01/09/2015 - 3ª - Comissão Senado do Futuro

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão Senado do Futuro.
A Comissão Senado do Futuro, criada pela Resolução do Senado Federal nº 14, de 2013, por proposta do Senador Cristovam Buarque, atual Vice-Presidente desta Comissão, inspirou-se em comissão semelhante do Senado do Chile, a Comisión Desafíos del Futuro.
Enquanto aguardamos a chegada de mais Parlamentares, nós vamos fazer uma fala, contando um pouco a história de Mato Grosso, da ocupação inicial ao atual estágio de desenvolvimento econômico propiciado pelo trabalho de gerações de brasileiros e pelo agronegócio. Constitui uma bela síntese dos impasses e perspectivas da sociedade brasileira, que é o tema que vamos estar aqui hoje abordando.
Comentando sobre Mato Grosso, temos uma janela para o Brasil, janela de experiências muito bem-sucedidas a abrir perspectivas promissoras para o futuro da nossa sociedade.
Tal como o Brasil, Mato Grosso foi, desde os primórdios, interpretado como terra de oportunidades, imerso, da mesma forma, em projeções imaginárias do paraíso perdido, nas quais se acumulariam, na visão dos colonizadores, riqueza e fartura.
A colonização, no formato em que se desenvolveu no Brasil, sempre ostentou a natureza de grandes unidades de produção, capital e trabalho, girando em torno de uma atividade econômica voltada para o mercado externo, convivendo com uma infinidade de pequenos e médios empreendimentos, com fortes perspectivas de acumulação no mercado interno, e rápida.
As áreas de mineração descobertas e exploradas nos séculos XVIII e XIX - Mato Grosso, entre elas - cedo desenvolveram um padrão de cultura empreendedora voltada para adaptação para o modelo original de desenvolvimento de tecnologias que atendessem às especificidades da região. Veremos como elas estão em sintonia com as práticas dos empreendedores mato-grossenses modernos do agronegócio.
Para o historiador Sérgio Buarque de Holanda, essa disposição para adaptação à realidade áspera está associada à maior resistência dos bandeirantes no ambiente dos sertões e define o seu sucesso na rota de mais de 3.000km que ligava o planalto paulista aos territórios de exploração aurífera do Estado de Mato Grosso.
No enfrentamento dessas realidades ásperas dos sertões, a mobilidade dos bandeirantes aparece contrastada com a tradição mais constante da colonização portuguesa: a fixação no litoral. Vejam como o mundo da estabilidade e da tradição está assentado na produção de produtos tropicais em latifúndios de monoculturas para o mercado externo! Ora, o que realizou o Mato Grosso moderno? Trouxe o movimento para dentro das grandes unidades de produção com agricultura de precisão, métodos modernos de produção, de relações de capital e trabalho, de produtividade, de logística, de especialização de funções e uso intenso de tecnologia de produção.
Mobilidade e adaptação. As mesmas características da cultura empreendedora dos bandeirantes fixadas na busca das grandezas de Cuiabá, por isso, estão muito presentes, contudo, nos empreendedores modernos mato-grossenses. Os mesmos desafios apresentam-se: vencer a realidade dura da exploração produtiva dos sertões; domar a cultura material local, pesquisando e avaliando as suas virtudes originais, adaptar a tecnologia lá no sertão.
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Assim foi possível transformar a produção da soja, que se imaginava extremamente bem adaptada nas regiões sulinas, nos milhares de produtividade do Estado de Mato Grosso e também do Centro-Oeste. Isso significa intenso investimento em pesquisa e tecnologia adaptadas à região, a exemplo do desenvolvimento de novas sementes e produtos químicos para adubação e controle de pragas.
Mato Grosso constitui um modelo exitoso e exemplar da economia do agronegócio, uma história de sucesso mundialmente consagrada, estabelecida em âncora de produção de alta produtividade e inovação tecnológica. Mostra-se um dos caminhos bem-sucedidos que o Brasil percorre e está percorrendo em várias outras áreas, a exemplo da mineração, da metalurgia, do petróleo e também do gás.
Não precisamos importar histórias de sucesso. Reconhecemos no povo brasileiro uma cultura de superação em condições adversas, da valorização do trabalho e da especialização do emprego da tecnologia moderna, no rompimento dos grilhões que prendiam a produção nacional a padrões de produção atrasados e não sustentáveis.
O Brasil que dá certo não é um Brasil que se abala com crises passageiras, pois está organizado para continuar trabalhando, crescendo e se desenvolvendo. Está acostumado a situações difíceis, pois certa margem de imprevisibilidade é da arte da produção econômica, mas está muito longe de reconhecer prontamente, no contato com as realizações do mundo civilizado, qualquer atitude de autodepreciação.
O futuro reserva um lugar especial para os brasileiros. Não podemos perder a oportunidade.
Senhoras e senhores, a Comissão Senado do Futuro convida o Sr. Jessé Souza, Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para compor a mesa. (Pausa.)
Como já disse, a Comissão Senado do Futuro foi criada pela Resolução do Senado Federal nº 14, de 2013, por proposta do Senador Cristovam Buarque, Vice-Presidente desta Comissão, que se inspirou em comissão semelhante no senado do Chile: Comisión Desafíos del Futuro.
A comissão permanente para tratar dos desafios do futuro do Chile, composta por sete senadores e presidida pelo Senador Guido Girardi, foi criada em 2011 com o objetivo de trabalhar o futuro da ciência, com a participação de renomados cientistas e reitores de universidades. Essa comissão organiza, anualmente, o evento Congresso do Futuro, que se encontra em sua 4ª edição, tendo a participação de ganhadores de Prêmios Nobel.
Com essa inspiração, a Comissão Senado do Futuro do Brasil foi instalada em 1º de outubro de 2013, tendo como Presidente o Senador Luiz Henrique - a quem presto uma honrosa homenagem póstuma -, e como Relator o Senador Cristovam Buarque, que propôs, em 2013, debater o futuro em uma ótica brasileira.
Desde sua criação, a Comissão já debateu os temas: o Pacto Federativo para diminuir as desigualdades sociais; participação popular e o futuro da democracia; o Brasil que queremos e o ensino superior; e cenários do futuro nos próximos 50 anos, com a participação do sociólogo Domenico de Masi.
Neste ano, com o propósito de promover discussões sobre grandes temas e o futuro do País (art. 104-D do Regimento Interno), realizaremos nossa primeira audiência pública interativa com presença do Sr. Jessé Souza, Presidente do Ipea, para debater os impasses e perspectivas da sociedade brasileira, bem como do Sr, Alessandro Candeias, Coordenador-Geral de Projetos do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do MRE.
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O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), fundado em 1987, é um órgão da Fundação Alexandre Gusmão (Funag), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores.
S. Sª já está presente?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Gostaríamos de convidá-lo, então, para estar aqui conosco. (Pausa.)
Ainda neste mês de setembro, iremos realizar nossa segunda audiência, para tratar do tema "Senado do Futuro e o Senado para o Futuro".
Pretendemos realizar em outubro a terceira audiência, para tratar do tema "Crescimento Econômico e Desenvolvimento Sustentável".
Em novembro, faremos a quarta audiência, com o tema "Futuro das Cidades e as Cidades Sustentáveis".
Por fim, em dezembro realizaremos nossa quinta audiência, para tratar do tema "Democracia, Instituições e a Representação Popular".
Inclusive, quero convidar todos os internautas, todos aqueles que assistem à reunião a fazer sugestões acerca de temas que a Comissão possa desenvolver.
Senhores membros, submeto à apreciação desta Comissão minuta de projeto de resolução para regulamentar o programa e-Cidadania, criado pelo Ato da Mesa nº 3 de 2011, na gestão do Presidente Sarney e aprimorado sob a direção do Presidente Renan, com o objetivo de estimular e possibilitar maior participação dos cidadãos nas atividades legislativas, orçamentárias, de fiscalização e de representação da Casa.
No ar desde maio de 2012, o Portal e-Cidadania tem despertado imenso interesse junto à sociedade. Cito, por exemplo, os 9,3 milhões de acessos nos últimos 12 meses, um crescimento de 423% em relação ao ano anterior.
No portal, esses visitantes encontram ferramentas de participação e interatividade que os aproximam dos trabalhos parlamentares, além de permitir a nós Senadores colher opiniões e contribuições da sociedade. Isso, inclusive, já está sendo bastante utilizado aqui nas Comissões
Na esfera das opiniões, por exemplo, o Portal e-Cidadania disponibiliza o mecanismo que permite aos cidadãos opinar sobre todas as proposições que tramitam aqui no Senado. Trezentas mil pessoas já fizeram isso, manifestando-se sobre mais de 1.500 projetos diferentes! Esse mecanismo, vale ressaltar, foi desenvolvido para atender resolução proposta pelo Senador Luiz Henrique da Silveira, em resposta aos movimentos de junho de 2013.
Do lado das contribuições, destaco as audiências públicas interativas, incluindo as sabatinas. Nesses eventos, os cidadãos assistem à reunião pelo portal e podem participar nos enviando perguntas, comentários e outras informações que enriquecem os debates. Só em 2015, nas 211 audiências realizadas em caráter interativo, mais de duas mil pessoas participaram, encaminhando mais de seis mil manifestações.
Outro importante instrumento é o das Ideias Legislativas. Nele, o cidadão sugere uma abordagem a um problema, cuja solução passaria pela aplicação de uma nova lei. Quando recebe 20 mil apoios, no prazo de quatro meses, a ideia é encaminhada à Comissão de Direitos Humanos, que acumula também as funções relacionadas à legislação participativa.
Essa ideia, então, será relatada e poderá virar um projeto de autoria da Comissão. Ou seja, é uma efetiva contribuição da sociedade para a produção legislativa, mostrando a vanguarda do Senado Federal nessa abertura à participação popular. Já recebemos mais de três mil ideias, cinco das quais foram encaminhadas à CDH, das quais três ainda estão tramitando.
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O nosso Senador Cristovam Buarque, Vice-Presidente desta Comissão, é o Relator de uma dessas ideias na CDH. Como Parlamentar democrático que é, promoveu diversas audiências pública, todas interativas e com um impressionante número de participações.
Apesar disso tudo, mesmo com os resultados que acabo de compartilhar com os senhores, entendo que há muito por fazer. Isso será trabalhado no ciclo de debates que aprovamos para tratar do relacionamento do Senado Federal com os cidadãos.
Por ora, como primeira medida concreta nesse sentido, esse projeto de resolução que trago aos senhores dispõe sobre os requisitos mínimos e os recursos tecnológicos relativos ao cadastro de usuários desse portal. Isso permitirá que eles sejam identificados sem prejuízo da integração com outras ferramentas disponíveis na rede mundial de computadores.
Além disso, o presente projeto de resolução estabelece critérios claros, proporcionando legitimidade e segurança jurídica ao encaminhamento e apreciação das propostas recebidas pela Casa por meio do portal. Essa é uma lacuna a ser sanada.
Por fim, informo ainda que, conforme dispõe do Regimento Interno do Senado Federal, compete a esta Comissão, além de promover discussões sobre os grandes temas do País, aprimorar a atuação do Senado nessas questões. Desse modo, pensando no futuro do Senado Federal e em seu aprimoramento, apresento a presente minuta de projeto de resolução, que contribui para a construção de um Senado Federal participativo, aberto e próximo aos cidadãos.
A nossa audiência pública tem como finalidade debater o tema Impasses e Perspectivas da Sociedade Brasileira.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo por meio do portal e-Cidadania e do Alô Senado.
Segundo requerimento de autoria desta Presidência, convidamos agora, para fazer uso da palavra, o Sr. Jessé de Souza, Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Conforme divulgado na pauta e redes sociais, informo que esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, endereço www.senado.leg.br/ecidadania e do Alô Senado, através do nº 0800612211.
Como os convidados já se encontram aqui, à mesa, de acordo com o art. 94, §§ 2º e 3º, do Regimento Interno do Senado Federal, a Presidência adotará as seguintes normas: o convidado fará sua exposição pelo tempo necessário. Em seguida, abriremos a fase de interpelação por três minutos, pelos Senadores e Senadoras inscritos bem como pelos professores presentes, consultores legislativos e cidadãos que se inscreverem;
A palavra será concedida de forma intercalada entre Senadores e demais participantes. Quero dizer que, como esta não é uma comissão deliberativa, vamos, a exemplo desta e de outras comissões, dar toda a liberdade para que se possa promover inclusive o debate.
É intenção nossa, no futuro, realizar essa reunião sob um modelo que não seja este plenário, em que estamos dispostos tal como a banca de professores e, aí, os espectadores ou alunos. Queremos talvez uma mesa redonda, queremos criar um modelo mais próprio para esse tipo de comissão, ou seja, já que não é uma comissão deliberativa, para promover mais, enfim, o debate, inclusive dos Senadores com a sociedade de um modo geral.
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Então, vamos, inicialmente, conceder a palavra aqui ao Dr. Jessé Souza, Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O SR. JESSÉ JOSÉ FREIRE DE SOUZA - Bom dia!
Senador, eu gostaria, antes de tudo, de agradecer a oportunidade de poder fazer esse debate com os senhores.
Eu gostaria de começar tocando em um tema que eu acho fundamental para o futuro do Brasil, não o futuro longínquo, mas o futuro próximo. E eu acho que essa questão tem a ver... Quer dizer, nós estamos, agora, construindo, entre vários projetos que nós temos no Ipea, que é uma instituição que já tem 50 anos de serviços prestados ao Estado brasileiro, um conjunto de ações de uma agenda estratégica que tem a ver com a difícil situação econômica e política que o Brasil está vivendo agora, mas nós temos também projetos que são de curto e médio prazos e que são importantes, a meu ver, para que possamos repensar o Brasil a partir de agora. E é sobre esses projetos que eu gostaria de conversar com os senhores aqui.
É o que nós estamos chamando de Radiografia do Brasil Contemporâneo, que tem a ver com a questão de como compreender quem é o brasileiro de hoje. Nós estamos usando o tema das classes sociais a partir de uma perspectiva muito particular, no sentido de que as classes aqui não são divididas nem são conhecidas a partir de um aporte de renda. Eu acho que, no decorrer da nossa discussão, isso ficará esclarecido, isto é, o porquê de nós escolhermos esse aporte e não o aporte meramente econômico.
Essa questão é tão mais importante quanto eu acho que nós estamos envolvidos aqui em uma escolha histórica do Brasil. Quer dizer, o Brasil já teve essa escolha histórica em 64, quando o Brasil havia deixado, pelas mãos de Getúlio Vargas, antes de tudo, de ser uma pequena fazenda de café que tinha ousado o sonho de se tornar uma nação moderna, industrial e pujante. E isso começou a ser construído nas décadas de 50 e 60.
No alvorecer, houve, ali, um instante histórico em que o Brasil estava se decidindo sobre se nós iríamos ter uma democracia industrial pujante, de massas, ou se nós iríamos construir uma nação para 20% da nossa população. Infelizmente, a opção histórica foi a segunda, ou seja, nós decidimos construir uma nação para 20%, uma pequena classe média de privilegiados.
O que nós vimos acontecer nos últimos 10 ou 15 anos foi uma reversão parcial desse processo, ou seja, nós vimos algumas dezenas de milhões de pessoas deixarem o estado de exclusão social e passarem a participar de um processo significativo de ascensão.
Eu acho que o que está em jogo, agora, é a continuação ou o aprofundamento desse projeto, inclusive com a volta à sociedade desses 20%. E eu acho que a ciência aplicada - e o Ipea é a instituição brasileira melhor aparelhada para oferecer esse serviço... Quer dizer, eu venho da universidade, e a universidade, apesar de ter vários estudos importantes em áreas que são chaves, normalmente, os estudos feitos na universidade são quase sempre feitos por pesquisadores individuais, quase sempre têm a ver com temas fragmentados, que são importantes enquanto tal, mas não têm a visão do todo.
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O Ipea é a instituição brasileira mais bem aparelhada para pensar o Brasil em sua totalidade. É isso que estamos tentando fazer lá. E nós estamos tentando pensar o Brasil na sua totalidade nesses dois níveis que são extremamente importantes, ou seja, o nível dos agentes, das pessoas, que são hoje brasileiros - porque a gente não sabe disso. E por que a gente não sabe disso? Porque, quando a gente tenta imaginar a classe através da renda, o que a gente tem é uma disposição arbitrária dos setores sociais, uma divisão arbitrário por classe porque o fato de as pessoas ganharem a mesma coisa não significa que elas se comportam do mesmo modo. E o que a gente quer saber, quando a gente divide as pessoas por classe é de que modo elas se comportam, de que modo elas reagem, qual é o seu estilo de vida, o seu padrão de consumo, a sua concepção de mundo, etc.
A renda não nos esclarece acerca de nada disso. Um exemplo prático torna isso compreensível. Se pegarmos um professor universitário em início de carreira e um trabalhador da Fiat em Betim, eles vão ganhar entre R$8 mil e R$9 mil. Essas duas pessoas vão ter uma concepção de mundo, com toda probabilidade, extremamente diferente uma da outra. O seu parceiro amoroso vai ser muito distinto. A forma como ele vai criar os filhos; como ele vai usar o lazer; como ele vai montar a sua pauta de consumo; como ele vai compreender a política. Em praticamente, todas as áreas da vida, a não ser sobre futebol, eles vão ter muito pouco o que conversar entre si.
Dizer que essas pessoas fazem parte da mesma classe não adianta nada para o nosso conhecimento.
O conceito de classe que eu gostaria de discutir aqui foge, tanto do ponto de vista marxista, que tem a ver com a ocupação mas é econômico, como do ponto de vista liberal, que tem a ver com a renda, ou seja, como se todas as pessoas pensassem do mesmo modo e apenas o tamanho do bolso delas diferenciasse o seu comportamento - o que é completamente absurdo, como vimos por esse exemplo e ele pode ser multiplicado várias vezes -, a gente consegue compreender, ao contrário, o comportamento das pessoas a partir da socialização familiar. O que isso significa? Isso significa que o seres humanos são, em grande medida, montados e construídos no seu comportamento entre 0 e 5 anos. São os estímulos que se recebem - estímulos quase sempre invisíveis, quase sempre que não têm a ver com o que é dito, mas por exemplos, com comportamento -, nós, seres humanos, imitamos quem amamos, pai e mãe ou quem ocupe esse lugar.
E essa apropriação, incorporação de pai e mãe tem a ver com coisas como, por exemplo, capacidade de concentração. A gente imagina que todas as classes tenham. Isso não é verdade. A gente imagina que a capacidade de se concentrar nos estudos ou numa leitura ou num quadro-negro é tão natural como o fato de termos duas orelhas e dois ouvidos, etc.
Toda essa ideia de que as pessoas se comportam a partir de estímulos apenas econômicos - embora os estímulos econômicos sejam extremamente importantes -, a ideia de que as pessoas se comportam apenas por estímulos econômicos, isso é extremamente errado e faz com que a gente não veja uma série de questões que são extremamente importantes, especialmente para os 70% de brasileiros que não são de classe privilegiadas, não são da classe média e que enfrentam problemas de socialização familiar, que vão tornar a vida deles mais difíceis em todas as outras instituições como escolas, mercado de trabalho, etc.
Peguemos esse exemplo da capacidade de concentração, que foi o exemplo que eu e a minha equipe pegamos, nos últimos dez a doze anos de pesquisa empírica que vimos fazendo no Brasil, e que ficou muito claro para gente.
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Quanto à capacidade de se concentrar, por exemplo, a gente entrevistava pessoas dos excluídos brasileiros - e eu vou explicitar essa noção em breve -, o excluído adulto lembrava-se do seu tempo da escola e dizia: "Eu ficava fitando a lousa, três a quatro horas, sem conseguir aprender nada!"
A gente ouviu 70 a 80 entrevistas com esse tipo de conteúdo. E, depois, caiu a ficha, ou seja, quem fica fitando a lousa, horas e horas, sem nunca aprender nada é por que falta capacidade de concentração. Isso, porque a capacidade de concentração é o pressuposto de qualquer processo de aprendizado.
A isso se associam estímulos ao pensamento abstrato, à prática da mãe e do pai de lerem com o filho, lerem histórias cheias de fantasia etc. E esses mesmos estímulos, que são invisíveis e são privilégio de classe, não são reproduzidos nas classes desprivilegiadas. Quer dizer, o que a gente tem aí são classes com capacidade de concentração e classes sem capacidade de concentração.
Por exemplo, temos aí, então, crianças de cinco anos chegando sistematicamente na escola sem capacidade de se concentrar. E isso não corresponde ao fato de a escola ser boa ou ruim. É claro que a escola, sendo boa, pode reverter esse processo em uma medida significativa, mas o que a classe social faz é produzir seres humanos diferentes, com capacidades, habilidades e talentos muito distintos entre si, que vão desde a tenra idade já "pré-decidir" as chances que essas pessoas têm na vida.
Essa é a questão que acho que o Brasil ainda compreende muito pouco. E eu não consigo ver nenhuma questão mais importante do que essa, até porque, mesmo mecanismos de transferência de renda etc., que são extremamente importantes - e mostraram a sua importância agora -, têm um limite, se não se enfrentam essas outras questões. E é exatamente esse tipo de questão que acho que está na ordem do dia para que o Brasil tenha uma nova escolha civilizacional, para dizer que tipo de sociedade quer ser: uma sociedade em que as pessoas nascem e podem ter chances na competição por recursos escassos - e esses recursos serão sempre escassos... Alguns terão sempre um pouco mais do que outros, mas a nossa realidade não é a de que uns terão um pouco mais do que outros; é a de que poucos têm quase tudo, e muitos não têm quase nada. Apesar de todo o esforço que foi feito, nós diminuímos um pouco essa distância, mas ela continua sendo a questão social mais importante do Brasil moderno.
Antes de tudo, o que temos de fazer, eu acho, é conhecer esse povo, ou seja, a política e o conhecimento têm uma relação que me parece muito próxima: sem conhecimento da realidade como ela é - e aí é sem fantasias... Porque não adianta vir com: "Ah, não! Cada pessoa tem a sua forma diferente de ver o mundo etc." Existe isso, mas a competição é por bens que são muito próximos; alguns têm acesso, outros não.
E a política adequada nessa questão é fazer com que essas condições estejam ao alcance do maior número de pessoas. E, para que isso aconteça, a gente tem que enfrentar, de frente, de fato, a real dificuldade que essas famílias e que essas classes desprivilegiadas enfrentam até hoje. E isso tem a ver com conhecê-las.
Por exemplo, o que nós estamos chamando aqui de classe dos excluídos - e eu fiz um livro com o título provocativo de A Ralé brasileira: quem é e como vive. E obviamente que não foi para insultar essas pessoas, mas para chamar atenção ao fato histórico de que o Brasil vem, secularmente, condenando essas pessoas ao abandono, a sociedade brasileira antes de tudo. E essas pessoas são excluídas por quê? Porque têm uma relação familiar extremamente complicada, não existe...
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O que a gente achou, nessa pesquisa que realizamos entre 2004 e 2008, tem a ver com muitos dos achados que também Florestan Fernandes tinha observado em São Paulo, na Grande São Paulo na década de 50, ou seja, não houve grande avanço nisso.
Essas famílias têm dificuldades na reprodução dos papéis de pais, de filhos. Normalmente, os mais fortes abusam dos mais fracos, inclusive, o abuso sexual é frequente. Obviamente, destroem-se pessoas a partir disso, não se estimula filhos, não se cria condições para que essas pessoas cheguem à escola com alguma chance de sucesso escolar e, depois, de sucesso ao mercado de trabalho.
A sociedade moderna, o capitalismo moderno exige que haja incorporação, antes de tudo, de conhecimento para que se tenha produtores úteis. Não existe produtor útil no capitalismo moderno sem que se incorpore conhecimento.
E nós temos toda uma classe de pessoas que foram incapazes de incorporação de conhecimento em qualquer forma significativa e, por conta disso, elas têm que vender a sua energia muscular, assim como o cavalo vende a sua; quer dizer, são exploradas na sua energia muscular. Por exemplo, empregadas domésticas, faxineiras etc. Pouquíssimo capital cultural e muito de trabalho corporal, músculo etc.
Essas pessoas, portanto, não podem entrar no mercado competitivo, elas são exploradas em seu corpo, trabalho pesado, duro, perigoso etc. Nós temos ainda grande parte da nossa população dentro desse nível de exclusão.
Acima dessa classe, nós temos também o que a gente poderia chamar de uma nova classe trabalhadora, que é uma classe trabalhadora que não é só brasileira, que foi chamada de classe C etc. e está longe de ser um jabuticaba. Ou seja, não é apenas uma classe brasileira, é uma classe que o capitalismo financeiro tem criado em várias partes do mundo.
Eu tive ocasião, em viagens, de perceber fenômeno muito semelhante aos brasileiro em países como Índia, Tailândia, China, Turquia, ou seja, onde haja grandes massas de seres humanos dispostos a fazerem praticamente qualquer tipo de trabalho. Pessoas que são, em várias ocasiões também superexploradas.
Nós fizemos também uma pesquisa acerca dessa classe. Várias delas trabalhavam 14 a 15 horas. Algumas delas são autônomas, imaginam que não têm chefe quando, no fundo, seu chefe é o banco, é um chefe invisível. Várias delas têm vários empregos, trabalham até 14 horas ao dia, ou seja, são batalhadoras, como intitulamos no livro. São batalhadores que têm extraordinária vontade.
Para que a gente entenda bem, houve uma confluência na ascensão dessa classe não só em projetos de transferência do Governo, que foram decisivos, o crédito farto à época foi também decisivo, quer dizer, o contexto econômico foi extremamente importante em termos de emprego etc., mas houve também, não podemos esquecer, um aporte muito importante em autoconfiança e autoestima dado especialmente pelas igrejas pentecostais e neopentecostais especialmente a esse público.
O que a gente tem que ver aqui, senhores, é que essas pessoas enfrentaram dificuldades na vida, dentre elas, ter que trabalhar com 11, 12 anos de idade. Por isso essas pessoas nunca foram classe média. Esse termo não é adequado, porque a classe média é uma classe com privilégios. O grande privilégio da classe média é o fato de os filhos da classe média terem tempo livre, tempo livre para estudar. Esse é um extraordinário privilégio, porque aí você pode se apropriar de outro grande capital de toda a sociedade moderna, que é não só o capital econômico, mas o capital cultural. Não existe nenhuma função no mercado nem no Estado que possa ser exercida sem conhecimento. E a classe que se apropria desses empregos, desses salários, desse prestígio e desse reconhecimento é o que nós chamamos de classe média efetiva, real.
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Ou seja, a classe média é uma classe privilegiada, ela tem acesso a um tipo de capital que é extremamente concorrido, que é necessário. O que nós chamamos de nova classe trabalhadora não têm acesso a nenhum desses privilégios de nascimento; ela tem que trabalhar já, por exemplo, desde os 11, 12 anos de idade. É isso que nós vimos nas entrevistas que a gente fez no Brasil inteiro. E é uma classe, portanto, que padece não só de carências materiais, mas também de carências espirituais, emocionais, ou seja, pessoas que estão acostumada à humilhação. A gente tem que compreender pessoas que são habituadas a receberem olhares de cima para baixo, pessoas que você muda de calçada quando as encontra etc., etc.
Quer dizer, essa combinação entre carência material e carência simbólica é que está em jogo, e que, então, a gente entende, sob vários aspectos, a influência e entende por que vários milhões de brasileiros, a cada ano, adentram as igrejas pentecostais, porque o que essas igrejas vão dizer, ao contrário da experiência cotidiana dessas pessoas, a experiência de humilhação dessas pessoas, o que essas igrejas vão dizer é "Você existe, você é gente. Jesus está com você. Ninguém está com você, mas Jesus está com você". Ou seja, não é qualquer um. E o que nós vimos é que quase 70% dessa classe é pentecostal ou neopentecostal, porque exatamente os seres humanos precisam não apenas de condições materiais, mas precisam de condições simbólicas, precisam de reconhecimento, estímulo etc., etc., que é o outro capital que a classe média privilegiada tem. A classe média cria seus filhos sabendo que a vida é difícil, que você vai cair e se reerguer várias vezes, quando o destino nas classes desprivilegiadas é você cair uma vez e ficar no chão, no alcoolismo, no consumo do crack etc., etc.
Então, é esse horizonte que a gente precisa conhecer melhor, porque ele não é conhecido; ele não pode ser conhecido apenas a partir da sua renda. E essa é uma classe extremamente heterogênea; ela vai desde toda a forma de trabalho precarizado até pequenos empreendedores, que a gente não conhece. Na realidade, quando a gente diz, provocativamente, que o Brasil não conhece o Brasil é porque o Brasil não conhece. Quer dizer, porque você não conhece, especialmente esses 70% que são desprivilegiados e que não são da classe média, apenas sabendo qual é o seu nível de renda. Ou seja, isso adentra muito pouco de qualquer conhecimento sobre quais são as deficiências de socialização familiar que existiram e de que modo instituições estatais, o aparato institucional estatal da escola, da Justiça etc. vai lidar com esse público.
A gente considera que é absolutamente necessário conhecer melhor esse público na sua heterogeneidade. Isso vai ser extremamente importante para qualquer esforço de revolução escolar no Brasil. Porque, sem conhecer esse público, que chega com deficiências muito específicas, você não pode montar uma escola como se ele fosse de classe média, porque as suas necessidade socioemocionais são completamente distintas; e esse esforço vai estar condenado ao fracasso, por mais dinheiro que se aplique nisso. Quer dizer, dinheiro não resolve tudo! Você tem que conhecer, você tem que criar políticas específicas para isso.
E isso é importante não só nesse tema escolar, isso é importante também em temas tópicos. Eu posso citar um exemplo, que nós fizemos uma pesquisa sobre isso também, dos usuários de crack. O usuário de crack é exatamente essa ralé no seu último estágio, que já desistiu da vida. É uma forma de suicídio tamanha a humilhação. Esquece-se do mundo, da vida etc., etc. E nós fizemos um estudo tentando mostrar como a construção de pequenos futuros para essas pessoas, porque a noção de tempo, a noção de como você maneja o tempo é diferente de classe a classe.
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Literalmente, existem classes com futuro. O que é uma classe com o futuro? Uma classe com o futuro é aquela que pode planejar o seu futuro, fazer o cálculo prospectivo, ou seja, põe o futuro como mais importante do que o seu presente - a classe média, age assim. É mais importante a fruição futura do que o agora. Por conta disso, eu vou renunciar a certos prazeres, a certas necessidades que eu tenho agora em nome de um futuro melhor. A classe média é toda montada nisso. Aliás, a noção racional de ser humano é montada nisso. Ou seja, você planeja. E, como o futuro é difícil para todos - mesmo com planejamento, o futuro pode ser desagradável para alguns de nós -, sem planejamento não há futuro algum.
Então, classes e pessoas são condenadas a ficar no presente, pensar apenas no seu tempo presente. Elas literalmente, sem nenhuma figura de retórica, não têm futuro. Então, nós temos classes que são condenadas ao presente, e esse presente é extremamente, só para citar um exemplo, no caso dos usuários de crack, radicalizando, só se pensa naquele instante, o instante do uso da droga etc., etc. E nós descobrimos que uma forma de você tentar reabilitá-lo é trilhar uma estratégia de pequenos futuros, ou seja, alguns dias sem a droga, e, aí, pôr alguns prêmios para isso e tal. Quer dizer, é algo que foi importante para a estratégia e que agora o Ministério da Justiça está utilizando de forma massiva.
Isso mostra o quê? Sem conhecer e sem assumir a dificuldade da vida desses 70% de brasileiros, a gente não vai construir instituições que possam acolhê-los melhor.
Era essa mensagem que eu queria deixar aos senhores nesta manhã.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Nós queremos agradecer ao Dr. Jessé Souza.
Como eu já disse aqui antes, esta Comissão não é uma comissão deliberativa. O modelo que queremos adotar no futuro, inclusive, seria o de um plenário diferenciado, com uma mesa-redonda em que cada um pudesse participar do debate.
Eu quero convidar o Senador Cristovam Buarque, que é o Vice-Presidente da Comissão Senado do Futuro, inclusive, foi também o precursor desta Comissão, como já tive oportunidade de aqui falar isso, para que ele possa também falar aqui do trabalho nosso, da Comissão e, especificamente, do tema.
Quero agradecer aqui a presença dos Senadores que estão conosco: Senadora Fátima Bezerra, Senador Blairo Maggi, Senador José Medeiros, também do Senador Donizeti, da Senadora Lídice da Mata, que passou a integrar também a nossa Comissão, e de todos os que aqui estão presentes nesta audiência.
Agora, com a palavra, o Senador Cristovam Buarque.
Como eu disse, não temos ainda a lista de inscrição, mas, se quiserem fazê-la, Senador Donizeti...
Também quero deixar bem claro que podemos fazer o debate. A reunião não tem esse engessamento normal das nossas comissões deliberativas.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Pois não, Senadora Fátima.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Sr. Presidente, é só para dar o meu bom-dia, saudar aqui o Professor Jessé, Presidente do Ipea, pela importante reflexão que acaba de fazer; saudar o Dr. Alessandro, que também vai fazer uso da palavra; e o nosso companheiro, Senador Cristovam, que também vai fazer uso da palavra.
A minha questão de ordem, neste momento, é para solicitar a V. Exª se há como disponibilizar a fala do Dr. Jessé, cópias delas, para nós.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Com certeza será providenciada, Senadora.
Também quero anunciar aqui a presença do Sr. Vinícius Lobo, que é representante do Secretário de Políticas Públicas de Emprego, Giovanni Queiroz; também do Professor Denis Forte, assessor da Presidência do Instituto Presbiteriano Mackenzie; da Srª Maria Elenita Nascimento, Coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos da UnB; também da Srª Vanessa Meireles Barreto, Gestora Pública da Presidência da República; e ainda do Sr, Leonardo Freire de Aguiar Cavalcanti, Servidor do Ministério da Cultura e aluno de graduação de Relações Internacionais do UniCEUB.
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Com a palavra o Senador Cristovam, e peço que ele fique aqui na Presidência enquanto eu...
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Presidente, pela ordem, só para uma informação.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Pois não.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - O Sr. Alessandro já falou também? Pergunto porque eu cheguei atrasado.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Não. Ele vai falar em seguida.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Vai falar ainda. Obrigado.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Bom dia a cada uma e a cada um.
Presidente Wellington Fagundes, eu quero apenas dizer da minha satisfação de ver esta Comissão renascendo, depois de um semestre sem trabalho, e do ano passado ter sido um ano atípico por causa das eleições, em que o nosso trabalho foi muito limitado.
Peço desculpas por não estar aqui desde o começo, porque eu estou presidindo a Comissão de Ciência e Tecnologia, que está discutindo os cortes na área de ciência e tecnologia durante 2014. E, apesar da importância desta, lá é muito importante, porque a comunidade acadêmica hoje está assustadíssima, achando que, ao vir para cá um orçamento deficitário, nós vamos começar cortando verbas por aquilo que aparece menos, que é a área da ciência e tecnologia. Estão assustadíssimos com esse e risco de nós, Parlamentares, sermos os responsáveis pelos cortes que alguém terá que fazer para ajustar-se ao orçamento realista que chegou ontem aqui.
Então, eu vim aqui apenas para manifestar satisfação ao tempo em que fiquei triste de ver aqui tantos Senadores, enquanto lá eu só tenho um. (Risos.)
Quero dizer, ainda, que, do pouco que eu assisti da palestra do Professor Jessé, a quem admiro há muitos anos, sou seu leitor, fiquei muito satisfeito. E retorço a solicitação da Senadora Fátima, porque eu também vou ler. E saúdo o Alessandro, que é um velho amigo também de encontros no passado - e, se ele quiser, ele comenta -, que, com certeza, tem muito o que falar.
Obrigado, Senador Fagundes, e é um prazer saber que esta Comissão está nas suas mãos. E conte comigo aqui como seu auxiliar.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Bom; o meu assessor me corrige aqui, porque eu disse "José", mas é Jessé. Então, que fique bem claro: é Dr. Jessé.
Como o Dr. Jessé também tem outro compromisso, vamos primeiro, então, abrir aqui a palavra para algum questionamento diretamente ao Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Dr. Jessé, para, assim, permitirmos que ele possa sair. Em seguida, então, a gente passa para o Dr. Alexandre,
O Senador Donizete havia pedido a palavra; e, na sequencia, o Senador Blairo Maggi.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Professor Jessé, é um privilégio estar aqui ouvindo a sua exposição.
Eu não sou membro desta Comissão, mas estou presente aqui algumas vezes, porque essa questão do futuro, do planejamento, para mim, tem sido muito importante, tanto assim que nós apresentamos uma emenda ao art. 165 da Constituição para que o Executivo seja obrigado a fazer planejamento estratégico, com visão de 20, 30 anos. A PEC está em tramitação, e espero aprová-la nessa questão do Pacto Federativo.
Ouvindo o senhor, eu me recordei de uma fala, em 1989, do saudoso Plínio de Arruda Sampaio, que disse, àquela época, que nós tínhamos perdido a eleição porque nós conhecíamos a realidade concreta, objetiva do cidadão, mas nós não conhecíamos a visão, a ótica dele a respeito da felicidade, do amor, do bem-estar; a gente só conhecia o que vivia, mas não conhecia como ele enxergava, como ele lia o mundo. E. Aqui, ouvindo o senhor, eu recordei dessa questão.
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E, se entendi bem, do pouco que ouvi, porque não pude ouvir tudo, essa questão da nova classe média, que a Marilena Chauí tem chamado de uma nova classe trabalhadora e não de uma nova classe média, o senhor também está destacando que ela não é classe média; ela não tem os privilégios - e nem vou chamar de privilégio -, mas os direitos que já conquistou a classe média.
Quanto à questão dos 70%, a questão da religião, que o senhor colocou, eu gostaria que o senhor desse uma pequena recapitulada nisso para mim, apesar de que a gente vai ter acesso ao texto, mas eu quero dialogar com isso, que essa questão da visão de futuro é que nós não conhecemos, pelo que eu entendi do que o senhor nos disse. E, se nós não conhecemos a visão de futuro dessa nova classe, nós não vamos planejar o País para incluí-la. Ela ainda não está incluída, embora tenha melhorado de renda.
Eram essas as minhas colocações.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Blairo.
O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT) - Eu vou aproveitar, se o senhor me permitir, porque é na mesma linha do Senador Donizeti. Não é questionamento.
Eu também gostaria, Dr. Jessé, primeiramente, de cumprimentar V. Sª pela colocação. Eu quero dizer que fiquei surpreso. Eu ouvi coisas aqui, muito rapidamente, sobre as quais eu não havia ainda parado para refletir, como a questão da diferença da noção de tempo entre as classes. Quer dizer, eu sempre me perguntei: por que o cara não vê? É tão simples, não é? Ele não consegue enxergar que o futuro é atrás dessa barreira. E agora vem o Dr. Jessé aqui e coloca que, estatisticamente, é comprovado que são estanques as coisas.
Então, nesse sentido, acompanhando aqui o Senador Donizeti, eu gostaria de uma pequena recapitulada, para eu poder entender melhor esse processo e passar a ler um pouco mais, estudar um pouco mais sobre isso, porque eu acho que vai clarear muitas coisas para mim também.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Medeiros e, depois, a Senadora Fátima.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Sr. Presidente, Dr. Alessandro, Dr. Jessé, eu também, na mesma linha, achei muito interessante o que o senhor trouxe aqui e faz muito sentido.
O senhor fala sobre essa pessoa, para a qual, de repente, não se apresenta um futuro, e da correlação com o alto percentual de presença dessas pessoas nessas igrejas, vamos dizer assim. E,realmente, ela vai ali e ouve: "Bom, você tem futuro, sim. Você vai andar com Jesus e você é filho de Deus". Eu ouvi algo similar, nessa linha - eu não me lembro se era uma professora da Unicamp ou da USP -, há algum tempo, quando houve aquela primeira guerra entre a Globo e o Edir Macedo. Naquele momento, todo mundo esperava: "Bom; agora a Universal acabou". E ela não acabou. Na verdade, aumentou. E a professora fazia um estudo mais ou menos semelhante, dizendo o seguinte: "Olha, na verdade, o sujeito, na segunda-feira, vai enfrentar a colher de pedreiro, vai enfrentar um traço de massa, mas, no dia anterior, na igreja, o pastor lhe disse que ele era único, que era uma pessoa importante. Com isso, ele saiu dali energizado e ele vai bater massa a semana inteira. Quando está terminando as energias dele, ele vai à igreja de novo e recebe essa dose de energia". Ou seja, ela dizia justamente isso. E, na época, as igrejas eram as únicas que subiam o morro, num momento em que não havia UPP, não havia nada.
E eu achei interessante, porque o senhor traz, com mais clareza, o porquê disso, como é que isso também acontece por falta, justamente, dessas perspectivas. E é um pensamento muito profundo - embora possa não parecer - e interessante de se colocar, porque, na verdade, às vezes, a solução não está em grandes saltos, num duplo twist carpado; às vezes a solução está em, simplesmente, a pessoa ter uma perspectiva, ter um horizonte. Não é verdade?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Senadora Fátima, conforme havíamos combinado, eu gostaria que a senhora permitisse que uma das pessoas que aqui estão, que não seja um Senador, pudesse fazer a sua pergunta e, logo em seguida, daria a palavra à senhora.
Concorda?
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Não há problema não.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Então eu quero passar a palavra ao Professor Denis Forte, assessor da Presidência do Instituto Presbiteriano Mackenzie; e, logo em seguida, à Senadora Fátima.
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O SR. DENIS FORTE - Primeiramente, quero agradecer. Achei bem interessante a exposição.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Se possível, um pouquinho mais próximo ao microfone.
O SR. DENIS FORTE - O.k. Quero agradecer.
Eu sempre tenho um ponto de vista. Sou professor já há 16 anos, fui executivo e sempre procuro mais o que aproxima do que o que afasta. Então, acho que esse é o enfoque.
Um ponto que achei muito interessante é sua visão em relação - na realidade, eu sou professor de finanças - de que não se pode ficar só na visão de distribuição econômica, e, sim, pensar também em psicossocial.
Não querendo ser muito acadêmico e teórico, mas obviamente Bourdieu já falava da reprodução social, e eu acho que não é nem essa sua intenção de cortar o que já existe e o que é bom, evidentemente.
Agora, a parte da inclusão - por isso que eu falei das diferenças - é muito interessante. Também sou professor de finanças comportamentais, e o que aprendemos nisso? Que não adianta colocarmos conhecimento só de finanças se não há, ao final, comportamento e atitudes. Aí, eu junto ao seu pensamento o problema que você coloca de haver falta de valores. A instituição que represento aqui evidentemente é confessional e ela tem uma linha valores, e são esses valores que norteiam atitudes. Então, o que eu quero colocar é a função de universidades comprometidas, escolas e universidades que tenham esse conceito de valores e que trabalhem atitudes, para, depois, inserir isso de uma maneira produtiva na colocação de recursos, porque, como você disse, não adianta você jogar dinheiro fora. E o que temos visto é que muitas tentativas são feitas meio isoladamente.
Eu acho que universidades e escolas têm que ser chamadas, sim, num papel de contribuição, porque são elas que levam esse lado atitudinal, que vai fazer a mudança comportamental, porque, senão, não adianta nada esse conhecimento, não adianta um aumento de renda, se o tipo de comportamento não vai mudar.
Então, é mais essa reflexão que eu queria levar a todos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - ... transmitida, desde o seu início, pela TV Senado e pelos meios de comunicação social da Casa.
Aqui já temos uma pergunta, que é bastante genérica, não específica: qual o projeto, se temos, para mudar a cultura milenar da desonestidade dos políticos, Parlamentares e homens da lei, que dirigem este País, para que o povo deixe de pagar a conta todas as vezes em que se descobre um rombo nos cofres públicos.
Agora, com a palavra, a Senadora Fátima Bezerra.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Sr. Presidente, primeiramente, eu quero aqui, mais uma vez, saudar o fato de estarmos aqui, através da Comissão Senado do Futuro, fazendo um debate dessa natureza, dessa envergadura.
Esse debate, Prof. Jessé e Prof. Alessandro, é importante que se dê exatamente nesse formato. Qual o formato a que eu me refiro? É ao fato de que essa comissão não está atrelada ao cotidiano parlamentar das discussões vinculadas obrigatoriamente, por exemplo, aos projetos e proposições legislativas que tramitam nesta Casa.
Esta Comissão é exatamente para fazer o debate de uma maneira bem livre e bem espontânea. É por isso, inclusive, a ousadia do nome: Comissão Senado do Futuro. Quer dizer, é muito bom que tenhamos a oportunidade de trazer pessoas aqui, como o Prof. Jessé, como o Prof. Alessandro, cuja trajetória profissional é respeitada, sabemos, como estudiosos, omo pesquisadores.
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O Prof. Jessé, inclusive, para minha alegria, é meu conterrâneo, é lá do Rio Grande do Norte, gaúcho do Norte.
Quero agradecer também o Prof. Alessandro, que atendeu o convite do nosso mandato para vir a colaborar e enriquecer com o debate aqui hoje.
Quero saudar esse debate e saudar essas iniciativas da Comissão do Senado.
Fazer uma reflexão aprofundada, inclusive, em determinados momentos, fugindo desse padrão, Senador Wellington, que são os debates acalorados, açodados em determinado momento, até porque isso faz parte do próprio perfil do Legislativo, é muito bom. É bom fugir, em determinado momento, dessa configuração e aqui mergulhar em uma reflexão profunda, buscando dados que nos façam pensar esse Brasil para além dos 10, 20, 30, 50 ou mais.
Quero só terminar referindo-me à reflexão que V. Exª traz aqui desse debate da nova classe média. De um lado, ha o empoderamento dela via consumo, mas, de outro lado, qual é o empoderamento dessa nova realidade que está aí, do ponto de vista do acesso aos bens culturais etc, etc?
Dentro desse debate, Prof. Jessé, faço um destaque com relação à educação. Estou cada dia mais convencida, mais convencida mesmo, de que o País tem que se voltar muito para o tema da educação, muito, muito. Não é razoável, de maneira nenhuma, um País como o Brasil, a despeito do quanto avançamos, conviver com o déficit de escolarização, de educação, existente no nosso País. Claro que todos sabemos que isso é fruto de séculos de exclusão, de falta de responsabilização do Estado brasileiro, para com o direito de educação do nosso povo.
O direito de educação do povo brasileiro foi negado durante muito tempo e só muito recentemente é que começamos, na verdade, a definir políticas de caráter universalizante para que o Estado cumpra seu papel, cumpra o seu dever, inclusive de acordo com a Constituição, que é garantir o direito de educação da creche até a pós-graduação, passando pelo ensino médio etc, etc.
Quero deixar um tema aqui para suas reflexões, Prof. Jessé: entre essas mudanças pelas quais passou a educação brasileira nesses últimos doze anos, uma das mudanças que me parece muito relevante foi o advento do Fundeb, que é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, que, aliás, está para terminar, em 2020. Por isso, já estamos fazendo o debate aqui na Comissão de Educação da nossa Casa, no sentido de apresentar proposição não só para manter o Fundeb, por tudo que ele significa em termos da política de inclusão social no campo da educação básica, mas também para reformular o Fundeb do ponto de vista de ampliar a participação da União, do ponto de vista inclusive financeiro junto aos Estados e Municípios.
Citei o Fundeb para deixar isso para reflexão também de suas pesquisas, repito, pelo caráter que ele teve. Qual foi o caráter do Fundeb? Foi, de repente, olhar que a educação não pode ser tratada de maneira fragmentada, como era o Fundef, que teve seus méritos, mas teve suas limitações. Foram exatamente o quê? Era uma política que olhava só para a criança de primeira até a oitava série. E o Fundeb vem para dizer: não, temos que olhar para a educação desde a creche, depois a pré-escola, o ensino fundamental, a educação básica com as suas mais variadas modalidades.
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Volto a dizer que houve avanços, houve conquistas importantes durante esses últimos anos. Temos um novo Plano Nacional de Educação a nos desafiar do ponto de vista não só de dar continuidade a essa luta em defesa da educação, mas ousar mais ainda e ousar, inclusive, realizando as metas no novo Plano Nacional da Educação, porque eu, sinceramente, não acredito que possamos avançar do ponto de vista da nação com que todos sonhamos, essa nação inclusiva, em que as pessoas sejam empoderadas não só pela via do consumo, mas por terem consciência de que são portadores de direitos, de terem consciência de que têm direito à cidadania plena. É isso. Acho que a educação é imprescindível, é fundamental.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - ... que é o chefe de gabinete do Ipea, a Elaine Coutinho Maciel, que é assessora da Presidência do Ipea, e o Antônio Cardoso de Souza, visitante.
Eu gostaria de passar a palavra ao Paulo Springer, que é consultor legislativo aqui da Casa.
O SR. BLAIRO MAGGI (Bloco União e Força/PR - MT) - Presidente, eu gostaria de pedir que, se o Presidente Jessé pudesse nos responder, porque tenho outras comissões para estar presente e acho que todos nós estamos ansiosos...
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Quanto tempo é a participação do Paulo? É rápido?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Eu gostaria de aproveitar, então, na linha do que foi colocado pelo internauta, Dr. Jessé, e sobre o que o senhor discorreu, o que o senhor diria para a classe política?
Percebemos hoje que está muito difícil para a classe política fazer o discurso e se aproximar principalmente da classe média, que, como V. Sª citou, conseguiu galgar uma posição muito melhor. Claro que as exigências dessa classe média, principalmente de permanecer ou melhorar, são sempre muito maiores. Ninguém quer retroceder. E agora nós estamos num momento de economia em retração, dificuldades no País, depois de um boom de vários anos.
Como V. Sª analisa a participação para nós, da classe política, de um modo geral, não só o Legislativo, mas também o próprio Executivo, para tentar chegar mais próximo da classe média, que é a grande massa?
O SR. JESSÉ JOSÉ FREIRE DE SOUZA - Obrigado, Presidente.
Eu agradeço as questões e acho que há dois aspectos que poderíamos tentar aprofundar, ainda que rapidamente. Um é exatamente essa questão que o senhor pôs agora e que eu acho que é a importância de o Brasil ter um instituto como o Ipea. Ou seja, são poucas nações no mundo que têm um instituto dessa envergadura. Isso não existe na América Latina. Mesmo em países como a Alemanha, existem estudos só de política econômica, e o Brasil tem dessas coisas que são boas notícias e as construções históricas institucionais que aconteceram entre nós, um estudo que une economia e ciências sociais, o que é extremamente importante para a política.
Eu estou me referindo aqui à minha vida como pesquisador, e várias dessas pesquisas têm os limites inerentes a pesquisas pequenas, a pequenos orçamentos, e caminha no sentido de definir como o Ipea pode ajudar o Brasil a se compreender. Questões como esta que acho extremamente importante: quem são essas classes? Por exemplo: nós fizemos o primeiro estudo empírico, criticando essa nação de classe média, como se fosse uma classe privilegiada, e tivemos uma série de pessoas, especialistas, que nos acompanharam nisso, mas existe uma transformação se operando agora e não se sabe o que está acontecendo.
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Cabe a institutos como o Ipea analisar, porque ninguém vai fazer. Não se constrói um instituto com esse tipo de embocadura, com esse tipo de ambição, com esse tipo de ousadia do dia para a noite. Quer dizer, não fica apenas no aspecto econômico das análises, que é extremamente importante - obviamente é extremamente importante, repito - mas que é uma parte apenas do problema se não entrarmos nessa construção de seres humanos. Na verdade, os seres humanos são muito mais do que agentes econômicos, são pessoas que têm necessidade de autoestima, de autoconfiança, que são formados de uma maneira que não tem a ver apenas com ideias refletidas. E podemos usar, Senador, uma questão muito interessante o senhor põe, de que os seres humanos são muito mais montados por ideias, atitudes, capacidades e disposições que eles não sabem que têm. Um exemplo disso é quando, por exemplo, atravessamos a rua. Vamos pensar duas vezes. Os cálculos sofisticados que fazemos da velocidade do carro que vem da esquerda, do carro que vem da direita, a nossa própria velocidade; não dizemos: "eu vou calcular agora". Simplesmente calculamos, é algo que temos, ou seja, alguns de nós temos e outros não.
Esse tipo de conhecimento é montado em tenra idade, ou seja, coisas que temos e que não sabemos que temos. Por exemplo, a questão do tempo. O senhor tocou nesse ponto que acho um tema extremamente importante. Por quê? Ele é extremamente importante para a noção de sujeito econômico. Não o homo economicus, que imaginamos que tem as mesmas capacidades e habilidades. Isso é uma ficção, é uma abstração e fazer política baseada nele, especialmente política para esses 70% que não compartilham desse mesmo aprendizado que a classe média teve é fazer má política. E essa noção de tempo tem a ver com, por exemplo, se você vai conseguir poupar, se você vai conseguir ter o seu negócio, se você vai pensar o seu negócio em uma semana, um dia ou dois, ou em um ano etc. Esses são temas que não conhecemos e que é extremamente importante conhecer para qualquer política de incorporação produtiva, econômica de largos setores.
Nós, no fundo, somos um País basicamente que continua sendo exportador de matéria-prima e temos 70% da nossa população que é trabalhadora precária. Esse é o ponto. Temos que, antes de tudo, assumir a verdade, assumir o mundo como ele, os fatos. E, se temos 70% da nossa população em graus variados de precariedade como trabalhador, como queremos ter futuro nesse mundo competitivo?
A união da vontade política esclarecida com o conhecimento que só podemos ter se nos debruçarmos sobre esses fatos e se fizermos uma análise porque essa classe não é uma só, Presidente, ela é extremamente heterogênea. O Brasil é um País continental sob formas regionais muito distintas. Essa classe é ela é cambiante etc. E tudo de que estamos falando aqui são aspectos não econômicos que vão influenciar inclusive os aspectos econômicos porque, por exemplo, você pode calcular a sua vida, e isso é extremamente importante não só para a ação do Estado. Isso é extremamente importante para a conscientização da sociedade brasileira.
No caso, existe muito ressentimento com os pobres do Brasil - vamos assumir, essa é outra verdade - e isso dificulta a ação do Estado, isso torna difícil o progresso social mesmo com um Estado que tenha boas intenções. Se você tem uma sociedade muito conservadora que vai ter raiva do pobre achando que o pobre é preguiçoso, burro etc. Não é isso?Quero dizer, isso acontece quando temos a formação muito distinta de pessoas que não podem ser culpadas porque nasceram numa família pobre.
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E aí eles não tiveram os estímulos que tivemos. Isso não é mérito, ou seja, como tudo isso é tornado invisível, se constrói uma ideologia do mérito, quer dizer, quando todo esse mérito individual é socialmente construído. Pessoas que vão ter coisas, ter acesso a coisas na vida, tiveram pais ou pessoas importantes significativos que os ajudaram nisso, seja de um modo pré-reflexivo, passando o exemplo, quer até sobre exemplos explícitos. Há gente que nasceu, teve o azar de nascer em condições e em famílias que nunca receberam isso, uma reprodução da miséria, uma reprodução da incapacidade, e que toca em uma questão - que eu acho extremamente importante essa que o senhor coloca -, que é a responsabilidade social do Brasil. Ou seja, somos responsáveis por essas pessoas porque elas não têm culpa de serem o que são, ou seja, elas não têm culpa de não poderem ter as habilidades, capacidades e atitudes que pessoas privilegiadas têm.
Então, temos que, como brasileiros, fazer coisas que outras nações tiveram de fazer com sangue, com guerra.
Essas conquistas que têm a ver com a universalização e a uniformização desse tipo de capacidade para a maior parte da população, em países europeus, aconteceram com guerra - depois da 2ª Guerra Mundial e não só -, com sangue nas ruas, trabalhadores morrendo.
O nosso desafio é chegar a uma consciência disso, porque isso tem a ver com consequências que são extremamente deletérias para o País como um todo, em segurança, gargalo de mão de obra, ausência de produtividade, Não há futuro para o Brasil sem o resgate dessas classes desprivilegiadas, que não têm culpa de serem o que são e de estarem na situação em que estão.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Professor, a sociedade evoluiu, constituiu o aparelho de Estado para disciplinar suas relações, para prover suas necessidades. Essa parcela estaria inconsciente ou conscientemente se sentindo traída pelo processo de o Estado não ter criado para ela essas oportunidades? Isso interfere na relação hoje de, por exemplo... A tendência desses que foram incluídos - e até pelo o que o senhor falou em relação às religiões - é mais ou menos de pensar assim: "foi pelos meus méritos e não porque há um conjunto de políticas que promoveu isso".
Ao não ter consciência de que um conjunto de políticas desenvolvidas promoveu essa nova situação na vida dele, e ele não tendo alcançado os privilégios, como o senhor disse, da outra camada da sociedade, ele se sente mais uma vez traído, e aí a solução é Deus? A solução é procurar em Deus esse conforto que ele não consegue ter, mesmo tendo melhorado parte de sua vida?
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Para aproveitar, como já tinha anunciado Paulo Springer, há aqui algumas perguntas também feitas pelos internautas.
O Bruno Coelho pergunta: "Dr. Jessé, o senhor acha que o imposto sobre grandes fortunas seria um começo para remediar a desigualdade brasileira?
A Tatiana Timburiba pergunta: "Para falar em perspectiva do futuro, temos que pensar em planejamento para longo prazo. Como conciliar os prazos entre os mandatários que sempre querem fazer algo para agora e as reais necessidades da sociedade brasileira que exigem ações contínuas muito mais longas?"
O Bruno Coelho comenta: "A desigualdade começa com a cultura da "carteirada", atitude desprezível e histórica. Enquanto não houver igualdade entre todos perante a lei (juízes, membros do MP, Deputados e Senadores), não podemos esperar nada."
O Roberto Silva da Penha: "Quero reforçar que o protestantismo não se restringe apenas a dizer que o indivíduo é algo importante; o Evangelho, na verdade, traz uma série de preceitos importantes para o convívio social, os quais são praticados pelos seguidores, independentemente das classes sociais."
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Acho que eu disse aqui o nome: Roberto Silva da Penha.
E ainda a pergunta da Bruna Vasconcelos: "Como se posicionará o Congresso diante de projetos que reforçam e aprofundam essas desigualdades?" A Bruna pergunta também: "Como construir um país melhor, com menos desigualdades, se o Governo, na situação atual de extrema dificuldade econômica, concederá novo aumento no teto do funcionalismo público?"
Veja que é contraditório também: uns querem muito e outros dizem que já estão tendo demais.
Vamos ao Dr. Paulo Springer, para que ele possa responder, como já havia sido anunciado. Depois que V. Sª encerrar a sua participação, vou passar para o Alexandre. É claro que gostaríamos de ficar aqui muito mais tempo.
O SR. PAULO SPRINGER DE FREITAS - Bom dia, Senador.
Bom dia, Professor Jessé Souza e Dr. Alessandro Candeas, Senadores presentes, demais pessoas.
Eu queria só fazer alguns comentários. Primeiro, eu achei muito instrutiva a palestra. Apesar de já ter lido alguma coisa do que o senhor escreveu, essa forma de colocar... A desigualdade econômica não significa, na verdade, uma maior igualdade social em termos de perspectivas e tudo.
Eu gostaria que o senhor comentasse um pouco como vê, no futuro, duas coisas. Em primeiro lugar, essa diferença que o senhor colocou, bastante interessante, do professor universitário e do funcionário da Fiat acho que não é privilégio, não é característica só do Brasil. Nos Estados Unidos, o professor universitário vai ter também uma visão de mundo totalmente diferente, assim como na Suécia, na Dinamarca, em qualquer lugar. Então, em que medida essa diferença de percepção pode realmente prejudicar? Se pensarmos em longo prazo, se o Brasil um dia chegar lá, em que essa diferença de percepção pode ou não prejudicar a sociedade futura?
Em segundo lugar, o senhor começou a exposição falando que nós tivemos uma encruzilhada, em 1964, quando optamos por um modelo exclusivista, digamos. Agora, eu entendo perfeitamente que, nos últimos anos, nós passamos por um processo de gradual melhora da distribuição de renda. Começamos com a universalização do acesso à educação nos anos 90 - aliás, a própria Constituição de 1988 previu várias coisas - e, depois, com a intensificação de programas, durante os governos petistas, como Bolsa Família, etc. Estamos agora, talvez, em um processo para reverter muitos desses ganhos, mas, em relação ao ponto que o senhor colocou e que eu achei muito interessante, que é essa questão de perspectiva, de visão de mundo e tudo o mais, de fato houve alguma mudança nos últimos anos ou não? Se houve, estamos novamente numa encruzilhada? Ou é uma coisa que já foi dada, e não estamos nos desviando do caminho tomado, talvez, desde a Colônia, desde o Brasil Colônia?
Por fim, gostaria também que o senhor colocasse um pouco mais suas opiniões sobre em que medida essas igrejas seriam mais importantes até do que os programas de transferência de renda para criar uma perspectiva para essa classe.
Só quero colocar um ponto de vista, já que tenho formação em Economia. Entendo que não é contraditória a questão da igualdade de renda e da igualdade de oportunidades - elas não são contraditórias. Mas eu não desprezo... Acho a questão do crescimento econômico muito importante por duas coisas. Mesmo que se preservem essas diferenças... Primeiro, a questão do privilégio, o privilégio do tempo, que o senhor abordou. Acho que essa melhoria de renda é fundamental para colocar as crianças na escola, e não no trabalho. Depois, o crescimento econômico, por si, pode dar uma perspectiva para todo mundo. Essa ideia de só enxergar o hoje... Quando se vê uma economia crescendo, normalmente isso está associado à mobilidade social, como aconteceu no Brasil - quer dizer, quando saiu do país urbano para o rural. Muitas pessoas que eram pobres... muitas pessoas que hoje são da classe média tiveram pais ou avós que eram lavradores ou pessoas muito pobres. Eu acho que esse tipo de mobilidade também cria uma expectativa muito grande. Então, essa questão do crescimento continua... Embora eu não ache contraditória, como o professor colocou, essa questão da educação, que acho importantíssima e dá uma perspectiva para as pessoas, o crescimento ajuda muito também.
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O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Como conclusão - eu quero também depois repassar essas perguntas -, gostaria que elas fossem respondidas pelo Ipea, até para motivar ainda mais a participação popular nessas nossas audiências.
E aqui tem a última, do Altair Lima. Ele diz: "Enquanto o objetivo dos políticos e do Governo for apenas tentar se reeleger para a próxima eleição, não podemos vislumbrar projetos de longo prazo que realmente alterem a situação atual das classes desprivilegiadas." Isso é apenas um comentário que ele faz.
Aqui, como estava inscrito também o Dário de Andrade, que é consultor... Dário ou Dario?
O SR. DARIO ALBERTO DE ANDRADE FILHO - Dario.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Dario de Andrade, Consultor Legislativo. Penso que ele poderia também falar, fazer as suas indagações e o senhor encerraria para depois a gente passar, então, ao Alexandre Candeias.
O SR. JESSÉ SOUZA - Eu peço desculpas ao senhor. Agradeço as questões, comprometo-me a mandar as respostas para a Previdência, mas estou atrasado. Nós estamos lançando um novo índice de vulnerabilidade hoje no IPEA, já estou atrasado. Peço a compreensão dos senhores e me comprometo a mandar as respostas também.
Se o senhor puder me dar...
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - A Secretaria já vai entregar. A Secretaria vai fazê-lo à sua Secretaria.
Então, quero passar a palavra ao Dr. Alessandro Candeias, Coordenador Geral de Projetos do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais/MRE.
O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, fundado em 1987, é um órgão da Fundação Alexandre Gusmão (Funag), vinculado ao Ministério das Relações Exteriores.
Ele é diplomata de carreira, doutor em Socioeconomia do Desenvolvimento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2002.
O SR. ALESSANDRO CANDEAS - Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Wellington Fagundes, senhoras e senhores, Sr. Senador.
Muito obrigado pela honra do convite para participar desta audiência pública sobre o tema Impasses e Perspectivas da Sociedade Brasileira.
Eu gostaria de começar com uma provocação com o gancho do título da sessão: impasses. Qual é a melhor forma de se sair de um labirinto? O labirinto tem duas dimensões; a melhor forma de sair do labirinto é agregar a terceira dimensão e sair por cima do labirinto. Acho que essa é exatamente a visão desta Comissão, a Comissão Senado do Futuro. Ou seja, dentro dos impasses em que nós vivemos, a saída para o impasse, a melhor saída, é vislumbrar o futuro - onde queremos chegar -, senão nos perdemos no labirinto do presente, das dificuldades.
Em respeito ao horário e às diversas comissões de que eu sei que os Srs. Senadores participam, eu gostaria de começar com a conclusão. E a conclusão é uma proposta, uma sugestão de pauta de ação para esta Comissão. Proposta de lançamento de uma ação sistemática de governança estratégica de longo prazo, no formato de conferências nacionais de pensamento estratégico.
Nós temos no Brasil conferências nacionais sobre educação, sobre segurança alimentar, sobre saúde; conferências em formato muito livre, muito amplo, com grande representatividade dos participantes. E dessas conferências nacionais surgem políticas públicas, iniciativas de legislação.
Nunca foi feita no Brasil uma conferência nacional de pensamento estratégico que procurasse justamente construir um consenso nacional, por cima de partidos, de diferenças ideológicas, de classes. Acho, portanto, que sim, haveria muito espaço e muito potencial e, sem dúvida, uma resposta muito positiva da sociedade - sociedade civil, sociedade política, empresarial - a uma iniciativa que se voltasse para pensar o Brasil no longo prazo, construindo consensos por cima de todas as divergências que possamos ter.
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Esta é uma pergunta fundamental para se iniciar uma reflexão sobre o futuro: "existe ou não um pensamento estratégico para o Brasil?" Como eu disse, eu começaria com a conclusão: entendo que sim, desde os anos 40, pelo menos, uma série de programas nacionais de desenvolvimento, de planejamento consolidou-se, sedimentou na cultura brasileira institucional, acadêmica e mesmo na população, com uma visão mais ou menos convergente de futuro para o Brasil.
Apesar de diferenças políticas, sociais, é possível dizer que há, no Brasil, uma certa visão muito convergente de futuro: que Brasil queremos ser daqui a 50 anos? O que há são diferenças, talvez, de métodos, de caminhos, mas temos muita convergência em relação ao futuro. E é com base nessa convergência que está sedimentada através de décadas e décadas de pensamento estratégico que, creio, a Comissão Senado do Futuro poderia lançar, no formato de conferências nacionais, um projeto visando ancorar justamente a nossa visão de longo prazo.
Portanto, eu queria um pouco detalhar o que seria essa proposta de governança estratégica - conferência ou conferências, no plural - nacional de pensamento estratégico. A ideia seria que a Comissão Senado do Futuro, com a legitimidade que tem, pudesse assumir a liderança e lançar essa conferência nacional, reunindo representantes do Governo e da sociedade civil: Legislativo, Executivo, Judiciário e também empresários, sindicatos etc.
A ideia seria trabalhar no conceito moderno de rede, muito dinâmica, muito flexível, muito leve e muito barata, sobretudo. Então, seria criar uma rede de governança estratégica dedicada a estudar e propor, de maneira sistemática, uma série de políticas públicas, legislações, ações governamentais, soluções institucionais que viessem, como estamos no Parlamento, e que também assumissem o formato de leis para o desenvolvimento do Brasil, mas sempre com base no longo prazo, onde queremos chegar.
A ideia seria, portanto, construir consensos nacionais em torno de três pontos: primeiro, visão de futuro para o País. Que projeto de nação temos? Quais são os cenários prospectivos do Brasil e do mundo, ou seja, como imaginamos que o mundo vai estar daqui a 20, 30, 40, 50 anos na segunda metade do Século XXI? E, dentro desses cenários prospectivos, qual o cenário ou quais os cenários interessantes para o Brasil, ou seja, vendo as curvas das tendências atuais para onde o mundo está caminhando e para onde o Brasil está caminhando? Será que isso interessa? Sim ou não? Podemos mudar o curso dos acontecimentos fazendo investimentos internos? Esta é a segunda pergunta. E terceiro, claro, quais são as prioridades? Quais são as metas? Quais são as metas? Quais são as estratégias de longo prazo de balizamento para programas de planejamento e gestão que passam aqui pelo Congresso?
Por exemplo, estamos começando a discutir o PPA 2016/2019. Como podemos pensar quatro anos, sem pensar 30, 40, 50 anos? Não ter a âncora no longo prazo gera uma série de improvisações, de perdas e de má utilização de recursos, de erros estratégicos, que podem ser evitados, quando se tem uma ideia clara de qual é o final do caminho, PPA, os PACs, as LDOs.
Então, a proposta da Comissão seria uma articulação em torno de dois círculos concêntricos. Primeiro, um círculo núcleo de governo; segundo, núcleo da sociedade civil. Núcleo do Governo: três Poderes e o pacto federativo. A iniciativa - sugestão, portanto - seria que essa conferência fosse lançada a partir do Congresso, a partir do Legislativo, com a liderança desta Comissão, Comissão Senado do Futuro, e que pudesse, eventualmente, envolver outras instâncias aqui do próprio Congresso.Conheço, por exemplo, da Câmara dos Deputados, o Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Certamente, haverá outros que poderiam se envolver nesse núcleo legislativo da União. O Legislativo se articularia com o Executivo, enfim, várias instâncias do Executivo, a própria Casa Civil. Existe o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Ministério do Planejamento, evidentemente, onde se passa do pensamento, do planejamento de mais longo prazo para um nível mais operacional, ou seja, planejamento e investimento estratégico e a própria gestão e o orçamento que deriva da gestão.
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Seria uma rede que envolveria, também, além da Casa Civil e o Ministério do Planejamento, as unidades de planejamento dos principais ministérios. Muitos ministérios, praticamente todos, têm uma unidade de pensamento e de planejamento de longo prazo, energia, enfim, e o próprio Itamaraty, eu pertenço ao Itamaraty. A ideia seria, portanto, constituir uma rede composta também por essas unidades de planejamento. O Ipea, com Dr. Jessé. A Secretaria de Assuntos Estratégicos, não sei qual o futuro da SAE, mas de qualquer maneira o Ipea certamente participaria, seria um ator fundamental dessa articulação. O Ipea é parte da SAE.
Haveria articulação evidentemente com o Judiciário, Conselho Nacional de Justiça, Centro de Estudos Judiciários, e evidentemente um pacto federativo é fundamental. O futuro do Brasil passa pelo local, passa pelo Município, passa pela Federação. Então, que sejam também convidadas a participar representações dos governos estaduais, municipais, os fóruns, por exemplo o Conseplan. Esse seria, portanto, o primeiro núcleo, o núcleo central de execução de pensamento, mas também de execução que tem o controle do orçamento, enfim. E o segundo núcleo, não menos importante, é o núcleo de articulação com a sociedade civil, envolvendo universidades - aqui temos vários professores - instituições de pesquisa, mais uma vez o Ipea, a FGV, Iuperj, a própria ESG, OAB e tantos outros, ou seja, instituições representativas do pensamento da sociedade civil, que possam enriquecer, e até mesmo corrigir algumas visões de governo.
Deve participar também o empresariado, naturalmente, instituições representativas do empresariado, Fiesp, CNI, CNA, sindicatos, associações de sindicatos setoriais. ONGs, lideranças religiosas - foi muito falado aqui - fundações ligadas a partidos políticos, Mais uma vez, o exemplo da Alemanha: as fundações ligadas a partidos políticos têm um papel fundamental no pensamento estratégico da Alemanha. Aqui, no Brasil, seria muito importante que as fundações ligadas a partidos políticos também participassem dessa reflexão de longo prazo.
Qual a missão dessas conferências nacionais de planejamento econômico? A ideia seria realmente tentar não de maneira normativa, não impositiva, mas de maneira um pouco mais propositiva, realmente de inspirar um projeto nacional de desenvolvimento.
A ideia de pensar, em longo prazo, projetos nacionais parece um pouco fora de moda, mas as empresas têm isso. Nenhuma empresa faz o seu investimento de longo prazo sem uma visão de longo prazo. É importante que o Governo assuma de maneira sistemática essa cultura do pensamento de longo prazo, para evitar mais uma vez improvisações, erros estratégicos que custam muito caro a todos nós tanto do ponto de vista orçamentário, quanto do ponto de vista político e institucional.
Tratar-se-ia de construir, então, um modelo de desenvolvimento legitimamente constituído por um pacto. A ideia aí realmente é um pouco mais ambiciosa, tentar estabelecer pactos em torno de consensos nacionais de educação, saúde, transporte, energia, entre atores nacionais, públicos e privados.
A ideia é não focalizar nas divergências que conhecemos, mas sim tentar fazer sedimentar as convergências que realmente são muito grandes. Basta estudar a história para ver que é possível identificar as grandes convergências que temos em relação ao futuro do Brasil. Portanto, seria, acima de divergências políticas, ideológicas, partidárias, de classe, tentar construir uma dinâmica estrutural de longo prazo e não conjuntural.
Muitas vezes, o urgente, o momento, atropela o importante e o de longo prazo. A ideia é tentar resgatar a relevância do que é efetivamente importante para que não seja sufocado pelo urgente.
A iniciativa, portanto, seria de Estado e não de governo. Estado de longo prazo é um pouco a cultura da minha instituição, que é o Itamaraty. Somos uma instituição de Estado. Nós pensamos o Brasil desde o Brasil Colônia até o Brasil futuro. Há uma continuidade, há interesses permanentes. Quais são os interesses permanentes da sociedade brasileira? E qualquer que seja o governo, qualquer que seja o partido, qualquer que seja a ideologia que esteja no poder é importante ter essa visão de longo prazo do Estado brasileiro. Há um caráter, portanto, permanente. Decisões, conclusões, a produção de documentos teria um caráter indicativo, ou seja, pensamento, não normativo o planejamento nem operacional ou gestão. Aqui temos três níveis: pensamento, planejamento e gestão.
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A sugestão que eu daria é do primeiro nível, mais amplo, mais abstrato, a longo prazo, o pensamento, não planejamento e nem gestão.
Muitas vezes - perdão, só retornando aqui - a gestão de curto prazo termina determinando o pensamento. Isso é uma inversão da lógica. Normalmente você tem que partir do geral, do longo prazo, do grande para o mais específico.
Então, para concluir, propostas de ação. A ideia, portanto, seria institucionalizar o pensamento estratégico de longo prazo por meio da constituição de conferências nacionais de pensamento estratégico - talvez por um decreto legislativo. Lançar, já este ano, a primeira conferência nacional de pensamento estratégico em paralelo com a discussão do PPA, um pouco até para tentar balizar e orientar algumas decisões do PPA. E, se for possível, realizar anualmente, ou em biênios, as conferências nacionais de planejamento estratégico.
A ideia seria criar uma dinâmica e uma cultura institucional dentro do Governo e dentro da própria sociedade civil. E lançar publicações periódicas com forte impacto na imprensa, com impacto de comunicação social.
Então, apenas só mesmo para concluir.
Nesse quadro, temos, um pouco, na coluna da esquerda, os principais temas e, em cima, os grandes planos de desenvolvimento do Brasil, desde o Plano Salte, nos anos 40, as metas de JK, o período militar, o plano trienal, o PAEG, os PEDs, primeiro e segundo PEDs, os PNDs, também do período militar, e a partir dos anos 80, enfim, 90 e depois da Constituição, os PPAs.
Então, é interessante ver que estes são os temas frequentes: saúde, agricultura, alimentação, transporte, energia. E nos PPAs todos eles estão previstos, mas, desde os anos 40, os mais importantes, os mais frequentes são saúde, agricultura, alimentação, transporte, energia. Basta fazer um estudo desta documentação para ver que há muito pouco de novo. Nós, desde os anos 40, pelo menos, já sabemos o que precisamos fazer no Brasil. Por que isso não tem sido feito? Alguns temas, portanto, os quase unânimes, são transporte e energia. Os mais constantes, saúde, educação, agricultura e alimentação, desequilíbrios regionais - isso começa muito na época do JK, anos 50 - e os mais recentes, sobretudo desde os anos 80 e 90, estabilização econômica, saneamento, ciência e tecnologia, competitividade, exportação, erradicação da pobreza e miséria, meio ambiente, etc.
O mais tradicional, historicamente, ou melhor planejado tem sido o tema da energia. Em segundo lugar, dos transportes e outros temas mais recentes que apresentam mais dificuldades, continuidade de investimentos e descoordenação.
Então, aí sim, para concluir, só mostrar esse gráfico. Esse gráfico, mais ou menos, compara a curva, os índices de crescimento no período do Brasil. Na linha horizontal, temos os planos, e a curva vai mostrar como o Brasil cresceu, quantos por cento, o percentual de crescimento, no período do plano. Então, no Plano Salte, nos anos 40, o Brasil estava quase 7%; meta JK, o Brasil cresceu bastante, 9%; depois Plano Trienal e PAEG, período militar, uma queda. O PED, os PNDs do período militar, anos 70, houve mais uma vez um crescimento, uma queda, desde o final dos anos 80 e começo dos PPAs. Os PPAs só se recuperam em 2004 e 2007. Uma ligeira queda em 2008 e 2011.
Enfim, o que é que se pode concluir dessa curva comparativa entre os índices de crescimento e os programas de planejamento econômico?
Os picos, os pontos mais altos, históricos, de crescimento comparados com os períodos de planejamento têm essas três coisas em comum. Primeiro, naqueles períodos em que se pode combinar uma visão estratégica de longo prazo. Segundo, um compromisso político permanente. Terceiro, uma institucionalidade sólida.
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Quando se combinaram essas três características dentro dos programas de planejamento, o Brasil produziu um crescimento econômico muito acentuado. Na falta de qualquer um deles, o crescimento é bem mais baixo, mesmo que você tenha um bom planejamento econômico. Se falta visão estratégica - e essa é a ideia da Nação, a visão construída pela Nação -; se falta o compromisso político permanente (de Estado, do Governo, acima dos partidos políticos) e se a institucionalidade é deficiente, por melhor que seja o seu planejamento de longo prazo, ele vai ser apenas uma peça de prateleira, uma referência história.
Então, eu gostaria de concluir com isso. Mais uma vez, é uma proposta de trabalho.
Obrigado pela honra de participar e, enfim, tanto como profissional, como representante das instituições de que faço parte: o Itamaraty, também fui Chefe de Gabinete da SAE (Secretaria Assuntos Estratégicos da Presidência). Mas, enfim acho que essa seria uma forma muito estimulante, que poderia dar nova dinâmica à Comissão Senado do Futuro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Eu quero aqui agradecer ao Dr. Alessandro porque, na verdade, ele já nos trouxe pronto um plano de trabalho da nossa Comissão. E eu já conversei com a consultoria, acho que não teríamos aqui a necessidade de fazer o decreto legislativo porque tudo isso está no âmbito da Comissão. Então, é perfeitamente possível a Comissão assumir esse planejamento e tocarmos dentro dessa proposta. Claro, cada um aqui depois poderia sugerir mas, de qualquer forma, entendo que esse é um plano de trabalho que a Comissão perfeitamente pode assumir.
Senador Donizeti. Depois nós vamos passar ainda aos inscritos.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Dr. Alessandro, há um grupo na Unicamp que debate a questão das políticas públicas e discute a questão do Estado que temos e o Estado necessário. E o senhor trouxe para nós aqui algo muito importante, como disse muito sabiamente o Presidente do Wellington: um plano de ação para essa Comissão.
Eu considero necessário institucionalizar não essa questão, mas a questão de, além do PPA... Em uma audiência pública com a Prof. Tânia Bacelar, discutimos isso, apresentei a ideia da emenda que eu tinha apresentado, ela disse que isso era muito importante. O legislador, o Constituinte pensou naquele momento o possível, que era planejamento de quatro anos. O senhor mostra muito claramente para nós que planejamento de quatro anos não consegue desenvolver política de Estado. Por isso, essa convergência que existe, sob meu ponto de vista, uma opinião própria aqui, não se materializa.
Temos, e quatro em quatro anos, um novo PPA. Os atores que determinam a força no PPA em um determinado momento, depois de quatro anos, não são os mesmos. Não são as mesmas agendas que têm força política para emplacar a sua agenda. E aí vem a necessidade, muito bem colocada... No encontro que o Senador Renan, nosso Presidente, promoveu com os governadores, eu disse, e o senhor reafirmou aqui, que nós temos feito o muito urgente. Quer dizer, não fazemos o importante. Fazemos o urgente, é aquele negócio de remediar. Nós não temos planejado suficientemente bem e não temos planejado ao longo prazo, então estamos remediando essa questão do Pacto Federativo, arrumando uma pontinha aqui e outra ali.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - E às vezes de forma muito mais midiática do que objetiva.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - E nós estamos discutindo distribuir o bolo que temos e não estamos discutindo como fazer esse bolo crescer.
Aí é muito importante, penso, que precisamos perguntar e responder às seguintes perguntas: Que Brasil queremos para daqui a 50 anos? Quanto ele custa? E quem vai pagar a conta? Porque passa por isso, de nós termos um Pacto Federativo, na verdade, um Pacto de Nação, como o senhor muito bem colocou, em que se pergunta: que país queremos para daqui 50 anos?
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Vamos pegar para 2050, menos de 50 anos. Como vamos fazer isso? Quanto custa fazer isso? E quem vai pagar a conta? Porque, se não definirmos quem vai pagar a conta, objetivamente, não conseguiremos efetivar esse planejamento. Não é definir o apoio, mas temos que ver as fontes. E aí é possível que, neste momento em que a sociedade planeja e vai executar esse planejamento, tenhamos que abrir mão de algumas coisas, pagar caro. A Alemanha paga mais imposto do que nós; os Estados Unidos pagam muito menos do que nós. Não é a quantidade do imposto, mas é por que estamos pagando essa taxa de contribuição de impostos. Para fazer o quê? E isso não parece claro.
Eu, que sou defensor deste Governo, todo mundo aqui no Senado sabe, o único partido de que participei até hoje é o Partido dos Trabalhadores, discuto o desenvolvimento brasileiro desde 1989, a partir do PT, e penso que, mesmo no nosso Governo... E fica claro que no momento em que tivemos mais força política, o momento que o senhor mostrou, no momento da ditadura, em que havia um comando centralizado, houve um grande crescimento econômico. Embora não tenha havido um desenvolvimento econômico, houve um grande crescimento econômico. Se formos lá ao Getúlio, que era um comando forte, centralizado, também tivemos. Mas como fazer isso no exercício da democracia plena?
E aí o senhor traz para nós a ideia das conferências.
Senador Wellington, estou à disposição naquilo que estiver dentro das minhas possibilidades. Vou batalhar agora com os Senadores Fernando Bezerra e Walter Pinheiro, para ver se aprovamos essa emenda, porque ela é, acho, importante, é a obrigação do planejamento estratégico de longo prazo. Senão, vamos ficar restritos ao PPA. E quero me colocar à disposição. Acho que essas conferências são muito bem-vindas, e faltava isso neste momento. E aí eu acho que deve haver esforço do Legislativo com o Executivo e a sociedade civil organizada, desde a força de trabalho, como os donos dos bens de capital, para pensar o Brasil.
Nós estamos precisando muito disso agora, agora. A oportunidade é agora. Eu disse, um dia no Senado, que não sei se estamos preparados para fazer isso, Senador Wellington. Nós temos uma grande oportunidade agora, e não sei se vamos dar conta, se estamos preparados. Mas eu penso que estamos. É questão da orientação. O Sr. Alessandro vem com esse planejamento, eu acredito que vamos avançar muito. Estou muito feliz de estar aqui.
Eu tenho que ir para a Comissão de Educação, porque tenho um projeto de lei que vai ser discutido lá hoje, mas ainda vou ficar por aqui mais uns dez minutos, enquanto não começa lá.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Eu gostaria inclusive de convidá-lo para assumir aqui, enquanto eu vou ao banheiro.
Mas também, Senador Donizeti, penso que estamos, sim, preparados, porque aqui já tivemos dois palestrantes, que mostraram a competência e a experiência de como é possível. Eu acho que estamos mal acostumados. Nós temos capital humano preparado, com institutos, como é o caso do próprio Ipea e tantos outros, os partidos políticos, que são um instrumento inclusive com recurso à mão, através de seus institutos, e que às vezes têm muito mais vocação partidária do que de pensar o Brasil. E isso talvez seja o que está faltando para que inclusive nós, os políticos, tenhamos não só o discurso, a prática para ir ao encontro dessa nova realidade do Brasil e essa necessidade.
Eu quero aqui só ler a participação do internauta Altair Lima: "Sr. Alessandro, qual o seu posicionamento sobre a participação do setor privado na prestação de serviços públicos? Nessa seara, qual seria o modelo mais indicado: as concessões ou as parcerias público-privadas?" Eu acredito que a concessão não deixa de ser também uma parceria público-privada.
E aí então, aqui na sequência, nós temos o Dario de Andrade, que é o consultor legislativo, e a Profª Maria Helena Nascimento, que é coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos da UnB. Então, o Dario com a palavra, e o nosso companheiro, Senador, assume aqui um pouquinho.
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O SR. DARIO ALBERTO DE ANDRADE FILHO - Dr. Alessandro, eu achei muito instigantes as suas ideias. Eu achei muito interessante a ideia de um pensamento estratégico no Brasil, mas eu fico sempre pensando na questão da construção de consensos. É uma questão muito difícil que haja consensos que estejam acima dos conflitos ideológicos.
A gente, dando-se uma olhada na história brasileira mais recente, os últimos 40 anos, 50 anos, talvez os consensos que tenham sido criados foram em paralelo até o planejamento estratégico. A gente pode pensar, por exemplo, no consenso em torno da ideia de democracia no final da ditadura militar, nos anos 70 e anos 80; na questão da estabilidade econômica, depois de um longo período de crise nos anos 80 - hiperinflação, estagnação econômica -; e, no começo deste século, na década passada, no consenso em torno da ideia de combate à desigualdade.
Então, a dúvida com que eu fico é a seguinte: de que modo o planejamento estratégico será capaz de construir consensos, na medida em que a história brasileira sugere esses consensos, pelo menos nas últimas décadas, vêm muito mais em um momento de grande crise? Seria essa a indagação que eu faço ao senhor. (Fora do microfone.)
Democracia, estabilidade econômica e combate à desigualdade.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Professora, por favor, diga seu nome.
A SRª MARIA ELENITA M. NASCIMENTO - Bom dia, meu nome é Elenita. Sou da Universidade de Brasília e, atualmente, coordeno o Núcleo de Estudos Estratégicos Prospectivos. É, de fato, uma grande satisfação estar aqui nesta manhã, vendo concretizarem-se nossas ideias iniciais de que daríamos continuidade, Senador, aos trabalhos tão bem conduzidos na primeira etapa desta Comissão e que, agora, se vislumbram bastante - digamos assim - promissores.
Queria parabenizar e saudar o trabalho que Senador Fagundes vem conduzindo muito bem nesta primeira reunião de abertura em que o tema é bastante apropriado em função do momento de dificuldades por que estamos passando no País.
Considero que a reunião de hoje está sendo bastante produtiva. Na primeira parte, foi tratada a questão em que a visão de futuro deverá incluir, com muita força, essa nova classe social e que, sem ela, não há como a gente pensar em futuro. Na segunda parte, conduzida e muito bem apresentada por Dr. Alessandro, há uma questão propositiva desse fórum.
Eu, antes de entrar em uma reflexão maior sobre isso, queria dizer que nosso País é pródigo de estudos, tanto que aqui foram citadas várias instituições que tratam desses assuntos há anos, e a gente tem de entender onde está o gargalo e por que esses estudos não são levados a sério e por que não são, de fato, conduzidos para a sua real necessidade de execução.
Isso eu coloco em função dessa proposta do Dr. Alessandro, que é bastante pertinente, eu diria até que é urgente em função de ser um fórum permanente. Eu acho isso da mais alta relevância e todo o elenco de segmentos que ele coloca na proposta são verdadeiramente os segmentos que deveriam estar participando desta discussão.
Dr. Alessandro sabe, pois no ano passado estivemos em uma atividade bastante - digamos assim - exaustiva, em torno de pensar e de ter uma visão estratégica para o País, momento em que realizamos o 3º Encontro da Rede Brasileira de Prospectiva.
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Como sói acontecer no nosso País, muitas das nossas iniciativas terminam, às vezes, não por exaustão - eu não sei dizer -, mas nós, às vezes, não damos continuidade. Não queremos que isso morra, Dr. Alessandro. Seu papel na condução daquele trabalho com a nossa equipe foi da mais alta relevância e muito motivador. Eu acho que a sua proposta está muito condizente e muito alinhada a tudo aquilo que discutimos e tratamos naquele ano todo, praticamente, e que redundou no encontro no auditório do Interlegis.
Queria, neste momento, congratulá-lo, mais uma vez, pelas suas brilhantes ideias e propostas. Essa sua proposta é excelente. Ela é alinhada com esse nosso pensamento. E aqui me coloco, mais uma vez, como já disse ao Senador Fagundes, para trabalhar com esta Comissão.
Faria uma única observação: a proposta de se trabalhar esse fórum permanente utilizando a modalidade de redes é muito boa, porque, realmente, não dá para se trabalhar, sobretudo, com esse elenco todo de envolvimentos de várias instituições. Então, essa é uma forma. Ela deverá ser pensada na sua arquitetura e na forma de como ser conduzida para, inclusive, Senador, que ela não seja mais uma iniciativa que vai começar, mas não vai ter continuidade. Precisamos exatamente trabalhar na condução permanente e não desarticulada. Precisamos demais disso, porque começamos as iniciativas no nosso País, e, depois, elas são desarticuladas e vão morrendo.
Para isso, a proposta de trabalhar esse fórum em rede é muito pertinente, mas acredito que devamos ter, pelo menos um local - a proposta muito adequada foi a comissão -, conduzir isso de forma não mais eficiente, mas mais efetiva, e trabalhar - vejo isto de toda a minha experiência - com temas bem definidos e simplificar o processo, porque, às vezes, desarticulamos toda uma ideia, todo um trabalho por conta da complexidade que criamos, às vezes, nas coisas. E aí envolve toda uma questão burocrática que facilita.
A proposição do Senador de que essas reuniões fossem abertas já na última plenária é excelente. Tira um pouco dessa burocracia para que aqui possamos nos expressar. Isso tem sido visto pela grande participação dos internautas.
Então, Dr. Alessandro, a sua proposta está excelente, mas como conduzir mesmo em rede a partir da Comissão do Senado do Futuro?
E aqui me coloco à disposição.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Mesmo tendo uma irmã que se chama Elenita, acabei lendo aqui Maria Helena, mas está registrada Maria Elenita Nascimento.
Com a palavra, o Dr. Alessandro.
O SR. ALESSANDRO CANDEAS - Sr. Presidente, muito obrigado. Muito obrigado, Sr. Senador. Muito obrigado a todos os que reagiram a essa proposta.
Gostaria de começar me referindo aos comentários do Senador Donizeti, às perguntas sobre que Brasil queremos; quanto custa esse Brasil; e quem paga a conta. Acho que é importante, além dessas três perguntas, fazer as duas últimas perguntas no formato inverso: quando custa se não fizermos, e quem paga a conta se o planejamento não for bem feito?
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Então, muitas vezes, um investimento precipitado, malfeito, mal planejado, custa muitíssimo mais do que uma conta prevista pelo orçamento. Acho que é importante ter em mente que, de fato, as contas têm que fechar, a contabilidade tem que bater. Mas o pensamento estratégico também coloca essa outra questão: se não fizermos, qual o tamanho do estrago que vai ser?
Eu agradeço muito a reação positiva do senhor a essa ideia. Eu acho que somente a Comissão Senado do Futuro é capaz de pensar dessa forma.
Com relação à pergunta do colega internauta sobre parcerias, concessões, PPAs, setor público, setor privado, na prestação de serviços públicos, eu acho que a experiência recente do Brasil mostrou que é possível, sim, combinar as duas coisas. Há alguns serviços que só podem ser públicos por sua visão - de novo - de Estado e outros serviços que podem ser subsidiariamente, em alguns casos muitos específicos, talvez primariamente, prestados por empresas privadas. Eu acho que isso é difícil responder, de maneira geral, vendo caso a caso, com a experiência recente do Brasil, que eu acho que já aponta no sentido de que é possível compatibilizar público e privado.
Com relação à pergunta do consenso, é verdade, consenso, de fato, é muito difícil. E a coisa mais difícil do consenso é achar que ele não é possível. Eu digo isso até também por questão profissional. Como diplomata, nós trabalhamos sempre na construção de consensos. Se você já vai para uma reunião, para uma negociação, convencido de que o consenso não é possível, já é um fracasso a negociação. E o papel, digamos, até mesmo da diplomacia, no sentido popular, mesmo, é tentar construir as pontes e identificar as possíveis convergências, e é disso que se trata aqui.
É muito correta a sua observação de que muitos consensos foram gerados em períodos de crise. E se são hoje consensos, foi porque houve luta política algumas décadas atrás. Temas como justiça social, acesso à educação, acesso à saúde, no Brasil de 100 anos atrás, não eram absolutamente consenso. E graças, muitas vezes, a pessoas que sacrificaram até mesmo suas vidas para que hoje nós pudéssemos ter acesso a alguns direitos. E a cultura política, o imaginário social e político do Brasil já tem isso como forma consensual graças ao sacrifício de muitos grupos, muitas pessoas que lutaram por isso. Estou totalmente de acordo, portanto, com isto: o consenso é algo construído, ele não é dado.
Mas talvez mencionando alguns pontos da agenda pública, por exemplo, educação, acesso à educação de qualidade, democracia, justiça social, combate à desigualdade de renda, segurança, desenvolvimento sustentável, diversidade cultural, assimetrias regionais, mobilidade urbana. E a lista vai. É possível ler, por exemplo, qualquer programa de partido político no Brasil e ver esses pontos aqui. O consenso e o potencial de consenso são maiores do que a imprensa às vezes mostra nas manchetes, não é? Sim, é possível ter esse consenso. E acho que aí é o desafio maior da comissão do Senado, de fato, essa ideia das conferências nacionais de planejamento estratégico. Este é o desafio desta comissão, tentar ver se há consenso. E eu tenho a impressão, intuitivamente eu acredito que nós vamos ter muito boas surpresas.
De novo, eu me refiro à imprensa. A imprensa sempre está preocupada com o timing, o dia de amanhã, qual é a manchete que eu vou colocar no jornal amanhã. Muitas vezes, é uma manchete que gera muito pessimismo. Mas se você olha para o longo prazo... Inclusive, estatisticamente, o Ipea fez alguns levantamentos. Há empresas de opinião pública internacional que fazem esses levantamentos. O brasileiro é muito otimista no longo prazo. Qualquer um pode entrar no Google e ver pesquisas de opinião de grandes empresas internacionais de opinião. A população brasileira é certamente uma das cinco mais otimistas com relação ao futuro. Mesmo que no presente ela veja: "Olha, a coisa está complicada. Mas eu sei que, no futuro, a coisa vai melhorar". Nós somos assim.
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Isso é um capital político e mesmo de ânimo, de psicologia coletiva, social, que precisa ser levado em conta no planejamento.
Bom, por último, as observações da Professora Elenita, a quem eu agradeço muito, assim como a Elaine Marcial, minha professora e colega da Secretaria de Assuntos Estratégicos, e a Vanessa, que estava aqui. Trabalhamos juntos em muitas das ideias que foram colocadas aqui.
Talvez uma última sugestão seria constituir um pequeno grupo de trabalho com pessoas que se voluntariem, desde já, para se tentar detalhar isso aqui. Já que estamos fazendo um planejamento, vamos planejar o nosso planejamento. Ou seja, talvez, se me permite o Sr. Presidente, deixar um pouco aberta a lista, para que voluntários se apresentem, sentem-se, façam um grupo de trabalho e comecem um pouco a fazer, realmente, uma proposta de ação.
Era isso. Muito obrigado.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Senador Wellington.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Pois não, Senador Donizeti.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Eu penso que é importante a gente discutir com a Comissão de Assuntos Estratégicos da Câmara Federal essa ideia da agenda. A gente deve aproveitar o que foi trazido pelo Dr. Alessandro, formatar isso e chamar a Comissão da Câmara para se fazer uma conversa sobre isso, debater e, quem sabe, em uma ação conjunta, a gente pudesse estartar isso com mais consenso, sobre essa ideia que eu considero extraordinária.
Então, penso que seria importante que o senhor, como nosso Presidente, procurasse a Comissão da Câmara e se reunisse com o grupo, conversasse com os nossos Senadores da Comissão e tomasse essa iniciativa, porque a hora é agora. Como disse Geraldo Vandré: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Eu acho que a hora é agora.
Obrigado.
Professor, parabéns! Eu estou muito feliz de ter matado a Comissão de Meio Ambiente - que estava discutindo o preço das passagens de avião, que, lá para o meu Estado, estão muito caras - e de ter vindo para cá, nesta manhã, porque eu penso que eu ganhei mais do que economizar alguns reais.
O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT) - Esta Presidência gostaria também de agradecer muito ao Dr. Alessandro Candeias, pela sua contribuição. Ele veio muito mais - eu acho - contribuir com a Comissão, trazendo uma sugestão objetiva de um planejamento de trabalho.
A nossa grande angústia com a Comissão do Senado do Futuro é que ela possa produzir algo de dentro para fora, com a sociedade, mas também de fora para dentro. Nós temos aqui, dentro da instituição do Senado da República, consultores legislativos, enfim, cabeças pensantes preparadas que podem muito bem nos ajudar na execução desse serviço. Eu penso até que para valorizar a própria Casa também, porque muitos perguntam aí fora: "Quanto custa o Parlamento?"; "Qual o benefício que esse Parlamento traz para a sociedade?"; "Lá existe gente que trabalha ou o pessoal está ali apenas no cabide de emprego?" E a gente sabe que não é verdade. Aqui se trabalha muito, aqui se produz muito, mas, às vezes, a sociedade não percebe esse trabalho que é feito, principalmente o nosso processo legislativo, que - eu diria - é exageradamente dinâmico na feitura de leis, e a sociedade está lá na ponta - como aqui foi dito pelo Dr. Alessandro -, de repente, querendo respostas simples de condução, de rumos.
Ontem mesmo, nós estivemos, à noite, com a Presidente da República, com o Ministro do Planejamento, alguns outros Senadores e o Ministro Mercadante, para se discutir, justamente, o PLOA que foi lançado e o PPA. Enfim, discutiu-se aquilo que foi lançado ontem. Pela primeira vez, o Governo apresentou - a meu ver -, até com coragem, um planejamento de déficit no superávit primário. Como a sociedade vai encarar isso? Qual é a resposta, qual a melhor forma de se conduzir isso? Então, eu penso que o que a gente precisa, realmente, é buscar, ir ao encontro da sociedade.
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Ir ao encontro e ouvir a sociedade. No Brasil nos deparamos muito com famosas obras, que são os elefantes brancos.
Vejo que, ainda no Brasil, um dos grandes problemas é a questão do desperdício do dinheiro, ministérios fazendo as mesmas ações, não coordenadas. Com isso, acaba faltado onde mais se necessita, que é o problema da segurança, da saúde, levando à reclamação da sociedade com a baixa qualidade do serviço público prestado.
Penso que seja isso que temos que buscar, até para justificar, no nosso caso, a presença deste Parlamento, com custo, seja ele qual for, mas o importante é que a sociedade sinta que há um custo-benefício realmente plausível para ela própria.
Quero aqui dizer que, com essa reunião, discutiremos com a nossa assessoria para encontrarmos, inclusive, as condições para organizar tudo o que foi falado e que é necessário, a nosso ver.
Gostaria, aqui, ao encerrar, de fazer os nossos agradecimentos, desta Presidência, ao Diretor da Secretaria de Editorações e Publicações da Gráfica do Senado, Florian Augusto Coutinho Madruga; também ao José Farias Maranhão, Coordenação Industrial da Gráfica; à Virginia Malheiros Galvez, Diretora da Secretaria de Comunicação Social; à Junia Claudia Gondim Melo, Diretora da TV Senado; e também Isabela Rodrigues Dutra, Diretora Adjunta da TV Senado; Andrea Valente, Diretora da Secretaria de Relações Públicas; ao Paulo Fernando Mohn e Souza, Consultor-Geral e, sem a permissão dele, quero aqui agradecer também ao meu companheiro mato-grossense cuiabano, Dirceu Vieira Machado Filho, Diretor da Secretaria de Comissões, e à Secretaria-Geral, aqui, a todos os que estiveram conosco desempenhando o trabalho.
E também quero colocar em deliberação o Anteprojeto de Resolução do Senado que regulamenta o programa e-Cidadania.
Os Srs. Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
O Projeto de Resolução, de autoria desta Comissão, nos termos do art. 245, do Regimento Interno, do Senado Federal, será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa. Já disse aqui, esse é um programa que já está funcionando com sucesso. Creio que, ao institucionalizarmos mais ainda, regulamentarmos, vamos dar muito mais condições para que esse programa tenha ainda melhor funcionamento, mais interatividade, mais participação efetiva da sociedade nos nossos trabalhos aqui.
Antes de encerrarmos a presente reunião, proponho a dispensa da leitura e aprovação da ata da segunda reunião.
Os Srs. e as Srªs Senadoras que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
Nada mais havendo a tratar - não sei se é o caso de vocês, mas o estômago está começando a dar uma resposta, porque está chegando o meio-dia -, declaro encerrada a presente reunião.
Obrigado a todos.
(Iniciada às 9 horas, a reunião é encerrada às 11 horas e 24 minutos.)
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(Em execução.)