24/08/2015 - 15ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Boa noite a todos e a todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 15ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública com os seguintes convidados e convidadas: Renata Avelar Gianinni, pesquisadora do Instituto Igarapé; Renata Neder Farina de Souza, assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil; Terezinha Maria de Jesus, mãe citada no relatório "Você matou meu filho! Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro"; Débora Maria da Silva, representante do Grupo Mães de Maio; e Vera Lúcia Gonzaga dos Santos, representante do Grupo Mães de Maio.
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Peço à Secretaria que, imediatamente, conduza e acomode à mesa as nossas convidadas.
Só um pouquinho, deixa só a gente concluir aqui.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que têm interesse em participar, com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800 61 2211.
Para organizar nossos trabalhos, esclareço que, após a exposição de nossas convidadas, a palavra será concedida às Sras e aos Srs. Senadores na ordem das suas inscrições. Terão preferência para o uso do palavra, na seguinte ordem, o Relator, a Presidente, os membros titulares, suplentes e os não membros.
Antes de dar início à nossa fala, eu vou franquear a palavra ao companheiro. (Pausa.)
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA (Fora do microfone.) - Senador, posso fazer uma pergunta?
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Só um pouquinho. Deixa só a gente concluir aqui. (Pausa.)
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800612211.
Para organizar nossos trabalhos, esclareço que, após a exposição de nossas convidadas, a palavra será concedida às Srªs e aos Srs. Senadores na ordem das suas inscrições. Terão preferência para o uso do palavra, na seguinte ordem, o Relator, a Presidente, os membros titulares, os suplentes e os não membros.
Antes de dar início à nossa fala, eu vou franquear a palavra ao companheiro.
(Interrupção do som.)
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - ... o Brasil violava a Constituição e que o problema era constitucional, não era da Comissão de Direitos Humanos. Mas a assessoria dele entendeu e encaminhou esse requerimento para a Comissão de Direitos Humanos.
A nosso ver, porque nós somos 70% da população brasileira, a Constituição brasileira é violada. Ela não existe, não é respeitada pelo Congresso, pelo Supremo e pelas academias brasileiras. Eu dizia isto para o Taques, e ele, então, como promotor, entendia que se deveria fazer um debate não na Comissão de Constituição e Justiça, mas na Comissão de Direitos Humanos. E eu entendia que esse é um debate constitucional. Eu dou essa sugestão para o Senador de Brasília, o Senador Hélio, que leve isso para um debate constitucional.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado.
Como é o seu nome?
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Waldimiro de Souza.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado pela contribuição.
Então, dando continuidade aos nossos trabalhos, vamos agora conceder a palavra à Senhora Renata Neder Farina de Souza, da Anistia Internacional.
Renata.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ah, é que são duas Renatas.
Renata Gianinni, do Instituto Igarapé, por favor.
A SRª RENATA AVELAR GIANINNI - Obrigada, Senador.
Tem a apresentação? (Pausa.)
Primeiramente, boa noite a todos.
Obrigado. É uma honra participar desta audiência pública da CPI para homicídios de jovens.
Eu sou pesquisadora do Instituto Igarapé, uma organização localizada no Rio de Janeiro que tem como objetivo justamente produzir informação para qualificar debates como este.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA (Fora do microfone.) - Desculpe-me, Telmário. Eu errei seu nome. Peço perdão.
A SRª RENATA AVELAR GIANINNI - Hoje eu vou apresentar duas plataformas de visualização, duas ferramentas que nós criamos nós criamos em nosso Instituto que produzem uma série de dados que têm por objetivo justamente qualificar um pouco o debate e trazer informações extremamente necessárias para políticas públicas na área de redução de homicídios.
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A primeira delas é o Observatório de Homicídios, uma plataforma de visualização online que foi criada por nós em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, juntamente também com a Open Society Foundations, e que tem como objetivo mostrar justamente os dados nacionais e subnacionais de homicídios, com a escala, a dinâmica de homicídios ao redor do mundo. Nós temos dados que vão de 2000 a 2012 no caso do Brasil e até 2014 no caso de outros países, numa série histórica, com dados de homicídios, e indicando também o perfil das vítimas, principalmente o sexo, a arma utilizada e a idade.
Esses dados são extremamente importantes porque, afinal de contas, realmente, somente com informações corretas é que a gente consegue planejar políticas públicas eficazes.
Pode passar, por favor.
Na minha apresentação de hoje, vou falar um pouco do Brasil, claro, vou focar no Brasil, mas falarei de onde o Brasil se encontra com relação ao resto do mundo, porque eu acho que a comparação com esses dados de outros países na região traz uma mensagem importante sobre a realidade do nosso País.
Pode passar.
Mais um.
Uma estimativa baixa do Escritório das Nações Unidas indica que houve cerca de 437 mil mortos em 2012.
Pode passar.
No Brasil, foram 56 mil mortos. Em números absolutos, nós somos os campeões de homicídio no mundo, comparando-se com todos os países do mundo, contando somente os homicídios intencionais.
Pode passar.
A média de assassinatos no mundo corresponde a 6,2. Para colocar em perspectiva, essa é uma média alta se pensarmos na média de países europeus ou asiáticos, como o Japão, que têm médias próximas a 0 ou a 1, mas extremamente alta quando a gente observa a realidade da nossa região da América Latina e do Brasil, principalmente.
Na nossa região, pelos dados que temos, de 39 países e territórios, há somente quatro países com uma taxa inferior a 6,2 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que são o Chile, seguido de Cuba, da Argentina e do Suriname.
Pode passar, por favor.
No caso do Brasil, a média brasileira é cinco vezes maior do que a média mundial, o que indica que são 29 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Ou seja, é realmente um número exorbitante.
Aqui, nós temos a concentração de homicídios. Eu gostaria de chamar a atenção para a América Latina e para o Caribe, que têm 33% dos homicídios no mundo. Ou seja, um terço de todos os homicídios no mundo ocorrem em nossa região. E, para piorar ainda mais a situação, uma em cada dez pessoas que morrem é brasileira. Realmente, é bem difícil.
A gente colocou também, destacou um pouco o perfil das vítimas, porque, afinal de contas, é importante entender um pouco esse perfil para entender as dinâmicas por trás dos crimes.
No mundo, 79% das vítimas são do sexo masculino e 21% do sexo feminino. Para a região da América Latina, que tem uma dinâmica criminal um pouco mais aguda em razão, enfim, de uma série de atividades ilícitas que ocorrem em nossa região, esse número sobe para 85% no caso do sexo masculino e para 15% no caso do sexo feminino. No Brasil, esse número é bastante discrepante: 92% para o caso de homens e 8% para o caso de mulheres.
As circunstâncias de assassinatos de homens e mulheres são bastante diferentes. As pesquisas indicam que homens são, normalmente, assassinados em ambientes públicos, por conhecidos, envolvendo brigas e, muitas vezes, até agentes de segurança, como a gente vai ver mais adiante, e mulheres são assassinadas em ambientes privados, também por conhecidos, mais usualmente por pessoas com quem tiveram relações afetivas. Então, são circunstâncias bastante distintas.
Muitas das políticas de redução de homicídio no mundo focam justamente no controle e na circulação de armas e munições. Isso ocorre por uma razão simples: elas são justamente as que mais causam assassinatos no mundo e na nossa região. No mundo, 41% dos assassinatos são cometidos com armas de fogo, na América Latina e no Caribe, 66%, e no Brasil, 71%.
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Nós somos também os campeões mundiais em homicídios causados por armas de fogo. Grande parte desses homicídios são causados por armas brasileiras que, em algum momento, foram legais e, depois, foram desviadas para a criminalidade.
Quais são os vilões da história? No Observatório de Homicídios, para o caso da América Latina e do Caribe, justamente pela epidemia de homicídios que a gente vive em nossa região, em especial no Brasil, a gente fez uma análise subnacional, olhando também os dados de homicídios por Estado e por cidades com mais de 250 mil habitantes.
O que a gente observa é que é violência urbana é realmente um dos principais vilões da história. São 130 cidades latino-americanas e caribenhas que registram taxas superiores a 25 assassinatos por 100 mil habitantes.
Esse é um número bastante alto, inclusive superior ao de zonas conflagradas por guerra. Dessas 130 cidades, 56 são brasileiras.
Volta um.
Se fizermos um ranking das 50 cidades com a maior taxa de homicídio no mundo, veremos que 22 delas se localizam no Brasil. Ou seja, esse dado é realmente bastante estarrecedor.
Pode passar.
Olhando as vítimas - eu sei que se vai falar bastante disto aqui - , quase a metade das vítimas têm entre 15 e 29 anos na nossa região - no Brasil, esse número é ligeiramente superior: 54% -, sendo a maioria de homens e negros.
Além da perda irreparável em termos emotivos para famílias e familiares, é uma perda direta também na produtividade do País.
Pode passar.
Para colocar em perspectiva - daqui a pouco eu vou mostrar a plataforma online, onde todos os dados podem ser acessados -, eu só queria comparar uma cidade brasileira e um país.
Se nós somarmos os homicídios em seis cidades brasileiras - Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Salvador e João Pessoa -, veremos que o número de homicídios nessas seis cidades é maior do que o número de homicídios na Europa inteira.
Se olharmos o que aconteceu no mês passado em Manaus, onde 34 pessoas foram assassinadas em 72 horas, esse número é o dobro do total de assassinatos ocorridos em um país inteiro, como é o caso de Cingapura, que teve 16 assassinatos ao longo de um ano inteiro.
Então, a gente coloca essa plataforma também como uma forma de trazer à tona esse debate, de ampliar um pouco a mensagem e de disseminar essas informações.
Pode passar, por favor.
Mas eu queria, para finalizar, antes de mostrar as duas plataformas, mostrar uma história que foi relativamente bem-sucedida, que é o caso da Europa. Esse gráfico mostra dados de homicídios desde a Idade Média. Houve reduções bastante drásticas. Não dá para ver em anos recentes, porque já era bastante inferior. Mas, nos últimos 20 anos, chegou-se a uma redução de mais 50% no número de homicídios.
É importante olhar para esses casos porque eles têm lições aprendidas que a gente pode também incorporar para que esses também sejam os primeiros passos na nossa tentativa de reduzir a violência.
(Soa a campainha.)
A SRª RENATA AVELAR GIANINNI - A principal delas, a gente observa, é justamente um esforço em melhorar o Estado de direito: investir na polícia, na Justiça criminal, para que as polícias se tornem, de fato, mais eficazes, menos violentas e a Justiça criminal menos impune.
E, ao mesmo tempo, observou-se nesses países também uma maior intolerância à violência. O Brasil é um país extremamente violento. Nós não só convivemos com a violência, mas também, muitas vezes, a violência é vista pela sociedade como uma solução. E essa realidade realmente não pode continuar.
Você pode entrar no site?
Eu gostaria de mostrar dois sites para vocês. O objetivo de mostrar esse site é justamente oferecer uma ferramenta que possa ser utilizada por quem quer que seja para obter dados a respeito de homicídios, neste caso, e de fluxo de armas, no outro caso.
Pode clicar em qualquer lugar no mapa.
Esse é um mapa de calor de homicídios. Os mais vermelhos são países com maior número de homicídios, os azuis são os que têm o menor número de homicídios.
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Clicando em qualquer país, por exemplo, clicando no Brasil, você vê acima uma taxa histórica de homicídios - então você tem uma ideia de se houve uma redução ou não -, você tem o total de homicídios, você tem a taxa de homicídios ao lado da população, e ali os indicadores com a principal arma que cometeu esses homicídios - no caso, armas de fogo -, o sexo - no caso, o masculino, com 91,6% para o ano de 2012 - e a idade das vítimas.
Clicando em "Estados", temos uma lista de todos os Estados do Brasil e, lá no fim, a taxa.
E mais embaixo você tem dados mostrando desde o Estado mais violento, com maior número de homicídios, até o menos violento. É uma forma de obter dados de maneira rápida, comparativa, para também podermos passar uma mensagem. Se clicarmos em "Cidades" - lembro que são cidades que tem mais de 250 mil habitantes e que, portanto, as cidades pequenas não estão incluídas ,- veremos que está na ordem, desde a cidade mais violenta, Ananindeua, no Pará, até a menos violenta, Franca, entre aquelas cidades que têm 250 mil habitantes.
Pode sair, por favor.
Enfim, você pode clicar em algum outro país, na América Latina, só para ter uma ideia. Aí você vai ter acesso aos mesmos tipos de dados que temos no caso do Brasil. No caso do Chile, por exemplo, os dados vão até 2013. E por aí vai. São dados para o mundo inteiro. No caso da América Latina e do Caribe, são dados subnacionais.
Próximo site, por favor.
O próximo site mostra o fluxo de armas e munições ao redor do mundo. Então, mapeamos as importações e as exportações de armas e munições ao redor do mundo. E, quando observamos esses dados, vemos que eles contam uma história extremamente interessante. Vou mostrar o caso do Brasil.
O Brasil é o segundo maior exportador de armas e munições no mundo, perdendo somente para os Estados Unidos. Neste mapa, você consegue ver também as destinações: em laranja, temos o que são as exportações, que, no caso do Brasil, é um dado bastante predominante. Estamos indicando 2012, mas temos uma série histórica e podemos acessar desde 1992. Ao longo do tempo, isso vai mudando.
Se você segue a direção - dê uma volta no globinho -, você tem uma ideia de para onde o Brasil exporta principalmente. Os Estados Unidos são um grande comprador de armas brasileiras, assim como o vizinho Chile, enfim, vários países.
Não estou vendo a parte de...
O azul refere-se às importações e configura a menor parte dos fluxos...
Temos aqui uma ideia dos locais de onde o Brasil importa armas. São, comparativamente, poucos.
Só para dar um exemplo, se clicarmos nos Estados Unidos, voltam todas as exportações e praticamente o globo inteiro se acende.
Enfim, essa é uma segunda ferramenta que eu gostaria de apresentar a vocês. Em ambos os casos, a ideia é justamente disseminar dados confiáveis. Houve um trabalho de uma equipe bastante qualificada para compilar esses dados e colocá-los nessa plataforma, que tem como principal objetivo informar esse debate, conscientizar e, especialmente, qualificar políticas públicas que sejam realmente eficazes.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado, Renata.
Bom, vamos ouvir agora, na ordem, a Renata Neder Farina de Souza, que representa a Anistia Internacional.
A SRª RENATA NEDER FARINA DE SOUZA - Boa noite a todos e a todas.
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A Anistia Internacional lançou, em agosto deste ano, um relatório chamado "Você matou meu filho! - Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro".
Pode passar.
A Anistia teve acesso a dados estatísticos a respeito de homicídios registrados como homicídios decorrentes de intervenção policial no Estado e na cidade do Rio e entrevistou dezenas de pessoas entre testemunhas de casos específicos, familiares de vítimas, defensores de direitos humanos, policiais civis e militares, defensores públicos. Foi uma pesquisa que durou cerca de um ano e culminou com a publicação desse relatório em agosto deste ano.
No Estado do Rio de Janeiro, nos últimos dez anos, foram registrados 8.466 casos de homicídios decorrentes de intervenção policial, sendo 5.132 deles apenas na capital do Rio.
Pode passar, por favor.
Quando a gente olha a tendência desses registros dessas mortes nos últimos dez anos, a gente vê que, a partir de 2007, houve uma tendência de queda que durou vários anos, com uma redução significativa do número de casos de homicídios decorrentes de intervenção policial no Estado do Rio. Alguns elementos contribuíram para essa queda sucessiva durante vários anos, como, por exemplo, uma portaria da chefia da Polícia Civil que estabelecia procedimentos específicos para investigação e atuação da Polícia Civil no caso de mortes decorrentes de intervenção policial, a instalação de UPP, que, em algumas áreas, conseguiu reduzir o número de homicídio por parte da própria polícia, e o estabelecimento do Sistema Integrado de Metas, que incluiu, a partir de um determinado ano, metas específicas para redução de homicídios decorrentes de intervenção policial.
No entanto, entre 2013 e 2014, a gente pôde observar um novo aumento de 39% nos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial. Um aumento bastante significativo. A maior parte desse aumento, no entanto, não ocorreu na capital, mas na região da Baixada, Grande Niterói, São Gonçalo e interior fluminense.
E se a gente olha os dados atuais, comparando o primeiro semestre de 2014 e o primeiro semestre de 2015, a gente vê, novamente, uma tendência de aumento de, pelo menos, 22% nos casos de registro de homicídios decorrentes de intervenção policial, o que mostra que, além de o problema não ter sido solucionado totalmente, embora tenha havido uma tendência de queda expressiva durante vários anos, provavelmente, as medidas adotadas se esgotaram no enfrentamento ao problema e os casos voltaram a subir significativamente já nos últimos dois anos.
Pode passar o próximo, por favor.
Por que olhar para os homicídios causados pela polícia quando, além de tudo, o Brasil, como a Renata apresentou antes, é o país com maior número de homicídios no mundo e esses homicídios não são investigados?
A Anistia teve acesso aos dados do Rio de Janeiro especificamente. Então, não podemos falar para todo o Brasil. Mas, quando a gente olha os dados da cidade do Rio de Janeiro e compara a porcentagem dos homicídios decorrentes de intervenção policial em relação aos homicídios em geral nos últimos cinco anos, entre 2010 e 2014, a gente vê que a polícia em serviço foi responsável por uma porcentagem muito significativa do total de homicídios. Em 2010, essa porcentagem chegou a 21,88%. Em 2014, essa porcentagem reduziu um pouco. Mas, em todos esses anos, se fazemos a média, dá uma média de cerca de 16%.
Imaginar que a polícia em serviço é responsável por 16% do total de homicídios é muito chocante. Qualquer política de redução de homicídios no Brasil e no Rio de Janeiro deve olhar também para a redução dos homicídios causados pelas operações policiais. E a gente está falando especificamente das mortes causadas pela polícia em serviço, sem considerar, por exemplo, as mortes causadas por policiais fora de serviço e por grupos de extermínios e milícias, que, no caso do Rio de Janeiro, têm uma atuação significativa.
Pode passar, por favor.
Quando a gente olha o perfil das vítimas de homicídios decorrentes de intervenção policial no Rio de Janeiro, a gente encontra um perfil parecido, seguindo a mesma tendência do perfil da vítima de homicídio em geral, embora algumas porcentagens pareçam mais expressivas, digamos assim. Então, a vítima de homicídios por parte da polícia é também o jovem negro do sexo masculino. Mas, quando a gente olha as porcentagens, a gente vê que 99,5% são homens, 79% são negros e 75% são jovens, e isso considerando dados de quatro anos, entre 2010 e 2013, na cidade do Rio de Janeiro. Os dados foram acessados a partir do ISP, que é o Instituto de Segurança Pública, que forneceu esses dados desagregados por idade, gênero e raça/cor.
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Pode passar, por favor.
Além de apresentar esse contexto e esses dados estatísticos que mostram a escala do problema dos homicídios causados pela polícia no Rio de Janeiro e esse histórico, a Anistia Internacional decidiu fazer uma análise mais precisa de como acontece essa morte e o que faz com que ela não seja investigada e não seja levada à Justiça.
Para isso, a gente identificou qual a área na cidade do Rio de janeiro que apresenta o maior número de registro. A cidade do Rio, para fins de gestão da segurança pública, é dividida em AISPs, Áreas Integradas de Segurança Pública, que são as áreas de atuação dos batalhões da Polícia Militar e das delegacias de Polícia Civil.
A área que, em 2014, apresentou o maior número de registros de homicídios decorrentes de intervenção policial foi a área do 41º Batalhão, que é essa área que compreende o bairro de Irajá.
Pode passar o próximo, por favor.
O que a Anistia Internacional fez? A gente identificou... Em 2014, tivemos 580 homicídios decorrentes de intervenção policial no Estado, sendo 244 no Município do Rio e, mais especificamente, 68 na área do 41º Batalhão. Dentro dessa área, a delegacia que teve o maior número de registros foi a área coberta pela 39ª Delegacia de Polícia, com 43 registros. E, dentro dessa área, a Anistia Internacional escolheu a favela de Acari, que teve 10 registros de homicídios decorrentes de intervenção policial em 2014.
Então, a Anistia Internacional foi diminuindo a escala e colocou uma lupa no que aconteceu em Acari.
A Anistia Internacional realizou 14 visitas a Acari, com diversas entrevistas com testemunhas oculares dos casos, familiares de vítimas, outros moradores de Acari e defensores de direitos humanos e lideranças locais.
A Anistia também teve acesso aos registros de ocorrência da Polícia Civil, embora não tenha tido acesso aos laudos periciais sobre essas mortes. E o que a Anistia Internacional viu - pode passar, por favor, o próximo eslaide - foi que, nessas 10 mortes decorrentes de intervenção policial em Acari em 2014, os registros de ocorrência descreviam uma dinâmica do fato de que teria havido confronto e de que os policiais teriam matado em legítima defesa, respondendo ao que eles chamam de "injusta agressão".
A Anistia Internacional, dos 10 casos, conseguiu documentar nove. Nos nove casos documentados pela Anistia Internacional houve fortes indícios de execuções extrajudiciais. Ou seja, o que aconteceu pode ter sido muito diferente do que está registrado no registro de ocorrência da Polícia Civil.
Pode passar, por favor.
A gente trouxe esse mapa de Acari. As bolinhas em amarelo indicam os locais onde essas mortes aconteceram.
Ao caminhar por Acari, você vê que muitas delas aconteceram em locais muito próximos. Os moradores de Acari convivem, na verdade, com essa violência letal da polícia de forma cotidiana. Essas mortes aconteceram muito próximas uma das outras, e Acari é uma favela que tem um histórico de violência por parte da polícia e por parte de grupos de extermínio. Em julho deste ano, foram marcados os 25 anos da chamada "chacina de Acari", em que 11 meninos e meninas foram desaparecidos e seus corpos nunca foram encontrados.
(Soa a campainha.)
A SRª RENATA NEDER FARINA DE SOUZA - E uma das mães de Acari, a Edméia, que lutou por justiça por causa do desaparecimento desses meninos, foi morta em 1993, e seu caso não foi levado a julgamento até hoje, mesmo 22 anos depois.
Pode passar, por favor.
Não vou entrar nos detalhes dos casos, mas quero falar um pouquinho sobre como essas mortes aconteceram.
Dois desses nove casos documentados pela Anistia aconteceram numa situação conhecida como Troia. Essa situação faz uma alusão ao Cavalo de Troia, o nome faz alusão a isso. Os policiais se escondem em uma determinada casa e ficam ali por muitas horas esperando uma determinada pessoa passar para, então, intencionalmente, executar essa pessoa. Foi isso que aconteceu com o Marcelo e o Davi.
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É importante nós dizermos que a maior parte desses nomes, na verdade, são nomes fictícios, porque as pessoas entrevistadas pela Anistia pediram que permanecessem no anonimato e pediram que esses nomes não fossem revelados publicamente.
No caso do Davi, por exemplo, essa foi uma morte que aconteceu às 11h da manhã. Os policiais estavam escondidos nessa casa que está aí na foto. Os policiais atiraram nele, que ficou ferido, mas conseguiu rastejar por alguns metros. Os policiais desceram da casa e cercaram o corpo dele. Dezenas de pessoas se juntaram ao redor dele. Os policiais não deixaram que fosse prestado socorro, agrediram a mãe do Davi nesse momento, ameaçaram matá-lo enquanto ele ainda agonizava... No final, ele sangrou até morrer, por omissão de socorro, com dezenas de pessoas ali ao redor pedindo que socorressem esse menino, esse rapaz.
O corpo dele só foi retirado dali por volta das 4h da tarde, quando, finalmente, numa das raras ocasiões em que isso acontece, a Polícia Civil chegou para fazer perícia no local. Isso é tão raro de acontecer dentro de uma favela que, quando a perícia da Polícia Civil chegou ao local, os moradores aplaudiram, vendo nisso um sinal de que talvez pudesse haver justiça para esse caso, embora o caso não tenha sido investigado e os policiais tenham feito o registro como de resistência.
Pode passar, por favor.
Em alguns casos, em muitos relatos, as pessoas dizem que a polícia simplesmente entrou atirando. Isso é recorrente. Isso é recorrente não só nos casos de Acari, mas em outros casos documentados pela Anistia, já há vários anos, no Rio de Janeiro. A polícia simplesmente entra atirando, sem haver nenhum motivo para isso, sem estar havendo um tiroteio naquele momento.
Pode passar, por favor.
Em outros casos, o que aconteceu é que as pessoas já estavam feridas ou rendidas ou não estavam armadas. Portanto, em nenhuma dessas situações, elas apresentavam um risco à vida do policial ou à vida de terceiros. Os policiais, ao acharem que essa pessoa era suspeita de cometer um crime ou que havia cometido um crime e estava em flagrante, em vez de levar preso, intencionalmente, efetuaram mais disparos, executando essa pessoa.
Eu vou, rapidamente, falar de um caso em que um menino correu da polícia, levou um tiro, caiu no chão. Quando o policial chegou perto, o menino levantou a mão e falou: "Perdi! Perdi!". O policial, em vez de prender o rapaz, antes de dar um tiro, ainda falou: "Perdeu nada! Eu vim buscar a sua alma". Aí executou esse menino.
Uma pergunta recorrente tanto das testemunhas quanto dos familiares é: por que não prenderam? Por que mataram? Precisava matar? E essa é uma pergunta que nós precisamos nos fazer em relação ao uso da força letal por parte da polícia.
Pode passar, por favor.
Pode passar.
Existem vários outros abusos que aconteceram em Acari por parte da polícia. Ao longo dessa pesquisa, embora a Anistia Internacional estivesse pesquisando homicídios pela polícia, os relatos das pessoas trazem outras denúncias, como de pessoas que ficaram feridas permanentemente por causa do uso de arma de fogo, do caso da creche de Acari, que já foi, sistematicamente, alvejada em operações policiais, o que é muito grave, inclusive resultando no ferimento de uma funcionária da creche e de uma criança... Enfim, outras denúncias aparecem para além dos casos de homicídios e de execuções extrajudiciais.
Esse relatório também traz alguns casos de fora de Acari para ilustrar uma determinada dinâmica de atuação desses policiais que dificultam a investigação desses casos. Que dinâmicas são essas? Por exemplo, tentativa de alteração da cena do crime. Então, se há uma operação policial que resulta numa morte, os policiais, sistematicamente, removem esse corpo, impedindo que seja feita uma perícia de local, ou tentam criminalizar a vítima plantando armas e forjando, portanto, uma suposta resistência. Esse é o caso do menino Alan, morto por policiais militares na favela da Palmirinha no início deste ano, um caso que ficou bastante conhecido. A farsa só foi desfeita porque o vídeo do celular do menino Alan depois veio à tona, mostrando que o que aconteceu foi muito diferente. Os policiais disseram que tinham sido recebidos a tiros, quando, na verdade, três meninos estavam simplesmente conversando e brincando de filmar no celular na porta de casa. A polícia matou um deles e feriu o outro, que foi preso por tentativa de homicídio contra os policiais. Não fosse o vídeo, isso nunca teria vindo à tona e, provavelmente, o menino Chauan, que era o que tinha sobrevivido, estaria preso até hoje por tentativa de homicídio.
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No caso do Degê, que foi morto no ano passado por policiais da UPP, houve uma grande alteração da cena do crime. Há indícios de que seu corpo foi colocado em outro lugar, de que o corpo teria sido lavado, de que suas roupas teriam sido trocadas. Isso dificulta muito o trabalho da própria perícia para elucidar esses crimes.
Pode passar.
Não vou falar do caso do menino Eduardo porque a Terezinha, mãe dele, está aqui hoje e vai poder falar diretamente desse caso. É um menino de dez anos morto por policiais militares no Alemão.
E há o caso do menino Jonathan, lá de Manguinhos, também. A investigação desse caso só pôde acontecer porque os familiares se mobilizaram e não deixaram que o registro fosse feito como auto de resistência e o caso foi parar na Divisão de Homicídios.
Então, a mobilização de mães, de familiares e da comunidade é fundamental para que esses casos não permaneçam invisíveis e, portanto, não fiquem sob o manto do auto de resistência, mas sejam investigados como um homicídio.
Pode passar, por favor.
O último ponto que eu gostaria de levantar tem a ver justamente com essa não investigação e consequente impunidade dos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial.
A Anistia teve acesso ao status dos procedimentos administrativos relativos a homicídios decorrentes de intervenção policial em 2011. Foram 220 registros em 2011, com um total de 283 vítimas, porque, às vezes, um registro tem mais de uma vítima.
Quando a gente olha o que aconteceu quatro anos depois, em 2015, a gente vê que, desse total, só foi feita uma denúncia por parte do Ministério Público em relação aos policiais envolvidos nos casos, que houve 12 pedidos de arquivamento, sendo que é importante dizer que a maior parte desses pedidos de arquivamento foi por falta de provas, não por se constatar que, de fato, o policial não teria agido de forma lícita, que 21 casos foram enviados à Justiça por haver uma prisão em flagrante, não por terem algo a ver com o auto de resistência - ou seja, por outro crime que estava acontecendo ali -, e que, na verdade, em 183 casos, ou seja, a grande maioria, a investigação simplesmente permanecia em aberto, o que é chocante. Por quê? O homicídio decorrente de internação policial é um caso de homicídio de autoria conhecida. O policial faz o registro e diz que matou. Só que ele diz, muitas vezes, que foi em legítima defesa. Mas é um homicídio de autoria conhecida. E a Polícia Civil tem metas específicas para cumprir para a conclusão de inquéritos. Por que um homicídio de autoria conhecida, quando a Polícia Civil tem metas específicas a cumprir para a conclusão de inquéritos, permanece em aberto durante mais de quatro anos? Qual é o futuro dessas investigações se, depois de quatro anos, elas permanecem em aberto, sem nenhuma conclusão? Então, isso mostra um quadro chocante de impunidade. E essa impunidade, além de ser uma segunda forma de violência contra as famílias, é também uma carta branca que alimenta o ciclo de violência policial e da letalidade policial na cidade do Rio de Janeiro.
Pode passar, por favor.
Eu queria falar rapidamente que um elemento que também dificulta a investigação é a constante ameaça e intimidação às testemunhas, aos familiares das vítimas e aos defensores de direitos humanos que denunciam os casos de homicídios pela polícia.
Este é o Deley de Acari. Ele já foi ameaçado várias vezes. A casa dele já foi alvejada a tiros por policiais. Muitas das testemunhas e dos familiares que falaram com a Anistia Internacional pediram para permanecer anônimos justamente porque têm medo dessa retaliação.
Esse é um tema que precisa ser abordado, principalmente no contexto de uma precarização dos programas de proteção aos defensores de direitos humanos e proteção a testemunhas. O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos hoje é inexistente e o de proteção a testemunhas sofre muitos desafios, digamos assim. Então, este é um tema que precisa ser abordado, porque ele é fundamental para apuração e responsabilização dos casos de homicídios pela polícia.
Para fechar, só quero dizer que esse relatório traz cerca de 20 recomendações, muitas delas para o Governo do Estado do Rio de Janeiro, a Polícia Civil e a Polícia Militar, mas também faz recomendações ao Governo Federal e ao Congresso Nacional.
Ao Congresso Nacional a Anistia faz três recomendações específicas, mas ela, obviamente, está aberta a discutir muitas outras medidas que podem ser tomadas. Uma delas tem a ver com a aprovação do PL nº 4.471, que foca especificamente nos mecanismos de investigação dos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial ou crimes violentos cometidos por agentes do Estado, a outra tem a ver com a regulamentação do trabalho das ouvidorias de polícia, que devem ter mais independência e mais recursos para realizar a investigação dos casos de homicídio decorrentes de intervenção policial, e a terceira recomendação tem a ver com a incorporação, na legislação brasileira, de dois princípios internacionais: o Código de Conduta para Agentes Responsáveis pela Aplicação da Lei e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, ambos da ONU.
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Enfim, esse relatório também inaugura uma campanha, que é a "Diga não à execução", por causa desses fortes indícios de execuções extrajudiciais. Achamos que é muito importante a sociedade brasileira como um todo discutir que polícia é essa que queremos, que modelo de segurança pública é esse que queremos, que resulta em centenas de mortes todos os anos.
Enfim, ao olhar para frente, esperamos que todas as autoridades, na verdade, vejam esse relatório da Anistia como uma oportunidade de adotar medidas concretas para superar essa situação de violação de direitos humanos que denunciamos.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado, Renata.
Para aqueles que estão ligando a TV Senado agora, nós estamos aqui numa audiência pública para apurar os assassinatos de jovens no Brasil. Essa audiência está sendo interativa através do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800612211.
Ouvimos, portanto, a Renata, que representa a Anistia Internacional.
Vamos conceder a palavra à Srª Terezinha Maria de Jesus, uma das mães citadas no relatório "Você Matou Meu Filho! - Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro".
Com a palavra a Srª Terezinha.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Boa noite a todos!
Eu sou a mãe do Eduardo de Jesus Ferreira, que foi assassinado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. O meu filho só tinha dez anos. O meu filho só tinha dez anos e estava dentro de casa comigo assistindo à televisão. Quando ele ouviu a voz da irmã dele, Patrícia, chegando do trabalho, ele falou: "Mãe, Patrícia chegou!" Eu disse: "Tá bom, filho!" Ele continuou dentro do quarto assistindo à televisão. Quando deu o intervalo do que ele estava assistindo, ele saiu e sentou-se à porta de casa. Em questão de segundos, meu filho foi alvejado pela polícia. Eu ouvi um estouro. Antes desse estouro, eu o ouvi falando: "Mãe..." Eu tenho certeza absoluta de que meu filho ia se levantando para entrar para dentro de casa e a polícia atirou no meu filho sem defesa.
Eu corri para o lado de fora. Quando eu deparei com aquela cena horrorosa, eu entrei em desespero, gritando, pedindo socorro. Havia um pedreiro trabalhando na minha varanda e eu pedi a ele: "Me ajude a levar meu filho para o hospital". Ele só disse: "Seu filho já está morto". Eu não acreditei.
Quando eu olhei para a outra escada, havia uma fileira de policiais, cerca de 20 policiais, incluindo policiais do Bope, e eu não contei a história. Eu corri para cima deles e o primeiro da fila eu agredi a tapa e falei: "Você matou meu filho, seu desgraçado!" Ele falou: "Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar, porque eu matei um filho de bandido".
Meu filho não era filho de bandido,porque o pai dele trabalha de carteira assinada, e eu tenho como provar tudo isso. Ainda dizer que meu filho era bandido...! Meu filho estudava o dia inteiro em colégio de horário integral. Meu filho só tirava notas boas no colégio. Eu tenho tudo para mostrar. E eles ainda falaram que meu filho era filho de bandido!
Eles tentaram colocar arma no corpo do meu filho. E eu falei: "Se vocês colocarem arma no corpo do meu filho e ela tiver bala, eu te mato. E, se não tiver, eu jogo na sua cara". Eles falaram: "Então, vamos levar o corpo daqui". Eu falei: "Nem leva, nem coloca arma no corpo do meu filho, porque eu não vou aceitar isso".
Eu comecei a ligar para o pai dele pedindo socorro. Ele estava vindo do trabalho e não estava entendendo o que eu estava falando. Foi chegando gente na hora. Muita gente chegou e impediu que eles levassem o corpo do meu filho, porque eles queriam carregar o corpo do meu filho, mas eu não deixei.
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A minha filha tentou tirar a máscara de um deles, porque havia quatro deles encapuzados. Eu sei que policiais do bem não entram em favela encapuzados. Se eles entraram encapuzados, é porque eles não são policiais do bem. Eu continuo falando que esses policiais que entram encapuzados em favelas, que atiram em pessoas inocentes, que não perguntam, que matam primeiro para depois perguntar, são os verdadeiros bandidos fardados. Eu já disse isso e o meu esposo também. Eu continuo dizendo: eles são os verdadeiros bandidos fardados, porque meu filho não merecia morrer do jeito que morreu.
Ainda por cima, nós fomos ameaçados. Eu tive de mudar do Rio de Janeiro para o Estado do Piauí, perdi o meu emprego por causa deles, perdi a minha casa. Então, eu sou vítima do Estado do Rio de Janeiro duas vezes, porque eu também perdi a minha casa, pela qual eu lutei, suei para pagar por ela, e a perdi por causa do Estado do Rio de Janeiro e dos seus policiais mal treinados, que entram nas comunidades para matar inocentes.
Eles chegaram atirando. Não houve troca de tiros quando eles mataram o meu filho, às cinco e meia da tarde. Meu filho estava com um celular branco na mão e eles alegaram que era uma pistola. Ou seja, totalmente diferente de uma pistola. Eles atiraram no meu filho. Depois, alegaram que a arma caiu da escada e disparou. Mentira deles! Eles não caíram de escada nenhuma! Depois, falou que teve um surto psicótico, o que também é mentira. Eles são é covardes mesmo! Muito covardes! (Pausa.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Esse testemunho, naturalmente, mexe conosco: uma criança de 10 anos, com um monte de policiais, na porta da casa... É, realmente, de partir o coração.
Não tenha dúvida, Dª Terezinha, de que a gente fica sem palavras, mas sabe da sua dor, da dor da sua família, e, mais do que isso, pois muda todo um plano de vida. As pessoas se retiram, como ela teve de se retirar de onde ela havia construído os seus sonhos, o sonho da casa própria, o sonho da construção da família, com o seu marido trabalhando... Aí, de repente, o filho sai à porta e sua vida é ceifada.
Então, é com muita tristeza que a gente ouve aqui esses relatos. Agora mesmo alguém me entrevistou e perguntou se eu sou a favor ou contra a pena de morte. Eu disse: "Olha, eu só iria discutir pena de morte no Brasil depois que a gente resolvesse a questão das políticas públicas que não funcionam".
O dado que a Renata trouxe aqui, há pouco mostra que foram 56 mil mortes. E a maioria é de jovens negros. Sei lá se eles têm uma escola em tempo integral, se têm saúde, transporte, sei lá se a polícia respeita a família ou se eles têm tratamento diferenciado.
Nós já ouvimos aqui depoimentos, por exemplo, de militares, de coronéis... Ouvimos um coronel, na nossa última audiência pública aqui...
Esqueci seu nome. Por isso, peço ajuda aos nossos universitários.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos o Coronel Ibis Pereira, do Rio de Janeiro, que tem uma consciência absoluta. Foi uma contribuição fantástica que ele deu aqui para a nossa CPI. E aqui vem, claro, a Dª Terezinha dando esse testemunho, que nos deixa com muita tristeza.
Mas, continuando os nossos trabalhos, ouvindo os nossos convidados, nós vamos conceder a palavra, agora, à Srª Débora Maria da Silva, representante do grupo Mães de Maio.
Com a palavra, Dª Débora.
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Boa noite a todos e a todas!
Quero cumprimentar a Mesa na pessoa do Presidente e quero agradecer imensamente mais uma oportunidade de estar aqui passando para esta Comissão o que foram os crimes de maio.
Eu sou Débora, fundadora e coordenadora do Movimento Mães de Maio.
O Movimento Mães de Maio surgiu em 2006, após o assassinato do meu filho e de mais 600 jovens no Estado de São Paulo no espaço de uma semana. Foi dito pelo Governo do Estado que foi um ataque do PCC. Nós nos juntamos, depois de cair em depressão... Eu caí em depressão após a morte do meu filho, porque foi de uma maneira covarde que o meu filho foi assassinado, e não foi diferente dos outros jovens também. O modus operandi, todos, da mesma forma: geralmente com capuz, o que não é diferente do depoimento da Terezinha e não é diferente do que acontece até os dias de hoje.
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No dia 10 de maio houve um ataque do crime organizado às delegacias da Baixada Santista e da Grande São Paulo, mas começou na Baixada Santista. E no dia 10 de maio meu filho teve a boca operada. Ele arrancou um dente, o siso, e estava de atestado médico, mas trabalhou mesmo assim. Ele era um gari. Fazia sete anos que ele trabalhava nessa empresa de coleta urbana e prestava serviço à Prefeitura de Santos. Nesse dia, ele arrancou o dente, foi em casa depois da operação e, depois, foi embora, porque eu moro de aluguel e nós tínhamos comprado uma casinha para ele sair do aluguel, porque ele também pagava aluguel. Ele convivia com uma menina, mas não deu certo, e ele já estava separado há um ano. Ele achava que ela voltaria para ele, mas, quando eu vi meu filho triste, eu falei: "Ó, vou sair do aluguel". Ele disse: "Eu também vou sair". Nós compramos uma casinha. Pedimos um dinheiro emprestado no banco e compramos essa casinha.
Foi assustador, porque no dia 10 eu faço aniversário. Eu fazia aniversário. Eu não faço mais aniversário, para dizer a verdade. E no Dia das Mães, no dia 14 de maio de 2006, meu filho cantou "Parabéns para você". Foi a última coisa que saiu da boca dele. Ele me deu um beijo. Mas, mesmo antes de ele me dar um beijo para falar "mãe, tô indo embora", nós ligamos a televisão, depois de um churrasco com as minhas outras duas filhas e meu netos, inclusive com o filho dele, de três anos, ele chorou. Quando a gente ligou a televisão, ele chorou a morte dos policiais que estavam sendo assassinados no Estado de São Paulo. Inclusive, não sai do meu ouvido, do meu cérebro, o barulho da corneta quando aquele caixão do bombeiro que foi assassinado... A mãe gritava em cima do caixão do filho. E ele chorava junto. Só que ele foi embora. Eu fui levar um pedaço de bolo do meu aniversário para a vizinha, e ele falou assim: "Eu não vou ficar aqui, mãe, porque a senhora vai ficar escutando o jornal". Porque eu tenho mania de escutar o jornal. Eu ligo a televisão só para ter contato com o jornal. Nada mais que isso. Eu gosto de ficar bem atualizada sobre o que está passando, mesmo que as nossas televisões não sejam 100% confiáveis. Enfim... Mas ele pegou e foi embora. Eu falei: "Não, não vou ficar escutando". Ele falou: "Mãe, eu tenho que trabalhar". Aí foi que eu descobri que o meu filho estava trabalhando de atestado médico, mesmo com 15 pontos na boca. Eu falei: "Fica, Rogério". Ele falou: "Não, mãe. Se eu ficar aqui, eu acordo e estou com o corpo quente. Vou trabalhar, vou pegar friagem... Eu vou embora". E ele foi embora. E eu ainda falei assim: "Filho, cuidado com a sua vida. Ó como está o clima".
Quando foi na segunda-feira, um policial da família, por volta das 8h10, por aí, ligou para minha casa dizendo que houve uma chacina num bairro próximo da minha casa e que quatro pessoas foram assassinadas. Só que ele falava, falava dessas pessoas assassinadas, mas ele não falava por que ele estava me dando aquela notícia e por que ele queria que eu fosse ver quem morreu, enfim... Aí, eu que cheguei e falei para ele: "Você quer que eu vá lá ver se o seu nome está envolvido?" Ele falou: "É". E eu fui. Quando eu cheguei lá, eu deparei com os meninos que foram assassinados, os familiares, as reportagens todas, lá no bairro, mas uma repórter de uma televisão falou que ao meio-dia iria haver toque de recolher, no dia 15 de maio de 2006. Eu, quando escutei essa repórter falando - também não escutei o nome desse policial envolvido -, eu peguei e fui buscar meu neto, porque a creche tinha dado toque de recolher e mandou as mães buscarem os filhos. Eu tinha que pegar meu neto porque minha filha estava trabalhando. Aí, fui buscar meu neto. Só que, quando eu estava na metade do caminho, eu lembrei que eu estava a pé - olha o pânico que eu fiquei por causa do toque de recolher! -, eu lembrei que eu estava a pé, que eu não estava de bicicleta, porque eu era acostumada a buscar ele de bicicleta. Mas, mesmo assim, eu continuei. Mas eu olhava muito para o céu, porque eu via o Águia da polícia muito focado naquela direção e eu achava que era naquele bairro que eu tinha ido mais cedo, mas não era, era no IML. No IML estavam vários corpos, mas, até então, eu não sabia que era no IML.
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Bom, eu peguei meu neto, eu entrei no ônibus e comecei a gritar dentro do ônibus perguntando se aquele ônibus, se aquela linha já tinha sido queimada. O motorista falou: "Calma, dona, essa linha ainda não foi queimada." Porque vários ônibus foram queimados naquela época. E eu peguei, fui, desci perto da minha casa e não liguei para o policial de volta. Eu jamais liguei para o policial de volta, porque eu acabei me entretendo, porque minha filha trabalhava como agente de controle de vetor e também chegou - a mãe desse menino que eu fui buscar na creche - e falou: "Mãe, tem um monte de ônibus queimando perto da minha casa, mas, mesmo assim, eu vou embora. Vim pegar o meu filho e vou embora" E aí ela ligou para o marido dela. Quando ela ligou para o marido dela - o marido dela trabalhava numa oficina de bicicleta -, ele falou assim: "Ligaram para cá agora e mandaram fechar as portas, senão eles vão metralhar as portas".
Então, o toque de recolher, no dia 15 de maio, não foi o toque de recolher dado pelo crime organizado, mas, sim, pelo Estado, porque, senão... Logo em seguida que ela foi embora, eu liguei para a mulher desse policial e perguntei: "Cadê ele?" Ela falou: "Madrinha, ele não consegue dormir dentro de casa. Ele foi dormir no batalhão". Eu falei:" Avisa que eu cheguei". Aí, ele, rapidamente... Ela deve ter entrado em contato com ele, porque muito rápido ele ligou para mim. Só que eu queria saber o que estava por trás de ele me mandar ir àquele bairro saber quem eram os meninos que tinham morrido e o que é que estava por trás dessa conversa. E eu falei para ele: "Olha, o seu nome está rolando". Aí ele abriu o jogo. Aí ele abriu o jogo e falou assim para mim: "A gente já não aguentava mais". Ele disse "a gente". Ele não falou diretamente que estava envolvido, ele falou essa palavra: "A gente já não aguentava mais esse menino estar em todas as esquinas falando que matou um policial, que fez o policial se ajoelhar, que colocou o revólver dentro da boca..." Ele pegou e falou isso para mim. Aí, ele, bem abertamente, falou: "Avisa para as pessoas de bem não ficarem na rua, porque quem estiver na rua é inimigo da polícia e o aço vai comer. Não avisa para lixo! Lixo deixa conosco!" Eu tomei aquele choque, porque, em seguida, ele falou assim: "Avisa para o seu genro, que é um trabalhador, para ele não ficar marcando bobeira na favela. Manda-o ficar dentro de casa". Mas ele não falou nada do meu filho, nem nada. Ele não falou assim: "Ó, o seu filho também tome conta. Manda-o ficar bem tranquilo dentro de casa, porque quem estiver na rua é inimigo da polícia". Ele desligou o telefone, e eu tentei ligar para o meu filho para avisar, ligar para minha filha, mas a Telefônica estava muda. Aí eu liguei para o 102 e eles falaram assim: "Nós estamos inoperantes". Eu perguntei: "Por quê?" Pim-pim-pim era o que dava. Aí eu achava que eles vieram e, em vez de cortar o telefone da vizinha, cortaram o meu. Aí eu peguei e fui para o meio da rua.
O meu marido é funcionário da Câmara Municipal de Santos.
A Guarda Municipal ligou para a nossa casa dizendo que não era para ele ir trabalhar, porque foi dispensado todo mundo. Então, o toque de recolher foi geral no Estado de São Paulo. O Estado de São Paulo colocou a população para dentro de casa para não ver a carnificina que foi feita naquela noite e para não ver o que seguiu após o dia 15. O que aconteceu no dia 15? A gente só ouvia as notícias de pessoas vindo embora, correndo, se atropelando, o metrô, ônibus, e ninguém no meio da rua, ninguém no meio da rua.
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E, mais ou menos, às sete horas da noite, o Secretário de Segurança Municipal, Coronel Perrenoud, vem ao jornal local e diz à população que ela poderia estar despreocupada, que Santos estava guardado. E foi o dia em que mais se matou, inclusive meu filho.
Às onze e meia da noite, chega meu filho. Ele chega em casa... Onze e meia, não; dez para as dez - onze e meia foi o horário do assassinato dele. Às dez para as dez, ele chegou em casa atrás da amoxicilina. "Mãe, eu vim buscar minha amoxicilina." Eu falei: "Filho, por que você veio numa situação dessa? Não tem ninguém no meio da rua." "Eu não devo nada para a polícia, mãe." Aí eu passei o recado do policial da família. Ele falou: "Eu só vim aqui pegar a amoxicilina e já vou embora correndo, vou embora correndo." Eu falei: "Fica, fica, fica." Ele disse: "Não, mãe, eu vou embora. Eu vou embora porque eu vou trabalhar." O problema dele era só o trabalho.
Ele foi embora, e a gasolina da moto dele acabou. O frentista do posto de gasolina... Eu não estava lá; eu estava em casa quando ele foi embora e não podia ter visto. Mas, no depoimento do frentista, ele fala que meu menino chegou empurrando a moto e que o posto estava fechado por causa do toque de recolher. O frentista não quis vender a gasolina, e ele pediu socorro. Segundo o frentista, ele atravessou a rua, pegou um orelhão, tentou ligar para o menino e conseguiu. Aí ele pegou... Quando o menino chegou ao posto, já havia duas viaturas: a força tática e um gol - na época, eles usavam o gol. Os policiais abordaram o meu filho, dando tapa na cara, pontapé. Depois, ele dispensou o menino, porque o menino falava que era trabalhador. Ele falou: "Morreu! Você é ladrão. Morreu! Você é ladrão." Meu filho saiu do posto e ia fazer esse percurso. Com certeza, meu filho não mentia, porque isto eu ensinei a ele: doa a quem doer, fale a verdade. Meu filho falou para os policiais que ia buscar gasolina no portal, que era do outro lado do morro. Foi o percurso que meu filho fez e também foi o percurso que a viatura fez. E, em mais de mil metros, meu filho foi assassinado.
Meu filho foi assassinado com o capacete. Meu filho foi assassinado! Ele foi abordado e tombou do muro para o asfalto. Meu filho caiu por cima de umas pedras - depois que eu descobri. No velório dele, o menino que veio socorrê-lo falou: "D. Débora, eu não posso aparecer. Eu vou sumir porque eles viram a minha fisionomia. Eles vão me matar, porque eu sou testemunha ocular deles." O menino foi embora e só foi ao velório falar isso. No velório, o carro preto... Eu estava meio grogue, mas as minhas irmãs falaram que o carro preto não saiu de frente do cemitério, e as viaturas passavam cantando pneu. Quando a população ia lá visitar o corpo do meu filho e voltava para o bairro, onde aconteceu a primeira chacina, no dia 14, as pessoas diziam que os policiais militares estavam todos encapuzados e corriam de volta para o velório.
No dia seguinte, a matéria que saiu no jornal publicou "ex-presidiário", mas eles focavam muito meu filho. Eles deveriam focar, logo em seguida - depois a minha companheira vai falar -, a grávida de nove meses que eles mataram antes do meu filho, mas eles não focaram. Eles focaram, porque, com certeza, o policial da família falou que eles mexeram com o filho de uma mãe errada; que a mãe ia para cima de toda a corporação, do Estado, porque a mãe não temia. E essa mãe era eu.
Qual foi a surpresa? Eu pedi a câmera de monitoramento do posto de gasolina - a Polícia Civil não a retirou -, porque eu queria saber se a viatura que socorreu o corpo do meu filho foi a mesma viatura que o abordou, porque eu tenho certeza de que foi. Eu fui ao Ministério Público falando que não recolheram a fita de monitoramento do posto, e o Ministério Público mandou a Polícia Civil retirar. Eles não retiraram... Só retiraram depois de um mês, quando eu fui ao seccional - juntamos as mães e fomos ao seccional. Foram chamados o dono do posto e os funcionários, quando houve esse depoimento - depois de nove meses, nós tivemos o conhecimento desse depoimento do frentista. Isso me chamou muito a atenção, porque, quando falei com o promotor, eu disse assim: "Nós gostaríamos de saber o percurso dessas viaturas que estavam de plantão; quem eram os policiais; que armamento eles usaram, quantos projéteis foram deflagrados e qual o percurso".
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A gente queria saber, porque eles entregam... Na entrega do plantão, eles têm um tipo de gráfico que eles fazem.
E qual foi a surpresa quando eu recebi a cópia desses depoimentos? Todos os nove policiais que foram identificados, as três viaturas... Eles só não falam que no percurso que eles abordaram o jovem no posto de gasolina, porque foi esse jovem que eles assassinaram. As outras viaturas que davam apoio, eles falam que foram chamados via Copom (Central de Operações Policias Militares), para atender uma ocorrência de homicídio. Depois, eles mudam a versão. Mesmo o condutor do BO muda a versão, falando que foi chamado para atender a ocorrência de um acidente de moto.
Veja: nove policiais. Segundo o Ministério Público, o homicídio é individual. Não se trata de individual; trata-se de coautoria, porque se eles tinham ciência de que tinha sido assassinado um trabalhador... O meu filho estava com o holerite do mês no bolso, com a funcional no bolso, mas não era isso o que eles abordavam, o que queriam saber. Eles queriam saber de armamento e por que desobedeceu o toque de recolher que foi dado por eles.
Então, foi a minha peregrinação. Depois de dez dias do assassinato do meu filho que eu fui retirar a moto dele, porque a delegada falou que tinha perícia, pois ele morreu do lado da moto. Eu encontrei dentro do tanque de gasolina do meu filho uma substância branca que eu testei, coloquei na boca e era açúcar.
Não teve perícia nesse açúcar, não teve como saber do pátio quem foi que colocou. Segundo um policial do pátio, se jogou, jogou no distrito. No distrito, não jogaram esse açúcar, porque a moto veio de guincho, e o açúcar, com o balançar da moto, iria se misturar com o resto de gasolina que estava no fundo do tanque. Nunca eles perguntaram para os funcionários do pátio o porquê de aquele açúcar ter ido parar ali; de como aquele açúcar foi parar ali. E eu tive de sair com a moto do meu filho, depois de dez dias, empurrando. Passei pela maior humilhação.
Falei para eles que o meu filho não era do PCC, que meu filho era um trabalhador, que meu filho trabalhava, prestava serviço, como eles prestavam, para a prefeitura de Santos e que aquilo não ia ficar assim. Eu ia procurar, até fora do Brasil, a justiça pelo meu filho, a justiça pelos 600 jovens assassinados pelo Estado de São Paulo, pelo braço armado do Estado e pelos grupos de extermínio, que até hoje, usam o mesmo modus operandi.
São 600 jovens assassinados em uma semana; todos os inquéritos arquivados. Depois, quando chegou no dia 25 de maio, após esses assassinatos, o fórum do Ministério Público da capital manda um ofício para o Comando Geral da Polícia Militar... Mesmo que o Comando da Polícia Militar venha a público, falando que o Copom, o 190, estava quebrado desde o dia 26 de abril... E nós mostramos e provamos que esse Copom foi apagado para não ver a resistência dos homicídios que aconteceram na semana.
E nós conseguimos provar, mas não conseguimos chegar a quem foi que apagou as ocorrências policiais. Veja bem, o condutor do BO desmente, cai em contradição, e nada disso foi punido. E o que tinha no ofício era o fórum da capital, dos promotores, parabenizando a Polícia do Estado de São Paulo por restabelecer a ordem. E essa ordem foi restabelecida matando mais de 1.300 jovens no mês de maio de 2006.
Houve uma retaliação, e, em abril de 2010, saiu uma série de matérias que estão no blog Mães de Maio, abril de 2010, no qual o jornalista entrevista dois integrantes do grupo de extermínio, que vêm matando desde 80. Ele falou que tanto os policiais aposentados como eles, os da ativa, mataram em maio de 2006.
Então, foi a história dos crimes de maio que não foi contada. O Governo do Estado de São Paulo não quer assunto quando a gente fala dos crimes de maio. E estamos aí: perdemos três mães, todas as três com câncer no útero, nas trompas, no ovário, e uma com depressão.
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Vimos meninos que, no dia do enterro, passaram na peneira de Santos, de profissionais, menino que saiu do colégio no toque de recolher e morreu com mochila nas costas, e até hoje não temos respostas, porque o que foi dito no pedido de arquivamento desses inquéritos é que as incansáveis mães não tiveram como provar que foi a polícia ou o crime organizado quem matou nossos filhos.
Em 2010, fizemos o pedido de federalização desses crimes. O meu filho foi enterrado com um projétil na espinha cervical, uma das peças fundamentais para o exame de investigação de execução sumária; e ele foi enterrado. Depois de seis anos que pleiteamos a exumação do corpo do nosso filho - que só foi concedida em 2013 -, nós conseguimos retirar o projétil alojado na espinha cervical do meu filho. Está dentro do processo que está no Gaeco, uma investigação em que ele alega que não consegue chegar na autoria, porque não tem mais perícia, não consegue atingir mais nada e que ficou prejudicada. É um absurdo que, em todas as mortes de maio de 2006, não houve perícia. Os policiais tiraram os corpos, como tiraram do meu filho, para prejudicar as vítimas.
E nos deparamos, nos exames cadavéricos... Observamos e tivemos que nos adequar a esse sistema e investigar por conta própria. Vimos cada absurdo nas conclusões, tanto da perícia, que não houve perícia, como do próprio Ministério Público. É inaceitável que o meu filho tenha morrido, e eles não tenham retirado o projétil da espinha cervical do meu filho; como o da Ana Paula, grávida de nove meses: eles falaram que ela era do sexo feminino e que estava só com o útero fértil, mas não falaram que estava de nove meses. Também 54 exames cadavéricos que falam resistência seguida de morte, que é o laudo que eles dão no Estado de São Paulo. E menino com tiro na nuca, de curta distância, de cima para baixo; com tiro na mão - tiro na mão significa ele tentando se proteger. Também nos deparamos com o Estado pedindo o arquivamento de todos os inquéritos, porque veio por parte do Ministério Público.
O Ministério Público Federal, no dia 7 de abril deste ano, ouviu a maioria das mães de maio e a maioria das "mãe dos maio", porque o movimento Mãe de Maio é uma rede nacional. O que aconteceu em Acari nós acompanhamos. Para que as mães de Acari conseguissem o atestado de óbito dos desaparecidos, filhos delas, tivemos que parar a Linha Amarela e a Linha Vermelha, na caminhada até Vigário Geral. Esse movimento Mães de Maio completa, no ano que vem, dez anos sem resposta. (Palmas.)
A resposta da federalização. Não admitimos que estamos entrando no segundo mandato do Procurador-Geral, passamos por 12 mandatos, do ex-Procurador-Geral Gurgel e não temos uma resposta, sim ou não, do pedido de federalização, da transferência de competência.
Agora, no final de abril, denunciamos para a OEA, porque é inaceitável onde se mata que se precise que a Universidade de Harvard venha ao Brasil fazer um estudo; mesmo que a Subprocuradora da República tenha feito a tese de doutorado dela em Harvard e pesquisado esses crimes e visto o absurdo que aconteceu nos exames de perícia, que não houve.
Então, estamos lutando e não conseguimos enterrar a mãe, porque o Estado não matou só o meu filho; ele arrancou minhas trompas, meu útero e meu ovário, e o tiro que acertou o coração do meu filho acertou o meu, mas não acertou o meu cérebro para pensar. Vivemos em um País genocida, mas acreditamos na transformação. Para o meu filho, só a justiça, mas, para os que estão vivos, queremos essa transformação de basta de genocídio no nosso País. Não aguentamos mais.
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Se houvesse punição, em maio de 2006, não teríamos a polícia e grupos de extermínio que atuaram em maio acontecendo e matando, como está em Osasco, no mesmo modus operandi: passa uma viatura, vê se está tudo bom, para poder o grupo de extermínio vir, e eles acompanharem. Não foi diferente porque o histórico deu certo em maio, e está dando até o dia de hoje.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Portanto, ouvimos o relato da D. Débora e a sua luta incansável em busca da justiça.
Cada hora mais, a gente se conscientiza da grande importância desta CPI, que tem uma responsabilidade muito grande de ajudar essas mães, essas pessoas, em busca de elucidar, fazer justiça, evitar, como ela falou, que outras mães, outras crianças, outros jovens também sejam vitimados por um procedimento tão errado como esse.
Nossa última convidada é a Srª Vera Lúcia Gonzaga, a quem concedo a palavra.
A SRª VERA LÚCIA GONZAGA DOS SANTOS - Boa noite. Eu sou a mãe da Ana Paula. A Ana Paula tinha 20 anos, estava na segunda gestação. Ela tinha uma filha de dois anos e estava grávida de uma segunda menina que se chamaria Bianca. Naquele dia, nós trocamos o dormitório dela, montamos o berço, o armário, o carrinho, porque a Bianca ia chegar no dia 16, às duas e meia da tarde. Cesárea marcada. Levei-a cedo para fazer o último ultrassom e marcar a cesárea, que a gente achou até que ela ia ficar, mas ela voltou para casa; o médico mandou ir no dia seguinte. Passamos o dia inteiro montando móveis, terminando de fazer as coisas que tinha de fazer. Quando foi por volta de vinte para as sete, ela quis tomar uma vitamina, porque à meia-noite ela ia entrar em jejum, e ela comia muito. E foi ela, o marido, o Ed, que é filho de filipinos, e mais outro, o meu genro, e o padrinho da menina que ia nascer; foram à Padaria Seara, que é próxima a minha casa, uma panificadora que ficava aberta 24 horas; vende-se de tudo lá. E eles foram. Quando chegaram na esquina, tinha um carro preto e tinha quatro pessoas tomando cerveja no balcão. Quando eles passaram, as quatro pessoas saíram e entraram no carro. E passavam por eles, paravam. Tem um canal que corta a cidade. Um dos meus genros falou: "Olha eles aí, eles vão parar a gente". Ele falou: "Ué, deixa parar, nós não estamos fazendo nada, só vamos comprar leite". E continuaram. Quando chegaram próximo a essa panificadora, é uma rua que tem vazão para os quatro lados da cidade, eles pararam o carro e já foram atirando. O meu genro e o compadre dela correram. Conseguiram fugir, e dois policiais correram atrás, atirando - que é conhecido do bairro - e dois ficaram com o casal. Houve uma discussão rápida, e meu genro falou que não era vagabundo; ele já foi agredido e levou um tiro na perna. O que estava atrás tentou dar um tiro no peito dele, ela entrou na frente, pegou no braço, ela caiu; ele levantou ela. Só que nessa de ele levantar ela, que ela estava muito forte e ela era alta, ele puxou ela. Quando ele foi virar ela, ela pegou o capuz dele e puxou. Então, ela viu quem era. E ali começou uma discussão muito rápida do meu genro implorando para que deixasse ela embora, que levasse ele, prendesse, fizesse o que quisesse, mas deixasse ela ir embora porque ela estava grávida.
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Ele deu uma gravata nela, colocando a arma, atirou e disse para ele: "Estava!", e soltou ela no chão. Ele se debruçou por cima. E ele tinha um jeito carinhoso de chamar ela de filha, tentando falar com ela.
Quem ouviu e viu disse que ele gritava: "Filha, filha, olha a nossa bebê! A Bibi vai nascer! A Bibi vai nascer!"
Eles metralharam o meu genro pelas costas. Todos os tiros deles foram pelas costas. Só um que foi na perna, de frente.
E deram dois passos, voltaram e atiraram na barriga dela, dizendo que filho de ladrão ladrão era. E, em seguida, os que fugiram chegaram em casa, falando que tinham pegado o Joey, mas da minha filha ninguém falou nada.
Nós corremos até lá. Havia umas 20 viaturas, todas em volta, e uma saindo. Aí, quando nós perguntamos do rapaz, um policial falou que ele já tinha ido para a Santa Casa. Aí, a minha filha mais velha falou: "E a moça que estava com ele, a grávida?" Ele falou: "Está tudo bem", seco.
Aí nós fomos para a Santa Casa. Chegamos lá, tomei um chá de cadeira de duas horas e meia, mais ou menos. Aí, veio um médico, uma enfermeira, querendo me dar uma injeção. Eu não aceitei.
Invadi a sala. Não foi o que eu esperava ver ali, mas já estavam os três mortos, né? Eles tentaram salvar criança; não conseguiram.
Dali, eles foram para o IML. Às 8h da manhã, eu cheguei ao IML também, e era para eu estar lá às 10h. Chegando ao IML, eles não queriam que eu entrasse, porque havia muitos jovens lá dentro. Porque foi um verdadeiro ataque de guerra. Eu nunca tinha visto isso na minha vida, nem em filme, para reconhecimento da minha neta, porque os dois eu já havia reconhecido.
Dali, o médico falou que não era para ter velório, que era a ordem. Era para pôr no caixão, enterrar e acabou. Eu falei: "Não, ela não é indigente, não é mendiga; ela tem família, não pode! Ela tem um nome!"
Aí, não sei se o médico ficou com dó, pela minha situação, pelo ocorrido, e ele falou: "Mãe, se eu liberar o corpo antes das 5h, a senhora vai ter que enterrar ela. Eu vou liberar o corpo 5h30." Eu falei: "Tudo bem, eu fico aqui."
Aí, teve aquilo: ou deixa a criança na barriga ou põe no braço; ou ela leva a criança na barriga, ou leva a criança no braço. Aí, optei pela barriga, porque tanta coisa já estava acontecendo, e os corpos não paravam de chegar.
Quando foi 5h30, ele liberou. Entre 7h30 e 8h, foi liberado o velório dela.
Aí, veio uma viatura, parou, atravessou na porta do velório da Santa Casa, pedindo documento, endereço de todos que estavam entrando, porque havia muitos adolescentes, muitos jovens de morro, do bairro onde a gente mora. E eu precisei ir até a porta e perguntar com quem que eu tinha que falar; se era proibido entrar num velório ou se tinha que fazer cadastro.
Aí o policial veio com ignorância, e eu falei para ele: "Por que que o senhor não entra lá para ver o que vocês fizeram, ou os seus amigos? Vai ter velório, sim!" Virei as costas e entrei.
O segurança achou melhor fechar um dos portões, porque são dois portões grandes. Fechou um dos portões; ficou só um meia folha fechada, aberta.
E os meninos que saíam do velório eram pegos e baleados. Inclusive, um morreu, agora, há pouco tempo; um dos últimos que sobrou numa cadeira de rodas.
Enterrei minha filha, enterrei meu genro. E, de lá pra cá, a gente não tem sossego, porque eu não perdi uma filha; eu perdi uma amiga.
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E qual não foi a minha surpresa, que, com cinco meses, foi arquivado o processo dela! Não teve investigação nenhuma; toda vez em que eu ia ao distrito, eles me perguntavam o que eu tinha descoberto, sendo que são eles que têm de descobrir alguma coisa; não eu.
Aí, desceu um delegado de São Paulo, Dr. Pereira e falou para mim: "Vera, é melhor você se mudar da sua casa". Eu falei: "Eu não vou sair da minha casa. Não fui eu que matei ninguém. Eu não matei ninguém. Ao contrário, eu dei a vida a minha filha, para vir uma...
(Soa a campainha.)
A SRª VERA LÚCIA GONZAGA DOS SANTOS - ... cambada de vagabundos tirar a vida da minha filha".
Quando foi no dia 26 de agosto de 2008, invadiram a minha casa e me prenderam como traficante do bairro. Então, dali ,eu comecei a ser a traficante. Eu já não era mais a mãe da Ana Paula. Eles carregaram a cabeça dela por uns oito meses como troféu no bairro, para intimidar a molecada. Se eles estavam pegando até mulher grávida, o que eles não iriam fazer com eles? E, na cadeia, fiquei três anos e dois meses, como traficante, sem dever nada a ninguém. Além de perder a minha filha, quem foi presa fui eu. Como eu disse ao juiz: "Quem deveria estar aqui não sou eu; quem deveria estar sendo ouvido não sou eu, mas quem matou a minha filha". Mas eu não tive essa sorte, porque, para cada policial, são dez civis; isso é certo. Quando se mata um policial lá na Baixada, imediatamente dez civis são mortos; eles não querem saber quem é. E para eles a lei é fácil, porque agora, na lei, se matar até a terceira geração deles, a pena dobra. Se são 15 anos de cadeia, viram 30. E para quem matou a minha filha? Qual é a pena dele? Cerveja? Vai curtir? Vai fazer festa?
E a minha neta de 11 anos? O que vou falar para ela? Já está na hora de falar para ela quem matou a mãe dela e a irmã. Eu vou dizer que são as pessoas boazinhas que param na porta da escola? Porque eles são bonzinhos e vão cuidar dela?
Eles não vão cuidar dela, nem de mim, nem de ninguém, porque ninguém dá ouvidos a uma traficante de peso. Se eu fosse a traficante de peso, eles não teriam me prendido, porque eu teria dinheiro para pagar minha liberdade; eu não chegaria nem na frente de um delegado, quanto mais de um juiz.
Hoje, eu penso mais: eu já fui presa, já perdi minha filha... Então, hoje, se eu morrer, não faz diferença, porque já me mataram e já fui enterrada junto com minha filha e minha neta. Mas eu vivo pela minha outra neta, que é uma negra muito linda de 11 anos.
Então, eu pergunto para vocês: Que país é este? Quem vai ajudar a gente? Porque até hoje nós não tivemos nenhuma ajuda - não é, Débora?
Todas as portas se abrem no auge de uma reportagem e se fecham em seguida, quando acaba. Então, está na hora. Ou vão esperar estourar uma guerra civil? Porque o braço armado é bem mais forte. Eles têm o poder e usam o manto da impunidade, e nós não. Eles têm ordem para matar, e nós temos ordem de morrer. Nós não temos ordem para matar. Eu tenho mais três filhos. Quem será o próximo? Só isso que eu queria saber.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Quem sabe onde o sapato aperta é quem calça. Não é?
Agora está chegando nossa Senadora Fátima, cuja presença registro aqui.
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O nosso Relator não chegou ainda, e nem a nossa Presidenta. Acho que terminamos aqui com nossos convidados.
Nós tivemos aqui algumas participações através do e-Cidadania. A Sheila Augusta do Nascimento Silva, de Minas Gerais, diz o seguinte:
Acho de extrema importância para o nosso país a discussão desse tema. É preciso abordarmos o despreparo das nossas polícias em lidar com nossa gente, buscando uma solução para que todo esse sangue derramado pelas mãos do Estado não fique impune, e que novos casos não ocorram.
Também uma cidadã, via Alô Senado, a Núbia Cristina Serqueira de Jesus, da Bahia:
É preciso mais cautela com esses cidadãos nas operações policiais que são feitas em regiões com grande índice de tráfico de entorpecentes. Há muitos relatos de confrontos entre policiais e traficantes em que um jovem inocente é morto.
Há várias outras manifestações, mas eu vou aqui passar alguns questionamentos para as duas Renatas, em nome do Relator.
Renata, para facilitar, as perguntas são longas, e para você memorizar, você vai, faz a pergunta e responde. Da Anistia é você.
Para a outra Renata, sobre o negócio do Igarapé, representante do Instituto Igarapé.
Você pergunta e responde em seguida.
A Senadora também quer se manifestar, para ajudar a gente a formatar e ajudar o nosso Relator Lindbergh. Isso tudo está sendo gravado. Por força maior, ele não pôde estar aqui presente ainda. Fique à vontade.
A SRª RENATA NEDER FARINA DE SOUZA - A pergunta é: "Qual a maior dificuldade encontrada pela Anistia Internacional na elaboração desse relatório?"
Eu diria que é ter acesso a determinadas informações. O Rio de Janeiro é um dos poucos Estados que publica com regularidade informações estatísticas sobre homicídios decorrentes de intervenção policial, mas, para esse relatório, a gente precisou acessar outras informações: fazer entrevistas com familiares de vítimas, testemunhas, moradores de favelas. Esse acesso à informação é difícil porque as pessoas, como eu relatei antes, têm medo de sofrer retaliações, têm medo de sofrer ameaças.
Em Acari, em particular, a memória do assassinato da Edméia, em 1993, foi um elemento trazido por várias pessoas, que falaram: "Não quero me tornar uma nova Edméia". Por isso, essas pessoas preferiram falar para a Anistia no anonimato. E a falta de acesso aos laudos periciais. Seria fundamental ter acesso às perícias, aos laudos periciais do corpo, perícias da cena do crime, nos casos em que houve. Tivemos acesso aos dados estatísticos, mas não tivemos acesso aos laudos periciais. Conseguimos, felizmente, entrevistar várias pessoas, mas esta é uma dificuldade. Encontrar pessoas dispostas a falar sobre tudo aquilo que viram nos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial é, com certeza, um grande desafio.
A segunda pergunta é: "Em determinado trecho do relatório, encontramos a seguinte afirmação: 'o controle sobre a atividade policial no Brasil é frágil'. Seria esse o grande gargalo na apuração de mortes praticadas pela polícia? O que falta para que o Ministério Público cumpra o papel que lhe cabe nesse controle?"
Acho que existem vários gargalos em relação à apuração de mortes praticadas pela polícia. Não é só a questão do controle externo da atividade policial. Eu enumerei alguns desses gargalos, dessas dificuldades, em relação à apuração, investigação e consequente responsabilização dos casos de homicídios pela polícia.
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Primeiro, a alteração da cena do crime. Apesar de estar regulamentado que a polícia não pode remover o corpo, isso acontece sistematicamente. Então, a remoção do corpo pelos policiais que praticaram o homicídio, a tentativa de criminalizar a vítima alterando a cena do crime, plantando armas para forjar a resistência, esses são alguns gargalos.
Outro gargalo é a falta de mecanismo adequado de proteção a testemunhas e a familiares das vítimas e pessoas em risco que venham a denunciar esses casos. Isso dificulta bastante as investigações.
No caso do Rio de Janeiro em particular, acho que há um outro gargalo, que é o tratamento diferenciado dado aos homicídios decorrentes de intervenção policial em relação aos homicídios em geral. O Rio de Janeiro tem uma divisão de homicídios para onde são encaminhados todos os casos de homicídio, mas os homicídios decorrentes de intervenção policial não são encaminhados para lá; ficam nas delegacias distritais, as delegacias de área.
Essa diferença nesse tratamento dado aos dois casos já mostra um pouco uma nova dificuldade da investigação desses casos.
Em relação ao Ministério Público, o Ministério Público é o órgão que tem a missão constitucional de exercer o controle externo da atividade policial. Mas onde está dito o que é exercer esse controle externo da atividade policial? A Lei Orgânica do Ministério Público não estabelece exatamente o que é isso. O que é esse controle externo da atividade policial? Então, ele tem a missão constitucional de realizar isso, mas, depois, não está detalhado de forma clara de que forma isso deveria acontecer.
Então, está sendo discutida em alguns espaços a necessidade, por exemplo, da criação de comissões de controle externo da atividade policial nos ministérios públicos de cada Estado. Esse é um elemento importante.
A Anistia faz recomendações específicas ao MP do Rio. Uma delas é a criação de uma força-tarefa, de um grupo específico de promotores dedicados a trabalhar sobre os casos de homicídios decorrentes de intervenção policial. Como existe, por exemplo, um grupo de promotores dedicados a trabalhar sobre casos relacionados ao crime organizado. No Rio de Janeiro existe esse grupo, que é o Gaeco.
Então a gente recomenda seja criado um grupo, nos moldes do Gaeco, para trabalhar especificamente os casos de homicídios praticados por policiais.
A pergunta três é: "Mais adiante afirma-se que a ilegalidade do comércio de drogas também estimula a corrupção policial. É possível dar uma nova perspectiva a essa guerra às drogas partindo de outro ângulo de enfrentamento? Tratar o uso de drogas como problemas de saúde pública mais do que de segurança pública seria uma perspectiva viável no enfrentamento do problema? Como seria possível enfrentar a cultura punitiva que marca as ações do Estado em torno do assunto?"
Embora esse tema específico não tenha sido objeto de pesquisa da Anistia Internacional nesse relatório, na parte da contextualização a gente fala bastante sobre isso. Uma política de segurança pública voltada para o confronto; pautada pela lógica da guerra às drogas; que foca suas atividades em incursões individuais diretas sobre as favelas e áreas periféricas para combater o comércio de drogas ilícitas; voltada para o confronto e, enfim, olhando o outro como um exército inimigo, essa lógica da guerra às drogas vitima centenas de pessoas todos os anos, inclusive policiais no exercício da sua função.
Então, o que a Anistia Internacional propõe ao trazer esse tema na contextualização do problema de homicídios causados pela polícia é que se abra esse debate. Vamos discutir uma outra política de segurança pública que esteja voltada para a valorização da vida, para a redução de homicídios, para a valorização da vida, inclusive a vida do próprio policial, que também é vitimado nessa lógica do confronto e das guerras às drogas. Esse debate precisa ser feito pela sociedade.
Esse modelo historicamente já mostrou que não só não é eficaz no combate às drogas, como também vitima centenas de pessoas todos os anos, inclusive os próprios policiais. Então a Anistia chama a sociedade para fazer esse debate.
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A pergunta número quatro: "Em relação às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), elas são compatíveis com uma política de segurança pública ampla e integrada com todas as áreas da cidade, com foco na redução de homicídios e no controle da atividade policial? Quais as experiências positivas advindas das UPPs e reproduzíveis em outros Estados?".
Importante é a gente dizer que a Anistia Internacional não fez uma avaliação específica do impacto das UPPs em todas as suas dimensões, mas houve um elemento na implementação das UPPs que é importante destacar: nas áreas onde elas foram implementadas, houve uma significativa redução dos homicídios praticados por policiais, mas essa prática não foi erradicada. O próprio relatório da Anistia Internacional traz alguns casos de homicídios, com fortes indícios de terem sido execuções, praticados por policiais das UPPs.
O caso do Johnatan em Manguinhos é um deles. Também tem o caso do Amarildo que é citado nesse relatório, torturado e desaparecido na Rocinha. Além do caso do Johnatan, há outro caso de Manguinhos, o caso do menino DG. Então, estatisticamente, a gente pode ver que nas áreas de UPP houve uma redução significativa dos homicídios praticados pela polícia em serviço. No entanto, ainda há casos graves de homicídios com indícios de execução praticados por policiais dessas áreas.
O que é importante destacar é: qualquer política de segurança pública, assim como qualquer política pública não deveria resultar em violações de direitos. Mesmo que existam avanços promovidos por essas políticas, que precisam ser reconhecidos, se existem violações de direitos humanos sendo praticados por agentes do Estado ou resultando na implementação de uma determinada política de segurança pública, a gente precisa continuar documentando isso, denunciando isso, para melhorar essas políticas públicas.
Pergunta nº 5: "Sob a perspectiva do policial que tem um emprego com alto grau de tensão diária e aparelhamento deficiente, quais providências podem ser adotadas para melhor capacitar esse agente de segurança?".
O treinamento das forças policiais é fundamental não só para garantir uma polícia que aja dentro da legalidade e que seja eficiente no seu trabalho de garantir a segurança pública, mas também para que ele próprio esteja atuando com a devida segurança e não se coloque em risco.
Sobre esse ponto específico, a Anistia Internacional acredita que é fundamental que as polícias adotem as diretrizes internacionais sobre o uso da força e armas de fogo e o código de conduta dos agentes responsáveis por garantir a lei. Esses dois documentos internacionais devem ser transformados em manuais, materiais de treinamento e capacitação e protocolos específicos, de preferência incorporados na legislação brasileira e são fundamentais para garantir não só uma polícia que faça o uso da força letal ou da força em geral apenas quando necessário e de forma proporcional, com isso, garantindo também a sua própria segurança.
Essa é uma das recomendações que o relatório faz inclusive para o Congresso Nacional; tem a ver com a incorporação à lei brasileira desses protocolos e diretrizes internacionais sobre o uso da força e armas de fogo e o código de conduta das Nações Unidas.
E a última pergunta: "Ao final do relatório constam as recomendações para o Governo do Rio de Janeiro, dentre as quais a condenação pública das violações de direitos humanos no contexto das operações policiais pelo uso desnecessário e excessivo da força por parte da polícia. Essa recomendação, a nosso ver, opera no sentido de provocar uma mudança na percepção social quanto à inadmissibilidade dessas mortes. Ainda nesse sentido, seria importante comprometer o Estado no que tange à necessidade de preservação da cena do crime para a perícia, inclusive cominando uma sanção sempre que isso não for respeitado? Falta legislação nesse sentido?".
Vou separar a resposta em dois. São duas perguntas, na verdade.
Em relação á condenação pública por parte das autoridades, isso é fundamental, na verdade. Quando as autoridades, sejam elas as chefias das polícias, o Comando Geral da Polícia e a Chefia da Polícia Civil, o governador, o secretário de segurança, ministros, enfim, membros do Legislativo, é fundamental que as autoridades em todos os níveis passem uma mensagem pública de que não vão aceitar que as polícias atuem na ilegalidade.
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Essa mensagem pública tem dois sentidos: de um lado, passa uma mensagem para os próprios policiais de que isso não vai ser aceito e de que eles vão tomar todas as medidas cabíveis para investigar, responsabilizar e prevenir que isso não se repita no futuro, mas também passa uma mensagem para a sociedade em geral.
Precisamos hoje debater esse slogan, digamos assim, que é muito forte ainda na mente de muitas pessoas no Brasil, de que o bandido bom é o bandido morto. Precisamos questionar isso.
Quando a Anistia Internacional traz esse relato das pessoas falando: "Precisava matar? Por que não prenderam?"... No Estado de direito, pessoas suspeitas de terem cometido um crime ou que estejam cometendo um crime em flagrante devem ser presas, devidamente investigadas e, se for o caso, responsabilizadas, mas tudo dentro do devido processo legal. Execuções extrajudiciais são inadmissíveis. Não podemos aceitar a barbárie. Não podemos aceitar que o policial não cumpra com o seu dever, que é o de agir dentro da lei. Ele não pode agir fora da lei e executar essa pessoa, e as autoridades precisam passar essa mensagem pública, e a sociedade como um todo precisa assumir esse debate.
Qual a polícia que nós queremos? Qual a política de segurança pública que nós queremos?
Em relação à última pergunta: ainda existem alguns lugares onde novas legislações podem ser muito importantes. De uma delas já falei, sobre as diretrizes e protocolos para uso da força e armas de fogo.
Em relação à preservação da cena do crime em si, já existem diversas leis, inclusive como falei, a portaria da chefia da Polícia Civil, no Rio de Janeiro; enfim, já existem diversos mecanismos propostos no papel que garantem isso - obrigação de que o delegado de polícia vá à cena do crime...
Agora, entre o que está no papel e a gestão disso, isso acontecer de fato, há uma lacuna muito grande às vezes. Por isso, grande parte das recomendações que a Anistia fez nesse relatório têm a ver com a gestão da segurança pública. Muitas das recomendações que fazemos são para o universo da gestão e não para o universo do Legislativo.
Achamos que medidas adotadas pela Polícia Civil, pela Polícia Militar, pelo Ministério Público e pelo Governo do Estado já seriam suficientes para avançar bastante nessa agenda, mas existem, sim, algumas medidas que podem ser adotadas. O PL nº 4.471 pode ser um avanço fundamental neste sentido da redução e responsabilização dos homicídios decorrentes de intervenção policial.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos a Renata responder aqui a um questionário praticamente feito pelo nosso Relator.
Antes de passar para a Renata Avelar, vamos ouvir um pouquinho a Senadora Fátima, que pediu a palavra.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Senador Telmário, serei breve. Quero cumprimentá-lo, quero cumprimentar nossas convidadas Renata Gianinni, pesquisadora do Instituto Igarapé; e Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional do Brasil.
Como integrante da Comissão, desde já ressalto o papel muito importante das entidades das quais vocês fazem parte. O papel que vocês desenvolvem no contexto da violência, da violação aos direitos humanos, o papel importante pelo trabalho qualificado que é feito, trabalho na verdade ancorado, Senador Telmário, em pesquisas muito sérias, muito consistentes.
Sem dúvida alguma, tanto a Anistia Internacional como o Instituto são entidades muito respeitadas. São entidades de referência no nosso País nessa luta nossa, no desafio que é exatamente a questão do combate à violação aos direitos humanos, em tela aqui hoje, exatamente, a questão da juventude.
Quero aqui saudar também de forma muito fraterna as mães, a Terezinha, a Débora, a Vera Lúcia, representante aqui do grupo Mães de Maio.
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Não pude estar desde o início, mas ainda fiquei vendo um pouco pela televisão, porque eu estava, nesse exato momento também, agora à noite, em outra atividade, mas escutei um pouco o depoimento aqui de vocês.
E quero só dizer o seguinte, companheiras; dizer da nossa solidariedade, dizer da coragem que vocês têm de vir aqui, expor a dor de vocês, expor a indignação de vocês, a revolta de vocês. É um drama muito pesado, de repente, alguém ver seu filho ser assassinado, Terezinha, inclusive, de maneira covarde, por aqueles, no caso, policiais, que, como agentes de Estado, deveriam dar proteção aos nossos filhos! E a gente, de repente, vê exatamente o contrário.
Então, aqui, além da nossa solidariedade, o fato de vocês virem aqui a esta Comissão Parlamentar de Inquérito... É importante trazer aqui o depoimento de vocês, repito, com toda a dramaticidade que isso tem. É importante esse depoimento para fazer constar aqui exatamente do nosso relatório, um relatório que queremos, ao final, que tenha resultados.
E qual é o resultado desse relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Assassinato de Jovens?
É que ele possa contribuir, primeiro, no sentido da reformulação que deve haver na legislação, e, ao lado disso, que ele possa contribuir naquilo que o Brasil clama, que é o combate à violação aos direitos humanos, o combate á impunidade etc. Quer dizer, aquilo com que todos nós sonhamos: queremos uma política publica de segurança, mas uma política pública de segurança que proteja os nossos filhos, proteja as nossas famílias, proteja exatamente o quê? A sociedade.
Então, fica aqui não só a minha solidariedade, mas, mais do que a minha solidariedade, fica aqui também o nosso compromisso, junto com o Presidente, com o Relator, com o Senador Telmário, com todos que fazem esta Comissão, da disposição que temos de que o relatório desta Comissão não seja um relatório qualquer; que esse relatório, ao final, possa contribuir - está entendendo? - nesta luta, neste desafio que é a questão do enfrentamento exatamente à violência.
E por fim, Senador Temário, quero dizer que, dando sequência aos nossos trabalhos, na sexta-feira, estaremos em Natal. Nós tínhamos apresentando um requerimento anteriormente, que foi aprovado, e, finalmente, a Comissão Parlamentar de Inquérito, a exemplo do que já fez em outros Estados, na sexta-feira, vai estar lá em Natal, lá no meu Estado, Rio Grande do Norte. E vamos fazer uma audiência pública lá, para que possamos exatamente também colher do Rio Grande do Norte, infelizmente, essa realidade, que é uma realidade também muito cruel do ponto de vista da violência.
O Rio Grande do Norte, a exemplo dos demais Estados do Nordeste, é um dos Estados onde a taxa de homicídios da nossa juventude mais do que duplicou nessa última década.
Então, nós estaremos lá na sexta-feira. Vamos realizar audiência na Assembleia Legislativa do nosso Estado, vai estar a Divaneide, a Secretária da Juventude; a Julianne Faria, a Secretária de Ação Social; a Secretaria de Segurança Pública. Nós vamos ouvir a sociedade civil; vamos ouvir o Observatório da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que também tem um instrumental de pesquisas acerca exatamente dessa realidade da violência com relação à juventude; o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente; o Sr. Marcos Dionísio, do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, enfim, entre outras autoridades tanto do Poder Público como da sociedade civil.
E o nosso intuito é que o Rio Grande do Norte possa também dar o seu depoimento, dar o seu grito de indignação, de revolta, para que, enfim, tudo isso venha na direção daquilo que nos move, que é dar a nossa contribuição, para que possamos avançar no que diz respeito ao Estado brasileiro ter políticas públicas efetivas de enfrentamento à violência contra a nossa juventude pelo País afora. Na hora em que a tragédia se abate sobre ela é principalmente a juventude mais pobre a mais atingida.
É isso e obrigada, Senador Telmário.
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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado, Senadora.
Sem dúvida alguma, é extremamente atuante a Senadora Fátima. Eu até digo que ela é a mãe da educação aqui no Congresso. E ela é muito dedicada a essa parte social. Fátima tem um trabalho belíssimo. E eu não tenho nenhuma dúvida de que, com essa ida, Senadora, ao Rio Grande do Norte, terra do meu avô querido, vocês vão poder catalogar algumas informações importantes para o enriquecimento do nosso trabalho, para que ele possa realmente refletir o Brasil inteiro, essas mazelas, esses arbítrios, essas irregularidades que infelizmente ainda acontecem.
Nós pagamos um imposto caro para ter uma polícia de garantia, de segurança, e, de repente, ao ouvir esses três depoimentos aqui, você se questiona muitas vezes: esse é o Brasil que nós queremos? Nós temos ou não temos a pena de morte? E não temos de forma sumária, sem um rito, em que a pessoa nem tem direito à defesa?
Eu ouvi rapidamente. Na fala de todas, estava a indignação, a dor, mas há esperança. Há esperança, Fátima.
Eu me lembro de que a Vera disse assim: "A gente espera um resultado".
Eu senti, Vera, na sua fala, nas entrelinhas, como quem diz: eu quero um resultado. Muitas vezes, a mídia vem e ouve, não sei quem vem e ouve, e, no dia seguinte, essa porta está fechada e vira uma caixa-preta. Não sai dali nenhum resultado.
Não é isso que nós queremos. Nós queremos, aqui, com a maior independência, a maior lisura e a maior responsabilidade que esta CPI tem, por todos os seus membros, todos os servidores... Todos estamos empenhados em daqui tirar instrumentos que possam aparelhar mais o Estado, que possam cobrar, adequar as normas e punir esses policiais violentos, criminosos, bandidos, pilantras, vagabundos. Eu até começo a perder um pouco...
Mas vamos falar de uma coisinha boa? Do reconhecimento da sociedade através do e-Cidadania.
O Murilo diz assim:
Grandes e corajosas mães de maio por darem a cara a tapa, quebrar os paradigmas e enfrentar os limites, já que estão vivas para contar a história nessa CPI. E que continuem vivas. Protejam elas e todos a todo custo!
Portanto, esse é o apelo da população que está nos vendo, interagindo, participando e pedindo em prol, naturalmente, de todas vocês.
A Renata Avelar ainda tem um questionamento do Relator. Ele precisa desses dados naturalmente para informar, não é, Renata? É para você contribuir. Faça a pergunta e a resposta.
Obrigado.
A SRª RENATA AVELAR GIANINNI - Obrigada, Senador.
Primeiro eu gostaria...
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - É bem rapidinho, Telmário.
O Relator, Senador Lindbergh, vai estar lá no nosso Estado na sexta-feira.
Desculpe.
A SRª RENATA AVELAR GIANINNI - Imagine.
Primeiramente, eu gostaria de agradecer as palavras da Senadora Fátima e dizer que nós, do Instituto Igarapé, estamos à disposição para contribuir com esse debate no que for necessário.
Foram feitas várias perguntas para mim, algumas delas não necessariamente sobre os projetos em que eu trabalho, com os quais tenho maior envolvimento, mas eu vou responder da melhor maneira possível.
A primeira: "Entre as experiências catalogadas pelo Instituto Igarapé no relatório "Política de Drogas no Brasil: a mudança já começou", que mapeia dez casos exemplares de rompimento com o ciclo da guerra às drogas, há indicação de que, por meio de medida legislativa, seria possível difundir essas práticas inovadoras?"
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Essa publicação destaca casos sob a ótica da redução de danos. Então, ela busca justamente sair da lógica da guerra às drogas, em que o mercado acaba sendo regulado pela violência, e não pelo Estado, e que tem justamente consequências sérias para a violência letal em nosso País. Nós não podemos separar essa questão da violência letal de uma política de drogas responsável. Então, certamente seria bastante importante difundir essas práticas inovadoras e os resultados que elas estão dando.
Na semana passada ou retrasada, nós lançamos uma nota técnica, porque todo esse debate gira em torno da falta de critérios definidos entre o usuário e o traficante. Lançamos uma nota técnica que procura determinar algumas quantidades mínimas, porque, da maneira como é feita atualmente, depende...
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Renata, só um pouquinho, um aparte.
Como eu sei que a Senadora Fátima tem um compromisso muito grande com isso, e aqui só estão mulheres, quero embelezar mais ainda esta Mesa no sentido de que as mulheres façam esse grito de alerta dessa dor.
Vou passar a presidência para a Senadora Fátima conduzir o processo.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Renata, pode continuar.
A SRª RENATA AVELAR GIANINNI - Então, justamente essa falta de determinação de critérios claros acaba prejudicando o jovem negro da periferia, que, enfim, usualmente é interpretado como traficante, e não como usuário, diferentemente de outros jovens de outras regiões, de outras cidades.
A segunda pergunta: "Quais os resultados do programa piloto Smart Policing que podem ser destacados? Há registros de resistência por parte dos policiais na utilização do aplicativo que permite filmar, gravar e localizar os responsáveis pelo patrulhamento nas localidades em que foi implementado? E como se dá o acompanhamento da sistematização das informações?".
Primeiro, vou falar um pouco do projeto. O Smart Policing é um projeto que nós estamos implementando com a Polícia Militar do Rio de Janeiro até o momento. Ele é o uso de câmeras no corpo dos policiais, justamente para que seja gravada toda a ação policial enquanto eles estão em patrulhamento. O objetivo desse celular, dessa câmera, é justamente melhorar essa responsabilização. Então, fica gravada o tempo todo a ação policial.
Trata-se de um projeto-piloto ainda, mas que já está em teste há mais de dois anos. Os dados são gravados no nosso servidor e no servidor da polícia. E nós analisamos os dados diariamente. No momento, estamos focados em fazer com que o aplicativo esteja funcionando e esteja gravando o tempo inteiro. Então, estamos trabalhando na melhora desse aplicativo. E não houve resistência por parte da polícia para utilizar o aplicativo, a câmera. Inclusive, foi visto e interpretado também como uma proteção para o próprio policial.
Eles fizeram alguns pedidos de melhoria, como, por exemplo, se o celular ficar deitado, como se o policial estivesse abatido, também para indicar. Então, aparece o comando; aparece o que aconteceu para o comandante da UPP, no caso. Então, o comandante da UPP vai ter acesso ao mapa que indica onde os policiais estão fazendo patrulha; vai caminhando ao vivo, e, assim, você consegue acompanhar essa patrulha. Depois, pode-se ter acesso às imagens da câmera para ver o que houve durante determinada patrulha. Já foi testado bastante no Dona Marta; na Rocinha, um pouco; no Alemão. Agora, eu não sei ao certo onde mais eles estão, mas posso trazer essas informações depois.
A terceira pergunta é: "Como o instituto planeja levar ao conhecimento dos responsáveis pela execução de políticas públicas o índice de segurança que revela a percepção de segurança ou da insegurança de crianças moradoras de áreas com alto índice de violência?".
Isso aqui se refere a um programa que nós temos, o Índice de Segurança da Criança, que é um aplicativo também que visa a captar a percepção da criança com relação a como a violência afeta o dia a dia dela. Então, a gente elaborou uma série de questionamentos a respeito do entorno da escola, da comunidade, enfim, e o objetivo é captar essa percepção da criança e alimentar políticas públicas com base também na participação infantil, porque, afinal de contas, as crianças também são importantes sujeitos dessa questão.
Nós fizemos um trabalho de campo já em Recife e no Rio de Janeiro. Também o fizemos em São Paulo, mas as análises que estão prontas são de Recife e do Rio de Janeiro.
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Também é um projeto-piloto em que nós estamos buscando aprimorar a obtenção de dados e a visualização deles em uma plataforma que pode também ser acessada com todos, mas a gente mantém um diálogo com diversas entidades do Governo para que os dados coletados a partir da percepção dessas crianças alimentem, automaticamente, políticas públicas também e não deixem de fora a importante percepção desse grupo.
E, finalmente, da captação de dados internacionais que o Instituto faz, que cidades se assemelham mais às brasileiras no que tange à violência contra os jovens? E na implementação de medidas capazes de reduzir o índice da violência enfrentada pela juventude negra?
A América Latina, de maneira geral, tem uma dinâmica de violência que, muitas vezes, está associada à questão das drogas. A gente observa que, na América Latina, o México, a Colômbia e, de certa forma, a Venezuela, mas por razões distintas, são os que apresentam maiores índices de violência letal.
Essa porcentagem de jovens que são mortos se mantém mais ou menos a mesma nesses países e nas cidades mais violentas. Inclusive, no caso do México, os índices são muito mais altos e são próximos à fronteira com os Estados Unidos. Ali tem uma relação também... A circulação de armas é muito maior, existe a questão dos cartéis... É extremamente complicado.
Agora, com relação à implementação de medidas capazes de reduzir índices de violência enfrentados pela juventude negra, eu queria comentar que a gente não fez esse recorte de raça no Observatório de Homicídios ainda porque a gente estava pensando numa comparação de dados globais. Mas é uma coisa que a gente ainda quer fazer.
O que é extremamente importante destacar é que existem alguns casos, nos Estados Unidos, em que a gente tem observado que existe uma confrontação grande também da questão da força policial e morte de negros, e o que tem se destacado lá como importante para a redução dessa violência é a utilização daqueles interruptores da violência, que é a captação de jovens ou outros que estiveram envolvidos em atividades criminosas, sua inserção numa metodologia de interrupção da violência e sua reinserção na sociedade para ter uma conversa com essa juventude e tentar impedi-la de ir para a criminalidade. Mas eu gostaria de destacar que acho que o principal aqui são iniciativas de prevenção da violência focadas na educação, na oportunidade de trabalho para essas pessoas e, quem sabe, até de realocação de espaço, de uma melhor integração desses espaços, que, em nossas sociedades, nas cidades brasileiras, às vezes, são marginalizados. Seria uma melhor integração entre os espaços da periferia com o resto da cidade.
Mas eu me coloco à disposição para poder, depois, aperfeiçoar e entrar em mais detalhes em cada uma dessas perguntas.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - O.k, Renata.
Nós queremos, agora, no encerramento dos nossos trabalhos, mais uma vez, agradecer...
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA (Fora do microfone.) - Senadora, eu queria fazer uma sugestão.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Sim.
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Posso fazer?
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Pode.
Como é o nome do senhor, por favor?
O SR. WALDIMIRO DE SOUZA - Waldimiro de Souza.
Eu dei meu sangue para construir alguns palácios em Brasília. Estou com fratura de crânio e estou vivo falando com os senhores, mas isso é uma contribuição... Eu fui amigo do Presidente Juscelino e tive acesso a decisões de governo dos pioneiros, que nós damos uma definição dos mudancistas.
A movimentação do homem do interior para integrar o Brasil na unidade linguística, porque a conquista mais importante do Brasil é a unidade linguística, a que nós não damos importância.
Eu quero dar os parabéns à senhora, porque a senhora participou daquele requerimento da Senadora Lídice da Mata sobre a obra de Milton Santos.
Eu estou tentando levar a obra de Milton Santos para uma discussão política e isso institucional, inclusive para a Anistia Internacional, porque ele contribuiu muito para as Nações Unidas, porque a obra de Milton Santos é um indicativo interessante na engenharia, na arquitetura, no humanismo, na medicina preventiva, na história, na filosofia, e ninguém, nenhuma universidade... Um professor do Estado da senhora, um geógrafo fez uma conferência para nós lá, e ele foi um dos participantes, e nós não levamos a sério. Nem o Parlamento, nem o Supremo...
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Eu levei a todos os Ministros do Supremo a biografia do Milton para discutir o conceito da juridicidade deste País, porque não adianta discutirmos as coisas se não discutirmos a juridicidade e a corresponsabilidade civil.
O que é a corresponsabilidade civil?
É o respeito do cidadão consigo mesmo. E Milton dá na sua biografia, feita pela Unicamp, o indicativo... É bom que todos leiam, inclusive o Parlamento brasileiro. Faço essa proposta. A senhora participou, o seu nome está lá no livro, e a Comissão de Educação da Câmara indicou. Também faço parte, embora negro... Põem só nome errado, porque ninguém leva o nome dos negros a sério; só o do Milton Santos.
E eu quero dizer à senhora parabéns por ser nordestina, como eu. E Milton, nordestino, me contou, em uma das conversas que tive com ele, que, aos nove anos de idade, ao chegar ao mercado modelo, estava chovendo. O barco, navio de grande calado, nego tomando caipirinha, jogando... Ele olhou para o céu, estava chovendo, e ele disse: "Tudo se movimenta; se tudo se movimenta, a vida é importante. Se a vida se movimenta, cabe a nós cuidar dela". Aí, ele começou a escrever e, aos 13 anos, estava dando aula de Física, de Biologia, de História. E, aos 14 anos, editou o primeiro livro na cidade de Ilhéus, onde foi para um curso de professor...
Mas as nossas academias não levam a sério Milton Santos. Ele é o único Prêmio Nobel. O nosso Congresso não leva. Algumas pessoas falam em Einstein... Mais de 80% nem sabem quem é Milton. Estou falando de Parlamentares. O funcionário do Congresso; fiz uma pesquisa, e ninguém sabe quem é Milton Santos, na sua grande maioria. Talvez menos de 5% do Congresso, Câmara e Senado; no Supremo, ninguém sabe!
Eu fiquei estarrecido. Isso é a República! Nós temos um Prêmio Nobel que ninguém respeita, porque é negro. Tive acesso a várias universidades, e ninguém leva isso a sério, Senadora Fátima. A senhora é muito importante nessa luta.
Os negros podem contar com a senhora nessa luta?
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Com certeza. Com certeza, Sr. Waldimiro. Contou, conta e sempre contará.
Mais uma vez, aqui, agradecer a sua presença sempre vigilante, atuante, trazendo o seu olhar, o seu depoimento, contribuindo, portanto, com uma discussão tão importante, de interesse da sociedade, como é o tema da violência.
Bom, eu quero aqui, ao terminar mais esta...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Pois não, Débora.
A SRª DÉBORA MARIA DA SILVA - Eu deixei a esta Comissão o pedido de federalização, que completou cinco anos sem respostas, e o encaminhamento da denúncia dos crimes de maio para a OEA. Eu deixei aqui para esta Comissão acompanhar o que o Movimento Mães de Maio tem feito e de que não tem resposta.
Quero agradecer, em nome do Movimento Mães de Maio, as palavras de gratidão por parte desse ouvinte que fala muito bem das mães de maio. E dizer que as mães morreram três, mas as que estão vivas vêm vivas por justiça. Elas querem justiça e acreditam que esta Comissão e esta Casa venham a dar resposta... A resposta ao pedido de federalização é importante para que o nosso País não dê as costas para o pior massacre que houve na história contemporânea deste País, que foram os crimes de maio de 2006, de que ainda se encontram desaparecidos mais de 30 jovens. No começo dessa matança, foi autorizado o enterro deles nas valas comuns.
Essas valas comuns nós mostramos em 2014, no trabalho que fizemos para a Bienal, no filme Apelo, em que mostramos que não parou na ditadura, mas ela continua no cemitério de Perus, nos enterros coletivos de mais de 20 a 30 jovens. E adultos, vindos do Hospital das Clínicas, vindos do IML, mesmo com o nome na tampa do caixão.
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A gente vê aquele pessoal ser enterrado como indigente. O desaparecimento forçado tem que ser investigado. E a gente exige que o nosso País diga onde estão os meninos que foram enterrados como indigentes, porque os seus familiares os procuram. A coisa pior do mundo - eu sou irmã de desaparecido - é você não fazer o enterro do seu ente querido. E nós precisamos dar respostas dos Crimes de Maio.
Muito obrigada, Senadora. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - É isso.
Quero, aqui, ao encerrar os trabalhos, mais uma vez, agradecer as contribuições extremamente qualificadas tanto do Instituto Igarapé, aqui representado pela Renata Avelar Gianini, como as da Anistia Internacional, aqui representada pela Renata Neder. Também, mais uma vez, ressaltar a importância das Mães de Maio.
De um lado, tivemos aqui as presenças das pesquisadoras que, com toda a responsabilidade que têm, vocês sabem disso, do ponto de vista - repito - da fundamentação, de buscar exatamente o diálogo com a sociedade à luz de um trabalho de pesquisa, fazem um trabalho com tanta seriedade. Refiro-me à Renata Gianini, da Igarapé, e à Renata Neder, da Anistia. Um trabalho em que mostram, efetivamente, que, infelizmente, o retrato que a gente tem no País, do ponto de vista da política de segurança, ainda é o da criminalização da população, principalmente a da população pobre e negra, especialmente crianças e jovens que têm cara, que têm cor, que têm lugar. As crianças e jovens, as maiores vítimas da violência, onde elas estão, Débora? Elas estão nas classes populares, elas estão nas favelas e elas estão nas periferias das cidades. Não é isso, Renata, o que o estudo mostra? É exatamente isso.
Então, vejam bem: nós da CPI - repito - estamos aqui exatamente para não só resistir, mas continuar a nossa luta para reparar as injustiças e para mudarmos esse quadro, por exemplo, Débora, quando você, mais uma vez, cobra aqui a federalização para tratar do crime bárbaro que lá aconteceu, e o porquê disso não haver andado? Aqui é exatamente o momento de você cobrar.
Eu acho que essa audiência de hoje - mais uma audiência pública da nossa Comissão que trata do assassinato de jovens - teve um caráter muito especial, porque, de um lado, ouvimos não só as pesquisadoras, com todo o trabalho importante que as entidades de vocês desenvolvem, mas, de outro, nós tivemos aqui contato exatamente - eu já havia dito no início - com a dor, com o drama, com a indignação, com a revolta de quem, de repente, teve os filhos arrancados dos seus braços da forma mais covarde e mais perversa; inclusive crimes praticados pelos próprios policiais, por aqueles que deveriam, como agentes do Estado, nos proteger. Por isso, Renata, que a gente tem que avançar no tema dos autos de resistência.
Mas, enfim, quero agradecê-los.
Ao encerrar, agradecemos as presenças de todos, dos que ficaram conosco até o presente momento, dos que estão em casa nos acompanhando, convidando-os para próxima reunião da Comissão, que será realizada nesta sexta-feira, às 13h, na Assembleia Legislativa do meu Estado, o Rio Grande do Norte.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Eu gostaria de dar mais uma palavrinha.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Pois não, Terezinha.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Eu quero...
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - A Terezinha é do Movimento Mães de Maio de Acari, não é?
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Não, do Complexo do Alemão.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Do Complexo do Alemão. Desculpe-me.
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A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Eu quero só dizer...
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Esse relatório aqui que...
Pois não, Terezinha. Pode falar.
A SRª TEREZINHA MARIA DE JESUS - Eu quero só dizer que esses policiais que tiraram a vida do meu filho Eduardo dizerem que meu filho era envolvido no tráfico... Criança que é envolvida no tráfico não tira notas boas no colégio. E meu filho sempre tirou notas boas, porque ele é o destaque do mês de março de 2015.
Aqui, ó!
E aqui era a minha alegria de mãe. Eu tenho outros filhos, mas eu não tenho mais felicidade, porque essa era a minha cara de felicidade, como vocês estão vendo. Hoje, eu não tenho mais felicidade, nenhuma. Meu filho vivia dentro de um colégio de sete e meia às 5h da tarde. Ele tinha curso, ele participava de um projeto chamado Anjos do Bem. Eu matriculei ele num curso do Cedaspy, na Tijuca, para ele fazer, mas ele não chegou a fazer porque um policial veio e tirou a vida do meu filho.
Essa é a minha cara de tristeza, do dia que aconteceu a tragédia na minha vida. Essa é a minha cara de tristeza.
Quando eu vou ter uma felicidade? Nunca! Nunca mais! Porque a minha felicidade era o meu filho Eduardo. Eu tenho outros filhos, que me dão felicidade, mas arrancaram um pedaço de mim. Eu me sinto com um buraco enorme dentro de mim que nunca vai cicatrizar.
Meu filho tem cara de bandido? É uma criança muito bem tratada. E criança que se envolve no tráfico não é bem tratada. Meu filho era uma criança muito amorosa comigo. Vivia aos beijos comigo. E hoje eu não tenho meu filho. Hoje, eu não tenho quem buscar na escola. Hoje, eu não tenho mais nada. Eu não tenho mais nem vontade de viver. Eu só estou vivendo porque tenho que lutar para fazer justiça e ver esses policiais atrás das grades, porque eu só vou sossegar quando eu os vir julgados e condenados.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - O.k, Terezinha.
Nossa solidariedade, Terezinha.
É por isso que volto a colocar: todo esse debate, todo esse empenho, esse esforço aqui, a criação de uma comissão como esta responde exatamente ao desejo que a gente tem e à obrigação e ao dever do Parlamento brasileiro de, depois de todo o debate, de toda a reflexão, depois de toda a realidade, de todo o diagnóstico atualizado, a gente partir para um caminho no sentido de virmos a ter políticas públicas de enfrentamento a essas violações de direitos humanos, políticas públicas nas mais diferentes áreas, política pública na própria segurança, política pública, por exemplo, Renata, no campo da educação. A educação, sem dúvida nenhuma, é um dos mais importantes, digamos, antídotos contra a violência. O lugar de nossas crianças não é no tráfico de maneira nenhuma - não é, Terezinha? -, mas na escola. Quer dizer, o caminho para reduzir a violência, para combater a violência, não passa pelo encarceramento de nossas crianças, de nossos jovens, como setores defendem, inclusive quando, para nossa tristeza, aprovam, como aprovaram na Câmara dos Deputados do Brasil, uma proposta de emenda à Constituição que visa a reduzir a maioridade penal, como se, de repente, reduzindo a idade penal da criança ou do jovem, nós fôssemos resolver o problema da violência. É um grande equívoco, até porque nós temos estudos mais do que suficientes, nós temos pesquisas e mais pesquisas feitas pelo País e pelo mundo afora que mostram exatamente que esse caminho, enquanto instrumento de combate à violência, é um caminho totalmente inadequado, um caminho, inclusive, que não vem sendo adotado em nenhum outro país. Até os países que já enveredaram por essa história de reduzir a maioridade penal estão revendo isso.
É por isso também que, neste momento, uma CPI como esta se constitui em uma trincheira de luta também para a gente tentar barrar essa agenda conservadora. A proposta de emenda à Constituição, inclusive, está aqui, no Senado, agora, e nós estamos aqui lutando.
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É fundamental, Renata, a participação da sociedade, para que o Senado possa corrigir exatamente o que houve na Câmara, porque, repito, um dos caminhos para a gente avançar em políticas públicas que atendam as crianças no campo da educação é realizar as metas do novo Plano Nacional da Educação, com creche, com educação em tempo integral, escola técnica, mais ensino superior. É disto exatamente que nossos filhos e nossos jovens precisam: mais oportunidades.
Quero, portanto, colocar que a audiência pública de hoje deu cara à CPI de Assassinato de Jovens no Senado Federal. Acompanhamos aqui, juntas e juntos, o drama das mães que perderam seus filhos devido à violência contra jovens no nosso País. Mais uma vez, quero dizer que tivemos aqui a contribuição inestimável da pesquisa por intermédio da Anistia Internacional e do Instituto Igarapé.
Nada mais havendo a tratar, convido-os para a próxima reunião da Comissão, a ser realizada nesta sexta-feira, a partir das 13h, em Natal, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.
A audiência pública da próxima sexta-feira em Natal atende a requerimento de minha autoria, bem como do Relator, Senador Lindbergh Farias, que estará presente. Nesta audiência em Natal, dando sequência ao nosso trabalho, ouviremos autoridades e representantes da sociedade civil e do Poder Público sobre a situação dos homicídios contra jovens no Estado do Rio Grande do Norte, meu querido Estado.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 19 horas e 41 minutos, a reunião é encerrada às 22 horas e 08 minutos.)