23/05/2024 - 24ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 24ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento 24, de 2024, de minha autoria, para discutir ações e políticas públicas voltadas para as crianças e os adolescentes indígenas em razão da atual situação de vulnerabilidade.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211. Eu vou repetir o telefone, podem ligar de qualquer lugar do Brasil, ligação gratuita: 0800 0612211. Informo que já estamos recebendo perguntas via internet - desde quando a audiência foi anunciada, isso despertou o interesse de pessoas do Brasil inteiro, que já estão acompanhando a nossa audiência.
Nós temos convidados que vão estar presencialmente e nós temos convidados que vão estar por meio de videoconferências.
Neste momento, eu queria convidar, para compor a mesa, Vanessa Barroso Quaresma. Vanessa é Técnica da Coordenação de Atributos e Promoção de Saúde Indígena, da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde. Bem-vinda, Vanessa! Obrigada por ter aceitado o convite, e já transmita ao Secretário e à Ministra o nosso abraço.
Nós temos online, como convidado, Renato Sanumá; ele é indígena ianomâmi, representante da Associação Sanumá. Nós temos Henrique Dias, indígena terena; ele é PhD em Teologia e vai fazer a participação dele via videoconferência. Nós temos Marcia Suzuki; ela é linguista e pesquisadora e está fora do Brasil - a Marcia, inclusive, está com problema de fuso horário, pois lá ainda é noite, mas a Marcia aceitou o convite, e obrigada, Marcia. Nós temos Maria Aureni Gonzaga da Silva; ela é indígena fulniô, e está também por videoconferência. Nós temos Paulo Tadeu, que é Conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), também por videoconferência.
Nós vamos começar passando a palavra para a Vanessa.
Vanessa, você tem dez minutos a princípio, mas a gente pode estender por mais cinco minutos. E nós gostaríamos muito, Vanessa, que você ficasse até o final, porque com certeza todo o debate aqui vai girar em torno da saúde da criança e do adolescente indígena. Nós agradecemos a sua presença, estamos muito felizes - e eu fiquei sabendo que ela é indígena, ela vai se apresentar, ela tem conhecimento da causa. Por dez minutos você tem a palavra, e muito obrigada por estar conosco.
A SRA. VANESSA BARROSO QUARESMA (Para expor.) - Um bom dia a todos e a todas.
Eu me chamo Vanessa Quaresma, eu sou da etnia curuaia, lá de Altamira, do Pará, do Baixo Xingu, da Região Norte. Atualmente eu estou na Sesai como referência técnica da pauta da saúde da criança indígena, e nós, para o ano de 2024 a 2027, estamos com este planejamento pontual de se fazer uma redução significativa, de 30%, da mortalidade infantil - eu abro aspas e coloco, na verdade, a nomenclatura de "infância".
R
Atualmente, o cenário da saúde infantil dentro dos territórios indígenas vem apresentando um resultado que não queríamos, que são perdas de vidas de crianças abaixo de 5 anos. Nós temos algumas pesquisas que identificam o quantitativo da mortalidade infantil, que compreende o menor de 1 ano; mas para nós, o nosso grande desafio é deixar de perder crianças nessa faixa etária de menores de 5 anos, porque nós não temos perdas acentuadas nesse período de até 1 ano, mas sim de 1 a 4 anos, menores de 5 anos.
Para nós, o maior desafio também é fazer com que haja cada vez menos mortes evitáveis, por conta de doenças prevalentes da infância. Atualmente, o departamento, Dapsi, está trabalhando com um projeto... Foi escrito um projeto estratégico de redução dessa mortalidade infantil, para que se torne cada vez menor dentro dos territórios. Para que nós possamos alcançar esses resultados, nós precisamos de uma força de trabalho qualificada dentro do componente intercultural. A grande política é fazer a integração das práticas de cuidados da medicina ocidental com as práticas originárias da medicina indígena.
Nós sabemos que existe uma potência tamanha, com a ajuda dos especialistas indígenas, e nós estamos assim realizando ações prioritárias de qualificação dos profissionais de saúde, para que eles possam ter esses espaços instituídos, dentro dos territórios indígenas, para dialogar e fortalecer práticas de cuidados originários, a fim de atender à proteção da saúde da criança; e até mesmo práticas de cura de doenças que podem ser, através do conhecimento, curadas mesmo dentro do território.
Atualmente, nós estamos focando na saúde da mulher gestante, uma vez que, para nós, para uma criança indígena estar saudável, nascer saudável, essa mãe também precisa estar saudável. Infelizmente, nós estamos com uma invisibilidade com relação às violências dentro dos territórios, ocasionadas por não indígenas. Dia 18 de maio é identificado como o dia do combate à violência sexual de crianças e adolescentes, que foi essa semana que passou.
Nós temos ainda situações muito acentuadas, dentro dos territórios, nesses territórios, de intrusão do garimpo, de intrusão de grandes projetos, nos quais meninas crianças estão sendo estupradas e estão ficando invisibilizadas, por conta da falta de notificações que possam estar trazendo esse nosso diálogo para criar políticas públicas.
R
E talvez não seja só a falta de notificação, mas também a falta de preparo da retaguarda dos profissionais de saúde dentro dos territórios, que não estão identificando ou, se estão, não têm o apoio do poder da segurança pública, porque nós sabemos que eles também, dentro desse território, ficam numa situação de indefesos.
Para 2024, nós estamos realizando ações prioritárias que, a princípio, estão sendo feitas dentro das regiões do território indígena do Norte, da Região Amazônica, porque as dificuldades geográficas são, na verdade, as barreiras para se ter essa acessibilidade de serviços de saúde.
Existe uma força-tarefa tamanha para que a saúde chegue dentro do território, mas nós sabemos que, embora tenha a força e esse compromisso seja cumprido diariamente, nós ainda temos muitas fragilidades para realizar esse trabalho; e para que esse trabalho seja contínuo e efetivo, nós precisamos qualificar essas equipes que já estão lá fazendo esse trabalho dentro do território.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada, Vanessa, pela sua colaboração, pela sua exposição, com certeza.
Já tem perguntas chegando aqui para você, a gente vai passar, mas nós gostaríamos de informar o seguinte aos nossos convidados, especialmente aos que estão online.
Hoje é um dia de muita atividade aqui na Câmara e no Senado e os Parlamentares vão passar aqui na audiência e nós vamos, à medida que os Parlamentares forem passando, já franquear a palavra a eles, porque eles querem participar e voltar para as suas atividades.
E acaba de chegar, em nosso plenário, até peço que venha ocupar a mesa, a Deputada Federal Silvia Waiãpi. A Silvia é do Amapá e tem uma história antiga na proteção das crianças indígenas. A Silvia inclusive foi Secretária Nacional de Saúde Indígena, ocupou a secretaria de que você participa hoje, Vanessa.
Nós vamos passar a palavra para a Deputada, para ela fazer as suas considerações e trazer aqui uma contribuição.
Deputada, o objetivo da audiência é, de fato, a gente discutir o recorte em criança indígena. Todas as vezes que nesta Casa ou na outra Casa se fala de indígenas, a gente vai muito para o coletivo, o direito dos povos indígenas. Dificilmente a gente vê o recorte, a criança indígena, e a gente quer fazer esse recorte, a gente quer dar nome a essas crianças. Elas têm nome, elas se chamam Amalé, elas se chamam Hakani, elas se chamam Silvia, elas se chamam Vanessa, elas têm uma identidade. A gente começar a fazer o recorte e a gente começar a falar que são seres detentores de direitos. A gente começar, a partir de então, inclusive... Por que não no orçamento da União a gente começar a individualizar ações e programas destinados à proteção da criança indígena? Por que a gente não ter uma política pública nacional destinada exclusivamente à proteção da criança indígena?
Então, o debate vai muito em torno disso.
O Sesai tem inúmeras ações, como a Vanessa já está nos trazendo aqui, mas gostaríamos de ouvi-la. A gente sabe que vocês duas têm dupla legitimidade: primeiro, a Vanessa, por ser uma agente pública; você, por ser Deputada, mas as duas são indígenas, viveram na pele as necessidades, dificuldades de uma criança indígena, especialmente das que estão ainda em área, estão em território.
R
Deputada, é um prazer recebê-la nesta audiência.
A SRA. SILVIA WAIÃPI (Para expor.) -
(Pronunciamento em língua indígena.)
Primeiro, eu falo na minha língua para que vocês saibam que eu existo, porque um povo que não preserva sua identidade e nem guarda a memória dos seus mortos não sabe de onde veio e nem sabe para onde vai. E eu sei de onde eu vim e eu sei para onde eu vou.
Então, cada um de nós aqui traz consigo uma experiência vasta, umas dolorosas, outras, não, mas todas vão culminar numa única expressão: o abandono - o abandono!
Eu ouvi a Dra. Vanessa falar sobre as dificuldades geográficas. Sim, elas existem e continuarão existindo até que todos nós tomemos consciência de que precisamos integrar para possibilitar o acesso. E aí eu levo... Se eu quiser chegar no Itapé, na minha aldeia, eu vou levar seis horas da capital, Macapá, até o Aramirã. Do Aramirã, eu vou ter que pegar um barco e levar mais oito horas, e isso se eu tiver dinheiro para comprar combustível para poder fazer o motor funcionar. Em determinado momento, eu vou ter que parar e ajudar a empurrar esse barco - aliás, quem vai fazer isso são os homens. E aí vamos ter que carregar esse barco nas costas, ao redor da cachoeira, para poder ter acesso.
Mas não são só as dificuldades geográficas que vão gerar isso. O abandono, a morte, o desespero estão na forma como a sociedade nos vê e em como nós fomos ensinados a nos ver também. E como eu me vejo? Eu não me vejo, apesar das marcas históricas, como uma pessoa que vai ter que depender única e exclusivamente do poder público.
Eu acreditei que, sim, era verdadeira brasileira, mas todos os dias a dignidade dos povos indígenas nos é negada. Sabem por quê? Nós fomos ensinados sabe como, Senadora? Em 1551, no Tratado de Valladolid, foi definido que nós tínhamos alma, que nós éramos humanos, porque qualquer prole advinda da relação de uma mulher indígena com um português, um francês, um espanhol era considerada aberração; nós tínhamos forma de humanos, mas não agíamos como humanos.
Ah, mas, durante o Tratado de Valladolid, Bartolomeu de Las Casas e Sepúlveda levaram três espécimes para testar, para forjar, para saber se nós tínhamos alma. E aí foi definido que, sim, nós, indígenas, éramos o elo perdido de Adão e Eva, porque estávamos nus, e não nos envergonhávamos, por isso nós não conhecíamos o pecado original; nós éramos a prova de que o paraíso existia. E isso precisava ser promulgado ao mundo para que todos acreditassem na santa Igreja Católica. Nós tínhamos o dever de salvar a humanidade, mas nós precisávamos ser catequizados para que não conhecêssemos o pecado original, a desobediência - desobediência! - que Adão e Eva cometeram.
R
Quinhentos anos se passaram, e nós continuamos com a responsabilidade de salvar o mundo. Ah, agora, povos indígenas continuam com a responsabilidade de salvar o mundo; mas o mundo avançou em ciência e tecnologia a tal ponto que não dá para usar ainda esse discurso e essa narrativa de que nós é que vamos salvar a humanidade porque somos a prova do paraíso. A sociedade avançou a tal ponto que ela percebeu que a espiritualidade vai além da expressão da matéria. E aí, agora, muda-se a narrativa para o controle. Como assim?
Em 1500, homens chegaram aqui dominando uma ciência, que foi a navegação; eles dominavam uma tecnologia chamada bússola; eles dominavam uma outra ciência e tecnologia, que era a pólvora e a arma de fogo, e, munidos dessa ciência e dessa tecnologia, eles nos subjugaram, eles nos dominaram, eles nos escravizaram e nos mantiveram nos moldes de como eles queriam: para salvarmos a humanidade, mas com toda a possibilidade de sermos dominados a qualquer momento quando eles quisessem.
Quinhentos anos se passaram e cá estamos nós ainda lutando para ter um barco. E não podemos hoje, enquanto sociedade, ter uma arma para nos defender. Hoje, a sociedade ainda olha para nós dizendo que nós temos que viver dessa forma idílica para salvá-los. E nós continuamos aceitando. Sabe por quê? Porque nós não avançamos em ciência e tecnologia. Uma sociedade, sem ter avançado em ciência e tecnologia, será subjugada. E foi assim que, ao longo da história, nós fomos. Nós não temos barco, nós não temos pólvora, nós não temos nada. Mas por que não temos? Porque estamos presos no ideal imaginário de uma sociedade que nos treinou a acreditar que é nosso dever salvar a humanidade.
Mas o discurso mudou. Agora, eu sou o guardião da floresta. E eu tenho que ser mantida assim, possivelmente desnuda e sem a influência da civilização. Mas por que eu estou desnuda? Porque nós não dominamos a tecnologia da tecelagem para que possamos confeccionar roupas, a partir do algodão, e cobrir os nossos corpos para termos inclusive cobertores, porque na mata é muito frio quando cai a noite; é preciso fogueira para se aquecer, porque nós não temos quatro paredes e cimento para fazer uma casa para nós como a sociedade a tem. Mas até que ponto nós também, por conta de termos aceitado que somos tão especiais, temos que salvar a humanidade mesmo pagando o preço mais caro com a perda da nossa dignidade? A sociedade tem banheiro, saneamento básico, hospital, helicóptero, que pode descer numa rodovia caso sofra um acidente automobilístico, porque eles avançaram em ciência e tecnologia. E nós? Não, nós não podemos, porque nós não podemos ter sequer uma estrada para melhorar o nosso acesso, porque nós temos que viver da forma como éramos em 1500, mas foi justamente em 1500 que nós começamos a ser dominados, subjugados.
R
E aí vamos avançar agora para atualidade? Continua na mesma pressão? Há quem zombe de nós porque nós usamos celular: "Ah, um índio com um iPhone!". Eu quero um iPhone; eu quero um helicóptero; eu quero água quente para tomar banho; eu quero água gelada como qualquer cidadão e como qualquer brasileiro, porque eu sou, assim como ela e assim como muitos de vocês, uma das verdadeiras brasileiras.
E por que eu tenho que perder a minha dignidade para salvar uma humanidade que, idilicamente, me mantém escrava num ideal imaginário? Mas são séculos de miséria e abandono, séculos de miséria e abandono a ponto de muitos de nós termos perdido a esperança e acharmos que, sim, não devemos avançar para o outro mundo, porque vamos perder tudo aquilo que nós temos, mas que eles desconsideram. Porque, para eles, essa sociedade - que nos incentiva a vivermos aprisionados em 1500 para salvar a humanidade - nos quer apenas como um objeto, ou apenas uma personalidade ou uma imagem alegórica de um bioma. Sabe por quê? Porque nós não temos voz; porque nós não temos fala; porque nós não dominamos ciência e tecnologia, e a maioria de nós, de muitos que estão abandonados no ideal imaginário de 1500, não consegue vir aqui e dizer que dói.
Os que estão ali agora neste século XXI estão lá, abandonados no ideal imaginário de 1500, sem conseguir falar com clareza a língua dominante desta nação, que é o português, porque domina quem domina. Sem ciência e sem tecnologia uma nação inteira será subjugada. E foi isso que aconteceu conosco, e nós ainda estamos embrenhados com essa responsabilidade de salvar a humanidade. E aí muitos dos nossos costumes de sobrevivência...
R
Sabe, muitas das vezes, eu me perguntei... Eu fui mãe aos 13 anos, eu fui mãe aos 15 e eu fui mãe aos 17. E eu sempre me perguntei: fisiologicamente, por que tão cedo? Por que tão cedo? Qual é a idade do vulnerável mesmo? É até 14 anos. E, aí, nós vamos falar sobre estupro, Ministra. A idade do vulnerável é até 14 anos. E eu fui mãe aos 13, aos 15 e aos 17. Eu fui menina de rua no Rio de Janeiro porque eu ousei querer energia elétrica, eu ousei ter saneamento básico. E, para alguns, eu condenei o DNA dos meus netos ao esquecimento, à perda de uma identidade. Porque, agora, com saneamento básico, com celular, com estudo, dominando a língua portuguesa: "Ah, ela não é mais índia". Porque eu não alimento o ideal imaginário da sociedade que quer me manter escravizada. Porque eu não faço exatamente aquilo que eles querem que eu faça: que eu não avance em ciência e não avance em tecnologia. E, se eu avançar, eles têm que dominar a minha forma de pensamento e a minha fala. Mas eu comecei a me perguntar: por que eu fui mãe tão cedo? Por que tantas e tantas coisas acontecem dentro da mata e ninguém vê?
E eu comecei a refletir sobre muitos dos nossos costumes. A idade do vulnerável é 14 anos. Mas por que nós casamos tão cedo? Porque no meio do mato nós já estamos condenados. Temos que enfrentar a onça, a fome, o desespero. Não temos controle de natalidade. Então, os nossos pais, quando chegam a uma certa idade, até os 30 e poucos anos, eles já estão cheios de filhos e não conseguem alimentar a todos. E, aí, não tem outro jeito: eles dão as suas filhas e os seus filhos ainda tão jovens ao casamento, porque, assim, ele vai poder caçar e vai manter uma outra pessoa... E eu vou ter menos duas bocas para alimentar. E é isso que tem acontecido ao longo dos anos.
Mas, na cidade, todos querem dar o melhor para os seus filhos. Todos querem dar estudo, ciência, tecnologia para que eles continuem o ciclo de domínio, enquanto nós continuamos esquecidos, Ministra, minha eterna Ministra e hoje Senadora Damares. Nós continuamos esquecidos, tendo que enfrentar à própria sorte, se possível; enfrentar uma onça à unha ou no arco e na flecha, mas nunca com uma arma de fogo, porque vamos começar a dominar ciência e tecnologia, e isso é muito perigoso para aqueles que querem continuar nos dominando.
E vamos mais além. Nós não podemos dizer que é só o não indígena que pratica a violência. Nós a praticamos. Ou vamos omitir que existe estupro coletivo? E isso é aprovado, inclusive na própria Constituição, no art. 231. Ou nós vamos dizer que não pode ter esquartejamento? Agora, em 2021, o Ministério Público Federal mandou arquivar um inquérito, Senadora, de um esquartejamento dos mundurucus, porque faz parte da cultura.
R
O art. 231 garante isto, que a cultura tem que estar intocável. Nós temos que estar mantidos em 1500 a interesse de quem? A interesse de quem manter um povo escravizado em 1500? Então, sim, haverá estupros, mas nós também, enquanto indígenas, o praticamos. Nós violamos as nossas crianças muito cedo, então não são só os garimpeiros. Eles também são responsáveis, claro que o são, mas sabe por quê? Porque a testosterona obriga o homem a copular, assim como o estrogênio e a progesterona nos obrigam a cuidar e a pacientar. Então, independentemente de serem brancos, pretos, amarelos, eles vão querer copular. E, aí, passamos nós, sem ciência e sem tecnologia, sem dominar a tecnologia da tecelagem, passamos nós nuas, sedentas e com fome, sem entender que estamos na idade vulnerável. E, aí, servimos de prato cheio para sermos usadas e abusadas sexualmente.
Então, nós, sim, precisamos rever que a história nós não podemos mudar, mas também não podemos culpabilizar toda uma sociedade que hoje quer que nós estejamos aqui, como estamos hoje, muitos de nós. Mas vocês acham que essa sociedade iria votar em mim, ou na Sônia, ou na Célia se nós sequer falássemos o português, para vir para essa sociedade que domina, que decide o futuro deste país? Se nós não dominássemos a língua deles, eles jamais iriam nos aceitar - jamais -, porque aqui tudo que se discute é em português. E, se eu não dominar a ciência, e a cultura deles, e a língua deles, serei eu novamente dominada. E eu não quero mais isso para mim e não quero mais isso para as minhas crianças, que eu vi serem sacrificadas.
Em 2019, Ministra, eu fui chamada. Perdoe-me por eu lhe chamar sempre de Ministra, porque aquela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos me ensinou a ver o mundo de uma outra forma. A Senadora representa o Distrito Federal. A minha Ministra, aquela que me ensinou a olhar para mim mesma, aquela que me ensinou a pegar a minha espada e ir à luta foi a Ministra. E eu vou vê-la sempre como Ministra, porque a senhora me encorajou a usar a espada. Se ela não tivesse feito isso comigo, eu jamais teria a ciência e a consciência que hoje eu tenho.
Mas eu quero estar nessa sociedade dominante, sendo eu mesma. Não foi de nós que saiu o jargão: eu posso ser tudo aquilo que vocês são, sem deixar de ser aquilo que eu sou? Então, essa mulher indígena, essa mulher do Norte, da Amazônia brasileira, afilha do Amapá, uma ex-mendiga, uma menina que foi estuprada nas ruas, uma menina que teve o seu marido sequestrado e assassinado, uma menina que já foi feita refém, uma menina que já sofreu duas tentativas de assassinato, esta mulher indígena brasileira filha do Norte foi a primeira mulher indígena a ser oficial das Forças Armadas brasileiras, uma das quatro mulheres indicadas por um Presidente para fazer a transição de governo. Eu fui Secretária Nacional de Saúde.
R
Eu sou formada em Fisioterapia. Eu sou formada em Relações Internacionais, em Relações Exteriores. Eu sou formada em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra. Eu sou formada em Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear e estou pronta para atividades de bloqueio antibioterrorismo. Eu sou formada em Transporte Aeromédico Adulto, Neonatal e Pediátrico.
Sabem por quê? Porque eu quero dominar a ciência e a tecnologia para que eu não seja mais subjugada ou para que eu condene os meus netos à subserviência, como eu tenho visto ao longo do tempo nós sermos condenados. E sabem por que muitos de nós continuamos aceitando? Porque nós perdemos a esperança, porque só nos ensinam que eu tenho que salvar a humanidade e que eu só sou boa se eu estiver isolada no meio do mato sem dominar a outra cultura, mas eles podem vir e nos dominar. Todas as nossas dores hoje, tudo aquilo por que nós hoje passamos, é porque nós aceitamos que imponham sobre nós o jugo.
Tudo aquilo que eu tenho eu quero que o meu povo tenha. Tudo aquilo que eu sou eu quero que o meu povo seja. Eu sou livre! Eu sou livre e uma verdadeira brasileira! Eu não sei se todos nós indígenas podemos ser isso se continuarmos acreditando que salvar a humanidade é continuar desnuda, isolada, pedinte no meio do mato enquanto todos avançam.
A tecnologia não chega. Sabem por quê? Porque, se chegar, se nós tivermos mais indígenas como você, como eu ou como tantos aqui, nós não iremos mais precisar de intermediários, porque domina quem domina...
Desculpe-me o avançar, Senadora, mas é preciso entender que as dificuldades geográficas, por exemplo, nos foram imputadas, porque nós temos que salvar a natureza, nós temos que salvar a humanidade do impacto climático. Então, para que dignidade, se nós já estamos ali como meros elementos alegóricos de um bioma?
Do que adianta eu ter tido tanta formação se eu não usar essa formação para salvar o meu povo? Então, em 2019, eu resolvi fazer um levantamento das pistas de pouso utilizadas pelo Ministério da Saúde: 248 pistas, Senadora, utilizadas pelo Ministério da Saúde, todas irregulares. E, óbvio, por serem irregulares, precisavam de outros tipos de aeronaves que pudessem descer ali com segurança.
R
Então, todo dinheiro que deveria chegar lá na ponta para resolver o problema do indígena, do verdadeiro brasileiro, não chega, porque é tudo gasto na atividade-meio, porque há quem lucre com a nossa miséria e com o nosso abandono.
Começamos a homologar as pistas de pouso. Em seis meses, homologamos 28, Senadora, 28 pistas. E a senhora um dia esteve presente na homologação ali do Xingu, da Leonardo Villas-Bôas. Nós entregamos uma pista regular, registrada, para que aviões pudessem operar ali conforme o comando daqueles indígenas, para que eles fossem livres.
Mas a quem interessa que haja irregularidade nessas áreas e que não tenha sequer uma força de segurança para fiscalizar? Ao narcotráfico. O narcotráfico adora terras indígenas isoladas - cocaína, maconha, tudo de ruim passa -, não só o garimpeiro. E tem tráficos de outros elementos, como, por exemplo, biopirataria.
Nossas crianças estão sendo violadas porque existe uma pressão de uma sociedade que nos quer escravas, sem dominar ciência e sem dominar tecnologia.
Eu aceito e respeito o discurso dos meus outros pares, mas os meus outros pares, muitos, já vivem em apartamentos, tomam banho de água quente, bebem água gelada e ainda podem pedir comida por iFood; não precisam estar no meio do mato caçando. Tudo aquilo que eu tenho eu quero que meu povo tenha. Eu não continuarei condenando meu povo a viver em 1500 para salvar uma sociedade que quer me manter escrava.
Obrigada, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada, gente. Muito obrigada, Deputada Silvia, muito obrigada. A sua fala é sempre muito desafiadora.
Eu conheci Silvia num programa de televisão, dando uma entrevista. Saiu da aldeia criança, porque tinha que salvar o irmãozinho, criança, que tinha deficiência. Por isso a família sai da aldeia e está aqui.
Eu queria chamar a atenção de quem está ligando a televisão agora e de quem está nas redes sociais: nós estamos numa audiência pública para discutir a vulnerabilidade das crianças indígenas no Brasil. E eu queria chamar a atenção para um fato: nós temos três mulheres indígenas na mesa e as três estão ocupando hoje lugar de poder e de decisão. A Oreni é servidora do Senado, a Vanessa é técnica da Secretaria Nacional de Saúde Indígena, a Silvia é Deputada Federal, nós recebemos agora Ivanilda, do Cimi - não sei se a Ivanilda também é indígena, acho que não -, e eu sou uma Senadora mãe de uma indígena. Então, nós temos três mães indígenas aqui, uma que é mãe de uma menina indígena e eu acho que as três, todas, vão passar aqui, têm legitimidade para discutir a vulnerabilidade das crianças indígenas.
Eu vou deixar a Deputada Silvia à vontade, se ela precisar sair - eu sei que a agenda está lotada -, e as demais também. Só a Sesai que eu gostaria muito de que ficasse até o final, porque eu sei que perguntas virão para a Sesai.
R
Deputada Silvia, obrigada. Se vier alguma pergunta para a senhora, a gente encaminha para o seu gabinete. Muito obrigada, minha amiga querida, Deputada Silvia.
Na sequência, nós vamos ouvir o Henrique Dias. Ele é indígena terena e vai fazer a sua participação via videoconferência.
Eu já vou também listar os nomes dos demais. Na sequência, Marcia Suzuki; depois a gente vai ouvir o Paulo Thadeu, Conselheiro do Conanda; nós depois, na sequência, vamos ouvir o Renato Sanumá, Maria Aureni e, depois, a Ivanilda.
Essa é a ordem.
Eu gostaria muito de que a gente prestasse atenção ao tempo: dez minutos; cinco de prorrogação, se necessário. O.k.?
Henrique Dias, da etnia terena, seja bem-vindo! Obrigada por ter aceitado o convite.
Também, enquanto ele vai entrando, vou chamando a atenção a que nós temos um indígena de cada região do país. A gente fez essa seleção dos convidados para que eles trouxessem também a realidade da criança indígena do Norte, da criança indígena do Nordeste, da criança indígena do Centro-Oeste. Então, a gente também tem aqui essa preciosidade de trazer uma abordagem das crianças indígenas de todas as regiões.
Henrique Dias, muito bem-vindo!
O SR. HENRIQUE DIAS (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia, Senadora Damares, nossa eterna Ministra, como nossa Deputada Federal Waiãpi já disse. Quero saudar a todos da mesa, os convidados presentes nesta audiência e os demais, que estão online. Para mim, é um privilégio poder participar desse momento importante e ímpar dentro da sociedade indígena, de modo geral.
Eu sou da parte mais sul do Brasil; tenho percebido as dificuldades que existem, e nós precisamos estar atentos para que, como comunidades indígenas também, tenhamos iniciativas, mas também ouçamos os nossos pares, para que essa situação entre os povos indígenas do nosso país seja, de alguma forma, atendida, seja ela por nós mesmos, como indígenas, por aqueles que estão junto a nós, pelo governo municipal, pelo governo estadual e pelo Governo Federal.
A vulnerabilidade dos povos indígenas é real, existe, e nós não podemos tapar os nossos olhos para essa realidade que acontece em nossas comunidades. Obviamente, nós não podemos colocar todo indígena dentro do mesmo pacote e entender que eles são diferentes, nós somos diferentes. Embora sendo indígenas, temos as nossas peculiaridades culturais, as nossas formas de ver, a nossa forma de viver. É importante que notemos isso para tratar essas questões importantes dentro das nossas comunidades tribais.
Alegro-me muito, porque se levanta esse debate dentro da nossa sociedade, e aí se visa especificamente, como a própria Senadora disse, esse recorte, porque é importante, dentro da nossa sociedade, olhar com bons olhos esse grupo específico dos povos tribais, que são as nossas crianças e os nossos adolescentes. Eles são tão vulneráveis e são pegos, às vezes, por não ter uma política pública que os cerque de maneira clara, de maneira convicta, para que eles, então, tenham uma noção exatamente do que eles estão fazendo.
R
E, com essa maneira de trabalhar, eu me alegro, porque se abre uma janela, ou por que não dizer porta, para entendermos essas questões transculturais, essas questões de cosmovisão, para que se tratem de maneira pontual essas questões dentro dos territórios dos povos indígenas, sobretudo para as nossas crianças e os nossos adolescentes, sobretudo para aqueles que vivem na fronteira. Essas são as crianças que sofrem muito, porque elas são cooptadas por interesses às vezes até políticos, interesses de terceiros, para que, então, elas sejam levadas por essas questões tão difíceis que vivemos nas nossas comunidades tribais, muitas delas estupradas, muitas delas sem nenhuma visibilidade. Como a nossa Deputada Silvia disse, muitas delas são invisíveis e nós precisamos dar visibilidade para esses grupos, especialmente para as nossas crianças, que são tão vulneráveis.
E aí, então, cabe ao poder público atender isso, escutar a voz do povo indígena, estar atento para essas necessidades e não estar simplesmente terceirizando essas coisas. "Ah, não, é porque é o fulano", "Ah, porque é o garimpeiro", "Ah, porque é a questão logística", "Ah, porque isso...". Eu me perco nisso, porque eu acho que simplesmente isso são desculpas para não atenderem essas questões das demandas.
Então, precisamos estar atentos para isso e nós povos indígenas estamos querendo trazer a nossa voz. E aqui, então, eu me alegro e pontuo como uma felicidade enorme quando se tem essa voz nossa diante de um público enorme no nosso país, quando se abre essa porta de discussão. Isso nos dá uma acessibilidade melhor nas nossas comunicações para que a população de modo geral entenda que o povo indígena, de modo geral, mas sobretudo esse recorte da criança e do adolescente, precisa, de maneira sana, ter um olhar mais específico sobre eles. Eles são vulneráveis até nas próprias comunidades e mesmo nas próprias famílias. Nós mesmos, enquanto indígenas, também devemos estar atentos para que o cuidado seja maior - o cuidado seja maior -, sobretudo quanto às questões da saúde indígena, hoje muito precária. Nós temos percebido isso aqui entre os casais, uma dificuldade enorme, até sub-humana... Visitei alguns deles e nós precisamos estar atentos para isso. Crianças estão ali, adolescentes estão ali, vivendo uma realidade que... Precisamos ter um olhar mais atento para isso.
Então, eu chamo a atenção aqui de todos para que a gente consiga observar isso e estar atentos para isso, para que nós consigamos, enquanto sociedade, tanto indígena quanto não, unir as nossas forças para chegarmos a esses lugares mais distantes, como à Amazônia e aos outros todos mais.
Então, me alegro, Senadora, de poder estar aqui, de poder participar hoje, e em todas as vezes que necessitarem. Nós estamos atentos a isso. Esse movimento no Brasil hoje... Nós representamos um movimento no Brasil hoje muito grande, com mais de 2,8 mil líderes indígenas no país, com mais de 120 etnias ligadas ao movimento. Nós estamos visitando cada parte. Agora mesmo, eu estou na parte norte do Brasil, onde o sinal não está bem, mas, graças a Deus, podemos ter o sinal hoje para podermos falar e estar atentos a esta demanda pública, que é importante, neste recorte, como a Senadora mesmo disse, das crianças e dos adolescentes. Alegro-me muito, Senadora, por estar presente aqui e poder compartilhar e cooperar um pouco com este movimento. Alegro-me muito e a parabenizo, mais uma vez, por esta iniciativa, Senadora, neste momento importante dentro da sociedade brasileira.
R
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada, Henrique Dias, Henrique Terena, da etnia terena, um grande líder. E esse debate vai continuar com esse recorte infância indígena. Muito obrigada. Sei do seu trabalho aí na região.
Na sequência, nós vamos ouvir Marcia Suzuki - ela está fora do país inclusive. Ela é linguista e pesquisadora. A Marcia tem uma situação muito interessante: Márcia trabalhou com povos isolados, ela morou em áreas de povos isolados. Marcia Suzuki é fundadora de uma grande instituição, da qual eu também participei por muitos anos, que é a instituição Atini - Voz Pela Vida, que trabalha com crianças indígenas em situação de vulnerabilidade.
Bem-vinda, Marcia! Obrigada por ter aceitado o nosso convite.
A SRA. MARCIA SUZUKI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia! Bom dia, Senadora Damares! Bom dia, Deputada Silvia Waiãpi, Prof. Henrique Terena, Renato Sanumá e bom dia a todos os presentes!
Eu quero agradecer a oportunidade. Eu fiquei muito impactada...
O Mimica Sanumá também está presente? Muito bom!
Eu fiquei muito impactada aqui com a fala da Silvia Waiãpi, porque ela foi muito contundente. Enquanto ela falava sobre a vulnerabilidade da criança indígena e a situação dessas crianças, veio-me à memória um fato que aconteceu comigo, numa das minhas primeiras experiências, quando eu fui, como estagiária ainda, fazer pesquisa linguística e aprender a língua de um povo indígena no Estado do Amazonas, o povo sateré-mawé.
Eu ainda era muito nova, eu tinha 20 anos, e, numa dessas viagens, visitando uma das aldeias indígenas junto com a filha do cacique - a filha do cacique era uma menina de 12 ou 13 anos que estava junto comigo nessa viagem -, a gente passou por uma situação que eu nunca imaginei. Nós estávamos numa aldeia, no Rio Urupadi, estávamos precisando de barco para ir a Maués, e alguém passou na aldeia e ofereceu uma carona até um local onde teria um barco para Maués. Então, as índias nos avisaram: "Olha, Marcia, professora, vai ter um barco para Maués". Aí eu fiquei animada e eles disseram: "Cedinho, vai passar uma canoa e leva vocês para a foz do rio, onde vai passar o barco para Maués". Então, eu saí, junto com essa outra indiazinha, pegamos a canoa, remaram com a gente por duas horas, mais ou menos, chegamos a um local que era mata, mata fechada, e aí eles deixaram a gente ali e falaram: "O barco vai passar, pega vocês e leva vocês ainda hoje para Maués".
Quando a canoa foi embora, eu me toquei: "Eu estou aqui, no meio do mato, só eu e essa indiazinha, e se esse barco não passar?". Porque o isolamento geográfico, como estava sendo falado aqui, é uma coisa muito difícil de lidar para essas pessoas. E nós ficamos ali esperando e, de repente, nós começamos a ouvir vozes atrás de nós, saindo do meio do mato, vozes de homens e de muitos homens. Parecia, assim, para a gente... O que eu sentia é como se fosse um trovão chegando, porque eram muitas vozes. E, aí, de repente, nós nos vimos cercadas de mais de 60 homens.
R
Isso era na época da demarcação da terra indígena do Rio Marau. Então, estava havendo uma expedição para fazer uma picada, para cercar a área indígena, para demarcar. De repente, eu me vi ali, eu, uns 20 anos, essa indiazinha, com 12 ou 13 anos, cercada por aqueles homens, sem ter noção do que tinha acontecido com a gente.
A indiazinha começou a chorar, porque ela entendeu, muito mais rápido do que eu, o que estava acontecendo, e os homens vieram para cima da gente, mas ninguém tocou na gente. Eles começaram a brigar entre si sobre quem ia pegar primeiro, quem ia pegar qual. E foi aquela confusão, e eu ali, abraçada com a índia, no meio do mato, chorando junto com ela e pedindo a Deus que nos ajudasse, porque a gente não sabia o que ia acontecer ali.
De repente, no meio deles - eles brigando ali entre si, só Deus mesmo para nos proteger, porque eles estavam brigando entre si para ver quem ia pegar a gente primeiro -, chegou um outro homem, que era o sargento urbano, que era o líder da expedição. E aí, ele sabia de tudo que estava acontecendo.
Quando ele chegou, veio brincando com os homens também, falando aquelas coisas horríveis - foi assim, uma coisa horrível, sabe? É difícil descrever, eu não consigo nem descrever o que eu vi, o que eu vivi naqueles momentos, o pavor daqueles homens ali. E aí, esse sargento urbano, quando me viu, falou: "Quem é você? O que você está fazendo aqui?". E eu comecei a explicar quem eu era, do Rio de Janeiro, meu nome é Marcia, eu estou aqui, trabalho com o povo Sateré. E aí ele falou: "Meu Deus, onde você foi se meter? Você não sabe o que está acontecendo aqui?". E ele foi me explicar.
Pensaram que eram duas indiazinhas; não sabiam que tinha junto uma pessoa que não era índia. E elas tinham sido vendidas para um estupro coletivo. Então, eu fui vendida para um estupro coletivo junto com uma indiazinha.
Graças a Deus, nada aconteceu, eles não nos tocaram. Eles ficaram com muita raiva, porque pensavam que iam ser duas indiazinhas. Quer dizer, se fossem duas indiazinhas, estava tudo bem? Se fossem duas índias, estava permitido? Elas seriam ali... a gente seria ali, violentada por aqueles homens, mais de 60 homens. A gente ia morrer ali. Ninguém ia nem saber, no meio de um mato isolado. Mas Deus não permitiu. Deus não permitiu. Ficamos ali três dias acampadas, esperando o barco, e Deus usou aquele sargento para nos proteger. Finalmente, conseguimos o barco para Maués.
Mas eu estou me lembrando dessa situação, porque foi uma situação muito difícil, muito traumatizante, mas que abriu meus olhos e me deu uma perspectiva que eu não tinha; uma perspectiva que eu não tinha da vulnerabilidade dessas crianças indígenas, dessas adolescentes indígenas. Foi o meu primeiro contato com a realidade do estupro coletivo, que acontece não só nas sociedades indígenas, mas em algumas, com certeza. Como falou o Prof. Henrique Terena, não são todas as sociedades iguais, mas em algumas sociedades acontece o estupro coletivo, e não só entre indígenas, mas também entre ribeirinhos. No caso ali, o que ia acontecer com a gente foi organizado pelos indígenas, mas teria sido executado pelos ribeirinhos, porque aqueles homens eram ribeirinhos.
Então, essa realidade para a qual meus olhos foram abertos, para esse realidade, continua acontecendo, gente. Infelizmente, não é coisa de 30 anos atrás. Infelizmente, ainda acontece.
Eu tenho uma foto aí, a primeira foto, será que pode ser projetada? (Pausa.)
R
A primeira foto é de uma menina, a Maitá, da tribo ianomâmi. A Maitá nasceu, mas a mãe morreu logo depois do parto. (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Marcia, está nos ouvindo?
A SRA. MARCIA SUZUKI (Por videoconferência.) - Eu estou ouvindo vocês, sim, mas a minha é só uma imagem...
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - É essa foto?
A SRA. MARCIA SUZUKI (Por videoconferência.) - Da Maitá, não é?
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Não, eu acho que essa foto é a Hakani. Tem outra foto?
A SRA. MARCIA SUZUKI (Por videoconferência.) - Ah, então tá, é que eu mandei várias fotos, mas talvez...
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - O.k...
A SRA. MARCIA SUZUKI (Por videoconferência.) - Então, deixa eu só falar aqui, e vamos ver se conseguem mostrar as fotos.
A Maitá é uma menina ianomâmi, está? Essa menina linda aí. Ela nasceu aparentemente bem, mas a mãe morreu de parto. Depois de alguns anos, perceberam que ela tinha problemas, nos primeiros anos, que ela tinha problema, que ela não se desenvolvia. Ela tinha, provavelmente, alguma deficiência mental.
O pai não tinha condições de cuidar. Essa menina ficou sem assistência médica. De casa em casa de parentes, um pouquinho com um, um pouquinho com outro, mas ninguém dava conta de cuidar.
Chegou ao ponto em que ela foi amarrada embaixo de uma casa, e foi criada ali embaixo com as galinhas, com os porcos, amarrada ali, porque já era difícil controlá-la, e ninguém sabia o que fazer com ela. Ela viveu desse jeito por anos. Ela nunca conseguiu falar, porque ela era tratada como um animal.
Passou a ser violentada, ainda pequenininha, passou a ser violentada, abusada sexualmente, até que, finalmente, quando tinha uns dez anos, conseguiram tirá-la da aldeia e levá-la para uma Casai. Ela continuou ainda por anos sendo abusada dentro da Casai.
Então, são situações assim muito tristes que acontecem e que mostram a vulnerabilidade dessas crianças.
A segunda foto que eu tenho, deixe eu mostrar a segunda foto. As fotos estão com número, está? Então, a número dois. A foto dois mostra o tempo em que eu estava...
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Marcia, como nós estamos ao vivo, só explicar que essas crianças...
(Soa a campainha.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Essas crianças estão adultas e tem autorização para mostrar essas imagens. É bom deixar claro isso, que não são mais crianças, já são adultas, algumas com 30 anos.
Então, essas fotos podem ser mostradas.
Pode continuar, Marcia.
A SRA. MARCIA SUZUKI (Por videoconferência.) - Isso, é isso mesmo.
Essas crianças tiveram uma esperança, e ajuda de fora, e sobreviveram.
A segunda foto que eu vou mostrar é do tempo em que eu trabalhava com o povo Suruwahá, e ainda não tinha noção do que estava acontecendo com as crianças lá, mas você vai ver aqui nessa foto, no lado direito, uma índia com uma menininha. Essa menininha aqui foi... A mãe morreu, se suicidou, e ela ficou abandonada.
Na terceira foto, você vai ver a situação. Aqui é uma foto minha com eles. Na terceira foto, você vai ver como ela ficou, depois do abandono, depois de a mãe e o pai terem se suicidado. Ela ficou numa situação muito difícil. Esse foi o irmão dela. O irmão dela tinha uma deficiência e ele foi enterrado vivo. Ele foi enterrado vivo aos cinco anos de idade.
A próxima foto mostra a situação daquela menininha que estava no colo da mãe, aqui com cinco anos de idade, sem acesso nenhum a nenhuma consulta, a nenhuma intervenção para ajudar na situação da saúde dela. Com cinco anos, ela pesava sete quilos, media 59cm. Não falava e não andava. O pai e a mãe já tinham se suicidado. O irmão já tinha sido enterrado vivo.
R
Na próxima foto, você vai ver, então, na foto nº 4... (Pausa.)
Essa é a última foto. Essa é a mesma menina, é a Hakani, a minha filha. Então, eu consegui adotar a Hakani. Ela estava com 5, 6 anos, ainda naquela situação: sem andar, sem falar; mas, com o cuidado médico, com intervenção médica, ela aprendeu a falar, aprendeu a andar, aprendeu a ler, aprendeu a escrever. Saímos do Brasil quando ela já tinha 15 anos. Essa aí é uma foto dela, ela se formando no ensino médio, no Havaí. Então, uma menininha que tinha sido jogada, que tinha sido desprezada, que viveu uma situação de tanta dificuldade, de perda de pai e de mãe, teve uma chance, que foi a chance de conhecer o mundo de fora, de ter um tratamento médico e de sobreviver.
Então, o que eu queria deixar aqui com vocês é o meu apelo, pela experiência que eu passei de eu mesma ter sido vendida para um estupro coletivo. E a gente sabe que isso ainda acontece hoje, porque a gente ainda recebe notícias hoje de que esse tipo de coisa ainda acontece. E há tantos casos ainda de crianças em situação de risco, de crianças que, por falta de alguém que cuide, por falta de uma assistência médica, às vezes, por falta de um remédio simples, muitas vezes são abandonadas na mata, muitas vezes são mortas ou vão para a rua, como foi o caso, o caso da Silvia Waiãpi, que, para salvar o irmão, acabou tendo que sair da aldeia e aí foi parar na rua e virou menina de rua... Então, são situações muito tristes em que o nosso país, o nosso Governo tem condições de ajudar, tem condições de interferir; tem condições de, com sensibilidade cultural, respeitando as diferenças culturais, ajudar essas crianças.
Eu fico muito feliz com essa iniciativa da Senadora de começar a olhar para essas crianças. Como país, nós olhamos para a sociedade. Vamos agora olhar para o indivíduo também. Uma sociedade só é saudável quando olha para o todo, mas também olha para o indivíduo. Se a sociedade olhar só para um, ela perde. Tem que olhar, tem que ter a visão dos dois.
Eu tenho viajado muito pelo mundo, tenho estado trabalhando com muitos povos indígenas, com o meu trabalho como linguista, pesquisadora, e eu tenho visto que muitos países, países muitas vezes menores que o Brasil, com menos condições, têm tido o cuidado de olhar a criança indígena, a criança aborígene com olhos de ser humano, conseguindo ver que a criança indígena é uma criança como qualquer outra criança e merece proteção. Ela não só merece; ela é digna, ela tem o direito à proteção.
Então, eu espero que, com essa iniciativa, surja esperança para muitas e muitas crianças indígenas que ainda hoje estão vivendo em situação de vulnerabilidade.
Eu agradeço muito, muito essa oportunidade e eu estou aqui muito curiosa para ouvir o depoimento do Renato Sanumá, porque eu sei que ele é uma pessoa que, sendo indígena, tem feito um trabalho maravilhoso para ajudar crianças em situação de vulnerabilidade na comunidade onde ele vive.
Então, vamos trabalhar juntos, indígenas e não indígenas, para ajudar essas crianças.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada, Marcia Suzuki. Dê um abraço na Hakani. Estamos morrendo de saudade de vocês. Voltem logo para o Brasil.
Na sequência, nós vamos ouvir agora Paulo Thadeu, Conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Ele também vai fazer a participação por videoconferência.
R
Obrigada, Paulo, por ter aceitado o convite. Transmita um abraço a todos os membros do Conanda. São dez minutos, podendo estender por mais cinco minutos.
O SR. PAULO THADEU (Por videoconferência.) - Vocês estão me ouvindo?
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Sim, estamos ouvindo bem, Paulo.
O SR. PAULO THADEU (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos e a todas! Saudações!
Peço licença aos meus ancestrais para poder ocupar esse espaço.
Como foi dito aí, eu faço parte do Conanda. Sou jornalista. Faço parte do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Estou representando a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) no Conanda. Faço parte da Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores e integro recentemente o Conselho Deliberativo da ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Sou indígena, no contexto urbano, macuxi. E falo daqui do meu território, o Estado de Roraima.
Quero agradecer à Senadora Damares e agradecer ao Presidente, Senador Paim, o convite.
E começo a minha fala falando a respeito da vulnerabilidade. Não tem como nós discutirmos a questão da vulnerabilidade indígena de crianças sem a gente citar a terra: a terra em primeiro lugar, a terra enquanto ocupação, a terra enquanto espaço ancestral dos povos originários. E a luta pela terra também é uma questão de vulnerabilidade. Combater a vulnerabilidade é demarcar as terras indígenas. Discutir questões relacionadas às questões climáticas e aos direitos humanos também tem a ver com vulnerabilidade. Negar as questões climáticas e a destruição da natureza, não afetando com a mão do homem, também é vulnerabilidade, passa pela questão da criança. E as ações de políticas públicas voltadas a crianças e adolescentes, em razão da situação de vulnerabilidade, estão contextualizadas dentro desse processo.
Quero falar também em termos de resolução. O Conanda tem a Resolução 181, que ainda é um dos poucos documentos que nós temos referente a essa situação. A Resolução 181 fala sobre os povos originários, sobre as comunidades tradicionais e sobre essa forma de fortalecer o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Quero falar também que essa parte dos povos originários remete à nossa ancestralidade anterior à colonização. Por isso, usamos o termo povos originários.
Quero citar também a tentativa de nos calar, a tentativa de nos intimidar, a tentativa, durante séculos, no sentido desse processo de colonização. E os povos indígenas conseguem dar esse salto, nos últimos tempos, e gritar, bradar e lutar pelas terras.
Quero também, a respeito de quando nós falamos de ocupação de espaço, agradecer a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Foi através do Ministério dos Povos Indígenas, no ano passado, que foi aumentada a cadeira do Conanda e fez com que a gente também, enquanto indígena, a ocupasse, representando a sociedade civil - o parente Bruno Kanela representa o Ministério dos Povos Indígenas, e a gente representa a sociedade civil pela Fenaj.
R
Quero agradecer também e destacar a importância do incentivo, porque nós - do Conanda, conselhos municipais, conselhos de direitos estaduais - incentivamos a participação de indígenas no processo do conselho tutelar. Precisamos ocupar espaço e, nessas últimas eleições do conselho tutelar, muitos parentes indígenas foram eleitos para o conselho tutelar.
Tivemos também o incentivo para a participação dos povos originários dentro dos CMDCAs dos conselhos estaduais. Eu destaco aqui o Estado de Roraima, que, em 33 anos do ECA, pela primeira vez, tem uma Vice-Presidente representando uma associação indígena, que é a Texoli do povo ninam, que é a Vice-Presidente do Cedca, que é indígena.
Gostaria de destacar também a criação dos GTs. São muito importantes os GTs, que, no decorrer do tempo, não estavam sendo efetivados. Através do Conanda, com o Ministério dos Povos Indígenas, criamos GTs de estudo para poder fazer.
Não dá para discutir a questão da vulnerabilidade sem citar a questão da migração, muito forte aqui no Norte, com a questão dos parentes warao, que migram para cá e que precisam de mais atenção por parte das autoridades, por parte de todos, de todo o sistema de garantias de direito. É importante ter esse olhar para os indígenas crianças warao.
Quero falar também que a gente precisa desconstruir que tudo é cultura, é cultural, é cultura do povo indígena... Não é cultura! Toda e qualquer forma de violência tem que ser combatida! Toda e qualquer forma de discriminação, preconceito, abuso e violência sexual, nas comunidades indígenas, tem que ser combatida! Por isso, estamos fazendo uma discussão, junto com os tuxauas, junto às comunidades indígenas, para mostrar que, realmente, existe o ECA e que a gente precisa discutir mais alguns documentos referentes à questão dos povos originários, mesmo os que não tiveram a participação dos povos indígenas. Que a gente possa continuar e lutar dentro dessa construção de uma participação dos povos originários.
Quero falar também da questão da entrada do álcool dentro das comunidades indígenas, o que afeta e ataca a questão da vulnerabilidade indígena.
Quero falar também do garimpo e da destruição da natureza com os garimpos. Não ao garimpo! Parem com a destruição da natureza, com a poluição dos rios, com a poluição das nossas florestas. Isso está contaminando, está matando os povos indígenas. Quase que 80%, 90% já têm mercúrio dentro do corpo, em decorrência da garimpagem e da destruição da natureza.
Queremos também destacar aqui os indígenas urbanos. Que a gente possa ter um olhar também para os indígenas urbanos. Muitas crianças, hoje, indígenas urbanos, dentro das cidades, precisam de maior atenção por parte das autoridades.
Queremos destacar também aqui a necessidade de mais documentos na língua materna indígena, com a tradução do ECA, a tradução de leis em diversas línguas. Já tem algumas, mas é preciso ampliar mais. Como é que vai chegar no território ianomâmi ou na terra indígena, com o ECA, com um documento que não está traduzido? Precisa ter essa atenção.
Precisamos também destacar a respeito do incentivo da realização, agora, da Conferência do Conanda, em que foi destacada lá uma das propostas para que se possa ter a língua materna, na matriz curricular, dentro das escolas, dos estados, para a gente poder aprender.
R
Quero destacar também a revisão esse ano do Plano Decenal Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e a importância de todos no Brasil, todos, acompanharem a questão da revisão desse plano decenal e já colocar questões relacionadas aos nossos povos originários.
Quero destacar também a ação coletiva. Não vamos fazer nada sem ter a coletividade - o Governo, os três Poderes e a sociedade civil organizada -, para poder resolver essa questão dos problemas da vulnerabilidade. E passa também pelo novo Sipia com um olhar mais indígena, que o Ministério dos Direitos Humanos, junto com o Conanda, está implementando e agora vai colocar o Sipia com essa pegada indígena também dentro dessa proposta.
Quero destacar também aqui a parceria com todos. Temos aí a UnB, a Universidade de Brasília, através do Pnud, através da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a OPA Infância, o Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO THADEU (Por videoconferência.) - ... quase não saía, desculpa, da UnB, que tem dado todo um apoio para a questão de pesquisa e incentivo.
Quero agradecer a Deputada Erika Kokay também, que tem feito toda essa atenção, esse olhar no sentido de fazer com que a coisa possa acontecer em termos de pesquisa.
Quero falar também do curso. Teve agora o curso sobre fluxo, sobre atendimento à questão ianomâmi e ye'kuana. Vai ter o segundo curso agora, com o apoio do Conanda, com o apoio do ministério, da UnB, para poder discutir também essa questão toda da violência que envolve crianças e jovens indígenas.
Quero destacar também essa questão toda relacionada, voltada à questão toda da terra.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO THADEU (Por videoconferência.) - É muito importante, senhores e senhoras, pensar na questão da terra, de ocupação de território, o olhar para as terras, demarcação das terras, porque passa tudo pela questão toda da vulnerabilidade, porque, com as terras demarcadas, os parentes indígenas vão estar lá cuidando do seu território, defendendo a sua terra, lutando pelo seu espaço, que de fato e de direito é garantido por lei.
Então, a gente gostaria de agradecer esse espaço e nos colocamos à disposição enquanto Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. E acreditamos que realmente a unidade de todos com a sociedade civil organizada é fundamental para combater qualquer tipo de violência contra crianças, adolescentes, jovens, indígenas em todo o território nacional.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO THADEU (Por videoconferência.) - Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Paulo, muito obrigada pela sua contribuição. Você trouxe tantas sugestões que a gente vai ter que depois continuar essa conversa com você depois desta audiência.
Paulo, só me responde uma coisa: quantos indígenas tem no Conanda? São duas cadeiras, uma da sociedade civil e uma do Governo? Agora tem a paridade com o novo ministério, só são duas cadeiras?
O SR. PAULO THADEU (Por videoconferência.) - Nós estamos, Senadora, com a participação do parente Bruno Kanela como conselheiro representando o Ministério dos Povos Indígenas.
R
Eu estou lá, representando a Fenaj, que é a Federação Nacional dos Jornalistas, e me autodeclaro indígena. Então, por isso, hoje nós temos dois conselheiros indígenas.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Muito pouco. Concorda comigo? Nós vamos ter que rever, inclusive, todos os conselhos, Paulo. Eu acho que a cadeira para os povos indígenas em todos os conselhos... Isso dá para a gente pensar em nível de legislação.
Muito obrigada, Paulo, pela participação. Você também trouxe a questão do Plano Nacional de Educação. Acho que, assim que o plano chegar ao Congresso Nacional, um grupo de trabalho só com relação à educação indígena tem que ser formado imediatamente. E eu quero conversar com você depois desta audiência, para a gente continuar o diálogo. Muito obrigada pela sua participação.
Nós vamos continuar agora, ainda, com a participação, por videoconferência, de Renato Sanumá. Eu quero informar que Renato Sanumá não fala português. Então a gente vai ter que ouvi-lo falar na sua língua, e, imediatamente, vai ter um tradutor, que é o Mimica - Mimica está ao lado dele.
Mas antes de Renato começar, eu quero registrar a presença da nossa querida Senadora Margareth Buzetti. Ela é do Mato Grosso, é uma Senadora extremamente atuante aqui e é uma mulher que tem aprovado muitos projetos de lei, especialmente voltados à proteção da mulher e da criança.
Senadora, eu fiquei aqui pensando, enquanto o Paulo falava, em quantas leis nós estamos aprovando aqui e na aplicabilidade dessas leis lá na comunidade indígena? A senhora aprovou aqui no Senado, recentemente, o cadastro nacional do pedófilo, o cadastro nacional do estuprador. Como é que a gente vai aplicar isso em áreas indígenas? Nós temos um Congresso para fazer leis só para uma comunidade, e, para outra, não? Será que a gente está pensando com a sensibilidade de que nós somos uma nação plural? Todas as leis que esta Casa estava produzindo, de fato, terão também aplicabilidade nas comunidades de povos tradicionais? Beneficiarão as comunidades e povos tradicionais?
Eu acho que hoje nós estamos sendo sacudidos aqui. Nós estamos com o recorte criança, tá? Inclusive, esta audiência está acontecendo neste mês, Senadora, porque a LDO vai chegar; depois, a lei orçamentária. Será que não está na hora de a gente fazer, Ivanilda, recortes no orçamento da União para a criança indígena? A gente está falando muito do coletivo. Será que não está na hora de a gente ter recortes para a criança indígena?
E, aí, Paulo e demais que já falaram, eu me preocupo muito, porque entra governo, sai governo e os programas governamentais mudam. Será que não está na hora de a gente ter uma lei, de a gente instituir por lei um programa nacional de proteção da criança indígena, porque entra governo, sai governo, a lei está lá, tem que ser obrigado a executar.
Então, este aqui é um debate muito pensando daqui para frente. O que fazer? Nós estamos ouvindo aqui relatos extremamente chocantes inclusive, dados chocantes que já foram trazidos para a audiência, mas é daqui para frente.
Senadora, a senhora sabe que o Parlamentar, quando entra numa audiência pública, imediatamente tem o direito à palavra, e a gente gostaria de franquear a palavra, se a senhora tiver interesse em falar. Sei que a sua agenda está uma loucura. E obrigada por ter vindo, por estar conosco nesta audiência pública.
A SRA. MARGARETH BUZETTI (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MT. Para discursar.) - Obrigada, Presidente Damares. Quando vi o tema da audiência pública, me chamou a atenção, porque realmente as leis que nós aprovamos têm que ser para todos, mas não são para todos. Esse é o nosso grande problema.
R
Visitando uma comunidade indígena no Mato Grosso, eu ouvi de uma indígena que a Lei Maria da Penha não chega lá, e tinha uma indígena, de 14 anos, mais ou menos, com um filho pequenininho no colo e outro já grande. Quer dizer, os abusos das crianças acontecem dentro das aldeias.
Nós estamos no mês da pedofilia. Então, o.k., não vamos falar das mulheres, vamos falar das crianças, que é uma preocupação muito grande tanto minha quanto sua, a gente se preocupa com isso, por isso o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. Mas como vamos fazer chegar isso à comunidade indígena, que é outra cultura? Como eu ouvi acho que o Paulo falar, isso não é cultura, isso não pode ser uma cultura, um abuso não pode ser uma cultura. Abuso é abuso em qualquer situação e em qualquer lugar.
Então, conte comigo para ajudar no que for preciso, no que nós pudermos fazer, porque, como legisladoras, essa é a nossa responsabilidade.
Muito obrigada, Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada, Senadora.
E eu quero destacar que a minha Senadora está de laranja no Maio Laranja. As Senadoras, neste mês, de um jeito ou de outro, todas, acabaram vestindo laranja.
Obrigada, Senadora.
Eu sei da preocupação com as crianças indígenas do seu estado, a senhora está sempre conversando comigo sobre as crianças indígenas do seu estado e de todo o país.
Obrigada pela participação.
A gente sabe que a sua agenda está corrida. A senhora está liberada para sair na hora que precisar.
Na sequência, nós vamos ouvir o Renato Sanumá. Ele é indígena ianomâmi, representante da Associação Sanumá.
Seja bem-vindo, Renato!
A fala dele vai ser traduzida pelo nosso querido Minica.
O SR. MINICA SANUMÁ (Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Muito obrigado pela fala de cada um de vocês. É muito importante.
O Renato está distante de mim. Ele está na aldeia neste momento; eu estou aqui na cidade. Fiquei meio triste, porque eu queria estar perto dele para passar-lhe todas as falas para que ele pudesse ter entendimento de tudo que está acontecendo.
O SR. RENATO SANUMÁ (Para expor. Por videoconferência. Tradução consecutiva.) - Eu estou muito grato a cada um de vocês. Estou muito feliz em poder falar com cada uma dessas autoridades que se encontram presentes. Este, para mim, é um sonho: poder sentar com vocês e falar as verdades que eu preciso falar sobre a nossa realidade.
R
Então, eu gostaria de falar para vocês sobre as situações que acontecem não somente aqui, mas também em todas as outras regiões, sobre o problema que vivem as nossas crianças hoje, crianças que são abandonadas, crianças que são rejeitadas: são pessoas adultas que têm o desejo muito forte de ter relações com crianças. Então, isso que vocês estão falando aqui, que vocês estão jogando às claras, eu quero trazer também para vocês a nossa realidade.
Eu quero agradecer a todos os senhores por estar trazendo esse tema aqui à luz. É algo muito difícil para a gente ter que cuidar de crianças que têm problemas neurológicos que a gente não consegue resolver. É muito difícil nós tratarmos aqui diante daquelas pessoas que querem mesmo estuprar as crianças pequenas. Então, vocês estão trazendo isso às claras. O que a gente pode fazer? Eu quero saber o que a gente pode fazer neste momento.
É bem interessante o que eu vivo neste tempo. Eu não tenho como ajudar as crianças que estão vulneráveis. Eu, simplesmente, as abraço sem poder protegê-las diretamente. Eu gostaria que tudo isso aqui não ficasse somente nas palavras. A gente precisa, de fato, de uma coisa séria que possa resolver a situação das crianças. Nós precisamos de ajuda e nós queremos saber como nós podemos ser ajudados.
Eu quero que vocês entendam que nós moramos debaixo das árvores, no meio da selva. Nós não temos como proteger crianças se não temos apoio. Observem a vida de vocês: vocês têm carro, vocês têm estrada para ir e voltar, aviões, vocês têm facilidade de pegar comida, comprar e sustentar os seus filhos. Mas a gente, aqui... Nós não temos essa oportunidade que vocês têm. Precisam lembrar que nós estamos debaixo da selva, no meio de um lugar totalmente isolado e que precisamos da ajuda de vocês para que nós possamos cuidar das nossas crianças.
R
Então, eu quero dizer para vocês que a nossa cultura não protege o estuprador, o violentador de crianças, aqueles que querem abusar das crianças. Isso não é a nossa cultura. Nós não aceitamos isso. O lado da nossa cultura é pegar aquele que faz, que pratica taawaki, e corrigi-lo violentamente. Isso é a nossa cultura, a proteção. Nós gostaríamos de matar, na verdade, aquele que faz algo como isso.
Eu quero deixar bem claro para todos vocês aqui que existe um grande número de crianças sendo estupradas, violentadas, em toda a região ianomâmi. Não é só aqui. E vocês estão falando sobre lei de proteção. Como nós podemos nos encaixar dentro dessa lei?
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO SANUMÁ (Por videoconferência. Tradução consecutiva.) - Como nós podemos fazer parte disso e diminuir esse ciclo de violência?
Eu peço a vocês que vocês entendam que, aquilo que vocês têm, nós aqui não temos. E nós precisamos da ajuda de vocês para que a gente possa proteger as nossas crianças diretamente.
Repito, mais uma vez: vocês têm condições, têm carro, têm isso, têm aquilo, mas a gente não tem. Precisamos da ajuda de vocês para mudar esse quadro entre o povo ianomâmi ou sanumá.
R
Então, vocês nos cutucaram. Estão cutucando a gente. Então, a gente tem que falar a verdade aqui.
Nós somos seres humanos, pessoas que pensam como vocês pensam. Nós comemos, bebemos, tomamos leite, comemos tudo que vocês comem. Nós temos também a nossa cultura. Nós somos seres humanos. Se vocês disserem que na nossa cultura é normal estuprar as crianças, fazer várias coisas erradas... "Não, isso é a cultura deles. Que continue desse jeito!". Se vocês pensarem assim, eu quero dizer para vocês que nós estamos perdidos, porque a situação não vai melhorar. Vai só piorar de agora em diante.
Nos cutucaram, então, nos escutem e façam alguma coisa para nos ajudar.
Assim como eu acabei de ver a Marcia Suzuki mostrar a imagem das crianças que foram resgatadas, abandonadas, eu também tenho esse mesmo propósito, Márcia, de ver isso e ver a criança crescer, ser educada e se tornar alguém lá na frente. Mas a gente não tem essas mesmas condições de fazer isso. Eu lembro de um pai que colocou a criança no seu joelho, torceu o pescoço dessa criança, matou a criança e eu fiquei tão triste com isso que eu pensei: "Eu preciso fazer alguma coisa para mudar esse quadro". Eu tentei, salvei crianças, fiz várias coisas, mas eu não tenho mais como prosseguir, porque eu não sou ajudado em cima disso.
R
Então, quero aproveitar aqui também para falar para vocês que, com a chegada, a invasão... Os invasores garimpeiros chegam e, aí, entram na nossa terra, destroem a terra, acontece muita malária, muita doença, muitas crianças morrendo, desnutrição, todas essas coisas aconteceram. E a gente está vivendo um momento muito sério em que a gente precisa do apoio da saúde. E vocês também aí podem nos ajudar.
Então, é isso que eu estou transmitindo para vocês: há uma necessidade geral para as nossas vidas aqui na aldeia.
O SR. MIMICA (Para expor. Por videoconferência.) - Eu estou falando para ele aqui também que o Mário, que é primo do Renato - eles são líderes da aldeia -, estava querendo falar uma coisa. Então, como estão faltando cinco minutinhos, só para ele poder falar alguma coisa também.
Vou perguntar se o Renato concluiu.
O SR. RENATO SANUMÁ (Por videoconferência. Tradução consecutiva.) - Então, é isso que eu gostaria de falar com todos vocês.
Eu quero... A minha atenção total é sobre os vulneráveis, sobre as crianças vulneráveis que existem aqui e, se vocês ouvirem todas as minhas palavras, eu ficarei satisfeito.
O SR. MÁRIO SANUMÁ (Para expor. Por videoconferência. Tradução consecutiva.) - Eu estou achando... Eu sou o Mário, também sou líder aqui na comunidade, juntamente com o Renato. Nós observamos bem as crianças. Eu estou pensando aqui: tem crianças que têm problemas muito sérios. Se vocês não nos ajudarem, essas crianças não se tornarão adultas, morrerão do jeito que estão.
As crianças que nós ajudamos hoje se tornam os adultos de amanhã; então, por isso, nós temos que ter um olhar para as crianças hoje. Então, pedimos que vocês possam pensar: eles darão continuidade. Então, ajudem as crianças, hoje, para que elas sejam adultas no futuro. É preciso resolver as situações que são mais difíceis para eles também.
Então, estou pedindo para você, Mimica, falar as palavras que eu estou falando aqui, para que eles possam ouvir isso que eu estou dizendo. Gostaríamos de fortalecer o nosso projeto para que a gente pudesse ajudar mais crianças, tocar para frente e fazer o nosso projeto crescer, porque nós estamos parados.
Muito tempo atrás, no início, havia um grande líder. Esse líder foi uma criança desnutrida e enterrada, que foi salva e se tornou um grande líder. E hoje, a gente tem a pedra no caminho, com a escrita lá. Ele foi uma criança abandonada que foi resgatada.
R
Eu era essa criança. Depois, eu cresci e parti, fui embora.
Então, eu estou falando essas palavras ao Mimica, para que ele possa traduzi para pessoas entenderem o que eu estou falando.
Muito obrigado, são essas minhas palavras.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Para interpelar.) - Mimica, quero agradecer ao Mário e ao Renato a participação. Mas eu gostaria, Mimica, que você explicasse... Você está online ainda?
O SR. MIMICA (Por videoconferência.) - Estou.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Porque a gente viu o Mário e o Mimica, e eles estão na aldeia. Em que lugar exatamente eles estão, Mimica?
O SR. MIMICA (Por videoconferência.) - Eles estão na comunidade... Bom dia, doutora. Eles estão na comunidade Olomai, diretamente da aldeia, falando com a gente aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Mimica, nessa aldeia, o sinal de internet pega tão bem assim?
O SR. MIMICA (Por videoconferência.) - Tem uma Starlink lá que está funcionando bem. Não tinha não, mas agora tem. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Mimica, explique para as pessoas que estão nos acompanhando... porque nós temos ianomâmis aqui no plenário. Chegaram aqui líderes ianomâmis. Sejam bem-vindos a esta audiência pública. Explique para nós, Mimica, em rápidas palavras: sanumá também é ianomâmi? Explique quem são Mário e Renato. A associação deles trabalha com crianças com deficiência lá na aldeia? Quantas crianças com deficiência eles têm hoje?
O SR. MIMICA (Por videoconferência.) - Então, bom dia para os ianomâmis que chegaram aí, todos que estão presentes, mais uma vez.
O povo ianomâmi é um grupo muito grande. Eles têm entre oito a nove dialetos diferentes espalhados pela Terra Yanomami. E um dos grupos ianomâmis é o grupo sanumá, como tem o xiriana, xirixana e o ianomâmi (Falha no áudio.) ... central. Então, tem um grupo que são os sanumás.
Os sanumás são da associação... Nós temos a Ypassali Associação Sanuma. E o Renato tem um projeto chamado projeto Ulu, mas o projeto está estacionado porque eles não conseguiram tocar o projeto para frente. E eu não sei quantas crianças o Renato tem anotadas, mas ele deve ter, na cabeça dele ali, quantas crianças ele tem visto que têm necessidade de serem protegidas.
(Pronunciamento em língua indígena.)
O SR. RENATO SANUMÁ (Por videoconferência.) - Setenta e cinco.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Uau!
O SR. MIMICA (Por videoconferência.) - Setenta e cinco crianças que estão em estado de vulnerabilidade.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada.
Renato, Mário, nós estamos aqui à disposição de vocês. Nós vamos continuar conversando com vocês. Continuem o trabalho de vocês aí. Nós admiramos tudo que vocês estão fazendo.
R
A primeira vez que eu vi um vídeo do Renato deve ter em torno de 15 anos, quando o Renato encontrou na floresta uma criança em quem ele colocou o nome de Fiktu. E eu me lembro bem da história, porque Fiktu estava envolto em sangue. Tinha acabado de nascer, estava jogado na floresta, e o Renato salvou o Fiktu. Eu vi esse vídeo, e desde então eu acompanho o trabalho do Renato.
Parabéns, Renato; parabéns, Mário. Nós vamos continuar conversando com vocês.
Mimica, muito obrigada por ter ajudado traduzindo, muito obrigada por ter feito esse papel com tanto carinho. Eu sei que a gente vai ter que continuar essa conversa. Nenhuma criança pode ficar para trás no Brasil.
Muito obrigada, Renato; muito obrigada.
Na sequência, nós temos mais três expositores. Um deles é o Bruno Kanela, que representa o Ministério dos Povos Indígenas. Como o Bruno se conectou faz pouco tempo, o Bruno vai ser o último a falar, porque tudo que está sendo debatido aqui vai acabar lá no Ministério dos Povos Indígenas. Vai ser lá que a gente vai executar toda a política de proteção da criança. Bruno, nós estamos muito felizes que você está conosco. Daqui a pouco a gente já vai te ouvir.
Mas antes nós vamos ouvir Maria Aureni Gonzaga da Silva. Ela é índia fulniô, servidora aqui do Senado e por mais de 15 anos trabalhou na Funai; foi, inclusive, coordenadora nacional de políticas para crianças na Funai.
Nós gostaríamos muito de te ouvir, mas eu registro também a presença de Lili Terena; nós também temos uma indígena terena aqui conosco.
Aureni, dez minutos, e cinco minutos, se precisar continuar.
A SRA. MARIA AURENI GONZAGA DA SILVA (Para expor.) - Eu saúdo a todos, aos parentes presentes, à Lili. Sejam bem-vindos.
Nós somos a voz da invisibilidade. Eu costumo dizer isso em toda palestra que eu dou, porque eu não falo das vulnerabilidades a que eu assisto, eu falo das que eu vivi, como indígena, nordestina e mulher. São três vulnerabilidades. Filha de alcoólatras, cresci com meus pais vendendo artesanato em praias e em ruas. Então, tudo isso de que se falou, eu vivi: a questão dos abusos, a questão do alcoolismo, a questão do abandono. Então, Senadora, quero agradecer mais uma vez a oportunidade de dar voz, porque é a voz da mulher indígena, que está na aldeia, porque a gente conhece bem a situação.
Eu venho falar de uma coisa que vai tocar muita gente. E peço desculpas, mas, quando a gente tem que falar, a gente tem que falar a verdade. É para isso que a gente... É a voz das mulheres que estão lá.
Muito pequena, eu comecei a ver a vulnerabilidade muito mais para o lado das mulheres, das meninas, porque eu percebia que a gente era mais deixada de lado em todas as situações, até mesmo nas situações domésticas. Porque a violência, Senadora, começa dentro de casa; ela não vem de fora para dentro. Antes de o garimpeiro chegar, antes de o externo chegar, ela já começou; ela começa quando você não prioriza a sua filha, a sua menina.
Como eu estudei - hoje eu sou pedagoga, sou servidora pública e estou já nesse caminho da união indígena há um tempo; fui uma das fundadoras do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas, que foi quando a gente começou a pensar o papel da mulher indígena, a importância do papel da mulher indígena -, eu descobri que nós somos o alicerce da comunidade, porque é a nossa saia que o filho puxa quando está com fome, porque é a nossa saia que a filha puxa quando sofre as violências caladas, as violências invisíveis, que muitas vezes a gente vê e finge que não vê. A gente, quando eu digo isso, é a gente "nós", nosso povo. Muitas vezes acontecem as violências na comunidade, dentro da nossa própria casa, e a gente passa a vista, como se não tivesse acontecido.
R
Mulheres como eu e outras que levantam a voz na defesa dessas meninas somos, por muitas vezes, discriminadas. Houve aqui uma questão que a Parlamentar disse sobre a Maria da Penha. Quantas vezes eu tentei discutir a Maria da Penha dentro das comunidades indígenas, e muitas pessoas não aceitavam, algumas pessoas que até deveriam promover essa discussão. "Não, isso não tem que ser discutido aqui, é questão cultural." Eu vim aqui dizer que a violência não é cultural. Ela se torna cultural, a partir do momento em que a gente aceita, Senadora, aí ela se torna cultural. Isso nós temos feito. Eu digo enquanto mulher indígena, eu digo enquanto povo indígena - nós temos aceitado muitas vezes.
Então, eu venho aqui dizer que a segurança alimentar é o primeiro ponto de violência contra nós, contra o nosso povo. Qual a política de segurança alimentar nacional que nós temos? Nós temos uma Funai, eu digo porque eu fui Funai 20 anos, posso dizer.
A Funai não tem sequer condições orçamentárias para promover a segurança alimentar do povo indígena. Se eu estiver mentindo, alguém levante, "Aureni, você está mentindo", porque não chega recurso suficiente para promover a segurança alimentar nas comunidades indígenas.
Os indígenas, às vezes, tentam fazer roça com enxadas enferrujadas, sementes que chegam depois, pela ineficiência. Então, a gente tem que pensar isso. E a segurança alimentar é a primeira, porque, muitas vezes, você não tem comida para botar na mesa para o seu filho.
Quando você tem comida, as meninas são as últimas a comer. Se eu estiver mentindo também, alguém pode levantar e dizer: "Aureni, você está mentindo", porque eu participei dessa realidade. Nós, meninas, somos as últimas a comer, porque a comida é pouca. E há uma prioridade dentro da comunidade indígena.
Então, eu venho aqui levantar a voz pelas meninas que, muitas vezes, eu socorri dentro de comunidade, como o parente falou, dando um abraço, Senadora, porque eu não tinha o que fazer.
Eu peguei uma menina de 14 anos, quando eu era da Funai, que pariu um neném morto pela violência do companheiro dela, que tinha dado chute na barriga. Eu abracei essa menina e chorei. Eu tenho até vídeo gravado, que uma amiga da Funai estava junto. O que eu podia fazer? Não existe uma política de proteção nacional.
Eu clamo aqui para que haja uma política de proteção nacional, voltada às meninas e mulheres indígenas, que há grande vulnerabilidade dentro das comunidades. Temos que ter uma política de proteção nacional que não envolva só a Funai e o MPI, não, que envolva outros órgãos, que também têm trabalho com as comunidades indígenas, como o Ministério da Saúde.
Eu vi mulheres indígenas operadas de cesariana, sem necessidade, deitadas no chão da Casai, com operação, a ponto de pegar uma infecção. E eu vi isso na comunidade xavante, que é uma comunidade que não tem muita inserção na comunidade não indígena. Imagine nos ianomâmis, que estão lá no meio do mato, onde ninguém vê. O que é que não acontece lá, que nós não sabemos aqui no Parlamento?
Então, eu apelo aqui para que haja uma política de prioridade, de proteção nacional. Que os órgãos se reúnam para poder falar sobre essa política, mas é de verdade. Essa violência não pode continuar invisível. As mulheres e as meninas não podem continuar sofrendo invisíveis. A cada minuto está acontecendo, e nós não estamos sabendo. Quantas crianças, quantas meninas estão sendo agora violentadas por pessoas de dentro da comunidade ou por pessoas de fora? Porque ninguém sabe. Senadora, eu, quando era da Funai e participava das reuniões, pedia uma notificação, parente - que está aqui comigo, que é da Sesai -, uma notificação. Nós não temos notificação de violência! Se eu estiver errada que as mulheres indígenas me digam aqui, que são lá da comunidade, que vivem lá. As nossas crianças sofrem violência, e as pessoas não fazem notificação quando elas entram no hospital porque têm medo. "Deixa isso, isso é cultura, deixa a índia ser violentada".
R
São crianças de 12, de 10, de 11 anos; não é uma Aureni, que sabe se defender, não. É uma criança que olha para você e apela: "Me salve. Me socorra. Eu estou sendo violentada!". Isso realmente é normal? Porque as pessoas dizem que é normal. Quando a mulher indígena sofre violência, nós não temos uma Casa Abrigo para nos abrigar. Nós temos que ficar dentro da comunidade, caladinhas, porque às vezes as pessoas ficam contra a gente, se a gente falar.
Eu sou uma das vozes da mulher que está na aldeia. Eu não tenho medo, eu falo a verdade. Eu tenho que falar a verdade, é para isso que Deus me colocou aqui. Então, essa questão da violência tem que ter também uma fala nacional, uma promoção de direitos das mulheres e crianças indígenas em nível nacional, com seriedade, porque ainda não há. As ações são pulverizadas, elas têm que se unificar. Tem que haver uma política de segurança nacional à mulher indígena e à criança indígena.
A criança indígena, quando sofre violência, não é ouvida por um psicólogo, por um psiquiatra. Ela não vai para o SOS Criança, ela volta para a comunidade. Às vezes ela é medicada... Senadora, eu já peguei criança de três anos sendo abusada pelo pai e pelos tios, porque a mãe tinha morrido, lá em Kawani, lá onde Judas perdeu as botas. Eu mandei um chefe de posto ir lá, recolher a menina e entregar para o pai, que estava em outra comunidade.
Eu trabalhava casos, porque não existe uma política nacional de proteção à mulher, à criança indígena e ao adolescente. Nós precisamos pensar nessa política. É para isso que Deus colocou a gente aqui, deu voz para a gente aqui. Não é à toa, não. É para que a gente veja o sofrimento das pessoas que estão lá.
Então, eu clamo ao Brasil, a todos os ministérios que trabalham com a questão indígena, ao Senado, para que haja mais debate, porque através do debate a gente consegue derrubar a violência. Com a mulher indígena, porque eu era coordenadora da questão da mulher na Funai, onde eu mais investi foi no debate da mulher indígena, era dar visibilidade, era dar voz para ela falar, muitas vezes, parente, dentro da comunidade...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA AURENI GONZAGA DA SILVA - ... dentro da comunidade. Eu ia e alguns homens perguntavam: "Aureni, você veio aqui falar da Maria da Penha?". "Não, eu vim aqui falar de direito." "Você veio aqui para mandar prender a gente?" "Não, eu vim aqui dizer para vocês não fazerem, porque se fizerem vão ser presos, porque a lei não sou eu que edito, não, ela existe. E hoje ela é para todo mundo." Então, eu falava isso para os parentes e eles entendiam.
Então, o debate com as mulheres, com os parentes na comunidade, Senadora, é necessário. Há que se promover, a gente tem que falar sobre isso. A partir do que você fala, as soluções começam a vir dentro da nossa própria comunidade, porque a nossa violência começa dentro da comunidade.
Eu fui abusada aos seis anos, e isso repercutiu até 12 anos, quando eu fui... saí da guarda dos meus pais, que eram alcoólatras, e passei para a guarda de uma família não indígena. Aí eu comecei a entender qual era o meu papel, que meu corpo não podia... não, não era assim, não. Meu corpo era meu e eu tinha que ter autoridade sobre o meu corpo e respeito com o meu corpo.
R
Eu, infelizmente, parentes, eu aprendi isso fora, e hoje eu posso falar sobre isso para as mulheres e para as meninas. Eu sou uma voz defensora das meninas e das mulheres, principalmente das que sofrem violência - sempre fui. Então, eu clamo aqui por uma política nacional, por uma política de debate. Vamos debater.
Outra coisa, parentes: o conselho tutelar, Senadora, quando é questão indígena: "Não, não vamos falar sobre isso, porque é cultura deles". Então, eu quero conselheiro tutelar indígena! Onde há povo indígena, eu quero conselheiro tutelar indígena, porque eu quero que ele fale no idioma. Isso é cultura? Violência é cultura? Não é, não. Ela tem se tornado cultura, porque a gente se cala diante dela.
Então, peço ao Conanda - pedi várias vezes e vou pedir de novo -: onde há indígena tem que ter conselheiro indígena e, de preferência, que fale o idioma, que vá à comunidade. Nós estamos abandonados pelos Poderes. As políticas existem, e nós não estamos incluídos nessa política. Só nos incluam, por favor, na política existente. Não precisam nem fazer política específica. Incluam-nos nas Casas Abrigo, no SOS Criança.
Sesai, mande os psicólogos conversarem na comunidade, porque vocês têm psicólogos. Eu já ouvi psicólogo dizer que tem medo de falar da violência porque tem medo do cacique. Não tem que ter medo, não! Você é pago para isso, você é um profissional! Então, Sesai, promova debates sobre violência com psicólogos. Vocês pagam psicólogos para isso. Hoje nós temos indígenas psicólogos na Sesai.
Estou falando isso, parentes, porque eu fazia as reuniões das mulheres ouvia isso. As mulheres me chamavam: "Aureni, minha filha está sendo abusada pelo filho da autoridade máxima da aldeia, que é estudante fora, voltou e abusou." Aí lá ia a Aureni pegar a menina, pegar o rapaz. O que eu fazia? Aconselhava e falava: "Olha, se você continuar violentando essa menina, vai entrar aqui dentro o delegado para poder te prender, porque a lei, amigo, tem que ser para todos. A gente não pode defender coisa errada dentro da nossa casa, não". Eu penso assim. Eu sei que muita gente vai me criticar, mas a lei é para todos. Nós somos cidadãos. Nós somos cidadãos deste país: nós votamos, nós elegemos, nós pagamos impostos. Nós temos que botar isto na cabeça: "Eu sou cidadão e todos os Poderes têm que me respeitar - Prefeito, Governador, todo mundo tem que ter política para mim, porque eu voto". Não é porque eu estou lá no mato que não tem que existir política de garantia de direito para mim, não.
Então, eu venho trazer esse recado para vocês e agradecer a presença de todo mundo. Estamos aí na luta e vamos continuar. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Gente, essa é a Aureni.
Deixem-me contar um segredo: a Aureni é servidora lá no meu gabinete. Eu trouxe a Aureni para me ajudar a pensar política para mulheres indígenas, para crianças indígenas, mas ela já está sendo roubada de mim. O Governo local está querendo levar a Aureni para o Governo, porque nós temos muitos indígenas em Brasília - muitos. Segundo a última pesquisa, já passava de 10 mil indígenas que moram aqui.
Ivanilda, muitas jovens indígenas vêm estudar em Brasília, e como essas meninas estão? Às vezes, vêm até pela cota, Ivanilda, estão ali na universidade, mas moram lá longe, e, às vezes vão embora de ônibus e têm que caminhar muito, do ponto de ônibus até a casa em que ela está morando. A gente já tem história de violência contra essa menina no percurso. Então, o Governo local vai querer dar uma atenção especial às meninas estudantes indígenas aqui. A Lili tem um instituto para cuidar de jovens indígenas aqui no DF, e estão querendo me roubar a Aureni do Senado, mas a gente vai conversar muito ainda sobre isso.
R
Está com a gente também Marisa Romão, que está ali. Marisa Romão tem um histórico de trabalho com o povo caiapó e com outros povos do Pará. Tem um monte de Marisa nas aldeias que nasceram por causa de Marisa.
Obrigada por estar aqui.
E, agora, a gente vai ouvir a Ivanilda.
Ivanilda, olhe a sua responsabilidade.
O Cimi vai falar, e, por último, vai falar o Ministério dos Povos Indígenas.
Gente, olhe, a participação online está muito grande. As perguntas estão chegando. Eu acho que eu nem vou conseguir fazer as perguntas aos expositores, por causa do horário, mas eu vou enviar aos expositores as perguntas via e-mail.
Só a Vanessa, que está desde o início, já vai responder as duas dela; mas a gente tem pergunta de Paulo, de Rondônia. Gabriela, do Mato Grosso; Miguel, de Minas Gerais; Cinira, de São Paulo; Lux, do Distrito Federal; Juliana, do Rio de Janeiro; Davi, do Amapá; Cássia, do Piauí; Ana, do Rio de Janeiro; Patrício, de Santa Catarina; Fernanda, do Rio; Luíza, do Espírito Santo; e Luciana, do Distrito Federal.
Vocês observam que o Brasil inteiro está acompanhando esta audiência pública. E a gente está vendo aqui muito interesse no tema: proteção da criança indígena.
Para quem está ligando a televisão agora, esta audiência é para discutir proteção de crianças indígenas. Como estão as crianças indígenas em situação de vulnerabilidade?
Em todos os relatos dos indígenas que passaram aqui, ficou muito claro que os nossos povos indígenas amam, desesperadamente, suas crianças. A mãe indígena ama sua criança. A mãe indígena luta por sua criança. E todos eles disseram, aqui, que violência contra a criança indígena não é cultura. Existe a violência, mas eles repudiam a violência contra a criança indígena. Estão pedindo socorro. Assim como na nossa sociedade tem pessoas que machucam criança e a gente está enfrentando isso na nossa sociedade, lideranças indígenas estão aqui pedindo socorro, para enfrentar a violência, que também acontece na comunidade delas. Muitas violências que foram ditas aqui são perpetuadas por não indígenas contra crianças indígenas, e a gente vai ter que falar sério sobre isso - mas muito sério.
Ivanilda é do Cimi, e o Cimi tem uma contribuição muito grande para o Brasil, que é fazer os relatórios, que é fazer mapeamento de violência. Nós usamos muitos dados que o Cimi produz com relação à violência, e estamos muito felizes, Ivanilda, por o Cimi estar presente nesta reunião, por você estar aqui. Dez minutos; se precisar, mais cinco.
Eu sei que o seu desafio vai ser muito grande por ter ficado assim já para o final, mas muito obrigada por estar aqui, Ivanilda.
A SRA. IVANILDA TORRES DOS SANTOS (Para expor.) - Sou eu que agradeço à Senadora Damares, como também ao Senador Paim, pelo convite de a gente estar aqui.
Como a Senadora falou, o Cimi, anualmente, faz um relatório de violência, no qual tenta, ao máximo, colocar todas as situações de violência perpetradas pelo Brasil afora. Claro, esse relatório é feito não só pelos agentes do Cimi, missionários do Cimi, mas também a gente conta com dados do próprio Governo, seja a Sesai, a Funai ou a própria Secretaria de Educação.
Como a Senadora Damares falou da questão dos estudantes universitários, a gente também está, agora, levantando, com o apoio de várias universidades, a violência que ocorre nesses espaços contra os povos indígenas.
Também saúdo os indígenas aqui presentes: ianomâmi, terena, fulniô e todos os demais.
R
Eu gostaria de trazer presente mais a questão estrutural, que leva as crianças, como também os jovens indígenas, a um estado de vulnerabilidade.
O Censo 2022 revela que a população indígena chega a quase 1,7 milhão de pessoas. Dentro desse 1,7 milhão de pessoas, 29,95% são crianças e adolescentes na faixa entre zero e 14 anos, uma população bastante considerável; e a juventude, 26,15%, nessa faixa entre 15 e 29 anos de idade.
Eu gostaria de trazer presente a situação, hoje, vivida pelos povos do Rio Grande do Sul: são 1,3 mil famílias afetadas por essa tragédia. E, claro, famílias indígenas sempre têm crianças, então imaginem o número de crianças e jovens que estão passando por este momento difícil de vulnerabilidade.
Naquele estado, foi criado um coletivo de ajuda humanitária, por toda essa situação, voltada para os povos dali. E esse coletivo tem tanto as organizações indígenas e organizações indigenistas, como também pessoas ou secretarias do estado. Neste momento mais crítico, houve muita assistência, graças à solidariedade do Brasil todo, para com toda esta situação que vive hoje o Estado do Rio Grande do Sul. Mas esse coletivo também está muito preocupado com o pós, com as águas baixarem, porque muitas dessas famílias indígenas tiveram que ser retiradas do local onde habitam, para poderem ser salvas. E, agora, vai ser preciso reconstruir toda a comunidade, isso desde a estrutura de moradias, estrutura de escola, estrutura de postos de saúde para todo o atendimento.
Então, a gente pede a esta Comissão que... O estado, através do Governo, tem recebido muitos recursos para essa reconstrução do estado. Então, o que a gente solicita é que esta Comissão esteja acompanhando o desenvolvimento dessas ações voltadas para as comunidades indígenas.
Ainda trazendo sobre a questão da vulnerabilidade, eu queria trazer um recorte especial do povo madijá kulina, que é um povo que está no Estado do Acre e do Amazonas, ali na divisa desses dois estados. Seus territórios estão entre o Rio Purus, o Rio Envira e o Rio Juruá. Esse povo, já há mais de dez anos, tem vivido um estado de vulnerabilidade muito grande. É um povo considerado de recente contato, então o contato com a nossa sociedade trouxe impactos imensuráveis a essa população desse povo.
R
Hoje, sobre a situação da educação escolar em seus territórios, o ensino escolar é insuficiente ou, muitas das vezes, inexistente. Quando existe, a maioria só chega a estudar até o quinto ano. Com isso, também, o Estado deixou de fazer a formação do professor indígena, madijá. E, assim, o ensino médio é inexistente. Então, são números e números de jovens que não podem dar continuidade ao seu estudo porque não existe o ensino médio em seus territórios.
Outra situação muito forte, vivenciada por esse povo, é a questão do acesso à política de assistência social, aos benefícios da política de assistência social. Devido a toda uma burocracia que se faz necessária para se acessar isso, então, cada vez mais, as famílias têm que vir ao município para tirar documento - ainda existem muitas pessoas que não têm o documento. Só que eles chegam às cidades, nas cidades do Acre, Sena Madureira, Manoel Urbano, Feijó, à beira dos rios, isto é, de mês a mês, dezenas e dezenas de famílias que ali ficam, acampadas à beira do rio. Eles vêm não porque acham bom vir para a cidade. Eles vêm porque querem acessar os benefícios. Para acessar os benefícios, existe a burocracia de tirar documento. Para tirar uma identidade, a Secretaria de Segurança Pública dá três meses para que se receba a identidade. Então, para isso, eles não querem voltar ao território, porque fica a uma semana de viagem de barco até retornar ao território, então, preferem ficar ali na cidade.
Nas cidades, eles sofrem toda a sorte de discriminação e violência também. Nisso, as crianças, ou seja, as meninas são as mais vulneráveis. Porque muitas das vezes elas são obrigadas a oferecer seus corpos para ter um prato de comida. É comum a gente ver nesses municípios crianças e mulheres catando lixo para comer. E o que é mais, assim, terrível, ainda, é que, quando acessam esses benefícios, como também as aposentadorias, existe uma cultura criminosa naquela região, em que os comerciantes, em que as pessoas de má-fé retêm o cartão de benefício dessas famílias, dessas pessoas. Quando eles vêm retirar o seu benefício, aquele comerciante passa o produto três vezes maior que o valor. Então, às vezes, eles chegam dizendo que não têm recurso, porque no outro mês eles já tinham gastado tudo, e, com isso, eles têm que ficar na cidade para esperar o outro mês para poderem ir.
Então, é uma questão criminosa...
(Soa a campainha.)
A SRA. IVANILDA TORRES DOS SANTOS - ... muitas das vezes já denunciada. A Polícia Federal já fez várias investidas nesses municípios recolhendo cartões. Já tem pessoas presas, mas a prática ainda é muito forte.
R
Outra questão é que, na região, não existe coordenador técnico local da Funai nos municípios, então, muitas das vezes, as famílias têm que se retirar do seu território e ir para outro município que não é aquele município, para ver se consegue acessar a Funai, para se retirar uma declaração, quando a mulher tem a criança, para receber o benefício do auxílio familiar, o auxílio-maternidade.
Nesta semana mesmo, no Município de Sena Madureira, na segunda-feira agora passada, tem uma família lá - são várias famílias que vieram em busca do CTL, para ter essa declaração -, eles já estão lá há mais de um mês, no Município de Sena Madureira, e, agora na segunda-feira, uma criança, o filho de dois anos, veio a óbito por desnutrição. Então, eles ficam na cidade, muito vulneráveis, e essa é uma questão estrutural.
Uma das coisas que a gente recomenda é que esta Comissão faça uma visita a essa região, veja a realidade por que está passando, especificamente o povo madijá kulina, tanto nos municípios do Acre quanto no município do Amazonas, nos Municípios de Envira, Eirunepé e Ipixuna, onde o Estado está ausente na efetivação das políticas públicas, onde a Funai está ineficiente, na presença, para se dar atenção às ações que a Funai tem a incumbência de fazer para com os povos indígenas. Sem falar ainda que esse povo vive uma situação de tão baixa autoestima que existem muitos casos de suicídio e as pessoas mais afetadas são jovens.
Só neste ano, na calha do Rio Envira, já foram dois jovens, um de 14 e um de 16 anos, que cometeram suicídio. Muitas das vezes, quando a gente pergunta à família o que leva, o que está levando esses jovens a retirar a vida é justamente tanta discriminação, é justamente tanta ausência do Estado no seu território que os leva a isso.
Se ele chega à cidade para ser atendido em um órgão público, aí pedem o documento, e ele diz que não tem um documento, a pessoa, o servidor público diz: "Então, você não existe, você não é pessoa". O que isso fere, na pessoa, isso é muito forte, e, claro, com toda essa situação, o aumento do alcoolismo também é muito grande, e o alcoolismo só gera muita violência. Nisso, as crianças, as meninas, as mulheres são as mais afetadas.
Então, necessita-se, sim, com urgência, que algo seja feito para que as políticas públicas sejam efetivadas, como preconizam, realmente, essas políticas, e que cheguem a esse povo madijá kulina que está tanto nessa região do Estado do Acre quanto do Estado do Amazonas.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Ivanilda, muito obrigada.
R
E eu já vou até fazer um compromisso de apresentar um requerimento a esta Comissão para a gente ir até a região ver de perto esses povos do Acre que você trouxe aqui. E você também nos lembrou, agora, de manhã, das crianças indígenas do Rio Grande do Sul. Como nós vamos ouvir agora o representante do Ministério dos Povos Indígenas, o Bruno Kanela... Eu não sei se o Bruno Kanela tem números para nos passar sobre as crianças indígenas do Rio Grande do Sul neste momento, se teve algum óbito, como elas estão. Nós estamos acompanhando pela imprensa. A Ministra Sonia tem estado presente lá na região, tem ido muito à região, e a gente quer parabenizar o Ministério dos Povos Indígenas porque eles tomaram iniciativas imediatas para proteger os povos do Rio Grande do Sul.
Gostaríamos de te ouvir. E aí, Bruno, dando uma olhada aqui em todas as perguntas que chegaram, no geral, estão todas perguntando o seguinte, Bruno: tem como a gente ter políticas públicas efetivas para proteger a criança e o adolescente lá na ponta?
E veio uma pergunta bem interessante que faz diálogo com a sua fala, Aureni: como está a discussão para a criação do Conselho Tutelar Indígena?
Então, Bruno, o nosso recorte é a proteção da criança e do adolescente indígena. Muito obrigada por estar conosco. Já agradeço à Ministra Sonia por ter designado você, que é representante do ministério, e me parece que você é de uma coordenação. Eu gostaria que você dissesse qual é a sua coordenação. Eu recebi aqui várias vezes para corrigir.
Pronto. Diretor do Departamento... Não é uma coordenação, mas um departamento. Diretor do Departamento de Promoção da Política Indígena.
Bem-vindo, Bruno Kanela!
O SR. BRUNO KANELA (Por videoconferência.) - Bom dia!
Vocês me escutam?
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Sim. Sim.
O SR. BRUNO KANELA (Para expor. Por videoconferência.) - Maravilha!
Bom, primeiramente, eu gostaria de agradecer o convite da Senadora Damares e também cumprimentar a Presidência dessa Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o Senador Paulo Paim, por esse convite. E aqui eu estou em nome da Ministra Sonia Guajajara e também em nome da minha Secretária de Promoção e Articulação dos Direitos Indígenas diante do Ministério dos Pobres Indígenas.
Eu estava aqui desde o início, com as devidas vênias à Senadora, que relatou que eu tinha entrado um pouco mais tarde, mas eu escutei a fala da Deputada Federal e fui escutando todas as falas e participando desde o início dessa importante audiência pública que visa discutir as vulnerabilidades sociais diante do quadro que a gente vive nas diversas realidades de norte a sul do país.
Bom, primeiramente, eu gostaria, também, de cumprimentar as pessoas que nos ouvem aqui, as lideranças indígenas que nos ouvem, tanto virtualmente como as que estão no Plenário, e, mais uma vez, agradecer.
Diante das perguntas que me foram feitas e das questões apresentadas, eu gostaria de apresentar para vocês o panorama da criação do Ministério dos Povos Indígenas, no ano passado, em 2023, e todo o trabalho que a gente vem desenvolvendo diante das necessidades apresentadas a esse ministério.
Bom, o Ministério dos Povos Indígenas, ao ter conhecimento das várias participações...
Eu gostaria, também, de agradecer a participação do colega do Conanda, que me citou aqui, eu acho que nem perceberam que eu já estava conectado desde o início. Então, a gente tem feito essa participação junto ao Conanda, o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, justamente com a perspectiva de participar efetivamente desse importante espaço, que a Senadora reconhece como ex-Ministra, um espaço em que se discutem esses direitos, em que a gente abre várias discussões ali com os outros conselheiros, que trazem as realidades distintas e muitas vezes as violações que acontecem.
R
E aí o ministério, ao tomar conhecimento de várias violações, foi agindo. E aí, eu gostaria de pontuar, primeiro respondendo inicialmente a pergunta da Deputada sobre o Rio Grande do Sul. O Ministério dos Povos Indígenas tem desempenhado ações imediatas, inclusive com servidores in loco lá para acompanhar. E todos esses levantamentos de dados estão sendo levantados e serão apresentados para a sociedade em planos de curto e médio prazo e planos estruturantes também, de modo a atender essa emergência climática, que vai muito na linha das discussões que foram trazidas aqui, muitas vezes distintas, sobre a necessidade primordial de defesa das infâncias indígenas.
Então, o Ministério dos Povos Indígenas elaborou parcerias com parceiros importantes e relevantes, como são as universidades e também essa participação nos conselhos, a Unicef e várias instâncias, para compreender. E um dos fatos já narrados aqui, inclusive pelas falas que nos antecederam, é: qual a situação das crianças indígenas do país, das infâncias indígenas? E aí a gente tem que discutir, no panorama de direitos e de políticas públicas, o Marco Legal da Primeira Infância e também o ECA. Então, não ouvi nenhuma fala a respeito dessas políticas estruturantes, por exemplo, à primeira infância indígena.
Então, como a gente está passando a atender? Então, o ministério tem propostas de criação de semanas de conscientização, de modo que a gente consiga dar uma resposta a esse desafio colocado aqui, que é o desafio de conhecer essas realidades, de atender. Então, o ministério tem se preocupado em como a gente atender a especificidade, como as lideranças colocaram aqui aos Parlamentares essa nossa preocupação.
O ministério tem presenciado também a situação das crianças indígenas, migrantes e refugiadas. Essa população está em mais de 200 cidades do país. Vocês acompanham muito bem a situação dessas famílias e os desafios são enormes; a xenofobia que essas pessoas sofrem nas cidades brasileiras. Muitas vezes, o racismo e a discriminação são fatores de um desafio, que eu coloco aqui diante também do Senado, que precisa ser observado.
E eu vejo esse espaço desta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa de a gente passar a perceber como estão essas famílias que muitas vezes vocês veem nos sinais das cidades brasileiras. Então, o Ministério dos Povos Indígenas tem feito escutas junto a essas famílias e tem percebido, por exemplo, o direito à convivência familiar violado.
Então, a gente tem uma resolução na Funai que garante o direito à convivência familiar e muitas vezes a gente esbarra num desafio de uma criança afastada da sua família porque eventualmente não seguiu aquela necessidade de forma estruturante.
R
Como foi pontuado pela colega que me antecedeu, a Funai muitas vezes tem recursos limitados; mas a gente tem o MDS, a gente também tem outros ministérios e tem algumas instâncias que a gente lançou ano passado, enquanto Ministério dos Povos Indígenas, como o Comitê de Proteção Social dos Povos Indígenas. Ali a gente tem trabalhado temas, e o tema das crianças indígenas também pode ser um tema a ser trabalhado.
A gente tem trabalhado de forma transversal em muitas políticas efetivas que estão chegando ao território agora, e aqui eu gostaria de pontuar os editais recém-lançados pelo Ministério dos Povos Indígenas, de apoio à iniciativa das mulheres indígenas, dos esportes - dos programas de esportes -, que destinaram recursos direto para as comunidades indígenas, sobre a cultura e ancestralidade também.
Essas políticas irão atingir essas realidades, como a agricultura ancestral - de produção de florestas e garantia da segurança alimentar nas comunidades -, programas de fortalecimento das mulheres nos biomas, na caatinga e outros.
Todos esses editais visam... gostaria também que aqui nesta Comissão eu tivesse a oportunidade de falar aos parentes para que acessem esses editais do Ministério dos Povos Indígenas, que vêm com toda a especificidade de acesso para que os indígenas consigam acessá-los com menos burocracia, que é o que os movimentos indígenas reivindicam.
Também gostaria de apresentar para esta Comissão o apoio que eu sei que temos para que todas as questões discutidas em relação às infâncias indígenas passem e respeitem a OIT, que estabelece o direito à consulta livre e informada.
O ministério passa por outras Comissões, aqui também do Senado e da Câmara, sempre ressaltando esse direito fundamental, então é importante que tenham mais organizações indígenas em nível nacional, é importante que a gente tenha organizações indígenas convidadas - como a Damares o fez aqui nesta audiência, e eu a parabenizo por isso.
E o ministério tem se movido. Mais uma vez voltando a essa questão das crianças migrantes e refugiadas, a gente tem aqui, nesse fluxo de indígenas venezuelanos em mais de 200 cidades, mais de mil crianças nascidas no Brasil, e que, portanto, são brasileiros. O ministério também já tem tido iniciativas inclusive de acesso à documentação civil dessas crianças, porque a gente sabe que a documentação civil também é um meio pelo qual você reconhece essas pessoas como sujeitos de direito, que têm o seu registro civil garantido e que não passam por vulnerabilidades por causa da documentação civil. Não se deve permitir que vulnerabilidades não sejam observadas porque, eventualmente, essas famílias estejam com a documentação irregular.
De todas essas iniciativas do ministério, também foi falado aqui na audiência da situação dos ianomâmis. Em parceria com a nossa fundação, com o Ministério dos Direitos Humanos, com o Ministério das Mulheres e com o DSEI, a gente tem criado redes interinstitucionais de enfrentamento à violência contra mulheres e crianças ianomâmis.
Eu sei que a Comissão irá enviar para o ministério todas essas questões e a gente, de pronto, irá respondê-las.
R
A gente tem participado também do Pacto pela Escuta Protegida, que vocês devem conhecer, que é um pacto ali no âmbito do Ministério da Justiça. Então, como é que essas crianças vítimas de violência têm... quais são os protocolos usados para essas crianças vítimas de violência?
Então a gente tem procurado participar e envolver também, na discussão, as demais comunidades. Os desafios são enormes. Todo mundo aqui tem consciência desse desafio, das violações de direitos que, muitas vezes, acontecem; mas o Ministério dos Povos Indígenas se coloca à disposição das instituições, desta Comissão, para que a gente possa enfrentá-los em conjunto, cada vez mais com a participação efetiva de todos os responsáveis que têm o dever de cuidar dessas políticas.
E nós temos feito a nossa parte, enquanto Ministério dos Povos Indígenas, com todos os desafios, quando provocados também. E muitas ações, a gente tem suscitado também para que elas aconteçam e sejam cada vez mais apoiadas.
Eu finalizo a minha fala aqui e, mais uma vez, agradeço a oportunidade de estar aqui nesta Comissão. Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Bruno, obrigada pela sua participação. Bruno, você tem o sobrenome Kanela. Você é indígena? Você pode dizer de que povo e onde fica o seu povo?
O SR. BRUNO KANELA (Por videoconferência.) - Isso, Senadora. O povo kanela originalmente era do Maranhão. Mas o povo kanela também passou por esses processos de dizimação. E aí, o povo kanela, do qual eu faço parte, é da região do Araguaia. Então a gente está ali na região do Araguaia. E estou aqui hoje em Brasília, na missão junto da Ministra Sonia Guajajara.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Bruno, eu fiz questão de chamar a atenção sobre você ser kanela, porque a gente viu hoje passar aqui nesta audiência indígenas ocupando espaços de poder e de decisão no Brasil. A representatividade ainda é pequena. É pequena, Vanessa, mas eles estão fazendo um trabalho incrível, e a gente já... Nós estamos com três Deputadas com mandato, três indígenas, nenhuma Senadora. Está na hora de a gente eleger um Senador indígena, não é? Nenhuma Senadora. Mas a gente tem três Deputadas Federais, nós temos Deputados Estaduais no Brasil. Nesta eleição de 2024, tem muitos indígenas pré-candidatos. E eu fico muito feliz - muito feliz.
Mas às vezes, lamentando, Bruno. E aqui eu quero até resgatar, tem tudo a ver com a nossa audiência, o Senador Aloizio Mercadante, quando estava aqui no Senado, apresentou um projeto de lei sobre adoção de crianças indígenas, Bruno. O projeto foi para o arquivo, porque ele deixou de ser Senador, mas a gente pode recuperar. Mas o que é que eu lamento? Que muitas crianças indígenas estão tendo acesso depois de terem sido adotadas por comunidades não indígenas.
E eu vou falar o meu exemplo, Vanessa. Eu tenho uma filha indígena. Ela está bem, mas... E eu não vivo sem ela. Mas a minha filha deveria ter tido todas as oportunidades que ela tem comigo lá na comunidade. Ela ama o povo dela, ama muito. Está se preparando para voltar, para ajudar o povo.
Mas a Aureni também é mãe adotiva. A Aureni é fulniô e é mãe adotiva de uma xavante, que é autista, que tem autismo. E essa menina deveria ter tido todas as oportunidades que a Aureni dá lá na comunidade. Marcia Suzuki, que apareceu aqui, é mãe de uma criança indígena, zuruahã, que está superbem, formada nos Estados Unidos, mas tinha que ter tido essa oportunidade lá, Ivanilda.
R
Então, esse projeto, eu quero que todas as crianças, não só as adotadas, que estão... Silvia Wayãpi teve as oportunidades fora. Por que não na comunidade? Por que não serem doutoras na comunidade? Por que não estarem lá, se formando com o seu povo? Eles são felizes lá na comunidade, têm as necessidades, mas eles amam, eles têm uma identidade.
A gente vai ter que falar sobre isso, mas, te ver, Bruno, num cargo de direção num ministério tão importante, nos dá muito orgulho, nos dá muita alegria. E, que mais crianças cheguem aonde vocês chegaram! Vocês estão inspirando - a Aureni, a Vanessa, o Bruno... Vocês estão inspirando milhares - por que não falar: daqui a pouco, milhões - de crianças indígenas no Brasil.
Parabéns, Bruno!
Nós estamos chegando ao final da nossa audiência. Nós temos aqui uma liderança indígena ianomâmi, e a gente está achando bem bacana os ianomâmis estarem aqui, porque são os povos ianomâmis que ficaram recentemente no foco, recentemente se falou muito de ianomâmi, e a gente está vendo que são várias lideranças. Não existe um único líder ianomâmi, são várias lideranças ianomâmi. Já passaram dois por aqui hoje, e nós temos aqui algumas lideranças ianomâmis.
Eu queria muito ouvir, por cinco minutos - porque não estava previsto, a gente tem que terminar a audiência pública. Por cinco minutos, queremos ouvir muito, com muita expectativa, o Pajé Geraldo Yanomami.
E eu sei que a gente não fala pajé em ianomâmi. Como é que a gente fala em ianomâmi?
O SR. PAJÉ GERALDO (Fora do microfone.) - Tuxaua.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Tuxaua. Isso! Nós estamos aprendendo: Tuxaua.
Seja bem-vindo, nós gostaríamos de te ouvir, especialmente sobre crianças, proteção de crianças ianomâmis.
O SR. PAJÉ GERALDO (Para expor.) - Boa tarde. Já é de tarde, já está quase se finalizando a audiência pública.
Eu vou falar diretamente das nossas crianças nos territórios dos povos indígenas. Eu represento o povo indígena ianomâmi, sou Presidente da associação em que eu trabalho com esse meu povo, do Amazonas.
Sobre as crianças, como a gente fala, há vulnerabilidade. Então, as nossas crianças ficam mais isoladas, nos nossos povos indígenas, dentro do território. As nossas crianças ficam deficientes também, nascem, também, prematuras. Eu vou falar diretamente. A gente não pode dizer que há assistência específica - a gente não tem. Nos nossos territórios é difícil para a gente cuidar das nossas crianças que não têm nutrição, porque todas as nossas aldeias, todas, são isoladas.
Eu posso dizer que a mãe que cuida das crianças e o pai que cuida dessas crianças têm pouca assistência para a criança não ficar na desnutrição, porque a gente não tem a alimentação específica, não tem uma pessoa que cuide. Aqui não tem nutricionista, isso não existe dentro do nosso território. E nós mesmos, nós próprios cuidamos das nossas crianças e não temos nossas crianças nutridas, porque cada vez vão pegando a diarreia, cada vez vão pegando as gripes, cada vez vão adoecendo devido aos mosquitos que transmitem malária. Aí as crianças ficam nessa vulnerabilidade, desnutridas. Às vezes, a mãe não tem quase o leite do peito, e as crianças ficam nessa situação.
R
A criança nasce deficiente. A primeira vez, tinha aquelas crianças que perderam a vida por causa da deficiência. Muito tempo tinha, e hoje não tem. Então, hoje, quem vai ter responsabilidade para cuidar das crianças que nascem deficientes é a mãe e o pai, sem uma pessoa específica, que é o nutricionista, e não tem, não tem como participante.
É difícil ter gente que cuide de crianças desnutridas, mas, cada vez mais, a gente perde nossas crianças também por estarem desnutridas. A desnutrição fica grave, pega uma anemia, porque o pai e a mãe só cuidam das crianças, e não tem a participação de uma pessoa específica que cuide das crianças. Para as nossas crianças criarem um fortalecimento melhor, tem que ter uma pessoa que estudou, que conhece, que saiba cuidar de crianças desnutridas, e hoje a gente não tem. Tem equipe de saúde lá dentro do nosso território, que só tem enfermeiro ou enfermeira e técnico de enfermagem. E não tem como. Essa equipe que está lá não tem curso para cuidar de desnutrição, não tem nutricionista. Então, nesse caso, a gente fica muito preocupado.
Não tem escola, não tem assistência de saúde melhor para a vida das crianças, e não tem. É difícil para a gente fazer com que cuidem das nossas crianças. Onde ficam mais sadias também as crianças, para não perderem o peso as crianças? Na escola, porque tem a merenda lá dentro, e não tem. Não tem escola específica para ficarem as crianças. Não tem assistência, como eu falei. Então, essa é a nossa preocupação, de nós, que somos liderança.
R
Então, finalizando minha fala, eu participo desses eventos todos, porque sou ianomâmi e fico na aldeia. Eu sou liderança da aldeia, que representa o povo ianomâmi.
Obrigado a todos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Líder, como é bom te ouvir.
Nós estamos discutindo aqui direitos e ele traz o básico do básico. Foi o que a Aureni falou também: comida, nutrição.
Se eu tiver as crianças nutridas, alimentadas, eu posso falar em outros direitos; mas se elas não estiverem alimentadas e, como o senhor disse, às vezes eles ficam lá, sem um nutricionista orientando o que comer, porque às vezes só tem aquilo, mas a gente podia ter mais programas voltados para orientação nutricional de verdade. E a gente sabe que é o desafio da Sesai, mas a gente sabe como é difícil, especialmente com os povos ianomâmis. Eu estava conversando com a Vanessa sobre o quanto se gasta de voo. Às vezes, é um avião para ir lá pegar uma criança e trazer. É tudo muito caro - muito caro.
A gente precisa entender, tudo o que envolve, especialmente as comunidades ianomâmis.
Mas, olha, tem muita preocupação com vocês nesta Casa, especialmente nesta Comissão. Nós temos um Presidente, que inclusive não está aqui hoje, porque está no Rio Grande do Sul, não é? É o nosso Presidente, que está passando um momento difícil, o Senador Paim, trabalhando muito... Ficou aqui esses dias trabalhando muito e muito preocupado com os indígenas do Rio Grande do Sul.
Mas, assim, acredite, tem muita gente aqui no Senado Federal com um olhar especial para os ianomâmis.
Acredite, diante de todas as dificuldades que vocês estão passando, ainda hoje - e já estive em algumas audiências com o Beto, que está sempre falando... É um problema que vem de anos, mas a gente vai ter que resolver. Não vamos ter mais que ficar no discurso. Faz tempo que isso está acontecendo lá. Nós vamos ter que encontrar uma solução. E sei que a Sesai está empenhada, a Ministra Sonia está empenhada e o Congresso também está empenhado.
E aí a gente está indo para o final de nossa audiência pública.
Eu fiquei muito feliz com a participação de todos.
Nós ouvimos algumas propostas, mas nós ouvimos o Renato falar. E aí, Bruno, quero que você preste atenção nisso aqui. O Renato falou que ele está numa associação com 75 crianças em situação de vulnerabilidade. São crianças com deficiência. E o nosso líder aqui falou: Como cuidar de uma criança ianomâmi com deficiência, no meio do mato? Como cuidar de uma criança com autismo lá no meio da floresta? Como cuidar de uma criança com síndrome de Down lá na floresta? E aí a gente sabe que os povos às vezes não conseguem cuidar delas.
Mas deixa eu fazer uma pergunta para vocês. Uma criança não indígena, aqui na nossa sociedade, em situação de vulnerabilidade, recebe um BPC de um salário mínimo. Bruno, escuta isso. Se o Renato está com 75 crianças indígenas com deficiência... Sanumá, ele não teria direito, essas crianças, cada uma, a receber um salário mínimo de BPC? Quanto já iria, só para essas crianças lá?
R
Aí, tem muita gente que fala assim: "Mas o que é que o indígena vai fazer com o dinheiro no meio do mato?" Eu já ouvi muito isso. Mas será que não está na hora de a gente pensar em um BPC verde? Esse benefício ir para essa criança de uma outra forma? Mas a criança com deficiência indígena ter as garantias que as crianças que as crianças com deficiência não indígenas têm em nossa sociedade? Será que nós não deveríamos estar pensando nisso?
Não é fácil para o Renato cuidar sozinho de 75 crianças com deficiência. Não chega lá, o recurso não chega. Mas, se essas 75 crianças estivessem aqui na cidade, as famílias teriam direito a um salário mínimo. Vamos falar sobre isso? É isso que a gente quer, a partir desta audiência, Bruno.
Qual é a política pública que nós temos para a criança indígena e para a criança não indígena? Nós somos uma única nação. Todas as políticas públicas têm que chegar a todos. A legislação que nós construímos aqui tem que ser para todos. Nenhuma criança pode ficar para trás no Brasil.
Então, esta audiência veio muito para a gente fazer essa discussão e nos colocar, Bruno, bem como a Sesai e a Funai, à disposição. Esta Comissão fazer essa discussão. A proteção, de fato, da criança indígena, do adolescente indígena lá na área.
Nós vamos encerrar, mas não sem antes a Vanessa responder a duas perguntas iniciais. As demais a gente vai enviar por e-mail.
A Vanessa responde, e aí a gente já vai encerrar a nossa audiência pública.
A SRA. VANESSA BARROSO QUARESMA (Para expor.) - Faço uma fala que vai contemplar o Paulo, de Rondônia, a Gabriela, do Mato Grosso, e Lux, do Distrito Federal.
Então, para quem chegou agora, eu me chamo Vanessa, sou indígena kuruaya e estou hoje lá na Sesai, no Departamento de Atenção à Saúde Primária dos Povos Indígenas.
Nós temos uma organização, dentro da secretaria, em departamentos. Um destaque: nós fazemos a atenção primária dentro dos territórios indígenas, e, para isso, a atenção primária tem que proteger, prevenir doenças e promover saúde dentro desse cenário primário.
A pergunta foi: "Como é que nós, enquanto instituição, estamos fazendo essa força-tarefa de manter essa infraestrutura melhorada dentro dos territórios indígenas?".
Apesar de os recursos financeiros ainda não serem suficientes, existe um departamento de saneamento ambiental que faz esses levantamentos de necessidades dentro dos territórios.
Não conseguimos contemplar 100%, mas são feitos esses levantamentos para a infraestrutura de unidades básicas de saúde indígena. Só que esse departamento, além de buscar solução para levar a essa unidade básica, também trata da questão do saneamento local, de criar sistemas para que se possa fornecer água.
Nós sabemos que água é saúde. A partir do momento em que o nosso território tiver água limpa e potável para poder manusear alimentos, fazer o alimento das crianças e de toda uma família, nós diminuiremos gradativamente a questão das doenças que vêm desse movimento hídrico. Então, é ainda um trabalho que está sendo feito, com algumas melhorias que precisam serem realizadas, mas o departamento vem fazendo isso.
Foram feitas algumas falas aqui com relação à própria Senadora... Foi feita uma fala sobre a questão das pistas para aeronave, de que nós precisamos bastante, para as remoções ditas dentro do território, as contrarreferências. Nós temos esse acesso ainda muito difícil, porque muitos povos indígenas, são eles mesmos que fazem a manutenção dessas pistas, são eles mesmos que fazem a manutenção de estradas, para que o seu filho, a sua esposa, a sua família possa ter aquela remoção, e nós não temos ainda esse apoio de outras instituições que pudessem nos ajudar nessa condição de acesso, seja terrestre, seja aéreo.
R
Com relação à questão da redução da mortalidade infantil, a Senadora destacou muito bem que os povos indígenas, nós, povos indígenas, precisamos ter esse acesso dentro dos territórios. É na área da educação, é na área social, é na área da saúde.
Não se tem essa política de fazer com que se tenha fora. Não; é para se ter dentro. E, para se ter dentro, é preciso fortalecer o que já se tem de saberes - saberes originários, saberes ancestrais.
Cuidar da mulher é cuidar do corpo, é cuidar do território. Nosso corpo é o território. E, para o nosso corpo estar bem, nosso território tem que estar bem, seguro, com proteção mesmo de todos os órgãos que possam nos dar esse apoio.
O bem viver, que muito trabalhamos, depende da nossa terra para que nós possamos plantar e colher, para que os especialistas indígenas, os pajés, os raizeiros, os tuxauas e as parteiras possam fazer as suas práticas protetivas e de cura dentro do seu território. Para que aquele povo, no momento que se faz um parto dentro da aldeia, possa ter a terra para guardar a placenta, porque tem toda uma história, uma simbologia, de se guardar aquela placenta dentro daquele território, dentro da casa, embaixo da rede. Isso depende de etnia para etnia.
Nós, enquanto Sesai, a nossa política hoje é fortalecer esses cuidados protetivos, fortalecer esses cuidados originários, para se cuidar da mulher, da criança, do velho, de todo o povo.
Estamos fazendo qualificação, com o componente intercultural, dentro de alguns territórios, neste primeiro semestre, para trazer um espaço de diálogo entre os profissionais de saúde, os especialistas indígenas, o controle social e toda a comunidade indígena.
Eu sou parteira. Sou parteira e sou enfermeira, mas não fiz obstetrícia. Aprendi a partejar dentro dos povos indígenas asurinis. Aprendi a assistir um parto, a cuidar no momento de um parto. E, para nós, esse cuidado da parteira e dos demais especialistas indígenas é que fortalece o pré-natal, é que fortalece o cuidado com a criança.
Se uma mulher gestante tem o cuidado de uma parteira indígena, ela passa a ter mais saúde, porque, desde a alimentação, daquela prática da atividade do dia a dia, que ela deixa de fazer por ser uma regra do seu povo, ela vai estar protegendo o seu corpo, o seu bebê, todo o seu território. Então, essa integração de saberes originários, de cuidados protetivos, de práticas de cuidados ancestrais, é o que estamos fazendo dentro dos territórios.
R
Ainda não estamos contemplando a todos, mas, até o alcance do que foi planejado, nós precisamos estar dentro dos territórios, fazendo com que isso seja possível.
Triagem neonatal dentro dos territórios indígenas e coleta do teste do pezinho são algo que já é realidade dentro dos povos indígenas. Lá no Alto Rio Negro, nós temos equipes entrando em território, levando sete dias dentro de um barco, para coletar o teste do pezinho, levando saúde até essas populações. Um dos objetivos é que não seja só o teste do pezinho.
"Vanessa, está contemplando todos os territórios?" Não, gente, não está contemplando, mas são passos que estão sendo iniciados, para que nós possamos identificar algumas crianças que possam já estar sinalizando algumas deficiências que podem ser tratadas naquele tempo curto de vida; e, sabendo, a gente leva assistência.
Eu tenho também algo para falar com vocês, com relação aos jovens indígenas, que, infelizmente, está sendo evidenciado.
Nós falamos muito sobre o suicídio dentro de algumas comunidades, foi dito aqui. Quais são as causas? Quais são as causas dessas violências cometidas contra seu próprio corpo? É só discriminação? É só a questão do álcool, da droga? São só alguns fatores pontuais? Talvez não. Talvez seja algo sobre o qual nós possamos sentar e pensar mais.
Nossos jovens indígenas já deixaram de fazer práticas protetivas, de participar de rituais de passagem daquela fase de criança para a de um grande guerreiro. Nossos jovens já não têm mais os fazeres do artesanato, da caça, da pesca. Precisa-se de projetos, de intervenções, de que se fortaleça a originalidade desse povo.
Eu acredito muito nessa política de nós estarmos dentro. Não queremos crianças dentro da Casai. Não queremos crianças dentro da média e alta complexidade das capitais, das cidades. Não queremos isso. Nós queremos que elas estejam dentro do território, que não seja preciso serem retiradas, mas é necessário que se tenha retaguarda de todos, desde a área social, desde a área de média e alta complexidade das instituições que possam nos dar esse apoio.
Então, nós estamos aqui também nos colocando disponíveis, enquanto instituição, para que tenhamos espaços. Só vamos conseguir mudar muito o cenário com isso aqui, dialogando, escutando vocês, escutando o que vocês querem dentro dos territórios e o que nós podemos, enquanto instituição, trabalhar para melhorar.
Existe o Incentivo para a Atenção Especializada aos Povos Indígenas, que é o IAE-PI, mas nem todos os municípios, os estados, aderem. Eles não aderem! É uma das perguntas aqui. Como é que está sendo?
"E se a gente garantir, Vanessa, vagas dentro dos hospitais? E se a gente garantir vaga diferenciada?" Não é só garantir. Precisa-se também adequar.
R
Se o indígena vai para dentro de uma área hospitalar, não é confortável deitar em cima de um leito. Não é confortável para mulher indígena nenhuma parir em cima de uma maca, em cima de uma cama. Não é! Então, o que se precisa não é só disponibilizar leito para crianças e adolescentes, mas é atender as especificidades étnicas. Nós somos 305 povos, e ainda há mais ainda não registrados. Então, é pensar em todas essas especificidades para que se tenha esse resultado mais positivo.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Obrigada, Vanessa. Você deu uma aula para todos nós agora. Muito obrigada.
A gente está encerrando.
Olha, o Mimica, ianomâmi, está atento, ele pediu a mim que corrigisse: nem todas as 75 crianças que estão lá têm deficiência. Ele tem crianças com deficiências, mas nem todas; mas, mesmo estando em situação vulnerável, têm direito ao Bolsa Família se estão estudando, concorda?
Aqui a gente encerra fazendo um pedido. A Ivanilda trouxe algo muito grave.
A SRA. MARIA AURENI GONZAGA DA SILVA (Fora do microfone.) - Eu queria dizer para a senhora...
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Sim.
A SRA. MARIA AURENI GONZAGA DA SILVA (Fora do microfone.) - ... uma grande questão das crianças.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Pode falar.
A SRA. MARIA AURENI GONZAGA DA SILVA (Para expor.) - Só para contribuir, porque a grande questão de as crianças deficientes não estarem recebendo benefício é a dificuldade do laudo.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Da perícia.
A SRA. MARIA AURENI GONZAGA DA SILVA - A gente não consegue dar o laudo e o documento. Precisa-se ter uma política de acesso ao laudo das crianças indígenas. Elas ficam lá sem nenhum diagnóstico, aí não tem como você acessar o benefício. Isso tem acontecido nas comunidades.
A SRA. PRESIDENTE (Damares Alves. Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Muito bem colocado, Aureni.
A D. Ivanilda trouxe uma denúncia e aqui eu quero fazer um alerta a todo o Brasil: se você sabe que tem alguém pegando o cartão do benefício do Bolsa Família, do BPC de um indígena e retendo em algum comércio, denuncie! Você pode ligar no Disque 100. A denúncia é anônima, você não vai aparecer. A gente não vai tolerar esse tipo de prática. Denuncie! Muitas mães indígenas, de forma inocente às vezes, entregam o cartão para alguém sacar para ela, e aí sacam o valor e dão ali alguns centavos e ela acha que é só aquilo. Denuncie! Nós temos o Ministério dos Direitos Humanos para isso.
Denuncie também todo tipo de violência contra crianças, adolescentes indígenas. Se você souber que uma criança indígena está passando por alguma situação de violência, denuncie! A sua denúncia pode ser anônima. Você não aparece, você é protegido ao fazer a denúncia. Se souber, seja qual for o tipo de violência contra a criança indígena, ligue ao Disque 100 imediatamente.
Por último, eu não sei se é porque viram o nome Cimi aqui e sabem que a Senadora é evangélica, fizeram a seguinte pergunta e a gente encerra aqui: "Quais os mecanismos do Estado para garantir a proteção das crianças e adolescentes indígenas em relação ao aliciamento religioso?".
Vou te dizer uma coisa: nem todas as instituições religiosas que estão em área indígena, como o Cimi, estão lá evangelizando. Elas estão lá cuidando da saúde, da educação, prestando assistência social. Que isso fique muito claro.
Mas eu preciso falar sobre o direito à religião. Eu quero todos os direitos que eu tenho para o indígena. Eu tenho o direito de conhecer todas as religiões, é um direito humano. O indígena também tem o direito de conhecer e pode escolher a religião que quiser. É direito dele!
R
Então, assim, se eu começar a cortar direito do indígena, hoje eu corto esse, amanhã eu corto aquele, se a cada dia eu fico cortando um direito, daqui a pouco a gente corta tudo.
A gente quer muito que os indígenas mantenham suas práticas culturais, os seus rituais, são muito bonitos e tudo, mas dizer que uma pessoa não pode entrar numa comunidade indígena porque ela é religiosa? Nós temos instituições como a Asas de Socorro que disponibiliza 12 aeronaves para cuidar das áreas indígenas e ribeirinhas. Só porque são religiosas não podem ir?
Então, vamos ter muito cuidado com o preconceito com as instituições católicas, com as instituições evangélicas e com as instituições espíritas, que muitas vezes estão ali para ajudar o poder público a cuidar dos nossos povos.
Muito obrigada a todos vocês que vieram a esta audiência.
Nós vamos ter as notas taquigráficas e registro aqui um agradecimento à minha assessoria; ao Dr. Esequiel, que morou 19 anos em comunidade indígena, comunidade inclusive isolada; ao Dr. Toccolini, que foi, Vanessa, Secretário Nacional de Saúde Indígena no Governo Temer, e está ali sentado acompanhando; a todos vocês que participaram desta audiência; à Secretaria da Comissão de Direitos Humanos, que faz um trabalho incrível, eu falo que são os nossos heróis anônimos que ficam ali de forma anônima; a todos os membros da Comissão que aprovaram este requerimento; e ao nosso Presidente, Senador Paulo Paim, que está vivendo um momento muito difícil, por ser o Senador mais antigo do estado, imaginem as demandas que ele está recebendo do Rio Grande do Sul.
Que Deus abençoe o Estado do Rio Grande do Sul, que Deus abençoe o Brasil!
Muito obrigada, Ivanilda, agradeça ao Cimi, e a todos que participaram de forma online ou presencial.
Nós agora damos por cumprido o objetivo desta audiência pública, desta sessão, e nós a encerramos.
Muito obrigada. (Palmas.)
Gente, eu gostaria de chamar os indígenas para fazer uma foto bonita aqui com a gente e quem quiser vir também. É uma foto que a gente deixa no arquivo da Comissão.
Venham aqui com a gente.
(Iniciada às 9 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 19 minutos.)