errar. Eu fui a primeira mulher porta-bandeira na polícia militar. Então, se errar, errou porque é mulher. Então, tudo é relacionado ao gênero. Então, você se mata, no jargão que a gente usa, para não errar, para fazer o melhor o tempo todo. Então, isso oferece um desgaste muito grande para a mulher.
Então, eu, como veterana, passando por tudo isso, observando todos esses sofrimentos... criamos... Hoje nós somos já clínica Cabe Saúde Mental. Nós começamos com um psicólogo e hoje nós temos cinco psicólogos, dois fisioterapeutas, um clínico médico e já vamos expandir. E, Senadora, de 2003 para cá, nesse serviço consolidado, nós já estamos com quase 5 mil atendimentos - quase 5 mil atendimentos.
Hoje, o efetivo da polícia está muito defasado, a senhora sabe muito bem. Nós temos um efetivo previsto de 18 mil. E, em Brasília, só aumentou a população. Nós estamos hoje com 10 mil. Isso é outro problema muito grave para a corporação, porque o estresse de trabalhar na folga é muito grande. Hoje, o serviço voluntário gratificado na polícia militar virou regra, não é exceção, porque, se ele não der o nome para a escala do voluntário, ele vai sem ganhar aquele percentual de R$400. Isso eu converso muito com os policiais e é um estresse profundo.
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Então, o que a gente tem que fazer enquanto entidade associativa é enxergar esses sofrimentos e agir. Por isso que falar de saúde mental, por isso que criar uma clínica de saúde mental é um tiro certeiro, pelo menos no contexto da Polícia Militar, porque a gente não tem esse tema muito bem trabalhado. E, graças a Deus, agora nós temos uma mulher comandando a Polícia Militar do Distrito Federal, Coronel Ana Paula, a segunda mulher a comandar a instituição. E nós mulheres somos mais coração mesmo, nós enxergamos as coisas de uma maneira detalhada, como mães. E ela já disse, ela já disse: "Minha prioridade é cuidar da saúde mental".
Então, o que a gente pode fazer como instituição, como entidade associativa? Ajudar, porque eu entendo que as entidades associativas, as associações, os sindicatos têm esse papel de enxergar, de ajudar para que a corporação caminhe bem. Afinal, todos nós somos de coração ali o tempo todo trabalhando para a instituição.
Então, nos orgulhamos em dizer, Senadora, que a Cabe Saúde Mental hoje é um orgulho para nós. Além desse corpo técnico que eu falei, para as mulheres, em especial, o que que você faz? O que que vocês fazem? O que que sua equipe faz? A gente faz várias campanhas. Muitas mulheres chegam para mim: "Coronel, eu não tenho vida social nenhuma. Eu trabalho o dia todo e o terceiro expediente, o segundo e o terceiro expedientes são com a minha família. Eu não tenho aquele momento só meu, um momento de fazer uma maquiagem, de fazer um cabelo". Aí a gente cria, lá a gente cria.
Agora, nós temos que todo dia 1º de julho é o Dia da Policial, já é lei, Dia da Policial Feminina aqui no Distrito Federal. Aí a gente vai lá, faz um grande evento, como se fosse uma ação social. Não pode levar homem, o marido, não pode levar namorado, não pode levar nada, só as mulheres mesmo. Não pode levar nem os filhos para se desvencilharem daquele momento ali de mães. A gente faz maquiagem, muita coisa voltada para a mulher.
Há várias outras campanhas. A gente faz... Agora acabamos de fazer o Dia Internacional da Mulher, só as mulheres lá com temas para elevar a autoestima, beleza, sexualidade e por aí vai. Outubro Rosa, da mesma forma. E outras campanhas que também valem para o contexto geral, homem e mulher, mas principalmente para elas. É com esse olhar que nós mulheres passamos a enxergar o sofrimento de outras mulheres que ainda passam por isso e a agir. Agir em ações, como nós estamos fazendo lá na Cabe, ajudando a Polícia Militar, uma instituição séria, uma instituição com foco no associado e principalmente com esse olhar para as mulheres. Porque para o homem é difícil ser policial em qualquer segmento da segurança pública...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA DO SANTO COSTA SOUSA - ... mas para a mulher é muito mais.
Já estou terminando.
A importância das entidades associativas nesse contexto é fundamental, como eu falei, porque às vezes a corporação tem muito dinheiro - é o caso da Polícia Militar na questão da saúde, tem um orçamento grandioso -, mas na questão da saúde mental deixa a desejar, não contempla várias especialidades que são necessárias hoje.
E realmente, a gente precisa melhorar. Eu falo para a Coronel Ana Paula que a gente tem que realmente discutir e dar as mãos, porque hoje o profissional precisa desse socorro.
E para terminar, eu queria deixar aqui o meu agradecimento especial de poder falar disso, deixar registrado para a Polícia Militar, para outros segmentos, que nós estamos orgulhosas de fazer a diferença. E é isso.
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Eu termino com a palavra sororidade. Ela falou que às vezes a mulher torce contra. É verdade. Lá, quando eu era Comandante de Escola ou Comandante de Batalhão, a gente via que as mulheres preferiam homem. Mas por que ela preferia homem? Porque, às vezes, o homem não a enxerga primeiro como profissional, enxerga primeiro como mulher. Então, a gente tem que desconstruir isso. E nós estamos num momento muito forte de sororidade.
A Senadora, como mulher, nos abre essa janela, e a gente tem que apoiar as Parlamentares, apoiar as mulheres que estão à frente de instituições, para que de fato a gente seja forte em todos os sentidos; não só no direito, mas de fato sejamos mulheres fortes.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada pela participação, Coronel Maria Costa. A impressão que me dá... Vou trazer um pouquinho para o meu ambiente. Todos vocês sabem que eu fui atleta muitos anos da minha vida. Eu acho muito parecido o serviço militar com o esporte, porque tem uma questão de que a gente tem que ser forte o tempo todo. Nós não podemos, em nenhum momento, fraquejar. Essa busca pela perfeição, pela excelência, é uma meta que, digamos, é do esporte e é da área militar, eu vejo, e se torna um tabu. Na verdade, falar sobre questão emocional, alguma depressão ou excesso de trabalho se tornou essa questão de mi-mi-mi. "Ah, é mi-mi-mi". Não é, porque é tabu mesmo, para nós, falarmos que somos seres humanos, que nós temos as nossas fraquezas, que nos sentimos sobrecarregadas. E que bom que a PM aqui do DF está buscando realmente, através da Coronel Ana Paula, priorizar a saúde mental.
Meus amigos, nós saímos de uma pandemia agora, com as forças militares naquele fronte, assim como os servidores da saúde, de segurança pública. Foi um período muito difícil e que afetou - já vinha afetando e afetou duramente - esses dois setores. Então, nós não podemos tratar isso, dentro das forças de segurança, como um tabu. Nós temos que tratar isso como uma realidade e tentar, de alguma forma, tanto o Legislativo, como o Judiciário e próprio Executivo, junto com as corporações, fazer um trabalho; trazer recursos, emendas; debater sem o medo de sermos julgados, porque nós estamos tratando de uma situação em nível mundial. A humanidade está doente mentalmente, emocionalmente, entendeu? Então, assim, está sendo muito interessante esse debate.
Eu agradeço às nossas expositoras desse primeiro momento.
Eu gostaria de chamar aqui mais dois expositores, que é a Ana Magnólia Bezerra Mendes, que é Professora Titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília, e o Sr. Aldair Divino Drumond, fundador do Instituto Rafaela Drumond.
Todos já sabem. Por favor, Sr. Aldair. Uma salva de palmas para o Sr. Aldair. (Palmas.)
Muito obrigada, Coronel. (Pausa.)
Bom, nós temos, no remoto, a Sra. Cheila Marina de Lima, que é Consultora Técnica do Ministério da Saúde. Eu vou passar a palavra para ela.
Seja bem-vinda, Cheila. Grata por estar conosco nessa audiência importantíssima, obrigada.
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A SRA. CHEILA MARINA DE LIMA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde Senadora Leila, boa tarde a todas e a todos, a "todes". Boa tarde também às colegas que me antecederam na mesa, a todas as pessoas que estão aí no plenário e a todas as pessoas que estão nos assistindo aí de maneira virtual. Agradeço, em nome do Ministério da Saúde, a oportunidade de estarmos aqui dialogando. É um tema que não é fácil, não é simples e não é tão discutido tanto em nível de cooperações quanto em nível de outros espaços, sabidamente o espaço social, o espaço do Executivo e mesmo do Legislativo e do Judiciário. Essa é uma matéria que está sendo problematizada nos últimos anos, faz poucos anos, e muito necessária. Nós temos ainda uma insuficiência de pesquisas, uma insuficiência de estudos a respeito, mas temos alguns dados que já apontam alguns caminhos.
Então eu gostaria de compartilhar com vocês, eu vou compartilhar com vocês alguns dados que a gente tem observado, tem analisado, algumas ações que a gente tem desenvolvido e algumas questões que a gente precisa trazer que já foram colocadas e a gente vai reforçar hoje.
A primeira questão é violência e assédio no trabalho. Esse também é um tema que é muito recente, é muito recente nas pautas de políticas públicas, é muito recente nas pautas do Legislativo, tanto é que são poucos os governos, poucos os segmentos que instituem uma política de prevenção de assédio, tanto assédio moral como assédio sexual no trabalho. E, mesmo a Organização Internacional de Trabalho, na Convenção 190, que já existe há tantos anos, mesmo ela reconheceu esse direito a um trabalho livre de violência e assédio em 2019.
Em 2019 isso foi pautado e trazido realmente como uma parte documental junto à Organização Internacional do Trabalho. Então, foi a primeira organização internacional que trouxe esse tema para a sua pauta, e ele caracteriza o quê? A violência e o assédio como uma série de comportamentos repetitivos e inaceitáveis, inclusive de ameaças, que acontecem no mundo do trabalho, inclusive no mundo do trabalho da segurança pública. E esse assédio, que é uma violência, resulta em danos físicos, danos psicológicos, sexuais ou econômicos, no caso aqui para a gente estar falando das mulheres das corporações aí. E traz também a questão da violência e assédio de gênero, que é uma violência e um assédio dirigidos às pessoas pela condição do seu sexo ou do seu gênero.
Então, isso eu acho que é muito importante a gente trazer e muito importante a gente trabalhar nesse tema nos nossos espaços de atuação. Toda violência que atinge as pessoas por condições de gênero, sexo, atinge de uma maneira desproporcional. E a gente vê aí pelos estudos, pelas pesquisas e pelos noticiários diários na televisão que a gente vê.
E reforçar também que o Brasil, em 2023, no ano passado, no dia da cerimônia do Dia Internacional da Mulher, o Presidente Lula assinou uma mensagem no Congresso visando então iniciar esse processo de ratificação da Convenção 190, bem como da Convenção 156, da OIT, que falam e que reforçam sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadoras. Então, isso é uma prioridade nesse Governo e tem sido uma pauta levada e fortalecida pelos movimentos de mulheres, pelos movimentos representados também pela categoria de segurança pública, pela magistratura do trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho e tantas outras instituições, que têm trazido isso.
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E, no Brasil, como as colegas já falaram, inexiste um estudo que tenha uma abrangência nacional da prevalência de violência no trabalho, mas a Pesquisa Nacional de Saúde, que é uma pesquisa realizada desde 2013, uma das maiores pesquisas realizadas de inquérito populacional, que é coordenada pelo Ministério da Saúde, por esse departamento em que a gente trabalha - e a Geórgia, que está aqui, é uma das coordenadoras desse processo -, estimou que cerca de 18,3% das pessoas de 18 anos ou mais, que são as pessoas que responderam a essa pesquisa, o equivalente a mais de 29 milhões, sofreram algum tipo de violência física, psicológica ou sexual nos últimos 12 meses que antecederam a pesquisa. E dessa população, desse universo de 29 milhões, 17,4% informaram que essas violências ocorreram no trabalho e 7,1% apontaram que o empregado em geral, a patroa ou o chefe, foram o principal agressor ou autor dessas violências.
Alguns dados a gente vai trazer aqui.
Existem outros estudos que não são estudos nacionais, mas que apontam também essas violências nessas corporações da segurança pública, que envolvem a policial militar, a policial do corpo de bombeiro, as Forças Armadas, todas as mulheres dessas corporações. Existem estudos e pesquisas que têm mostrado e que têm trazido à luz a violência e o assédio sofridos por essas mulheres na condição de trabalhadora e que isso tem potencializado as tentativas de suicídio e o suicídio.
Mas, voltando aqui aos nossos sistemas coordenados pelo Ministério da Saúde, vou focar dois sistemas aqui para trazer algumas informações. Um é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação, que é o mesmo sistema onde você registra informação sobre dengue, sobre rubéola, sobre tuberculose. Nele você registra também as notificações de suspeitas ou confirmações de violências interpessoais e autoprovocadas pelos serviços de saúde; em alguns locais, também pelos serviços de educação, pelos serviços de assistência social.
Então, dentro do Sistema de Informação de Notificação, assim como no Sistema de Informação sobre Mortalidade, a gente trabalha com a categoria de ocupação, a gente classifica segundo essa Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Então, essa aí é uma lista de ocupações no CBO que são ligadas à segurança pública, que são as ocupações que a gente buscou para trazer essas informações aqui na tarde de hoje.
A população de análise que nós focamos aqui são mulheres que estão atuando no trabalho, então nosso foco aqui vai ser a população feminina com idade entre 20 a 59 anos, então uma população adulta - aqui não tem casos de crianças e adolescentes, população mais jovem, e nem de idosas.
O tipo de violência que a gente escolheu, que a gente selecionou... Como é ligada à questão da saúde mental, de suicídio, nós temos uma ficha de notificação de violências interpessoais e autoprovocadas. É uma ficha única no país todo. No campo 54, tem uma pergunta que fala: "Foi violência autoprovocada?", considerando que a pessoa preencheu "sim". E tem outra questão, se não foi violência autoprovocada, são violências interpessoais, em que vai violência física, violência sexual, tortura, outros tipos de violência. E, no campo indeterminado, ficou uma dúvida se é violência autoprovocada ou outras questões. Na violência autoprovocada, nós temos a tentativa de suicídio e outros tipos de violência que, a princípio, não têm uma intencionalidade. Então, esses são os tipos de violência, segundo a ocupação da vítima no Brasil. Esses dados se referem aos anos de 2018 a 2022. Então, nós temos hoje, no universo de 2018 a 2022, a população feminina que foi suspeita ou sofreu algum tipo de violência nesse período, o que foi registrado, nós temos, na população feminina de 20 a 59 anos, mais de quase 260 registros. Desses registros, cerca de 1% da ocupação dessas mulheres que sofreram violências foram mulheres que atuam na segurança pública. Então, de 250, mais ou menos 2 mil, quase 2,05 mil mulheres sofreram algum tipo de violência nesse período, e, por essa violência, foram atendidas nos serviços de saúde.
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Nós temos ainda uma subnotificação e uma fragilidade na informação da ocupação. Vocês podem ver aí: cem informações de ocupação é um percentual muito elevado. Então, isso reflete que a gente precisa trabalhar na capacitação, na sensibilização dos profissionais e das profissionais que fazem esse atendimento para a importância de registrar a ocupação, porque isso significa a gente implementar políticas públicas que possam ter resultados mais efetivos.
Então, dessas violências de que nós falamos aqui, esse azul é a segurança pública, profissionais de segurança pública e de outras profissões. Então, dessas profissionais, de mais de 2 mil profissionais que sofreram violências, nesse período, 36% foram violências autoprovocadas. Então, é um universo até importante, eu acho.
Do universo de quem sofreu - e aí nós vamos focar primeiro na violência interpessoal e depois a gente vai trazer o universo das violências autoprovocadas... Sobre as violências interpessoais de mulheres que têm ocupação de trabalho na segurança pública, perguntaram, é uma das perguntas que tem na ficha: "Essas violências sofridas tinham relação com o trabalho?". Então, 27% das mulheres que atuam na segurança pública disseram que sim, que essas violências sofridas tinham relação com a profissão delas. Isso significa que nós temos um universo de mais de 7,8 vezes maior essa relação entre trabalhadoras da segurança pública do que de outras profissões. Então, assim, a gente vê que a violência no trabalho, a violência relacionada ao trabalho contra as mulheres que são trabalhadoras da segurança pública é maior do que contra as mulheres da população em geral.
Com relação a que tipos de violências que essas mulheres da segurança pública sofreram relacionadas ao ambiente de trabalho? Mais de 90% por violência física, 18% por violências psicológicas e outros tipos de violências. Acho que eu vou passar um pouquinho do tempo, está bem?
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Fique à vontade.
A SRA. CHEILA MARINA DE LIMA (Por videoconferência.) - As violências de repetição, o que é grave também, eu acho, Senadora Leila - porque essas violências de repetição se tornam crônicas, elas sofreram mais de uma vez, então, as violências de repetição - nas profissionais de segurança pública, violências crônicas, quase 13%. Isso mostra a gravidade dessas violências no cunho profissional.
As violências também... Aqui nós vamos trazer agora as violências autoprovocadas, que foram as tentativas de suicídio e as automutilações. Num universo de duas mil e tantas violências contra as mulheres da segurança pública, 741 foram tentativas de suicídio e outras violências autoprovocadas. Essa violência, se a gente considerar a mulher de segurança pública contra outras profissionais da população geral, é 6,3 vezes maior, a violência contra essas mulheres da segurança pública, do que na população em geral. Então, veja, 16,9% utilizaram como meio de agressão para a violência autoprovocada o enforcamento; 52%, intoxicação; objetos perfurocortantes, 10,5%; e a arma de fogo também, que é um meio bastante utilizado pela população, pela corporação, um meio bastante letal. Então, isso impacta muito no suicídio consumado.
A outra coisa: a violência de repetição. Antes era violência de repetição e violência interpessoal; agora, violência autoprovocada, e aqui grande parte é tentativa de suicídio. Então, 37% da violência autoprovocada nas mulheres da corporação - 37% - foram violência de repetição, aconteceram mais vezes. E a gente sabe que, a cada tentativa de suicídio, a possibilidade de ocorrer o suicídio consumado é muito maior. Então, isso demonstra o sofrimento dessas mulheres nos seus ambientes de trabalho.
E nós temos hoje, aqui falando do suicídio já, do suicídio consumado, essa é uma pauta na agenda global e na agenda nacional, que mais de 700 pessoas morrem por ano em consequência do suicídio; é a quarta causa de morte na população jovem; e, para cada morte, a gente tem que cinco ou seis pessoas que estão próximas sofrem problemas emocionais, sociais e econômicos. O impacto na saúde mental é muito importante.
Então, nós temos aí o suicídio de mulheres adultas de 20 a 59 anos. As mulheres do Estado do Mato Grosso são as que mais morrem, mais têm risco de morrer por suicídio em relação a outras mulheres. A taxa de mortalidade delas por 100 mil habitantes é de 8,5, mais do que o dobro da população no Brasil, em geral - dessa população do Brasil é de 4,1. E o Mato Grosso do Sul também é uma das corporações, é uma das instituições que solicitaram apoio do Ministério da Saúde para essa questão da tentativa de suicídio e suicídio nas profissionais de segurança pública.
Aqui, o número de óbitos de mulheres e a taxa de mortalidade de mulheres adultas que sofreram suicídio no Brasil de 2010 a 2022 subiu, passou de uma taxa de 2,8 para uma taxa de 4,1. Então, só no ano de 2022, nessa população com essa faixa etária, nessas mulheres, mais de 2,5 mil mulheres morreram em consequência do suicídio.
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Segundo, faixa etária. Dentro dessa faixa etária de mulheres adultas, nós não tivemos grandes diferenças. Então, na faixa de 20 a 29 anos, 30 a 39, 40 a 49, 50 a 59 anos mantiveram-se mais ou menos no mesmo patamar. Mas as mulheres, quando eu faço uma série histórica também, eu vejo que em mulheres mais jovens, o percentual, o risco de morrer de suicídio é mais elevado do que nas faixas mais adultas, digamos assim. Então, de 20 a 39 anos, o risco de as mulheres morrerem por suicídio é maior do que nas mulheres de 40 a 59 anos.
O percentual de suicídio nas mulheres adultas, segundo o meio de agressão. Aí também, repetindo as outras informações, na maioria o meio de agressão é o enforcamento, um predomínio geral, mas nós temos aí intoxicações, também 25%; armas de fogo 3%; mas nós temos aí 3% que são indeterminadas, que a gente precisa de melhorar, que pode estar distribuindo entre as outras categorias.
Do percentual de mortes por suicídio no total das causas violentas, segundo a ocupação no Brasil, 19,3% são ligados à segurança pública. Então a gente vê que o suicídio em mulheres que trabalham na segurança pública é maior do que entre as mulheres de outras profissões, então isso nos chama bastante a atenção, 19,3% das mulheres que sofreram suicídio, que tiveram suicídio trabalhando por ocupação, se deram na ocupação de segurança pública.
A outra questão que chama a atenção também é que, para essas mulheres que se suicidaram, entre os meios de agressão utilizados a maioria foi por arma de fogo; 43% foram por arma de fogo. O que isso mostra? No ranqueamento, se a gente tiver um ranqueamento pelo meio utilizado para a ocorrência do suicídio, então para a arma de fogo foram 43%. Diferentemente da população feminina, na população geral o enforcamento foi o meio maior de agressão. Então é um meio também disponível para a profissão, e é um meio letal.
Nesse aspecto, eu queria chamar a atenção para essa questão do adoecimento mental, para a questão da depressão e do sofrimento mental. Isso é uma pesquisa também, o resultado da Pesquisa Nacional de Saúde, em 2019, em que utilizaram um modelo de rastreamento, e os sintomas depressivos na população feminina são maiores. Então, da população feminina que respondeu a essa pesquisa, 15% dela tinham sintomas depressivos; 13,6% da população feminina no Brasil referiram que tinham diagnóstico médico ou um diagnóstico profissional da Psicologia de depressão, e 6,2% dessa população feminina têm um pensamento suicida ou então um pensamento autolesivo. Isso chama muito a atenção e leva a uma preocupação muito grande.
A Geórgia, que está aqui, do Ministério, coordena também uma pesquisa por inquérito telefônico de fatores de risco, da ocorrência de doenças não transmissíveis, e que avalia a questão da depressão todo ano nas capitais do Brasil, e isso tem chamado bastante atenção no diagnóstico de depressão, de adoecimento da saúde mental.
Então, a gente reforça que a notificação da violência nos serviços de saúde e em outros serviços é instrumento de cuidado, porque aciona a rede de atenção de proteção. Então, é um mecanismo que a gente tem para proteger essas mulheres.
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A tentativa de suicídio é de notificação imediata. As pessoas têm que notificar em até 24 horas, porque a gente sabe que, a cada tentativa de suicídio, o risco de suicídio é maior. Então, a gente precisa de trabalhar a saúde mental, colocar essas mulheres na rede de atenção psicossocial para evitar que tenham o suicídio consumado.
Nós temos um aplicativo para baixar no celular - seja na rede iOS ou na Android - que você baixa gratuitamente, que é o NotiViva, que orienta ao profissional de saúde ou outros profissionais que atuam na notificação de violências interpessoais e autoprovocadas o passo a passo do profissional sobre como notificar. Traz estudos de caso, várias perguntas com dúvidas, a legislação pertinente; traz a ficha, o manual instrutivo para orientar essa notificação.
Reforçando aqui, já estou finalizando, esse suicídio na agenda global. Essa é uma pauta que está dentro dos compromissos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que vai até 2030. O mundo assinou o compromisso de reduzir um terço da mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis, e aí está a questão do suicídio.
O Ministério da Saúde tem um plano de ação de enfrentamento às doenças crônicas não transmissíveis, às violências e aos acidentes. Nesse plano, tem um compromisso de estabilizar, de deter o crescimento do suicídio até 2030, porque, diferentemente de outros países que estão reduzindo o suicídio, o Brasil não está reduzindo. Então, nós temos um compromisso de deter essa mortalidade e aumentar em 40% o percentual de municípios que notificam essas violências, porque, se notifica, a gente ainda tem a possibilidade de intervir. Além disso, o Ministério da Saúde tem um acordo de cooperação com a Secretaria Nacional de Segurança Pública para reduzir as mortes de causas externas indeterminadas para melhorar a qualificação da causa básica de óbito. A gente sabe que existe uma subnotificação para a causa básica de óbito com relação ao suicídio - e na cooperação isso também existe, especialmente com algumas categorias de profissionais. Quem atesta os óbitos de causas externas, causas violentas, são profissionais médicos, mas profissionais ligados à segurança pública, então a gente precisa de fazer um trabalho muito grande para a gente reduzir essa subnotificação. A gente sabe que a invisibilidade aumenta a mortalidade. Se eu tenho informação para a ação, eu vou reduzir.
Nós temos o compromisso, o Ministério da Saúde tem a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências desde 2001, então essa é uma matéria também de nossa responsabilidade, que a gente tem fortalecido e pretende fortalecer mais ainda nos últimos anos; o fortalecimento do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes, que tem essa notificação inclusa.
Um dos avanços também que a gente teve o ano passado foi a institucionalização de uma Coordenação-Geral de Vigilância de Violências e Acidentes no Ministério da Saúde para dar mais visibilidade ainda para esse tema.
A Pesquisa Nacional de Saúde Mental é uma primeira pesquisa no Brasil que é em nível nacional, que vai trazer esses vários temas da saúde mental, coordenada pelo nosso departamento.
Há a ampliação, de 2023 para cá, e fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial, nós ampliamos as Raps; e aumentou o recurso financeiro de transferências para os municípios executarem essa ação via Raps.
Há a recomposição do Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.
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Recompor os Ministérios.
Agora vai-se ampliar essa composição para enfrentar essa pauta em nível nacional.
Então, eram esses temas que eu gostaria de trazer.
Peço desculpas, porque avancei no tema e no horário, e estou disponível para o debate, para as perguntas.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Paola Ruzzene) - Nós que agradecemos.
Obrigada pela participação, Cheila de Lima, que é Consultora Técnica do Ministério da Saúde.
Preocupante esses números.
Eu agradeço toda a sua explanação, assim como o suporte da Dra. Geórgia.
Um abraço, Dra. Geórgia de Albuquerque.
Obrigada.
Antes de passar aqui para os nossos expositores, o Sr. Aldair Drumond e também a Ana Magnólia, houve um pedido aqui para a apresentação de um cordel em homenagem às policiais, Rafaela e Valdéria.
E gostaria de chamar as seguintes - artistas?: Débora, Polícia Civil da Bahia; Célia Melo, Polícia Militar do Rio Grande do Norte; Poliane, Polícia Civil de Rondônia; Juliana, Corpo de Bombeiros de Roraima; Pâmela, Polícia Rodoviária Federal do Distrito Federal; Rafaela, Polícia Penal do Distrito Federal; Daiane, Bombeira Militar do Acre.
Se vocês quiserem ficar aqui na nossa frente...
Aí? Então está bem.
Daiane, Bombeira Militar do Acre; Nara Lúcia, Polícia Federal do Ceará; e Jéssica, Guarda Municipal de Roraima.
Sejam bem-vindas, meninas. (Palmas.)
Nesta tarde tão seleta
Onde as vozes não querem calar
Viemos a público dizer
Que iremos aqui falar
E a violência contra mulheres
Vamos então denunciar.
Muitas vozes silenciadas
Não se devem esquecer
Valdérias e Rafaelas
Mulheres, como eu e você
São Policiais femininas
Que o sofrimento ninguém vê.
Eis então o questionamento
Se faz hoje na nação
Expor a angústia na mídia
Pode [...] [gerar] até punição
Obrigam-nos a nos calar
[...] [Para receber] promoção.
São assédios costumeiros
Do sexual até o moral
Ou mesmo abuso de poder
É o que se [...] [padece] na real
As muitas mulheres da segurança
Que sofrem por ser policial
Os abusos são absurdos
Os algozes superiores
Fazem da rotina diária
Um dia a dia de horrores
Que tem em pauta o desrespeito
E da humilhação são professores
Já não se bastam estes traumas
Que causam dano emocional.
E existe gente que diz lutar
por uma causa social
Mas que não perde a oportunidade
de atacar [uma] policial
Foi assim em uma cidade
Lá do interior da Bahia
Onde uma investigadora
Assinou [uma] carta de alforria
Denunciando o assédio
Sofrido na delegacia.
[...] [Essa] ainda teve a chance
de externar seu sofrimento
Destino distinto teve a [...] [Rafaela]
[Ela só teve... Eu esqueci.)
Que só teve o seu lamento
[Divulgado] [...]
[Somente] após o seu sepultamento.
No combate a essas condutas
Estamos todas bem unidas.
E as mulheres [policiais]
Do MMUP aguerridas
Não [..] nos [...] calaremos diante
De posturas distorcidas.
R
[..] [E, nesse ato, representamos
todas as policiais brasileiras]
Declaramos o nosso repúdio
Contra o que [...] [passaram] [...] [nossas] companheiras.
Somos todas Rafaelas e Valdérias,
Policiais, mulheres e guerreiras. (Manifestação de emoção.)
Muito obrigada.
Desculpa, gente, emocionante isso.
Muito obrigada, viu, pela apresentação.
ORADORA NÃO IDENTIFICADA - Nós que agradecemos. É uma honra estar aqui participando desse evento a todas nós.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada. Por vocês e para vocês. Obrigada, muito obrigada.
Gente, uma salva de palmas bem alta aí. (Palmas.)
Bom, eu vou passar a palavra para a Sra. Ana Magnólia Bezerra Mendes e, na sequência, ao Sr. Aldair.
A SRA. ANA MAGNÓLIA BEZERRA MENDES (Para expor.) - Bom, boa tarde a todos.
Eu gostaria primeiro de agradecer ao convite da Senadora Leila para participar desta audiência pública. Gostaria de destacar que esta audiência é parte de um conjunto de atividades e ações que têm sido realizadas pelo Movimento Mulheres Policiais, liderado pela Eline Lemos, que aqui se encontra. Então, gostaria também de agradecer ao movimento e à direção do movimento pela confiança e pela parceria.
A Universidade de Brasília participa da certificação desse II Congresso Internacional de Mulheres Policiais, do qual eu participei no ano anterior. E estou participando agora nessa condição também de palestrante, mas de apoiadora do evento a partir do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho como um evento de extensão da Universidade de Brasília.
Dada a importância, primeiro, do Movimento Mulheres Policiais, que tem tido uma luta e uma participação significativa na discussão das questões relacionadas à saúde, à violência, ao assédio e, nesse momento, ao suicídio no trabalho, mas também a importância de a academia participar dessa parceria.
Então, é uma pesquisa que eu tenho muito prazer de fazer junto porque nos interessa bastante em função desse agravamento, desses absurdos que nós já escutamos até aqui agora que acontecem com os profissionais de segurança pública.
Então, dito isso, eu vou apresentar, dentro desse tempo aí e pode ir me controlando, uma pesquisa que foi realizada em 2015 na Universidade de Brasília, sob a minha coordenação, com algumas atualizações que nós temos realizado nos estudos do nosso projeto.
Eu coordeno um projeto na Universidade de Brasília que se chama Clínica do Trabalho, em que nós escutamos, fazemos a escuta e o atendimento psicológico de diversos trabalhadores. Entre esses trabalhadores, nós temos recebido também trabalhadores da segurança pública com todos esses sintomas que alguns colegas já apontaram, principalmente a ideação suicida, que é um sintoma extremamente grave.
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Então, o que eu vou apresentar agora para vocês, eu dividi a minha fala, primeiro, em alguns pressupostos teóricos que sustentam essas pesquisas no nosso Laboratório de Psicologia do Trabalho, e, em seguida, eu vou apresentar os resultados dessa pesquisa de 2015 e fazer algumas conexões com as atualizações que nós temos hoje desses dados. Vale dizer que essa pesquisa foi fruto de um trabalho dos estudantes que foram meus alunos da segurança pública na época - tem uma aluna aqui que eu já identifiquei, do Corpo de Bombeiros, que foi minha aluna -, fruto de um curso de especialização que eu coordenei e foi realizado na Universidade de Brasília, em 2015 e 2016, e se chamou Clínica do Trabalho e Gestão do Estresse.
Esse curso foi disponibilizado para os profissionais de segurança pública que trabalhavam na área da saúde, de modo que esses profissionais fossem formados para poder desenvolver intervenções e pesquisas nos seus locais de trabalho, esse era o objetivo. Esses profissionais - na época, foram 45 alunos que nós tivemos - desenvolveram pesquisas, tanto na corporação bombeiros da polícia militar quanto na polícia civil, com os instrumentos de pesquisa que nós disponibilizamos e orientamos. Fizeram também pesquisas qualitativas sobre os riscos psicossociais relacionados ao trabalho na segurança pública, pesquisas feitas pelos próprios estudantes desse curso de especialização da Universidade de Brasília. Essa pesquisa tratava desses riscos e o seu foco principal foi compreender o sofrimento psíquico desses profissionais, os riscos de adoecimento e os danos físicos, psicológicos e sociais que o trabalho na segurança pública pode provocar.
Vale dizer que, dessa pesquisa, na época, participaram 1.275 policiais. Tem todo um perfil - e existe esse relatório, que posso disponibilizar depois para quem quiser ter acesso -, e eu vou tratar mais, como disse, dos pressupostos e dos resultados.
Um primeiro pressuposto importante para trabalharmos e refletirmos aqui é que a violência no trabalho é algo estrutural, de alguma maneira, não é só uma circunstância, ou um problema pessoal ou de uma relação interpessoal. A violência é uma questão - é assim que nós estudamos, do ponto de vista teórico - que tem uma dimensão histórica, uma dimensão social e uma dimensão política, inclusive e principalmente, relacionada aos modos de colonização que nós ainda vivemos e ao trabalho análogo à escravidão.
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Essa violência é dita, é produzida no discurso e em práticas como uma forma inclusive de reprodução das diferenças de classe social e de gênero, principalmente, que a própria reprodução do capitalismo e do modelo antropológico neoliberal tem produzido hoje no mundo do trabalho. Esse é um primeiro pressuposto.
O segundo é que os modelos de gestão praticados, de uma forma geral, nas organizações hoje, que produzem o ato de violência, têm produzido pelo menos três patologias que nós temos estudado: a patologia da indiferença, a patologia da normopatia e a patologia da vigilância controlada - e eu ainda acrescento a patologia da melancolização. Essas patologias estão na base. Elas deformam os laços sociais e deformam a nossa subjetividade. Elas estão na base dos atos de violência e, na sua radicalidade, é a legitimação dessas patologias, a conivência e a banalização que podem levar à maior radicalidade de denúncia de que realmente é insuportável aquela situação que é o suicídio no trabalho.
Nós temos também estudado esses modelos que eu digo aqui que são modelos ainda colonizadores de gestão, vinculados a um discurso capitalista e colonial, que produz muitas falsas promessas nos ambientes de trabalho. São cantos de sereia, banalizam o sofrimento, criam ideologias do possível, a ideologia da perfeição, o culto ao narcisismo, o mito da felicidade e principalmente o paradigma de que tudo que é normal é saudável, e não é verdade. Nem tudo que é normal, praticado por todos ou por uma maioria, é saudável, como a cárie dentária: todos temos, não é saudável, mas é normal, porque todos têm. Estou dando esse exemplo, que parece um pouco banal, para compreenderem, para trazer a dimensão da banalização que hoje nós vivemos dessa violência e dessas práticas no ambiente de trabalho.
E eu gostaria de destacar que essa normalização e banalização produz uma banalização da humilhação. A humilhação, se a gente pensar - eu acho que vou terminar me estendendo... Se a gente pensar no gigante, em Davi e Golias, a luta é vencida pela humilhação. Então, hoje, nos nossos estudos, nós temos identificado, a partir do uso abusivo do poder radical, a assimetria do poder e a lógica colonizadora escravista do superior e do inferior, que banaliza o sofrimento e as injustiças, faz com que esses atos de violência do cotidiano sejam normalizados e que a humilhação seja o instrumento de dominação que muitos dos gestores usam para conseguir se manter nesse lugar de poder e de superior, e é a humilhação que pode levar um sujeito ao suicídio.
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Então, o que pode levar um sujeito ao suicídio? É uma das mais graves vivências em relação a ferir a nossa dignidade humana.
Esses discursos de que eu falava também sustentam a lógica perversa da tirania do igual, e as diferenças - e eu penso que, dentro do ponto de vista da nossa abordagem, o que sustenta os laços sociais são as diferenças, assim como os espaços democráticos - são excluídas do ambiente de trabalho.
Então, aqueles que são diferentes, seja porque são mulheres, ou porque são negros, ou porque são diferentes em outras dimensões - e o racismo é, hoje, nos nossos estudos, a variável mais significativa para as situações de violência, seguida da variável gênero; há estudos, já consagrados, de que essas duas variáveis são alvo dos atos de violência -, essas diferenças, tudo que for diferente tende a ser discriminado, excluído, destruído dos espaços de democracia e de igualdade social.
Nesse contexto que eu acabei de trazer é que se instalam os atos de violência que levam ao adoecimento, ao assédio e ao suicídio.
São três os atos que nós temos estudado: o ato da discriminação, o da humilhação e o da intimidação. Então, são esses três atos de violência, muitas vezes invisíveis, muitas vezes imperceptíveis, que vão ali, no dia a dia, minando toda uma subjetividade, o que pode, inclusive, levar ao suicídio.
Esses três atos de violência - e não falamos muito sobre eles, porque há uma vergonha; existe uma... Eu não vou ter tempo aqui de desenvolver, mas eu estou participando do 2º congresso; amanhã eu vou fazer uma fala e eu posso me aprofundar um pouco nessa questão de como a vergonha que nós temos de sermos humilhados faz com que isso seja guardado. E é aí que, num determinado momento, o sujeito não suporta mais, ao ponto de decidir - e não é uma decisão, mas é um ato, ao mesmo tempo, de denúncia e de profundo desespero - tirar a própria vida.
Esses três atos de violência estão relacionados às tarefas - que às vezes são as próprias exigências de desempenho -; às condições de trabalho; à questão de gênero; à questão de raça; à questão de etnia; ao uso abusivo do poder; à hierarquia; à simetria do poder; à vigilância; ao controle; à opressão; à dominação; à desqualificação do trabalho; ao produtivismo. Então, esses seriam os pressupostos que sustentam o nosso estudo.
Em termos de resultados - e eu vou falar mais, agora, em função do tempo e do foco desta audiência, que é discutir o suicídio, a saúde mental, mas também o caso da policial Rafaela -, eu vou falar mais dos resultados que nós tivemos da pesquisa da Polícia Civil, e amanhã, no congresso, eu falo dos resultados também da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros.
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Então, 90% dos policiais, na época, que participaram da pesquisa que existe uma divisão do trabalho injusta, e evidentemente essa divisão do trabalho injusta atinge a divisão sexual do trabalho, e, evidentemente, as mulheres.
Houve uma percepção nessa pesquisa de que o número de trabalhadores não é suficiente para desenvolver, o ritmo de trabalho não é adequado e os recursos que são oferecidos também não são adequados, assim como os espaços físicos e alguns equipamentos. Oitenta e três por cento dessa população à época relatam que os servidores, os policiais que foram entrevistados, não participam das decisões sobre seu trabalho. Então, existem, nesse sentido, tomadas de decisão centralizadoras, autoritárias e eu acrescentaria egocêntricas e narcisistas, porque uma hierarquia muito rígida tende a produzir o culto ao narcisismo, que é extremamente perverso para o abuso do poder e a simetria. Também eles relatam que não há justiça na distribuição da tarefa, além de que não há flexibilidade nas normas para exercer suas tarefas.
Em relação ao estilo de gestão, 92% dizem que o estilo de gestão é autoritário, autocrático, gerencialista, a hierarquia é supervalorizada, os gestores se consideram o centro do mundo e o ambiente de trabalho se desorganiza diante das mudanças. E apenas 8% dos entrevistados dizem que existe uma gestão coletiva, uma gestão em que é valorizado o bem-estar, em que as pessoas têm a oportunidade de crescer, em que são incentivados, em que existe uma tomada de decisão em grupo; são 8% que consideram. Esses têm muita sorte.
Em relação aos dados sobre o sofrimento, nós identificamos dados alarmantes e que vêm se confirmando no projeto que nós temos na universidade e do qual eu falei, de escuta desses trabalhadores. Esgotamento mental: 80% desses profissionais sentem esgotamento mental. Esse esgotamento mental tem uma relação com submeter o seu trabalho a decisões políticas - eu tô falando só da polícia civil, tá, gente? -, o desgaste em relação ao trabalho e o cansaço. Então, são os três fatores do esgotamento mental. E 83% dizem que não se sentem reconhecidos no trabalho. O trabalho não é reconhecido, eles sentem o trabalho desvalorizado na organização, não têm liberdade para falar sobre o trabalho e se revoltam em se submeter às ordens superiores. A gente sabe que a polícia civil não é militarizada, mas funciona como tal. Bom, eu não vou me adiantar a essa parte.
E, por último - que é onde a Rafaela trabalhava e ela em provavelmente viveu tudo isso de forma intensa, além do assédio sexual gravíssimo de que ela foi vítima -, em relação a indicadores do adoecimento dessa categoria, nós temos como destaque os danos psicológicos. Então, muito mais percebidos: mau humor, tristeza e sensação de vazio. Os danos sociais: impaciência com as pessoas em geral - isso para a segurança pública -, vontade de ficar sozinho e agressividade com os outros. Em relação aos danos físicos: alteração do sono, dores nas costas e dores no corpo em geral.
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Então, esses foram os resultados que têm sido atualizados qualitativamente em função das outras variáveis que eu mencionei, que é a questão da humilhação, porque quando um trabalhador chega ao projeto da clínica do trabalho na universidade, ali ele tem um espaço para falar das humilhações que ele viveu. E é uma sorte que esse trabalhador conheça o projeto, que ele venha e que ele possa ser escutado, porque é uma forma de evitar o que tem acontecido. Hoje eu conversava com uma colega no coffee break que me dizia que foram quatro suicídios em um ano no estado onde ela trabalhava. É muito, muito grave; além de haver a subnotificação, como a colega falou.
Então, em termos de intervenção, em termos do que fazer, espero que seja feito, que o Legislativo faça seu papel. Nós temos representantes aqui do...
(Soa a campainha.)
...Governo, representantes do Estado. Eu, como pesquisadora, me coloco à disposição para participar dessa luta de uma perspectiva acadêmica; e o movimento sindical, o movimento das mulheres policiais que eu penso que estão engajados, a colega Marta que também está nessa luta.
É nesse coletivo que eu penso - o problema é tão grave -, que eu acho que tem que juntar realmente essas forças. E evidentemente eu gostaria de dizer que o Estado e o Governo têm uma responsabilidade sobre tudo isso.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos, professora.
E que horas é amanhã a sua fala?
A SRA. ANA MAGNÓLIA BEZERRA MENDES - 9h30, no Congresso.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Sim, no Congresso, exatamente. Eu gostaria depois de ter acesso aos estudos da Polícia Militar e Bombeiros.
Obrigada.
Bom, eu vou passar a palavra agora para o Sr. Aldair Divino Drumond, fundador do Instituto Rafaela Drummond. Seja bem-vindo, Sr. Aldair.
O SR. ALDAIR DIVINO DRUMOND - Boa tarde. Boa tarde a todos; boa tarde, Senadora; boa tarde, professora.
Bom, eu sou Presidente do Instituto Rafaela Drumond e pai da Rafaela Drumond, a escrivã de polícia que tirou sua própria vida devido a ter sofrido um grande assédio dentro da Polícia Civil, da delegacia de Polícia Civil da cidade de Carandaí.
Eu vou resumir a minha filha, para vocês que não a conhecem, em duas palavras: ela não era racista nem homofóbica. Aí vocês já imaginam que menina que era, que moça que era.
Bom, é o seguinte, o tema que é o assédio e a política de gênero foi exatamente isso que a minha filha sofreu durante um ano na delegacia de Carandaí. Ela sofreu lá um assédio vertical, do Delegado Itamar, para baixo, em cima dela, forte; e, subindo, do inspetor Celso, muito forte. E também recebeu um assédio horizontal de todos naquela delegacia. Pelo menos, pelo que eu percebi, ela sofreu muito, e também recebeu discriminação de gênero de todos também durante esse período dentro de um ano
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Agora eu pergunto para vocês: que moça, que mulher que aguenta? Ela não aguentou assim... Ela não achou assim... Ela não confiou no pai e na mãe para poder desabafar. Ela procurou uma amiga para poder desabafar. E, na verdade, infelizmente, essa amiga não foi tão amiga dela, não conduziu bem o problema dela. E essa amiga, durante um certo período, tinha até um certo diálogo com alguns policiais da delegacia e não falou para o pai e para a mãe, você entende?
Então, foi muito grave a situação. E eu vejo que o assediador não tem misericórdia. O que, no meu ponto de vista, eles fizeram? Eles fizeram com a minha filha como se fosse uma roleta russa, entendeu? Não tiraram a arma dela. Eles teriam que ter tirado a arma da minha filha quando ela apresentou o primeiro problema. A primeira coisa era tirar a arma dela; não tiraram. Isso aí, não tirar a arma, é uma roleta russa.
Aí ela foi tendo... A pressão foi grande, puseram ela dentro de uma panela de pressão, tamparam a válvula e meteram fogo embaixo. A menina não aguentou, não aguentou. Foi difícil.
Então, eu peço aqui, eu estou pedindo à Senadora Leila - porque tem várias moças policiais que têm entrado em contato comigo, ontem uma moça entrou em contato comigo desesperada, entendeu? pedindo apoio -, eu gostaria, se possível, se a senhora pudesse, de por a mensagem que a policial falou para mim. Eu acho que é triste, eu acho que a gente tem que combater essa...
Eu gostaria de destacar também o que eu percebi. A Polícia Civil - eu vou falar da Polícia Civil de Minas Gerais -está parada no tempo, está parada na década de 1960, na época da ditadura, entendeu? É isso que está acontecendo lá dentro. Esses policiais novos que estão chegando - igual a minha filha, e os outros que estão chegando, de todos os níveis, delegado, perito, tudo -, são jovens altamente inteligentes, têm curso superior todos eles e estão encontrando uma polícia completamente arcaica, na época da ditadura. Está havendo um conflito entre eles e os policiais mais velhos e aí o assédio vai acontecer. Então, do meu ponto de vista, é isso que está acontecendo.
Eu gostaria, Senadora, que a senhora visse que, por exemplo, teve o caso de uma delegada que é semelhante ao da minha filha. A delegada foi 01 no curso da Acadepol; a minha filha foi 02, e os dois casos são semelhantes. Essa delegada está sofrendo lá, é uma roleta russa, e ela está lá. Ela está lá dando tiro...
Para quem quer saber o que elas sofreram, a roleta russa submete àquele filme O Franco Atirador, quando os vietcongues ameaçavam os americanos, os americanos tinham que cometer o disparo ali e eles ficavam todos torturados. Foi isso que aconteceu com minha filha, ela foi tortura durante este um ano.
Então, eu gostaria, sabe...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ALDAIR DIVINO DRUMOND - Ah, não, não, não.
Então, Senadora, eu gostaria que a senhora verificasse que tem acontecido um sofrimento muito grande de várias policiais que têm relatado sobre assédio e que não estão...
Inclusive a Secretária de Segurança, Dra. Letícia, eu posso falar, para mim, ela é assediadora, porque quando a minha filha, quando a gente foi fazer a missa de 7º dia da minha filha, ela falou para os policiais da cidade de Barbacena, onde a gente estava fazendo a missa de 7º dia, para nenhum deles irem a essa missa de 7º dia para não espetaculizar e não dar muito valor ao caso, entendeu? Mas foram policiais, foram policiais de outras cidades, todas de Minas; foi policial escrivão, foram policiais de várias categorias.
Então, é isso o que eu tenho a falar.
E eu gostaria também de salientar, com relação à delegada da Corregedoria, que ela foi muito parcial. Eu vou dizer que ela foi, para não falar outra palavra, amadora, ela não apurou direitinho, porque essas conclusões que estou falando para vocês eu tirei do inquérito da polícia, entendeu?, pessoas capacitas, e nós analisamos tudo.
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Quer dizer, poderia ter analisado mais a fundo esses assédios a que eu me referi - vertical, horizontal, tudo isso. E o que ela fez? Ela mandou para o Ministério Público uma apuração. O que ela apurou? Apurou em cima de uma testemunha falsa, que era essa amiga. A delegada, a Dra. Érica, fez isso. Fez todo o trabalho dela em cima desse depoimento falso dessa moça que é suposta amiga da minha filha e de um "peguete" que a minha filha arrumou de 15 dias, que foi essa mesma menina que arrumou, e que foi toda a causa de todo o distúrbio da minha filha, porque a minha filha já estava doente e precisava de tratamento médico. Além das testemunhas de algumas outras pessoas, a Dra. Érica baseou-se também na mídia para algumas coisas. Então, no meu ver, foi um trabalho da Corregedoria muito fraco, muito fraco.
E hoje, a gente tem... Eu estou seguro no que eu estou falando aqui; estou seguro: não concordo e vou lutar, lutar por justiça pela minha filha. E, com isso, eu quero ajudar todas as mulheres também, as outras policiais. Eu gostaria também que essas policiais se sentissem seguras; podem contar comigo, com o meu instituto, se quiserem desabafar e tudo. Se eu tiver, no que eu puder... Eu ajudei muitas moças depois do que aconteceu com a minha filha e elas conseguiram sair daquela panela de pressão, elas conseguiram, com uma agulhazinha, furar aquela válvula ali e ter um escape. É disso que essas moças estão precisando; é disso.
É isso o que eu tinha a falar. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos, Sr. Aldair. Não deve ser fácil estar aqui com a gente, mas é importante a gente ouvir, porque mais do que presidente do instituto, o senhor é pai e o senhor viveu isso na pele.
E é isso, nessa questão do tabu, das dificuldades, muitas vezes, de a gente buscar ajuda, é que acontece o que o senhor falou: a válvula, a panela explode e, muitas vezes, a pessoa não sabe para onde correr. Realmente, eu percebo claramente que nós vamos ter que fazer um trabalho aqui dentro da Casa. Essa é uma primeira audiência, e aí eu quero agradecer aos que me provocaram para que pudéssemos tratar sobre essa questão da saúde mental das nossas policiais da segurança pública. E nós vamos fazer mais, vamos conversar mais, porque eu acho que precisamos trazer mais gente aqui para fazer alguns esclarecimentos; precisamos aprofundar mais sobre o tema.
Aqui tem muitos relatos, alguns estudos, mas estamos abertos para mais sugestões, para que a gente possa fazer uma provocação em nível de Estado mesmo, como uma professora falou aqui: não adianta apenas uma ovelha, digamos, uma pessoa, uma Parlamentar, tomando a iniciativa. Eu acho que é uma ação conjunta mesmo, professora, de trazermos todos aqui, todos os Poderes, o Estado, enfim, e conversarmos também com o comando dessas corporações para a gente começar a entender, provocar e cobrar esse melhor tratamento, essa questão do assédio, a questão emocional, que realmente, pelos números, nos deixam estarrecidos. Eu saio daqui muito preocupada com o que está acontecendo e eu quero agradecer a provocação.
Nós tivemos aqui o pedido... O que acontece? Nós temos a sessão plenária no Senado que começa às 16h e daqui a pouco vai começar a tocar uma campainha convocando todos nós, mas eu acho importante, porque houve três pedidos aqui de fala antes de finalizarmos esta audiência pública. Eu vou dar a essas três pessoas três minutos para finalizarmos a nossa audiência, e depois as considerações finais dos nossos expositores para finalizarmos essa primeira audiência: à Sra. Paola Ruzzene, que é agente da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo e diretora do Sindicato de Policiais Civis do estado; Eline Teixeira Lemos, Presidente do Movimento das Mulheres Policiais e, por fim, o Sr. Eduardo Morais, que foi indicação do Sr. Aldair.
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Então, vou passar primeiro para a Sra. Paola.
Tem aí um microfone, Paola?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Pode falar e fique à vontade. Obrigada pela participação.
A SRA. PAOLA RUZZENE - Boa tarde. Me ouvem bem?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Sim.
A SRA. PAOLA RUZZENE (Para expor.) - Perfeito.
Primeiro, quero agradecer a abertura desse espaço, Senadora, que é de grande importância para todas nós, para a gente poder externar e denunciar a violência que nós sofremos todos os dias.
As falas foram muito importantes também, mas algumas nos atravessaram mais do que as outras, principalmente a da Martha, porque nós também compartilhamos desse mesmo sentimento de, assim que a gente ingressa na Polícia Civil, já sentir essa hostilidade. O policial, como disse a Julia, é um subcidadão. Nós não temos direito de nos candidatar, de nos sindicalizar, a polícia militar principalmente, a eles é impedido ter um sindicato.
Não só o direito de greve nos foi tirado, mas também o direito de nos sindicalizar. Eu faço parte do sindicato de policiais civis, a polícia civil ainda tem esse direito, mas pode perdê-lo a qualquer momento também, assim como foi tirado de nós o direito de greve. Nós somos comparados aos militares e ao Exército no sentido de não poder fazer greve, mas não somos comparados na previdência, por exemplo. (Palmas.) Então, é uma injustiça muito grande. Uma das nossas principais pautas do primeiro congresso, inclusive, foi essa, a aposentadoria especial, que nos foi retirada na reforma da previdência, e nós não conseguimos ainda retomá-la.
A reflexão que eu faço aqui, de todas as falas, é: onde começa essa violência? Onde essa violência contra a mulher começa? Porque a gente sabe onde ela termina. Termina no feminicídio, termina no suicídio, mas onde ela começa?
Começa quando nós somos restringidas de exercer nosso direito, quando nós somos restringidas na nossa liberdade de escolha. O lugar de mulher é onde ela quiser, mas nós não temos direito de escolher onde nós queremos estar.
Quando nós escolhemos vir para uma força policial, nós somos violentadas dentro dessas forças, constantemente. A violência é velada, sim, ela não deixa marca, mas quando a gente ingressa na polícia, a primeira coisa que a gente ouve no curso de formação é que a gente não pode parecer mulher. No estande de tiro, quando você demonstra alguma sensibilidade, você escuta: "Tá parecendo uma mulherzinha".
(Soa a campainha.)
A SRA. PAOLA RUZZENE - Então, nós somos subcidadãos e, enquanto mulheres, nós somos, subumanizadas, inclusive, porque nós não podemos sequer ser mulheres, nós somos consideradas seres humanos dentro da instituição. Parecer mulher é algo pejorativo na instituição.
A mudança tem que ser estrutural. Eu entendo que o sindicato, tem, sim, uma participação importante, de garantir a saúde mental e de cobrar do Estado, principalmente, que se garanta essa saúde mental, o acesso à saúde mental, à qual nós não temos o direito de ter acesso. Enfim, esse cuidado de quem cuida.
É outro questionamento: quem cuida de quem cuida? Nós não temos esse espaço também. Então é importante cobrar do Estado. Esse espaço é um espaço para denúncia também, no Senado. Então, eu deixo essa reflexão: que a violência não começa no feminicídio, ela termina no feminicídio, ela termina no suicídio, mas ela começa na sociedade.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Muito obrigada. (Palmas.)
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Vou passar a palavra agora para Eline Teixeira Lemos, Presidente do Movimento das Mulheres Policiais.
A SRA. ELINE TEIXEIRA (Para expor.) - Boa tarde.
Senadora, eu primeiro quero agradecer o espaço, o apoio que você deu por meio da emenda individual, porque o Congresso está acontecendo em outro patamar em função desse grande apoio. Sou sua fã, você sabe disso, gosto de vôlei, você também, então está tudo certo.
Então, eu queria falar... Eu assisti a uma parte, porque a gente se atrasou para chegar aqui, mas, baseado no que a Paola falou - e eu ouvi parte da Coronela Maria Costa -, a gente tem que considerar o prisma pelo qual a sociedade nos vê, como nos vemos, e onde aqui a gente consegue conectar para estabelecer um ponto de partida para uma mudança.
Esse é o objetivo do Congresso Internacional das Mulheres Policiais, nessa parceria com a UnB, porque, no ano passado, nós trabalhamos a saúde mental, e, quando a gente estava relatando, nós nos deparamos com a situação e com o áudio extremamente doloroso da Rafaela, porque ela estava desesperada. Então, aquilo toca a gente de uma maneira tão profunda, primeiro porque todas nós aqui, de alguma forma, demos a nossa juventude para a segurança pública - quando você passa no concurso, você está naquele estado de higidez mental e física para passar nos testes, que, por sinal, demoraram a entender a especificidade do ser mulher.
Então, eu lembro que, na academia, duas colegas - uma tinha saído do parto, com um menino especial - fizeram a prova física, porque não podiam perder o certame, duas que tinham passado por aborto. Aí, quando você vê assim, está todo mundo aqui correndo, fazendo defesa pessoal e tal, aí você vê o desplante na forma como se administra esse ingresso e a condução dessa carreira, porque, durante a carreira, não muda.
Eu recebi várias denúncias de colegas que, logo após a licença-maternidade, foram escaladas, às vezes, para missões em estados diferentes, tendo que pagar babá e estadia. Então, tem umas coisas tão absurdas que a gente, quando ouve, vê como nos desumanizam, isso num aspecto mais da especificidade.
Agora, por outro lado, também, a gente tem que saber que, de um modo geral, o agente da segurança pública, o operador, também é muito cobrado, como se ele fosse um superman, e ele não é.
(Soa a campainha.)
A SRA. ELINE TEIXEIRA - E, partindo disso, eu coloco o seguinte, que, quando se fala em saúde mental sem dar o espaço para que as pessoas possam verbalizar, sair - Ana Magnólia fala isso de uma maneira fantástica - do simbólico, você verbaliza e você começa a trabalhar outras conexões cerebrais para você se posicionar e trabalhar aquele sentimento; quando esse processo começa, você pode evitar muita coisa. Então, a gente acredita no tratamento da transversalidade disso, mas em políticas públicas eficazes, num acompanhamento constante desse profissional no desempenho da função em que ele encara a violência no dia a dia, e tem casos sobre os quais a gente não conversa em casa, a gente conversa com o colega, porque é tão absurdo que você não vai levar aquela energia...
Então, o nosso encontro visa proporcionar essa interação, também, entre veteranas e novatas para troca dessa experiência, porque, às vezes, o problema de uma que tem um filho especial e que já até se aposentou é o problema de outra que agora ingressou e está precisando de uma assistência para conseguir manter a tripla jornada.
Aí, a Paola falou da questão da aposentadoria. Isso foi outro absurdo que nos tiraram de uma maneira muito rápida sem nenhum questionamento. Então, assim, eu acredito que o Estado, para manter a saúde da sociedade, tem que manter a saúde desses profissionais, para ser uma via de mão dupla - entende?
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Para finalizar, porque já acabou o tempo, a gente já percebeu que não havia e não há uma transparência de dados sobre essas questões de saúde mental.
Como Ana Magnólia falou, não há um espaço para verbalização desses sentimentos, principalmente na segurança pública, porque todo mundo acha que realmente é um herói. E não é. É uma pessoa que tem família, tem problemas e tem problemas de relacionamento, numa instituição adoecida em que as questões da supremacia do poder e da colocação do cargo exercem todo um adoecimento estrutural.
Nesse caso, a gente gostaria de, ao final deste encontro, em que a gente pretende estabelecer algumas propostas, realmente viabilizar essa escuta ativa, num observatório, para a gente poder fazer um acompanhamento constante, dar o suporte necessário a quem precisa, para a gente não ter mais Rafaelas, não ter mais caso como o do Luiz, que foi um perito do Rio de Janeiro e outros colegas nossos aqui de Brasília, para que eles não sejam vitimados dentro de um espaço em que não tenham a visibilidade.
Se você dá visibilidade ao problema, traz luz, você começa a ver o ângulo e tenta trabalhar para tirar as arestas e resolver. E é isto que a gente quer, o espaço da fala para resolver.
No caso da questão da escuta ativa, do observatório: dados precisos, relatórios, para pontuar essas políticas públicas e poder aferir o resultado. Não adianta a gente falar aqui, falar lá, falar na instituição sem mudar também a concepção de formação nas academias de polícia, que é outro ponto a ser trabalhado e pensado.
É muito difícil falar de uma situação tão complexa em tão pouco tempo, mas eu, como Presidente do Movimento das Mulheres, coloco aqui que estamos predispostas, todas nós, a contribuir para essa construção e tentar estabelecer uma linha em que a humanização e essa visão dos direitos humanos para os policiais sejam colocadas em prática em políticas públicas eficientes, porque legislação temos. O que não temos é assegurado esse direito na prática.
Era só isso que eu tinha a dizer.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Eline.
Eu vou passar, agora, a palavra ao Dr. Eduardo Morais.
O SR. EDUARDO MORAIS (Para expor.) - Boa tarde a todos, a todas e a "todes".
Senadora, agradeço-lhe o evento, um evento extremamente necessário.
Eu cheguei um pouco atrasado e peço desculpas.
Parabenizo a Profa. Ana pela fala. Ela falou de um modelo de gestão que está ultrapassado, arcaico.
E eu queria também perguntar, para induzir vocês a pensarem: vocês sabem o que significa gaslighting?
Pois é. Fico muito feliz em escutar isso, porque, em muitos lugares onde faço a pergunta, as pessoas não sabem o que é, não sabem que é uma forma de manipulação psicológica, que é uma violência psicológica que vocês sofrem.
Também gostei muito fala de vocês saírem da invisibilidade e começarem a falar. Vocês precisam falar!
Queria aqui, hoje, Senadora, na presença de todos vocês, agradecer muito a criação da minha família, ao meu pai. Eu sou filho de militar, estudei em colégio militar minha vida inteira, nasci num hospital militar e tive uma educação na qual a valorização da mulher é a prioridade. Agradeço muito à minha mãe e ao meu pai por me ensinarem que, quando uma mulher fala, a gente escuta.
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Queria reforçar também a ideia de... No caso, ontem, eu tive a oportunidade de conversar com o Sr. Aldair sobre a negligência da própria instituição. Vocês pararam para pensar como é um absurdo uma jovem cheia de vida que sonhou com o emprego, batalhou por isso...? E vocês sabem muito bem que chegar a altos cargos por vocês serem mulheres é mais difícil do que eu, que estou falando por ser homem. Vocês sabem muito bem disso. E, quando ela chega lá, o próprio sonho a destrói. Como a gente faz? Como fica essa responsabilidade?
Precisamos, sim, de políticas públicas voltadas...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO MORAIS (Para expor.) - ... mas políticas públicas são feitas quando vocês falam, quando vocês expõem o que está acontecendo.
As pessoas precisam falar o que acontece lá dentro. E cabe ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário, ao Poder Executivo, Senadora, tomar medidas cabíveis, proporcionar canais de denúncia diretos. Porque as mulheres só vão denunciar, quando elas se sentirem seguras, porque elas não vão ter...
(Intervenção fora do microfone.)
Exatamente.
Então eu queria deixar registrado aqui que o primeiro passo foi dado, e é muito importante, Senadora - meus parabéns, mesmo! -, a senhora trazer este tema de saúde mental, porque o gaslighting, a violência psicológica mata, porque ela desestimula vocês, ela intimida, e a Rafaela passou por isso.
O burnout, vocês sabem também o que é, certo? Ela passou por isso, e isso infelizmente é um clássico da nossa instituição, é um clássico.
Eu fiquei muito assustado com os dados que foram apresentados e infelizmente é verdade - infelizmente é verdade. Todos aqueles dados ali - as taxas de suicídio, de feminicídio. Então, quando vocês tiverem a oportunidade de falar, não pensem duas vezes.
Ontem, depois da minha conversa no hotel com o Sr. Aldair, eu fiz uma live falando sobre violência de gênero com psicóloga. E hoje eu recebi uma ligação da Juliana, que é uma colega minha e do Sr. Aldair. Ela sofreu vários tipos de assédio dentro da instituição pública, e hoje ela tinha que ir lá para homologar o atestado dela. Ela foi chorando. Ela saiu, me ligou e falou: "Eu preciso pedir exoneração, mas eu não posso, porque a minha família precisa do dinheiro". Olhem a cobrança que é feita a vocês pela sociedade.
Então acho que fica o alerta, não é, Senadora?
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós é que agradecemos, Dr. Eduardo.
E, por fim - só para finalizarmos e eu passar aqui às perguntas para os nossos expositores e às considerações finais, que eu acho que é importante -, a Coronel da Polícia Militar do Acre, a Coronel Marta Renata, pediu para passar um vídeo com depoimentos. Eu vou passar. Vamos passar para ouvir as nossas policiais.
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Eu já comandei algumas audiências públicas aqui na Casa, e, realmente, a gente teve uma participação maciça de vários internautas que acompanharam a audiência pública.
Eu vou citar essas pessoas, os estados, as perguntas, as considerações.
Fiquem à vontade se, por ventura, com relação a essas considerações ou perguntas, os nossos expositores quiserem complementar, na fala, uma resposta para alguém.
Jéssica, de Pernambuco: "Quais são as políticas púbicas para combater o assédio moral das profissionais de segurança pública?".
Rubens, de Sergipe: "Como se pode, dentro do âmbito policial militar, criar mecanismos de auxílio psicológico para mulheres que sofrem com assédios?
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Aline, do Ceará: "Como os colegas de trabalho dessas mulheres vítimas de assédio podem ajudar a acabar com esse tipo de atitude?"
Eugênio, de São Paulo: "Como líderes e colegas de trabalho podem [auxiliar] [...] na identificação precoce de sinais de angústia mental [e ofertar] [...] o apoio adequado?"
Camilly, de São Paulo: "Como a legislação atual aborda especificamente o assédio, seja sexual, moral ou psicológico, dentro das agências de segurança pública?"
Andressa, do Distrito Federal: "[São necessárias] [...] nas corporações de segurança pública, [ações que promovam a] [...]conscientização, e auxiliem as mulheres que sofrem assédio."
Felipe, do Ceará: "O assédio é algo que herdamos de uma cultura machista e pode ser resolvido [sim] com a educação, porém o suicídio é um problema de saúde Pública."
Juliane, de Goiás: "[Dois] [...]dos pilares da baixa visibilidade da mulher, assédio e suicídio, partem da ausência de uma efetiva burocracia representativa nas Forças."
Estella, do Rio de Janeiro: "Deve-se ampliar a compreensão sobre as dinâmicas de administração de conflitos e o funcionamento das instituições de segurança para mulheres."
Elaine, de Santa Catarina: "Deve-se aumentar o número de psicólogos(as) nas diversas áreas do setor público e privado."
Hudson, do Distrito Federal: "Qual [seria o] [...] mecanismo legal [e eficaz para] [...] proteger [do assédio] as mulheres [que atuam na segurança pública?] [...]"
Lucas, do Pará: "Quais as medidas [disponíveis para profissionais da segurança pública] [...] denunciarem ao seu superior casos de importunação ou intimidação?"
Marcela, do Rio de Janeiro: "Por que não existem projetos de lei visando [à proteção] [...] das mulheres da segurança pública contra as arbitrariedades de seus superiores hierárquicos?"
Iani, do Rio Grande do Sul: "Quais os auxílios são disponibilizados para [profissionais da segurança pública vítimas de assédio] [...]?"
Gabriella, de Pernambuco: "É necessário [que mulheres da segurança pública tenham atendimento psicológico, prioritário e qualificado.]"
Christian, de Minas Gerais: "[São necessárias] [...] políticas públicas que valorizem a saúde mental das mulheres profissionais da segurança pública."
Por fim, Caroline, de São Paulo. Nós temos mais, mas vou ler só esses.
Caroline, de São Paulo: "Precisamos de auxílio psicológico para as mulheres [de forma gratuita e com pouca] burocracia [...]."
Enfim, fizemos a provocação e ela chegou ao Brasil inteiro. Isso é o mais importante.
Então, vocês não estão sozinhas, certamente, depois de uma audiência e de tantos depoimentos aqui que foram valiosos, preciosos.
Eu vou passar para as considerações finais, pedindo desculpas mais uma vez, mas eu vou ter que dar três minutos e não vou poder estender, senão vou tomar um puxão de orelha, daqui a pouco, da turma.
Professora Ana Magnólia Bezerra, que é Professora Titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília.
A SRA. ANA MAGNÓLIA BEZERRA MENDES (Para expor.) - Eu vou usar menos de três minutos.
Quero convidar as pessoas para participarem, amanhã e sexta-feira, ainda, do II Congresso Internacional das Mulheres Policiais.
Vão ter muitas conferências e palestras importantes para discutir o tema.
Isso é uma primeira questão.
Uma segunda é dizer que são três eixos, eu penso, de atuação, além das responsabilizações públicas: investir na pesquisa, na formação e na assistência, para fazer a prevenção.
E deixo, por último, uma reflexão sobre o que eu trouxe que diz respeito aos processos de colonização superior ou inferior.
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O que nos iguala como seres humanos? Todos somos seres humanos, todos nascemos, todos vamos morrer. Não sabemos como nascemos e não saberemos como vamos morrer. E todos nós sofremos. Então nós somos iguais. Essa tirania do idêntico é que faz, muitas vezes, o que nós chamamos de narcisismo das pequenas diferenças. Então todo o afastamento do que é diferente sempre, de alguma forma, vai ser perverso, nefasto para os laços sociais e para a subjetividade. Então vamos ficar atentos quando a gente fizer comparações, inferior, superior, você falava do esporte, você é melhor, você é pior. Isso é o que define uma simetria de poder colonizador que está na base dos atos de violência - porque se eu sou superior eu vou massacrar o inferior.
Obrigada, gente. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Professora.
Agora a Sra. Juliana Ribeiro, Coordenadora-Geral de Valorização Profissional do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A SRA. JULIANA RIBEIRO (Para expor.) - Está muito interessante tudo isso. A gente poderia ficar muito mais tempo conversando, se escutando e aprendendo uma com a outra.
Em relação às políticas públicas que existem, existem pouquíssimas políticas institucionais para tratar do assédio, existem pouquíssimas. É um desafio que a gente vai ter que enfrentar. A minha área de atuação também está nesse contexto de ter que passar por esse desafio. Por outro lado, nós temos algumas iniciativas que perpassam por essa questão, não suficientemente, mas já demos alguns passos.
Por exemplo, este ano, nós vamos discutir com as instituições e com outros setores, inclusive com o Ministério da Saúde, a elaboração das diretrizes nacionais para a saúde mental dos profissionais de segurança pública. Então vai ser um momento em que a gente vai dialogar com as pessoas das instituições, mas também com outras pessoas que não são de dentro da polícia, para que a gente possa trazer outros olhares, outras experiências e também refletir sobre os projetos e ações que as instituições estão fazendo em relação à saúde mental, para tentar aprimorar tudo isso. E um dos assuntos pelos quais a gente vai ter que passar é a pauta dos assédios, que faz parte de todo esse cenário de que a gente tem que tratar. Então esse é um elemento que a gente vai fazer e que, nas tarefinhas do Ministério da Justiça, a gente vai conseguir dar conta este ano.
O outro é o projeto de atendimento psicológico online, que nós vamos começar a oferecer em maio, aqui em Brasília, aqui no DF, Sergipe, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, são os estados que começam o atendimento em maio, e, no final do ano, para o começo do ano que vem, a gente coloca para o Brasil inteiro. Não é um grande número de ofertas de atendimento, a gente não conseguiu trazer um número suficiente para alcançar a demanda...
(Soa a campainha.)
A SRA. JULIANA RIBEIRO - ... mas o que a gente espera com esse projeto é ter um protocolo específico para os policiais, para que a gente possa ver o que tem de específico para que a área da psicologia possa aprimorar seu atendimento.
Então é o que a gente consegue fazer neste momento, mas, sempre a partir dessas escutas, a partir das articulações, a gente vai dando outros passos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Dra. Juliana.
Vamos passar agora a palavra para a Sra. Martha Maria dos Santos, Diretora de Direitos Humanos e Políticas Sociais da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais.
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A SRA. MARTHA MARIA DOS SANTOS (Para expor.) - Para as minhas amadas colegas, eu só queria recitar aqui uma música de Gonzaguinha, Semente do Amanhã:
"Ontem um menino que brincava me falou
Que hoje é a semente do amanhã
Para não ter medo, que esse tempo vai passar
Não se desespere [...] [não, e também não pare de lutar]."
Nós precisamos ter fé na vida, fé em Deus. Podemos muito mais do que pensamos. Agora juntas, tá? A gente precisa estar unida, mais do que nunca; porque unidas nós seremos fortes. E nós vamos vencer essa batalha. Pode durar um dia, um ano, três anos, mas eu acredito que vamos vencer essa batalha. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Martha.
Agora, eu passo a palavra para a Sra. Coronel Maria Costa, Presidente da Caixa de Benefícios da Polícia Militar aqui do Distrito Federal.
A SRA. MARIA DO SANTO COSTA SOUSA (Para expor.) - Quero agradecer pela oportunidade de trazer um pouco da nossa experiência. Estou aqui com a minha equipe, o Dr. Rogério Gurgel, psicólogo, o Sargento Bernardes, que é o nosso Diretor.
Espero ter contribuído. E eu deixo a minha palavra, mais uma vez, de união, de fortalecimento das mulheres em qualquer espaço, público ou privado, a começar com as nossas representantes, as Senadoras de nossos estados. Acho que a gente tem que trazer até elas nossas demandas, e juntar com as universidades - como foi muito bem exposto aqui, com os dados -, todas nós mulheres. Acho que começa pela união, às vezes a gente se esquece disso, e poderemos ser muito mais do que somos hoje, fortalecidas.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela fala, Coronel Maria Costa.
Vou passar a palavra agora para a Sra. Cheila Marina de Lima, Consultora Técnica do Ministério da Saúde. Está no remoto.
A SRA. CHEILA MARINA DE LIMA (Para expor. Por videoconferência.) - Eu gostaria muito de agradecer a oportunidade de estarmos aqui dialogando. Os desafios são muitos. Como diz a Professora, nós estamos falando de patriarcalismo, de violência sexual, de machismo, de misoginia, de modelo de sociedade, nós estamos falando de modelo de governo, estamos falando de modelo de Estado. E estamos falando pouco de políticas públicas e implementando poucas políticas públicas ainda nesse contexto.
Eu fico pensando que mortes como a da Rafaela são mortes anunciadas; são mortes anunciadas. Se a gente traçar todas as oportunidades perdidas que essas mulheres vêm sofrendo no ambiente de trabalho, a gente vai ver cada passo que ela deu no serviço, cada passo que ela deu na instituição, cada passo que ela deu nos serviços de saúde. E o Estado, que somos nós, aqui representadas, não conseguiu proteger tantas Rafaelas. Então, eu fico pensando... Por exemplo, de 2010 a 2022, nós tivemos 125 mulheres da segurança pública, de 20 a 59 anos, que morreram em consequência do suicídio. Isso que nós sabemos, porque a subnotificação é muito grande. De 125 mulheres, para cada suicídio tem cerca de 20 tentativas. Cada suicídio impacta na vida de seis familiares, seja impactos emocionais... O que isso vira? O que isso nos ensina?
Então, assim, eu acho que - concordo com a Professora também - nós temos que ter políticas públicas, nós temos que ter uma atenção integral adequada, que vai desde a promoção da saúde, que vai desde o cuidado na saúde mental, que vai desde o olhar integral para a pessoa. Nós temos que trabalhar também essa questão da masculinidade tóxica. Esse aspecto a gente precisa enfrentar nas corporações e na sociedade de uma maneira geral, mas especialmente nas corporações, nos... ambientes de trabalho. E a gente precisa investir na educação, trabalhar a escuta, trabalhar... Mas é uma escuta qualificada, é uma escuta... Não é ouvir, não, é escutar mesmo. E dar voz para essas mulheres nos espaços... Nós somos a maioria da população, mas nós não ocupamos os melhores espaços nas instituições. E, muitas vezes, são os homens que decidem a nossa vida, em qualquer espaço em que eles estejam.
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Então, acho que a gente precisa ter uma profunda reflexão sobre isso.
O Ministério da Saúde está aí também em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, na frente tanto da saúde mental quanto das outras questões.
Então, eu acho que isso é importante.
Vamos enfrentar o que tiver que se enfrentar e estabelecer as políticas públicas que a gente tiver de estabelecer em parceria com o Senado, com o Congresso e com a sociedade de uma maneira geral. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Dra. Cheila.
Vou passar agora para o Sr. Aldair Drumond, que é o fundador do Instituto e pai da Rafaela Drumond.
O SR. ALDAIR DIVINO DRUMOND (Para expor.) - Então, eu gostaria de convidar todos vocês para conhecerem o Instituto Rafaela Drumond, a missão do Instituto, o que vamos fazer daqui para frente com relação a todas as mulheres e estender isso. Já temos os projetos.
Então, é disso que eu gostaria.
Também gostaria de agradecer à Senadora Leila por tudo, por este Congresso.
Gostaria de agradecer à Sra. Aline Lemos, que me convidou e agradecer a todos vocês, às policiais que vieram dos vários estados do Brasil, tem até de outros países, para engrandecer a luta de vocês mulheres, entendeu?
Podem contar comigo como Presidente do Instituto para, um pouquinho que seja, ajudar na luta de vocês! Podem contar comigo!
E, se Deus quiser, nós, junto com as que falaram, vamos nos somar e conseguir vencer esta grande luta que nós temos pela frente!
É isso aí. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Bom, eu, pelo meu lado, vou aguardar finalizar o II Congresso Internacional, porque vou fazer algumas provocações que eu achei muito pertinentes da minha assessoria, algumas perguntas assim: Como o Senado Federal pode contribuir para o apoio específico à saúde mental das mulheres da segurança pública?
Fica esse questionamento. Depois vocês voltem aqui para batermos esse papo, que eu acho que é importante.
Quais medidas legislativas podem ser adotadas para se garantir o acesso dessas profissionais a serviço de saúde mental adaptado às suas necessidades? E de que maneira o Senado pode incentivar a criação de um ambiente de trabalho mais saudável e seguro para as mulheres que atuam no âmbito da segurança pública, visando prevenir os problemas de saúde mental?
Fica essa minha provocação enquanto Senadora, enquanto membro da Bancada Feminina.
Estaremos aqui de portas abertas para ouvi-las e, depois, fazermos, de repente, um balanço sobre este II Congresso.
Quero ouvi-las depois. Quero saber qual vai ser o fruto dessa reunião.
Estou feliz por termos tantas policiais aqui - não é, Professora? -, tantas representantes da nossa segurança pública do nosso país! É um orgulho muito grande poder estar aqui com vocês nesta tarde. E também me deixam um pouco preocupada os números e os dados, mas nós temos que encará-los. Na verdade, é isso. É preocupante? É. Nós não vamos poder entrar todo mundo no foguete e sair fora. Nós vamos ter que encarar nossos problemas aqui, então vamos encará-los, com a academia, com o Poder Legislativo, com o Judiciário, com a sociedade civil e com as próprias corporações, está bom?
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Quero agradecer mais uma vez e, nada mais havendo a tratar, porque eu vou ter que correr para o Plenário, eu declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 14 horas e 23 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 52 minutos.)