16/09/2015 - 80ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Declaro aberta a 80ª Reunião Extraordinária da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
Esta reunião está dividida em duas partes. Na primeira, faremos uma audiência pública, proposta pelo nobre e querido Senador Cristovam Buarque, que é o autor do requerimento. (Palmas.)
No segundo momento, nós realizaremos uma reunião deliberativa, em que os Senadores vão deliberar sobre alguns projetos.
A audiência pública, nos termos dos Requerimentos nºs 85 e 145, de autoria do Senador Cristovam Buarque, destina-se a debater o tema "Perseguições contra praticantes de religiões de matriz africana". Aqui fala do candomblé, mas é de todas.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. É importante esclarecer que as pessoas que tiverem interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania - está na tela da TV - e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Quero apenas situar os nossos telespectadores, os ouvintes da Rádio Senado, da Agência Senado, os que acompanham, enfim, toda a cobertura que o Senado dá aos nossos eventos. Quando digo "nossos eventos", refiro-me a todos os eventos nas comissões e no plenário com os Senadores e as Senadoras. É normal que façamos uma pequena introdução para situar o tema.
Nesta manhã, nós faremos aqui um debate sob a luz e a proteção do universo.
Declaro abertos os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
Embora não queiramos, temos que cumprimentar o Senador Cristovam. Por que eu digo isto? Porque estamos aqui discutindo - e vamos ter que discutir - a perseguição de pessoas pela opção religiosa de cada um, pela sua história, pela sua vida. E aí eu tenho que cumprimentar o Senador Cristovam pela sua iniciativa. (Palmas.)
Ele mesmo me dizia que bom seria não estarmos aqui debatendo isso. Bom seria cada um desenvolver as suas opções religiosas com a maior tranquilidade, seja qual for a religião.
Enfim, após anos de luta pelos direitos humanos e de tantos avanços do povo negro pelo respeito às suas raízes, aqui, infelizmente, nós vamos lembrar momentos que são de lágrimas e de indignação.
Na madrugada do último sábado para domingo, por exemplo, três ataques covardes demonstraram, mais uma vez, a força do ódio e do fundamentalismo contra a religião de cada homem, de cada mulher neste País.
Em Águas Lindas de Goiás, um terreiro atacado há menos de um mês sofreu nova violência, dessa vez criminosa. O local foi incendiado. Segundo estimativa, o prejuízo pode chegar a R$100 mil. Mas muito pior do que isso é a dor, a violência, a simbologia, o que, infelizmente, demonstra o ódio contra as religiões, no caso, de matriz africana.
Na mesma noite, uma caminhonete bateu violentamente contra o portão de outro terreiro em Santo Antônio do Descoberto, região do Entorno de Brasília.
Além do fogo, do ódio, ainda pior foi a execução, diante dos olhos da própria família, do pai de santo Sizenando Jesus Carvalho, 39 anos. O assassinato ocorreu na noite de sábado, em Salvador.
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Enfim, crimes bárbaros se somam a tantas outras violências contra a nossa gente. O sangue do nosso povo não pode, em hipótese alguma, ser derramado, nesse caso específico, por crime hediondo e por intolerância religiosa.
Mas, mais do que chorar sobre o sangue derramado, queremos um novo debate e queremos respeito à diversidade, para que a gente viva um novo momento de igualdade, liberdade e justiça, onde cada um possa ter a sua visão, a sua opção religiosa, sexual, de trabalho e de vida.
A liberdade de culto e religião é cláusula pétrea da nossa Constituição, e, nesta Casa, defenderemos sempre o direito de todos de manterem sua identidade e suas raízes - é nosso dever -, sejam negros, brancos, descendentes de italianos, de alemães, de africanos. Eu, por exemplo, tenho muito orgulho de dizer que sou descendente do povo quilombola e sou um lanceiro negro, já que os lanceiros negros vieram la do Rio Grande.
Conta a história que um dos meus antepassados foi um lanceiro negro, numa posição difícil que aqui não vou relatar, mas ele tinha um papel naquela batalha infernal buscando a liberdade. Havia o compromisso dos lanceiros negros de que, terminada aquela revolução, eles seriam libertados. Só que, terminada a revolução, pediram para eles entregarem as armas e grande parte deles foi covardemente assassinada. Isto a gente não esquece nunca. É uma luta permanente para todos nós.
Termino dizendo a todos vocês que todo cidadão negro ou negra deve se lembrar sempre, e com muito orgulho, de que é um quilombola. Eu posso dizer a vocês que sou um descendente do povo africano e sou um quilombola. (Palmas.)
E, como quilombola, eu não poderia deixar de estar aqui neste momento.
Antes de formatar a Mesa, quero dar a palavra para o Senador Cristovam e o Senador Donizeti, para quem também peço uma salva de palmas. (Palmas.)
Ambos são guerreiros e, dizendo uma frase de que gosto muito, fazem o bem sem olhar a quem.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Bom dia a cada uma e a cada um de vocês.
Como disse o Senador Paim, eu me sentiria muito melhor se, no Brasil, a gente não precisasse ter audiências como esta, se o Brasil fosse um país onde não acontecessem os fatos que nós vimos nos últimos tempos, não apenas em relação aos cultos afro-brasileiros, mas também em relação ao culto kardecista, pois recentemente houve perseguições a kardecistas. Seria melhor que não houvesse isso, que o Brasil continuasse sendo um país, como é de sua tradição, de total tolerância religiosa. Mas, lamentavelmente, não é a verdade.
É como se houvesse, debaixo do tapete, uma intolerância forte, resistente, contra a tolerância que devemos ter. Em grande parte, isso se faz por razões de cultos, em outra, por razões raciais, pura e simplesmente, e, muitas vezes, por razões de preferências sexuais também.
Por isso, estamos necessitando fazer esta audiência, uma audiência para dizer ao povo brasileiro que nós não aceitamos a intolerância contra grupos religiosos, e queremos manifestar claramente que não aceitamos contra todas as formas de cultos afro-brasileiros.
Somos poucos Senadores aqui, porque cada um tem suas atividades no dia a dia, mas isto aqui está indo para a televisão, passa outras vezes na televisão, e o povo brasileiro vai ver isso. Acho que as crianças vão ver também, se não agora, em outros momentos, e vão saber que no Brasil tem havido, ponto um, intolerância e que, ponto dois, no Brasil, nós não aceitamos essa intolerância contra qualquer que seja o culto religioso. (Palmas.)
É por isso que estamos aqui.
Passo de volta a palavra ao Senador Paim para que comecemos o mais rápido possível, porque estou curioso para ouvir o que cada um de vocês tem a dizer sobre o que tem sofrido e que sugestões dão para que esta Casa cumpra seu papel de construir uma sociedade absolutamente tolerante com as diferenças e com as especificidades de cada grupo de brasileiros.
Muito obrigado a cada um que aceitou vir aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Cristovam.
Senador Donizeti.
O SR. DONIZETI NOGUEIRA (Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Sr. Presidente, Senador Cristovam, a quem quero parabenizar pela iniciativa, meu bom-dia a todos e a todas.
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Eu vou ter que presidir a Comissão de Meio Ambiente porque sou signatário de uma audiência pública que vai discutir o Rio Araguaia. Não vou poder ficar aqui
Quando o branco ouve o som do atabaque e se aproxima e se aproxima, é porque ele traz dentro do seu coração, da alma, a indignação contra a opressão, contra o preconceito. Na minha juventude, fui jogador de capoeira e tive a felicidade de aprender não apenas a jogar capoeira ou fazer essa dança maravilhosa, mas também de conhecer o espírito e a alma dessa arte, dessa cultura, desse esporte.
Eu quero me despedir de vocês para ir ali cumprir a outra tarefa lembrando o poeta Gonzaguinha e dizendo que "eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé é na fé da moçada, que não foge da fera e enfrenta o leão. Eu vou à luta é com essa juventude, que não corre da raia a troco de nada. Eu vou no bloco dessa mocidade, que não tá na saudade e constrói a manhã desejada".
Eu partilho do sentimento e acredito na humanidade, acredito nas pessoas e penso que devemos acreditar nas pessoas, como disse o Renato Russo, como se não houvesse amanhã, porque não há amanhã, porque, quando o amanhã chegar, já será hoje. Eu acredito nas pessoas e acredito na humanidade. Eu acredito que vai chegar o dia em que as denominações religiosas vão todas se abraçar e banir do nosso meio atitudes como essa que o senhor relatou aqui para nós e que eu acompanhei pela imprensa, Senador Paim, de agressão ou qualquer coisa que a gente possa imaginar de rude, de ignorante, de preconceituoso e de não humano. Acho que o ser humano não faz isso. O ser humano tem que ter por hábito respeitar.
Então, um beijo no coração de cada um e cada uma.
Um abraço na alma de todas e todos.
Obrigado pela oportunidade, Senador Paim.
Vou ter que cumprir minha tarefa ali.
Senador Cristovam, parabéns!
Um bom debate para vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse foi o Senador Donizeti.
Nós vamos, de imediato, formatar.
Pelo número de convidados, e há mais duas pessoas que pediram para compor a Mesa e nós vamos abrir espaço para isto, nós vamos montar duas Mesas.
O primeiro a ser chamado aqui é o Babalorixá Joel de Oxaguiãn. (Palmas.)
A Mãe Railda Rocha Pitta. (Palmas.)
Babá Adailton Moreira Costa. (Palmas.)
O Babalorixá Pecê de Oxumarê não chegou. Então, ele fica para a segunda Mesa.
Eu vou seguindo na sequência.
Frei David Santos, Diretor Executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes, Educafro. (Palmas.)
Vamos combinar aqui. Nós vamos presidir a sessão normalmente, pessoal. Eu quero deixar dito isso aqui, ao vivo. É praxe, nesta Comissão de que sou o Presidente, que quem encaminha o requerimento a preside. Mas o Senador Cristovam fez um apelo para que, neste caso, eu divida com ele, que eu fique também na presidência. Isto mostra uma grandeza dele, porque ele é quem deveria ter aberto aqui e iniciado os trabalhos. (Palmas.)
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Eu combinei com ele que, como a correria na Casa é muito grande, eu vou para as comissões e ele assume a Presidência. Se ele tiver que ir, por motivo de votação, eu assumiria no lugar dele. Na verdade, quem vai presidir a sessão vai ser ele, mas eu vou tentar ficar aqui durante todo o tempo.
Vamos ver quem é que pode fazer abertura.
Frei Davi quer fazer a abertura?
Não.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Pode ser o Babalorixá Joel.
Pode ser?
O SR. BABALORIXÁ JOEL DE OXAGUIÃN (Fora do microfone.) - Pode ser.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Então, passamos a palavra para o Babalorixá Joel para que ele faça a abertura dos trabalhos.
São 10 minutos, pessoal, com mais 5, se necessário. Daria 15 minutos, que é um tempo razoável para cada um fazer a sua exposição.
O SR. BABALORIXÁ JOEL DE OXAGUIÃN - Bom dia a todos!
Eu sou o Babalorixá Joel de Oxaguiãn, do Ile Axé Eyele Oge.
Eu gostaria de gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa dos Senadores Cristovam e Paulo Paim, gostaria de cumprimentar a Mãe Railda - sua benção, Mãe! -, o Pai Adaílton e o Frei David, e, acima de tudo, tomo a benção do Pai Xangô pelo dia de hoje.
Oba Nixé Kaô Cabecile! Que Xangô seja guia desta plenária! Que Xangô abra bem os nossos olhos para que a gente possa presidir bem as nossas falas para tratar do assunto da intolerância religiosa em no nosso Estado, ou seja, em nosso País.
Mãe Railda, a senhora pode fazer uma cantiga para Xangô, para abrir?
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Eu, como representante dele nessa terra há 52 anos, não posso deixar de saudá-lo hoje, quarta feira.
Em nome de Mãe Aninha, de Mãe Agripina e de todos os meus boborixás, do Opô-Afonjá, axé de que eu sou filha...
(Cantiga em saudação a Pai Xangô.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Quero agradecer muito aqui à Mãe Railda e ao Joel pela iniciativa dessa oração em forma de cantoria. Que essa oração/saudação em forma de cantoria sirva para orientar esta Casa, o Congresso Nacional, que ela traga energia para o combate à impunidade, à corrupção e que os homens e as mulheres que dirigem este País, influenciados por essa energia bonita que contagiou aqui a todos nós, Senador Cristovam, sejam orientados para que a gente avance mais na construção de um país com igualdade, com plena liberdade, justiça e um país que seja bom para todos.
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Axé! Axé!
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Eu me lembro, Senador Cristovam, que meu pai, quando eu era menino - eu era metido a negociar uma coisa ou outra -, me dizia o seguinte: "saiba sempre que o bom negócio só é bom quando é bom para os dois. Nunca procure tirar vantagem do outro." E ele era analfabeto. E essa mensagem eu jamais esqueci.
Então, que o Parlamento entenda que a forma de fazer política tem que ser, como essa frase de que eu gosto muito, fazendo o bem sem olhar a quem.
Uma salva de palmas ao nosso Joel! (Palmas.)
Agora é que vai começar o tempo dele.
O SR. BABALORIXÁ JOEL DE OXAGUIÃN - A bênção, meus pais, minhas mães, a bênção às abiãs, porque, neste momento tão importante, nós precisamos entender que uma plenária como esta, Senador Paulo Paim, Senador Cristovam, precisa acontecer mais vezes, porque os casos de intolerância religiosa em nosso País estão cada vez mais fortes.
As pessoas estão esquecendo que o Estado, em 1890, deixou de ser um Estado católico e passou a ser um Estado laico. Tem gente esquecendo qual é o sentido de laicidade. Então, o termo laico vem do latim laicius, que quer dizer neutro. O Estado é neutro no sentido de não professar nenhuma religião. Mas, pelos ataques que as religiões de matriz africana vêm sofrendo, estou achando que tem algum segmento que tem uma procuração de Deus, porque tem atacado as nossas religiões de forma muito cruel. Citado pelo Senador Paulo Paim o caso da casa de Babazinho, o caso da casa de Pai Dejair, de Pai Adalto e de tantas outras casas, porque há muitos pais de santo ou mães de santo que não denunciam por medo de represália. Então, por medo dessa represália, ainda não denunciam.
Na verdade, se forem apurar, há mais de 75% de denúncias, dentro da Seppir-PR, de casos de intolerância religiosa. É um índice muito alto para um Estado que se diz laico.
Outra coisa: se o Estado é laico e não professa religião, entendemos que, para se falar de qualquer conceito religioso dentro do espaço público, não se pode ter nenhum símbolo religioso identificando o local, mas não é o que a gente encontra por aí, porque, se pode ter um crucifixo, temos que entender que tem que ter também um oxê de Xangô, que tem que ter um símbolo de cada segmento religioso. Se o Estado é laico, não pode ter nenhum. Devemos partir do princípio de que temos que entender que o Estado é laico. Nós não podemos nos esquecer disso.
A minha preocupação hoje, o que traz a esta plenária a família do candomblé, a família do povo de umbanda, o povo de Terecô, o povo de Angola, Ketu, Jeje, é abraçar a causa das famílias que estão sendo atacadas todo santo dia. Há aluno sendo atacado na escola porque está usando uma conta no pescoço, há mulheres que trabalham como domésticas e não podem falar que são de religiões de matriz africana para não deixarem de ser contratadas, há professores que não podem falar que seguem religião de matriz africana, porque sofrem represália pelos diretores.
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Eu pergunto: o Estado não é laico? Então, por que isso está acontecendo?
Já disseram para mim: "Mas, Pai Joel, vocês precisam se organizar, precisam ser mais unidos". Ora, o nosso povo é unido, o nosso povo se organiza. (Palmas.)
Tanto somos unidos, que estamos aqui hoje.
Outra coisa: no nosso DF, há vários segmentos que tratam das ações de religiões de matriz africana. Nós temos o MOA, que é o Movimento do Orgulho Afrodescendente, temos o Foafro DF, comandado por Ogan Luiz, temos a Rede Afro, comandada pelo Alexandre, temos o Acrema, comandado por Ogan Alexandre, temos o Foafro-Val, comandado pela Mãe Dalila... Ou seja, há muitos segmentos que o povo de matriz africana procura. Para quê? Para tratar desses assuntos de intolerância e para tratar de políticas públicas para terreiro.
Então, olhem só: nós somos organizados, não somos desorganizados, não. O nosso povo é unido, sim, porque o nosso povo, a nossa religião é a única religião em que se reza com o corpo. Por isso, a gente dança, e isso faz a diferença. E as pessoas não entendem. Partimos do princípio de que, quando rezamos com o corpo, estamos demonstrando às nossas divindades o nosso amor, o nosso carinho pelo próximo.
Nas religiões de matriz africana não existe fome, porque, em toda casa de candomblé, qualquer pessoa, quando chega, se alimenta. Então, nós já fazemos um trabalho social dentro dela. Nós acolhemos todos que chegam. Eu nunca ouvi dizer que existe uma religião de matriz africana em que se chega e não há o que comer, não há o que beber e não há um cantinho para se encostar e dormir. A nossa religião faz a diferença.
Qual é o motivo dos ataques às religiões de matriz africana? É porque elas são oriundas da África? É porque é um movimento que trata do orixá, e o orixá é negro? É porque tudo que vem de negro é diferente? O negro... Nós não somos diferentes. Nós não somos melhores que ninguém, apenas temos um Ori determinado por um Orixá, e esse Ori é que nos comanda. E as pessoas têm de passar a entender isso.
Outra coisa, Senador Cristovam, Senador Paim, Mãe Railda, Pai Adailton, todos presentes aqui: enquanto não pedirmos uma CPI para apurar esses casos de intolerância religiosa, para que isso seja levado à frente e para se saber onde estão esses casos, como isso está se dando e por que está se dando, não vamos chegar a lugar algum.
É preciso que se abra, realmente, uma CPI, para que se tomem providências imediatamente, porque isso estão ficando cada vez mais graves os ataques às nossas religiões de matriz africana.
Então, peço que todo mundo que precisar conversar... Tenho documentos para passar, para vocês darem uma olhada, para trabalharmos essa CPI no sentido de apurar esses fatos e casas que estão sendo atacados todo dia.
Nós temos, em Brasília, a Federação de Umbanda e Candomblé, coordenada por Pai Rafael Moreira.
E há casos como o da Prainha, que foi atacada várias vezes e que teve os orixás que lá estavam depredados. Lá, eles colocam a Bíblia nos pés dos orixás, jogam corda no pescoço dos Orixás, queimam as estátuas dos orixás. Um artista maravilhoso, que é o Tatti Moreno, que fez as estátuas, teve de refazer as estátuas de novo.
Então, está uma falta de respeito muito grande. A Prainha virou um encontro de crackeiros, um encontro de vândalos, e ela havia sido destinada a ser um espaço religioso, um espaço sagrado aonde as pessoas pudessem ir louvar seus orixás e seus sagrados.
Fica aqui o pedido para que se abra, Senador Cristovam, uma CPI para apurar esses casos.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Como é de praxe, a secretaria dos trabalhos vai anotando as propostas que vão surgindo para os encaminhamentos no final.
Eu queria registrar, com alegria, a presença do Deputado Federal Rubens Otoni.
Ele pelo menos esteve aqui. Não sei se ainda está. (Palmas.)
Onde? Onde?
Aqui!
Quero dizer, Rubens Otoni, que é uma alegria enorme ter a tua presença aqui. Fique bem à vontade aqui, nesta Comissão, que o Senador Cristovam também já presidiu. Aqui, Deputado Federal e Senadores falam no momento que entenderem mais adequado.
Eu queria registrar a presença também de Edna Santos, chefe do Departamento de Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Palmares, e Luiz Alves, do Fórum Permanente das Religiões de Matriz Africana de Brasília e Entorno.
Sejam todos bem-vindos!
Depois da fala do Babalorixá Joel de Axaguiãn...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Oxaguiãn. Foi por isso que eu pedi para ela me ajudar aqui. Eu pedi para ela me ajudar na pronúncia aqui Ela disse "deixa comigo aqui." Então, ela acertou, eu errei.
Agora, passo a palavra, de imediato, à Mãe Railda Rocha Pitta.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Prima de quem?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Prima do falecido Celso Pitta, que foi prefeito de São Paulo.
Que ele esteja em paz lá no alto.
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Bom, eu quero agradecer ao Sr. Senador Paulo Paim. Já nos conhecemos há longos anos, não é?
Ao Senador Cristovam, meus respeitos. Eu o admiro muito também.
Quero agradecer a todos e quero tomar a benção de quem for mais velho que eu aqui, se houver alguém mais velho que eu. Bom, eu tenho 56 anos de santo e 77 de idade. Se houver alguém mais velho, por favor, me abençoe. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS. Fora do microfone.) - Quem acumulou mais sabedoria nesses anos.
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - São 52 anos de Brasília, não é, doutor?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS. Fora do microfone.) - Sabe tudo.
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Então, agradeço a oportunidade estar aqui compartilhando com todos vocês este momento.
E quero aproveitar para dividir algumas aflições.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Permita-me interromper, Mãe Railda. A assessoria está me informando, e é importante que eu informe a vocês, que o Plenário 13 está aberto com telão, porque não há espaço para todos aqui. É só perguntar aqui para a assessoria, que eles indicam. O Plenário 13 fica à direita ou à esquerda?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Fica aqui à direita, no outro corredor. Há um telão enorme lá e espaço para que todos possam assistir ao debate sentados. Quem não quiser, pode ficar bem à vontade aqui.
Desculpe-me atrapalhar.
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Por nada.
Então, eu quero... As minhas aflições, onde eu parei, que os tempos modernos têm trazido para nós.
Bom, eu já me identifiquei. Meu nome é Railda Rocha Pitta. Nasci na religião dos orixás. Eu fui para o candomblé ainda criança. Meu padrinho tinha um terreiro de candomblé lá em Salvador, onde iniciou a minha mãe.
Aprendi, desde muito cedo, que a religião é respeito aos mais velhos e amor às crianças. É viver em comunidade e aprender a compartilhar. Ninguém consegue ser individualista nessa religião, porque precisamos ajudar uns aos outros.
Desde criança, eu ouvi na religião do candomblé, e quero afirmar, que o fato de termos um campo teológico diferente dos outros segmentos religiosos não significa que não acreditemos em um Deus supremo criador do universo e tampouco que vivamos de acordo com o satanás, a que muitas pessoas querem nos atrelar.
A religião do candomblé tem origem no continente africano e tem como base os orixás, que são expressões da natureza.
Exu, equivocadamente, é associado ao diabo. Na realidade, é o grande senhor da comunicação. E é o ar, é o tempo. E o hoje, o ontem e o amanhã designados a acolher os pedidos das pessoas e depositar aos pés de Olodumare, Deus. Não há maldade ou perversidade, como insistem aqueles e aquelas que não conhecem os fundamentos da religião, mas, mesmo assim, afirmam vinculações que não existem.
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Seguindo adiante, podemos pensar em Ogum, que tem em suas representações o ferro. Ele, na verdade, é o próprio metal que surge das entranhas da Terra e que, desde o período horrível da escravidão até os dias atuais, foi para o Brasil e para o povo afro-brasileiro.
A ferramenta que promove o progresso é o desenvolvimento socioeconômico do País. Vale lembrar que a ONU, Organização das Nações Unidas, criou a Década Internacional de Afrodescendentes com o tema "Afrodescendente: reconhecimento, justiça e desenvolvimento". A década começou no dia 1º de janeiro de 2015 e vai até o dia 31 de dezembro de 2024.
Tal iniciativa é necessária para aumentar a conscientização da sociedade no mundo quanto ao combate do preconceito, da discriminação, da intolerância e do racismo. E nós, que somos do Candomblé, muito cedo aprendemos a clamar por justiça ao grande Senhor dos Trovões, Xangô. E confesso que, nos últimos tempos, tem sido preciso saudar muito essa divindade, porque têm crescido assustadoramente os casos de intolerância religiosa e de perseguição aos segmentos afro-brasileiros.
Cabe realizarmos uma reflexão. Religião não é exercício de amor? Jesus Cristo ensinou que a fraternidade é a maior riqueza de um religioso. E, contrariamente, presenciamos as pessoas praticando atos condenáveis para uma relação de respeito e de amor ao próximo.
A Constituição brasileira diz que a liberdade de consciência e de crença é um direito e que é garantida por lei a proteção aos locais de cultos e a suas liturgias. E a Declaração Universal dos Direitos do Homem diz que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar esta religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
A educação tem um papel importante para o desenvolvimento de uma cultura para a paz, principalmente no que diz respeito a possibilitar o conhecimento sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira porque apenas o conhecimento é capaz de libertar as pessoas das ideias preconceituosas e equivocadas.
Ressalto a importância de o ensino religioso nas escolas abordar o tema das religiões afro e indígenas de forma séria e respeitosa, e não criando nas escolas um espaço de conflito e tensões. Como afirmou Nelson Mandela, ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e, se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.
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É preciso mudar este cenário de ódio para a realidade do amor. Aprendam com Oxum, a deusa das águas doces e a maior expressão de amor: é preciso que a vida seja doce como mel e vivificante como a água, que é essencial para a nossa existência.
Para encerrar, eu queria cantar para vocês uma cantiga, porque, nas religiões de matrizes africanas, as nossas orações são cantadas, para que a vibração de alegria possa varrer da grande mãe Terra todas as formas de preconceitos, discriminações e intolerâncias e tudo aquilo que for negativo e que não pertença ao projeto de felicidade de Olodumare.
Axé! (Palmas.)
(Procede-se à execução de música)
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Muito obrigada.
Olha, eu não falei aqui no discurso, mas vou falar. Eu acabei com o meu terreiro. Tive que vender minha roça em Valparaíso, que eu tinha há 46 anos. Eu recebi o título de Cidadã Honorária de Brasília do Chico Floresta, da Érica Kokay, da Maninha, do PT; recebi o título de Cidadã Valparaisense, recebi o título do Clube dos Pioneiros de Brasília de Juscelino Kubitschek, mas tive que realmente me desfazer do meu terreiro porque os assaltantes, traficantes e os evangélicos não me deram sossego. Ninguém me ajudou. Tive que me desfazer do meu terreiro.
Hoje, eu moro numa casa muito boa que Xangô me deu. Lá, eu pude acomodar todos os meus orixás, num espaço pequeno, porque eu não posso abandonar os meus orixás, que me deram a vida e me deram tudo em Brasília.
Eu entrei em Brasília, com o pé direito, em 1963. Fui nomeada pelo governo João Goulart. Eu acompanhei esta cidade toda. Eu dei 100 caminhões de cascalho da minha chácara para fazer a cidade do Valparaíso. Eu sou pioneira. Quer dizer, eu nem sou pioneira, sou uma "piotária", porque os pioneiros ganharam dinheiro e foram embora. E os otários... (Risos.) (Palmas.)
E eu estou vendo a destruição dos terreiros de candomblé.
Xangô, eu não tenho como pagar-lhe, meu pai, pelo dia de hoje, que é quarta-feira, e por me tirar daquela chácara de 15 mil metros. Eu não tinha ninguém, dormia sozinha. Eu sei que muita gente me criticou e me censurou por eu ter vendido a terra. Não vendi o axé, a força que está comigo, com Deus e com os orixás.
A minha fé é inabalável. Não tem jeito, eu vou morrer no candomblé. Agora, os governantes deste País precisam tomar uma providência. Está muito séria essa destruição, essa perseguição às pessoas do candomblé, da umbanda, de tudo, gente. Não é possível uma coisa destas!
Eu estou muito triste pelo que fizeram no terreiro de Babá, de Adauto, desse menino Dejair. Eu não posso fazer nada, só posso pedir a Xangô e a todos os orixás que protejam todas as casas, não é? Porque é muito triste, gente, lutar tanto, com tanto sacrifício, para comprar nossas coisas, montar o terreiro, e, depois, virem esses bandidos e destruírem tudo.
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É preciso tomar uma providência, Dr. Paim.
Por favor, eu lhe peço, de coração!
Xangô, que me trouxe aqui hoje, quarta-feira, todo dia me prova que eu não estou nesta Brasília sozinha. Minha Mãe Menininha do Gantois, em 1971, me mandou de volta para Brasília. Eu tinha ido embora de Brasília. Ela disse: "Railda, volte! É você que vai socorrer o povo de Brasília! Você é uma semente do Axé Opô-Afonjá, semeado em Brasília, para socorrer o povo de Brasília, Railda! É você que tem que socorrer!" Mas eu lamento não poder socorrê-los em uma hora dessas, meus irmãos de axé, meus irmãos da seita, porque, com que arma eu vou lutar?
É preciso tomar uma providência, gente! A polícia tem que entrar nisso. É preciso haver outros e outros eventos como este. Eu fico muito agradecida, Senador Paulo Paim e Senador Cristovam.
Nós somos contemporâneos e muito velhos em Brasília, não é?
Então, eu fico muito agradecida pelo convite para participar desta Mesa.
Que Xangô, pelo dia de hoje, que seja a justiça...
(Manifestação da plateia.)
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - ... abençoe todos vocês que estão aqui! De coração! (Palmas.)
Que minha mãe Oxum bote água em cima deste fogo maldito dessas pessoas! Que ela apague o fogo maldito! Porque o fogo também é Xangô, é vida!
Eu estou aqui, de coração, pedindo por todos vocês, para que livrem vocês de uma bala perdida, de um marginal, de um malfeitor, de um acidente, de um falso, de calúnia, de mentira, de traição, de perseguição!
Que Xangô abençoe a todos pelo dia de hoje!
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem!
Essa foi a Mãe Railda Rocha Pitta, que fez aqui uma bela fala sobre a importância de uma linha de atuação muito forte do meu querido amigo e Senador Cristovam, que, depois, vai comentar sobre a educação, o conhecimento, o saber.
V. Exª comentava isso comigo. Eu estou tomando a liberdade porque sei que V. Exª vai falar disto em um segundo momento.
Eu quero também registrar a presença do Senador Omar Aziz, que foi Governador do Amazonas... (Palmas.)
... e sempre prestigia esta Comissão, pelo seu caráter social e humanista, não é, meu querido Senador?
É uma alegria tê-lo aqui.
Neste momento, Senador, como estão na pauta da Comissão de Assuntos Sociais dois projetos de que eu sou o autor, um deles em defesa do meio ambiente, do meio ambiente no trabalho, eu vou ter que ir lá para defender o projeto. Voltarei aqui, mas já digo que, a partir deste momento, a Presidência vai ficar sob a responsabilidade deste grande Senador que é o Senador Cristovam. Voltarei e, se houver um espaço aqui, na Mesa, eu me sentarei, com orgulho, ao lado dele e de todos vocês. Se não houver, eu vou para o plenário, como está ali o Senador, tranquilo, tranquilo - não é, Senador? -, esperando a sua vez, bem acompanhado.
Então, neste momento, passo a palavra ao Presidente desta audiência pública, o Senador Cristovam.
Eu vou lá para a Comissão e volto. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Passo a palavra agora ao Babá Adailton Moreira Costa.
O SR. BABÁ ADAILTON MOREIRA COSTA - Bom dia, Senador!
Mãe Railda, sua bênção!
Meus irmãos de religião e de axé, a benção a todos e todas!
Bom dia!
Faço uma reflexão sobre o dia de hoje.
Eu não aguento mais ser tolerado! Eu exijo que respeitem a minha tradição religiosa! (Palmas.)
Esta palavra "tolerância" é de quem está em cima do muro. Eu acho que a expressão "intolerância religiosa" é um sinônimo para algo muito mais violento, que é o racismo. Eu acho que a intolerância religiosa vem travestida de racismo, de preconceito quanto às nossas religiões de matriz africana, de machismo, de homofobia, de violência de gênero, de violência sexual. Eu acho que essa intolerância religiosa que as religiões de matriz africana vêm sofrendo, desde sempre, porque ela não é de agora, é muito mais visível. Antes, ela era muito mais naturalizada. Tínhamos que esconder os nossos símbolos sagrados. No Estado Novo, adentravam em nossas comunidades, terreiros e se apropriavam de nossos atabaques, prendiam nossos sacerdotes e nossas sacerdotisas.
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O que mais a África deve ao mundo? Por que essa naturalização da violência e da violação dos direitos humanos se a liberdade religiosa está em nossa Constituição dita cidadã? Cumpra-se a lei!
Existe uma lei, chamada Lei Caó, que nos protege neste sentido: a liberdade religiosa é um direito constitucional. Por que há esta impunidade aos violadores de nossos templos religiosos, do que seja nosso sagrado? Por que a não aplicação, verdadeiramente, da Lei nº 10.639/03, que é a do ensino e do estudo da África? Eu não sei qual é o débito das religiões de matriz africana e, consequentemente, da grande maioria de pessoas negras e negros que compõem essa tradição religiosa. O débito é este lugar de identidade cultural, de dignidade, que não querem nos fazer merecer.
Eu nasci e me criei dentro do candomblé. Sou oriundo do Educafro. (Palmas.)
Fiz ciências sociais na PUC do Rio de Janeiro, mas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. BABÁ ADAILTON MOREIRA COSTA - Bolsista 100%, sim. Cotas raciais sempre. E digo que o maior diploma que eu tenho na minha vida é de ser de religião de matriz africana. Na religião de matriz africana eu aprendi a ser um cidadão. Aprendi na religião de matriz africana, com essa pós-doutora em vida, em religiosidade, com esse pós-doutor meu pai Miguel, com todos os sacerdotes de candomblé e sacerdotisas, que me ensinaram a ser um homem, uma pessoa humana, um sujeito. Foi a partir da minha religião de matriz africana.
Até hoje há um débito da nossa população de religião de matriz africana com a sociedade brasileira. Como se, pelo fato de sermos dessa religião que é oriunda da África, do continente africano, sim, até hoje tivermos que ser chicoteados. E são diversas formas que a chibata tem. A chibata moderna é o racismo, é a intolerância que a gente vai perpassando e naturalizando.
Cumpra-se a lei! Cumpra-se a lei!
É por isso que eu não quero ser tolerado por ninguém. Eu quero exigir os meus direitos! Eu quero ser respeitado! (Palmas.)
Eu sou filho biológico de uma grande mulher negra e ialorixá que se chama Dona Beata de Iemanjá. Aprendi a ser um guerreiro por aquilo que eu acredito. Acredito que essa diáspora africana construiu a sociedade brasileira e diversas outras nações à custa de muita dor, mas de muito saber, tecnologia, língua e cultura. A nação brasileira não se constituiu sem a presença dos homens e das mulheres negras aqui em situação de escravidão. Não é escravos, não, mas em situação de escravidão.
Mas a gente lega a essa sociedade, Senador, uma reparação que a sociedade brasileira tem para com as religiões de matriz africana, com o povo negro, sim. Isso tem que ser feito, tem que ser imediato, porque a violência em nossos terreiros é cada dia mais naturalizada.
Por que essa impunidade de alguns segmentos religiosos que nos violam direitos o tempo inteiro? E há uma impunidade, porque isso vem num crescente. Da década de 80 para cá, eu participei de vários movimentos políticos neste País contra o que, antigamente, se chamava guerra santa e hoje se chama intolerância religiosa.
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Então, é um projeto político muito bem arquitetado. Um projeto político, econômico, de destituição de identidade cultural nossa, sim, religiosa.
Então, acho que é momento de o Estado reparar esse mal que vem nos causando. O Estado tem que se responsabilizar por nós, que somos cidadãos e cidadãs como quaisquer outros. Nós construímos esta Nação, como todos constroem.
A diversidade é fundamental para uma nação, e a diversidade cultural e religiosa é muito mais ainda. Nós, de religião de matriz africana, não temos que estar olhando a partir da ótica, do conceito de religares judaico-cristãos. Não temos que nos religar a nada; nós já somos ligados à nossa natureza, aos nossos orixás, aos nossos rios, à água doce como mel, como a Mãe Railda falou.
O nosso símbolo sagrado, a nossa pertença é outra. A conceituação da nossa cosmovisão, da nossa cosmologia, da cosmogonia... Estou tentando ser rebuscado para poder dizer que nós somos de terreiro. Nós falamos iorubá, tocamos atabaque, gostamos de capoeira, mas gostamos de respeito ao que é nosso. (Palmas.)
Então, rogar aos orixás nós rogamos todos os dias, a vida, o mundo. O nosso Deus Supremo, quando cria o universo, ele cria o universo para todos, como a África dadivosa. Como a África dadivosa. Ele cria pra todos, não cria para negros ou brancos, mas ele é negro. A nossa origem é negra, sim, mas ele não discrimina. Os outros é que nos colocam nesse lugar de aculturados, de não civilizados. Veja-se o genocídio da população negra. O tempo inteiro vemos os nossos jovens negros morrendo em chacinas, e nada é feito.
Então, o momento é de reparação a religiões de matriz africana, mas o é a essa cultura mais ampla como um todo. Cada vez que não se aplica, que não se implementa a Lei Federal nº 10.639/03, muitos dos nossos não vão saber o valor que é ser de religiões de matriz africana.
Esse é o meu lugar de reflexão aqui, hoje. Esse é o meu lugar de chamar a atenção a esta Casa, que é nossa também, porque eu sou um cidadão brasileiro. Eu sou um homem de candomblé, de axé. Sou filho de Ogum, me chamo Ogum Denan, "aquele que chega com fogo". Esse fogo é para reivindicar direitos.
Fico muito orgulhoso pela sua presença aqui hoje, por ter aberto a Comissão de Direitos Humanos para que possamos ser ouvidos.
Muito obrigado.
É uma honra ter vocês todos nesta plenária aqui, hoje.
(Manifestação da galeria.)
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Maioria/PSD - AM) - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Aziz.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Maioria/PSD - AM) - Sr. Presidente, infelizmente, no Senado, participamos de mais de uma comissão. Esta é uma bonita solenidade, mas eu pediria sua permissão para que eu me posicionasse, porque ainda tenho que participar de duas votações nas comissões e não poderia deixar de passar aqui hoje.
Primeiro, acho que ninguém pode se envergonhar daquilo em que acredita. Nós, aqui, no Senado, somos Senadores da República do Brasil, somos Senadores de todos, independentemente da crença. Não podemos defender segmentos aqui; temos que defender o Brasil como um todo.
Historicamente, vemos a intolerância religiosa matar em nome de Deus. O mundo hoje sofre muito em nome de Deus. Parece que Deus mandou muçulmanos atacarem judeus, judeus atacarem não sei quem, e assim por diante. Deus não defende a morte. E há um único Deus para todos nós. Se pegarmos o Torá, que fala em Abraão, que cria a religião hebraica, você vai ao Alcorão dos muçulmanos e vê que o Alcorão fala mais em Abraão, que criou o judaísmo, do que propriamente em Maomé, que é o Grande Profeta. Mas é em nome dEle que se mata. É em nome dEle que se vê uma intolerância hoje preocupante na Europa. Essa intolerância levou a esse desconforto e tem matado muitas pessoas ao longo da História. Nós estamos cheios de histórias de guerra santa, de guerra não sei do quê, de morte em nome de Deus. Agora, qualquer maldade que a gente vá fazer, porque a gente discorda de uma pessoa, usamos o nome de Deus.
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Eu quero aqui me colocar à disposição, Senador Cristovam Buarque e meu amigo Otto Alencar, que é da Bahia, um homem que defende muito... Aliás, ele toca atabaque melhor do que qualquer um de vocês aqui. Podem ter certeza disso. Ele conhece tudo sobre atabaque e berimbau, ensina para a gente no plenário, tanto ele como a Senadora Lídice da Mata e o Senador Walter Pinheiro, três baianos gente boa.
Mas quero dizer ao senhor que eu acho que o Senado precisa realmente fazer uma discussão mais profunda. Eu acho que colocou muito bem o Adailton quando disse que não quer ser tolerado. Parece que a gente tolera um doente, um leproso ou coisa parecida. Não é! Espera aí! São pessoas que acreditam, e a gente tem que respeitar a crença. Eu acredito em Deus e respeito todas aquelas pessoas que têm uma crença, porque acho que a crença faz com que a gente evolua, com que a gente cresça, com que a gente conquiste espaço, e isso faz parte, e querer negar a cultura brasileira depois de tantos anos que os negros contribuíram para este País é a gente apagar a História, é a gente chegar e "vamos apagar a nossa História, nós não temos nada a ver com isso". Temos tudo a ver com uma raça tão importante que ajudou o Brasil a chegar aonde nós estamos hoje.
Então, é obrigação nossa sermos solidários à causa. Eu diria para vocês que é uma causa que eu preferiria não estar discutindo aqui. Ninguém está aqui querendo discutir isto. A gente queria estar discutindo outras coisas, e não "vai me tolerar ou não vai me tolerar?" Que brincadeira é essa? Em pleno século XXI, a gente discutindo uma coisa assim?
Eu quero, Senador Cristovam, me colocar à disposição desta Comissão - faço parte dela - e dizer a todos que acreditar, que ter fé não machuca ninguém, não fere ninguém. Você ter uma fé não faz mal a ninguém, você acreditar em algo não faz mal aos outros. A gente tem que combater aquilo que faz mal aos outros, e não vejo, em momento algum, qualquer crença religiosa neste País querer o mal das pessoas. Pelo contrário, querem um país desenvolvido, querem um país que dê igualdade de condições, querem um país em que todos tenham direito a participar da sociedade brasileira.
Era este o meu posicionamento, Sr. Senador Cristovam.
Peço desculpas por ter outras reuniões de que tenho que participar e, infelizmente, não poder ficar muito tempo aqui.
Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador. Muito obrigado por estar aqui mostrando sua solidariedade neste momento. Muito obrigado por suas palavras e também por ter citado o Senador Otto Alencar, a quem eu ia me referir e que realmente merece estar aqui, nesta Mesa, perfeitamente, por sua tradição.
Eu quero lembrar que chegou agora - e muito nos orgulha - o Babalorixá Pecê de Oxumaré... (Palmas.)
... e dizer que esta audiência se deve a ele, porque foi de uma visita que ele me fez, uma visita de pura cortesia, em que discutimos o assunto das perseguições e da intolerância, que eu tive a ideia de fazer esta audiência, que ele apoiou na mesma hora.
Ele veio com um amigo meu, o Melilo, que está por aqui, que é um católico firme, militante, ligado à própria CNBB, que foi quem trouxe o Babalorixá Pecê de Oxumaré para conversar comigo.
Então, eu agradeço ao Babalorixá o fato de eu ter tomado a iniciativa desta audiência, que eu considero uma audiência histórica. Mas vou aguardar para falar disso no final.
Eu quero, antes de passar a palavra ao Frei David Santos, que também, merecidamente, está aqui pela sua luta pelos direitos dos povos negros do Brasil, dizer que um dos sucessos deste evento se deve, como se vê, à quantidade de pessoas. Mas isso traz um problema. Há algumas pessoas de idade em pé. Eu gostaria de pedir que os mais jovens, quando puderem, cedam os seus lugares para os mais velhos e de dizer que, na sala 13, tudo isso está sendo transmitido ao vivo, por uma televisão.
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Frei David, com a palavra.
Eu quase o chamei de Babalorixá David. (Risos.)
(Manifestação da plateia.)
O SR. DAVID SANTOS - Agradeço ao Senador Cristovam e aos demais membros da Comissão Direitos Humanos por esta audiência, à qual, com alegria, nós nos fazemos presentes por entender que esse tema é urgente e necessário.
Eu fiz um eslaide e vou, então, segui-lo para ajudar no encaminhamento da nossa reflexão.
Perseguições contra praticantes de religiões de matriz africana, candomblé.
Pode passar.
Desculpe.
O que é a Educafro? Eu gostaria de dizer o porquê da pertinência de estarmos aqui. A nossa entidade Educafro é uma entidade ecumênica: 60% das pessoas que recebem bolsa de estudo na Educafro são evangélicas, das mais diferentes matrizes, 15% são de religiões de matrizes africanas e apenas 30% são católicas.
Muitos da própria Igreja Católica não entendem porque tantos de outras religiões são beneficiados. Eu deixo bem evidenciado que a missão de qualquer franciscano, de qualquer cidadão do mundo é fazer um trabalho aberto aos irmãos, aos cidadãos do mundo inteiro, e não ligado e preso às quatro paredes de sua expressão religiosa, A expressão religiosa é um instrumento para servir à humanidade, não o contrário.
Falei, então, da percentagem de componentes da Educafro com referência à abertura ao ecumenismo.
A realidade atual.
Por que estamos aqui? Porque nós estamos percebendo que cresce a perseguição às religiões de matrizes africanas. Todos viram o caso dessa criança que foi violentamente perseguida. E, por casos como esse, nós temos certeza de que este Senado e esta Comissão de Direitos Humanos vão, sim, ouvir o apelo de abrir uma CPI para acompanhar esse fato e criar situações para realmente atacar na raiz o problema da perseguição às religiões de raízes africanas.
Incêndio criminoso em Goiás. Polícia investiga invasão e incêndio de terreiro de candomblé em Goiás. E aí está como ficou o espaço de axé, o espaço espiritual, após a perseguição das pessoas doentes do espírito e do corpo.
Apedrejamento de crianças no Rio de Janeiro. Menina vítima de intolerância religiosa diz que vai ser difícil esquecer pedrada. Nós entendemos que a pessoa que jogou essa pedra é uma pessoa totalmente desenraizada de sua missão de cidadania, totalmente desconectada do mundo, porque o mundo é, por natureza, ecumênico.
A diversidade está presente e perpassa todas as realidades do mundo. Lua e sol, chuva e todas as demais forças da natureza vêm mostrar o quanto as religiões e tradições têm total sintonia com a humanidade e, consequentemente, com toda a criação de Deus. E, assim, é uma das religiões mais completas em nossa compreensão teológica.
Massacre ao Centro Yle Axe Ara Orun Yaba Jiyi no Rio de Janeiro. Aí eu faço uma denúncia e peço ao Senador Cristovam que nos ajude. Infelizmente, o nosso irmão Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, talvez sem saber... A sua equipe tem feito violências gravíssimas contra comunidades pobres e, especialmente, terreiros.
Então, aí é a área que está sendo destruída, a comunidade carente que está sendo destruída para se fazer ali o espaço das Olimpíadas.
Nós entendemos que as Olimpíadas devem, sim, ter um espaço, mas é preciso respeitar a tradição cultural, é preciso respeitar a vida do povo.
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Então, vocês estão vendo ali que o terreiro da nossa irmã do Yle Axe Ara Orun está isolado. Derrubaram tudo em volta para pressionar o terreiro a sair do lugar. Só que esse terreiro tem como grande força energética a lagoa que está ao lado dela. Portanto, é um crime o prefeito não ver uma alternativa botando o terreiro próximo à lagoa, em outro espaço, mas em total sintonia, com respeito à tradição religiosa, e não chegar o trator e ir derrubando tudo, como está acontecendo.
Então, nós pedimos que o Senador Cristovam veja um requerimento para o prefeito explicar por que essa violência contra o terreiro.
A postura ecumênica é um desafio. Como católico, eu não imaginava que, antes de minha morte, eu ia ter a alegria de ver um Papa totalmente aberto ao ecumenismo. É um dos homens que considero mais completos no que tange ao respeito à diversidade religiosa. Ele está puxando a orelha da Igreja Católica em tudo aquilo que ela ainda continua errando com referência ao não respeito à diversidade religiosa. Então, ele é um homem de Deus que está realmente fazendo um trabalho ecumenicamente forte.
Ele recebeu uma comissão de ialorixás e babalorixás em sua vinda ao Rio e uma comissão de ialorixás e babalorixás também esteve lá no Vaticano, em reunião com ele, denunciando justamente essa questão da perseguição às religiões.
Fundamentação bíblica.
Desculpe-me.
Fundamentação, a partir dos elementos, dos valores existentes na civilização humana.
Gandhi, grande motivador de nossas vidas, tem a seguinte frase: "uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias". Portanto, minoria, na nossa compreensão, são todos aqueles excluídos, mesmo sendo maioria.
E aqui a fundamentação bíblica.
O apóstolo João, no Capítulo 17, versículo 21, fala o seguinte: "Para que todos sejam um, como tu, ó, Pai, o és em mim e eu em ti, que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste". Ou seja, Jesus prega a unidade, prega o respeito. Portanto, qualquer expressão religiosa evangélica que está agindo de maneira discriminatória contra as religiões afro ou contra uma imagem de uma santa como a nossa Virgem Aparecida - porque eles também têm quebrado imagens de santas, têm entrado em igrejas católicas, têm derrubado e quebrado imagens de santas -, essa postura de alguns irmãos evangélicos, com certeza, não representa as expressões evangélicas. São pessoas desequilibradas que estão agindo de maneira individual ou representando um pequeno grupo.
É bom dizermos para vocês, irmãs e irmãos das tradições de matriz africana, que a Educafro está disponível para ajudar vocês em tudo o que for necessário em relação àquilo que está ao nosso alcance, como apoio jurídico em situações concretas e outros.
É bom lembrar a vocês, por exemplo, que, ontem, dia 15 de setembro, nós estivemos com uma delegação da Educafro na ONU, no Escritório da ONU no Brasil. No momento, o Brasil está recebendo uma delegação da ONU para criar um relatório de denúncias contra discriminações. E nós levamos para a ONU, ontem, para o Escritório da ONU aqui, em Brasília, 18 denúncias de discriminação institucional do Brasil contra nós negros. E um dos pontos que entregamos à ONU, que a ONU acolheu com muito vigor, foi o da perseguição às religiões de tradição afro.
Levamos a mãe de santo...
Fique em pé, irmã, por favor!
Ela foi lá, então, representando as tradições e foi muito bem acolhida. (Palmas.)
Ela entregou à ONU um relatório completo sobre a perseguição às religiões, e, possivelmente, a ONU deverá criar um tema especial só com referência ao tema da perseguição às religiões afro.
Então, eu proponho que todas as entidades de candomblé, de umbanda e demais expressões religiosas... Eu posso passar para vocês o e-mail da representante da ONU mundial que está aqui no Brasil, para vocês mandarem denúncias concretas e urgentes para comporem o relatório dela com referência à discriminação institucional que o Brasil cria em várias situações.
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Também faço um convite aos meus irmãos dos centros de candomblé e umbanda e demais expressões religiosas para abrirem um núcleo de pré-vestibular Educafro em seus espaços. Para nós, é uma alegria poder ajudar, fortalecer, fazer parceria para aumentar o número de irmãos de candomblé e umbanda fazendo faculdade.
Vocês ouviram aqui que o nosso companheiro que está aqui ao meu lado, o nosso irmão Adailton, deixou evidenciado, na sua fala inicial, que ele se formou na PUC com bolsa de 100% que a Educafro articulou. Eu perguntei: "Mas só você da sua casa?" Ele disse: "Não, Frei. Eu e mais oito."
Então, para ele, uma salva de palmas! (Palmas.)
Qualquer terreiro de candomblé e de umbanda que queira ter seus filhos entrando na faculdade - inclusive, já - pode me procurar ainda hoje, porque temos chance de fazer alguns encaminhamentos urgentes ainda hoje. Estamos na volta final do ponteiro.
Portanto, levamos para a ONU 18 denúncias de discriminações institucionais. A ONU acolheu todas e deu ênfase especial, para minha alegria e surpresa, à violência às tradições de matrizes africanas.
(Soa a campainha.)
O SR. DAVID SANTOS - Uma das denúncias que fiz à ONU e que quero partilhar com vocês - a ONU levou um susto quando eu disse isto - foi de que, no Brasil, a matança de jovens negros é uma das coisas mais absurdas do mundo. Para a ONU entender o que eu estava falando, eu disse, Senador Cristovam, que, no Brasil, o número de jovens mortos mensalmente equivale à queda de 15 Boeings 737-800. Volto a dizer, irmãos e irmãs, que, no Brasil, a morte de jovens negros pela polícia e em outras situações equivale à queda mensal de 15 Boeings 737-800. Cada Boeing comporta 217 pessoas. É algo escandaloso e inaceitável!
Também quero, neste momento, pedir aos meus irmãos da Igreja Católica, às autoridades, especialmente, que reflitam se não está na hora de fazer uma cartilha endereçada a todos os padres em todo o Brasil para reverem algumas práticas que ainda perpassam algumas igrejas com referência ao tratamento dado aos irmãos de outras expressões religiosas que chegam, que passam, que têm alguma referência no espaço católico. A gente quer que haja um respeito. Então, faço um apelo aos irmãos bispos, cardeais e à CNBB para que façam uma orientação para diminuir essa postura não sadia.
Também faço aqui um apelo àqueles e àquelas que aqui estão e que têm disponibilidade. Hoje, a União Europeia está aqui no Brasil, e vai haver uma audiência na Câmara às 16h30. A autoridade da União Europeia vem aqui para discutir os desafios das práticas dos direitos humanos no Brasil. Será no Plenário 1 do Anexo 2, hoje, às 16h30.
E também queremos partilhar com vocês uma boa notícia. A Educafro conclama todos os Senadores a votarem contra a redução da maioridade penal. É um equívoco muito grande!
(Manifestação da plateia.)
O SR. DAVID SANTOS - E, na segunda-feira passada, foi lançado, aqui, neste plenário, este livro: A Redução da Menor Idade Penal: Avanço ou Retrocesso Social?
Queremos pedir a todos vocês que entrem no site e vejam esse material. Infelizmente, é o primeiro e único livro do Brasil, Senador, que trata desse tema.
(Soa a campainha.)
O SR. DAVID SANTOS - A clareza está muito grande com referência ao tema.
Concluindo, agradecemos ao Senador Paim e aos demais membros da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, do Senado, por deliberarem brevemente, nas próximas reuniões, sobre uma audiência emergencial com este tema da redução da menor idade penal. Então, peço a vocês que se liguem ao site da Comissão de Direitos Humanos, que, brevemente, vai anunciar uma audiência pública sobre esse assunto.
Senador, desculpe-me por tomar seu tempo.
Um abraço. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu agradeço ao Frei David e cumprimento aqui a Senadora Regina Sousa, que está aqui conosco, que chegou há pouco.
O Senador Otto pediu a palavra.
Aqui, a nossa praxe é de que os Senadores falam na hora que quiserem, por causa de suas atividades outras.
A sua palavra, Senador Otto, é muito importante para nós.
O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Maioria/PSD - BA) - Bem, eu queria agradecer ao Senador Cristovam Buarque.
Eu estava em outra comissão, na Comissão de Assuntos Sociais, e vou para outra, mas fiz questão de vir aqui, embora eu tenha várias atividades no Senado. Estou participando de seis comissões. Somos 81 Senadores. Na Câmara, são quinhentos e tantos Deputados. Então, ficamos com as mesmas obrigações, mesmo com pouca gente.
Mas eu fiz questão de vir aqui porque sou da Bahia, com muito orgulho, sou baiano, e queria fazer uma saudação a todos que estão aqui na pessoa do Babalorixá Pecê de Oxumaré.
Eu, Governador da Bahia, instalei lá o Conselho do Movimento da Comunidade Negra e dei posse a ele.
Eu convivi na Bahia, a vida inteira, com todas as correntes das religiões de matriz africana. Inclusive, tive oportunidade de conviver com duas pessoas que influenciaram muito a minha vida do ponto de vista humanitário: a Mãe Menininha do Gantois - sou ortopedista e fui médico da filha dela, a Creusa, e também da Mãe Carmen... Eu vou lá sempre. Sou católico, mas respeito muito a cultura, até porque a Bahia deve muito a todas as religiões de matriz africana.
Eu sou capoerista e devo muito ao Mestre Bimba. Fui capoerista com ele, com quem convivi muitos anos. Fiz algumas letras de ladainha para ele. Inclusive, quando ele saiu da Bahia para Goiás, ele me pediu que eu fizesse uma música para se despedir da Bahia, uma música...
(Manifestação da plateia.)
O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Maioria/PSD - BA) - Posso cantar. Você toca aí que eu canto.
"Moço, quando eu morrer, camará/ eu não quero choro não/ eu quero que você bote um berimbau na minha mão/ lá joga, quem joga, joga/ lá joga, quem joga, joga/ eu vou jogar/ ieiê/ zum-zum-zum-zum-zum/ capoeira no céu vou jogar/ zum-zum-zum-zum-zum/ capoeira no céu vou jogar/ lá no céu eu vou jogar com o velho mestre Edgar/ com o Chiquinho da Liberdade, Berro d´'Água e Valdemar/ se você não colocar meu berimbau, eu não vou não/ viagem longa eu não faço/ sem um berimbau na mão/ lá joga, quem joga, joga/ lá joga, quem joga, joga/ eu vou jogar/ ieiê/ zum-zum-zum-zum-zum/ capoeira no céu vou jogar." (Palmas.)
Na convivência com o Mestre Bimba, ele, que foi uma pessoa que teve uma valorização muito grande na Bahia... Inclusive, o Glauber Rocha, nos filmes dele, sempre colocava o Bimba de ponta, porque ele era um negro alto, bonito, de muitas mulheres, negras e brancas, na Bahia.
Na Bahia, certa feita, Senador Cristovam Buarque, nós estávamos numa reunião com governadores e pessoas que se diziam brancas puras, e aí o Jorge Amado disse: "Olha, fulano de tal - eu não quero dizer o nome no governador -, deixe de bobagem. Na Bahia, só é branco o cônsul da Suécia. Todo mundo é misturado." (Risos.)
E é misturado mesmo. A miscigenação baiana é muito grande. Ele dizia que, de todo o sofrimento do negro no pelourinho, na escravidão, o que ele mais deplorava era a escravidão de não saber, de não ter educação, para, tendo educação, porque tem boa inteligência, competir em igual condição com o filho das pessoas economicamente mais ricas. Então, eu acho que este é um tema do Senador Cristovam: educação para todos.
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Quero deixar aqui o meu compromisso: se o Senador Cristovam fizer o requerimento da CPI para investigar a intolerância contra as religiões de matriz africana, contra os terreiros de candomblé , eu assinarei imediatamente, sem nenhuma dificuldade. (Palmas.)
Até porque o Babalorixá Pecê De Oxumaré sabe que até na Bahia um prefeito mandou destruir um terreiro de candomblé, mas depois voltou atrás pela pressão que sofreu da classe política, inclusive a nossa pressão, para que reconstruísse.
Isso está acontecendo no Rio, acontece em outros lugares, e acontece silenciosamente, porque é a força do grande contra as pessoas de menor poder aquisitivo e de matriz africana.
Eu devo muito da minha formação humanitária ao Mestre Bimba, que ensinava capoeira mas dizia que não era para andar brigando, porque, na vida, às vezes, recuar também é golpe. Então, para ter uma pacificação é melhor recuar do que andar brigando.
Há também a Mãe Carmem e a Mãe Creuza - eu fui médico delas -, que respeito muito.
Sinceramente, católico como sou, já, várias vezes, participei da missa na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na Bahia, onde quase toda missa é cantada e rezada em iorubá, um dialeto que é professado em quase todos os terreiros da Bahia. Eu o acho muito bonito, mas não entendo nada. Eu gostaria até de entender, pois, quando vou ao Gantois, falam entre si e eu não entendo nada. É como se falassem em inglês. No entanto, é algo que cultuo muito, que respeito muito, pela minha origem baiana.
Portanto, muito obrigado, Senador Cristovam. Eu quero assinar essa CPI com V. Exª.
Peço desculpas por ter que ir para outra comissão agora, pois participo de várias comissões, mas me coloco à inteira disposição de todos vocês aqui, no Senado da República. Meu gabinete é o de número 9 e fica na Ala Teotônio Vilela.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Senador Otto, nós que agradecemos muito a sua presença, a sua fala e seu canto. Queremos que, da próxima vez, o senhor jogue capoeira aqui para nós.
(Procede-se à apresentação musical.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Agradeço a presença do Senador Otto, que deu um toque tão especial a esta nossa audiência.
Antes de passar para a segunda Mesa, vou aproveitar que o Babalorixá Pecê De Oxumaré já está conosco e passar a palavra para ele, repetindo, mais uma vez, que esta audiência surgiu de um encontro meu com ele.
O SR. PECÊ DE OXUMARÉ - Bom dia a todos!
Quero saudar a Mesa na figura do Senador Cristovam, a Ialorixá Railda e todos omo-orixás aqui presentes.
Quero agradecer por este momento.
Começo pedindo a Exu, o Orixá dos caminhos, que conduza este momento.
Hoje, quarta-feira, como todos nós povo de santo sabemos, louvamos e fazemos referência, nos terreiros, a Xangô e a Iansã, esse grande orixá que vem nos protegendo.
Quero fazer um cântico que alguns vão entender. Depois, eu vou também colocar, mais ou menos, o que significa.
(Procede-se à apresentação musical.)
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O SR. PECÊ DE OXUMARÉ - Assim como o fogo não queimou o rei, não queimará os nossos terreiros, não queimará a nossa fé. Nós continuaremos lutando, nossos terreiros continuarão tocando, fazendo suas cerimônias religiosas, fortificando o nosso povo e, também, trazendo força para este País, trazendo prosperidade.
Muitas vezes é dito aí, e nós somos forçados a escutar essas falas na mídia, que os terreiros são os culpados da... (Pausa.)
É muita emoção estar aqui; e estar com vocês, muito mais!
Mas sabemos que nossos terreiros têm um papel muito importante na sociedade, têm um papel social muito importante. E não há, neste momento, agora, o que se comemorar. Nós temos que refletir, nós temos que continuar a nossa luta, porque o Estado tem compromisso...
Eu não estou conseguindo raciocinar mais, mas não é por questão... é porque está me surgindo muita informação aqui, agora, no momento, e eu gostaria de... (Palmas.)
A intolerância religiosa se dá a partir de que nós, povo de santo, também, muitas vezes permitimos. Nós temos de estar - e somos - irmanados, fortificando um ao outro, respeitando um ao outro. E é preciso que esta sociedade entenda - e não vê -... (Pausa.) (Palmas.)
Olhem, pessoal, eu, hoje, realmente, estou, assim, muito emocionado com este momento aqui, com este acontecimento histórico, com estas portas. Mais uma vez, a gente conseguir - e foi com luta! - a sensibilidade do Senador em abrir essas portas.
Mas a nossa luta não para por aqui, ela continua. O povo de santo não pode dar margem à intolerância. Como eu digo em todos os momentos, nós não queremos que sejamos tolerados e, sim, que nós todos sejamos respeitados. Nós precisamos de respeito dentro deste País que nós e os nossos ancestrais ajudaram a construir. (Palmas.)
A intolerância existe não é de hoje, não é de agora, e nós sabemos disso, mas desde quando, aqui, os nossos ancestrais vieram nos navios, escravizados. Nós sabemos por que existe essa intolerância! Nós sabemos por que existe esse desrespeito! Sabemos de onde é oriunda essa religião: da África. E sabemos, por ser uma religião do povo negro, trazida para o Brasil, que ela sofre esse preconceito, o preconceito em várias instâncias - o povo de santo.
E eu passo por isso a cada momento. A cada momento, nós estamos vivenciando esse desrespeito às nossas religiões. Por isso nós estamos aqui.
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O povo de santo vem sofrendo desde quando pisou nestas terras brasileiras, e até hoje essa religião só tem feito um trabalho social muito importante dentro da comunidade. Ela sempre foi importante para a sociedade brasileira. Ela sempre ajudou a construir essa sociedade. Nossas mães africanas amamentaram, trouxeram a sua cultura, alimentaram as grandes casas e não tinham direito a professar a sua religião. E, hoje, há um direito a "professar" - entre aspas.
Nós sofremos nas senzalas, sofremos outras perseguições, fomos passando e estamos aqui hoje. E, hoje, essas perseguições,...
(Soa a campainha.)
O SR. PECÊ DE OXUMARÉ - ... a todo momento, dentro de nossas casas, somos forçados a assistir; aos ataques aos nossos babalorixás, às nossas ialorixás. Como se isso não fosse pouco, hoje os ataques têm sido diretos às casas, aos terreiros, às invasões.
O Senador Otto Alencar colocou aqui que o Prefeito de Salvador derrubou um terreiro. E nós fomos para a frente desse terreiro, para a frente das máquinas e dissemos: "Vocês vão ter que passar essas máquinas, agora, por cima de nós!" Mas ele se esqueceu de dizer.... (Palmas.)
...que o prefeito da época era protestante. Então, percebemos de onde estão surgindo esses ataques, constantemente, porque eles não medem nenhuma dificuldade em mostrar que eles nos atacam.
No entanto, eu queria saber e perguntar: religião prega o ódio religioso? Ou religião prega o amor, o respeito e a fé? (Palmas.)
Como todos nós, candomblecistas - mas também aprendemos um pouco com outros segmentos -, os próprios protestantes, católicos, espíritas e tantos outros segmentos colocam uma passagem da Bíblia em que Jesus diz que aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra. Então, eles não respeitam nem a própria Bíblia, a qual eles, às vezes, professam ou pela qual eles se guiam.
Nós, povo de santo, temos respeito, nós temos amor, nós respeitamos a natureza, nós respeitamos o outro, nós abrimos as nossas portas e não perguntamos quem é, não pedimos antecedentes criminais. As portas estão abertas a qualquer ser que nela bata, e elas estarão sempre abertas para que as pessoas adentrem.
Eu quero deixar, aqui, bem claro, que este é um momento único e que deste espaço aqui nós vamos continuar - vamos continuar - lutando. assim como Xangô e o seu reino não foram destruídos e nem queimados. (Palmas.)
Nós convivemos com o diferente. Nós não incitamos o ódio religioso. Nós não batemos na porta de ninguém dizendo que somos os melhores, nem que nós vendemos um pedacinho do Céu, nem que nós vamos levar ninguém... Nós só professamos a nossa fé. Olodumare é o Criador, Deus - porque a religião afro também acredita em Deus.
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Ela também acredita em um ser supremo, superior. Então, ela não é do mal, ela não professa o mal. Isso é importante. É uma religião do bem, que só faz o bem. Quem quiser ter conhecimento disso, antes de ficar falando sobre nós, vá viver um pouco dentro dos terreiros, vá viver um pouco dentro desse espaço. E aí, eu tenho certeza - e me apego aqui a uma palavra do Pastor Djalma, de Salvador, que diz assim: “Eu hoje conheço o candomblé de verdade. Confesso que um dia eu o condenei, mas hoje eu respeito o candomblé, porque não é nada do que...” (Palmas.)
Falar do desconhecido é muito fácil. Mas vá para lá. Vá conhecer esse desconhecido antes de discriminar, porque a gente discrimina não só o povo de santo, mas tantas coisas neste País: o negro, a mulher, o índio, enfim, todas as tradições. A mulher, que é um ser que concebe todos os seres, o sexo feminino, e deve ser extremamente respeitada.
Eu gostaria de agradecer... (Palmas.)
...este momento e pedir ao Olodumare, pedir ao Orixá Bobô, pedir a todos os orixás que continuem nos abençoando e que nos dê força, porque, se chegamos até aqui, é por vontade de Olorum, é por vontade dos orixás. Então, povo de santo, vamos à luta, vamos à batalha, mas com a bandeira de Oxalá na frente, com a bandeira da paz. (Palmas.)
Não precisamos conflituar, não precisamos fazer jogo sujo, não precisamos atacar. Vamos com amor. Axé.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Quero agradecer muito as palavras carregadas de emoção, transparente, visível, sem disfarçá-la, o que aumentou muito a força da sua fala, e pedir para compor uma outra Mesa, pois não há lugar aqui para juntar todos. Mas vou pedir à Mãe Railda que fique conosco.
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - O. K. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Como símbolo de todos da primeira Mesa e também pelo lado de ter aqui uma mulher conosco. Está bem?
A SRª MÃE RAILDA ROCHA PITTA - Sim, obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Então, eu convido para cá a Mãe Baiana. (Palmas.)
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - A Secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, Givânia Maria da Silva. (Palmas.)
E o Coordenador-Geral da Diversidade Religiosa da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca. (Palmas.) (Pausa.)
Vou passando à ordem das chamadas inicialmente pela Mãe Baiana, que representa aqui a Fundação Palmares.
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A SRª MÃE BAIANA - Obrigada.
A benção a todos os meus mais velhos, os meus mais novos. É um momento de muita emoção estar aqui,e quero agradecer ao Senador Cristovam, porque, de fato, ele sempre tem dado apoio a nós, ao povo de matriz africana. Quero pedir a benção à Mãe Railda, autoridade espiritual máxima nesta Mesa. Quero cumprimentar também a Seppir, na pessoa da Givânia, que está aqui conosco, e quero agradecer a todos e todas em nome do Babá Wanderley, que é do meu axé. Muito obrigada. A benção, meu pai. É do Axé Bamboxê, do qual eu venho.
E, em nome da Fundação Cultural Palmares, instituição que aqui vim representar, quero dizer, Senador, que a nossa Presidenta Cida Abreu, no momento em que houve os ataques em Brasília, não estava, e eu também não estava aqui. Eu estava no Piauí no Seminário Nacional de Povos e Comunidades de Terreiro, também representando o Governo, fazendo o que a Fundação Cultural Palmares pediu: que eu fosse ali representar e dar o apoio para o povo do Piauí, de que, naquele momento, precisava. E a nossa presidenta estava indo para Salvador, porque ali foi lançado ontem, inclusive, em parceria com os Correios, o selo personalizado com o carimbo em homenagem à Mãe Stella do Opô Afonjá, a Mãe Stella de Oxóssi. E esse selo, Senador, vai fazer aquele papel de dizer não à intolerância religiosa. (Palmas.)
Cida Abreu é uma pessoa que tem muita sensibilidade em colaborar com o que diz respeito às comunidades tradicionais de matriz africana. Nós recebemos as denúncias feitas à Fundação. Imediatamente, a presidenta, de onde estava, pediu que, assim que eu chegasse, fosse com uma comitiva visitar esses terreiros e colocou também á disposição a procuradoria, que nos acompanhou nessa missão, nas casas que sofreram ataques, onde a falta de respeito foi muito grande.
Chegando lá, por exemplo, à casa de Babazinho, todos nós não aguentamos o que vimos naquele lugar. Ao chegar à porta daquela casa, foi difícil entrar, porque, na entrada, nós vimos a falta de respeito com que as pessoas tratam aqueles que pertencem a religião de matriz africana. E a nossa procuradora, que não é da religião, nunca tinha visto e muito menos tinha entrado em um barracão, se sensibilizou de tal forma que pediu para sair. Senador, a história é muito séria. O que presenciamos ali foi muito difícil. Foi difícil para o nosso fotógrafo, que estava nos acompanhando, fazer as imagens daquele sagrado. Foi muito difícil. Então, ali nós pudemos registrar tudo e levamos para a fundação. A nossa presidenta já está tomando providências firmes que, com certeza, trarão resultados a essas comunidades tradicionais de matriz africana.
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Saímos dali e fomos à casa do Babá Dejair, pois também recebemos essa denúncia. Foi muito difícil também entrar ali naquele recinto, naquela casa, naquele terreiro, e registramos isso também. Foi tudo fotografado, filmado; ou seja, fizemos um documentário. Tínhamos missão de, nesse dia, fazer as quatro casas, mas foi muito difícil. E, no outro dia, fomos para Valparaíso, e foi difícil também na casa do Babá Ricardo de Omolú.
Senador, a coisa foi muito séria ali. Dali, fomos para o Pai Adauto - não sei se ele está presente, mas nos disse que viria hoje -, que nos relatou o que houve.
Levamos todos esses relatos de volta para a nossa fundação, e a nossa presidenta está muito sensibilizada. Não está, neste momento, porque está em outra missão, juntamente com o Ministro da Cultura, que também abriu as portas daquele Ministério para apoiar as comunidades também tradicionais de matriz africana. E quero dizer, Senador e Mãe Railda, que, logo em seguida, assim que cheguei à fundação, recebi mais duas denúncias muito sérias que já estão registradas, já estão nos autos. O título de uma dessas notícias era assim: "Chuta que é de macumba". Mãe Railda, estão aqui as imagens, tudo está registrado, e a fundação também já está tomando providências sérias. Uma menina de 14 anos, em Curitiba, apareceu numa imagem com a mãe dela no Facebook, uma imagem bonita da criança com um pequeno torço na cabeça. E foi só isso. Quando ela chegou à escola, Senador, foi afrontada pelos coleguinhas, que diziam: "Chuta que é macumba". E, ali, os colegas a pegaram, bateram muito nessa criança, que está com o rosto muito deformado. Por isso, a mãe não autorizou as imagens publicamente, pois o rosto da moça está muito deformado. Essa denúncia também chegou para nós, e vamos tomar as providências necessárias, porque, com certeza, não pode ficar dessa forma.
Então, nossa presidenta, imediatamente, em reunião com os demais diretores, recebeu um documento, um pedido da sociedade civil organizada, do Toque dos Adjás, da Federação de Umbanda e Candomblé do DF e Entorno e do Foafro, pedindo que esta instituição, Fundação Cultural Palmares, entrasse imediatamente em ação e que apoiasse as comunidades, assim como o movimento social organizado, na caminhada nacional contra a intolerância religiosa em Brasília. (Palmas.)
O pedido foi aceito e, portanto, quero já de primeira mão dar essa notícia e dizer que estamos já com uma comissão composta pelo Babazinho, Babá Ricardo, Mãe Vilcilene, que também sofreu intolerância, Babá Dejair, a Federação Toque dos Adjás, Foafro e outros movimentos que também quiserem participar.
Essa é a minha fala, isso é o que trago, e quero dizer que estamos à inteira disposição e com toda disponibilidade para receber as comunidades tradicionais de matriz africana e fazer o que precisar dentro do possível.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Mãe Baiana.
Passo a palavra, agora, à Givânia Maria da Silva.
A SRª GIVÂNIA MARIA DA SILVA - Bom dia a todas e a todos.
Quero pedir a bênção da Mãe Railda, em nome de quem cumprimento todos os pais e mães de santo aqui nesta sala. Quero cumprimentar o Senador Cristovam e dizer da importância de um momento como este, para debatermos a situação que eu preferiria chamar de necessidade de respeito e não de tolerância, como bem disse aqui, já, nesta Mesa, uma autoridade.
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Não queremos tolerância, queremos respeito.
Então, Senador, este momento é muito importante, de escuta, porque também estamos vivendo momentos no Governo, na construção da política, envolvendo esses sujeitos e esses cidadãos, e um espaço como este nos ajuda.
Trago, aqui, a saudação da nossa Ministra, que, em função de estar em outro compromisso, não pode vir, mas pediu que eu viesse aqui discutir, atendendo ao seu chamado, e colocar a Secretaria à disposição, como já está, dos grupos. Todos sabem que temos feito a escuta de todos. Olho aqui e vejo muitos que já recebemos lá, e estamos neste processo de ouvir todos os grupos, todos os cidadãos, para colher deles e delas opiniões que possam ajudar a melhorar a nossa articulação, pois é o nosso papel articular políticas públicas.
Quero cumprimentar os colegas de Governo, a Mãe Baiana e o companheiro Alexandre, da SDH, e dizer como temos tratado este tema lá na Seppir.
Primeiro, logo que a Ministra Nilma Lino Gomes tomou posse, tomou conhecimento dos dados que chegam à Seppir, que tem uma Ouvidoria de Igualdade Racial. Esses dados mostram que, entre 2014 e 2015, só para a Seppir foram enviadas 218 denúncias de falta de respeito ao povo de matriz africana, entre incêndio de casa, arrombamento de casa, apedrejamento de pessoas. Inclusive discutimos um caso em que as pessoas derrubaram um poste próximo a uma casa, para não ter energia nessa casa. Então, denúncias de toda natureza têm chegado para nós.
Qual tem sido o nosso papel? Qual tem sido o nosso entendimento?
Como se trata de uma secretaria de articulação de políticas na perspectiva da transversalidade, todos esses casos, Senador, a nossa Ouvidoria recepciona e encaminha aos órgãos competentes.
Qual é a orientação que temos dado? Há uma tendência, e isso é importante conversarmos entre nós, de os agentes públicos quererem caracterizar esses crimes como briga de parentes, rixa de grupo, briga de vizinhos, e não é. Esses crimes têm que ser enquadrados como crimes de racismo, e esse é um desafio para nós. (Palmas.)
Isso porque o crime de racismo é tratado de modo diferente; não é uma briga. Não posso dizer que Babazinho estava brigando com alguém quando queimaram a casa. Em menos de dois meses, duas agressões, duas violências no mesmo espaço. Primeiro, foi um arrombamento, e o acompanhamos. Uma companheira nossa dá suporte jurídico e acompanha esse caso, que é a Luciana Ramos, uma advogada que trabalha conosco. Não é uma procuradora, mas uma militante do tema e uma advogada muito comprometida. E, no final de semana, houve a reincidência orquestrada das agressões.
Então, entendemos que, primeiro, temos de exigir não só a punição dos casos, mas o enquadramento real da forma como são: crimes de racismo.
Tratamos e falamos da palavra intolerância e a entendemos, mas, na verdade, temos de ir além da palavra intolerância, para o cerne da questão. O que está posto aí é uma questão de racismo, e é pela lei do racismo que temos de tratar isso: crime inafiançável, crime que se pune.
Então, os agentes públicos têm, sim, um papel na recepção dessas denúncias. Isso é muito importante, senão vão continuar querendo inscrever como crimes quaisquer, que não seja o do racismo, para não atender à Lei Caó, que é a lei que pune e dá uma natureza específica ao crime de racismo.
A Ministra, ciente disso, desses dados, Senador, provocou uma reunião com o Ministro de Direitos e o Ministro da Cultura, o Ministro Juca, para esses três ministérios conversarem e tentarem orquestrar uma ação de governo que pense não só na punição, mas na efetivação das políticas públicas para esses segmentos.
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Dali, saiu o entendimento de que um grupo de ministros continuaria discutindo isso. Já fizemos uma primeira reunião, eu e a Cida, Presidente da Fundação Cultural Palmares; o Alexandre, da SDH; o Secretário Executivo do Ministério da Justiça, e tantos outros agentes, compondo esse grupo de assessoramento dos nossos ministros, e já houve a segunda reunião.
O que compreendemos? Eu queria compartilhar isso nesta manhã com os senhores e as senhoras. Primeiro, entendemos que não basta só exigir a punição. Queremos a punição, mas queremos ter políticas efetivas para esses grupos. E isso se faz - estamos acreditando, estamos trabalhando - a partir da edição, da construção do segundo plano de construção de políticas para o povo de matriz africana. O Governo tem um plano, de 2013 a 2015, que dialoga com o PPA 12-15. O segundo dialoga com o 16-19. Estamos, neste momento, na construção, nos preparando para essa elaboração, e vamos conversar com os grupos para estabelecermos uma forma mais dialogada, uma forma mais ampliada de escuta dos senhores e das senhoras sobre esse plano, sobre o que o Governo vai apontar para esses grupos nesse plano.
Estamos com uma expectativa grande com relação a isso. Tenho o apoio desse conjunto de ministérios. Os nove ministros estão conversando sobre esse tema: a Ministra da Seppir; o Ministro Juca, junto com a Fundação; o Ministro Pepe, o Ministro da Educação, o Ministro da Justiça, o Ministro das Comunicações, e a Secretaria de Comunicação. Por quê? Porque entendemos que os meios de comunicação têm sido fortes aliados, em grande parte, desses crimes. E precisamos combater isso. Não é possível se financiarem e se estimularem veículos de comunicação que propaguem esse tipo de atitude, que veiculem matéria associada ao racismo e que coloquem ainda, sob sua missão de livre comunicação e de direito de expressão, as expressões do machismo, do racismo, da intolerância, que, no nosso caso, de negros e negras, são racismo.
Então, esse conjunto de ministros liderados pela Ministra Nilma, mas muito fortemente articulado pelos Ministros dos Direitos Humanos e da Cultura, têm o compromisso, e o assumiram, de, nessa ação de governo, trazer para o plano as políticas públicas, melhorá-las e qualificá-las, mas também orquestrar - e o Ministério da Justiça está responsável por isso - ações que saiam da esfera do Governo Federal e possam chegar aos governos estaduais e governos municipais, porque é lá que os cidadãos estão, lá é que as casas estão, lá é que as casas são queimadas e as pessoas apedrejadas.
Sobre esses crimes, no nosso entendimento, o grande pleito para nós seria federalizar esses casos, porque daria um tratamento, na nossa opinião, mais isento, menos manipulado na ponta, menos assediado nos Municípios e nos Estados. Esse não é um tema fácil. Temos tentado também fazer isso com os quilombolas. Não tem sido fácil essa federalização, e o senhor sabe do debate que há em relação a isso.
Acreditamos que, ainda que não federalizados, não podemos mais assistir a isso e não podemos mais permitir que a nossa sociedade continue...
(Soa a campainha.)
A SRª GIVÂNIA MARIA DA SILVA - ...precisando nos tolerar. A sociedade precisa nos respeitar e não nos tolerar, porque nos tolerar significa dizer que somos - e somos, sim - diferentes. Somos diferentes, mas nossos direitos são iguais. (Palmas.)
Então, é tratar nossas diferenças pelos nossos direitos, que são iguais.
Agradeço imensamente por este espaço, Senador.
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Encaminhamentos já foram aqui propostos pelas autoridades que estiveram nesta Mesa. Eu acho que há aí uma solicitação de uma CPI. Colocar a Seppir à disposição para contribuir no sentido do levantamento de informações, das informações que nós recebemos; colaborar para que, em sendo criada, nós possamos dar e trazer para a sociedade as informações que a sociedade muitas vezes recebe de forma manipulada.
Então, penso que esse é o nosso papel, colocamo-nos à disposição e queremos que o tratamento desse tema tenha o debate ampliado, assim como fizemos sobre questão da juventude. Eu acho que a CPI da juventude, que está acontecendo agora, produziu muitos efeitos importantes que a política pública, os órgãos públicos e os gestores precisam aproveitar.
Portanto, eu acho que um espaço como este, e outros que dele derivem, podem trazer, sim, para a gestão pública, não só do Governo Federal, mas também dos governos estaduais e municipais, indicativos de ações necessárias. Muitas vezes, esses cidadãos que aqui estão conseguem falar aqui na Câmara, no Senado, na Seppir, na Palmares, mas eles não conseguem ter uma audiência com o prefeito, eles não conseguem ter uma audiência com o governador, eles não conseguem ter uma audiência com o secretário, porque, de antemão, já são barrados pela sua própria condição religiosa, em muitos casos.
É com isso que nós nos apresentamos e nos colocamos à disposição de continuar nesta luta para articular esses dois eixos que nós acreditamos serem os mais importantes estruturadores: punição, apuração dos crimes e enquadramento deles como crimes de racismo e elaboração e articulação de políticas públicas para os povos e comunidades de matriz africana.
Muito obrigada, uma boa audiência para todos nós, e que os resultados sejam positivos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu quero passar a palavra para o Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, e depois eu cumprimento alguns que aqui estão.
O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - Saúdo o Senador Cristovam e o cumprimento pela iniciativa desta audiência pública, saúdo a Mãe Railda, como a mais sábia entre nós aqui nesta manhã.
Vou ser bem breve. Eu acho que as falas anteriores contemplaram de forma bastante significativa as questões aqui apresentadas e o desafio presente. Vou-me deter naquilo que é específico da Secretaria de Direitos Humanos. Acima de tudo, eu trago uma palavra de solidariedade, uma palavra de que essa questão nos mobiliza, nos movimenta, nos preocupa. O Ministro Pepe tem esta como uma das questões centrais da sua atuação, e a SDH está empenhada nessa luta, nesse combate, na tentativa de que tenhamos aí um País mais democrático, mais justo, mais equânime.
Tanto Babá Pecê quanto Babá Adailton colocaram Estado Novo, navio negreiro. Então, é uma história que, lamentavelmente, remonta aos nossos ancestrais, à nossa história, e que a gente, que tem avançado tanto em certas pautas, possa comemorar em breve o respeito entre as diferentes pessoas, entre as diferentes crenças, entre as diferentes orientações e identidades de gênero. Enfim, que a gente possa ter uma sociedade madura, em que o outro e a outra sejam respeitados.
Fundamentalmente,eu queria trazer os eixos que fundamentam a ação da Secretaria de Direitos Humanos em relação ao tema da intolerância religiosa e da promoção do respeito à diversidade religiosa. São quatro ações que a Secretaria de Direitos Humanos desenvolve, ou quatro eixos de ação, tendo como referência o PNDH-3, que afirma em um dos seus objetivos a importância do respeito às diferentes crenças, a importância da liberdade de culto e a garantia da laicidade do Estado; são elementos fundamentais que fundamentam a nossa ação.
Uma primeira frente, que a Givânia já colocou na fala dela, é a questão de mecanismos. Qual a ideia que o Governo Federal avalia?
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É importante que, nos Estados e Municípios, tenhamos territorialmente setores e ações de governo e da sociedade civil que dialoguem e que promovam o respeito à diversidade religiosa. Hoje, no Brasil, apenas sete Estados têm colegiados, comitês ou fóruns que atuam, que desenvolvem ações em prol do respeito à diversidade religiosa, e nisso, esta Casa e a Câmara dos Deputados podem contribuir no sentido de que os governos estaduais e os governos municipais implementem políticas, conselhos, colegiados em que se promova o respeito à diversidade. É preciso que os grupos religiosos diversos estejam juntos, conheçam-se, conversem. Como o Babá Pecê falou, que entrem no terreiro, que convivam e que vejam a verdade que se estabelece, porque são todos seres humanos que merecem e devem ter respeito.
Então, é importante que os grupos religiosos, como a fala da Mãe Railda tão bem pontuou, reconheçam no outro um sujeito de direito, como é, e que tenham o respeito um pelo outro. E que o racismo e o preconceito sejam uma questão do passado.
Outro mecanismo importante da Secretaria de Direitos Humanos é a Ouvidoria, que recebe denúncias - eu vou comentar um pouco os dados sobre discriminação religiosa ao final. Mas é um instrumento de recebimento, encaminhamento e monitoramento dessas denúncias. Neste ano, estamos trabalhando na melhora desse instrumento em relação à discriminação religiosa, tipificando de forma específica os tipos de violações que recebemos, estabelecendo, até o final do ano, uma rede de proteção. O Babá Pecê têm uma série de iniciativas, e esperamos contar com vocês para que, em cada Estado, em cada cidade, tenhamos entidades e organizações que possam nos ajudar no monitoramento e na cobrança das entidades competentes em relação à apuração e à definição de devidas punições nos casos de violação dos direitos humanos.
O segundo elemento presente na ação da SDH é a promoção de campanhas, seja pela internet, seja campanhas na rua, televisão, enfim, uma série de ações, como o Humaniza Redes recentemente promoveu na ocasião do lamentável fato da menina Kaylane, no Rio de Janeiro, ou, por exemplo, em uma experiência que temos com a Unicef, o Movimento Paz e Proteção, que visa a afirmar e reconhecer as comunidades religiosas como um espaço de promoção de direitos. Então, a ideia é de que terreiros de candomblé, terreiros de umbanda, casas do povo de axé são espaços ainda onde se promovem direitos.
E, como Estado, temos dialogado e convidado as religiões para que nos auxiliem, por exemplo, no registro civil de crianças e adolescentes de até 10 anos; de crianças que até 10 anos não têm ainda a sua certidão de nascimento, que é a entrada no mundo do direito. Hoje, no Brasil, a SDH identifica 150 Municípios com índices ainda elevados, e, em articulação com a Unicef, estamos estabelecendo uma ação com grupos religiosos para proceder a esse processo e, por conta da capilaridade da religião, tentar chegar a um índice em todos os Municípios com menos de 5% de pessoas sem certidão de nascimento.
Em relação ao ensino, a SDH tem dialogado com o MEC no sentido de produção de material paradidático, produção de formação continuada para professores da rede de educação básica, produção de materiais para a TV Escola, cobrando e dialogando com o MEC sobre a questão de como ajudar na implementação da lei sobre a história da África. Enfim, identificando, a partir da educação, que para a gente é central nesse processo, como a gente pode contribuir para o respeito à diversidade religiosa.
E o quarto eixo é a questão de pesquisas, tanto a partir de diálogos com o IBGE, como também de produções próprias da SDH. Estamos produzindo um relatório sobre intolerância e violência religiosa no Brasil, e a expectativa é de que até o início do próximo ano esteja terminado. A ideia é de que, a partir de autos policiais, processos judiciais, matérias de jornais, informações das ouvidorias, possamos reunir informações e ter uma definição mais evidente do que é e de como acontece a intolerância religiosa no Brasil.
Em relação à imagem, felizmente a sala está muito cheia, mas não dá para ver muito. Mas ali é uma campanha do Disque 100 e do Humaniza Redes, as ações da SDH. Há uma ação que são oficinas deliberativas sobre direitos humanos e diversidade religiosa, em que, no ano passado, reunimos em nove cidades cerca de 200 pessoas de várias religiões e pessoas sem religião. Colocamos as pessoas juntas para conversar sobre direitos humanos, para conversar sobre direitos e encontrar consensos para a vida em sociedade.
Então, a SDH acredita muito na necessidade de mediação de conflito, de diálogo, de encontro para que se vençam preconceitos e para que a gente possa construir uma sociedade mais igualitária e mais justa.
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Materiais produzidos pela SDH. Essa é uma série de TV que está sendo transmitida pela TV Brasil desde o final de 2014. É uma faixa de diversidade religiosa. Um programa se chama Entre o Céu e a Terra e trata de situações ficcionais em que lideranças religiosas comentam certos casos da vida, seja vida cotidiana, como também questões existenciais, um programa muito interessante. E o outro programa se chama Retratos de Fé, onde cada tradição religiosa tem sido apresentada em programas de 30 minutos. São programas muito interessantes, muito bons. A ideia da SDH é tentar levar isso para as escolas e ampliar ao máximo a divulgação e a disseminação dessas informações. É possível assistir a esses programas pela internet.
Em relação ao Disque Direitos Humanos, o Disque 100, a gente tem dados do final de 2011 até meados de 2015. Basicamente eu queria salientar três questões gerais com os senhores e senhoras. Primeiro, o fato de que a intolerância religiosa, cujos relatos a gente recebe nas denúncias do Disque 100, tem um aspecto de proximidade familiar: vizinhos ou parentes - 41% se caracterizam por isso. Então, há importância, como a Givânia falou, de se afirmar que são casos de racismo, sim, que têm outra característica, mas também de se afirmar a importância da mediação de conflito, a importância de o Estado e de a sociedade civil promoverem encontros, promoverem espaços em que as pessoas possam dialogar e se encontrar.
Outra característica é o local da violação, que acontece em casa e também em escolas: 9% das violações recebidas pelo Disque 100 ocorreram na escola. Isso é muito preocupante e muito sério.
Em relação à religião da vítima, a gente tem um predomínio da religião de matriz africana, mas há a presença também de outros grupos religiosos. Então, ideia é de que a intolerância religiosa no Brasil, infelizmente, é democrática nesse aspecto também. O povo de matriz africana é quem mais sofre. Há uma série de outros elementos vinculados à intolerância, mas não é uma coisa exclusiva do povo de matriz africana. Portanto, é importante que a sociedade como um todo se aperceba desse problema e lute para enfrentá-lo como sociedade que deseja uma vida mais saudável para todos os nossos filhos.
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - Eu queria concluir trazendo alguns pontos objetivos.
Primeiro, como afirmei, sobre a questão da matriz africana; segundo, o desafio de todas as pessoas, todos os brasileiros; terceiro, a presença, associada à intolerância religiosa, de questões de homofobia, de racismo, questões ligadas a patrimônios, disputa de terreno. Então, a ideia é de que a complexidade da intolerância religiosa merece uma atenção e um cuidado muito grande do Governo Federal. Quarto elemento: a importância do ambiente escolar como um espaço de proteção, e o Estado não pode negar isso. Assim, a importância da relação com os governos estaduais para combater e promover o respeito nesses espaços e a importância de se estimular o diálogo.
Eu queria concluir com duas imagens que eu acho que caracterizam bem esta audiência. Uma primeira Babá Pecê comentou, que é do Pastor Djalma com um pastor batista de Salvador. O Jornal Batista, de julho, da Convenção Batista Brasileira, diante da questão da menina Kaylane, fez um evento no Rio de Janeiro.
Eu acho que a gente precisa, como o Frei David colocou, procurar as outras tradições religiosas e estabelecer a existência, nas próprias religiões, nos seus seios, de situações de intolerância e, a partir desse diálogo, solicitar, pedir, fazer ingerências para que as próprias religiões apresentem e busquem defender e promover o respeito à diversidade religiosa. É importante, como o Senador colocou, a ideia do recuo como um golpe também, mas também a ideia de incluir o maior número de pessoas nessa luta que não é só do povo de matriz africana, mas da sociedade brasileira. E para isso a gente precisa incluir... (Palmas.)
...lideranças de todas as religiões que reconheçam e afirmem o respeito à diversidade.
Na última imagem, concluindo, Senador Cristovam, eu retomo a nossa ancestralidade africana, uma imagem que discutimos nesse GT da Seppir sobre ações do Governo Federal de promoção à diversidade religiosa, do MPATAPO: o nó da pacificação, um símbolo da paz, símbolo da reconciliação, símbolo da pacificação, símbolo de paz depois de lutas.
O povo de matriz africana no Brasil vive uma história de lutas desde a sua chegada da viagem para chegar ao Brasil, uma viagem forçada. Eu espero que eu possa estar vivo e que os meus filhos estejam vivos, para que a gente viva um tempo de paz para o povo de matriz africana no Brasil. (Palmas.)
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Que possamos, a partir da nossa ancestralidade, a partir da nossa história ter essa experiência.
Muito obrigado.
Axé para todo mundo!
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu quero agradecer e, ao mesmo tempo, registrar a presença de algumas pessoas aqui, o que muito nos honra.
Uma é Equede Jacira da Silva, Ile Axe Baraleji, de Santo Antônio do Descoberto, que está aqui presente.
Outra é a Deputada Erika Kokay, que já foi, inclusive, citada aqui. (Palmas.)
Outro é o nosso querido amigo e companheiro Hélio José, Senador pelo Distrito Federal, que pode falar quando quiser - e, em seguida, vou passar a palavra a ele.
Eu quero dizer o seguinte: como existe uma lista de pessoas que manifestaram a vontade de falar, eu creio que uma oportunidade como esta é tão rara que não justificaria eu suspender esta reunião por causa de tempo ou o que for. Então, depois...
Eu não sei se a Senadora Regina também vai querer falar.
Eu garanti a palavra ao Senador Hélio, mas a senhora teria precedência por estar aqui há mais tempo.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF. Fora do microfone.) - Tem a precedência também por ser mulher. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Então, eu vou passar a palavra à Senadora Regina. Contudo, depois, eu passaria a palavra para aqueles que pediram, exatamente porque é uma oportunidade rara, e eu vou trabalhar para publicar uma plaqueta desta reunião, para que seja distribuída a todas as partes, registrando-se o que nós fizermos aqui.
Eu quero lembrar que, quando eu fui governador - e o Alexandre falou em um fórum de debates -, eu criei um fórum de diálogo das religiões. Eu me reunia com pessoas de todas as religiões, e era um momento, para mim, muito enriquecedor. Claro que não havia esse clima de intolerância que vem sendo criado.
Então, eu passo a palavra à Senadora Regina e, depois, ao Senador Hélio José.
Pergunto se a Deputada Erika Kokay quer fazer uso da palavra. (Pausa.)
Pois bem; e, depois, eu passaria aos que se inscreveram até o presente momento.
Concedo a palavra à Senadora Regina.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Vou ser rápida, porque eu acho que, aqui, nós temos mais que ouvir do que falar.
Só para dizer, Senador, que esse sentimento, essa intolerância sempre existiu. Sentimentos como racismo, intolerância, ódio são sentimentos e, portanto, estão introjetados. E acho que o pessoal descobriu a liberdade, principalmente a partir do advento da internet, e resolveu usar essa liberdade para expressar o que tem de ruim - porque, na internet, nós vemos coisas terríveis.
E quero dizer que a intolerância não é só contra as religiões de matriz africana. Eu estou de blêizer vermelho e, certamente, se eu chegasse ao aeroporto, agora, com esse blêizer e com esse bottom, com certeza, eu sofreria algum tipo de intolerância, porque as pessoas estão à flor da pele. Enfim, isso contaminou a sociedade.
Então, acho que, primeiramente, a gente precisa debater. Não ouvi a primeira Mesa; quando cheguei estava... Alguém do MEC foi convidado?
Quando eu chego às reuniões para discutir as questões de gênero - a pauta feminina está no auge -, eu sempre pergunto, quando vejo um monte de mulheres... Sexta-feira mesmo, eu abri duas conferência municipais, e perguntei: "Onde estão os maridos? Onde estão os namorados?" Porque a gente tem que debater com o outro, não só entre a gente. Aqui é bom, porque a TV está transmitindo, mas é preciso, cada vez mais, que os debates sejam heterogêneos também, com a presença de pessoas de outras religiões, para que se possam trocar e introjetar sentimentos diferentes.
Eu acho que isso passa pela escola, Senador - e o senhor é apaixonado pela educação como eu. A criança introjeta o certo na escola, se a escola ensinar o certo. Se ensinar o errado... Mas tem que virar conteúdo, tem que estar na escola, para ampliar esse debate, porque, só entre a gente, a gente faz um esforço danado, mas... Eu acho que abrir a CPI vai ser importante, até para a gente dar o exemplo, mostrar que há punição, enfim.
No Piauí, a gente tem crianças que não querem ir à escola porque são chamadas de "macumbeiros". São meninos que não querem ir mais à escola, mesmo sem a indumentária. Eles dizem: "Não; o pessoal já sabe que eu sou filho de fulano". Então, não querem ir à escola, o que é muito grave.
Eu acho que a gente precisa discutir isso com o MEC. Por isso perguntei se havia alguém do MEC aqui.
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Acho também que a Igreja Católica, por exemplo, agora está tendo a oportunidade única de trabalhar os valores no seu rebanho, porque temos um Papa para quem temos de tirar o chapéu. Ele está dando uma oportunidade, um exemplo de tolerância, de convivência, mostrando que o importante é o ser humano, independentemente da roupa, do cabelo, do canto e da dança. Isso tudo é expresso.
Eu não era Senadora. Quando me tornei Senadora, recebi de uma pessoa, de um Parlamentar, o cartão do cabeleireiro dela para dar um jeito no meu cabelo. Aí, eu disse que meu cabelo já estava no jeito. Meu cabelo é esse! (Palmas.)
Mas recebi. Isso é para vocês perceberem como é o sentimento arraigado das pessoas. Acho que precisamos...É uma briga que, infelizmente, está começando. Estamos tomando atitudes contrárias, mas é um sentimento que sempre existiu. Não tem jeito de trabalhar se não for pela educação, e devemos começar pelas crianças. Os adultos, às vezes, até se policiam, têm alguns cuidados. No entanto, está dentro, está expresso dessa forma, como, por exemplo, me dar o cartão de um cabeleireiro que pode dar um jeito no meu cabelo. Ela não sentiu que estava tendo uma atitude discriminatória, mas expressou. Então, é preciso que cuidemos muito bem disso.
Estou assinando a CPI ai embaixo, junto com o senhor, para começarmos a dizer para esse povo, para nós, para todo mundo, para a sociedade brasileira que estamos atentos a essa intolerância que está acontecendo no nosso País não só com as religiões de matriz africana. Há intolerância de todo tipo, até relativa à cor da roupa que vestimos. Então, é preciso muito cuidado e muito trabalho.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado.
Quero dizer que, do jeito que está a política por aí, em vez de cabeleireiro, precisamos recomendar é polícia para algumas pessoas. (Risos.)
Senador Hélio José.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Bom dia a todos. Cumprimento o Senador Cristovam pelo acerto, pela delicadeza de organizar esta audiência pública tão importante neste momento que vivemos, de tanta dificuldade em nosso País - dificuldades econômicas, dificuldades políticas, dificuldades de todas as formas. Estamos, inclusive, no mês de luta contra o suicídio, contra a depressão, mês amarelo. É importante que todos nós tenhamos tolerância.
Eu dei uma entrevista agora à TV Senado e disse que a religiosidade é muito importante para todos os povos. Precisamos respeitar e ter tolerância a todas as manifestações religiosas, porque é fundamental a pessoa ter um objetivo, um porquê de amanhecer, de viver, de levantar. E a religiosidade garante esse norte.
Eu não queria começar minhas palavras sem citar, por exemplo, D. Sérgio, Presidente da CNBB, porque sou católico e sei que ele é uma pessoa que tem toda a visão de tolerância; sem citar o nosso Senador Crivella, que é um evangélico do Senado Federal e que tem a visão da necessidade da tolerância religiosa; o nosso Babalorixá Antonio de Oxum, lá do Gama, pessoa que representa bem aqui essa questão que estamos discutindo. Não poderia deixar de falar também de Chico Xavier, por exemplo, com sua doutrina; o nosso querido Ademar Sato, que o Cristovam conhece muito bem, foi secretário do Cristovam no governo, aqui em Brasília, e é o nosso monge budista.
Então, são tantas pessoas com tantas manifestações distintas, que não podemos admitir intolerância. Então, esse trabalho que o Senador Cristovam coloca hoje aqui, nesta importante Mesa de debate, tem o apoio de toda esta Casa, independentemente do credo e da religiosidade de cada um. Nosso País é laico. Nós não podemos admitir esse tipo de situação.
Como o colega estava falando, nos dias 11 e 12, aqui, na região do Entorno, aqui dentro, praticamente, do Distrito Federal, em Águas Lindas e Santo Antônio Descoberto, foram invadidos e incendiados templos religiosos. Isso é inadmissível!
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Essa situação de ódio não está de acordo com a necessidade de harmonia que nós vivemos entre nossos povos.
Eu faço parte de três grupos da Igreja Católica: Casais com Cristo; Ágape, que é o amor incondicional; e o do Diálogo. E acho que todos nós temos de respeitar e compreender todas as manifestações que existem.
Estou aqui para dar esse apoio e para dizer, Senador Cristovam, ao senhor, que é nosso principal mestre na questão da educação neste País, a pessoa que o tempo inteiro nos ensina melhores formas de fazer este País ser cada vez mais desenvolvido por meio do caminho correto, que é o da educação, que a gente não pode admitir que expressões do tipo: "a situação está preta, está negra" continuem sendo usadas ao falar que a coisa não está boa. (Palmas.)
Se falarem que "a coisa está preta", a coisa tem de estar é boa, porque o Brasil é um país miscigenado, lindo por natureza, onde, graças a Deus, a gente se mistura. Tenho orgulho do meu avô, negro. E tenho orgulho da minha avó, mais puxada para índia, que se juntaram e fizeram com que a gente tivesse essa mistura que é bem nacional, bem nossa, bem Brasil.
Então, eu quero parabenizar a Givânia pela fala excepcional, mostrando a importância da existência da Seppir, a importância da existência de uma secretaria que realmente discute a política pública como ela deve ser discutida, para defender os nossos povos e a tolerância em todos os sentidos.
Parabenizo aqui o nosso Alexandre Brasil, da SDH, que está fazendo a tarefa grande de coordenação dos direitos humanos. Hoje, nós estamos tendo, aqui na Comissão de Educação, uma importante audiência pública sobre a questão da violência, sobre a questão da Comissão da Verdade, de todas as perseguições que as pessoas tiveram na vida política do Brasil. Esta Casa está cheia aqui, e lá está cheio também, com debates importantes. E, daqui a pouco, a gente tem também, no plenário, discussão sobre o desenvolvimento econômico por que o Brasil tanto anseia e de que precisa. O Senador Renan está chamando para continuarmos o debate sobre a Agenda Brasil.
Vou finalizar. Estou indo para a segunda reunião seguida, mas eu não podia, mesmo gripado como estou, deixar de vir aqui manifestar meu apoio ao nosso mestre, nosso Senador, Prof. Cristovam, que tem feito um excelente trabalho nesta Casa, defendendo a tolerância, defendendo a compreensão, defendendo a educação. Ele demonstrou isso na prática do governo dele, quando fez o comitê de todas as religiões para estarem debatendo permanentemente, não é, Senador? É isso que precisamos fazer.
Então, pessoal, quero saudar o mês amarelo, quero saudar a tolerância, quero dizer que é importante a nossa união em todos os sentidos para acabar com essa epidemia de suicídio e de depressão que toma conta de todas as nossas famílias. Sei da importância de cada um de vocês, da religiosidade de cada um para evitar isso. Por isso, estou aqui para apoiar essa questão.
Muito obrigado.
Contem conosco. O nosso gabinete está às ordens, sob a orientação do nosso Senador Cristovam.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Antes de passar a palavra para a Deputada Erika, peço que ela aceite que eu dê a palavra inicialmente a uma pessoa que, de certa maneira, é responsável também por isto aqui, o Babazinho, que foi vítima da intolerância, para que faça a sua manifestação. (Palmas.)
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O SR. BABAZINHO DE OXALÁ - Bom dia a todos.
Eu também vou começar aqui, antes da palavra, com um cântico.
(Procede-se à apresentação musical.)
Primeiramente, eu quero dizer que, na verdade, todos esses intolerantes que jogaram água na minha frente terão que pisar sobre a terra molhada. Eu sou de Oxalá! (Palmas.)
Eu quero começar agradecendo a todo o povo do candomblé pelo apoio e dizer que, se não fossem vocês, eu não sei se teria forças para dar continuidade.
Eu quero agradecer também à Seppir; eu quero agradecer a Palmares, pelo apoio que vêm dando à nossa casa. Obrigado de verdade!
Eu quero dizer que, há um mês, sofremos um ato de intolerância. Entraram no nosso terreiro e quebraram tudo. Entendeu? Fui à delegacia, registrei o B.O. - viu, Senador? -, e nada, nada, nada aconteceu. Um mês depois, entraram e atearam fogo. Eu só estou resumindo a história. Atearam fogo!
Eu acho uma falta de respeito; eu acho uma falta de humanidade; e quero pedir atitudes, quero pedir que tomem providências. A Presidente Dilma ficou ciente do assunto nessa reunião que houve lá no Piauí. Ela está ciente e está apoiando.
Então, eu quero pedir ao senhor, juntamente com os demais órgãos competentes, que não deixem passar batido, que tomem providências e que façam alguma coisa por nós. Estamos vulneráveis.
Ainda ontem, uma outra casa, em Águas Lindas, foi incendiada. Então, esse negócio está desenfreado.
Assim, em nome de Oxalá, em nome de Xangô, em nome do nosso povo, tomem uma atitude por favor.
Muito obrigado, gente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Babazinho, e fique certo de que isso aqui já é uma ação nossa, além do que vamos fazer todo o possível, levando isso a todas as autoridades.
Eu passo a palavra, agora, à Deputada Erika Kokay. (Palmas.)
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Eu queria pedir licença a vocês e pedir licença a nossos ancestrais para fazer uma saudação muito especial a cada um e a cada uma de vocês que mantêm viva a nossa brasilidade.
Eu venho aqui - e não falo apenas em meu nome, falo em nome da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana - para dizer que o que nós estamos vivenciando uma série de expressões de intolerância que são inaceitáveis no processo de democracia. E quero dizer que, ao agredir os povos de terreiro, as casas, não estamos agredindo apenas as casas e a religiosidade que precisa e merece ser exercida em todas as suas esferas; nós estamos agredindo a nós mesmos; estamos agredindo este País, porque nós temos, nas casas, o fio condutor da resistência a todas as casas grandes e senzalas que este País vivenciou e que açoitou a nossa dignidade humana.
Portanto, este País tem que exarar a sua gratidão a todas as casas, porque mantiveram vivas essas tradições e mantiveram viva a nossa própria brasilidade.
Assim, nós estamos aqui para dizer que nós não queremos só tolerância. Tolerância sem respeito é hipocrisia. (Palmas.)
Nós queremos, além do respeito, a homenagem que tem de ser feita, todos os dias, a todas as casas, porque as casas são universos de tratar do outro, de cuidar do outro, de acolher o outro; as casas são universos de repartir o alimento, porque todas e todos que se sentem angustiados, que se sentem famintos...
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E ser humano não tem só fome de pão. Essa fome de pão nós estamos deixando para trás. O ser humano tem fome de beleza, tem fome de paz, tem fome de uma série de elementos que nos caracterizam como seres humanos. Todas essas fomes são saciadas dentro dessas casas. (Palmas.)
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Por isso, quando se apedreja uma casa, quando se incendeia uma casa, nós temos que sentir essa pedra em cada um de nós. E nós temos que dizer que não é possível que nós possamos menosprezar este absurdo. O absurdo não pode mais ser menosprezado!
Uma menina que estava com indumentária candomblecista foi vítima de uma agressão. Outro que não pode sair com suas contas. Que País é este que não respeita as contas? As contas não têm que ficar escondidas; têm que ser mostradas. (Palmas.)
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Nós temos povos de santos, que precisam e merecem ser respeitados. Que País é este onde os atabaques têm que ser ensurdecidos e onde nós não podemos escutar os atabaques?
Nós queremos um País onde não haja qualquer limite aos atabaques, às contas e ao exercício que o ser humano faz de diálogo com o próprio Divino.
Por isso, nós estamos aqui para dizer que vamos exigir que o Governador do Estado de Goiás tome todas as providências...
(Manifestação da plateia.)
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - ...para que nós não tenhamos hoje um terreiro e depois outro terreiro... E nós não asseguremos aquilo que está na nossa Constituição, que é a liberdade de credo.
Entendemos que os povos tradicionais de matriz africana não são apenas uma expressão da nossa religiosidade; são uma expressão de nós mesmos, uma expressão de cultura. Entendemos que muitos de vocês muitos foram levados a exercer essa missão.
Eu fico pensando, muitas vezes, que alguns não chegaram a escolher; foram escolhidos para trazer o bem. (Palmas.)
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Foram escolhidos para o acolhimento e para olhar em cada ser humano um próprio ser humano.
Por isso, digo para cada um e cada uma de vocês que cada pedra, cada fogo que é ateado, é ateado na alma deste País, na história deste País.
Por isso, nós queremos fazer uma diligência, Senador Cristovam, na próxima segunda-feira, a estes terreiros, que merecem a nossa solidariedade, mas, mais que isso, merecem a nossa gratidão, como todos os terreiros do nosso País, como todas as casas que fazem esse nível de acolhimento.
Por fim, quero dizer que este grupo que foi criado na Seppir, nacionalmente, que é interministerial, deve repercutir e se reproduzir em todos os Estados. Quantas vezes nós estivemos na Agefis (Agência de Fiscalização do Distrito Federal), aqui no Distrito Federal, para dizer que havia uma fiscalização discriminatória, fora da lógica urbanística, para calar os povos de santos.
Ora, os donos das casas grandes tentaram calar e não conseguiram - e não vão conseguir! - calar esse povo, que traz a força dos orixás, a força da nossa brasilidade,... (Palmas.)
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - ...a força de uma África, que carrega uma felicidade guerreira e a necessidade de nós nos reconhecermos como um País e como uma Nação diversa.
Por isso, digo: é preciso que nós tenhamos, em todas as unidades da Federação, estes grupos, para que nós possamos ir para dentro das escolas. Cadê o estudo da África dentro das escolas, que muitas vezes é rompido ou cerceado, porque não se quer falar da religiosidade, do funcionamento das comunidades de matriz africana?
Chega de discriminação! Chega de preconceito! Que nós possamos, no dia de hoje e sempre, mostrar as contas, fazer com que os tambores possam ser escutados e dizer: "Nós somos povo de axé, e por sermos de axé, temos a força que este Brasil carrega e que a África carrega".
Um grande abraço para vocês.
(Manifestação da plateia.)
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu vou passar para uma longa lista de pessoas que aqui estão e que querem falar. Creio que esta é uma oportunidade que não podemos perder. Só peço que se encurte ao máximo a fala de cada um, já que não estão na Mesa, para que possamos terminar num certo momento e que a reunião não fique, daqui a pouco, se esvaziando.
Antes disso, quero registrar a presença do Tiago de Oliveira; do Ogã Luiz, de Valparaíso; da Mãe Dalila, do Foafro; da Mãe Solange, da Afromulher; do Anderson Flor, do CENDF; do Ogã Alexandre, da Crema; e do Rafael, que representa a Federação de Umbanda e Candomblé.
O primeiro, na ordem de inscrição, é o que eu citei há pouco, Tiago de OIiveira, Presidente do Movimento do Orgulho Afrodescendente, a quem eu passo a palavra e que não precisa vir aqui. Pode falar de onde estiver, se houver um microfone.
O SR. TIAGO DE OLIVEIRA - Bom dia a todos, bom dia, Senador. Motumbá a todos os meus mais velhos, motumbá a todos os meus mais novos.
Meu nome é Tiago. Faço parte do Movimento Orgulho Afro, que é um movimento novo. Vou encurtar aqui para não prolongar muito, Senador. Esse movimento veio para somar; não veio para querer dividir. O intuito não é lutar contra os movimentos que já aí estão, porque sabemos que antiguidade é posto e respeitamos isso, Queremos somar.
Viemos aqui realmente entender o que, segundo a Constituição e a legislação, significa intolerância, e como se caracteriza esse crime, porque eu acho que falta uma adequação dessa conduta criminosa.
Hoje em dia, se uma casa é destruída, se uma casa é apedrejada, invadida, incendiada, a polícia simplesmente chega e registra como invasão, registra como um simples furto, um qualquer simples, simples de simples. Nada é feito, nada é executado, tudo fica na mesma, e aí? O povo negro vai continuar sendo humilhado, vão continuar as nossas casas sendo invadidas? Até quando? Até que volte a inquisição? Quer dizer, acho que já voltou a inquisição. É uma nova roupagem da inquisição? Estão caçando as bruxas? Nós somos as bruxas para esse povo? Eu creio que não.
Realmente, vale ressaltar que a intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças de práticas religiosas ou não. Essas atitudes começaram, antigamente, com xingamentos; viraram pedradas, como no caso da Kaylane, a menina do Rio de Janeiro; agora, como invasão, na casa do Babá Dejair, na casa do Babalorixá Babazinho, entre outras invasões. E tudo foi registrado como simples atentado, furto, invasão, incêndio casual; nunca é investigado.
Então, precisamos de uma reformulação nessa questão da intolerância. Concordo com todos que falaram que não temos que ser tolerados; temos de ser respeitados mesmo. É o que falta: respeito à nossa religião.
Para finalizar, relembro o caso que aconteceu de Mãe Dendê de Oiá, em vila de Abrantes, em Camaçari, na Bahia: uma senhora de 90 anos de idade, uma das mais idosas dentro da religião naquelas redondezas. Ela faleceu pelo simples fato de que se resolveu fundar uma igreja evangélica, chamada Casa da Oração, ao lado da instituição religiosa, e se quis fazer um culto de libertação.
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Esse culto de libertação durou a madrugada inteira, do dia 30 para o dia 31 de maio deste ano, proferindo-se palavras como: “Queima essa, Satanás!" "Liberta, Senhor." "Destrói a feiticeira." E essa senhora ficou a madrugada inteira acordada. Foi acionada a polícia, foi acionado tudo, e nada foi feito. Eles ficaram a madrugada inteira proferindo palavras de cunho intolerante, racista e preconceituoso contra a instituição.
E o que aconteceu? Vai ser o que acontecerá se nós não nos unirmos e lutarmos em prol desse ideal. Ela teve um infarto e não resistiu; veio a óbito. A priori, foi registrado como um mal súbito. Só que, após pressões de alguns Deputados, pressão mesmo da própria Seppir, foi registrado isso como um ato de intolerância, e está sendo investigado.
A gente precisa que uma pessoa morra para que isso seja registrado como intolerância? Eu creio que não. Eu acho que é preciso ter questões, remédios paliativos para evitar esse tipo de coisa. A gente tem que dar um basta nisso.
Chega dessa intolerância, desse racismo, porque o Brasil já está cansado. Nós, das religiões de matriz africana, estamos cansados de ser tolerados; temos que ser repeitados mesmo!
Senador, muito obrigado. Obrigado a todos e bom dia. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Agradeço e passo a palavra ao Dr. Bernardo Pablo, que é Vice-Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-DF.
Estamos colocando cinco minutos.
O SR. BERNARDO PABLO SUKIENNIK - Presidente, obrigado. Bom dia. Quero ser bem breve, porque a nossa ideia é oferecer questões concretas.
Inicialmente, gostaria de lamentar os fatos ocorridos aqui no Entorno do DF. A nossa Comissão de Liberdade Religiosa do Distrito Federal está muito preocupada com essa questão.
Inicialmente, já gostaria de registrar aqui que estou com dois ofícios da nossa comissão direcionados para o Sr. Delegado Fernando Augusto Lima da Gama, da 17ª Delegacia Regional de Polícia de Águas Lindas, e também para o Delegado Felipe Caoe Socha, também chefe da delegacia de Santo Antônio do Descoberto.
Vamos requerer que eles levem essa investigação a fundo. Queremos que seja descoberto tudo. (Palmas.)
E queremos também que conste isso, se houver motivação religiosa pelos atos praticados. Nós precisamos dessa informação porque, só com informação, nós poderemos dar andamento a essas questões, e que verdadeiramente as pessoas respondam pelos crimes que praticaram.
Terminando a minha fala, já vou entregar-lhes, para que eles possam protocolar nas respectivas delegacias.
Também gostaria de conclamar a todos que fortaleçamos as nossas instituições. Precisamos ter como objetivo a criação de uma rede de defesa da liberdade religiosa. (Palmas.)
Nós temos, na Secretaria de Direitos Humanos, sob a liderança do Sr. Alexandre, o Comitê Nacional de Diversidade Religiosa. Isso aí deve ser replicado em todos os Estados e nas principais cidades do Brasil. Nós temos que trabalhar nisso.
Presidente, Senador Cristovam, nós temos aqui projeto tramitando no GDF para criação do Comitê Distrital de Diversidade Religiosa desde 2013. Nós precisamos que esse comitê saia do papel, porque estamos vendo aqui que o Entorno está pegando fogo, literalmente, e nós precisamos de instituições para fortalecer essa questão.
Nós temos a comissão da OAB que já está à disposição de todo mundo para poder registrar esses casos e levá-los adiante, mas nós precisamos justamente criar uma rede em nível nacional, nos Estados e nas principais cidades do Brasil, para poder amparar esses casos e dar uma resposta efetiva para esse problema.
Presidente, eu também gostaria de requerer o apoio desta Comissão, especialmente de V. Exª que tem muita influência, no sentido de conversar com o Presidente da OAB nacional, Dr. Marcus Vinícius Coêlho, para que crie a Comissão Nacional da Liberdade Religiosa no âmbito do Conselho Federal da OAB. (Palmas.)
Passou da hora de a nossa Ordem... Nós temos comissões de liberdade religiosa em seis Estados. Nós precisamos em todos os Estados do Brasil. Chega de nós, os defensores da liberdade religiosa, trabalharmos como voluntários quando estamos contra profissionais dos que atacam a liberdade religiosa. (Palmas.)
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Diante disso, desde já, agradeço, porque eu sei que nós vamos contar com o empenho desta Casa, para atingir esse objetivo de criar as comissões de liberdade religiosa pelo Brasil, no Conselho Federal, e os comitês de diversidade religiosa nos Estados. Estão tramitando vários Brasil afora. O Alexandre tem informações a respeito disso e poderá assessorá-los melhor, inclusive, em relação a essa temática. E, assim, que nós possamos construir uma rede de defesa da liberdade religiosa que nos permita enfrentar esse problema, com ações concretas e com atitudes firmes, com instituições tanto da iniciativa privada, como pública!
(Soa a campainha.)
O SR. BERNARDO PABLO SUKIENNIK - Desde já, gostaria também de registrar a presença aqui do Dr. Elianildo Nascimento, membro do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa; e também do Dr. Talaguibonan, que é membro da nossa Comissão de Liberdade Religiosa aqui no Distrito Federal. (Palmas.)
O SR. BERNARDO PABLO SUKIENNIK - Com essas palavras, quero parabenizar... E eu gostaria de encerrar com uma salva de palmas para todos os que estão aqui presentes, que têm dado repercussão para esse tema.
(Manifestação da plateia.)
O SR. BERNARDO PABLO SUKIENNIK - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Dr. Bernardo.
E eu passo a palavra agora à Babá Alaiye Alexandre de Oxalá, que é Presidente da Rede Afro e Secretário de Religiosidade da Negritude Socialista Brasileira no Distrito Federal.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Ah! Já foi. Está bom.
O Presidente da Federação Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Sr. Rafael Moreira. (Pausa.)
Ainda está? (Pausa.)
Por favor, Rafael.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Por favor, Rafael.
O SR. RAFAEL MOREIRA - Boa tarde! São 12h10 já, nós não almoçamos, mas boa tarde!
Primeiro, a bênção aos mais velhos, a bênção aos mais novos!
Cumprimento a Mesa, Senador, através da Casa de Pai Dejair e da Casa de Babazinho, que são os maiores afetados neste momento. E, como o doutor da OAB falou, parabenizo todos os que estão aqui presentes, porque nós temos aqui todas as nações do Candomblé: nós temos a umbanda; nós temos o queto, o angola, o jeje, o nagô, o terecô, a jurema. Uma salva de palmas para todos! Pela primeira vez reunimos todos em um local só. (Palmas.)
O SR. RAFAEL MOREIRA - Eu começo parabenizando o Senador Cristovam pela iniciativa. E agradeço também a alguns Deputados que estiveram ontem na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). E temos aqui um representante do Deputado Cláudio Abrantes, que é o Amauri, por meio de quem agradeço pelo discurso do Deputado Cláudio, em seu pronunciamento, na defesa das casas; no mesmo sentido, a Deputada Luzia de Paula esteve lá ontem também pronunciando-se e solidarizando-se no apoio a essas casas.
Senador, quando o senhor foi governador aqui em Brasília, no Distrito Federal, criou uma das leis que tratava da adoção de parques e jardins, em 1998, se não me engano. De lá, saíram alguns movimentos para a adaptação de terrenos para casas de santo. Mas isso nunca saiu do papel: entra governo, sai governo, e as nossas casas continuam em residências.
Nós também tivemos recentemente um problema na casa de Mãe Vilcilene, em Águas Lindas. Para ela conseguir voltar a tocar, para conseguir concessão do alvará de funcionamento, teve de mexer na casa dela, para abafar o som dos atabaques.
Aqui em Brasília, como a Deputada Erika falou, estivemos na Agefis diversas vezes, para tratar de alvará de funcionamento. Recentemente, com o Dr. Talaguibonan, membro da OAB, conseguimos tirar um alvará para a casa de Mãe Noeli, em Planaltina do Distrito Federal, que praticamente foi obrigada a alterara a acústica da casa toda. Ou seja, daqui a pouco, teremos de colocar som para tocar para os orixás já com um CD gravado, porque não vamos poder nem fazer barulho, nem tocar os atabaques mais.
Senador, temos uma carta para ser entregue à Comissão - será entregue a um assessor seu -, juntando as instituições: a Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno; a Rede Afro; o Foafro/DF; o Foafro-Val; a Crema e a Afrocom. Todos nos unimos em razão dos ataques a essas casas. E vamos fazer a entrega deste documento para a Comissão, para que sejam tomadas as medidas necessárias.
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Saindo daqui também vamos ao Ministério da Justiça, mais uma vez, protocolar outra carta referente a esses ataques. Só que não está valendo de nada. Nós estamos protocolando, nós estamos participando, e não sai das gavetas, Senador, não sai dos papéis, não sai nenhuma decisão!
Quanto à casa de Mãe Vilcilene, nós tivemos que dialogar; ela teve que pagar advogado e tudo para conseguir que a casa dela voltasse a funcionar. Já a casa de Babazinho, como ele mesmo colocou, trinta dias atrás, foi atacada, e até hoje o BO não saiu. Ninguém nunca foi sequer à casa dele para perguntar: "Ei, como é que foi?" Na casa de Babá Dejair também foi feito o BO. Alguém foi lá, Pai? Não.
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL MOREIRA - O bombeiro sequer comparece às casas incendiadas. Uma vez que há necessidade de comparecer lá, eles demoram sete, oito dias. Ou seja, eles convivem e moram dentro dessa casa, eles precisam entrar e sair. Como é que nós vamos fazer?
Senador, em nome de toda a religiosidade, candomblé, umbanda, ketu, angola, jeje-nagô, entre outras, se vocês, que estão em um nível superior dentro desta Casa, não puderem nos ajudar, nossas casas vão ser fechadas, os nossos atabaques serão calados. Ontem foi a casa do Babá Dejair e do Babazinho, amanhã vai ser a minha ou a de qualquer outro zelador, até que um dia conseguirão fechar todas, e não é isso que queremos.
Eu assumi a federação com 30 anos de idade. Há zeladores, como Mãe Railda, por exemplo, que o dobro da minha idade de nascimento ela tem de santo. Nós que somos os mais jovens herdamos isso. E será que nós vamos conseguir continuar? Fica essa pergunta para o Poder Público.
Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu passo a palavra agora para o Pai Nino Oxanguian, que é Representante da Rede Nacional Oxumarim.
O SR. PAI NINO DE OXANGUIAN - Eu sou do Oxumarim, mas herdei uma casa do Oxanguian. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Está errado aqui.
O SR. PAI NINO DE OXANGUIAN - Quero aqui pedir a bênção a meu ancestral, na pessoa de Rui Matias da Silva, mais conhecido por nós com Pai Rui de Oxalá. Se não fosse ele, eu não estaria aqui. Foi uma grande pessoa dentro da religiosidade aqui em Brasília. (Palmas.)
Saúdo a Mesa na presença dos Senadores e dos demais Parlamentares que estiveram aqui, na presença da minha Mãe Railda - a bênção, Mãe!
Gostaria de saudar as mulheres presentes, pois a nossa religião é de resistência feminina. Sabemos que é de resistência feminina.
Eu represento o Foafro, a federação, a Renafro, mas não vim aqui falar desses órgãos. Eu vim aqui falar do movimento sindical, que é tão importante para a gente neste momento, porque nós da NCST, da qual eu faço parte, da Contratuh, que é a confederação, sabemos que os primeiros trabalhadores deste País foram os índios e os negros. E se nós defendemos o trabalhador, que é tão bem quisto nessa Casa e principalmente nesta Comissão pelo seu Presidente, Senador Paulo Paim, sabemos muito bem como, através desta audiência, vão ser conduzidos os nossos problemas, que não são só injúria racial, como eles querem colocar, mas racismo.
Nós temos pessoas no Governo e temos pessoas dentro do âmbito trabalhista que estão despreparadas para aceitar esse tipo de denúncia. Os órgãos competentes têm que preparar do professor ao delegado, ao juiz, porque muitas vezes, quando se chega lá, encontra-se um evangélico, que encara o nosso caso como um caso de gaveta. Engavetam todos os casos que protocolamos lá nos órgãos competentes. Às vezes temos pessoas nossas dentro dos órgãos que tentam colocar, empurrar cada vez mais, mas chega uma hora que cansam, porque nós não temos respaldo daqueles que deveriam estar ali nos representando. Isso, porque, na época de eleição, vão lá dentro do nosso terreiro, pedem para que a mãe de santo, o pai de santo faça ebós escondidos para que possam assumir uma cadeira. E, depois que isso acontece, eles nos viram as costas.
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Quero deixar bem claro que nós de terreiros de matrizes africanas fazemos muitas vezes o papel do Governo. Por exemplo, fazemos o papel do SUS, quando a nossa comunidade nos procura, a uma mãe de santo ou um pai de santo, nós somos psicólogos, médicos, juízes de pacificação e, muitas vezes, juízes de Direito, tirando o filho dessas pessoas da própria cadeia pública, que não nos dá o direito de entrar lá e fazer nosso ato religioso de passar um ebó dentro de uma instituição dessas, assim como acontece nos hospitais, direito que dão a outras religiões.
Senador Paulo Paim, o senhor chegou agora.
Estou falando aqui em nome da Nova Central Sindical...
(Intervenção fora do microfone.) (Risos.) (Palmas.)
O SR. PAI NINO DE OXANGUIAN - Senador, nós sabemos da sua representação dentro da Nova Central Sindical. Eu estava, ontem, conversando com o Moacyr, o nosso Presidente da Confederação - nós ficamos aqui até tarde -, e eu falei que estaria hoje aqui falando em nome da mesma.
Nós, povos de terreiros, somos perseguidos neste País desde o começo dele. Sabemos, muitas e muitas vezes, que essa perseguição tem cunho, sim, religioso. Por termos outras religiões num país laico, que não nos aceita, dizem que somos "filhos do demônio"...
(Soa a campainha.)
O SR. PAI NINO DE OXANGUIAN - Estou terminando.
Dizem que somos "filhos do demônio", que somos "coisa de preto", e, como ensinou a primeira religião deste País, tudo que é de preto não é bom. Isso vem, digamos - não sei como falar a palavra mais certa -, de nossos antepassados, que sofreram, e dessa tradição desses brancos que se julgam melhores do que a gente. Mal sabem eles que, se eles estão num país que está do jeito que está, é porque este País foi construído por mãos negras, colhendo os algodões brancos, colhendo o ouro branco que havia neste País. Se não fossem as mãos negras, esse ouro não teria rendido o que rende hoje, porque nós não somos um país falido, como eu ouvi falar numa reportagem há pouco tempo. Nós somos um país rico, rico de cultura, rico de coragem, rico de tudo que é preciso para se crescer neste País. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Quero passar a palavra agora à Yalorixá Luizinha de Nanã, que eu creio ter muito que nos dizer sobre o que está acontecendo no Rio de Janeiro.
A SRª YALORIXÁ LUIZINHA DE NANÃ - Boa tarde para todos!
Meu nome é Heloisa Helena Costa Berto. Eu sou conhecida espiritualmente como Luizinha de Nanã. Eu sou neta direta da Casa Branca do Engenho Velho, sou filha da falecida Elmira de Jesus, da Oxum, sou neta de Elsa Rocha de Iemanjá, sou sobrinha-neta de Mãe Teté de Iansã, também lá do Rio de Janeiro, e tenho 40 anos de santo.
Eu estou aqui porque a minha casa, o Yle Axé Ara Orun Yaba Jiyi, está localizada hoje em dia numa área que entrou em guerra, infelizmente. A área de que nós estamos sendo obrigados a nos retirarmos... Nós estamos sendo obrigados a nos retirarmos dessa área por causa da Prefeitura do Sr. Eduardo Paes e por causa também das Olimpíadas. Nós moramos lá há mais de 40 anos. É uma vila que sempre foi pacífica, uma vila que não tinha... Ela era, originalmente, uma vila de pescadores, um lugar completamente distante de tudo, há 40 anos, e nós obtivemos o título de terra nesse tempo. E agora, por causa de Olimpíadas, por causa de 30 dias de jogos olímpicos, por causa de pessoas que virão aqui e não vão poder conviver com "pobres fedorentos", como noticiou... O Sr. Carvalho Rossi noticiou isso na mídia, falando claramente que nós não tínhamos o direito de permanecer lá. Então, agora nós somos obrigados a sair.
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Existe uma parte, uma área na vila que é de especial interesse social. E nós, então, teríamos direito a ser reassentados, mas não podemos ser reassentados porque a Prefeitura não autoriza, justamente para que os "pobres fedorentos" não possam ficar lá. E eu não posso brigar apenas pela minha casa de santo, que está desapropriada, com ameaça de ser derrubada; eu tenho que brigar também pela minha comunidade, porque são pessoas que moram lá há anos e construíram uma vida inteira. Não é uma questão de valor, mas uma questão, sim, de você amar a sua terra, de amar o seu lar e querer continuar na sua casa. É apenas por isso que nós lutamos.
A minha casa fica à beira da lagoa. A lagoa é uma lagoa de lodo, uma lagoa com água salobra, e Nanã, de maneira alguma, não abre mão do lugar dela. (Palmas.)
Ela disse que pode até... Como a casa fica no meio do caminho, ela pode até abrir mão daquela casa, desde que seja construída uma nova casa que fique no local perto da lagoa, no mesmo local, ali na vila, junto com as outras pessoas. (Palmas.)
Existe um plano popular feito pela UFF, Universidade Federal Fluminense, que até ganhou um prêmio internacional de urbanização, para que pudéssemos continuar morando lá. Mas isso tudo é descartado pela Prefeitura. O discurso do Prefeito Eduardo Paes para a mídia internacional é o de que quem quiser pode ficar. Só que são cortadas água e luz e nós vivemos no meio de ratos, de esgoto e de construções. Então, é impossível morar lá do jeito que está. Eu estou com meu centro espírita fechado há um ano e meio, e não há condição nenhuma de eu fazer mais nada lá.
Então, eu estou pedindo misericórdia a todos vocês para que possam ter uma audiência pública com o Sr. Eduardo Paes para que ele explique por que, mesmo a gente tendo tanto direito, a gente não pode continuar lá.
Eu queria também...
(Soa a campainha.)
A SRª YALORIXÁ LUIZINHA DE NANÃ - Só um minuto. A última parte é muito importante.
Durante este ano e meio, eu fui, muitas vezes, à Subprefeitura da Barra para resolver o meu caso e fui humilhada, fui massacrada. Eu fui ferida, muitas vezes. Uma vez me deixaram esperando sete horas e meia. Eu tenho problema de locomoção. Eu tenho oito parafusos e um pino na minha coluna, e me deixaram oito horas e meia. Ele falava: "Fique aí mais um pouquinho. Daqui a pouco eu te atendo." E eu só fui atendida... Eu fui a penúltima a ser atendida, só porque eu deitei em frente à porta dele e falei: "Não aguento mais com a minha coluna." Então, só aí ele me atendeu, às 22h30.
Na última vez, ele pegou o Sr. Marcelo Marques, Procurador de Justiça, uma pessoa que teria a obrigação de me atender e de fazer justiça para mim e fez isso. Na última vez, ele me humilhou muito porque eu não estava com o meu filho, porque, no momento, eu era uma negra, uma mulher, uma velha, macumbeira, como já fui chamada... Ele me humilhou a ponto de, quando eu saí da sala dele, eu ter uma crise nervosa e ficar sete dias de cama. Eu tenho atestado médico demonstrando isto. Eu estou à base de antidepressivos e de ansiolíticos. Eu tenho prova de tudo isso. Eu tenho retrato me mostrando deitada na frente da porta dele.
Então, eu queria que vocês me dessem uma resposta do que vocês podem fazer em relação não só a mim, porque eu não penso só em mim, mas em relação à minha comunidade. Agora, somos poucos, somos menos de 30%, mas somos pessoas que querem ficar lá. Os que ficaram querem ficar lá. Mas o direito da gente não está sendo respeitado. E eu queria saber por que, de acordo com o que for, eu não acredito mais nem na Justiça e nem na política... Se tirarem de mim a minha casa, se tirarem de mim a casa da minha mãe Nanã, se tirarem a casa dos meus vizinhos todos, eu não posso acreditar em mais nada neste País.
Obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Essa luta é nossa também.
A SRª YALORIXÁ LUIZINHA DE NANÃ - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - E vamos estar juntos.
Passo a palavra agora ao Ogan Luiz Alvez, coordenador do Foafro-DF.
O SR. OGAN LUIZ ALVEZ - Que o Exu da língua falante conduza minhas palavras, para que as mesmas sejam de proveito para nossa comunidade e para toda nossa fé.
Fico feliz ao olhar aqui e ver esta Casa cheia, mesmo sabendo que muitos dos nossos tiveram problema para entrar nesta Casa hoje. Mas, ao mesmo tempo em que fico feliz de ver o nosso povo aqui reunido, fico triste de saber o motivo desta nossa reunião. Não estamos aqui para comemorar a nossa ancestralidade. Não estamos aqui para louvar os nossos orixás. Estamos aqui para gritar por vida. Estamos aqui para poder gritar por um direito inato que nos é tirado neste dia e em todos os dias neste Brasil que insiste em nos manter na invisibilidade e nos ignorar no dia a dia.
Eu sou o fotógrafo que foi à casa de Babazinho para fazer as fotos, como fui à casa de Pai Dejair, fui também à casa de Pai Ricardo.
Nem quando eu fotografava defunto no jornal policial no Rio de Janeiro eu senti tanto medo e tanta humilhação na minha vida. É triste você ter de fotografar o seu sagrado ser vilipendiado. É triste você ver o seu sagrado ser queimado pela intolerância, e é mais triste ainda sabermos que nosso grito não tem eco nesta Casa, que é comandada por evangélicos. Não tem grito para o Governo que insiste em manter e em entender que os tempos religiosos não passam de currais eleitorais. Então, enquanto essa sociedade medíocre e esses políticos que não têm compromisso com a sociedade, que não têm compromisso com a comunidade usarem os templos religiosos como currais de votação, currais eleitoreiros, é isso que vamos ver. Quantas pessoas vamos ter de chorar? Quantas pessoas vamos ter de enterrar? Quantas Kaylanes vão ter de levar pedradas na rua só porque estão com roupa branca ou porque estão indo para um terreiro? Quantos relatos vamos ter de ouvir, como a Casa de Nanã, que está arriscada a ser fechada?
E quero lhe dizer mais uma coisa, Senador: é fácil acabarmos com a intolerância! Basta o Governo rever as concessões destinadas às igrejas evangélicas, que as usam contra o nosso povo. (Palmas.)
O SR. OGAN LUIZ ALVEZ - Mas, para isso, é necessário ter coragem.
Basta os senhores aqui, desta Casa, e também da Câmara dos Deputados...
Sempre que o Foafro fala com os Deputados, a gente tenta lançar essa ideia de que é necessário passar a responsabilizar e a criminalizar líderes e religiosos que incitem a violência, principalmente a religiosa, porque essas pessoas incitam seus fiéis a saírem dos seus templos quebrando tudo e, depois, escondem-se para dizer que eles não podem ser responsabilizados pelo que os seus fiéis fazem fora de seus templos.
Mas não podemos esquecer que essa violência ao nosso povo aumentou depois da divulgação da fala covarde, assassina, do Pastor Marco Feliciano, que é Deputado nesta Casa.
(Manifestação da plateia.)
Infelizmente! Foi um ato de irresponsabilidade. Foi um ato de assassinato à nossa comunidade, e não vimos ninguém dizer contra. Os políticos todos se calaram. Quem tinha direito a voz não falou nada. E como nós ficamos?
(Soa a campainha.)
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O SR. OGAN LUIZ ALVEZ - Estamos hoje aí enterrando os nossos mortos, vendo nossos filhos sendo proibidos de entrar nas escolas pela omissão do Estado, pela omissão dos senhores, que são responsáveis por fazerem as leis e se esquecem de que pai de santo também vota, que yaô também vota, que ogan também vota.
(Manifestação da plateia.)
Vamos parar com isso! Vamos respeitar! Vamos respeitar essa sociedade em um País justo para todos, porque não há apenas evangélicos neste País. Todos temos direitos e, baseado nesses direitos, peço este favor ao senhor. Durante séculos colocaram o pé na nossa garganta, mas o grito agora está saindo. E não é só grito de choro, não. Agora, é grito de guerra: Axé!
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Luiz.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Bem-vindo, Carlos Moura.
Passo a palavra agora ao Babá João Paulo de Ogum, representante de Os Guerreiros do Axé de São Paulo, das escolas de samba Lavapés e TUP de São Paulo, Fenac, do Partido Popular de Liberdade de Expressão Afro-Brasileira (PPLE).
O SR. BABÁ JOÃO PAULO DE OGUM - Boa tarde a todos, Senador Cristovam, Senador Paulo Paim. Meu motumbá, com o maior respeito aos meus mais velhos, à Mãe Railda e aos meus mais novos.
Luto na causa do negro desde que me conheço por gente. Sou de escola de samba há mais de 30 anos, mestre-sala, baba-quequerê da Casa de Odé, Lígia de Odé, venho de Mãe Menininha, de Pai Bobó, Odé Xolá. Sou praticamente a quarta geração da nossa nação e agradeço a Deus e a Ogum Todé, que é meu pai e que me rege.
Nós mendigamos desde a época da escravidão por um quinhão. Hoje, lutamos por várias conquistas que já temos. Isso é um avanço, mas é preciso continuar avançando porque não é intolerância; é respeito. O orixá, além das nossas vestes sacerdotais, está na nossa origem, no nosso coração e na nossa alma. Matar alguém do orixá é matar uma alma. E, se Deus, como coloca toda religião, é único, independente da denominação, está na hora de nós, irmãos, todos - evangélicos, católicos, de umbanda, de quimbanda, de todos os segmentos - nos unirmos no amor maior, que é Deus, porque eu não critico nenhuma religião. Respeito. Então, não quero ser tolerado; eu quero ser respeitado.
Eu luto para ajudar as casas em São Paulo através dos Guerreiros do Axé. Também faço parte de um grupo cultural de curimba chamado Mata Virgem, e aqui peço uma intercessão até, porque muitos de nós rodam no caboclo para que esta casa também veja o ato indígena; o que também estão fazendo com os nossos índios, que também são nossos ancestrais. (Palmas.)
Se nós, em nossos ilês, em nossos terreiros, rodamos em caboclo, em boiadeiro, é graças a eles que estavam aqui desde que os portugueses chegaram. Se fomos trazidos da África para ser escravizados - porque nunca nenhum negro foi escravo; ele foi escravizado -, hoje, somos libertados graças aos orixás. Hoje, pedimos graça aos orixás. E, se Deus amou, como diz a Bíblia, todos nós e nos deu seu filho, oxalá que o sincronismo representado por Jesus nos una.
A educação é o principal. Temos de colocar nossa história nas escolas. Temos de colocar como nasceu o orixá. O medo não é só desta Casa, mas de todas as casas parlamentares que vejo, de falar de um país da África que vai falar do orixá. Só que o orixá nasceu aqui também. O orixá se instalou aqui na nossa Bahia, a nossa África brasileira. O orixá perpetua-se em todo o território nacional brasileiro e, como brasileiro, como filho de orixá com muito orgulho, peço a esta Casa que faça uma CPI, mas uma CPI rígida, mostrando que todos nós, de matriz africana, temos os mesmos direitos de todos, porque, independente de cor, raça e crença, a Constituição já nos prevê. Independente de tudo isso, há a lei que nos salvaguarda, que é o direito do Estatuto Racial proposto pelo nosso Senador Paulo Paim, que já existe. Mas temos de ter atividade e temos de chegar aqui e em qualquer Casa. Governador tem de nos atender, porque é o povo que o coloca lá. O Senador tem de nos atender porque somos nós que colocamos vocês aqui. (Palmas.)
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A Casa não é de Presidente da República! A Casa não é de Senador. A Casa é do povo! E o povo brasileiro da matriz africana pede justiça, justiça com sociedade, justiça social em todas as Casas Ilê Axés, não só as que estão sendo discriminadas ou massacradas, mas todas. E nós povo do Axé temos que nos unir sim, não para guerrear, mas para mostrar para eles que nós somos diferentes, que nós amamos todos eles, independente de eles amarem a gente ou não.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Com a palavra o Fernando Garcia, Ogan do IIê Axé Idá Wurá.
O SR. FERNANDO SILVA ALVES DE CAMARGO GARCIA - Boa tarde a todos!
A benção aos meus mais velhos.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - A gente não está ouvindo. É importante ouvir, porque estamos gravando e queremos publicar todas as falas.
O SR. FERNANDO SILVA ALVES DE CAMARGO GARCIA - Está o.k. agora?
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Ótimo.
O SR. FERNANDO SILVA ALVES DE CAMARGO GARCIA - Meu nome é Fernando Garcia, eu sou Ogan do Ilê Axé Idá Wurá, Casa de Oxum, de Mãe Lídia, minha zeladora. Sou Ogan das tradições do Pilão de Prata da Casa de Pai Air, em Salvador.
Eu vou procurar ser o mais breve possível e também mais objetivo.
Nós estamos todos aqui reunidos dentro da Casa do Legislativo, um dos Poderes de República, e estamos aqui pedindo que as autoridades do Executivo ajam, para que nós possamos ter o respeito das demais religiões, mais especificamente das religiões neopentecostais.
Acontece que os Poderes da República são três. Nós estamos aqui dentro do Poder Legislativo, pedindo providências para o Poder Executivo. Acontece que nós somos o povo desta terra. Se esses Poderes existem, eles existem porque nós delegamos o nosso poder a esses Poderes.
Eu, como filho de Xangô, fico aqui um tanto espantado ao ver que meu pai se manifesta dentro desta Casa pela boca de um representante da OAB, dizendo que por várias vezes a OAB participou de reuniões para tratar de assuntos religiosos e ela nunca foi procurada por ninguém para agir de maneira igualitária com os demais Poderes.
Muito bem. As leis existem. A Constituição existe. As leis que protegem os cultos religiosos existem. As leis que dão direito às pessoas também existem. O que acontece é que nós não estamos preparados e não estamos conscientes dos nossos direitos. Nós temos que trazer para dentro dessa batalha o Poder Judiciário, que é o Poder de meu pai. É ele que vai trazer a coisa equilibrada, de modo que a gente possa atuar e exigir os nossos direitos, porque nós temos direitos. Nós somos cidadãos brasileiros; todos aqui somos cidadãos brasileiros. E todos merecem esse respeito. Já que não se dá o respeito a líderes religiosos como Mãe Railda, como Mãe Baiana, como Pai Pecê...
(Soa a campainha.)
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O SR. FERNANDO SILVA ALVES DE CAMARGO GARCIA - Já que não se dá o respeito que eles merecem, nós temos que exigir esse respeito. Respeito não é tolerância. Nós temos que exigir respeito.
Ano que vem é ano de eleição. Os terreiros que mais foram atacados aqui estão no Estado de Goiás, não estão no Distrito Federal. Eu gostaria, depois, que vocês dissessem quem está se preparando para representar o povo de axé no Legislativo. Não conheço ninguém. Essas pessoas têm que vir para trazer as nossas reivindicações. Mas agora que nós estamos sendo atacados nós temos que exigir o respeito. Então, nós temos que colocar nesse barco o Judiciário, que não está participando.
Era isso o que eu queria dizer e só mais uma coisa. Como a nossa religião é uma religião de cultura profunda e tem no canto e na dança um de seus grandes poderes, eu, como Alabê, quero solicitar a vocês que entoem um canto que diz exatamente o que nós devemos fazer. Esse é um canto muito singelo, que diz que nós devemos cultuar as nossas tradições e que nós não podemos permitir que ninguém nos impeça de fazer isso. O canto é o seguinte.
(Procede-se ao canto.)
O SR. FERNANDO SILVA ALVES DE CAMARGO GARCIA - Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Fernando.
Eu passo a palavra ao Pai Leandro Dias.
O SR. PAI LEANDRO DIAS - Sr. Senador Cristovam Buarque, na presença de V. Exª eu gostaria de saudar todas as autoridades políticas e públicas deste encontro; na pessoa de minha Mãe Railda e do meu Babalorixá Pecê, a todas as autoridades religiosas; e a todos omo orixás que estão aqui conosco.
Antes de mais nada, eu gostaria de tirar o chapéu para o senhor, agradecer pela coragem, porque a gente sabe que este espaço aqui - a palavra é dura, mas é real - está infectado de intolerância religiosa. (Palmas.)
Então, é um ato corajoso da parte do senhor nos receber aqui.
Muitas das vezes, a gente se apresenta como minoria. Nós não somos a minoria. Nós somos um grande número, mas infelizmente a intolerância e o preconceito fazem o nosso povo não se fazer presente. Num linguajar mais prático e claro, as nossas comunidades falam: "Ai, meu Deus, eu não vou lá, porque se eu sair na foto, eu vou perder o meu emprego, a minha patroa vai me despedir." Nós colocamos um ônibus para vir aqui. Mais de 50% disseram: "Poxa, eu gostaria de estar lá. Eu vou fazer uma corrente, mas eu não posso." A coisa é muito mais grave do que aparenta ser.
Na verdade, é só uma pergunta que eu tenho para fazer ao senhor em virtude de não conhecer as leis. É uma pequena observação. Eu gostaria de saber se existe algum mecanismo para impedir as igrejas de dia e noite culparem as religiões de matriz africana pelo mal da humanidade.
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Eu me infiltrei numa igreja. Eu fui lá à paisana para ver o discurso deles. E o discurso é: "Você está sofrendo? É obra de macumbaria. É a mãe de encosto." O senhor está lá, com sua família, tem um dia ruim, o almoço não deu certo. Na igreja, o discurso vai ser: "Isso foi obra de feitiçaria da mãe de encosto." Isso gera um ódio religioso contra essas religiões. (Palmas.)
Então, eu sou adepto dessa religião, eu sou jovem, eu pego aquilo no peito. Aí eu vou atear fogo no terreiro. Eu vou, aqui dentro desta Casa, se tiver alguém que professe uma religião de matriz africana, eu vou boicotar, porque é uma lavagem cerebral que é feita ali dentro.
Eu convido o senhor a participar, ir lá numa pregação e ver o que acontece ali dentro. Enquanto não se brecar isso, não vai haver... Pode-se criar lei, pode-se criar tudo, pode-se fazer tudo, mas enquanto estiverem dez mil, vinte mil pessoas ali, sendo implantado na mente delas que a culpa do mundo é do demônio e nós somos os adoradores do demônio... Agora, um adendo: desculpe, mas o demônio é cristão. Nós não o conhecemos. (Palmas.)
Eu peço a sua ajuda.
Obrigado pela palavra. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado.
Cada uma das palavras que eu tenho escutado aqui carrega uma emoção que é raro ouvir nesta Casa e uma consciência e uma firmeza também raras e sobretudo um amor até por quem persegue vocês. Isso é algo que nos surpreende positivamente. Muito obrigado.
Eu passo a palavra agora a Watusi, que é Superintendente da Igualdade em Goiânia.
A SRª WATUSI - Bom dia a todos e todas.
Eu sou Watusi e estou Superintendente da Igualdade Racial no Município de Goiânia, mas nasci em 1997, Dofonitinha de Oyá, na mão de Babá Dejair, que está presente - motumbá, Babá! - e hoje na casa de Mãe Vilcilene, que também está presente - motumbá, Iyá. Motumbá aos meus mais velhos, meus mais novos e já peço desculpa por estar me pronunciando e saber que tem muita gente mais velha do que eu e teria mais condição de fazer isso, com muito maior propriedade. Mas a ansiedade não nos deixa.
Existem algumas coisas que eu gostaria de rememorar aqui nesse pouco tempo. Eu fui feita em 1997, Pai Dejair está aqui, não vai me deixar mentir. Quando eu fui à escola, depois de iniciada dentro do meu preceito, eu fui proibida de entrar na escola. Eu tinha 13 anos, a escola não me deixou entrar com a minha roupa, não me deixou entrar com a minha cabeça tampada. Nós fizemos uma via sacra, do pai de santo ir à escola comigo várias vezes para eu tentar entrar na escola. Em 1997.
Nós temos hoje leis que amparam essas pessoas, que somos nós, e mesmo assim nós ainda temos dificuldade com as crianças, adolescentes e jovens que se iniciam para entrar nas escolas. Então, nós temos a falta de aplicabilidade de leis. As leis já existem. Nós precisamos efetivar esses mecanismos.
O Estatuto da Igualdade Racial garante, no Capítulo III, um espaço só para discutir a questão da religiosidade e a condição da existência dessa religiosidade e, mesmo assim, a gente ainda tem os órgãos todos de ambiente, de meio ambiente, dizendo que não podemos tocar o nosso candomblé, dizendo para nós que o nosso candomblé tem que funcionar até às 10h da noite, porque vai atrapalhar os vizinhos. A gente perturba a ordem. E a gente perturba a ordem mesmo, porque a ordem é branca, a ordem é branca. (Palmas.)
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Nós estamos aqui para fazer barulho mesmo. Eu acho que é impossível a gente viver uma vida em que a cada passo que você der você precise dar satisfação dos seus atos. Nós precisamos, o tempo todo, dizer à polícia por que a gente deixa o nosso ebó na praça. Porque se você parar com o seu ebó na praça e a polícia o parar, meu caro, você está cometendo um crime que não está previsto, mas é um crime. E até aqui a gente seguiu assim. Não dá para continuar, essa é a realidade. Não dá para nós continuarmos tendo cerceado o nosso direito pelo próprio Estado, que é a parte que mais me preocupa.
Atearam fogo em minha casa. Há três meses, atravessando a Rua Três, centro de Goiânia, meio-dia, tacaram uma pedra em mim e me chamaram de macumbeira, disseram que eu ia para o inferno. Só que eu sou uma pessoa. É uma ação contra mim.
O que me preocupa são as ações do Estado contra nós. Me preocupa, por exemplo, a cidade de Uberlândia proibir a venda de animais vivos, de maneira que nós não possamos fazer os nossos rituais. Me preocupa o Estado estar criando mecanismos para nos proibir e eu percebo que a gente caminha para uma proibição do próprio Estado.
Dificilmente, da maneira como nós vamos caminhando, dificilmente a gente consegue manter o nosso culto como a gente mantém hoje. Você não pode tocar depois das dez, você não pode matar o bicho, você não pode raspar a cabeça, você precisa ter toda uma organização que é de segurança pública. Eu fui falar com o Seu Joaquim, que é Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, ele disse isto para nós, que se nós passássemos a exigir que a segurança pública nos tratasse e nos recebesse, enfim, eles teriam que exigir que os nossos espaços de culto fossem também adequados à segurança pública.
Eu quero dizer que a segurança pública precisa se adequar a uma realidade: o mundo é diverso. O mundo não é branco, o mundo não é hétero e o mundo não é cristão. Nós vivemos dentro de uma lógica em que nós estamos cerceados dos direitos que estão garantidos na Constituição. Não é necessário criar mais nenhum mecanismo. Esta Casa tem em mão todos os mecanismos possíveis para fazer com que os nossos cultos continuem existindo como são.
(Manifestação da plateia.)
A SRª WATUSI - A garantia do Estatuto da Igualdade Racial, a garantia desse mecanismo que Paim...
(Soa a campainha.)
A SRª WATUSI - ... sabe como foi suado chegar nesse espaço... Porque nós também cortamos de tudo, cortamos na carne para criar esse estatuto. E o estatuto saiu. Saiu, está impresso, esta Casa mesmo distribui para todo lado. Mas não vale. Não funciona. E não é real.
Então, o que vale para nós aqui, e eu acho que é muito importante, muito salutar a gente dizer, é que esse povo que veio aqui hoje, matou trabalho; que esse povo que veio aqui hoje deixou seus filhos e filhas na sua casa; eu saí de Goiânia e deixei quatro crianças na minha casa para estar aqui, larguei meu emprego para estar aqui porque vocês não vão até nós. Então, se nós não viermos aqui dizer para vocês que nós existimos, nós vamos continuar invisibilizados dentro das nossas casas. Vão até lá. Nós existimos, nós precisamos continuar funcionando onde nós estamos e da maneira como nós somos.
Obrigada.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Esse, Watusi - Watusi, né? -, seria o discurso para fechar. Mas ainda temos duas pessoas, e eu não quero deixar de ouvir ninguém que queira falar aqui - aliás, duas e mais uma pessoa que tem um convite para fazer para vocês depois.
Eu passo a palavra agora a Jacira da Silva. (Pausa.)
Eu não a reconheci quando vi com a roupa, aquela...
A SRª JACIRA DA SILVA - Boa tarde. Peço licença e peço bênção hoje ao nosso pai, que a gente comemora, que é o Papai Xangô: "Caô, cabeci!"
(Manifestação da plateia.)
A SRª JACIRA DA SILVA - Esse simbolismo e esse dia que nós reservamos, dentro da nossa tradição, da nossa ancestralidade - Papai Xangô nunca nos abandonou e não nos abandonará -, e esse ato que nós estamos aqui, nesta audiência pública, fazendo como um ato político, como um ato de resistência, como um ato de coragem que sempre tivemos, organizados, de cabeça erguida na Casa do Povo, esta Casa precisa respeitar diariamente e secularmente.
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Agora, há várias incoerências e várias contradições na nossa sociedade brasileira. Prega-se que a sociedade tem que ser, o Estado, laico. Agora, para agredir, para violentar, para usar dos meios que nos colocam na condição de não cidadão e não cidadã... O Movimento Negro Brasileiro, nós mulheres negras brasileiras, nós idosos e idosas, nós mães ialorixás e babalorixás precisamos dessa unidade, dessa união, porque essa violência desses dois meses representa o desrespeito ao direito de liberdade de expressão. É preciso que os mecanismos institucionais sejam respeitados e que a nossa legislação seja aplicada.
Senadores Paulo Paim e Cristovam Buarque, nossas mães que estão nos representando na Mesa, Sr. Ouvidor, Srª Givânia, que trata dos quilombolas, todos estão dentro do Estado, tendo essa missão como gestores e gestoras públicas e sabem o grande desafio que é manter essa política pública, primeiramente, para nos ouvir, para não nos ver como exóticos, para não nos ver de formas pontuais. Exigimos, sim, políticas públicas permanentes. Exigimos que a liberdade de ir e vir predomine. Exigimos que a Casa, o Congresso Nacional, que esses Parlamentares, que essas mulheres e esses homens que estão aqui para nos representar tenham esse compromisso no que diz respeito à construção dessa legislação.
E por último, estávamos conversando com o Papai Babazinho, ou seja, dizendo que teremos que fazer uma intervenção no Estado de Goiás - Parlamento, Judiciário e nós, sociedade civil organizada. Estamos combinando para depois do domingo, quando teremos uma atividade na Aruc, também de arrecadação, uma ação, um ato político nos espaços que nos foram cedidos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. BABAZINHO DE OXALÁ - Um toque de resistência.
O SR. JACIRA DA SILVA - Um toque de resistência é o que o Papai Babazinho está sugerindo.
Então, vamos nos mobilizar.
(Soa a campainha.)
O SR. JACIRA DA SILVA - Estamos mobilizados. Agora, precisamos exigir que essa lavagem cerebral que todos nós sofremos... Chegou o momento, na virada do século, em que devemos ter essa solidariedade, essa unidade e essa coragem de ir e vir. Não podemos ser cerceados no que se refere ao nosso direito de exercer o nosso culto africano. Não podemos ser vilipendiados por causa da nossa crença. Não podemos permitir que mecanismos supérfluos façam com que a gente esconda essa nossa origem africana, Senador.
Por último, essa abolição que o senhor sempre defende, a segunda abolição, ela não existiu e não existe, a partir do momento em que nós estamos aqui por esse motivo. Nós exigimos que tenhamos a liberdade de exercer esse nosso culto africano em nome da nossa ancestralidade. A crença é uma questão individual, mas nós estamos aqui de uma forma coletiva exigindo esse direito. Em nome de Deus, muitos, de manhã, estão com a Bíblia debaixo do braço, e, à noite, vão ao nosso candomblé, vão à nossa umbanda...
(Manifestação da plateia.)
O SR. JACIRA DA SILVA - ... e não assumem que precisamos estar juntos, mas respeitando as nossas identidades. Nós estamos falando de identidades, identidades africanas, identidades afro-brasileiras.
Axé, e vamos, a luta continua! (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - O último inscrito. Depois, disse que há uma pessoa que quer falar, o Evair Santos, que é responsável pela Caminhada Nacional Contra a Intolerância Religiosa no Rio de Janeiro. (Palmas.)
O SR. EVAIR SANTOS - Boa tarde a todos e a todas.
Quero primeiro evocar o Olodumaré, o criador, que nos inspire e que nos dê muito discernimento e sabedoria numa hora como essa, e a Orunmilá, o seu conjunto de sabedoria divina, que a sua palavra, assim como os orumalês e os nossos ancestres.
Nada acontece por acaso. Nós somos religiosos. Religiosos têm que aprender a ler sinais. Os sinais são muito mais fortes do que a nossa vontade e a nossa emoção.
Primeiro, tem que se observar que esse não é um debate teológico. Porque, se for um debate teológico, se tem alguém que blasfema, não somos nós. Se tem alguém que eles dizem que peca, não somos nós. Porque o criador começou a sua obra pela África. Foi lá que Ele criou o primeiro homem. Eles contam uma história de depois do Rio Eufrates, só que tem o Giom e o Pisom, e eles não falam sobre isso. E têm que observar que quem mandou fazer sacrifício foi Deus, basta ver lá Moisés, que manda não só fazer um sacrifício, mas diz como fazer um bori: botar uma roupa nova e aguardar três dias que Deus iria aparecer. E quando Deus apareceu foi pelas forças da natureza, foi pelo fogo e pelo vento. Ele nunca apareceu como homem. E tem que observar que eles dizem que nós falamos com mortos, só que no monte da transfiguração, Jesus falou com Moisés e com Elias, falou com Egum ou não é? Então, tem que observar que mesmo na Bíblia há um fundamento que mostra como era feita a relação com Deus, que era por sinais. Se o homem mudou isso, a partir de Paulo, de não sei quem, de não sei quem, é outra história. Então, nós continuamos reverenciando a Deus como ele determinou.
Por trás disso há uma briga política. Nós temos que observar que este momento não é um momento de emoção, nem de afirmação religiosa, não é disso. Temos que observar que há uma questão política colocada. O que está em ameaça, Senadores, é a democracia brasileira. Isso tem que ficar claro para todo mundo, porque esses grupos são fascistas. Observe o que aconteceu na casa de Babazinho... (Palmas.)
Foi uma coisa organizada. Primeiro foram lá e quebraram. Nós estivemos aqui na audiência pública que o Paim fez, conversamos, não foi isso? Conversamos. Depois eles voltam e não atingem só uma casa, queimam, e outras. Isso é uma estratégia militar; uma estratégia militar, gente. É simultaneamente uma estratégia militar e política, isso é um planejamento feito. Não é uma coisa aleatória. Nós estamos lidando com um grupo que tem uma estratégia clara e se organizou para isso. Isso é crime federal.
Então, nesta audiência, tinham que estar sentados nesta Mesa não só os órgãos que cuidam da relação conosco, mas o Ministério da Justiça, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, porque têm que dizer o que eles vão fazer. Não é só uma conversa de afirmação religiosa, de discriminação religiosa; está além disso. Isso é o pano de fundo, mas, na verdade, o que está por trás disso é um crime e um crime que é contra a Pátria, porque têm que observar que, entre outras coisas, o candomblé é considerado patrimônio do País. Então, como é que um patrimônio pode ser vilipendiado, desrespeitado dessa forma e as autoridades federais acham que é só um assunto estadual? E têm que observar que eles têm gente infiltrada em tudo quanto é lugar; têm na polícia, nós sabemos disso, têm na Justiça. Por isso eles têm crescido. Eles têm um projeto muito claro, eles não escondem isto em nenhum momento: transformar o Brasil para Cristo. Isso é política, um projeto de poder e nós temos que reagir a esse projeto de poder.
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Então, eu gostaria de sugerir, primeiro, uma conversa com o Ministério da Justiça para pedir que a Polícia Federal tenha uma ação específica de investigação desses crimes. E o Ministério Público Federal tem que tomar uma atitude com relação a isso. Acho que hoje à tarde há uma reunião para resolver isto: como é que se provoca? O Ministério Público só age se for provocado. Tem que chamá-lo, porque não é só num Estado, está acontecendo em todo o País. Então, é hora de se federalizarem essas ações. A primeira coisa é isso.
Segundo, claro que uma mobilização como essa é importante, toda mobilização que fizemos. Não podemos ficar em casa dormindo. Por isso, domingo, agora, todo mundo está sabendo, é a caminhada do Rio de Janeiro. Queremos dar uma resposta nacional ao tipo de coisa que vem acontecendo.
E mais, não só nós temos que aprender a dialogar com os outros setores democráticos da sociedade, isso é muito importante, porque, se fizermos um discurso só para nós, parece que queremos nos preservar, então, parece que é uma briga nossa com eles, e não é nossa com eles, mas deles contra a sociedade brasileira. Eles batem nos homossexuais, na festa junina, na Folia de Reis, tentam acabar com a cultura popular, coisa muito mais além; é uma disputa ideológica e política que está acontecendo na sociedade brasileira.
Então, eu queria só chamar a atenção para isso, que é importante um momento tão delicado como este. É claro que dói vermos aquilo em que acreditamos, nossa representação ser agredida, mas temos que doar isso para uma luta na sociedade por democracia.
Então, domingo, no Rio de Janeiro, quem puder estar lá, muita gente do País está indo para lá, muita gente está sendo mobilizada, queremos dar uma resposta nacional.
E há um relatório feito que já fala disso nacionalmente, é o que queremos colocar, para dar substância para o Ministério Público Federal passar a atuar como uma questão nacional, porque as justiças estaduais, os acordos estaduais políticos... Aqui muita gente falou sobre isso, não é? Eles fazem acordo, têm bancada, e, quando fazem bancada nos Estados, disputam espaço, porque conseguiram uma coisa que não conseguimos, aqui se falou muito: fidelizaram o voto, o que não conseguimos fazer. Então, fidelizando o voto, conseguem fazer uma bancada.
Não fidelizamos o voto, não temos voto, somos até ingênuos, porque votamos de acordo com a vontade nossa, não com os interesses nossos, mas de acordo com a minha casa, e está dando esta confusão. Quando amadurecermos e jogarmos o jogo como é para ser jogado, esta realidade muda. O discurso que a gente evoca, isso é ótimo, é maravilhoso, é emocional, é tranquilo, mas não altera o quadro político. O quadro político se altera quando você entende o jogo político e se alia com aqueles que podem ser.
E, aí, querendo ou não, a Igreja Católica sabe que essa disputa é com ela, não conosco. A disputa hegemônica não é conosco, é com a Igreja Católica, não é conosco. Então, temos que saber buscar aliados no campo da esquerda popular e democrática, para dar uma resposta efetiva a isso, aí, vão passar a nos respeitar.
Axé e um abraço para todo mundo.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Evair.
Creio que você trouxe uma reflexão fundamental. Há um movimento de intolerância crescendo e não é só contra cultos afro-brasileiros, como a Watusi falou, é contra homossexuais, contra quem discorda de um eixo único, e temos que enfrentar essa intolerância. Agora foi com terreiros, amanhã, vai ser com sinagogas, como já foi em outros países, depois, vai ser com os ateus, e a ninguém vai ser permitido ser diferente. Então, aqui, é muito mais... E com a Igreja Católica. E é muito maior do que estão pensando.
Bem, vou deixar por último mesmo, porque ele quer fazer um convite, o Alexandre. Cadê o Alexandre? Está ali.
Quero dizer o seguinte: esta reunião já deu um resultado. Fui informado aqui de que a TV Senado vai fazer um programa, existe um programa chamado Em Discussão, vão fazer um só sobre esta audiência aqui.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Segundo, ficamos com alguns deveres de casa. Por exemplo, a Erika Kokay falou de escrevermos uma carta ao Governador de Goiás ou irmos lá nós dois, ou telefonarmos.
O representante da OAB sugeriu um documento nosso à Presidência Nacional da OAB, para criar a comissão pela diversidade religiosa.
Aqui se pediu que escrevesse carta ao Governador do Distrito Federal sobre a necessidade dos espaços para os diversos terreiros, como outras igrejas têm.
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O Joel, logo no começo, Babalorixá Joel, propôs a CPI, e nós dois podemos trabalhar para que ocorra, ou em relação especificamente aos cultos afro-brasileiros ou mesmo à intolerância sob todas as formas.
A Yalorixá Luizinha, que creio já ter ido, fez um pronunciamento e pediu que entrássemos em contato com a Prefeitura do Rio de Janeiro e com outras autoridades do Rio de Janeiro, mostrando que, em Olimpíadas que destroem terreiros e igrejas, a medalha não vai ser de ouro, vai ser de vergonha.
O Luiz Alvez pediu para pensar, não sei como ainda, criminalizar a incitação à violência religiosa.
O Evair, além de falar tudo que ele falou, falou também de federalizar esse trabalho, essa luta. Essa questão é nacional. Não é de Goiás, não é do Distrito Federal, é do Brasil inteiro.
Eu diria, Evair, que o problema não é só de democracia, nem mesmo só de liberdade, mas de espiritualidade. Quando você coloca num quadradinho a manifestação religiosa, ela deixa de ser religiosa. A fidelização que você falou talvez seja porque muitos dão menos importância à espiritualidade do que à materialidade do voto. É isso que estamos vendo.
Repasso a palavra, então, ao Alexandre, lembrando que depois temos que ficar, porque temos uma reunião ordinária.
Alexandre.
O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - Primeiramente, boa tarde a todos e a todas.
Em nome da Yalorixá Railda de Oxum, gostaria de pedir a bênção a todos os religiosos.
Em nome dos Senadores, agradeço por esta oportunidade a todos da Casa.
Senador, fomos contemplados com várias falas inteligentes, belíssimas, que têm o mesmo conteúdo. Só gostaria de acrescentar - a minha fala vai ser rápida - o seguinte, a minha preocupação, porque o meu filho, de 9 anos, fez o seguinte comentário: "Papai, se ficar do jeito que está, isso que estamos vivendo aqui não vai virar uma guerra religiosa, assim como tem nos outros países?" Parei por um minuto e pensei. Então, hoje, dia 16 de setembro, às 13 horas e 16 minutos, estamos aqui em nome de Xangô, pedindo paz, alertando sobre esse fato. Daqui a alguns anos vamos ver o que acontece.
Como o nosso irmão Joel falou, queremos paz com a bandeira, mas nós, povos de axé, também sabemos brigar. Nossos santos são guerreiros também, Ogum, Xangô, Oxalá. Queremos paz, mas, se for preciso, vamos à luta. (Palmas.)
Então, mais do que um compromisso com os seres humanos, gostaria que os senhores, políticos da Casa, Senadores, tenham compromisso com os nossos Orixás também, acima de tudo Xangô, que é o da justiça.
Kaô cabecile. (Palmas.)
Gostaria, neste momento, de convidar algumas pessoas da nossa religião, todos eles, Mãe Railda, Babá Pecê e todos mais para que cantem, em nome de Xangô, para que Xangô possa abençoar tudo o que foi dito e todas as vitórias que tivemos aqui hoje.
Axé. (Palmas.)
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - Gente, vai haver a Marcha das Mulheres Negras. Quem puder receber as nossas irmãs de fora, que estão sem hospedagem, quem puder recebê-las, por favor, entre em contato com a gente. Porque foi feita uma reunião. Elas vão querer ficar em terreiros: dez aqui, duas ali, cinco ali. Quem puder, por favor, entre em contato com a gente.
Agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Vamos cantar agora.
(Procede-se ao canto.)
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(Palmas.)
O SR. VINICIUS EHLERS - Companheiros e companheiras, convidamos a todos para chegarem junto à mesa aqui para a gente fazer uma foto, registrar esse momento. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Está aberta a segunda parte da reunião.
Vamos à votação dos requerimentos, porque nós temos que ir para outra reunião.
Segunda parte da reunião, deliberativa.
ITEM 1
REQUERIMENTO COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA Nº 148, de 2015
- Não terminativo -
Requer a realização de Audiência Pública nesta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para debater: “O Estatuto das Estatais”.
Autoria: Senador Paulo Paim
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - A presente reunião foi requerida pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Autoria deste Senador e de outros Senadores.
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Segundo requerimento, no mesmo sentido:
ITEM 2
REQUERIMENTO COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA Nº 149, de 2015
- Não terminativo -
Requer a realização de Audiência Pública nesta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, para debater o tema “O Estatuto das Estatais: debatendo a responsabilidade das sociedades de economia mista e empresas públicas e seu estatuto jurídico”.
Autoria: Senador Paulo Paim
Temos também um outro requerimento, o Requerimento nº 150, de 2015.
ITEM 3
REQUERIMENTO COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA Nº 150, de 2015
- Não terminativo -
Requer a realização de Audiência Pública nesta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para debater: “O Trade in Services Agreement - TISA (Acordo no Comércio de Serviços) e seus impactos no Brasil”,
Autoria: Senador Paulo Paim
Como os três requerimentos são de minha autoria, eu vou convidar o Senador Cristovam para presidir a votação. Aí, V. Exª pode, inclusive, encerrar, porque eu tenho que ir para uma reunião da Bancada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Consulto as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores se concordam com a inclusão de requerimento extrapauta. (Pausa.)
Coloco em votação a inclusão extrapauta.
Aqueles que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Ponho em discussão os requerimentos que já foram lidos.
Os Senadores que estiverem de acordo com o Requerimento nº 148, de 2015, de autoria do Senador Paulo Paim, permaneçam como estão. (Pausa.)
Está aprovado.
Requerimento nº 149, de 2015, também do Senador Paulo Paim, em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queria discutir, em votação.
Os Senadores que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.)
Está aprovado.
Finalmente, Requerimento nº 150, também do Senador Paulo Paim, em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queria discutir, ponho em votação.
Os Senadores que estiverem de acordo permaneçam como estão. (Pausa.)
Está aprovado.
Está encerrada a reunião.
(Iniciada às 9 horas e 15 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 30 minutos.)