24/08/2015 - 69ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Declaro aberta a 69ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 92, de 2015, deste Senador e de outros, para debater sobre o tema "Grandes Vultos: o legado vivo de Abdias Nascimento".
Esta audiência pública terá caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que têm interesse em participar com comentários, opiniões, perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, pelo número 0800-612211.
Nós teremos duas mesas. Eu vou só citar que já está aqui, à Mesa, a nossa grande líder, amiga e companheira de todos nós, a lutadora que todos conhecemos Elisa Larkin Nascimento, representante do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiros, companheira histórica e viúva do nosso grande líder Abdias Nascimento. Fiz questão que ela estivesse aqui, ao meu lado, na abertura dos trabalhos. (Palmas.)
Faremos duas mesas. Eu vou citar os que vão compor as duas mesas, que, em seguida, vamos ordenar aqui. Não importa quem está na primeira ou na segunda mesa. Até digo sempre que, se eu fosse convidado, eu preferiria a segunda mesa, porque a segunda mesa fica até o encerramento e é questionada diretamente pelo Plenário. Mas as duas mesas são importantes.
Já aqui, à Mesa conosco, a Drª Elisa. Vai estar conosco também - eu vou só citar os nomes por enquanto e depois vamos formatar as duas mesas - o Ministro Alexandre Peña Ghisleni, Diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores; o Deputado Federal Jean Wyllys - ele poderá chegar em tempo ou não, mas está entre os convidados -, membro da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra Jovens Negros e Pobres; o Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa; o Freid David Santos, Diretor Executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro); a Cida Abreu, Presidente da Fundação Cultural Palmares; o Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do Conselho Federal da OAB; o Giovanni Harvey, Secretário Executivo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); o Mário Theodoro, Coordenador da Iniciativa Legislativa Popular pela Criação do Fundo da Igualdade Racial, que já foi membro da SEPPIR e nos ajudou muito aqui, na discussão de todos os temas relacionados à igualdade racial, enfim, ao combate aos preconceitos; o Wole Soyinka, escritor nigeriano agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura e ativista político, que também vai estar conosco, deve estar chegando - já chegou. Então, uma salva de palmas especial para ele. (Palmas.)
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Nesta lista, somente você recebeu palmas. Ele veio especialmente para esta atividade.
Ainda, José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, e Anani Dzidzienyo, de Gana, Professor universitário.
Resolvemos aqui, antes mesmo da fala de abertura, porque esta nossa audiência pública é transmitida ao vivo para todo país pela TV Senado, pela Rádio Senado, pelos instrumentos da Agência Senado, e permita-me dizer Elisa - e pode me chamar de Paim, não tem problema -, combinamos com a nossa Elisa que nós abriríamos a atividade com o vídeo contando um pedaço da história, porque toda a história é impossível contar aqui, do nosso querido Abdias. A Elisa vai situar o vídeo para todos os que estão assistindo.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Bom dia a todas e a todos.
O vídeo é o registro da cerimônia que o Ipeafro teve a honra de fazer em homenagem ao Centenário de Abdias Nascimento, no dia 14 de março do ano passado, num local que é importante todo o país conhecer, que é o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, o porto por onde entraram, no Brasil, mais de 1 milhão de africanos escravizados. Recentemente, foi descoberto o seu original. O sítio arqueológico foi recuperado exatamente na época do falecimento de Abdias Nascimento. Fizemos as cerimônias em homenagem a ele ali, com presenças internacionais, inclusive do Professor Anani Dzidzienyo, do Professor Wande Abimbola, da Nigéria, autoridade no culto Ifá. Então, com vocês o filme, o registro dessa cerimônia do Centenário de Abdias Nascimento.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Por favor, o vídeo.
(Procede-se à apresentação de vídeo.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Uma pequena exposição do conteúdo do acervo de Abdias Nascimento, que o Ipeafro guarda e faz o tratamento técnico. Tivemos os músicos dos Grupos de Chorinho, Lilian Thuram.
(Continua a apresentação de vídeo.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Esse espaço foi um projeto do engenheiro André Rebouças, abolicionista, construído no Século XIX, sem a utilização de mão de obra escravizada.
(Continua a apresentação de vídeo.)
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A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Nós tivemos a honra de oferecer um prêmio a vários ativistas, como Vanda Ferreira, Léa Garcia, do Teatro Experimental do Negro. Tivemos a participação das nossas lideranças religiosas e também do Professor Wande Abimbola.
Aqui temos uma mesa com o Professor Kabengele Munanga, o Professor Olabiyi Yai, Embaixador Permanente do Benin junto à Unesco, que nos visitou.
Aqui estão as mães em procissão a pé no cais do Valongo, onde realizamos uma cerimônia inter-religiosa, com a participação de vários celebrantes: Mãe Edelzuita, Mãe Beata de Iemanjá, o Professor Wande Abimbola invocando, na voz de Ogum, os ancestrais, o Professor Anani e o Professor Kabengele.
Esse aqui é o Judaico, que foi quem nos casou, nos Estados Unidos, e o Frei Tatá, do Católico.
Agora, temos legendas.
(Continua a apresentação de vídeo.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - O nosso querido Iradj Eghari, do Bahá'í, e o Professor Ivanir, da Comissão, e os poetas.
Tivemos depois uma celebração com dança, com música. O nosso Nei Lopes, grande compositor de samba e escritor.
Esse é Pida, o filho de Abdias, encenando Otelo e encerrando o vídeo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Nós vamos, agora, formatar a primeira mesa, mas, antes de iniciar a fala, eu farei uma síntese aqui. Nós teremos outro vídeo, mas, neste momento, vou chamar a primeira mesa: Drª Elisa, que não precisa mais de elogios; Ministro Alexandre Peña Ghisleni; Srª Cida Abreu, que é nossa militante e Presidente da Fundação Cultural Palmares, que representa aqui o Ministro da Cultura e que, no momento dos desempates, desloca-se para ajudar os companheiros, os candidatos - ela esteve no Rio Grande, por uma semana, fazendo campanha; Sr. Giovanni Harvey, Secretário Executivo da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, e não deem bola para a pronúncia, o que vale é a boa vontade; Sr. Wole Soyinka, escritor nigeriano agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, ativista político; e Anani Dzidzienyo, Professor da Universidade dos Estados Unidos da América, Universidade de Brown. (Palmas.)
Combinei com a EIisa, como ela conhece os nossos convidados um por um, que nós vamos organizando quem fala em primeiro lugar para dar a devida homenagem ao nosso querido e inesquecível Abdias.
Agora, neste momento, teremos a apresentação de um minuto de vídeo.
(Procede-se à apresentação de vídeo.) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - A partir deste momento, vamos iniciar o nosso debate.
Eu vou fazer uma pequena introdução em nome da Comissão.
É com muita alegria que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal organiza e participa ativamente com toda a sua equipe desta nossa audiência pública sendo transmitida para todo o Brasil com o objetivo manter viva a presença, entre nós, de Abdias Nascimento, e de sua brava e histórica luta em defesa do povo negro e da inclusão social das populações afrodescendentes, no Brasil e no mundo.
Ouviremos, nesta manhã, os representantes do Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras; da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Violência contra Jovens Negros e Pobres; da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa; da Iniciativa Legislativa Popular pela Criação do Fundo da Igualdade Racial; da Rede Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro); da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB; da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); da Fundação Cultural Palmares; do Ministério das Relações Exteriores.
A todos aqueles que aceitaram nosso convite para participar deste evento, a todos os presentes e a todos os que estão nos assistindo pela TV Senado e nos ouvindo pela Rádio Senado, o nosso muito obrigado.
Agradecemos, com carinho especial, a todos os convidados, seja do território nacional ou de outras partes do mundo.
E agradecemos, por fim, e especialmente, a Elisa Larkin Nascimento, diretora-presidente do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), que nos oferece aqui a oportunidade de conhecermos mais da história da vida do grande líder deste País Abdias Nascimento. Teremos a oportunidade de lançar o seu livro O Legado Vivo de Abdias Nascimento, parte da coleção Grandes Vultos que Honraram o Senado.
A você, Elisa, aceite aqui de nós todos, do Senado da República, Senadores e funcionários, três vezes nosso muito obrigado: obrigado pela presença nesta manhã de segunda-feira; obrigado pelo trabalho formidável desenvolvido à frente do Ipeafro; e obrigado, particularmente, por toda sua trajetória ao lado do grande e inesquecível Abdias Nascimento e pela sua conduta com certeza se tornando uma peça fundamental para isso tudo que estamos falando aqui, para a pesquisa biobibliográfica sobre a trajetória de Abdias Nascimento que vem agora a lume.
A biografia de Abdias Nascimento que você generosamente nos oferece e em torno da qual se organiza esta reunião é oportunidade singular de celebrarmos a memória e renovarmos a luta do poeta e escritor que denunciou o racismo que a sociedade brasileira ainda tenta negar e ignorar solenemente; do artista plástico e professor universitário que estudou as realidades quilombolas e o valor dos orixás nas religiões de matriz africana; do ator e dramaturgo que escancarou a necessidade de buscarmos soluções efetivas para as desigualdades raciais que, com certeza, tiveram um peso muito grande contra o povo negro deste País. Lembramos aqui, claro e sempre, do deputado federal e do senador que lutou incansavelmente montando estratégias e buscando ações afirmativas de inclusão social e de expansão dos direitos civis e humanos das populações afrodescendentes no Brasil.
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Que esta audiência pública contribua para que a força e o exemplo de Abdias Nascimento, que sempre nos inspirou a combater a opressão de nosso povo, não nos abandonem jamais! Estaremos sempre juntos nessa caminhada, buscando a verdadeira libertação do povo negro. Iniciamos com uma grande salva de palmas àquele que está lá em cima, mas está olhando a nossa reunião, Abdias Nascimento. (Palmas.)
De imediato, e quem vai abrir é ela, nem que ela indicasse outro eu deixaria, passo a palavra à Elisa Larkin Nascimento, representante do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros, e, como não dizer, viúva do nosso inesquecível Abdias Nascimento.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Muito obrigada, Senador Paulo Paim.
Eu quero agradecer, na pessoa do Senador Paulo Paim, a todos aqueles que sempre estiveram junto com o Abdias nesse combate ao racismo, nessa construção de uma nova maneira de ver a nossa civilização humana, incluindo nela, em pé de igualdade, os referenciais, o conteúdo, da civilização africana em seu devido lugar.
O Ipeafro, o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros, que tive a honra de ajudar o Abdias a criar, em 1981, no Brasil, em São Paulo, vem se dedicando a esse legado, não apenas com o acervo museológico e documental de Abdias Nascimento, que estamos trabalhando para colocar à disposição de pesquisadores e interessados, através do nosso site, na internet, como também com todas as forças políticas que levam à frente essa luta, com as quais sempre procuramos coadunar nossas ações.
Por tudo isso, o lançamento desse livro, e quero agradecer novamente ao Senador Paulo Paim pelo prefácio que escreveu para esse livro, não teria sentido se fosse um ato apenas de lançamento de livro. A figura de Abdias, que tive a alegria de poder documentar nesse livro dedicado ao ativismo, ao combate ao racismo, nos chama a trazer para este momento as forças políticas e as questões que estão hoje em evidência, como parte dessa luta.
Neste momento, nesta primeira mesa, nós vamos ter uma visão mais internacional, com a presença do Ministério das Relações Exteriores, do nosso Prêmio Nobel, Sr. Wole Zoyinka, do Professor Anani Dzidzienyo e também dos representantes daquilo que é resultado dessa luta do movimento negro, que é a instituição no Poder Público de espaços específicos para o combate ao racismo e a construção da igualdade racial, que são a Fundação Cultural Palmares e a Secretaria Extraordinária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
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Em um segundo momento, nós vamos ouvir as forças da sociedade civil que estão tratando das questões vivas hoje, cujo combate faz com que o legado de Abdias viva, como a situação das mulheres negras - e a Marcha das Mulheres Negras vai acontecer em novembro -, o genocídio da juventude negra, que é uma questão extremamente importante, o combate à intolerância religiosa, que é uma questão que nos aflige, particularmente, e que se exacerba a cada momento, a ação afirmativa na educação, que não diz respeito apenas ao acesso da população negra à universidade, mas também ao que se ensina nessa universidade - é preciso uma abordagem nova e mais correta da história, da cultura da matriz africana na universidade, que é quem forma os professores, os educadores da escola -, a iniciativa legislativa popular para a criação do Fundo da Igualdade Racial, que é uma questão muito importante hoje, e a verdade sobre a escravidão negra no Brasil.
A maneira que melhor podemos lembrar o Abdias é trazendo essas questões do mundo africano, que estarão aqui na palavra dos nossos dois convidados africanos.
Hoje mesmo, em um jornal do Distrito Federal, vi que tivemos mais de dez casos de vandalismo em terreiros da religião de origem africana, um deles em 5 de agosto, no Terreiro de Babazinho de Oxalá. Essa questão nos remete a uma das ações de Abdias como Deputado Federal e como Senador, quando ele respondia ao fato de que todas as sessões legislativas são abertas com as palavras "sob a proteção de Deus", com referência a um Deus cristão, um Deus específico. Ele fazia questão de abrir os seus pronunciamentos saudando, trazendo ao espaço público oficial da República o nome de Olorum, o Deus universal, o criador de todas as coisas; o nome de Exu, Senhor de todos os caminhos; e o nome de Oxum, doadora do amor, da compaixão e da esperança. Ele fazia isso desde 1983.
A atitude não é apenas uma questão de referência religiosa. A partir dessa referência, ele se referia a toda uma construção civilizatória africana, que vem desde as antiguidades mais remotas, mais remotas do que a Grécia, e que fundamentam a própria civilização grega, que fundamenta a civilização ocidental. Ele dava o devido lugar para o papel de protagonista dos povos africanos na construção da civilização humana.
Estamos falando não de uma particularidade, estamos falando do ser humano no Planeta. O papel dos povos africanos é um papel de protagonismo nessa história.
Eu queria só fazer menção ao dia de hoje, 24 de agosto. Esta data tem várias significados. Eu tive a notícia de que a juventude negra está organizando marchas, em diferentes cidades, contra o genocídio da juventude negra. Uma das datas, parece-me que no Rio de Janeiro, é hoje.
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Vinte e quatro de agosto também é a data do aniversário do suicídio de Getúlio Vargas, um fato histórico que ganha enorme significado quando pensamos que o momento histórico de Getúlio, Vargas, em 1954, foi um momento de construção, de tentativa de construção de um país forte, capaz de enfrentar várias forças internacionais que vinham e vêm atrapalhando o desenvolvimento independente do país.
E, hoje, nesta data, à noite, não por acaso no Rio de Janeiro, está sendo lançada a biografia de Leonel de Moura Brizola, que foi governador do Rio Grande do Sul, governador do Rio de Janeiro, fundador do Partido Democrático Trabalhista, que continuou o legado do antigo PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, e que foi o primeiro político de expressão nacional a compreender o significado político, para a Nação, da questão racial, em grande parte em virtude do seu diálogo, da sua capacidade de ouvir as ponderações do próprio Abdias e do Movimento Negro.
Uma terceira dimensão é que, hoje, e parece-me que talvez a maior, já que em todas as vezes em que o Abdias atuava, em todos os campos em que ele atuava, ele sempre trazia a voz dos ancestrais, daqueles que o precederam nessa mesma luta, é também o aniversário da morte do Luiz Gama. Luiz Gama, como o Abdias, também foi poeta. Era um grande ativista pela abolição da escravidão no Brasil. Foi um ator protagonista desse movimento abolicionista e também da defesa concreta na justiça - não é, Humberto Adame? - daqueles que padeciam das diversas formas de opressão e racismo naquela época.
Comentando muito rapidamente o livro, sei que temos pouco tempo e não quero me alongar, ao escrever o livro de Abdias Nascimento, eu me lembrei muito da figura de Luiz Gama e dos outros que também precederam o Abdias nessa grande luta, desde o Zumbi dos Palmares a todos os Quilombos. A vida de Abdias, pela longevidade, posto que nasceu em 1914 e viveu até 2011, dá-nos a oportunidade, Senador Paulo Paim, de refletir sobre a História do Brasil no século XX, como as circunstâncias, a vida da própria população negra se insere e se desenvolve dentro do contexto de desenvolvimento do País. Procurei transmitir um pouco dessa história através da pessoa e da família de Abdias, dessa trajetória deles, e contemplar um pouco a situação da população negra no Brasil.
Duas coisas se sobressaíram e, me parecem, pouco conhecidas nesse sentido.
Uma delas, e me parece merecer mais estudos, é o fato de que, ao contrário da imagem que o imaginário nacional cultiva do negro escravo, do negro pobre, do negro, enfim, subalterno, havia, na época da abolição da escravatura, uma população negra também dona de posses, dona de uma atividade, de um protagonismo na História do Brasil bastante importante. Exatamente em função do medo da elite governante, que se deparava com um país majoritariamente negro e uma cidadania majoritariamente negra, ela passou a agir pelo embranquecimento da Nação. Essa população passa a ser despossuída, ela passa a ser empobrecida, ela passa à miserabilidade, uma grande população que não era miserável antes. A Frente Negra Brasileira, nos anos 30, em grande parte, insurge-se contra esse fato. Havia comerciantes negros, donos de estabelecimentos comerciais, como na família do Abdias. O tio Laureano era dono de uma padaria e dono de uma selaria, nas redondezas de Franca. As famílias foram sendo destituídas de várias formas.
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A outra questão é o protagonismo dessa população ao longo das décadas do século XX, sobretudo a Conferência Mundial Contra o Racismo, em Durban, em 2001, que foi uma espécie de divisor de águas, a partir da qual começamos a ter, efetivamente, políticas de ação afirmativa e posturas do Estado, como a criação dos órgãos específicos que aqui estão representados.
Tive um grande prazer em escrever esse livro. Espero que vocês tenham prazer em lê-lo. Eu gostaria de encerrar fazendo uma saudação especial ao nosso intelectual, afrodescendente, baiano, companheiro de todas as horas, Olímpio Serra, que aqui nos honra com sua presença. (Palmas.)
Quero também saudar o Carlos Moura, que também está presente, como tantos outros que estão aqui presentes e que ajudaram a construir o caminho no final do século XX, a partir da volta de Abdias. Eu tive oportunidade de acompanhá-lo nessa volta, construindo o Memorial Zumbi, que foi a primeira iniciativa nacional que reunia organizações do Movimento Negro de todo o País no esforço, e, depois, devido também ao sucesso do Movimento Negro na criação da Fundação Palmares, de conseguir a expropriação e o tombamento das terras da República de Palmares, onde Zumbi e todos os seus outros companheiros e antecessores enfrentaram, durante cem anos, o poder colonial de diferentes acepções, tanto os holandeses, como os portugueses e os brasileiros, e de fazer com que esta terra seja, hoje, um local de peregrinação, de visitação e de memória dessa luta que vem desde o momento em que o primeiro africano pisou no Brasil, escravizado.
Então, muito obrigado a vocês.
Vamos ouvir as pessoas que aqui nos agraciam com suas presenças.
Obrigada pela paciência. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Drª Elisa.
Permita-me que eu informe a todos que, amanhã, o Congresso Nacional, a reunião das duas Casas, promove sessão solene em homenagem ao Presidente Getúlio Vargas, marcando a passagem dos 61 anos de sua morte.
Gaúcho de São Borja, Getúlio Dornelles Vargas governou o país por dois períodos. Resistiu ao Golpe, na época, e voltou à presidência pelo voto popular. Acabou se suicidando, deixando a frase histórica: "Saio da vida para entrar na história." Estão todos convidados para amanhã, às 11h, no plenário do Senado. Só lembrando que o Presidente Getúlio Vargas teve o seu nome inscrito no livro Heróis da Pátria em 15 de setembro de 2010. Os seus restos mortais estão no Rio Grande do Sul.
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Vamos agora ao Ministro Alexandre Peña Ghislene. O tempo de cada um vai ser de 10 minutos, com mais 5, se necessário for. É bom lembrar que são dez convidados. Eu sempre abro a palavra também ao plenário. Se todos puderem ficar nos 10 minutos, seria muito bom.
Com a palavra, Ministro.
O SR. ALEXANDRE PEÑA GHISLENI - Bom dia, Presidente, bom dia, Dr. Geovanni Harvey, Drª Elisa, Drª Cida Abreu, Sr. Soyinka, enfim, a todos os membros da Mesa, aos Srs. Deputados e a toda essa grande plateia, que nos dá o prazer de acompanhar esta homenagem no dia de hoje.
Eu queria, antes de mais nada, em nome do Ministro Mauro Vieira, agradecer ao Presidente Paulo Paim pela iniciativa de fazer uma homenagem tão bonita e tão desafiadora para nós, do Poder Executivo. Esse é um desafio que a gente recebe de braços abertos, como Estado Brasileiro, como representante do Poder Executivo brasileiro, porque esse foi, do nosso ponto de vista, o grande legado do Senador, do Deputado, do militante, do ativista, do artista, do homem brasileiro, Abdias Nascimento. Ele costumava dizer, com todas as palavras, que o Governo brasileiro deveria passar da retórica para a ação, deveria promover a inclusão social dessa maioria excluída, que é a população afrodescendente, que deveria deixar de ter um racismo de resultados, que seja, que nós deveríamos deixar de encobrir o racismo no Brasil. Essas palavras foram muito bem ouvidas. Caberá à história e a todos aqui presentes saber em que medida nós conseguimos superar isso.
Mas, o fato é que esse desafio foi abraçado, o que é uma coisa muito importante. Hoje, podemos dizer que o combate ao racismo é, com certeza, uma política de Governo, mas, mais do que isso, é uma política de Estado. Quem quer que venha no futuro a assumir a Chefia do Poder Executivo vai ter de assumir esse mesmo desafio que é do povo brasileiro, não é um desafio de um ou outro mandato. Nós já temos coisas para contar, nós temos um histórico de políticas públicas, nós temos um histórico de medidas afirmativas, nós temos um histórico legislativo, nós temos o Estatuto da Igualdade Racial. Eu vou deixar esses temas para serem abordados pelas pessoas que mais entendem deles. Nós temos aqui o Secretário Executivo da SEPPIR, representante do órgão máximo, para falar da busca da igualdade racial no Brasil. Nós temos representantes da Fundação Cultural Palmares. O que eu gostaria de falar um pouco é sobre a dimensão externa, ou seja, do que o combate ao racismo significa em termos de política externa de direitos humanos, o que significa em termos de projeção no exterior de quem é o Brasil, de quem somos nós e do que nós queremos.
Nós temos algumas coisas para relatar na história dessa busca pela inclusão de uma maioria excluída. Podemos fazer um rápido histórico, e quero me ater aos 10 minutos que o Presidente me deu, de algumas iniciativas que são marcantes.
Foi o Brasil que, recentemente, é uma conquista de poucos meses atrás, levou a busca da igualdade de direitos para a população afrodescendente para o Mercosul. Criamos a Reunião de Autoridades sobre os Direitos dos Afrodescendentes do Mercosul (Rafro), no último mês de junho. Fomos nós que levamos e apoiamos a criação de um grupo de trabalho sobre afrodescendentes no âmbito da Celac, da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, e, nesse âmbito, criamos uma década de ação dos afrodescendentes latino-americanos e caribenhos. Ou seja, nós estamos levando essa nossa identidade brasileira como identidade afrodescendente também para os espaços de integração regional, no entendimento de que a busca dessa igualdade não é um problema apenas brasileiro, é um problema da nossa região, é um problema da América Latina, também é um problema do Caribe, mas, mais do que isso, temos extrapolado, temos buscado a universalização dessa luta, porque a luta dos afrodescendentes brasileiros não é só nossa, é a luta também dos filhos da diáspora africana que estão na Europa, enfim, dos afrodescendentes americanos e canadenses, e é a luta do próprio povo africano, num certo sentido, para o resgate da sua dignidade, depois de um passado de colonização.
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Como nós temos feito isso? Nós vamos falar um pouco mais do que diz respeito à nossa realidade mais próxima, aqui.
Em relação à realidade do povo afrodescendente brasileiro, nós temos mobilizado esforços internacionalmente. Nas Nações Unidas, propusemos, defendemos e conseguimos a aprovação da Década Internacional de Afrodescendentes; isso foi uma coisa que nós alcançamos em dezembro de 2013. Em dezembro de 2014, nós conseguimos aprovar, na Assembleia Geral das Nações Unidas, um programa de ação que inclui várias metas que nós consideramos das mais importantes. Inclui a criação de um foro permanente para as populações afrodescendentes, no âmbito das Nações Unidas - essas tratativas estão avançadas -, e nós pretendemos que esse foro seja implementado o quanto antes. Inclui a negociação de uma declaração dos direitos dos afrodescendentes, esse talvez seja o nosso principal desafio no médio prazo; nós o estamos enfrentando abertamente, estamos procurando apoio para isso e uma das formas pela qual nós vamos mobilizar apoio internacional é a Conferência Regional dos Afrodescendentes, que o Governo brasileiro está enfim organizando, no próximo mês de dezembro, nos dias 3 e 4, se não me engano, aqui, em Brasília, reunindo todos os países da América Latina e do Caribe, num esforço de mobilizá-los para alcançar esses objetivos nos foros internacionais.
Nós não temos falado apenas de Nações Unidas. A nossa política de revalorização do elemento africano na cultura e na identidade brasileira se traduz também na nossa aproximação com o continente africano, que foi além da nossa vizinhança e assume importância estratégica óbvia. Nós temos procurado ativamente uma proximidade com o continente africano, que se traduz nas conferências intelectuais da diáspora - nós já participamos da primeira, que foi no Senegal; organizamos aqui, na Bahia, a segunda.
Nós temos promovido ativamente as cúpulas entre a América do Sul e a África, como uma maneira de integrar essas duas regiões, mostrar a sinergia que existe entre elas e o potencial de crescimento e de desenvolvimento que surge da união dessas duas regiões.
Nós temos trabalhado bilateralmente, e até me recordo de que a Ministra Nilma Gomes esteve recentemente em Moçambique, algumas poucas semanas atrás. Talvez o Secretário Giovanni Harvey possa nos dizer uma palavra a respeito disso.
Além de tudo isso, nós estamos trabalhando também no campo das normas. Nós queremos atualizar os padrões internacionais a respeito do combate ao racismo e da busca da igualdade racial.
Nós propusemos, no âmbito do OEA, e advogamos, e defendemos, e conseguimos também a aprovação de uma Convenção Interamericana contra o Racismo - a xenofobia -, a Discriminação Racial e das Formas Correlatas de Intolerância. Conseguimos a aprovação disso em 2013. O Brasil foi um dos primeiros países que assinou. Estamos em curso com o processo de ratificação, contamos com o apoio desta Casa para que no futuro - esperamos que não seja distante - essa convenção possa ser lei no Brasil e estamos lutando, no âmbito das Nações Unidas, para que essa atualização...
Vamos lembrar, quanto à convenção contra o racismo, das Nações Unidas, que estamos ainda tratando de implementá-la na sua plenitude. Não tenho a pretensão de dizer que já satisfizemos tudo, mas a primeira Convenção de Direitos Humanos, na verdade, que nós aprovamos foi em 1965, tem 50 anos de idade e não foi totalmente implementada, mas nós precisamos tratar de formas de discriminação correlatas ao racismo que não estão nela e por isso nós estamos trabalhando ativamente nas Nações Unidas para buscar a atualização desses novos padrões, para que os casos de xenofobia possam ser tratados mais claramente; para que, nos casos de discriminação contra os migrantes - e nós, lamentavelmente, temos visto muitos, no âmbito internacional, casos como esse -, nós tenhamos um padrão novo que esteja à altura da dignidade exigida para respeitar essas pessoas e para garantir justiça nesses casos.
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Enfim, não vou abusar do tempo de palavra, Presidente.
Eu só queria enfatizar, então, que essa luta da discriminação racial, que o Estado brasileiro custou a assumir, hoje é uma luta nossa; e não é uma luta que vai se resolver nem com palavras nem no curto prazo; é uma luta que, enfim, talvez, no período das nossas vidas... Vejo muitos jovens aqui.
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE PEÑA GHISLENI - Para vocês, o que eu desejo é que ao menos os filhos de vocês possam ver um Brasil sem racismo, e, para isso, nós temos que continuar trabalhando desde logo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Ministro Alexandre Peña Ghisleni, Diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores. Parabéns pela sua fala.
Eu queria aqui registrar a presença conosco, dando aqui as nossas saudações, aos alunos e às alunas do Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião, acompanhados da Profª Pilar Costa. Ao dizer isso para vocês, eu queria dizer que o Vinícius, aquele moço de máquina na mão, é jornalista, é fotógrafo, cuida da página do nosso trabalho; e ele foi aluno da escola de vocês, de lá ele chegou aqui, no Senado da República, e está fazendo um belo trabalho.
Então, uma salva de palmas a todos os ex-alunos e aos alunos da escola. (Palmas.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Senador, eu posso fazer um registro?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pode, agora. Saiba que aqui você manda.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu queria, saudando específica e especialmente à professora e aos alunos do colégio, dizer que está circulando um livro do Ipeafro, um livro de presença. É o livro que esteve aqui na exposição sobre os 90 anos de Abdias, que nós realizamos na Galeria Athos Bulcão, e, em muitas das visitas de escolas a essa exposição, os alunos por uma questão qualquer não assinavam a lista.
Então, eu quero convocá-los, por favor, todos os alunos, a assinarem nossa lista de presença.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Eu queria passar a palavra neste momento à Presidenta da Fundação Cultural Palmares, representante do Ministério da Cultura, que aqui representa o ministro, e dizer para todos que há um debate no País todo - todo projeto nosso é polêmico, não é, Cida? - da questão da capoeira.
A Cida esteve falando comigo, o Otto esteve falando comigo, a Senadora Lídice, da Bahia, esteve falando comigo. Fiquem todos tranquilos. Nós faremos a audiência combinado com o Movimento Negro e com os militantes dessa área da capoeira, e o projeto só será aprovado no momento em que todos entenderem que aquele é o caminho, ou rejeitado, se esse for o caminho. Está comigo a relatoria, e fiquem muito tranquilos que ele não passará sem o crivo tranquilo do Movimento Negro, mas, quando a maioria do movimento assim entender - e a Cida disse que ele vai passar inclusive por um congresso que vocês terão -, aí vamos tomar a decisão. Então, fiquem muito tranquilos. Aqui não passa nada, se estiver na minha mão, em que não haja o aval do Movimento Negro; na questão da capoeira, não será diferente.
Por favor, Cida, que falou longamente comigo sobre essa questão.
A SRª CIDA ABREU - Eu quero agradecer ao Presidente Paim e dizer da satisfação de dividir hoje a mesa com ele, na condição de Presidente da Palmares, e com a Elisa. Agradeço a gentileza de ela ter ido à Fundação conversar comigo sobre a publicação do livro e explicando a importância de a Palmares estar neste momento nessa construção, não só do lançamento, mas de um debate profundo com a juventude negra e com os fazedores, com os gestores e com todos os movimentos de cultura afro-brasileira sobre esse tema.
Então, nós vamos inaugurar inclusive a nossa sala do cineclube, que será na nossa nova sede da Palmares, com um debate sobre essa publicação e vamos convidar e deixar aberto o espaço a todas as escolas, a todos os fazedores e produtores de cultura para que democratizemos esse espaço e que possamos ter um diálogo permanente com a sociedade.
Eu queria cumprimentar todos da mesa: o Giovanni, que é um grande amigo. Um abraço a nossa Ministra Nilma, que eu sei que está de férias, por isso não está presente; hoje Giovanni, como Ministro interino.
(Intervenção fora do microfone.)
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A SRª CIDA ABREU - Já voltou? Então, ele está aqui como Secretário Executivo.
Cumprimento todos da mesa, o Ministério de Relações Exteriores porque é extremamente importante essa nossa relação, todos que representam as universidades, porque eu entendo a importância dessa formulação após a passagem do Abdias Nascimento no meio de nós, por tudo o que ele fez e por tudo o que representa. Mas eu gostaria de cumprimentar mesmo, em nome de todos, em nome do nosso ex-Presidente, o primeiro Presidente, fundador da Fundação Cultural Palmares, Carlos Moura - para quem quero uma salva de palmas -, que... (Palmas.)
hoje é uma referência.
Carlos Moura me deu posse no Movimento Negro, em 1999, em minha cidade, Miracema. Então, é uma história bem longa a nossa história, não é, Carlos Moura? Vou falar publicamente - ele ainda nem sabe -, mas nós estamos desenvolvendo um programa, na Palmares, que é de internacionalização a partir de Diálogos Palmares, uma construção nossa, coletiva, com a equipe; Carlos Moura vai coordenar as missões internacionais da Palmares e já está aprovado. Quarta-feira você vai ser anunciado - eu já estou anunciando aqui publicamente -; você, no meio de nós da Palmares, revisitando a história, ajudando-nos a qualificar e contribuindo conosco no nosso crescimento e também da nossa nova equipe.
Então, eu queria fazer essa menção publicamente, porque para nós é uma honra ter Carlos Moura como um colaborador da Palmares neste momento em que a cultura afro-brasileira e a cultura de um modo geral, para mim, são instrumentos fundamentais para a disputa social que está sendo feita hoje em relação às nossas ideologias, às nossas conquistas e à consciência social; e a Palmares hoje dialoga com essa agenda atual, a partir da cultura afro-brasileira.
Quero também cumprimentar os alunos. Eu acho que São Sebastião é uma cidade-satélite de Brasília que tem um número grande de africanos que a habita. Então, São Sebastião é uma cidade que recebe muitos africanos e é também uma cidade com índice de população negra alto. Eu quero também cumprimentar os alunos e dizer a eles do privilégio de estar hoje aqui com vocês, e vocês podendo ter informações e aprofundar não só essas mesas que estão aqui, mas também a partir da publicação de documentário que está disponível hoje no Youtube, um documentário do Abdias. Ele fala da história dele, e é por onde eu quero começar.
Esta mesa para mim, Paim, Elisa e todos... quando eu queria entender o que falaria, não só da contribuição histórica do Abdias com a fundação da Palmares, com a conceituação do papel da cultura afro-brasileira na sociedade brasileira, porque a Palmares nasce de uma demanda do Movimento Negro, dos intelectuais num processo da redemocratização do País, onde discutimos os direitos, onde discutimos a participação, e, neste momento, pessoas, como Carlos Moura, como Abdias, como várias outras lideranças negras, como Benedita da Silva, como Paim, discutem a importância desse espaço institucional.
Então, nasce o primeiro espaço institucional para tratar de temas que a sociedade não quer entender e não quer assumir, que é o racismo; e o racismo foi construído no imaginário de Abdias Nascimento quando ele tinha sete anos - e ele conta isso no documentário -, e, vindo da escola, ele e a mãe se deparam com um menino negro sendo espancado. A mãe de Abdias, segundo ele muito pacífica, se revolta com aquela ação de espancamento do menino negro, que era um menino órfão de pai e mãe e vivia da caridade das pessoas, e enfrenta aquela senhora que estava espancando aquele menino.
Então, isso aí é uma ação que inclusive nos faz refletir qual é a nossa reação diante do racismo, e, naquele momento - Abdias conta -, nasceu a consciência racial dele. Foi naquele momento, com sete anos de idade, ele escondido atrás da mãe, meio assustado com aquela ação da mãe, uma ação inclusive inesperada, que ele começa a entender que era preciso ter posição de enfrentamento ao racismo e que aquele ato não era um ato só de violência física, mas era um ato de violência por conta de uma ideologia pela cor da pele daquele menino órfão, que tinha todas as características negativas, no caso do que a sociedade racista tem, do que representa um menino órfão, sem endereço fixo, naquele momento do espancamento.
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Então, com sete anos de Abdias Nascimento, que é 1914 mais 7 vai dar 21, em 1921, você vê que ele conta uma história que hoje nós contamos diariamente, que é a violência da juventude negra.
Então, se Abdias estivesse aqui, nesta mesa, ele estaria - eu acredito - refletindo sobre a sua reação e a sua consciência acerca também da indignação que todos nós temos que ter em torno da violência contra a juventude negra. E a Fundação Cultural Palmares, para mim, imprime a luta e as convicções que Abdias usou para poder criar a consciência racial em vários setores.
Das várias viagens que Abdias fez, no período inclusive da ditadura em que ele viajava com o seu melhor amigo, ele narra que, numa dessas viagens, descobriu - acho que foi ao Peru que ele foi - que tinha uma encenação de um teatro em que o artista se pintou de negro. Preocupado de o Brasil fazer com que os artistas brancos se pintassem de negro para representar negro, ele fundou o Teatro Experimental do Negro, para que aquilo não se reproduzisse no Brasil. Então, é esse espaço de fomento e de promoção da cultura afro-brasileira, que é a Palmares.
Nesta gestão - aqui fazendo deferência a todos os presidentes que passaram -, a nossa reflexão, neste momento, é que todos cumpriram um papel, dada a conjuntura do País naquele momento, e nós chegamos a um momento que para nós é bom estar na Palmares, porque hoje ela representa um equipamento institucional que precisa atuar enquanto agente político que fala, que promove, que fomenta a cultura afro-brasileira, porque nós estamos nesses territórios mais vulneráveis à ira do racismo, e a cultura, a meu ver, é uma forma mais fácil de dialogarmos a respeito da situação da conjuntura política atual. E nós hoje estamos atuando no processo - e foi a nossa conversa com a Ministra Nilma - paralelo à Seppir, para que possamos, lá na frente, nos encontrar para fortalecer a luta do combate ao racismo.
A Palmares vai revisitar a sua origem de criação e vai rearticular o campo da cultura afro-brasileira. Nós queremos trazer à tona e trazer para a cena principal os atores, os produtores de cultura, as pessoas que promovem a economia da cultura e que promovem a resistência à intolerância religiosa, criar um conceito e um programa sobre a titulação das terras quilombolas, para que não digam que a Palmares titula terra que não é quilombola...
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - ... mas que, sim, a Palmares garante que os quilombolas tenham o direito de desenvolver a sua cultura no seu território.
Então, por isso - e aí eu quero dizer para a Elisa o que também eu não disse para ela lá, no dia, porque tínhamos que aprovar com o Ministro -, nós vamos desenvolver na Serra da Barriga, porque, para quem não sabe, a Serra da Barriga, como diz a Elisa, é um espaço de resistência, onde morou Zumbi dos Palmares, e é hoje administrada pela Fundação Cultural Palmares.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - E é onde Abdias está enterrado.
A SRª CIDA ABREU - E é onde Abdias deu a honra de depositar as suas cinzas e lá plantar um baobá.
Ele esteve, no aniversário de 23 anos da Palmares, no plantio do primeiro baobá, e retornou a Palmares com as suas cinzas e plantando sobre suas cinzas um baobá. Para quem não sabe, o baobá é uma árvore na África, que era utilizada como a árvore do esquecimento com uma ação que os africanos faziam em torno dela para esquecerem a sua terra quando vinham a ser escravizados em outras terras.
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - Então, para isso, Elisa e Paim, nós estamos desenvolvendo uma pesquisa da revitalização da Serra da Barriga como um patrimônio a ser o maior espaço de turismo étnico do País.
Nós estamos fazendo um estudo e vamos ter uma empresa que vai fazer o estudo para nós, que é a empresa que fez também o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e grandes outros pontos turísticos do Brasil, para que tenhamos na Serra da Barriga não só a comemoração do 20 de novembro e não só uma visitação, mas que possamos colocá-la também no cenário do desenvolvimento econômico, no cenário da história, no cenário internacional. Então, Elisa, vai ser muito importante, porque nós também vamos dizer que lá está o nosso grande zumbi - porque é assim que falamos - que é Abdias do Nascimento.
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Então, será também uma homenagem à memória de Abdias do Nascimento.
Era isso o que eu queria dizer - Paim já está aqui piscando para eu parar de falar - e agradeço pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Nada. Eu fiz assim: um minuto.
(Soa a campainha.)
A SRª CIDA ABREU - Convido a todos, no dia 26, às 10h30 da manhã, no Salão Negro do Palácio da Justiça, para o lançamento do nosso Programa Diálogos Palmares, que é o nosso programa de gestão que vamos lançar, trazendo os fazedores e produtores de cultura para discutir conosco e construir o nosso planejamento. Às 14h30, no Hotel Nacional, o Ministro Juca irá receber a militância fazedora de cultura e os gestores de cultura para falarmos de cultura afro-brasileira e de como o Ministério da Cultura tem que valorizar e potencializar a Fundação Cultural Palmares. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Cida. Ficou em 12 minutos, ficou bem e contou fatos importantíssimos. Aquele do menino foi marcante - eu não sabia da história do menino -, e aquele do artista negro no Peru também.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu queria, sobre o baobá...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Só para dizer que aqui, neste plenário, só falam a todo momento que entenderem, Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas e, naturalmente, a Elisa. Então, ela pode falar a qualquer hora.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Desculpe-me, mas é sobre o baobá. É uma árvore que tem uma expectativa de vida entre três mil e seis mil anos. É uma árvore sagrada que representa a ancestralidade e, por esse fato, parece-me representar também a longevidade, a dimensão no tempo dos ancestrais africanos que construíram a civilização não apenas da África, como também as bases da civilização do mundo.
Então, por isso o baobá é um referencial tão importante em homenagem à África e em homenagem ao ser humano.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, mais uma vez, Elisa.
Lembra-me aqui a Secretaria Geral também que amanhã, às 9h, neste espaço, nós teremos um debate sobre o legado do trabalhismo, uma homenagem a Getúlio, a João Goulart, a Brizola e também a Abdias, porque ele foi um dos líderes do PDT, e nós estamos falando aqui de trabalhismo. Será amanhã, às 9h, aqui nesta Comissão, reunião organizada por todos nós, as Senadoras e os Senadores da Comissão.
Giovanni Harvey, Secretário Executivo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Por favor, Giovanni, que está sempre conosco e sempre foi um militante ativo dentro do Senado, representando a Seppir, para que avançássemos na legislação.
O SR. GIOVANNI HARVEY - Obrigado, Senador.
Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar a mesa, na pessoa do Prof. Anani, da nossa Presidenta Cida, da Elisa, do Senador, Ghisleni, Soyinca.
Quero fazer menção à presença no plenário do Deputado Jean Wyllys, que já foi citado; da Secretária Marise Nogueira, Secretária do GDF; e do Ivanir Augusto dos Santos. Há outras pessoas presentes as quais eu farei menção ao longo da fala.
Eu vou tentar, respeitando o tempo proposto pelo Senador, abordar cinco aspectos, mas alguns deles já foram abordados por nossa Presidenta Cida Abreu e dois deles são meros registros que precisam ser feitos, registros esses que eu aprendi a fazer com Elisa.
O primeiro deles diz respeito ao papel do Abdias para a nossa geração de ativistas, a influência que Abdias teve no nosso processo de formação política. O segundo deles é o legado artístico de Abdias. Em vários momentos em que estive com Elisa, fiz menção ao legado político de Abdias, e Elisa sempre chamou a atenção para esse aspecto que é essa dimensão do Abdias como poeta, como escritor, e, dando sequência a isso, um aspecto importante, sobre o qual vou me deter mais, que é o legado político-institucional do Abdias.
Elisa foi comedida quando descreveu a influência do Abdias no desenho programático do PDT, mas foi Abdias, de fato, quem mais influenciou Leonel Brizola para que a questão racial fosse o quarto ponto programático do PDT. Nós vimos isso e refletimos dois governos Leonel Brizola. Eu anotei aqui, enquanto ouvia as falas, que nós tivemos composições de governo, em 1982, no Rio de Janeiro, com um secretariado com sete secretários de Estado negros. Tivemos o próprio Abdias; Carlos Alberto Oliveira Caó, Secretário de Trabalho; Edialeda Nascimento, Secretária de Desenvolvimento Social;
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José Miguel, Secretário de Agricultura; Luiz Antônio Silveira Batista; Carlos Magno de Nazaré Cerqueira foi Comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro; Vanda Ferreira; sem deixar no plano secundário que o Secretário de Educação de Leonel Brizola era Darcy Ribeiro. Então, isso dispensa outras considerações sobre o que foi o investimento feito por essa geração na construção dessa política.
Certamente essas iniciativas, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, influenciaram o Presidente José Sarney para que ele pudesse tomar a iniciativa de criar a Fundação Cultural Palmares, que, como já foi citado aqui, teve Carlos Moura como seu primeiro Presidente, e Cida já fez uma série de considerações que demonstram para nós o estado da arte da Palmares hoje.
Queria também registrar que acho que nisso, embora tenha ficado perceptível, muitas vezes há um subtexto de que nós negros e negras não conseguimos nos reconhecer, e é motivo de orgulho, Cida, para mim, vê-la fazer essa referência a Carlos Moura. Isso demonstra o grau de maturidade que nós alcançamos e que a construção da Palmares do futuro se dá a partir do que foi construído no passado pelos presidentes que antecederam você, começando por Carlos Moura. Você deu um exemplo de política, deu um exemplo de maturidade, e isso precisa ficar registrado.
Caindo agora já no que me compete, que é falar da Seppir, nós estamos, sob o ponto de vista da Seppir, vivenciando uma janela de oportunidades que acontece entre os anos de 2015 a 2022; a Ministra Luíza já havia enfatizado isso, a Ministra Nilma tem reiterado essa compreensão. Nós estamos vivendo, tanto no cenário internacional quanto no cenário nacional, a vigência concomitante de vários elementos que nos dão uma perspectiva bastante positiva, levando em consideração que nós teremos, até o final da década de 20, o fenômeno bônus demográfico, que nos permite aproveitar esse momento histórico para corrigir algumas distorções, considerando que, a partir desse momento, nós teremos uma alteração do perfil etário no Brasil e do perfil demográfico, e determinadas correções não poderão ser feitas.
Nesse sentido, chama a atenção a importância das ações que visem reduzir os níveis de mortalidade de jovens negros e negras porque essa variável demográfica e esse nível de mortalidade já têm um peso demográfico, é uma variável ainda fora de controle e é uma variável que pode comprometer o bônus demográfico porque, se nós conseguirmos reverter essa variável, nós não apenas teremos enquanto sociedade a possibilidade de usufruir esse bônus demográfico como também teremos a perspectiva de consolidar, nos próximos quinze anos, uma maioria absoluta de pessoas negras constituindo a sociedade brasileira. Chegaremos a alguma coisa em torno de 60% de pessoas pretas e pardas constituindo a sociedade brasileira.
Sob o ponto de vista da Seppir, nós temos no cenário internacional ainda a vigência do Plano de Ação de Durban, que ainda continua a produzir efeitos. Nós temos a Década dos Afrodescendentes, que o Ministro Ghisleni fez menção aqui, e o Brasil tem um papel importante na construção do plano de trabalho, há um conjunto de iniciativas sendo tomadas. Nós temos também - Elisa fez menção a isso - a candidatura do Cais de Valungo como Patrimônio Cultural da Humanidade, isso certamente reforça a presença do Brasil no circuito de pertencimento por origem africana porque é o único cais de desembarque localizado - nós temos os entrepostos e cais de embarque, mas não temos de desembarque. Então, isso tem um peso importante. Não foi à toa que nós fizemos então, poucos dias depois da morte do Abdias, uma cerimônia no Cais do Valungo, exatamente no sétimo dia. Então, nós temos aí no cenário internacional um cenário interessante.
No plano nacional, eu dividi em dois aspectos: uma dimensão pública, que é o arcabouço jurídico-institucional, o Estatuto da Igualdade Racial, a legislação de quotas no acesso ao ensino superior, a legislação de quotas no acesso ao serviço público, então legislação vigendo por dez anos. Então, nós também teremos, ao longo desse período, a vigência desse arcabouço legislativo e temos iniciativas que eu considero iniciativas públicas, embora sejam iniciativas da sociedade civil e da iniciativa privada. Nós temos aqui, não por coincidência, representantes de três dessas iniciativas.
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Temos José Vicente, que, além de toda a contribuição que tem dado à causa, notadamente a partir da fundação da Universidade Zumbi dos Palmares, mas, mais recentemente, sem que isso signifique que José Vicente começou a atuar nessa área recentemente, a iniciativa empresarial pela igualdade racial, uma iniciativa em que ele mobilizou grandes empresas privadas brasileiras em torno de uma carta de princípios que busca implementar ações afirmativas no ambiente empresarial, iniciativa que José Vicente - verdade seja dita - já vinha tomando há vários anos.
Temos, ao lado de José Vicente, Humberto Adami, coordenador da Comissão da Verdade da Escravidão da Ordem dos Advogados do Brasil, também outra iniciativa com um potencial estruturante enorme.
E temos o Mário Theodoro, e eu vou repetir aqui o que já disse a ele à época - o Senador Paim disse: "Fez parte da Seppir", Mário Theodoro foi Secretário Executivo da Seppir - em que ele era Secretário Executivo e colaborou bastante porque, à época, eu era consultor da Suppir (Superintendência de Igualdade Racial do Estado do Rio de Janeiro). Foi uma hora para a Seppir ter alguém da envergadura do Mário Theodoro, de quem eu tenho o privilégio de privar a amizade, como Secretário Executivo. Seguramente - e disse a ele quando eu fui convidado para assumir a função - eu estava assustado com várias coisas e talvez o que mais me assustasse era sentar na cadeira que tinha sido ocupada por ele. Então...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Só queria muito agradecer à Seppir por o ter devolvido para nós porque ele fez uma falta aqui. (Risos.)
O SR. GIOVANNI HARVEY - Senador Paim, se depender de mim, eu o levo de volta.
Então, Mário Theodoro, que lidera a iniciativa legislativa para a criação do fundo, também é uma iniciativa com peso enorme.
Então, esses elementos nos dão conta de que o legado de Abdias se projeta em várias dimensões. Em todas essas dimensões, nós temos a influência e o legado de Abdias do Nascimento.
(Soa a campainha.)
O SR. GIOVANNI HARVEY - Eu queria parabenizar o Senado, mais uma vez, por essa iniciativa e o Senador Paim, mais uma vez coerente com a sua trajetória, e desejar êxito a esta sessão.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Giovanni Harvey, Secretário Executivo da Seppir.
Eu queria convidar agora para uma saudação, porque ele vai ter que se retirar, Iradj Eghrari, da Comunidade Bahá'i Brasileira, que também é representante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
Você pegue o telefone sem fio aqui - pode ser - e você fará uma saudação aqui, já que você vai ter que se retirar. O telefone sem fio está aqui, não é?
Por favor, é uma honra para todos nós, antes de você sair, te ouvir.
O SR. IRADJ ROBERTO EGHRARI - Senador Paim, é uma honra. Obrigado por quebrar o protocolo. Peço desculpas aos demais na mesa.
Na verdade, quem deveria estar aqui é o querido companheiro Ivanir dos Santos, mas ele não pôde estar presente, e Elisa mui gentilmente me convocou a fazer a vez aqui de usar a palavra para falar sobre a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Você permite que eu diga para você usar o microfone porque eu pedi para você usar o telefone.
O SR. IRADJ ROBERTO EGHRARI - Foi.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Aí não dá; por telefone, não dá.
O SR. IRADJ ROBERTO EGHRARI - Mas é que eu estou passando a mensagem já para o Ivanir também, à distância.
Quando Elisa me pediu para falar sobre a Comissão, eu não pude deixar de lembrar um fato muito marcante porque é a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro que puxa a caminhada, já conhecida de todos vocês, que todos os anos acontece no mês de setembro; a próxima agora é dia 21 de setembro, no Rio de Janeiro, na Praia de Copacabana.
Numa dessas caminhadas, eu acredito que - Elisa, ajude-me com a memória - talvez a última de que o nosso saudoso Abdias participou, talvez um ano antes da sua passagem. Foi isso?
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu acho que foi a primeira das marchas.
O SR. IRADJ ROBERTO EGHRARI - Mas era uma em que dois jovens, Humberto Adami e eu, queríamos fugir da chuva porque chovia torrencialmente e, quando nós vimos Abdias impávido, inamovível - claro, com Elisa como sua apoiadora...
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - De cadeira de rodas.
O SR. IRADJ ROBERTO EGHRARI - ... de cadeira de rodas, debaixo d'água, eu me senti tão pequeno. Eu olhei para a cara do Humberto - Humberto me puxando tipo "vamos indo", eu o puxando "vem para cá" -, e nós dois ficamos. Temos fotos lá.
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E, para mim, o símbolo do compromisso de Abdias com causas nasce, Cida, nessa história, que eu também tive a oportunidade de ouvir da própria expressão de Abdias, como você teve; a essas causas que Abdias se dedicava. Podia fazer chuva, fazer sol. Eu vi Abdias em vários momentos em que ele se encontrava com a saúde debilitada, mas estava lá, firme, inamovível, participando de tudo aquilo para o qual ele era convocado e quando então convidado como cidadão a estar presente à caminhada pela igualdade religiosa, promovida no Rio de Janeiro, que é uma das ações - então, voltando agora por que eu estou aqui - da CCIR (Comissão de Combate à Intolerância Religiosa).
Comissão essa que se inicia com o grande movimento das religiões de matriz africana no Rio de Janeiro, Comissão essa hoje coordenada pelo Babalorixá Ivanir dos Santos, Comissão essa que hoje integra as mais diferentes religiões, e eu faço questão de dizer isso porque é muito fácil as religiões que têm uma abertura para o diferente estarem juntas. Então, é muito fácil a Comunidade Bahá'i está lá, é muito fácil os judeus estarem lá, é muito fácil muçulmanos estarem lá porque têm essa tendência à abertura, mas não é muito fácil evangélicos neopentecostais estarem lá, e isso é o que a Comissão conseguiu alcançar, e isso - eu diria - talvez um dos grandes projetos de nação que Abdias trouxe a todos nós que era ver esse momento de integração acontecer.
É muito fácil qualquer um de nós subirmos no carro de som, usarmos a palavra, é muito fácil Parlamentares estarem lá presentes, mas, o dia em que nós vimos naquele carro de som um pastor evangélico neopentecostal fazendo uso da palavra, eu pensei comigo mesmo: "Olha, abriu-se uma possibilidade." Claro, duramente criticado por seus pares; claro, duramente questionado, mas eu acho que é isto o papel de uma Comissão de Combate à Intolerância Religiosa: ver onde há intolerância religiosa e ver como é que nós podemos nos unir, como é que nós podemos ver que, apesar de chamarmos por nomes diferentes, é o mesmo Criador, é a mesma essência que nós buscamos encontrar enquanto nossa dimensão religiosa.
Então, Senador, agradeço a oportunidade da CCIR. Elisa, agradeço a oportunidade de você dar espaço para que a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa pudesse fazer uso da palavra, pudesse fazer a sua saudação a Abdias, e uma saudação que tem concretude porque Abdias era alguém que foi símbolo também da caminhada puxada pela CCIR e alguém que sempre teve forte em seu coração a busca disso.
E eu termino aqui só com uma observação que Abdias uma vez me fez, que foi uma palavra de gratidão, e eu disse a ele: "Não tem por que agradecer." Ele falou: "Não, obrigado. Obrigado por estar nos apoiando. Obrigado por estarmos juntos." Eu acho que é este momento de gratidão que nos dá o combustível e eu tenho certeza de que Abdias agora nos acompanha nesta sessão solene em sua dimensão maior e talvez esteja mais uma vez dando a sua palavra de gratidão a todos nós.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Iradj Eghrari.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu só queria pedir para o Iradj que, antes de se retirar - eu sei que tem que se retirar -, não se esqueça de levar seu exemplar do livro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E pode passar aqui que ela assina. Enquanto eu vou chamando outro, ela já vai assinando.
Agora, passo a palavra para o escritor nigeriano agraciado...
Primeiro, Anani?
Primeiro, então, Anani, Professor da Universidade dos Estados Unidos da América. Por favor, Professor da Universidade.
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A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Desculpe. O Prof. Anani está esclarecendo que, de acordo com a tradição dele, ele não poderá falar antes do Prof. Soyinka.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Então, Prof. Soyinka, com a palavra, escritor nigeriano agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura e ativista político. (Palmas.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Senador, eu gostaria - e agora eu preciso do tradutor - de esclarecer a vocês que nós estamos diante não apenas do primeiro africano ao Prêmio Nobel da Literatura, mas de um ativista pelos direitos humanos e pelos africanos, professor universitário, que teve a grandeza de assumir um cargo insuspeito, que foi o de transporte público do governo nigeriano, porque ele não aguentava ficar na sala de aula aguardando os alunos chegarem e sabendo que eles estavam morrendo em acidentes de automóveis. Então, ele se dedicou a essa missão, esclarecendo que ele é mais do que nada uma força telúrica de Ogum encarnado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Só para entenderem que a Drª Elisa vai ser a tradutora. Eles estão combinando o jogo ali.
O SR. WOLE SOYINKA (Tradução simultânea.) - Bom dia. Muito obrigado por este convite e por este evento. Para mim, estar presente em qualquer evento que diz respeito ao Abdias é uma obrigação familiar. É sempre bom nos associarmos com alguém que assume, nos seus ombros, o peso da comunidade, da sociedade e do mundo. Uns dois anos atrás, 2013, o Abdias carregou a carga inteira do Brasil sobre os seus ombros na Nigéria.
Nós convidamos o Brasil inteiro para um projeto que teria sido muito do coração do Abdias. O Brasil não se fez presente, não da forma que nós queríamos, não da forma que nós prevíamos e nem da forma que nós merecíamos, mas o Brasil esteve presente, porque o Abdias esteve presente lá.
No Festival de Herança Negra de Lagos, quando tive a honra de ter um papel importante na organização, nós mudamos o tema e nos concentramos num tema específico.
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E esse conceito se intitulou O Negro no Azul Mediterrâneo.
O nosso objetivo era lembrar a nós e aos outros a enorme contribuição dos povos africanos, através do percurso mediterrâneo, na cultura e história das Américas e do mundo. Então, nós pegamos cada nação mediterrânea, uma por uma, a começar com a Itália, para mostrar como o restante do mundo se relaciona com a África, de forma tanto positiva como também negativa, através da história.
Eu mesmo vim ao Brasil e tenho certeza de que tenha me encontrado com vários amigos que estão aqui presentes. Nós queríamos explorar esse contato do mundo africano com o restante do mundo através da literatura, através da poesia, através da expressão plástica, de todas as maneiras possíveis.
Houve um momento em que estávamos aguardando a presença de 450 artistas e intelectuais brasileiros para participarem desse festival na Nigéria. Nós tivemos várias reuniões com Ministérios, com autoridades, com organizações diversas, cujos nomes não me lembro, e o número previsto foi caindo até que, no final, nos foram oferecidas quatro pessoas para irem ao Festival de Herança Negra de Lagos fazer oficinas de cinema. Então, eu disse: Não. Muito obrigado. Nós temos um, que é o Abdias Nascimento. E ele basta. (Palmas.)
Então, nós fizemos uma produção da sua peça Sortilégio, com a ajuda do Ipeafro. Pudemos fazer uma exposição das suas obras artísticas. Tivemos um colóquio onde discutimos as ideias dele. E nós tivemos a felicidade de constatar que um grupo de samba brasileiro estava lá de passagem e o convocamos para fazer parte desse festival. Tenho certeza de que foi o espírito do Abdias que estava funcionando naquele momento. Mas precisamos ter cuidado.
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Precisamos ter cuidado porque nós sabemos que as forças da intolerância, do preconceito, da discriminação, que são o oposto daquilo que o Abdias representou e lutou, estão vivas e estão presentes no continente africano.
Todos os valores que deram dimensão para o passado e para frente no trabalho na obra do Abdias estão ameaçados.
As hordas da barbárie estão presentes e estão atacando os valores que nós temos como caros e que quisemos construir com a nossa liberdade. O mundo dos orixás, por exemplo, está ameaçado. Existe uma nova onda de donos de escravos. Não há outra forma de expressá-lo. Debaixo de uma máscara de religiosidade, de certeza moral, de moralismo, enfim, religioso, destruiriam esta reunião aqui por ter tido a ousadia de mencionar e celebrar os referenciais que nós ouvimos.
Em certos lugares no país, só pelo fato de você ter em sua casa uma estátua de Ogum, Oxum ou Xangô, você pode ser trucidado e ver a sua família trucidada.
Eu me pergunto o que o Abdias pensaria sobre as coisas que estão acontecendo em algumas partes do continente africano hoje. Em Mali, no norte da Nigéria, na Somália, essas hordas da barbárie atacam aquilo em que nós acreditamos e que nos dá a nossa força de criatividade.
Agora, é incrível que, hoje, no início deste novo milênio, nós temos um movimento na direção da reescravização não apenas de um povo específico, mas da humanidade. Vocês conhecem os nomes deles. Em alguns lugares, são chamados de ISIS; em outros lugares, Al-Shabaab; e, na Nigéria, Boko Haram.
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São eles que sequestraram, há mais de um ano, mais de 270 alunas e alunos de escola. E eu tenho vergonha de dizer que até hoje não sabemos onde estão essas crianças. Quando essas hordas letais chegaram a Mali, o primeiro ato deles foi destruir o grande legado que existe em Tombouctou, onde havia uma biblioteca enorme e muito importante e também as coleções que pertenciam a famílias e a grupos em Tombouctou.
Então, a obra, o trabalho do Abdias não terminou. Esse trabalho nunca termina mesmo, sempre continua em numerosos fóruns como este, continua em festivais como aquele que acabei de descrever: o Negro no Azul Mediterrâneo. Esse tipo de evento não prega o separatismo. Prega apenas a riqueza da diversidade. É tão simples quanto isso.
Então, a próxima vez, quando eu pedir para vocês me mandarem 400 pessoas, não me mandem 4; me mandem 4 mil. (Palmas.)
Não vão jogar bola numa Copa do Mundo em vez de ir à Nigéria. Eu sei que é por isso que vocês reduziram esse número, porque vocês estão ocupados com o futebol. Mas o Abdias tem uma cabeça forte. Por isso, vocês perderam. (Risos.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o Wole Soyinka, escritor nigeriano, agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, e ativista político. Nossos cumprimentos.
Eu agradeço muito à Elisa por tê-lo trazido aqui para dar esse belo depoimento.
Passamos a palavra, de imediato, ao Prof. Anani Dzidzienyo, da Universidade de Brown, nos Estados Unidos.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu estou sendo aqui convocada para tentar honrar a expressão dessas grandes figuras. Eu me sinto muito humilde diante dessa tarefa.
O Prof. Anani domina bem a Língua Portuguesa e vai se expressar em português até que se canse.
O SR. ANANI DZIDZIENYO - Bom dia, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Bom dia.
O SR. ANANI DZIDZIENYO - Eu fiquei muito, muito tocado quando o Presidente me chamou, porque, como expliquei para a Elisa, não era possível eu falar antes do grande homem Soyinka.
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Então, saiu bem dessa maneira. Ele falou. Mas eu tenho grande tentação de fazer alguma coisa, mas não vou fazer, mas só para dizer: antigamente, na minha infância, tinha um parlamentar. Quando chegou para falar no parlamento, ele falou assim: "ah, tudo o que eu tenho que dizer...
(Soa a campainha.) (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Agora é que começou o seu tempo. Vai tranquilo.
O SR. ANANI DZIDZIENYO - Então, posso dizer o seguinte: o grande Wole Soyinka já falou tudo o que eu tinha que falar, mas isso não vai sair bem. Então, eu vou falar um pouco.
Eu gostaria de falar um pouco sobre Abdias e o futuro. Mas, para falar sobre o futuro, tem que voltar para trás na maneira que os ganenses chamam de sankofa. Você tem que olhar para trás para entender o presente e para contemplar o futuro. Então, cada vez que penso em Abdias, essas três dimensões aparecem na minha frente. Então, para mim, a vida, a obra, a herança do Abdias é um negócio triangular, porque, cada vez que eu me lembro de Abdias, ouvindo-o falando, lendo os seus escritos, discutindo com outras pessoas sobre a relevância de Abdias nas nossas vidas, nas nossas políticas, essas três dimensões sempre saem à frente de mim.
Até este encontro hoje em dia aqui no Senado é muito interessante, quase contraditório, historicamente falando, porque, uns anos atrás, me lembro muito bem de que era quase impossível imaginar este acontecimento aqui no Senado, porque, nessa época, o nome de Abdias, a fama de Abdias não foi de uma maneira que o Senado brasileiro vai dedicar um tempo para discutir. Por isso, eu gostaria de reconhecer esse trabalho que o Senador Paim e todos vocês fizeram. A Elisa também. Ela lembra muito bem, na década de 80, quando Abdias tentou trazer o Terceiro Congresso das Culturas Africanas para a América, para cá, foi um negócio muito complicado, porque, nessa época, o Itamaraty não aceitou a responsabilidade de mandar um pedido para a Unesco, mas ficar por aí.
Eu também estou muito contente que o Prof. Soyinka está aqui. Sabe por quê? Não só pelo Festival das Artes Negras na Nigéria, em 1977, mas, para mim, como africano, como uma pessoa que aprendeu a apreciar o nome e o trabalho dele, compartilhar uma mesa com ele, hoje em dia, é ganho para mim. Então, eu gostaria... (Intervenção em língua estrangeira.)
Agora, como é que podemos repensar a posição do Abdias no contexto, usando uma palavra que o próprio Soyinka criou anos atrás: mundo dos negros. Então, como vamos colocar Abdias dentro desse lugar? Eu acho que a gente tem que pensar em termos dos tecidos de Gana, tecidos da África: adinkra e kente. Cada um desses tecidos tem provérbios, essas coisas aqui, essa cultura. Você não pode explicar um provérbio para alguém, porque todo mundo tem que fazer interpretação dos provérbios.
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Então, eu gostaria de fazer uma jogada com mais pessoas. Eu cito três, quatro provérbios, sabendo que ninguém vai ter a coragem de me perguntar como você vai explicar esse provérbio. Mas não vou fazer isso com vocês.
Mas, falando com Abdias cada vez, esses provérbios foi uma coisa que eu sabia que ele admirou muito, porque para eles os provérbios não só de Gana, mas da Nigéria e de todos os países africanos, são um símbolo, sabedoria africana, com as consequências desses símbolos, o sentido para o povo na diáspora.
Uma das coisas que foi, como se diz, um marco de Abdias é o pensamento de que sempre foi necessário: local, nacional, regional e, finalmente, global. Então, ele sempre enfatizou o fato de que o Brasil, especialmente as relações brasileiras não eram, digamos, um padrão único. Foi necessário inserir essas coisas dentro de um contexto universal. E, nessa época, quando ele tinha coragem de falar assim, não foi muito apreciado. Hoje em dia, é mais fácil. Todo mundo fala sobre Abdias, o que Abdias fez, mas eu me lembro bem...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANANI DZIDZIENYO - Quase.
Eu me lembro bem, na década de 40, 50, 60, daquele encontro no Riverside Church, em 1979, com Abdias, com Lélia Gonzalez, com Leonel Brizola e Theotonio dos Santos. Hoje em dia, parece com um sonho, muitos anos atrás, porque foi antes da fundação do PDT.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Só para vocês saberem, a igreja Riverside Church, em Nova York, é um marco, um lugar onde as vozes dos direitos humanos de várias partes do mundo eram ouvidas. Esse era o período da ditadura militar. E o Abdias, com os outros que Anani citou, estiveram num grande encontro lá.
O SR. ANANI DZIDZIENYO - O.k.
Então, eu falei sobre tecidos, porque tecido para mim significa paciência, sabedoria e necessidade de trabalho. Além de tecidos, temos também escultura. Então, penso no Abdias como duas cadeiras, uma escultura: uma sempre fazendo sankofa para trás; e a outra sempre olhando para o futuro. Mas não é um futuro simples. É um futuro complicado, porque acho que o pensamento de Abdias tinha essa vontade de ser de uma maneira simples, mas também muito complicada. Então, para mim, um ganense, eu gosto muito, porque sempre me lembro desses provérbios que eu falei.
Então, a singularidade do Abdias para mim - e acho que para muitas pessoas que acompanham o trabalho -, eu acho que ele foi não só o primeiro, mas, talvez, o mais importante não afro-brasileiro, mas brasileiro, da ênfase sobre o Brasil dentro do contexto internacional, especialmente falando sobre relações raciais. Ele reconheceu muito sério o que, infelizmente, tinha um padrão de negação do Brasil dentro desse negócio de relações raciais. Então, acho que ele abriu as portas. Hoje em dia, o nosso Presidente, Paim, e outras pessoas estão caminhando atrás dessas portas.
Então, para mim, não tem muita coisa nova hoje em dia. Isso vai sair depois.
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Eu gostaria de agradecer à Elisa por esse trabalho, porque não é um trabalho fácil, porque você viveu com o Abdias tantos anos. Então, para escrever sobre ele, foi difícil, mas, de qualquer maneira, saiu bem. Eu gostaria também de agradecer ao Presidente Paim e ao Senado, porque para mim, digamos, é demonstração de maturidade quando o Senado brasileiro lançou um livro sobre Abdias, escrito pela Elisa. E o Senador Paim, um afro-gaúcho, do Rio Grande do Sul, está aqui agora. (Palmas.) (Risos.)
Eu posso imaginar Abdias lá, como dizemos na nossa terra, do outro lado. Essas pessoas... Veja só, mas como ele sempre falou...
Então, eu gostaria de parabenizar todos vocês que estão aqui presentes hoje. Desculpem o meu português nada certinho, mas, pelo menos, eu estou muito contente de ter a oportunidade de compartilhar esta Mesa com todos os nossos convidados, com vocês. Eu vejo amigos de muitos anos. E só para encher um pouco o Carlos aqui... Não me lembro... Carlos, você lembra aqueles anos quando fui para Cabo Verde? É. Ficamos lá discutindo relações raciais no contexto internacional Brasil-Cabo Verde.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANANI DZIDZIENYO - É. O.k. Muito bom.
Então, eu acho que a luta - não vou dizer que a luta continua, porque é simples demais - persiste, a luta está aqui. E nós temos a responsabilidade de lembrar tudo o que Abdias tentou fazer. Foi ele que abriu espaço para os afro-brasileiros e brasileiros num contexto onde o Brasil não tinha a vontade, mas o Brasil foi obrigado a enfrentar as realidades, como nós africanos, por exemplo, percebemos do Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Pois não, Elisa.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - É o seguinte: agradecendo a palavra de Anani Dzidzienyo, eu gostaria de lembrar duas figuras - Vishnu Vishnu Wasiamal, que foi o Embaixador de Gana aqui no Brasil e muito fez por essas relações, e, sobretudo, o Prof. Soyinka - em memória ao nosso Kofi Awoonor, vítima das hordas da barbárie no ataque lá no Quênia, poeta, romancista, intelectual africano e artista africano da primeira ordem, que foi Embaixador de Gana aqui no Brasil, nas Nações Unidas e em Cuba e que, infelizmente, caiu, vítima dessas hordas.
Nisso também, convidar o nosso Presidente, Senador Paim, para agradecer a presença da Embaixada da Nigéria, na pessoa do Dr. Francis Odey, que está representando a Nigéria aqui hoje. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem! Muito bem, Prof. Anani Dzidzienyo, que falou um português aqui que deixou alguns brasileiros querendo imitá-lo, porque é um português quase perfeito. Meus cumprimentos.
Eu queria, neste momento, dizer que vamos mudar de Mesa. Então, os meus convidados - você e a Elisa ficam - retornam para o plenário. Vamos para a segunda Mesa. Por favor.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Se alguém precisar sair em algum momento, por favor, os livros estão aí. Gostaria que o Ministro e as outras pessoas da Mesa que não têm o livro ainda o pegassem.
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Também gostaria de aproveitar a deixa do Anani sobre o sankofa para dizer que está à disposição ali, na mesa, uma coleção de livros sankofa sobre a matriz africana da história e cultura no Brasil, que o Ipeafro oferece com desconto em relação ao preço da editora, conforme está avisado ali.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - A Presidente da Fundação Palmares vai ter que sair, mas ela lembra que o Congresso de Capoeira será nos dias...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ...27 e 28 de novembro, na Bahia.
Eu convido para a mesa o Deputado Federal Jean Wyllys, por favor, membro da Comissão Mista de Inquérito de Violência contra Jovens Negros e Pobres; Ivanir dos Santos, que fala aqui pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa - o Ivanir já chegou? -; Frei David dos Santos, Diretor da Educafro; Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Brasil (Conselho Federal da OAB) - seja bem-vindo, Humberto Adami!; Mário Theodoro, Coordenador da Iniciativa Legislativa Popular pela Criação do Fundo da Igualdade Racial; e José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.
Uma salva de palmas a toda a Mesa, que passa a fazer uso da palavra. (Palmas.)
Como eu havia dito na abertura, Deputado e Senador falam no momento em que entenderem mais adequado.
Como o Ivanir dos Santos não se encontra...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Então, de imediato, passamos a palavra ao Frei David dos Santos, Diretor-Executivo de Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro).
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Eu pedi ao Senador a oportunidade de me colocar neste momento, porque há o eslaide que está sendo providenciado. No entanto, há um fator que estourou agora. Eu quero partilhar com o meu irmão do Itamaraty, que está aí, o Embaixador Pessoa, bem como a Seppir e a Fundação Palmares. A Fundação Palmares está aí ou já saiu? Então, antes de entrar no eslaide, eu quero partilhar, porque acabou de estourar um problema.
Eu fui chamado agora para dar uma entrevista inesperada ao jornal O Globo. O que aconteceu? O Itamaraty terminou de anunciar o seu programa de cotas. Ou seja, houve o concurso, e saiu o resultado. E, para a nossa dura angústia, o Abramovic, aquele branco, de olhos verdes claros, que se declarou negro no concurso passado, acabou de passar mais uma vez no concurso do Itamaraty. Isso é inaceitável! Isso é inaceitável! Para nós, isso é uma ofensa para o povo negro. E o mais grave: ele só passou porque se inscreveu na cota de negro. A nota dele, mais uma vez, não passaria se fosse na concorrência ampla.
Portanto, estamos com um problema bastante delicado. Nós percebemos no Brasil o direito administrativo conspirar contra o direito constitucional. O STF já definiu que as cotas são constitucionais para negros. O STF definiu que a autodeclaração é constitucional, mas também definiu que ter averiguação após a autodeclaração é constitucional. Portanto, tenho certeza de que, se o nosso irmão Abdias, que estamos homenageando, estivesse aqui, ele iria roubar um tempo da explanação, que é um pouco da história da relação entre Educafro e Abdias, para trazer à tona essa dor, que, com certeza, angustia Abdias, onde ele estiver.
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Eu, então, faço um apelo ao meu irmão Embaixador Pessoa, para que leve para o Itamaraty e para o Ministério das Relações Exteriores essa nossa angústia. Nós, comunidade negra, entramos na Procuradoria-Geral da República contra o Ministério das Relações Exteriores, apesar de ser um de nossos grandes amigos. Foi o primeiro órgão do Brasil a acolher a demanda da comunidade negra, mas, no entanto, há um conflito. O Itamaraty respeita, inconscientemente ou conscientemente, mais o Direito Administrativo que o Direito Constitucional.
Ora, realmente, tivemos três reuniões, com 50 militantes da Educafro, no Instituto Rio Branco, com o Embaixador Diretor do Instituto Rio Branco, colocando para ele a nossa angústia de querer ver mudar essa situação. E ele falou: “Frei David, o problema não é nosso. O problema é de vocês, que, junto com o Governo, Deputados e Senadores, fizeram uma lei que deixa muitas brechas Então, Frei, a lei é explícita, autodeclaração. Ora, em nenhuma lei manda ter comissão. Então, Frei, cabe a vocês, Movimento Negro, entrar na Justiça contra cada branco que está fraudando as cotas”.
Eu disse: “Meu irmão, por favor, o senhor tem a razão parcial, mas jogar para a sociedade civil a missão de averiguar os concursos públicos é injustiça. Não temos estrutura para isso. Não temos”.
Portanto, eu faço um apelo, então, ao meu irmão para que leve lá, para o Ministério das Relações Exteriores e Procuradoria-Geral da República para que atenda à comunidade negra e entenda que é impossível acolher só pela metade a lei. Se a lei não está completa como queremos... Alguns de nos defendem a tese de que a Lei das Cotas em concurso público exige uma regulamentação, outros membros do Governo falam que não precisa, porque ela é autoaplicável, o fato é o seguinte: pelo menos uma norma orientativa precisa sair com urgência.
E, aí, Senador Paim, por que eu estou angustiado, falando isso com tanta emoção? Pelo seguinte: em Minas Gerais, houve um concurso público federal e cota para negro aplicada. Os negros, então, aprovados abandonaram, Senador, o seu emprego e assumiram o novo emprego. Meses depois, eles são tirados do seu emprego novo pelo juiz, porque brancos entraram na Justiça contra as cotas e o juiz deu razão para eles. Tiraram do emprego - tiraram do emprego.
Então, o jovem, negro, as pessoas negras que tinham seus empregos tranquilos, fizeram um novo concurso, passaram, assumiram o concurso e, no entanto, foram tirados pelo juiz. Por quê? Porque o juiz está interpretando do seu jeito a Lei de Cotas, que é uma lei que tem muitas, muitas brechas. Falando abertamente, é isso aí.
Senador Paim, para ampliar a nossa angústia, o Instituto Federal de Educação lá, de Pernambuco, se eu não me engano, não tenho certeza de qual foi o Estado, tinha 210 vagas para concurso público. O Instituto sabia que a lei explica o seguinte: só é necessário adotar cota para negro se houver três vagas em disputa.
O Instituto tinha 210 vagas em disputa. Maldosamente, a visão do administrador, que não nos entende - nós, negros - pegou essas vagas e fracionou em vários concursos, para não permitir entrar negros, Senador Paim. Isso é maldade. Não pode acontecer uma coisa dessas.
E o Governo Federal e seus vários órgãos fiscalizadores não podem permitir isso.
Para nossa sorte, a comunidade negra entrou na Justiça e o juiz, de sã consciência, anulou o concurso. Mas não para por aí não.
Na Polícia Federal, concurso público muito concorrido, o volume de brancos que passaram no concurso federal, brancos, declarando-se negros, foi grande. Contra alguns deles, entrou-se na Justiça, mas o juiz deu a eles o direito de voltar para o cargo no concurso federal da Polícia Federal.
Ampliando, ainda, o problema, para nossa dor, da comunidade negra, que está acompanhando a TV Senado, a Rádio Senado, e demais participantes aqui, ao vivo, o Exército e a Aeronáutica se sentiram fora do Brasil e falaram: “Em meus concursos, não admito cota para negro”.
Ora, portanto, este Senado, este Congresso precisa ajudar ao Exército e à Marinha.
Então, eu peço ao Senador Paim que faça uma audiência pública, urgente, emergencial, chamando Exército, Marinha, Itamaraty, Instituto Federal de Educação, a sua articulação nacional, porque estão burlando a Lei de Cotas, Senador. Isso é muito sério, muito complicado.
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Portanto, Senador Paim, eu tenho certeza de que nosso irmão, Senador Abdias, onde ele estiver, quer ver o povo negro vencer. Portanto, trazer à tona esse drama que agora está na página do Jornal O Globo - acabaram de me entrevistar para a página do Jornal O Globo - agora deve, portanto, ser a nossa grande maneira de homenagear o nosso querido Senador Abdias do Nascimento.
Então, peço ao meu irmão da Seppir, peço ao Ministério do Planejamento que, por favor, agilizem, soltem uma portaria normativa, orientativa para os vários órgãos públicos federais não ficarem perdidos. Segundo eles, eles estão perdidos.
E, aí, tivemos agora, sexta-feira passada, lá no Rio de Janeiro, um seminário. Quem organizou o seminário foi, para nossa alegria, o corpo de Direito da PUC-Rio, que foi a primeira universidade a lutar pela inclusão do negro - não foi uma pública, foi uma particular, foi a PUC-Rio - e o corpo de Direito fez esse seminário. O título era: Criminalização da Falsidade Ideológica nas Ações Afirmativas. Criminalização.
A conclusão do seminário foi fantástica. Todos os presentes do movimento social e do movimento jurista foram explícitos: no Brasil, Senador, há uma conspiração grave do Direito Administrativo contra o Direito Constitucional. Ora, até há uma frase de cujo autor não vou me lembrar agora, que diz: "o Direito Constitucional passa, o Direito Administrativo continua, fazendo grandes estragos."
Portanto, lá no seminário, concluiu-se o seguinte: está, no Brasil, transcorrendo uma forte conspiração contra a comunidade negra. Está, no Brasil, no exato momento, havendo uma forte conspiração contra a comunidade negra, gerada pelo Direito Administrativo. O Direito Administrativo não aceita o Direito Constitucional. O STF disse que são constitucionais as cotas para negros. O STF disse que é constitucional a autodeclaração. O STF disse que é constitucional ter comissão para averiguar a autodeclaração.
No entanto, a Lei de Cotas do Governo Federal fala das cotas para negros, fala da autodeclaração, mas não fala da comissão. Ora, não falar da comissão não dá aos administradores do Brasil direito de fazerem o que quiserem. Têm que respeitar.
Se alguém se inscreve em um concurso apresentando documento falso de curso superior, tenho certeza de que os administradores, inspirados pelo Direito Administrativo, vão tirar do concurso aquela pessoa que apresentou documento falso de ensino superior.
Por que não ter a mesma rigidez com aqueles que usam da autodeclaração para falsear um direito do povo negro e tirar de nós o direito ao empoderamento?
Senador Paim, com muita dor, partilho com o senhor e demais ouvintes da Rádio e telespectadores da TV, outra notícia desagradável que já citei em outro momento, que é a seguinte: nós, negros, e eu fui um deles, fomos radicais defensores da autodeclaração para concurso público, para vagas nas universidades. No entanto, nós percebemos hoje que, infelizmente, demos um tiro no pé.
Não foi maldade nossa. Nós queríamos, com a autodeclaração, Senador Paim, trazer a motivação ao povo negro, para se assumir como povo negro, porque, até então, pesquisas diziam que, de cada 100 negros brasileiros, afrodescendentes, mais de 70 tinham vergonha de serem negros.
Então, haver a autodeclaração, era uma maneira de impulsionar o meu povo negro - e que ninguém saiba por aí não, hein? Eu fui um deles, até os 21 anos, eu não me assumi como negro. Para mim, eu era um branco queimando do sol e acabou -, e motivar o povo negro a assumir sua negritude.
No entanto, está acontecendo isso? Está acontecendo, graças a Deus, mas só que cresceu, de maneira muito assustadora, outro lado: brancos que apenas têm uma genotipia de terceira, quarta ou quinta geração, se declarando negro, a partir da genotipia.
E nós do Movimento Negro entendemos que as cotas não estão aqui porque você tem genotipia negra. As cotas foram trabalhadas para quem tem fenotipia negra.
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Então, este conflito entre genotipia e fenotipia precisa ser trabalhado com bastante ênfase pelos Governos Federal, estaduais, municipais, porque esse problema está nos quatro cantos do Brasil, e, aí, eu estava dizendo que a Prefeitura de São Paulo fez um concurso para Procurador do Município, com salário altíssimo, quase 20 mil por mês, 14 vagas para negros.
O concurso terminou; 38 negros aprovados. Felizes todos nós, fizemos uma festa na Educafro para celebrar 38 negros aprovados. Durante a festa, alguém falou: “Frei, que tal averiguarmos, desses 38, se há algum fraudador?” Eu disse: “Não, o que é isso? Não pode ser”. Mas insistiram e fomos buscar a foto deles.
Entramos no site da Prefeitura, não havia foto.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Então, nos dividimos em 14 pessoas e cada um foi procurar o nome dos 14 primeiros classificados. Esquecemos os 38, pegamos só os 14 primeiros classificados para concurso de negro na Prefeitura.
Pergunto a vocês: dos 14 classificados no concurso para negros, quantos eram brancos?
Doze brancos.
Ou seja, as cotas estão sendo corroídas por pessoas sem ética.
Então, para concluir, eu só peço para passar uns cinco eslaides à frente; eu vou pular, então, alguns eslaides.
Pode passar também.
Pode passar.
Pode passar, por favor.
Mas lembrando a vocês que esses eslaides vão ficar disponíveis no site do Senado para quem quiser, depois, trabalhar esse material.
Algumas fotos do Senador, na luta da Educafro.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Pode passar.
Pode passar.
Pode passar.
O.k. Volta um pouquinho, por favor.
Volta o anterior.
Não, em seguida.
Segue mais à frente.
Mais à frente, por favor.
Aí. Obrigado.
Grande líder que nasceu para lutar, viveu pelos ideais de uma sociedade etnicamente plural.
Aí está, foi uma das últimas manifestações em ambientes públicos, em passeatas e protestos do Senador junto com a Educafro. E esse caso aí foi quando nós estávamos lutando para que a Universidade Federal do Rio de Janeiro adotasse cota para negro.
Então, nós demos um abraço no prédio do IFCS, exigindo que a Federal saísse da omissão e abraçasse a causa. E o Senador, de cadeira de rodas, foi para lá, lutar, junto conosco, pelo que merece uma salva de palmas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Só dois outros.
Pode passar, rapidinho. O.k.
Passando.
O.k.
Portanto, quem quiser os eslaides pode depois pegar aqui, na mesa, que estão disponíveis. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Muito bem.
Esse foi o Frei David dos Santos, Diretor Executivo da Educafro, que fez um esforço enorme para ficar no tempo aí, porque, normalmente, o Frei David fala, quando dão 10, ele fala 20, e, nessa, falou 12 minutos. Ficou bem. Ficou bem. Uma salva de palmas. Foi campeão hoje, aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Humberto Adami, Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, do Conselho Federal da OAB.
O grande Humberto Adami, que tem nos ajudado muito sempre que recorremos a ele.
O SR. HUMBERTO ADAMI - Senador, satisfação imensa de estar aqui, nesse momento, representando o Conselho Federal da OAB. Um abraço do Presidente do Conselho Federal da OAB.
Estou fazendo esse trabalho da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Brasil, no Conselho Federal, ao mesmo tempo, trazendo a satisfação, a alegria de estar aqui nessa celebração de toda a vida de Abdias, que permanece até hoje.
Nessa primeira Mesa, se falou muito da história e dos momentos de Abdias, e eu estava ali, conversando com o Carlos Moura, teve uma sessão no Instituto dos Advogados, há muitos anos, e, só para ler o currículo do Abdias, a sessão levou duas horas, só lendo o que Abdias tinha feito na vida, e a gente descobriu muita coisa.
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Eu conheci o Abdias - eu, como advogado - e a Elisa Larkin, e, das várias iniciativas jurídicas que nós conseguimos produzir na advocacia, a primeira procuração que chegava sempre era do Ipeafro, com Elisa Larkin e com Abdias Nascimento.
Era a primeira a chegar, “Olha, nós vamos entrar contra alguém lá, para fazer alguma coisa”, desse monte de coisas que o Frei David aí mencionou, que a gente sempre usou no Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, o Iara, entrando em juízo e reclamando em juízo, porque é a forma jurídica, e a primeira procuração que chegava era do Abdias Nascimento, e, com a sua autoridade, com o seu prestígio, e ele dizia uma coisa importante - não é, Elisa? Ele dizia: “É preciso apoiar quem está fazendo alguma coisa". De toda essa celeuma que ocorre sempre no Movimento Negro sobre que caminho tomar, sempre com muita disputa, com muita discussão, o Abdias sempre vinha com o Ipeafro.
Assim foi quando fizemos representações à Procuradoria-Geral da República para questionar o descumprimento da Lei da História da África e Cultura Afro-brasileira e Indígena, a apelidada Lei nº 10.639, que geraram quase 5,4 mil inquéritos civis públicos em todo o País, cada um por Município, questionando diretoras de escolas públicas e privadas por que não implementavam a Lei de História da África e Cultura Afro-brasileira. Isso era 2005. Hoje, mudou um pouco, mas ainda estamos num cenário bastante semelhante, em que há muita intolerância religiosa, intolerância, inclusive, de ordem jurídica.
O Frei David falava da criminalização na questão da autodeclaração, e eu proponho, Senador Paim, que seja revista também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, porque a criminalização do descumprimento da Lei de História da África e Cultura Afro-brasileira, quanto à previsão dela, é de difícil execução.
Há uma lei, lá de 1950, que é de crime de responsabilidade para quem resolve não cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação quando determina estudos obrigatórios da cultura afro-brasileira e da África, e isso me parece que é impossível você descumprir. Há penalidades, mas que acabam no campo da expectativa.
Eu, como Presidente do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, o Iara, tive oportunidade de, por duas vezes, indicar Abdias Nascimento como Prêmio Nobel da Paz. Isso se desenvolveu numa grande marcha também, junto com a sociedade civil, o movimento negro, muitos órgãos, Ministérios também encaminharam lá, as suas recomendações e indicações. O primeiro foi o então Ministro da Justiça, o finado Thomaz Bastos, também encaminhou para lá, mas nós não tivemos essa oportunidade de ver, mas foi uma grande campanha.
Depois, Abdias conseguiu ser, mesmo com toda a sua longevidade, conseguiu ser a língua mais afiada do Movimento Negro brasileiro, até o final da sua vida. Ele conseguiu ser definitivo, radical até o seu final de vida e dizer, quando você dizia: “Ah, mas isso é um problema... é uma...”. “Não, o nome disso é racismo “.
E eu gostei muito e incorporei, como muitos outros, mais novos, incorporamos essa identificação do racismo por trás de muitas dessas coisas que o Frei David acabou de mencionar aí, em relação a todo o aparelho de Estado brasileiro, mas que, na verdade, o que ser revela, Frei, é o racismo institucional brasileiro, sabotando as ações afirmativas, sabotando as iniciativas, ainda que de uma forma mais devagar do que nós gostaríamos que fosse.
Quer dizer, há o campo do Legislativo, há o campo do Judiciário, há o campo do Executivo, mas na verdade, a gestão da implementação da ação afirmativa cai para uma sabotagem, um boicote permanente, que, na verdade, revela o racismo... (Palmas.)
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O SR. HUMBERTO ADAMI - ... com o que não poderíamos lembrar melhor de Abdias e o trabalho também dessa grande personagem da história brasileira que é Elisa Larkin Nascimento, que nunca poderia ser mais brasileira do que ela é, com todo o trabalho que ela tem em prol das comunidades afro-brasileiras, do que fazer essa identificação do racismo.
E é preciso que a gente parta para a identificação desses agentes do Estado que sabotam e boicotam todas as forças de integração. É preciso personalizar, identificar e pessoalizar quem são esses agentes do Estado que estão permanentemente boicotando, e levar, se não for suficiente levar ao âmbito do Judiciário e o Judiciário brasileiro, inclusive, penalizando, não for suficiente, levar às Cortes da OEA.
Nós tivemos aí casos importantes, como o caso da Simone Diniz, em que a Corte da OEA condenou o Estado brasileiro e o Estado de São Paulo pelo caso da Simone Diniz, mas não identificou os personagens que agiram ilicitamente para aquele resultado.
Então, é preciso, já que se falou também, tinha um representante do Estado brasileiro aqui, a ratificação completa dos tratados internacionais, porque o Brasil não subscreve, até hoje ele excepciona, na medida em que fez essas exceções lá, e é preciso.
Tivemos, ainda, participei com o Frei David também, no sábado, do Festival Internacional da Capoeira e os 60 anos de Mestre Camisa, com a Capoeira Abadá lá, no Rio de Janeiro, no Cais do Valongo, e nós perdemos, Frei, ontem, o cortejo de Mil Capoeiras, no Cais do Valongo, e ficamos lá de meio-dia à meia-noite, praticamente, assistindo ao Festival Internacional, em que a capoeira conseguiu ir, tinha capoeirista russo, capoeirista alemão, capoeirista do Cazaquistão, e mais de mil capoeiras reunidos nesse prédio da Cidadania ali, em frente ao Cais do Valongo, que foi idealizado e construído por André Rebouças.
E a minha sugestão é que, se for falar de capoeira, Senador, que não se deixe de convidar o Mestre Camisa, da Capoeira Abadá, para ele vir fazer as suas considerações, avisando que o Instituto de Advocacia Racial vai entrar em juízo também para que a capoeira seja apresentada nas Olimpíadas como esporte de exibição, porque, até agora, a gente não viu, de novo, aquele espetáculo que tivemos na Copa do Mundo, apesar de que os negros brasileiros e os negros do mundo não fizeram parte da Copa do Mundo. Inclusive, nas coberturas televisivas, nem a torcida do Senegal aparecia lá, com mulheres negras. Foi uma verdadeira exclusão, falando em visibilidade.
Queria, também, não deixar de mencionar a importância da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, que foi criada pelo Conselho Federal, a partir de uma proposta da 22ª Conferência Nacional do Advogado lá, no Rio, em outubro. O Conselho Federal imediatamente acolheu, criou, modificando o seu Regimento no sentido de resgatar a memória da escravidão do negro...
(Soa a campainha.)
O SR. HUMBERTO ADAMI - ... e, só para encerrar, Senador, buscar essa memória da escravidão do negro como forma de combater o racismo do cotidiano, mas uma parcela da população não entende por que você tem que ter ação afirmativa para negro. E é preciso buscar a história que foi apagada da história oficial do Brasil. Não é um problema dos negros. Isso é um problema do Brasil, é um problema da sociedade brasileira, que tem que refundar a sua República e tem que buscar a participação da população afrodescendente.
Não deixar de mencionar também a questão quilombola, que está travada na atual Administração Pública Federal, em que apenas 200 quilombos foram reconhecidos. O Presidente da Confederação Quilombola, o Ventura, José Carlos Ventura, tem dito: são cinco mil comunidades, Senador Paim, para serem tituladas e já reconhecidas.
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Nos últimos 12 anos, conseguiu-se titular perto de 200. Quanto tempo vai demorar para titular as demais comunidades quilombolas?
E lembrar, ainda, por fim, que a obra de Abdias permanece, como foi dito aqui pelo Prêmio Nobel da Paz, Soyinka; ela não acabou, ela continua, e nós todos somos os continuadores da obra de Abdias Nascimento.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Muito bem, Humberto Adami, que falou pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, representando aqui a OAB.
Já pedi à Secretaria que anote o nome do mestre que você indicou. E, ao mesmo tempo, Frei David, quanto à audiência solicitada por V. Sª sobre essa malandragem feita nos concursos, também vamos providenciar para realizá-la.
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Excelente. Excelente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Mas vamos, antes de o senhor ir embora, marcar a data já, aqui, com a Comissão.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Senador...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Por favor, Elisa.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu estou incomodada aqui, porque nós temos uma Mesa, eu sou a única mulher e não sou mulher negra. Então, eu quero saber onde está a representante do Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras. Está prevista essa presença desde o início da organização do evento, e, eu acabei de perguntar aqui para a Comissão de Direitos Humanos, parece que não há um nome indicado, mas a presença foi confirmada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Estão propondo o nome da Graça, mas não sei.
Para mim, qualquer nome que vier vem bem.
A Secretária do DF também está aqui. (Pausa.)
O Jean Wyllys pede que a Secretária do DF venha para a Mesa.
Está convocada.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pronto! (Palmas.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Isso lembra um momento, lá atrás, quando, recém-chegado do exterior, o movimento feminista fazia um tribunal, o Tribunal Bertha Lutz, que homenageava os feministas, e o Abdias foi convidado para a Mesa e, quando chegou à Mesa, ele disse: “Eu estou aqui como cavalo, que estou recebendo, as mulheres negras estão presentes aqui na Mesa, na minha pessoa”.
Então, eu quero agradecer à Secretária, a Secretária Marise, muito obrigada pela sua presença aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O Ivanir chegou. O Ivanir já está conosco também. Nós vamos acertar aqui, na Mesa, virá, em seguida, aqui, para fazer uso da palavra também.
Enquanto isso, fala, agora, o Deputado Federal Jean Wyllys, membro da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito em relação à violência contra jovens, negros e pobres.
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Obrigado, Presidente Paim.
Bom dia a todas e todos vocês. Eu saúdo, nas figuras de Elisa Larkin e da Secretária Marise, todas as autoridades presentes, tanto as que estiveram aqui, antes, na Mesa, quanto as que estão na plateia.
Para mim, é uma honra fazer parte dessa audiência pública em homenagem a Abdias Nascimento.
Quero parabenizar demais Elisa, que é incansável no seu esforço de preservar a memória de Abdias Nascimento, e a gente sabe que sem memória não há identidade, nem individual, nem coletiva, e a identidade é a percepção de si. E, ao mesmo tempo, a memória não é evocada sem ritos.
Então, essa audiência aqui é fundamental, é um rito de evocação da memória de Abdias Nascimento.
Acho que é fundamental a gente mostrar para as novas gerações, e eu fico feliz de a escola, de ter alunos do ensino médio aqui presentes, mostrar às novas gerações a conexão entre o pouco que se conquistou em termos de cidadania e direitos para os afrodescendentes e o trabalho de Abdias Nascimento, porque, às vezes, essas coisas se perdem. Parece que os direitos caem do céu e não, na verdade, são conquistados e frutos de uma luta.
E, nesse sentido, Abdias Nascimento deu uma enorme contribuição, não só em termos legislativos, mas de pensamento, para o que a gente tem hoje. A gente pode dizer que essa CPI que investigou, porque ela já foi concluída, que investigou o que a gente chamou de genocídio da juventude negra e pobre no Brasil, essa CPI, de alguma maneira, é fruto do trabalho de Abdias Nascimento e de outros representantes das diferentes expressões do Movimento Negro no Brasil.
Essa CPI eu a considero a mais importante que aconteceu este ano, e olha que o ano nem terminou, e a gente não tem prevista uma CPI tão importante quanto essa. Entretanto, os meios de comunicação hegemônicos, digamos assim, o que a gente chama de grande mídia, deram pouca bola para essa CPI. E deram pouca bola por razões óbvias, a gente sabe disso.
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Esse é um tema sobre o qual as pessoas não querem se debruçar. A gente nunca fez, de fato, um luto da escravidão de negros do Brasil e do legado da escravidão. Essa CPI, de alguma maneira, fez esse trabalho, mas a grande imprensa não deu a bola que ela merecia.
Entretanto, apesar de ter produzido resultados interessantes, um relatório consistente, que aponta para o genocídio da juventude negra e pobre brasileira, que ameaça o desenvolvimento sustentável do Brasil... E isso é fato, quer dizer, alguém falou aqui, na Mesa anterior, me parece que foi o Harvey que disse isso, que falou sobre o bônus demográfico, e de como esse bônus demográfico pode ser afetado por essa política de Estado, essa política de segurança que tem produzido um extermínio da juventude negra e pobre.
Então, essa CPI produziu resultados interessantes, consistentes em termos de dados, mas também de indicações legislativas e de políticas públicas para reverter isso. Porém, é importante dizer, e política é ser honesto e fazer discernimento, é também o momento de a gente lamentar como nós tivemos que abrir mão nesse relatório das referências a identidade de gênero e orientação sexual do povo negro.
Esses termos tiveram que ser excluídos do relatório, porque as forças políticas que são hegemônicas nessa Casa não querem tratar dessa outra questão, que também é um tabu, que é a homolesbotransfobia.
Então, a população negra, a juventude negra e pobre não existe na abstração. Ela existe na materialidade da sua classe social e na materialidade da sua identidade de gênero e da sua orientação sexual. O caso da Verônica Bolina, a transexual espancada por policiais em São Paulo e, depois, exposta nas redes sociais, uma travesti negra e pobre, é um exemplo de que a identidade de gênero pode vitimar, ainda mais, uma pessoa negra.
Então, eu lamento bastante que nós tenhamos que abrir mão, nós tivemos que abrir mão dessas referências no relatório da CPI da Juventude Negra e Pobre por causa dessas forças conservadoras. Essas são as mesmas forças, Frei David - cadê ele? -, que tentam sabotar as políticas afirmativas, porque é, de fato, uma sabotagem.
É se aproveitar de algo que, de fato, é controverso, quer dizer, é colocar quem é e quem não é negro no País, não utilizar o Movimento Negro sempre se afastou dos critérios biológicos para partir para uma afirmação de si, e hoje nós temos pessoas má-fé sabotando essa política, o que é lamentável.
E também, eu quero aproveitar aqui, para lembrar algo, Frei David, que é interessante. Antes mesmo de as políticas afirmativas serem implementadas no Brasil, graças, sobretudo, ao trabalho da Igreja Católica, e eu vim do movimento pastoral da Igreja Católica, eu fiz um movimento de afirmação de mim mesmo, aliás, eu e toda minha família, como um homem filho de homem e neto de um homem de pele preta. Então, eu e minha família fizemos muito cedo essa afirmação da nossa afrodescendência.
Entretanto, essa questão é tão problematizada aqui no nosso País, que, durante um debate público em torno da representação de mulheres negras numa série da TV Globo, em que eu fiz uma interpretação diferente da interpretação hegemônica da maioria dos setores do Movimento Negro brasileiro e, por ter me colocado contra a censura da série, eu fui automaticamente acusado de afro-conveniente e acusado de racista.
Então, também, a gente precisa saber que, do lado do Movimento Negro, há setores que também não primam pelo discernimento e que não sabem identificar os seus aliados e os seus inimigos. Eu lamento bastante isso. (Palmas.)
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Há uma inequívoca contribuição de Abdias Nascimento para a organização dos atores da cultura. É fundamental a maneira como ele colaborou para essa organização, para que as pessoas questionassem a representação do negro na indústria cultural, a inserção do negro nas políticas de cultura, mas eu considero que a representação mais importante de Abdias Nascimento foi mesmo no plano da política, e não só por meio desse legado legislativo, mas a própria presença dele aqui.
A presença do Abdias Nascimento num Legislativo, num Poder da República que, por conta das eleições, marcadas pela força da grana - sim, porque as eleições ainda são marcadas pela força grana -, se fecha à representação de homens e mulheres negras, a presença desse homem aqui tem um significado muito grande.
E é nesse ponto que eu me conecto com ele, porque eu imagino a enorme solidão de Abdias Nascimento nessa Casa, trazendo o tema do racismo para cá. Eu me sinto conectado não porque eu não tenho a pele preta e não sou identificado imediatamente como um homem afrodescendente. Eu me sinto conectado, porque eu sou um homossexual assumido, o único do Congresso Nacional, e trago para aqui o tema da discriminação aos homossexuais e da homofobia, e, por este motivo, sou combatido e difamado.
Então, é nesse ponto que eu me conecto com ele, nesse ponto de vanguarda. (Palmas.)
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Eu fico imaginando a solidão dele. É muito parecida com a minha.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu iniciei a biografia e não fiz uma narrativa cronológica. Iniciei a biografia exatamente com um capítulo sobre este mandato, quando é uma data anterior à Constituinte, e, muitas vezes, as pessoas se esquecem um pouco desse momento histórico. As pessoas pensam na ditadura e depois a Constituinte, mas nessa Legislatura ele estava inteiramente sozinho mesmo.
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Eu imagino, e, por isso, para mim, ele tem essa importância muito grande de desconstruir o imaginário sobre o lugar do negro.
Quer dizer, as representações sempre colocaram os homens e mulheres negros em lugares subalternos, e, de repente, esse homem ascende a um dos Poderes da República, torna-se uma autoridade da República num País racista que não estava habituado a ver um homem negro nesse lugar.
Então, esse para mim é o significado maior do Abdias Nascimento. E, para a gente ter uma ideia do quão importante isso é, Gilberto Gil, outro homem negro que se tornou homem público também, quer dizer, com representação num dos Poderes da República, em 1988, ano em que se comemorou o Centenário da Abolição da Escravatura, Gilberto Gil escreveu uma letra de uma música, uma música que se chama "Pode, Waldir?", e tinha a ver com o fato de ele ter sido derrotado em suas pretensões a ser Prefeito de Salvador, que é uma cidade majoritariamente negra, chamada até de A Roma Negra.
Então, nessa cidade, onde o elemento cultural africano se tornou hegemônico, a música baiana é uma música negra, os orixás são apropriados pela indústria hegemônica, nessa cidade, Gilberto Gil não conseguiu ser indicado, ter a indicação do Partido para Prefeito, e ele escreveu uma letra que é incrível em mostrar como esse sistema resiste à presença de homens e mulheres negras, e eu peço licença aqui para ler a letra, para quem não conhece essa letra.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pode até cantar.
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Não, cantar não, porque eu não sou Gilberto Gil.
Mas a letra diz o seguinte:
Para prefeito, não
Para prefeito, não
E para vereador
Pode, Waldir?
(Soa a campainha.)
O SR. JEAN WYLLYS - Só para concluir, Presidente.
Prefeito ainda não pode porque é cargo de chefia
E na cidade da Bahia
Chefe, chefe tem que ser dos tais
Senhores, professores, magistrados
Abastados, ilustrados, delegados
Ou apenas senhores feudais
Para um poeta ainda é cedo, ele tem medo
Que o poeta venha pôr mais lenha
Na fogueira de São João
Se é poeta, veta!
Se é poeta, corta!
Se é poeta, fora!
Se é poeta, nunca!
Se é poeta, não!
O argumento é que o momento é delicado
E prum pecado desse tipo
Pode não haver perdão
Mudança é arriscado, muda-se o palavreado
Mas o indicado
Isso ele não muda, não
O indicado deve ser do tipo moderado
Com um mofo do passado
Peça do status quo
Se é poeta, veta!
Se é poeta, corta!
Se é poeta, fora!
Se é poeta, nunca!
Se é poeta... oh!
O certo poderia ser o voto no Zelberto
Mas examinando mais de perto
Ele tem que duvidar
A dúvida de que a Bahia tenha um dia tido a primazia
De nos dar folia
De nos afrocivilizar
Pra ele a civilização é a França que balança
No seu peito de homem direito
Homem de jeito sutil
Se é poeta, veta!
Se é poeta, corta!
Se é poeta, fora!
Se é poeta, nunca!
Se o poeta é Gil!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Muito bem.
Meus cumprimentos ao Jean Wyllys, pela fala e pela bela canção que aqui ele declamou como poeta.
Meus cumprimentos!
Foi brilhante, acho que deu um brilho diferente a nossa audiência pública.
Mário Theodoro, Coordenador da Iniciativa Legislativa Popular pela Criação do Fundo da Igualdade Racial.
E, antes mesmo, convido para a Mesa, o Ivanir dos Santos, que aqui vai falar pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
Vou colocar uma cadeira e, depois, a gente troca os lugares, na hora de falar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Por favor, Mário Theodoro, com a palavra.
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O SR. MÁRIO THEODORO - Eu queria, antes de mais nada, agradecer a oportunidade de estar aqui, falando nessa homenagem ao Abdias Nascimento, eu acho que é o nosso grande patrono do movimento.
E queria começar agradecendo ao Senador Paim, que é o Senador que organizou e é responsável por esta audiência, Deputado Jean Wyllys, e os demais colegas da Mesa, colegas diletos, a quem tenho o prazer de compartilhar essa luta não inglória, mas muito difícil e que vamos, aos poucos, trabalhando e propondo, tentando melhorar um pouco uma situação que sabemos ser muito difícil.
Queria falar da figura do Abdias, que aqui é uma homenagem a ele. E falar dessa figura que considero como o mais importante ativista brasileiro dos séculos XX e XXI, afinal de contas, se ele veio até o século XXI, inspira toda uma geração que veio, sobretudo a partir da redemocratização, porque antes disso tínhamos um problema muito sério de não aceitação por parte do governo militar da questão racial. Tínhamos de fato um governo que jurava de pés juntos que isto aqui é uma democracia racial, e se apoiava nisso para mostrar essa visão do Brasil no exterior, e isso foi tão forte que, até hoje, no exterior muita gente pensa que isto aqui é uma democracia racial. E uma voz sempre se levantou contra isso, e uma voz que se levantou dentro e fora do Brasil, que foi Abdias e que norteia a atitude, a atividade de toda uma geração a qual, com muita honra, faço parte e gostaria de saudar isso.
Então, o Abdias, para nós, primeiro, é uma referência de luta. Lutar por um ideal, lutar sozinho muitas vezes, lutar sendo a única voz.
Nélson Rodrigues, em 1960, escreve uma crônica em que ele falava que o único negro no Brasil era o Abdias, no sentido de que era a única pessoa que ele conhecia que se levantava com a voz sobre a questão racial no Brasil nos anos 60. Ele falava isto, que era o único presente, talvez fosse melhor dizer a única voz negra presente e que não se calou. E temos essa referência de luta nessa voz que foi sozinha durante muitos anos.
Mas referência de ética também, do que estamos precisando muito. Uma referência de uma luta com ética, uma luta que perseguiu um objetivo, mas sempre no estrito limite da ética que foi inabalável no caso de Abdias e que o deveria ser uma coisa, entre aspas, "natural" ou "normal", num país como o Brasil vira um grande valor, um valor que deveria ser normal nos políticos, passa a ser alguma coisa extraordinária, que é a questão da ética. E vejo no Abdias uma referência à ética muito forte que norteia outros Parlamentares, como no caso aqui o Senador Paim, o Deputado Jean Wyllys, que tenho certeza de que se norteiam muito por essa referência ética do Abdias.
Mas também uma referência política, quando traz para a política a questão racial. Uma questão racial que não era colocada em nenhum âmbito no Brasil até os anos 80. O próprio movimento de redemocratização do Brasil, se formos pegá-lo, não continha a bandeira da questão racial. A redemocratização do Brasil veio sem a questão racial. Pessoas como Abdias e outras pessoas do movimento negro daquela época, Ivanir já é dessa fase, colocam a questão racial e, durante muito tempo, trazem essa bandeira única e exclusivamente dentro do movimento.
Então, essa referência do Abdias é uma referência política, na medida em que é a primeira voz que traz, depois de muitos anos - estou falando muitos anos, temos uma história de que não podemos nos esquecer, da frente negra, coisas muito valiosas -, mas quem vai trazer de volta para o discurso político a questão racial, que é muito cara e que estrutura a sociedade.
Então, como referência de luta, como referência ética, como referência política, não poderia deixar de trazer aqui esta homenagem da pessoa que vejo como um espelho e um arco referencial maior desse movimento negro que hoje se estrutura, que hoje se espraia pelo Brasil e que hoje, com várias conquistas, ainda tem a sede do Abdias de mais conquistas para este povo, numa perspectiva que é a mais bela que se pode ter, é a perspectiva da igualdade. Não se pede nada mais. Esse movimento não pede nada mais do que a igualdade. E essa é a coisa mais bela que faz esse movimento, é a coisa mais bela que tem no discurso do Abdias em toda sua vida.
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Então, queria trazer aqui esta palavra de homenagem para uma pessoa que, para mim, é referência, é marco e, de fato, responsável em grande parte pela estruturação desse movimento.
Mas eu queria também aproveitar os poucos minutos que me restam, Senador, para falar um pouco da nossa luta específica, que é a constituição de um fundo nacional de combate ao racismo. Esse fundo que originalmente era o fundo nacional de combate à igualdade racial e, parafraseando um pouco o que foi dito pelo Anani, nosso companheiro Anani que está trabalhando com a questão da herança escravista, no fundo é o racismo que estamos trabalhando. E igualdade racial é um eufemismo para um problema que está colocado, que é o problema da existência do racismo. Esse fundo foi constituído inicialmente como fundo de promoção da igualdade racial, contido no estatuto que ajudamos o Senador Paim a elaborar, está aí. Esse fundo foi uma das primeiras coisas que foram retiradas do estatuto por força da bancada do Governo, que acha, enfim, um fundo, para que fundo. Fundo é fundamental para quem quer fazer qualquer tipo de política, e nós sabemos disso. Sem dinheiro não há política.
Então, o fundo vem resgatar uma ideia inicial do Senador Paim de uma fonte específica e inesgotável de recursos para a questão racial. E estamos em uma campanha para resgatar esse fundo, a partir de um projeto de iniciativa popular e que eu gostaria de falar um pouco sobre isso rapidamente aqui.
O fundo, segundo nosso projeto, tem quatro fontes: fontes do Tesouro, uma percentagem mínima do sistema lotérico, uma mega sena da consciência negra que é proposta, assim como tem a loteria da independência, poderíamos ter uma mega sena da consciência negra em 20 de novembro, uma forma de potencializar essa data, e multas, penas pecuniárias e doações. São as quatro fontes.
Esse fundo teria obrigação de trabalhar ou financiar três grandes questões. Primeiro, o Fipir do nosso amigo Giovanni Harvey, a quem queria agradecer as palavras elogiosas, é um grande companheiro, fico muito feliz de ter passado o bastão para você. Sabe que o Fipir precisa se estruturar. Estamos falando do Fipir, mas, na verdade, falamos do Sinapir, Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, inspirado no Suas e no SUS, mas a diferença é que o Governo Federal não tem recursos para catalizar Estados e Municípios em seu sistema. No SUS tem dinheiro, no Suas tem dinheiro, nos outros sistemas tem, mas no Sinapir não tem. E temos muita dificuldade de catalizar esses Estados e Municípios para uma política nacional sem recursos.
Então, o fundo viria para esta catalização, também para políticas das comunidades quilombolas, ou seja, a questão que Anani colocou aqui também, das terras quilombolas que até hoje não foram regularizadas por falta de recursos. Não se colocam recursos. Esse fundo teria recursos para as terras quilombolas e, finalmente, apoio a iniciativas das organizações não governamentais da sociedade civil que, durante muito tempo, fizeram um trabalho fantástico e que hoje em dia, por falta de recursos, têm muitos de seus projetos parados. E é uma coisa absurda, porque são projetos importantíssimos que estão aí à míngua por falta de recursos.
Basicamente isso que gostaria de trazer aqui. Entendo esta campanha do fundo não mais como uma decorrência da luta que nos foi ensinada pelo Abdias. Essa luta que hoje se caracteriza em várias frentes, como a questão da memória escravista, a questão do fundo, a questão das religiões de matriz africana, enfim, várias frentes estão colocadas aí. E esse leque aberto tem como ponto de inflexão, como ponto focal a luta que Abdias nos ensinou e que inspirou toda essa geração daqui para frente.
Queria agradecer muito a oportunidade de estar aqui, Senador.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Grande Mário Theodoro!
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Só lembro duas questões. A questão quilombola, Mário, até para orientação sua, como não entrou, como gostaríamos, no estatuto, apresentei um projeto de lei regulamentando o decreto do Presidente Lula, que eles sustaram na Justiça. A PEC do fundo também apresentamos, mas está em debate, só a correlação de força para fazer chegar lá.
Queria também informar que acertei aqui, Freid David, o senhor pediu 14 de setembro, que é uma segunda, dia 15 ou 16. Dia 14, já tenho audiência pública, dia 16, tenho audiência pública, dia 17, tenho audiência pública, mas lembrei que a minha data de aniversário é 15 de março. Daí sobrou o dia 15 para o senhor. Só porque é 15 de março. Fica 15 de setembro. Já está ajustado com a secretaria geral da Comissão.
Passo a palavra ao Ivanir dos Santos, que aqui fala pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. Ivanir é um militante que todo mundo sabe, tão militante quanto qualquer outro militante, não é o Abdias, mas chega perto.
O SR. IVANIR DOS SANTOS - É um legado.
Eu queria agradecer o convite da Comissão, a Elisa, nossa batalhadora. Eu falei que não podia faltar. Mesmo o avião saindo meio lá, meio cá, não tendo hospedagem, eu disse: Giovanni, se vira, eu vou dormir aí. Mas vamos lá. Esta homenagem não podíamos perder.
Queria começar pelo lado como religioso, primeiro saudar nossos ancestres, hoje o Abdias é um ancestre, mas na figura de dois africanos que são companheiros de militância, eu sou inca, que é um nigeriano, e eu sou um babalawo iniciado, um bamboxê na Nigéria, e Anani, que é companheiro de longas datas, uma pessoa que sempre esteve comprometido. Lembro, para vocês entenderem, fiz uma prova para entrar em um mestrado na UFRJ. Depois de velho, resolvi ir lá para o mestrado. Todo mundo reclamava que eu nunca fui. E a pergunta que a banca me fez foi justamente o seguinte: numa entrevista que fiz ao Abdias, perguntei a ele porque não fez mestrado e doutorado. Ele me disse que não faria, que não era para ele aquele momento. Embora ele nunca precisaria. Fiquei olhando e disse assim: você vai fazer a mesma coisa do Abdias, Ivanir? Você não precisa, todo mundo sabe, mas você precisa falar para outro público, foi o argumento que usaram para me aceitar. E passei. A aula até começa hoje. Nem fui hoje, vim para cá. A aula começa hoje lá. Disse: não, vou lá no Abdias e tal. Já viu, não é? É o Abdias, é o espírito do Abdias.
Uma coisa bonita de que quero chamar atenção na história do Abdias, não só seu legado, é sua generosidade. Lembro, Jean, que, no momento da marcha 84, houve uma marcha em 84 que pouca gente sabe, nós estávamos na marcha, lembro que, numa assembleia, eu sempre conto isso, eu aquele jovem de esquerda, radical, dono da verdade, que o mundo ia ser descoberto por nós, eu queria impedir o Abdias de falar na marcha. Imagina isso, que maluquice! Ainda bem que fui derrotado. A assembleia me derrotou. Chamo atenção não só daquilo, logo depois, em 1986, veio para ser Deputado Federal, e eu fui logo no início do mandato dele fazer uma visita para outra coisa. Ele perguntou: Ivanir, você é funcionário público, me dá seu documento que vou requisitar você para o meu gabinete. Esse era o Abdias. Era tão grandioso, que não guardava ressentimento. Ele nunca encarou uma divergência contra ele como uma questão pessoal. Se você era um militante, mesmo jovem, ele tinha isso como uma grandeza, o que é muito raro nos militantes, você não olha a contribuição da pessoa, olha a sua verdade. Mas quando a gente fica mais idoso vai compreendendo isso.
Outra coisa que queria testemunhar é quando aparece a Elisa ao lado do Abdias, momento de reabertura democrática, uma americana branca, não era mole, parecia que a CIA estava instrumentalizando o Abdias. Não era isso? Os mais velhos se lembram disso? Era uma encrenca para todos nós, como é que vai ser, não sei o que e tal. E a Elisa mostrou como companheira de Abdias, primeiro que o Abdias estava certo, que ele bancou, não era uma relação escondida, ele bancou. Isso é um dado importante.
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Um militante negro que banca a relação que tinha com a americana branca, jovem, que não era fácil. Ele bancou. Foi uma atitude dele muito importante.
E Abdias mostrou, no tempo, mesmo depois, quando o Abdias estava um pouco mais debilitando, o quanto ela foi companheira dele. E mostra agora na questão de manter a memória dele viva, ouviu Elisa. Nós militantes temos que reconhecer isso publicamente. (Palmas.)
Tem que ser generoso, tem que reconhecer.
E uma outra questão da Abdias, eu lembro, na primeira caminhada pela liberdade religiosa, o Abdias já não estava se locomovendo. Chovia para caramba, e o Abdias compareceu de cadeira de roda. Há foto dele na caminhada. Isso porque ele achava que era importante. Um detalhe: o Abdias não era iniciado. Mas como uma pessoa que era uma concepção africana, como todos africanos, porque nem todo africano é iniciado, nós sabemos disso, numa família, mas há o respeito ao seu ancestre e à cultura de seu ancestre como uma coisa sagrada e importante. E Abdias tinha isso. Não havia uma atividade pública dele que não louvasse Exú e que falava dos orixás, como se fosse uma pessoa iniciada, mas com orgulho público que muitos iniciados escondem. Isso é um dado do Abdias que me impressionava.
Lembro que, quando ele foi para o outro lado, conversando com a Elisa, da preocupação, porque tem o funeral que é feito, tem o ritual que é feito, e com a maior sinceridade, ela disse: "Não, ele não foi". (Ininteligível.)
Dizia que o papel dele era esse, que às vezes as pessoas têm esse papel público de ter compromisso. Mas ele não tinha vergonha da sua ancestralidade, da cultura religiosa nossa, não era uma pessoa iniciada, mas assim como fosse.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Desculpe-me, posso contar uma história? É porque o Abdias contava que, lá pelos finais dos anos 50, início dos 60, ele foi se consultar com a Mãe Senhora, na Bahia. E ele estava querendo ver se era o momento de se iniciar. Ele queria esclarecer isso. E ela sentou-o perto dela, ao lado, colocou a mão na cabeça dele e disse: "Meu filho, você tem uma missão para nossa ancestralidade, para nossa tradição, mas sua missão é da banda de fora, não é da banda de dentro. Você vai fazer muito, mas não precisa se iniciar". E o fato de ele estar na Serra da Barriga tem muito a ver com isso, porque se fosse iniciado, não teríamos como fazer a cremação para levar as cinzas.
O SR. IVANIR DOS SANTOS - Sim, claro, é uma verdade. É outro detalhe importante que a Elisa está dizendo. Pela tradição, quem é iniciado não é cremado. Na África, são enterrados dentro de casa, os mais velhos para dar continuidade a essa relação.
Acho bonito isso no Abdias. É como se ele fosse...É uma pessoa iluminada, uma pessoa que foi colocada para isso. Temos todos que compreender.
No tema da intolerância religiosa, aproveitando para falar sobre isso, é um momento muito delicado na sociedade brasileira. Muito. Agora mesmo, antes de chegar aqui, recebi uma comunicação, soube que você recebeu o pessoal, um centro que foi quebrado em Goiás, virão amanhã conversar comigo em Brasília. Em Teresópolis, uma senhora de 86 anos acabou de ser molestada. Estamos ver isso crescer. É muito forte no País. E Abdias já se colocava contra, e nós nos colocamos também na articulação.
Queria dizer para vocês que não se trata de um movimento que não tenha a ver ou que quer ser mais do que todos. Não se trata disso. A caminhada pela intolerância religiosa no Rio de Janeiro, da qual o Abdias participou desde a primeira, quando ele pode, que este ano é no dia 20 de setembro, no Rio, tem que ser uma resposta nacional que vamos dar à sociedade brasileira. A pedra que atingiu a menina Kailane, atingiu também a sociedade brasileira.
Queria fazer uma proposta aqui, reconhecendo a contribuição dada por todos, se não podemos fazer uma audiência pública conjunta da Comissão de Direitos Humanos do Senado e da Câmara Federal no Rio de Janeiro, na semana da caminhada. Estou dizendo isso por causa da articulação que estamos fazendo muito forte, para ouvir as vítimas. Se pudesse fazer na semana da caminhada no Rio, seria bom.
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O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Tem que requerer à Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
O SR. IVANIR DOS SANTOS - Reunião conjunta.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Aqui, quando um Deputado fala a qualquer momento, ele já falou por mim e por ele. Já está assegurado. As duas Comissões estarão lá.
O SR. IVANIR DOS SANTOS - É interessante, porque atrai uma perspectiva, porque todas as atenções estarão voltadas para lá. Tenho dito para todo mundo, tenho viajado o País todo, que é uma resposta nacional. Não se trata de ser comissão no Rio. Não é isto, até porque no Rio de Janeiro que está sediada essa turma. O Malafaia é de lá, outro daqui é de lá, não sei quem é de lá, o Crivella é de lá. Lá é que a turma está na encrenca. E o que acontece na orla do Rio, como diz o Tom Jobim, repercute em Nova York. Então, esta é a primeira coisa.
Segundo, as caminhadas têm que se posicionar. Temos que utilizar o espaço da caminhada do Rio, não é para ser maior ou menor do que a das mulheres, mas ajudar também na visibilidade da caminhada das mulheres, que também será muito importante para nós esta caminhada que terá aqui em Brasília.
Queria deixar isto como proposta, porque o Abdias era assim. Ele não fazia nada excludente, nem uma coisa contra a outra, mas uma coisa que pudesse fortalecer a outra.
Um axé e um abraço. Que Orunmila nos cubra a todos e que Oludumare nos dê um bom caminho!
Porque as pessoas às vezes esquecem e acham que não temos deus; eles roubaram essa ideia. Para vocês terem uma ideia, eu tenho dito isto publicamente. Querem ver? Davi, você sabe onde era o Rio Pisom e o Rio Giom? Sabe? Está no Antigo Testamento, em Gênesis. O Éden era um rio que virava quatro rios. O primeiro era o Pisom, que circundava a Etiópia e a África, o segundo, o Giom, depois que eram o Tigres e o Eufrates. Eles só contam Tigres e Eufrates. Eles têm vergonha de dizer que o Adão era africano, que a Eva era africana. E que esta concepção de Deus é africana.
(Palmas.)
E é isso que temos da assumir e de afirmar. Se há alguém que tem vergonha da origem como Deus criou o mundo e a África como berço da civilização, são eles que tem que se envergonharem e não nós que somos seus descendentes e praticamos nossa religiosidade assim como Deus iniciou, referenciando a natureza. O africano Moisés mostra isso muito claro no Antigo Testamento. Então, não podemos achar que essa forma religiosa como foi construída nos envergonha, nos persegue e diga que somos errados. Estamos certos, porque Deus, no seu primórdio, na sua origem, foi assim que Ele criou e disse que tinha que ser reverenciado. E cada vez mais que vou à Nigéria, que vou à África, vejo isso nitidamente, porque eles não são cartesianos. A espiritualidade e a cultura fazem parte do ser humano e é assim que queremos ser respeitados.
Um axé e um abraço para todo mundo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Só um minutinho, é no segundo momento. Agora, primeiro, são os convidados. Sabe que aqui funciona assim. Você é militante antigo aqui. O plenário terá oportunidade. Sou um dos poucos presidentes de comissão que abre a palavra para o plenário, você sabe disso. E vou abrir aqui, mas no momento certo. Agora, falam os convidados. Neste momento, só podem falar convidados, Senadores ou Deputados. No final, abro a palavra para o plenário, e você estará também inscrito.
Passo a palavra neste momento à Secretária de Estado de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Srª Marise Nogueira.
A SRª MARISE NOGUEIRA - Muito obrigada, Senador Paulo Paim. Em seu nome e no nome do Deputado Jean Wyllys e da Elisa saúdo toda a Mesa e agradeço muito esta oportunidade de estar aqui entre pessoas que estão construindo a história do povo brasileiro, que é a história do povo negro brasileiro.
Aqui, represento o Governo do Distrito Federal, mas peço licença inclusive ao meu Governador, Rodrigo Rollemberg, que fez parte desta Casa por muito tempo e aqui também mostrou seu compromisso com a causa racial, para falar também como carioca do outro lado da poça, como meu querido Carlos Moura, mas do Rio de Janeiro, como mais uma das pessoas que foram inspiradas por Abdias Nascimento, para assumir a negritude, para refletir sobre a condição negra, a condição de pessoa negra e a condição da comunidade negra no Brasil e para ser uma de suas eleitoras, nos meus primeiros momentos como cidadã na atividade política. E quero dizer também um pouco que, se estou neste lugar hoje, é pela luta de pessoas que estão aqui conosco nesta Mesa e de pessoas que estão hoje neste plenário.
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Minha história pessoal me traz a Brasília pelas mãos do Itamaraty. Então, Freid David, não tenho como deixar de dizer aqui que a atividade diplomática, a atividade de política externa brasileira, para mim, sempre foi um orgulho, como brasileira, sem deixar de ser crítico. O programa de ação afirmativa para negros, e é melhor que a gente use mesmo o termo negros para evitar o Mathias Abramovic dizendo que é afrodescendente, foi o que me trouxe ao Itamaraty inclusive. Ingressei já pelo programa, fui bolsista do programa. Acho que é importante dizer sim, em um momento que precisamos revisitar muitas instituições, que esta instituição, que é das mais provectas na sociedade brasileira, procura acertar. E se alimenta do conhecimento e da atividade internacional. E é uma alegria, um orgulho para gente também contar, entre os nossos palestrantes, com luminares culturais não brasileiros, como o Prof. Anani Dzidzienyo, como o Wole Soyinka, que nos ajudam também a compreender melhor nossa própria condição.
A Secretaria que eu represento no Distrito Federal congrega vários temas na agenda de direitos humanos, é um desafio para nós transformar em realidade a indivisibilidade conceitual dos direitos humanos, mas, ao mesmo tempo, é muito importante, para que tenhamos presente o tempo todo que a construção da humanidade tem que incluir tudo isso: tem que incluir a questão de gênero, a questão de raça, orientação sexual, o respeito à diversidade religiosa e todos os outros tipos de direitos que são violados, porque há pessoas que não correspondem ao padrão que a sociedade ocidental moderna criou, inclusive valores do capitalismo.
E com um detalhe importante, porque agradeço muito, Elisa, sua sensibilidade para dizer que faltava uma representação de mulher negra à Mesa. Temos mulheres no plenário, todas combativas, e acho importante que tenhamos bem presente o papel das mulheres negras na resistência, na manutenção da cultura negra, sim, de origem africana no nosso País, mas tampouco quero apoderar-me de um lugar que talvez não seja exatamente o meu, não sou militante, sou mulher negra, com muito prazer, e aqui gostaria mesmo de lembrar o que Paulo Freire disse, quando afirma que sua humanidade tem um reflexo da sua recificidade, e eu diria que a minha humanidade tem um reflexo, e não é só reflexo, está absolutamente submersa na minha condição de mulher, de negra e de brasileira.
Quero saudar esta iniciativa da Comissão de Direitos Humanos do Senado e dizer que é muito importante que hoje tenhamos mais visibilidade e que, ainda que em alguns momentos haja falhas, estamos, sim, conseguindo construir muito mais, inclusive por estarmos aqui, em uma Mesa e em um ambiente com uma maioria negra esclarecida, militante e que tem muito a aportar, quando a gente não se divide dentro de nosso próprio segmento.
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Vamos receber, aqui em Brasília, a marcha das mulheres negras, acreditando que ainda há muito o que fazer pelas mulheres negras que sofrem uma dupla discriminação, às vezes tripla e que ainda precisam muito contar com os homens negros e com as mulheres brancas e com toda sociedade para superarmos as marcas do racismo, do machismo, do patrimonialismo brasileiros na construção do Brasil que nós queremos.
Agradeço muito a oportunidade, espero que possamos contribuir como governo do Distrito Federal e encontrar mesmo a colaboração desta Casa, que tem a nobreza de levar adiante grandes temas.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Esta foi a Secretaria de Estado de Política para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Srª Marise Nogueira. Meus cumprimentos pela fala e satisfação em ouvi-la neste momento.
Segura aí, meu amigo, você vai usar da palavra depois.
Agora, vamos passar a palavra ao Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, Sr. José Vicente.
O SR. JOSÉ VICENTE - Bom dia a todos, bom dia a todas, quero, primeiramente, cumprimentar o Senador Paulo Paim, amigo de tantas horas e de tantas longas jornadas, e dizer do momento histórico que o senhor proporciona a todos nós, na medida em que permite fazermos este reavivamento da história e poder reunir tantos amigos de Abdias, tantos amigos da cidadania, tantos amigos da luta, que seguramente representam todos os brasileiros e todos os negros brasileiros que acompanharam essa luta. E eu que já tive a satisfação de estar, em outras oportunidades, nesta mesma mesa discutindo temas tão relevantes, quero dizer que, em grande medida, Senador, o senhor também é o nosso Abdias Nascimento, porque ser Abdias é lutar, é defender, é se colocar à frente e é nunca fugir da responsabilidade. E sua trajetória neste Senado tem sido de luta e de resistência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Deixe-me socializar então; todos nós somos um pedacinho do Abdias, todos nós. (Palmas.)
O SR. JOSÉ VICENTE - Seguramente, mas o senhor é aquele emblemático que representa todos nós.
Da mesma maneira, quero saudar a amiga Elisa Larkin que em tantas jornadas, em tantas oportunidades estivemos juntos para debater, para conversar, para trabalhar por este tema, para falar, debater e conversar sobre este homem, este ser maravilhoso, na sua casa, em São Paulo, em tantos lugares deste Brasil, pudemos, além de ter Abdias, ter você também, que nos estimulou, que nos recebeu e que sempre nos tratou com muita dignidade, com muito carinho.
Na pessoa de V. Exªs, diríamos assim, quero transmitir o cumprimento e o abraço para todos os demais integrantes desta Mesa e da Mesa anterior, que se compôs.
Quero também, Presidente desta Mesa, Senador Paulo Paim, pedir licença para transmitir os agradecimentos de toda nossa comunidade acadêmica a esta eminência, a esta personalidade que talvez seja o nosso estímulo e o nosso otimismo, que é o nosso Wole Soyinka, que não está aqui neste momento, mas que seguramente se esta ocorrência, se esta cerimônia por si só já tem tanto de simbolismo, a presença dessa personalidade para esta cerimônia, para nós negros brasileiros, para o mundo, talvez seja a mesma dimensão de por que é possível continuar acreditando que a luta será vitoriosa. Estamos falando de um prêmio Nobel de literatura, negro, da Nigéria, aqui no meio de nós. Então, acho que nada mais nos impede de continuar seguindo adiante.
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E temos duas alegrias: uma delas é de que, na nossa instituição, até pelo desejo e pelo sentido de resgatar e manter a memória, cada uma das suas salas tem a figura de uma personalidade negra, tem o nome de uma personalidade negra. Uma delas é o Senador Paulo Paim, a outra dela é o então Senador Abdias Nascimento...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Uma salva de palmas pela iniciativa do Abdias. (Palmas.)
Eu estou sabendo agora. Então, tenho que voltar para ver essa foto lá.
O SR. JOSÉ VICENTE - Talvez não esteja lembrado, mas o senhor viu, quando da sua visita a Zumbi dos Palmares, que uma das salas mais bonitas tinha o seu nome. Da mesma maneira, uma das salas leva o nome Wole Soyinka. Isso tem sido significativo para estimular e para auxiliar os nossos jovens alunos a compreenderem que a história não começou com eles e para que eles chegassem aonde estão, muitos tiveram que abrir essas picadas, como se diz no interior.
Por esses motivos, a minha alegria neste momento é redobrada e ela se acrescenta de satisfação, porque estamos aqui ao lado de tantos amigos de lutas permanentes, mas fundamentalmente do lado da juventude. Muitos de nós não tivemos sequer a possibilidade de participar de uma atividade como esta que desenvolvemos hoje. E esses jovens, entre tantas outras coisas, são felizardos, são sortudos, porque estão tendo a oportunidade de viver um momento importante da história do Brasil, ajudar a compreender, e seguramente sairão daqui melhorados e também compromissados com estas verdades todas que vocês puderam conhecer, uma verdade nova, diferente, que sempre esteve presente, mas que nem sempre podemos acessar.
Então, na pessoa desta professora maravilhosa, que teve a iniciativa e que teve esse desprendimento, quero cumprimentar todos estes jovens que aqui representam essa escola conceituada do Distrito Federal.
Em rápidas palavras, Senador e amigo Paulo Paim, tive algumas oportunidades de estar com nosso Senador, e ele nos dizia que se quiséssemos fazer a revolução, que nos prendêssemos em três dimensões importantes do nosso trabalho. Precisamos construir instituições, dizia ele, precisamos resgatar e construir os nossos heróis e precisamos construir uma nova história. Sem essa tríade, sem essas três dimensões importantes de trajetória de todos os grupos sociais, talvez possamos falhar.
Não entendíamos isso, naquele nosso tempo de meninice, e acompanhando a sua trajetória e participando dos grandes acontecimentos da sua vida, é que pudemos enfim, na cidade de São Paulo, no Estado de São Paulo, internalizar muitos desses conhecimentos, muitas dessas praticamente fatalidades, diríamos assim, tinha que ser assim, precisava ser assim. E por fazê-lo, tivemos a elevada honra e a alegria de ajudar a colocar de pé três dessas dimensões importantes, que hoje mesmo nós a colocamos como uma manifestação e uma realização desse espírito de estímulo do que foi então Abdias Nascimento.
Recordo-me, Sr. Senador, que em 1988, quando imaginávamos e quando tínhamos a falta de juízo de pensar um espaço de ensino superior que pudesse, além de resgatar a trajetória histórica do nosso povo, também construir nova massa de intelectualidade e também construir esses heróis, todos de A a Z, nos reputavam como loucos, como revolucionários sem causa e como pessoas que haviam definitivamente perdido o juízo. Mas sabíamos, e o Abdias dizia "Não se importe com eles, não se importe com o que eles digam, tenha coragem de levar seu sonho adiante". E nós então levamos nosso sonho adiante, escudados, secundados na pena e na fala de Abdias Nascimento e também suportados pelas suas ações aqui no Senado, de onde saíam todas as cartas, abrindo as portas para os órgãos públicos, para que atendesse àquele grupo, então dos sem juízo, que pretendia, entre tantas outras pequenas realizações, construir uma universidade negra neste País.
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Quando o Brasil ainda não se debruçava para discutir quotas, nós queríamos construir uma universidade negra.
E tentava dizer para todos que não estávamos fazendo nada demais, até porque os negros já tinham centenas delas, há mais de 150 anos e que haver um espaço que cumprisse esse objetivo de se impor como uma instituição e que auxiliasse a recompor essa trajetória histórica de pertencimento do negro não era bom para o negro, era bom para todos, era bom para o nosso País.
Então, caminhamos nessa direção, e hoje tenho, Elisa, o orgulho e fico muito à vontade para entregar nas suas mãos, como um legado de Abdias Nascimento, a Universidade Zumbi dos Palmares, que nasceu sob a pena dele. Foi aqui no gabinete dele que ele referenciou o nascimento da Universidade Zumbi dos Palmares.
E, quando todos se colocaram contra, quando todos tentaram nos desanimar, ele foi o primeiro a fazer com que levantássemos a fronte e não perdêssemos a capacidade de utopia.
Sem partido político, sem braço religioso, sem sindicato, sem fundo internacional, sem mensalão ou petrolão, a Universidade Zumbi dos Palmares realiza e completa 15 anos de vida. (Palmas.)
Mas essa luta, essa trajetória, essa grande conquista poderia ser uma manifestação do limite de todas as coisas. E, quando nós pensávamos que tudo estava realizado, Abdias nos dizia: "Muito bem, vocês cumpriram a primeira missão; agora têm de colocar de pé a realização do outro item que eu disse para vocês que é importante. Vocês precisam ajudar a construir heróis, que nós não podemos mais estar num País onde só podemos repetir pelo menos o herói macro, que é Pelé, é Pelé, é Pelé". Ele nos dizia isso, porque, nos outros momentos, principalmente no exterior, pediam que falássemos de um herói negro, e só havia Pelé, não havia mais ninguém ou não era conhecido mais ninguém.
E para isso, então, Elisa, eu me recordo de que nós construímos e criamos uma atividade muito importante, que foi o Troféu Raça Negra, e ali pudemos ter a oportunidade de homenagear, então, Abdias Nascimento. E, há 13 anos, o Troféu Raça Negra cumpre seu objetivo de dar vez e voz aos heróis negros brasileiros.
Por fim, nós precisávamos construir uma nova história.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Permita-me só, dentro do seu tempo, dizer que é um belo espetáculo.
O SR. JOSÉ VICENTE - Muito obrigado, Senador.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu já estive lá. Claro, inúmeras pessoas receberam, e tive a alegria também de receber. Estou devendo para você, que você ofereceu, belíssimo também, mas não pude estar, evento que vêm pessoas do mundo todo. É algo, de fato, fantástico, à altura da comunidade negra.
Meus cumprimentos.
O SR. JOSÉ VICENTE - Muito obrigado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ VICENTE - Pois é, pois é.
Agradeço, mas o objetivo era fazer isso. Nós precisávamos recuperar e construir nossos heróis e mostrá-los ao mundo.
Então, hoje quando completamos o 13º Troféu Raça Negra, também quero entregar a você, Elisa, porque isso foi obra de Abdias Nascimento. (Palmas.)
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Eu também mereço.
O SR. JOSÉ VICENTE - E gostaria, até de público, Senador Paim... Acho que todos nós, negros, aqui, temos uma possibilidade única na nossa história de negro brasileiro, que é um Prêmio Nobel da Literatura.
Acho que essa personalidade tinha de estar conosco, para receber o troféu de todos os negros brasileiros, Elisa.
Então, peço a gentileza de que façamos uma comissão para convidá-lo, para que esteja conosco em novembro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Faremos o convite hoje. (Palmas.)
O SR. JOSÉ VICENTE - E todos nós fazemos essa homenagem.
Por fim, quero fazer um registro do que se pode fazer - um grupo de muitas ou de poucas pessoas, quando acredita naquilo que faz e quando trabalha para remover os obstáculos.
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Em 1978, quando o Movimento Negro Unificado se compôs e se instituiu, ele o fez, porque o fato - diríamos assim - que deflagrou sua criação foi aquele de que os quatro jovens fundantes, estando dentro do Clube de Regatas Tietê ou tentando adentrar o Clube de Regatas Tietê, para passar uma noitada de carnaval, dali foram expulsos e jogados pelos muros, porque eram negros, e negros não entravam no Clube de Regatas Tietê naquela oportunidade.
Pois quero dizer que a fleuma e também a têmpera de Abdias Nascimento em se juntar na criação do MNU para combater todas as formas de discriminação em nosso País cumpriram seu objetivo, Elisa. E o entrego para você também. Porque, hoje, onde os negros não entravam pelas portas do fundo sequer ou onde eram jogados pelas portas do fundo, os negros entram pela porta da frente, para estudar na Universidade Zumbi dos Palmares, que é dentro do Clube de Regatas Tietê.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Com licença, Sr. Reitor, outro fato que mobilizou e que deu na criação do Movimento Negro Unificado foi o da prisão e tortura de um operário negro, um trabalhador negro. E nós reivindicamos para vir o mesmo reconhecimento de uma condição de prisão política, porque o prisioneiro político estereotipadamente é aquele intelectual branco de esquerda, e a tortura, a prisão e tortura, o genocídio hoje da juventude negra constituem ainda a continuação daquela situação.
Então, por mais que tenhamos de louvar - e estamos aqui para louvar - as grandes conquistas, e a Faculdade Zumbi dos Palmares é uma delas, temos de reconhecer que ainda há muito campo para se lutar aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Fizemos muito, mas há muito por fazer.
A partir deste momento, vou passar a palavra ao plenário. São quatro pessoas escritas.
Vou pedir a cada um e a cada uma que use cinco minutos, porque, posteriormente a isso, a Elisa faz a sua fala de encerramento, e teremos ainda o lançamento do livro. Alguns vão ter de sair antes.
O vídeo vai ser passado naquele intervalo.
Queria passar a palavra agora para a Profª Maria del Pilar Tobar Acosta, doutoranda da UnB e Coordenadora do Pibid Letras.
Aqui, por favor.
A SRª MARIA DEL PILAR TOBAR ACOSTA - Bom dia a todos, bom dia a todas.
Minha fala é muito mais um agradecimento e um depoimento, um testemunho de que é por vocês e pelo legado de Abdias que estamos aqui ocupando esta Casa.
Nossos alunos são, em sua maioria, pobres, negros, negras e periféricos. Estamos falando, então, de um lugar de fala da cidade de São Sebastião, que é uma das cidades-satélites da Capital do País. É de São Sebastião que vieram mais de 80% dos tijolos que construíram a Esplanada dos Ministérios.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Desculpe-me, poderia, por gentileza, nos dizer o que significa a sigla, Pibid?
A SRª MARIA DEL PILAR TOBAR ACOSTA - Pibid? Vou falar.
Então, estamos aqui por duas parcerias, uma com o Seppir nacional, viabilizada pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência da Universidade de Brasília, do curso que me fez, que é o curso de Letras, que, em parceria com a Secretaria de Educação do Distrito Federal, permite que professor em formação possa estar diretamente em contato com o chão da sala, que é o grande lugar de aprendizado para quem quer seguir a carreira docente, desde o começo da sua formação.
A Cássia é uma das nossas pibidianas. Ela é professora em formação e está aqui presente conosco, para participar deste momento tão importante.
Vou ser o mais breve possível. Tomei algumas notas porque infelizmente não tenho o dom da síntese, como vocês têm. Sou um pouco prolixa, até por formação...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não se preocupe. Você tem três minutos e vinte e quatro segundos ainda.
A SRª MARIA DEL PILAR TOBAR ACOSTA - Está bem. Está bem.
Mas eu queria dizer que sou professora da Secretaria de Educação com muito orgulho. Atuo num front de batalha que é fundamental, que é a formação de jovens, e sou egressa da Universidade de Brasília.
Sou bacharel e licenciada em Letras pela Universidade de Brasília e sou pesquisadora. Fiz meu mestrado, estou concluindo meu doutorado na área de Análise do Discurso Crítica pelo Programa de Pós-Graduação da Linguística da UnB.
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Eu só posso estar aqui - e falo em parceria com meus companheiros, Vinicius e Arthur Antônio, que estava sentado ali, acho que ele já foi -, nós só podemos estar aqui, porque somos frutos do legado de Abdias Nascimento. Eu só posso ser a professora que sou hoje, porque fui uma estudante que teve a formação, os conteúdos, as matrizes que objetivavam essa tomada de consciência.
Posso dizer que a minha formação como aprendiz se marca entre dois momentos: antes de Abdias, depois de Abdias.
A partir do momento em que tomei consciência de quem era Abdias Nascimento, em que pude ler os primeiro escritos - e isso já foi na Universidade de Brasília -, tomei consciência da minha ancestralidade: da minha ancestralidade indígena, que está explícita nos traços que trago no rosto, e da minha ancestralidade africana, que trago na alma.
E é uma alma que me permite abraçar uma luta que é também minha. Apesar de não ter o fenótipo - como o Frei falou -, sinto, assim como todos nós, que o nosso berço, assim como o Babalaô comentou, é a África. A África é o nosso berço não só genético, mas de cultura. Nós somos um País majoritariamente negro.
E só posso ser a professora que sou em sala de aula - sou professora de português, vejam só -, só posso falar da africanidade, da influência das línguas africanas no nosso falar - porque, afinal de contas, não dou aula de português, dou aula de português brasileiro - e só dou aula de português brasileiro, porque fomos adocicados, fomos temperados pelas vogais nasais indígenas, pelas vogais africanas. E essa é a nossa afeição.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DEL PILAR TOBAR ACOSTA - Vou encerrar dizendo que, na primeira Mesa, houve remissão à árvore do esquecimento. A árvore do esquecimento, para quem não sabe, é uma árvore que fica do outro lado do Atlântico, um Babalaô antiquíssimo, ao redor do qual os negros e negras que eram sequestrados, arrancados de suas casas para vir ao Brasil tinham de dar sete voltas.
Nós tomamos consciência, em sala de aula, dessa história, por meio de duas produções audiovisuais, que estão contempladas na matriz curricular do PAS, ou seja, política pública. O PAS é um Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília, a primeira universidade que adotou o regime de quotas raciais.
As produções audiovisuais Atlântico Negro - Na rota dos Orixás, de Renato Barbieri, e Cartas para Angola, de Coraci Ruiz, nos trouxeram a possibilidade de haver ter um diálogo.
Aí me sento ao lado de uma das minhas mais brilhantes alunas, que é Ana Alissa Valim, que, ao terminar sua observação sobre o filme...
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DEL PILAR TOBAR ACOSTA - Mais um minutinho.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Já lhe dou mais um.
A SRª MARIA DEL PILAR TOBAR ACOSTA - Muito obrigada.
Ela nos disse o seguinte: nós - é incrível esta história, desculpe-me falar por você, mas enfim, - somos levados a ficar dando voltas e mais voltas na árvore do esquecimento por conta dessa educação, que é uma educação pautada no marco europeu, eurocêntrico. Quem bom estar aqui e tomar consciência dessa árvore do esquecimento.
Portanto, esse legado, essa ancestralidade não foi esquecida, apesar das voltas e voltas a que somos submetidos todos os dias, como mulheres, como negras periféricas.
Nós guardamos em nós, guardamos em nossa possibilidade de diálogo, em nossa possibilidade de falar, a lembrança, a memória.
Muito obrigada por este momento. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Profª Maria.
De imediato, passo a palavra ao Sr. Waldimiro de Souza.
Vou pedir a todos rigidez no tempo.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Vou primeiro me levantar. Quero fazer uma homenagem a Wole Soyinka, que esteve no Centro de Estudos Afro-Brasileiros.
O Itamaraty, por descortesia, não nos avisou. Todas as universidades estavam chegando ao Centro Histórico no lugar dele, porque eu era o Presidente, e o Vice-Presidente era o Carlos. O Itamaraty só comunicou, meia hora antes, que Wole Soyinka ia ao Centro de Estudos Afro-Brasileiros. E a condição de ele vir ao Brasil é ter ido ao Centro de Estudos Afro-Brasileiros.
E quero fazer uma homenagem a outro Prêmio Nobel, de que o Brasil não fala, que é Milton Santos. Aqui, uma luta no Senado para realizar um seminário mundial. Eu não tenho apoio nem do Paim, nem de ninguém. O meu líder - quando falo, dizem: "Fale só com o Paim" - é o João Capiberibe.
Os brancos acham que só o Paim é responsável por 70% da população brasileira.
A outra coisa que queria homenagear é Rubem Valentim. Está ali o Serra. Nós estávamos saindo do gabinete do Senador Itamar Franco, aí vinham o Serra, o Reitor, Aloísio Magalhães e Eduardo Portella.
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E aí Rubem Valentim - para quem não sabe, foi um grande pintor da história negra brasileira - me perguntou: "O que o senhor quer do Ministro?" "Eu estudei com ele." Aí dei o livro do Itamar, que é O Negro no Brasil Atual. Ele pegou a parte do Zumbi em leitura dinâmica e perguntou para o Aloísio: "Aloísio, quem é Zumbi dos Palmares?" "O Reitor veio aqui para implantar o Parque Nacional do Zumbi."
Aí Rubem perguntou: "Waldimiro, o que você quer?" "Implanta", eu disse. "O Reitor está aqui." Eu, testemunha viva ali, porque fundador do Memorial Zumbi. E isso nunca foi considerado. Eu fui conselheiro, e me botaram para fora - o Governo, o governo popular. O governo dos militares até me concedeu ficar lá.
Mas há outra coisa que queria dizer: nós temos esse livro, que dei para o Prof. Paim e Senador, para mim, um professor. Foi editado o livro Educação dos Negros. Eu consegui naquele momento - e alguns do Movimento - apoio dos Estados, do Município e da União. A Universidade Federal de Minas Gerais, o Instituto João Pinheiro e a Fundação Pinheiro, que não sei se existem mais. E pedi a todo o Congresso. Só o Romário fez requerimento lá. Está aí a resposta: disseram que não há dinheiro para distribuir esse livro. Eu recebi 800 volumes e distribuí para algumas autoridades.
Quero dizer o seguinte: quero propor, junto com Wole Soyinka, Milton Santos, que é Vautrin, o que equivale ao Prêmio Nobel... Ninguém fala no Prêmio Nobel brasileiro, porque é negro. As nossas universidades não dão aula do Milton. Milton é o número um... Não há número um, mas ele tem indicativo, uma elevada ajuda. Aqui só falta a "bimesmice".
Eu dizia para o senhor: o capitólio tem toda a simbologia africana - ele é parlamentar, deve saber disso -, tem todos os obeliscos, só que a ciência é africana. Está no livro do Itamar, o Senador pode ler, O Negro no Brasil Atual.
E mais ainda - ele que é assessor da CNBB -, quando Paulo VI se reuniu com cientistas para falar de OVNI, nós tínhamos essa intimidade universal. Nós não somos...
O povo chama de estado anímico, que é uma sacanagem - desculpem-me o termo - contra quem construiu o mundo. Foi a população negra. As pessoas... Podem pegar a... (Ininteligível.)
Ela tem mais de 60% de negros. E nós falamos do que não conhecemos.
Acho que nós temos uma universidade analfabeta politicamente, porque o analfabeto político...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Um minuto.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - ... é o homem mais perigoso, e a mulher, a analfabeta política, seja ele doutor, Senador, Presidente da República, cientista, mendigo de rua.
Agora, os delegados disseram aqui, na Comissão com a Lídice - e os coronéis -: "Nós não temos um Estado institucional organizado".
Eu falo isso no requerimento para o Tarso, hoje Governador. Ele foi o único Senador que me atendeu nisso, para criar um debate sobre isso, institucionalmente.
Há uma Constituição violada nos seus direitos. Nem o Parlamento, nem as universidades, nem a Ordem dos Advogados, nem o Supremo respeitam a Constituição. Os negros estão sendo assassinados com o aval do Senado, da Câmara, do Supremo.
Disseram os delegados aqui: "Nós somos usados para manter o quê?" Estão matando os negros que moram...Disse aqui. Estão matando os negros...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Mais um minuto.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - ... que moram na periferia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Para tu não dizeres que não estou sendo democrático.
Mais os mesmos minutos que dei para ela.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Nós somos a maioria, 80% deste País.
Eu sou um velhinho, e velhinho tem mais cinco minutos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Tem 47 segundos agora.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - E agora é o seguinte: como vão falar de democracia, em que são assinados 56% de negros. Tudo é mentira. Não há democracia, a corrupção vai para... Todo tipo de sacanagem.
Agora, não se fala da cidadania. Como é que Milton Santos não é referência? Proponho um seminário mundial com a obra de Wole Soyinka.
Ele tem mais profundidade Wole Soyinka, que pegou o Direito, a Geografia uniu à Arquitetura, ao Urbanismo, à História e à Filosofia e ainda disse...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Concluindo, Waldimiro.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - ... e ainda disse que vocês todos são competentes e bonitos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Todo mundo tem horário de voo. Não é por mim.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Reitor, vamos fazer isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O.k., Waldimiro. Valeu!
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O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Em nome do José Maria, que trabalhou conosco, vamos fazer isso? (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Por isso chamo as nossas plenárias de plenárias livres e democráticas. Cada um aqui diz o que bem entende, e a gente bate palma.
É bom, não é? Isso é bom.
Eu viajo pelo País todo.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Eu, também.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E ele me acompanhando sempre. O que dirá se não fosse meu amigo.
Já fui a 14 Estados para esse debate da democracia e, em todos, faço a plenária livre. E todos dizem o que pensam. É bom, vamos aprendendo juntos.
A cada dia em que o ouço, aprendo um pouquinho mais, e você, ouvindo todo esse universo, também sei que aprende.
E nós nunca haveremos de esquecer Milton Santos, não. Não é só você que se lembra dele. Todos nós nos lembramos dele.
E o seminário, você sabe que é difícil. Mas é fácil você procurar qualquer Senador da Comissão... Eu digo isso de forma muito carinhosa. Ele entra com um requerimento aqui, e fazemos uma audiência que não é um seminário, mas que tem porte de seminário, para debater a história de Milton Santos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Por isso vou passar a palavra para o Moura agora.
Está com a palavra Carlos Moura.
Por favor, Carlos Moura, com a palavra.
Você está convocado a usar a palavra, sim. Democraticamente, eu o estou convocando.
O SR. CARLOS MOURA - Muito obrigado, Senador Paim.
Quero cumprimentá-lo e dispensar quaisquer argumentos no sentido de falar sobre a sua trajetória no Parlamento brasileiro, que já é por demais reconhecida.
Quero cumprimentar os componentes da Mesa e dizer que vivemos uma manhã invulgar neste Parlamento, uma manhã em que companheiros e companheiras do Movimento Negro vêm apresentar denúncias, questionar, discutir, lutar. De outra parte, também trazem propostas, que têm por objetivo solucionar situações injustas de discriminação, de preconceito e de racismo, das quais nós, negros e negras, somos vítimas.
Tenho vários privilégios na vida. Desde Glória Moura, com quem convivo, há 50 anos, até a amizade com Abdias e Elisa, até a amizade com o compadre Waldimiro de Souza.
Mas o que é importante nisso tudo? É ter a sensibilidade de refletir sobre a realidade brasileira - refletir e ter a força e a lucidez para agir no sentido de ser um elemento que pode ajudar na transformação dessa sociedade que é injusta, que discrimina, na perspectiva, sobretudo, de uma distribuição de renda mais justa, da aceitação do outro, da aceitação do diferente, mas nunca esquecendo que o mais importante disso tudo é o nosso trabalho - nosso, de todos nós que estamos aqui - na perspectiva da superação do racismo.
Quero, Elisa, homenageá-la pelo privilégio que me dá, por exemplo, de fazer o seu café pela manhã...
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Muito obrigada por isso.
O SR. CARLOS MOURA - ... de ouvi-la elogiar o canto dos passarinhos e os céus de Brasília.
Para mim e para a Glória é uma alegria muito grande tê-la em nossa casa, quando você vem a Brasília.
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Por tudo isso, muito obrigado à Mesa ou às Mesas pelos ensinamentos aqui esposados. E, mais uma vez, muito obrigado ao nosso querido Paim, lembrando que, se se vai dar a palavra a dois velhos, é difícil velho falar pouco.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O pior é que sou o autor do Estatuto do Idoso. Mas aplico o Estatuto do Idoso a mim.
O SR. CARLOS MOURA - E o velho começa a tirar as coisas do baú.
Mas lembro, Senador - nem sei em que data foi isto, o Senador ainda era Deputado Federal -, que sentamos eu, o Senador...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS MOURA - ... o Ivair e a Maria José na CNBB, quando o Senador começou a rabiscar o Estatuto da Igualdade Racial.
E lá estava a proposta do fundo. Isso tem muitos anos. O Estatuto veio para a Câmara, onde ficou dez anos. E o Senador, batalhando, batalhando, batalhando, batalhando, não é?
E eis que, há dois ou três anos, batalha, batalha, batalha, e, de repente, no plenário do Senado, aquela expectativa, o então Presidente do Senado, Senador José Sarney, levantou-se e disse: "Vamos aprovar agora. Vamos aprovar".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Foi real.
O SR. CARLOS MOURA - Esse mesmo Senador José Sarney, que criou a Fundação Cultural Palmares, que desapropriou a Serra da Barriga, que decretou a Serra da Barriga monumento nacional e que fez o ato administrativo entregando a Serra da Barriga à Fundação Palmares.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Esse foi o nosso querido Carlos Moura.
Alguns vão ter de se retirar, pessoal. Os alunos vão ter de se retirar. A Elisa faz questão de entregar o livro para cada um deles.
Mas está inscrito aqui o último orador, o Prof. Nelson Inocêncio, da Universidade de Brasília.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Parece que os alunos têm de ir embora.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Se os alunos tiverem de se retirar, eles poderiam passar aqui e ver como você delega alguns livros para eles.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Foi sugerido o seguinte: nós não temos suficientes exemplares para todos. Então, está aqui um conjunto de cinco livros, e acho que eu assinaria um para a escola...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Vocês passam aqui atrás e tiram uma foto coletiva.
Nós ficamos sentados aqui, e você entrega o livro a eles.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Passem todos aqui, pessoal. Por favor.
Pessoal, vamos passar aqui. Peço aos alunos da escola que passem atrás. A Mesa continua sentada, e eles tiram uma foto. Os mais jovens podem ficar aqui na frente, pessoal. Os mais jovens dos jovens, para aparecerem todos.
O.k. Vamos lá, então.
(Procede-se à foto.)
O SR. NELSON INOCÊNCIO - Jean, eu gostaria que você me ouvisse. Antes que saísse, gostaria que me ouvisse.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O.k. Estamos em plena audiência, pessoal.
Enquanto ela vai assinando os livros agora... (Palmas.)
Ela vai assinando os cinco livros, a Elisa, e passo a palavra ao Professor Nelson.
O SR. NELSON INOCÊNCIO - Bem, se for viável, Senador, senão...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É viável sim. Faço questão de ouvi-lo. É que os alunos têm de sair. É um problema do ônibus que vai levá-los para o colégio.
O SR. NELSON INOCÊNCIO - Tudo bem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Agora, a audiência vai continuar por mais uma hora, no mínimo.
O SR. NELSON INOCÊNCIO - Bem, eu gostaria de...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O Frei David vai dar um aviso só, e o Nelson fala em seguida - enquanto o tumulto diminui, Nelson.
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O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Queria agradecer ao Sr. Senador e à Comissão de Direitos Humanos ter deferido para o dia 15 a audiência para discutir esta questão delicada que é a fraude ou talvez a criminalização da fraude na declaração de negro em concurso público.
Aí, Senador, para dar mais efetividade ao seu trabalho, quero propor que a Comissão de Direitos Humanos mande um ofício para o Ministério do Planejamento, solicitando que o referido Ministério coloque no Portal da Transparência - é um direito nosso como cidadão e um dever do Estado fazer isto - a foto e o nome de todos que disputam concursos públicos nas vagas de negros. Então, se o Ministério do Planejamento fizer isso no Portal da Transparência, vai intimidar, ou melhor, vai desmotivar a fraude.
Também, outro ofício dirigido ao MEC, para que o MEC disponibilize no Portal da Transparência do MEC todos os que concorrem à quota de negro. Por quê? Porque, na Medicina, a cada dez vagas para negros, oito são tiradas para brancos.
E, concluindo, quero fazer um apelo, Senador Paim, aos nossos irmãos capoeiristas. Amanhã vai haver uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a capoeira.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - É um tema de sua autoria, um tema muito delicado.
Quero lembrar aos irmãos capoeiristas que o tae-kwon-do, nas Olimpíadas da Coreia, por dois minutos, foi uma apresentação breve. Havia o medo do povo da cultura do tae-kwon-do de que ele perdesse os valores culturais. No entanto, as várias tendências de tae-kwon-do da Coreia mantiveram-se unidas, e criou-se uma tendência, formatando-se e adaptando-se às normas das Olimpíadas.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Também, o judô.
No judô, também havia uma baita confusão entre os meus irmãos japoneses contra a oficialização do judô como esporte olímpico.
No entanto, na mesma linha: houve várias linhas culturais do judô, mas se criou uma linha específica, para se adaptar às Olimpíadas, ao Comitê Olímpico.
Faço um apelo aos irmãos capoeiristas: jamais se vai quebrar a capoeira, se houver uma reflexão bonita dos irmãos capoeiristas, permitindo o surgimento de uma adaptação de uma linha da capoeira, e, assim, poder o Comitê Olímpico reconhecer a capoeira como esporte olímpico.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Fechando, quero dizer que é a única manifestação cultural de um povo que é patrimônio da humanidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Por favor, um videozinho, aquele da capoeira, só para dizer do nosso compromisso com a capoeira, na linha do que o Frei David colocou.
(Procede-se à execução de vídeo.)
O SR. FREI DAVID DOS SANTOS - Isso aí foi ontem. É o cortejo de capoeira, da Capoeira Abadá, do Mestre Camisa, no caso do... (Ininteligível.)
Foram mais de mil capoeiristas ontem... (Ininteligível.)
Cinco mil.
E houve também o Festival Internacional da Capoeira. Pode passar de novo, porque é curtinho. Não deu nem para ver.
Começa ali, olha lá. Capoeiras do mundo inteiro. Capoeiras do Cazaquistão, da Rússia, muitas mulheres capoeiristas da França, da Alemanha, jogando de igual para igual e falando o português, porque as músicas têm de ser obrigatoriamente cantadas em português.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Muito bem. (Palmas.)
Fiz questão, a pedido do Humberto, de passar para mostrar, pessoal. Não tenho dúvidas do compromisso que temos com a capoeira. O projeto está aqui e só vai ser aprovado se houver um grande acordo entre toda a comunidade negra em relação à capoeira.
Se a orientação for rejeitar, não tenham dúvida: rejeito aqui o projeto sem problema nenhum, e vamos trabalhar em outra ideia que fortaleça de fato todos os mestres de capoeira.
Por favor, Prof. Nelson Inocêncio, da Universidade de Brasília.
O SR. NELSON INOCÊNCIO - Obrigado.
Aproveitando o ensejo para falar um pouco do legado de Abdias, acho muito interessante entendermos isso. Como pessoas, todos nós temos nossas incongruências, somos seres humanos. Então, acho que é muito importante entendermos que a dimensão... O que podemos deixar é o legado. E isso é que é importante de fato.
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Todos nós que tivemos algum conhecimento, que lemos, que temos alguma referência de Abdias Nascimento, sabemos que é uma pessoa multifacetada, uma pessoa com muitos flancos.
E gostaria, aqui, de chamar a atenção para o entendimento que Abdias Nascimento sempre teve. E é óbvio que isso também é parte do legado que ele construiu com seus companheiros e companheiras no Teatro Experimental do Negro, que é a compreensão de que a luta política tem uma dimensão estética. Acho que isso é imprescindível, eu diria.
Então, a partir do Congresso Negro Brasileiro, um dos encaminhamentos foi pela criação do Museu de Arte Negra, que é uma história que foi... Obviamente, houve uma luta, e essa luta foi até os anos 1960, quando Abdias se autoexila nos Estados Unidos, sai do Brasil.
Mas, de fato, essa história de se criar o Museu da Arte Negra não se esgota. Conversei com Elisa, algumas poucas vezes, sobre a necessidade de se manter, enfim, de se adensar essa ideia de construção de um museu que pudesse agregar essas referências.
De fato, se vocês visitarem o site do Ipeafro... O site do Ipeafro tem um acervo. E se tem acesso digital ao acervo, mas...
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - A uma pequena parte.
O SR. NELSON INOCÊNCIO - A uma pequena parte.
Mas quero dizer que tudo isso é muito importante. Pode parecer preciosismo falar de arte, de estética, só que isso tem a ver com questões contemporâneas, com questões que estamos vivendo hoje.
Pedi ao Deputado Jean que me escutasse, porque, quando falamos de liberdade de expressão, é óbvio que ninguém aqui, em sã consciência, ou pelo menos quem sabe o que foi um regime autoritário reivindicaria a censura. Isso não quer dizer que não tenhamos de pensar a qualidade da liberdade de expressão.
Quer dizer, se você não pensa a qualidade da liberdade de expressão, ela também pode servir para múltiplos usos: achincalhar, desqualificar, erotizar, "exotizar", estereotipar. Então, se é isso, acho que temos de prestar muita atenção nessas coisas.
E um aspecto importante é que, quando defendemos determinadas bandeiras, não quer dizer que tenhamos consciência de tudo. Quem combate a misoginia não necessariamente é antirracista, quem combate o racismo não necessariamente deixa de ser homofóbico, e quem combate a homofobia não necessariamente deixa de ser engolido pelas armadilhas do racismo. Então, temos de prestar a atenção nessas coisas. As coisas não são simples assim, as coisas não são simples dessa maneira.
A dimensão estética da nossa luta é concreta, real. Agora, recentemente, soube, em São Paulo, de uma passeata em defesa do cabelo crespo. Isso, para mim, é inédito, fundamental. Nós precisamos pensar essa autoimagem com muita qualidade. E essa é uma experiência que Abdias já viveu não só no Teatro Experimental do Negro, mas produzindo artisticamente, trabalhando com o interesse efetivo nessa qualidade da imagem.
Então, chamo a atenção, porque muitas vezes parece que essa dimensão estética está no segundo plano - nem no segundo, mas no terceiro, no quarto, no quinto. Tenho a convicção de que ela é efetiva, e precisamos pensar nisso.
A minha experiência com Abdias foi muito curta, sim. A possibilidade que tive de diálogo com ele foi durante a minha dissertação, que foi justamente sobre a produção imagética positiva da população negra.
(Soa a campainha.)
O SR. NELSON INOCÊNCIO - E pedi a ele que me desse a liberdade de colocar na tese um cartaz que é de uma de suas campanhas a Deputado no Rio de Janeiro.
E eu, aqui, cheio de dedos para falar com as autoridades, mais do que prontamente, rapidamente, com extrema presteza, recebi a resposta por fax - naquela época ainda havia o fax -, para que pudesse utilizar a imagem dele no meu trabalho.
Então, o que quero dizer é isto: precisamos entender o ser pelas suas várias potencialidades.
É isso. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Prof. Nelson. (Palmas.)
Eu recebi aqui uma pequena carta do Senador Cristovam e me comprometi com ele a ler.
Diz Cristovam Buarque:
Senador Paim, gostaria de homenagear Abdias Nascimento, líder, companheiro de Leonel Brizola e Darci Ribeiro, o símbolo da luta pela igualdade moral do Brasil.
E também gostaria de estar aí, para refletir com os demais admiradores presentes qual seria a mensagem que nos faria neste momento.
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Embora não seja possível valer o que ele queria, é fácil imaginar o que sua fala seria na defesa da educação de qualidade e igualdade para todos os brasileiros, negros ou brancos, pobres ou ricos, nordestino ou sulista, em escolas com a máxima qualidade. Ele aqui certamente diria que o Brasil só será um país justo quando o filho do mais pobre estiver na mesma escola do mais rico.
Não estou pessoalmente aí por compromisso externo, mas estou presente espiritualmente pelas bandeiras de Abdias.
Espero que mais tarde Frei David [um recado para o Frei David] venha tomar um café comigo para vermos o que fazer em relação ao que a menina falou e denunciou e eu escutei pela Rádio Senado.
Muito bem, Cristovam, pela fala.
Convido agora a Elisa, conforme combinamos, para fazer a fala de encerramento. Eu usarei da palavra, depois, por três minutos, para fazer a minha saudação a Abdias.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Olha, eu agradeço a todos e a todas as pessoas que fizeram menção a minha pessoa, tão generosas. Agradeço mais uma vez ao Senador Paulo Paim pelo compromisso continuado. Creio que o fato de trazermos, hoje, a palavra dos diferentes atores que estão aqui em nossa Mesa e que estiveram na primeira Mesa, é realmente a melhor maneira de lembrar o Abdias.
Quando o Senador Cristovam Buarque fala que seria objetivo do Abdias que a criança pobre estudasse na mesma escola da criança mais rica, eu diria que sim, e diria mais um pouco: que nesta escola essas crianças todas possam aprender o que é o significado da presença, do protagonismo dos povos africanos na construção da cultura e da história da humanidade, e não apenas do negro. Então, realmente, o nosso objetivo é por todos, mas há uma necessidade de uma especificidade em relação a esse segmento.
Eu gostaria de poder ler um poema do Abdias. Foi uma sugestão do Prof. Wole Soyinka, mas nós no Rio de Janeiro... Quem puder estar no Rio de Janeiro na quarta-feira, estaremos lançando o livro, aí sim, com a participação de vários poetas e atores, lendo poemas.
Sobre o Museu de Arte Negra, Prof. Inocêncio, eu acho que foi muito boa essa sua referência para nos lembrar de que todos esse setores das artes plásticas, da poesia, das artes cênicas em que o Abdias atuava, a questão que ele trazia era como a estética e a criação artística são possibilidades e dimensões de uma expressão profundamente política e de uma atividade, de um ativismo de expressão, que trabalha a identidade diversa da humanidade dentro de uma condição humana.
Eu acho que o trabalho do Museu de Arte Negra, continuou depois de 68, quando que ele foi para o exterior. Nesse acervo museológico, temos várias obras de diferentes artísticas da diáspora africana que doaram também para essa coleção do Museu de Arte Negra. O Ideafro está fazendo o trabalho de levar para o site, para estar à disposição do público, cada vez mais elementos do conteúdo desse acervo do conteúdo desse acervo, tanto documental com museológico.
Eu gostaria só de mencionar o fato de que o acervo documental do Abdias já foi reconhecido como de importância pública nacional, no Brasil, e também pelo programa Memória do Mundo, da Unesco, como Patrimônio Documental da Humanidade.
Obrigada pela presença da mulher negra aqui na Mesa, por tudo que a Secretária trouxe e, sobretudo, vamos fazer todos, cada um de nós, tudo para que a Marcha das Mulheres Negras, em novembro, seja um marco histórico para este País.
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Sobre o fundo de igualdade racial, é fundamental. Obrigada, Prof. Mário Teodoro. Espero que as assinaturas sejam fartas. Mas quero dizer também que é muito importante que todos os setores ministeriais, em todas as dotações orçamentárias, prevejam essas verbas, independentemente do fundo, porque o fundo vai ser uma coisa importantíssima, mas é necessário que o Governo brasileiro saiba que o investimento é importante em todos esses fatores...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E está previsto no Estatuto isso.
A SRª ELISA LARKIN NASCIMENTO - Sim, está previsto no Estatuto, exatamente. Faz parte da lei que está em vigor no País, hoje, o fato de que é necessário que esses investimentos sejam feitos pelos setores todos do Governo. Então, essa é uma questão na qual também precisamos lutar para que seja implementada realmente.
Saudando o nosso Reitor, nossa homenagem à faculdade Zumbi dos Palmares pelo grande exemplo que é um sonho coletivo que vem a ser realizado. Muito obrigada pela referência tão generosa a minha pessoa. Mas eu não me considero e não creio que seja nenhuma heroína do povo negro. Eu creio que Abdias Nascimento, Wole Soyinka, esses nomes mereçam muito mais.
Nós temos, não é isso Frei David, a questão do genótipo e do fenótipo. Essa é uma questão que realmente tem de ser levada em conta, não tenho dúvida. Essa sabotagem que se faz contra as ações afirmativas é uma questão muito séria, que nós temos de levar em consideração.
No dia 15, haverá audiência pública. Eu só queria de dizer que a Mãe Beata de Iemanjá iria vir, mas não pode por uma questão de saúde delicada, ficando impedida de viajar.
Eu já ocupei muito tempo, Senador. Quero saudar a cada um dos que estão aqui: Ivanir, muito obrigada pelo seu testemunho, Senador Paulo Paim, Prof. Anani, a OAB, instituição tão importante para a democracia brasileira. Ainda bem que veio dar a devida importância à questão negra no Brasil.
Senador Paulo Paim, muito obrigada por acolher essa sugestão desta audiência pública e por tudo o que senhor vem fazendo no Parlamento brasileiro.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu é que agradeço.
Pessoal, será muito rápido o encerramento.
Eu combinei com a Elisa. Quando o Abdias fez 90 anos, eu fui convidado a fazer uma fala para ele lá no Itamaraty, em nome do Congresso Nacional. E eu sempre disse que se alguém quiser me homenagear ou a qualquer um de nós aqui, homenageie também em vida, e não depois da morte. E eu tive a alegria de fazer essa homenagem para ele.
Eu pensava - e vou ser muito rápido, podem crer - e essa poesia eu já li algumas vezes. Então, na noite que antecedeu, confesso a vocês com toda a sinceridade, olhando a lua e as estrelas, pensando: o que eu vou falar para o Abdias? Ele é um ícone de todos nós!
E como eu sou metido também a escrever, e ele foi um grande poeta, escrevi um poema para ele. Fui lá pedi a palavra - eu era o indicado para falar, para homenageá-lo pelo Congresso - e disse: Olhe, Abdias eu escrevi ontem à noite um poema para você, para você que é o poeta dos poetas. Vou ler para você aqui. E a poesia é a seguinte:
Abdias do Nascimento
Tua vida, Abdias, foi dedicada a essa causa, a nossa causa, a cauda da nação negra [e ele estava ali sentado ao teu lado].
Abdias, meu velho e querido Abdias, o nosso povo há de contar em versos e prosa [e está sendo contada]
A história de um guerreiro, a história de um lutador.
Os poetas, Abdias, vão lembrar, falando de você, de paz, de rebeldia e, tenho certeza, a emoção será tão forte como é hoje o que sentimos quando ouvimos a batida do tambor.
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Falarão de um homem negro de cabelos brancos e barba prateada que, independentemente do tempo, nunca parou.
Fez da sua guerra a nossa batalha, como ninguém.
Nunca tombou [e ele estava ali ouvindo].
Foi dele e é nossa a bandeira da igualdade, da justiça e da liberdade.
Abdias, tu és exemplo para todos nós.
Tu és um homem que viveu à frente do teu tempo.
Que as gotas de sofrimento arrancadas do teu corpo se tornem pérolas, luzes a iluminar a jornada do nosso povo, da nossa gente.
Tu nos deixas uma lição de vida.
Viverás para sempre junto de nós.
A rebeldia de tuas palavras, que somente os guerreiros ousam, estão cravadas na história da humanidade, nos nossos corações e mentes.
Sei que não estás preocupado em agradar a todos, mas sei que a mensagem é: jamais, jamais deixem de lutar e sonhar.
Sonhem, não aquele sonho bonito que tu gostarias que acontecesse num passe de mágica, se tornasse realidade, mas, sim, o sonho que com nossa luta haveremos de tornar realidade.
Esse, sim, será o fruto da tua, da nossa vitória.
Aí eu disse no encerramento: viva a nação negra! Viva Zumbi dos Palmares! Viva o gigante dos gigantes, Abdias do Nascimento!
Vida longa para ti, Abdias, porque as tuas ideias nunca hão de morrer! (Palmas.)
Está encerrada a nossa audiência pública.
(Iniciada às 9 horas e 2 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 18 minutos.)