14/09/2015 - 2ª - Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Declaro aberta a 2ª Reunião da Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
Assunto: apresentar dados e indicadores sobre o Sistema Tributário Nacional para subsidiar os trabalhos da Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário Nacional.
Aqui ao meu lado, temos Sérgio Gobetti, pesquisador do Ipea, e Rodrigo Orair, também pesquisador do Ipea, que estão fazendo um trabalho que se chama Progressividade Tributária: a Agenda Esquecida. É importante dizer que, depois da vinda de Thomas Piketty ao Brasil, autor do livro O Capital no Século XXI - foi muito importante a reclamação que ele fez sobre a ausência de dados aqui no Brasil -, a Receita Federal, agora há pouco, disponibilizou esses dados. Queremos começar esse trabalho com Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair porque fizeram um estudo revelador da situação de injustiça tributária no nosso País, da regressividade à tributação em nosso País.
Então, eu quero já, Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, começar o debate de forma muito tranquila. Eu sei que vocês tem uma apresentação a fazer e eu queria perguntar quem vai começar. Pode ser o Sérgio Gobetti e o Rodrigo vai...
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Eu vou pontuando. A gente vai trabalhando junto.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Então, ótimo!
Antes disso, quero dizer que esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou ligando para o número 0800-612211.
Os convidados já se encontram no plenário da Comissão. De acordo com o art. 94, §§2º e 3º do Regimento Interno do Senado Federal, a Presidência adotará as determinadas normas. Aqui se estabelece um tempo para cada convidado, mas vamos usar um método diferente. Vamos deixar o tempo livre para os senhores irem falando.
Este debate hoje aqui acontece no momento em que o Governo apresenta uma nova etapa do ajuste. Infelizmente, estamos aprofundando um ajuste que não deu resultado. Na verdade, a política do Governo em relação a um ajuste... Aconteceu aquilo que nós tínhamos medo que acontecesse, ou seja, aprofundou-se a recessão econômica, a arrecadação do nosso País caiu 3% e o déficit nominal, que no ano passado foi de 6,7%, na verdade está em 8,8%. Então, o que a gente vê nesse ajuste do ajuste agora infelizmente é a continuidade de uma política que vai aprofundar a depressão econômica que a gente está vivendo. Nós estamos em uma recessão que pode ser algo em torno de 2,5%, 3% este ano, uma recessão no outro ano.
E infelizmente também em relação às medidas tributárias apresentadas... Eu acho que vai ser muito importante essa apresentação do Sérgio Gobetti e do Rodrigo Orair porque eles exploraram muito nesse trabalho deles o peso da isenção tributária para a distribuição de lucros e dividendos. Só dois países do mundo - e eu não quero me antecipar ao que eles vão falar -, só Brasil e Estônia tem essa isenção tributária para distribuição de lucros e dividendos.
Esse era um imposto que existia. Nós tínhamos, até o final de 1995, 15% dessa tributação. Hoje o que acontece é que um funcionário público que recebe R$5 mil, quando paga imposto de renda, paga 27,5%. Um grande empresário que recebe R$300 mil a título de distribuição de lucros e dividendos não paga nada.
Por isto o primeiro convite para a gente abrir este trabalho com os senhores aqui: porque se desnuda um pouco essa regressividade em nosso sistema tributário. Por mais que existam várias propostas, imposto sobre grandes fortunas, sobre grandes heranças, ITR, vários outros pontos que podem melhorar o Sistema Tributário Brasileiro, eu também estou convencido de que voltar a ter isenção sobre distribuição de lucros e dividendos é o jeito mais fácil de resolvermos essa situação de regressividade e ter um impacto fiscal importante.
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Sei que vocês vão falar de números, mas o Governo está neste momento tentando resolver o problema do déficit. Aqui, com tributação, distribuição de lucros e dividendos atingindo uma pequena parcela da população, os muito ricos, nós poderíamos ter um incremento fiscal de mais de R$50 bi. Então, eu espero que essa exposição dos senhores aqui sirva.
O Governo apresentou hoje a proposta do ajuste, mas o debate vai se estender aqui no Congresso Nacional pelo menos até o final do ano, até dezembro. Então, estamos querendo colocar esse tema como central, inclusive, no debate. Nós tínhamos o caminho de não termos feito esse ajuste draconiano. Cortar recursos da saúde, cortar investimentos num momento de desaceleração econômica que a gente está vivendo é criminoso! Nós podíamos ter optado por outro caminho, que é mexer nessa política monetária, que é outro ponto que...
É impressionante como, no Brasil, esse assunto é proibido. Existe uma blindagem na grande imprensa. O nosso problema central do déficit foi a política monetária. Nós gastamos, no ano passado, 5,64% do PIB em pagamento de juros. Aumentou agora juros swaps cambiais para 7,92%. Então, mudar a política monetária e taxar os mais ricos, em especial, com imposto sobre lucros e dividendos vai ser o caminho que vamos defender.
E eu encerro, para passar para o Sérgio Gobetti, que já apresentei aqui dois projetos. Um sobre a taxação de lucros e dividendos, voltar aos 15% - eu sei que existem outras propostas nesse sentido -, e o outro para acabar com juros sobre capital próprio, porque também hoje o que o Governo apresentou foi feito de forma periférica, terá o impacto de R$1 bilhão. Mas se acabássemos com estas jabuticabas, juros sobre capital próprio, nós poderíamos ter uma economia em torno de R$8 bilhões. Inclusive quando vocês falarem sobre este tema, juros e capital próprio, é importante fazê-lo de forma muito didática, porque se tem uma coisa que é complicada é entender como funciona esse instrumento tributário juros sobre capital próprio.
Mas eu já falei muito. Vou passar imediatamente para Sérgio Gobetti e o Rodrigo Orair fique à vontade para ir entrando a qualquer momento no debate, dando contribuições.
Sérgio Gobetti.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Boa noite a todos.
Nós vamos trocando a bola. Como a gente tinha combinado aqui, o Rodrigo pode me interromper; se o Senador quiser também interromper, pode fazê-lo. A gente vai conversando, vamos batendo um papo.
Em primeiro lugar, eu queria dizer o seguinte: imposto é uma palavra feia. O próprio sentido da palavra é uma coisa que é imposta às pessoas. É uma palavra que tem sido muito pouco popular nos dias de hoje. Mas imposto é algo que existe nas sociedades há muito tempo. E, digamos, se é ruim pagar imposto, pior do que pagar imposto é quando a gente olha para o andar de cima, para aquele que é mais rico do que a gente, e a gente conclui e vê que esse paga menos imposto do que a gente. Isso é realmente algo de se indignar.
É basicamente essa a constatação que fizemos. Embora fosse algo que a gente pudesse suspeitar, isso foi, de certa maneira, surpreendente para a gente ao analisar os dados de Imposto de Renda no Brasil. Apesar desses dados mostrarem uma realidade gritante em termos de desigualdade de renda, tanto desigualdade de renda quanto esta distorção dos muito ricos pagarem menos imposto do que a classe média alta, além da gente estar vendo isso, por outro lado, o que nos preocupa é que essa discussão, de certa maneira, com toda essa situação tem sido bastante embargada no País. Por isso a gente coloca como título da apresentação "A Agenda Esquecida".
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Primeiro, para definir para quem não entende, progressividade tributária é mais ou menos isso a que eu estava me referindo. A progressividade tributária é um princípio que diz que a proporção que cada indivíduo paga de imposto deve crescer na medida em que a sua renda cresça. Então, quem ganha muito pouco, quem tem o mínimo para subsistência pode não estar pagando; alguém que tem o nível médio de renda, por exemplo, poderia pagar 10%, 15% da sua renda; e quem é muito rico deveria estar pagando 30%, 40% até 50% da sua renda.
Fazendo um paralelo com o livro do Piketty, é interessante como o Piketty mostra que a aceitação do princípio da progressividade e da ideia de imposto de renda com alíquotas mais elevadas e alíquotas progressivas foi algo que não foi tão trivial assim de ser aceito mesmo pelas sociedades desenvolvidas. Para vocês terem uma ideia, até o final do século 19, quando começaram a surgir os impostos de renda nos países europeus, a alíquota máxima do imposto de renda desses países variava entre 5% e 10%. Entre 5% e 10% até 1910. Em dez anos, entre a década de 1910 e 1920, essas alíquotas de imposto de renda dispararam. Ou seja, ocorreu alguma coisa na situação econômica e política mundial, que foi precisamente a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, que modificou completamente a maneira de pensar das próprias elites europeias, que resistiram muito, no início, à introdução de um imposto de renda progressivo.
Há também um trecho no livro de Piketty que é interessante. Ele fala de um dos economistas mais famosos, que chegou a ser ministro das finanças da França, Beaulieu, que se contrapunha à progressividade do imposto de renda, dizendo, Lindbergh, que a França não precisava de progressividade, porque já era um país igualitário, devido à Revolução Francesa; que era igualitário, então, não precisava de progressividade. Mas o Reino Unido era diferente. O Reino Unido e a Inglaterra, como não tinham as mesmas bases de igualitarismo, precisariam ter o imposto de renda progressivo. Então, há aí uma confusão inclusive de direitos iguais, direitos políticos, igualdade, em termos de democracia, com o princípio de igualdade econômica, que é bastante diferente.
Saindo um pouco dessa história e entrando propriamente dito nos dados que a gente trata no Brasil, como o Lindbergh falava é o seguinte: esse problema dos ricos pagarem menos imposto do que a classe média no Brasil decorre exatamente disto, desse fenômeno que é a isenção de lucros e dividendos distribuídos.
Mas, para que vocês entendam melhor isso, fazendo um parêntesis aqui, a gente tem que entender o seguinte: o Imposto de Renda das Pessoas Físicas, esse que qualquer um de nós aqui declara anualmente para a Receita Federal, poderíamos dividir as rendas. Existem três blocos de renda, três diferentes blocos de renda. Uma, as chamadas rendas tributáveis. O que são as rendas tributáveis? O salário que todo mundo recebe, aposentadoria, pensão e também inclui, além dos salários, rendimento de aluguéis. Esses são os rendimentos tributáveis. Apenas esses rendimentos tributáveis estão sujeitos à tabela progressiva do Imposto de Renda, aquelas alíquotas que começam em 7,5%, 15%, 22,5% e chegam em 27,5%. Apenas esses dois tipos de renda, renda salarial e renda de aluguel, são submetidas à alíquota que chega até 27,5%.
Depois, nós temos um grande bloco de renda, que são as rendas tributadas exclusivamente na fonte, em que nós temos, nesse caso, rendas provenientes de ganho de capital, seja por venda de ações, venda de imóveis, ou também ganho de capital proveniente de aplicações financeiras. Corrigindo algo que eu disse há pouco, nós temos uma renda que também é de trabalho, entre essas rendas tributadas exclusivamente na fonte, que é o 13º salário.
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Todo mundo, quando preenche a Declaração de Imposto de Renda sabe que, no bloco um, você bota o salário normal e depois o 13º e entra no segundo bloco, que esse bloco de rendas tributadas exclusivamente na fonte. O 13º salário, por falar nisso, é a única renda tributada exclusivamente na fonte que está sujeita também à tabela progressiva de alíquotas de 27,5%. Todos os outros rendimentos tributados exclusivamente na fonte estão, em geral, submetidos a uma alíquota média de 15%. Esse é o segundo bloco.
E nós temos um terceiro bloco de rendimentos das pessoas físicas, que é o bloco de rendas, estas a que a gente se referia, as rendas isentas, totalmente isentas, que não pagam nenhum imposto. É o caso da caderneta de poupança, que é uma coisa que todo mundo pode ter um pouco, mas isso é insignificante dentro do volume que a gente verifica nas declarações de Imposto de Renda, como nós vamos mostrar aqui.
Antes, vou adiante aqui nesta tabela.
Aqui nós temos um resumo dos valores desses rendimentos a que me referi no ano de 2013. Nós temos a coluna de rendimentos tributáveis, rendimentos tributados exclusivamente na fonte e temos a coluna de rendimentos isentos. Veja, então, que a de rendimentos tributáveis, que são salários e aluguéis, soma R$1,29 trilhão. Nós temos depois a de rendimentos tributados exclusivamente na fonte, R$207 bilhões e, por fim, nos rendimentos isentos, temos R$632 bilhões.
Aí nós temos um pouco de caderneta de poupança, uma parcela do rendimento de aposentado de mais de 65 anos, que também é classificada como rendimento isento. Nós temos aquele rendimento de ganho de capital, que todo mundo conhece, quando você vende um imóvel e compra outro num período de seis meses, aquele lucro imobiliário também está nessa categoria de rendimentos isentos. Mas, de longe, o principal item dos rendimentos isentos é lucros e dividendos recebidos por acionistas de empresas, que somou, no ano de 2013, a cifra de R$288 bilhões, não é, Rodrigo? Duzentos e oitenta e oito bilhões, praticamente a metade desses R$632 bilhões.
Como vocês também veem, pela tabela, onde é que está concentrada basicamente as rendas isentas? O grosso das rendas isentas? Naquela última faixa de renda, naqueles brasileiros que ganham mais de R$1,3 milhão por ano.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Só para facilitar aqui a explicação, é o seguinte: a tabela está divida em duas. Em cima, são os valores totais para cada uma das faixas de renda. Então, significa que, entre os 5.555 milhões declarantes, que tem até R$24 mil, o volume total de rendimentos isentos é de 5.920. A tabela debaixo são valores per capita e você vai chegar lá, não é isso?
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Sim, valores por pessoa. A gente divide aquele valor que está lá em cima pelo número de pessoas, de declarantes de cada faixa de salário. Os dois dados são interessantes de a gente analisar. Em cima, a gente tem ideia dos valores absolutos. Já pela ideia dos valores absolutos, como eu estava querendo chamar, nós temos um grupo de 71 mil pessoas em 26 milhões que concentram R$196 bilhões de rendimentos isentos num total de 632. Ou seja, eles têm praticamente um terço, quase 30%, dos rendimentos isentos e representam do total de 26 milhões... Quanto, Rodrigo, que dá isso? Dá menos de 1%.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Dá 0,3% da população...
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Da população, e dos declarantes 0,5%, alguma coisa assim.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - É isso aí.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - E, vejam, então, que temos um grande problema. Esses 71 milhões de brasileiros, a renda tributada deles é muito pequenininha. São aqueles 37 bilhões ali da primeira coluna. Eles têm R$37 bilhões tributados até 27,5%, R$64 bilhões de rendimentos devem ser basicamente rendimentos financeiros tributados a 15% e, por fim, tem aqueles 196 milhões livres de impostos.
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No quadro embaixo, a gente consegue ter uma dimensão da concentração de renda e da riqueza que detêm esses brasileiros que ganham mais de R$1,3 milhão por ano, ou seja, são os que ganham a partir de R$1,3 milhão por ano. Mas a média destes 70 mil brasileiros que ganham acima de R$1,3 milhão por ano é uma renda de R$4,2 milhões por ano. Esse número está... Aqui não tem a luzinha? (Pausa.)
Está fraquinha.
Vejam aqui, na penúltima coluna: total de rendimentos, lá embaixo. Estão vendo? Na penúltima linha, 4.170.406. Isso aqui é R$4,17 milhões em média que cada um desses brasileiros recebeu em 2013. Destes R$4,17 milhões, R$2,7 milhões foram renda de lucros e dividendos, R$900 mil de rendimentos tributados exclusivamente na fonte e R$523 mil de salários ou aluguéis. Então, essa é a proporção. E é isso, então, que explica como uma pequena parte da renda deles é tributada, até 27,5%, e o resultado final disso, como nós vemos aqui... Para vocês entenderem o lado esquerdo... Quer explicar, Rodrigo? Alterna comigo aqui um pouco.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Vamos lá.
Isso aí a gente tentou pegar a partir da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física junto com os dados da base da distribuição de renda, ou seja, daqueles que não são declarantes, de quanto cada fração da população se apropria da renda do trabalho, do capital e do total das rendas das famílias.
Então, do lado esquerdo, as participações da renda de cada uma dessas faixas, que começam com décimos da distribuição de renda, ou seja, o primeiro, 10%, o segundo, o terceiro, até o nono. A partir daí, a gente vai quebrando. Em vez de ter o último décimo da distribuição inteiro, a gente bota cinco, depois mais dois, depois mais um, mais um, até chegar lá no meio milésimo.
Para chamar a atenção de dois aspectos, do lado esquerdo, então, são as participações, as concentrações no total da renda e, do lado direito, as alíquotas efetivas que eles pagam de imposto sobre renda do trabalho, renda do capital e o total.
O que o número do Imposto de Renda de Pessoa Física revela e que é interessante dentro de toda a discussão de Piketty é que existem alguns pouquíssimos paralelos em grau de concentração de renda como a brasileira no mundo. Alguns estudos, inclusive o do Ipea, do Marcelo Medeiros, já vinham mostrando isso, ou seja, se você pegar o último milésimo da distribuição de renda, ele se apropria sozinho de cerca de 11% das rendas das famílias. O que esses novos dados da Receita mostram é que, mais do que o último milésimo, o último meio milésimo, cerca de 70 mil pessoas sozinhas se apropriam de quase 9% da renda monetária das famílias todas vindas das cotas nacionais.
Primeiro, há uma brutal concentração de renda, com pouco, ou sequer algum... Quer dizer, só para fazer referência - não é, Sérgio? - com o caso dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, como é que é lá? O Piketty é 1%...
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Nos Estados Unidos, o Piketty nem chega a usar a estatística do 0,1. Ele usa a estatística do 1% e dos 10% mais ricos. Nos Estados Unidos, o ápice da desigualdade da concentração de renda foi em 2007, quando 1% dos mais ricos concentrou 23% da renda e os 10% mais ricos, 47%.
No Brasil, nós temos os 10% mais ricos com 55% da renda, o 1% mais rico, 24%, 25% praticamente, e esse 0,1% com mais de 10% da renda.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Onze por cento.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Só uma coisinha interessante. A gente está falando: 10% mais ricos. Só que, na verdade, quando a gente está falando em 10% mais ricos, esse grupo de 10%, que é de 14 milhões, não é de ricos. A imensa maioria desses dez por cento não é de ricos.
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Essa questão de riqueza, do que é ou não classe média, é meio subjetiva. São classificações que se adotam, mas, se formos observar o nível de renda efetiva, a renda anual dessas pessoas, vamos ver, e isso fica mais claro, talvez, na tabela anterior, os 14 milhões. O que são os 14 milhões? Os 14 milhões são todas as pessoas que ganham acima de R$80 mil, ou até antes, R$40 mil.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - O total é por aí, mais ou menos 14 milhões, é muito pouco.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Acima de R$40 mil. Ou seja, você está no grupo dos dez por cento mais ricos no Brasil ganhando acima de R$30 mil ou R$40 mil. Ou seja, os dez por cento mais ricos são um grupo muito heterogêneo. E, por isso, achamos que é importante não fica na análise dos dez por cento mais ricos, mas ir para o um por cento e, principalmente, para esse 0,1%.
Prossiga.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - O que chama a atenção também são as alíquotas efetivas de imposto pagos por cada uma dessas faixas de renda. É claro que praticamente 90% da população via pagar pouco imposto de renda, porque é isente. Ponto. Vamos focar lá em cima.
O nosso Imposto de Renda tem a combinação de três características, já antecipando que o principal responsável pelas assimetrias é a isenção de lucros e dividendos, sem dúvida alguma.
A primeira característica é que temos poucas faixas e níveis relativamente reduzidos mesmo se comparados com países da América Latina. Ou seja: começar com 7,5% e terminar com 27,5% é relativamente pouco em relação a outros países, sejam da OCDE ou da América Latina.
A segunda característica é que os rendimentos de capital são basicamente tributados por alíquotas lineares, ou seja, neutras. Elas não crescem em função da renda, o que são basicamente as aplicações financeiras. Algumas variam de acordo com o prazo: 24 meses é diferente de 6, mas, em geral, eles são neutros, são as mesmas alíquotas independentemente da renda contribuinte.
Por fim, há uma excessiva concentração das isenções na renda do capital, e a principal delas são os lucros e dividendos. Isso vai criar uma assimetria, que é o fato de que, na medida em que se vai subindo na escala de renda, a renda do capital passa a ser predominante. E esse efeito, como ela é neutra ou sobre ela não incide imposto, ou seja, ou é um alíquota linear ou é isenta, vai fazendo com que as alíquotas para os muito ricos comecem a cair. Isto é, a progressividade do Imposto de Renda no Brasil é assim: vai subindo, subindo e chega a um ponto em que empina para baixo. Isso é o que fica explícito na última coluna da tabela: alíquota média do imposto total. E como ele é? Ele é zero para o início da base, começa a crescer, 0,3%, porque ali ainda há muita gente isenta; 3,1; 6,4; e aí chega no auge de 12,1%, onde os rendimentos tributáveis ainda são predominantes. A partir dali, começa a haver queda na tributação, que faz com que, ao final das contas, o grupo mais rico, meio milésimo, que é esse que concentra 8,8% da renda nacional, arque com uma alíquota efetiva de 7%, que é inferior aos estratos intermediários. É um pouco o que esse número mostra.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Se vocês forem ver, aquele estrato da esquerda está em percentual da população, ordenados dos mais pobres para os mais ricos. Então, é por isso que está ali.
Vejam, até onde cresce a alíquota? Cresce até ali, chega, no máximo, ao último centésimo, no 1% mais rico. Então, quando entrei na casa do 1% mais ricos, logo ali na entrada, estão os que pagam mais, pagam 12,1%. Dali para frente, o imposto começa a cair. Mas, quando olhamos para trás e vemos que há uma alíquota efetiva média de 9% no grupo de 97%, 98%, ou seja, os que estão entre os 2% e 3% mais ricos, chegamos, quando contabilizamos isso, a um número que indicaria que temos em torno de 4 milhões de brasileiros que ganham acima de R$130 mil por ano e que pagam mais imposto do que esses 70 mil que ganham acima de R$1,3 milhão por ano.
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O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Em proporção da renda, claro.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Basta qualquer um aqui fazer o cálculo, cada uma sabe mais ou menos quanto paga de imposto, senão tiver lucro e dividendos para receber, se não tiver uma renda expressiva de aplicações financeiras. Provavelmente, um assalariado, com renda de R$150 mil por ano, tem uma alíquota média de 20%. Então, é maior ainda do que aqueles 12,1%. Por que são 12,1%? Porque é uma média.
Esse é o grupo que ganha entre R$200 mil e R$300 mil, na verdade, esse que paga mais. Nesse grupo que ganha R$200 mil e R$300 mil, há aquele que está ganhando entre R$200 mil e R$300 mil puramente salário, e, nesse caso, vai estar com uma alíquota efetiva média de mais de 20%, próxima de 27,5%, mas não chegando lá, devido a outras deduções que há na tabela, e posso ter o empresário, aquele que pode estar ganhando tudo, R$200 mil, R$300 mil, de dividendos isentos. E esse terá zero de imposto. Em média, temos os 12,1% de alíquota. Lá embaixo, temos a média de 7%. Portanto, mensuramos que são quatro milhões de pessoas, a partir de R$130 mil de renda anual, que pagam mais imposto do que esse clube dos 70 aí.
Voltando, agora, temos a questão dos números, em si. Já está claro. O que acho que seria interessante aqui nessa tabela?
Essa tabela mostra como é dado tratamento tributário aos lucros no País. Um dos principais argumentos para que não se tributem dividendos no Brasil, que justifica essa medida adotada em 1996, é a tese da chamada bitributação do lucro. Por quê? Porque, evidentemente, quando a empresa obtém um lucro, ela paga Imposto de Renda sobre esse lucro. É o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. Depois que ela paga esse Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, o lucro que resta é distribuído entre os sócios. Então, é com base nessa questão que foi levantado que, se fosse taxado o lucro distribuído, significaria bitributação. A dupla tributação é um fato, porque eu estaria tributando a pessoa jurídica e a pessoa física.
Com também depois vou mostrar para vocês, praticamente todos os países do mundo adotam essa lógica de tributar o lucro na pessoa jurídica e, depois, na pessoa física, embora grande parte dos países passaram a adotar mecanismos de compensação relativa disso para amenizar esse efeito. Imaginem países que têm alíquotas na tabela de imposto de renda de pessoa física de 50% ou mais. Nesse caso, o lucro da pessoa jurídica já teria sido tributado em 20% a 30%. Depois, na pessoa física, seria tributado novamente em 50% ou 60%, Então, há alguns países que adotam mecanismos para diminuir a incidência na pessoa física, uma vez que o lucro já tenha sido tributado na pessoa jurídica.
No Brasil, como funciona? Temos aqui exatamente quanto do lucro final é tributado. Partindo de um acaso de empresa - era como funcionava entes de 1996, antes da Lei nº 9.249 - que obteve um lucro de 100. Naquela época, não existiam os juros sobre o capital próprio; vou explicar aqui em seguida o que seriam juros sobre capital próprio. O que era o lucro tributável? O lucro tributável era exatamente os mesmo 100. Então, pagavam-se 25% de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). No total, isso dava 34%. Os 100 menos 34, sobravam 66 de lucro líquido a serem distribuídos sob a forma de dividendos.
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E, então, sobre os 66 de dividendos distribuídos pela empresa, incidia uma alíquota exclusiva na fonte, de 15%, que correspondia a 15% de 66, ou seja, 9,9. Somando os 34% de imposto ou as 34 unidades monetárias que a empresa pagou de imposto com os 9,9 que a pessoa física pagou chegávamos a um nível de tributação do lucro de 43,9% no Brasil. Vocês podem perguntar: isso é muito alto? Não seria muito elevado, mais até do que a carga tributária no Brasil, que está em torno de 34% do PIB? Vamos ver depois. Vou mostrar uma tabela de como ocorre no restante dos países.
Bom, temos então a Lei nº 9.249, de 1995, que passou a valer a partir de 1996. Ela teve, então, essas duas inovações: uma foi a isenção dos dividendos distribuídos e a outra foi a criação da figura dos juros sobre capital próprio. O que são juros sobre capital próprio e por que ele tem esse nome?
O motivo de se criar juros sobre capital próprio decorre do seguinte: uma empresa, quando se endivida para fazer um determinado investimento, tem um gasto de pagar juros sobre esse endividamento que obteve. E esse gasto de pagar esses juros para um banco, por exemplo, pode ser deduzido do seu lucro para calcular o Imposto de Renda, porque o Imposto de Renda incide sobre o lucro líquido. Então, se ela se endividar e tiver pagando juros, ela vai abater.
Mas, aí, levantou-se o seguinte: e a empresa que não está se endividando, que tem capital próprio dos seus acionistas? Ela vai ter uma desvantagem, ela vai ter um incentivo para se endivida. Ela teria o incentivo para se endividar porque, endividada, poderá abater esses juros. Então, em função disso, criou-se a figura dos juros sobre capital próprio. E o que isso garante? É uma despesa fictícia que a empresa estaria tendo. E essa despesa fictícia, que não é real, porque não está endividada, não está pagando, é calculada da seguinte forma: pega-se a taxa de juros de longo prazo, a TJLP, multiplica-a pelo capital social da empresa - hoje a TJLP está em 6,5% se não me falha a memória. Se ela tem um capital, por exemplo, de 400, seriam 26 unidades a serem deduzidas. Aqui, no exemplo, simulei como se fossem 30 unidades monetárias para serem deduzidas do lucro inicial. Então, pego 100 menos os 30 e tenho o lucro tributável, que é a quarta linha, que é 70. E é sobre esses 70 que vou passar a calcular o IRPJ e o CSLL.
Um detalhe: os 30 de juros sobre o capital próprio é uma despesa fictícia do modo como é calculado, mas é um tipo de dividendo pago, um dividendo que é transferido para o acionista. Então, o acionista recebe aqueles 30 milhões - 30 milhões porque estou falando como se fossem 100 - e, sobre esses 30 que recebe, paga um imposto de 15%, que dá aqueles 4,5. Ao pagar esses 15%, vocês vão dizer: "mas esses juros sobre capital próprio estão pagando, o dividendo não paga nada, o outro dividendo simples não paga nada, está isento." Só que, vejam, é uma enorme vantagem para a empresa, porque aqueles 30 deixaram de sofrer a incidência de 34%, que é o IRPJ e o CSLL. Sobre aqueles 30, incidiriam 34, e agora estão incidindo apenas 15%. Então, ele tem o benefício de redução de 34 para 15, portanto, tem o benefício fiscal de 19% sobre o valor que é deduzido.
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Bom, chegamos aos 70, foram cobrados o IRPJ e CSLL, 17,5 para 6,3 e sobrou 43,2 de dividendos. Esses dividendos, então, a partir de 1996, estão isentos, não paga nada de imposto. O resultado final dessa simulação que apresentamos é que o mesmo lucro, que era tributado em 43,9% passou a ser tributado em apenas 28,3%, ou seja, houve uma redução da carga tributária sobre o lucro da empresa de 15%. Isso é muito pouco, vejamos como ocorre em algumas economias avançadas.
Aqui, temos as duas colunas nas quais temos que prestar mais atenção. É o CIT, que é a sigla para o IRPJ, em inglês, Corporate Income Tax; e a quarta coluna, que é o tributo pago pela pessoa física que incidiu sobre os dividendos, sobre o lucro distribuído. Então, basicamente, só para entenderam a tabela, temos o lucro antes da tributação, que é a coluna A. A tabela foi calibrada de modo que a coluna de lucro distribuído sempre desse 100. Então, 30% de 142,86, no caso da Austrália, representa 42,86. Então, 142,86 menos os 42,86, que foram pagos de IRPJ, sobraram 100. E assim por diante, para todos os países. Depois, sobre os 100, temos a incidência dos 27,2%, que é o tributo sobre o dividendo. Então, vejam aqui, por essa tabela, que apenas em um país, entre esses que estamos mostrando, da Europa, a coluna de tributos pago pela pessoa física sobre dividendos é zero. É a Estônia.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - É preciso chamar a atenção de que é um país de população de 1,3 milhão de habitantes, uma população menor do que Goiânia, e área um pouco menor do que o Espírito Santo. Portanto, não é um país que sirva muito de referência para o Brasil.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - O Rodrigo acabou estudando um pouco mais o caso da Estônia porque se trata de um país que rompeu com o domínio soviético na década de 90 e adotou uma série de reformas liberalizantes muito fortes. Entre essas reformas, estão justamente a redução da tributação sobre o capital e a concessão da isenção sobre dividendos.
Eu até cortei outros países do Leste Europeu, mas é um traço marcante: em geral, os países do Leste Europeu que romperam com o domínio soviético são os que apresentam a menor tributação. Ou seja: os países ex-socialistas são os que menos tributam o lucro. E as economias capitalistas mais clássicas, inclusive a economia americana e a da Inglaterra, que são as duas últimas da coluna, têm alta taxação do lucro. Quando juntamos o tributo pago pela pessoa jurídica com o tributo pago pela pessoa física, chegamos a 57% nos Estados Unidos e 45% no Reino Unido.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Onde foi usado o argumento da bitributação aqui? Estamos vendo ali: Estados Unidos - 39, pessoa jurídica; 30, pessoa física. Quando faz a média...
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Não se trata de somar as duas porque o 30 está incidindo sobre um valor maior.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - E a outra coluna incide sobre um valor menor.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Mas você tem 57,6.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Isso no final das contas.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Vamos lá: Alemanha. Pessoa jurídica, 30,18; pessoa física, 26,38. No caso, o total de 48,59. Onde está a França?
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Está acima da Alemanha, 64% no total. É o país da Europa, segundo essa tabela, que tributa mais fortemente os lucros.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Reino Unido: 21%, pessoa jurídica; 30% pessoa física.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Tentamos colocar que esse argumento da bitributação, muitas vezes, carece de uma espécie de formalismo, que obscurece o debate. A verdade é que, no mundo inteiro, não é considerado, e não era considerado no Brasil até 1995. O que mudou?
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O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - O que os países fazem...e aí é um tecnicismo em cuja discussão não vou querer entrar. Mas, como eu havia dito antes, os países adotam duas estratégias para lidar com isso. Como disse, alguns desses países adotam a alíquota máxima de Imposto de Renda, superior a 50%. Então, não são aquelas alíquotas ali as do tributo pago por pessoas físicas dos dividendos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É uma média.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Ele é menos do que a alíquota máxima do Imposto de Renda de Pessoa Física. Então, o que os países adotam são mecanismos que eles chamam de "imputação". São vários outros modelos que, na verdade, ou consideram que parte do imposto já foi pago pela pessoa jurídica e deduzem, ou há, ainda, poucos países que adotam, por exemplo, uma tributação exclusiva, uma alíquota linear. Existem dez países, se não me engano, na OCDE que adotam uma alíquota linear, que era o caso do Brasil até 1995.
Vamos adiante.
O que seria importante? Obviamente, a alíquota linear um pouco mais reduzida é o sistema mais simples e é o que o Brasil adotava. Eu já considero que, se retomarmos esse tipo de tributação, já seria um enorme avanço, mas, com certeza, a medida que carrega em si o maior princípio de justiça fiscal e maior progressividade seria uma tributação semelhante à tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.
Aqui, tratamos de simular as duas hipóteses: se tributarmos 15% na fonte e se tributarmos segundo a tabela de Imposto de Renda das Pessoas Físicas. Alguém pode dizer: "Mas não vai ficar pesado? Nos outros países, eles adotam mecanismos para amenizar a tributação da pessoa física para que não fique muito elevado".
Eu argumentaria dois pontos: em primeiro lugar, a nossa alíquota, como o Rodrigo disse, de pessoa física, é menor do que a desses outros países; e, em segundo lugar, só estamos discutindo esse lado da proposta. Consideramos que, por exemplo, seria pertinente discutirmos, no Brasil, simultaneamente com a tributação dos dividendos na tabela progressiva do Imposto de Renda, a redução do IRPJ pago pelas empresas. Seria, de modo sistêmico, uma medida que previsse a redução do IRPJ em nível da empresa e a tributação dos dividendos na pessoa física com alíquotas progressivas, seria uma medida importante.
Alguns economistas argumentam que isso criaria, Senador, em excessivo viés, um incentivo para que as empresas, a partir daí, passassem a reter o lucro e não distribuir aos acionistas.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Só se reinvestir.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - De fato, se formos ver a literatura, veremos que é um viés. Estaríamos dando certo incentivo para a empresa fazer isso. Mas acho que, no frigir dos ovos e considerando a nossa situação econômica atual, até seria bom se, de fato, a empresa reter e reinvestir esse lucro na produção. Mas esse é um debate até bastante complexo.
O importante aqui é vermos a evolução dos lucros e dividendos ao longo do tempo. Antes, esqueci de comentar um aspecto: por que é mais justa a adoção da tabela progressiva em relação à tributação, digamos, na fonte? Porque posso ter - é um exemplo clássico - um empresário, uma pequena empresa do Simples, que poderia estar isento da tributação exclusiva na fonte e que tenha uma renda anual, por exemplo de R$1 milhão. As empresas do Simples têm até R$1,6 milhão. Ele poderia ter um faturamento, embolsando o lucro de R$1 milhão e estaria isento. Ao mesmo tempo, posso ter um assalariado, que tem uma ação da Petrobras, da Vale do Rio Doce - certamente, faz tempo que não devem pagar dividendos - pagando dividendos. Se é um dividendo desse tamanho, pequeno, esse assalariado, juntando isso ao seu rendimento, ele poderia estar isento pelo nível da sua renda.
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Então, parece-nos que é mais justo considerar a tributação não de acordo com o tamanho da empresa, mas com o tamanho da renda do beneficiário em si.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Eu só queria chamar a atenção para um ponto, Sérgio, que é o seguinte: quem são os recebedores de lucros e dividendos? Os maiores são, sim, 50 mil pessoas com rendimentos superiores a R$1,3 milhão. Mas não são os únicos! São, mais ou menos, 2,1 milhões de pessoas, no Brasil, recebedores de lucros e dividendos. E esses 2,1 milhões constituem um agregados heterogêneos, que passa desde o pequeno profissional liberal do Simples, pelo jornalista que acaba tendo o seu vínculo de PJ, pelos profissionais liberais, como os médicos com altos rendimentos também, até o grande empresário. Então, ele é um agregado heterogêneo, ainda que grande parte desses dividendos esteja bastante concentrada no topo.
Quando eu tributo a 15% - e a gente apresenta depois nas simulações, mostrando que já é um grande passo, que já é um grande avanço do ponto de vista da progressividade -, eu não estou distinguindo esses. Quando eu os sujeito às alíquotas progressivas, aquele cara que tem a renda baixa continua isento, aquele que tem uma renda média vai pagar 7,5% e 15% na sua renda adicional, e, por fim, aquele que está no topo vai pagar a alíquota máxima. Então, você tem esse aspecto que é importante.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Queria agradecer a Senadora Regina pela sua presença aqui a este debate que é importantíssimo, principalmente neste momento.
Eu queria aproveitar e fazer duas perguntas. A primeira é sobre o impacto fiscal.
Quanto o Governo - e vocês fizeram os cálculos a respeito - pode arrecadar ao estabelecer uma alíquota de 15% ou com variações de progressividade?
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Hoje, nós fizemos simulações, não é? A gente, inclusive, chegou um pouco atrasado aqui porque estava finalizando esse trabalho.
A nossa estimativa é que, para 2016, com os 15%, chegaríamos a R$53 bilhões. Se você fizer alíquotas progressivas, esses R$53 bilhões seriam arcados por, mais ou menos, 2,1 milhões de pessoas indistintamente. Se você fizer alíquotas progressivas, grande parte das pessoas, na base, continuaria isenta e grande parte delas pagaria taxas menores. Porém, o impacto arrecadatório seria maior, porque as alíquotas, no topo, seriam bem mais altas. Com 27,5% na marginal, a gente estima um impacto de R$72 bilhões, ou seja, 1,14% do PIB, o que está muito próximo do superávit primário que se está almejando para os próximos anos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Surgiu uma proposta - e até para deixar o debate mais dinâmico -, entre os planos que o Governo iria apresentar e acabou não apresentando, de aumentar uma faixa do Imposto de Renda, colocar uma tributação de 35%.
Qual a opinião dos senhores sobre isso?
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Senador Lindbergh, deixe-me fazer uma pergunta, porque, assim, eles podem responder de uma única vez.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Com a palavra a Senadora Regina, do Piauí.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - É uma pergunta meio difícil. Vocês podem até não querer respondê-la.
É que você falou ali em R$53 bilhões, podendo ser mais. Então, na opinião de vocês, o que impede ou qual é a amarra para o Governo fazer isso?
Pergunto isso porque nós estamos aí cortando, cortando e não conseguimos fechar. E essa é uma coisa que poderia ajudar.
É quase que uma ignorância minha também, porque é o meu primeiro mandato.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não, Senadora; essa pergunta é muito válida.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Cheguei aqui no meio do furação.
Mas eu queria entender. Para vocês, que têm mais tempo de estudo do assunto, qual é a grande amarra ou qual o obstáculo maior que o Governo enfrenta para não fazer uma coisa dessas?
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - As forças ocultas... (Risos.)
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Sim; quais são as forças ocultas?
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - As forças ocultas são poderosas, e, realmente, eu não consigo detectar exatamente o motivo para essa proposta, efetivamente, não ter sido mais seriamente cogitada.
Sem dúvida, existem interesses econômicos contrários a uma medida como essa, mas, até por isso, eu mencionei, no trabalho que a gente tem feito, que a gente tem... Por exemplo, eu falei aqui que, juntamente com a tributação dos dividendos, nós poderíamos reduzir o IRPJ das empresas.
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E isso poderia ser algo atrativo para um setor importante do empresariado nacional que pensasse numa perspectiva... E eu iria dizer "de longo prazo", mas, na verdade, que pensasse menos com o próprio umbigo.
E, além disso, existiriam também outras medidas de reforma tributária que, creio, seriam possíveis de serem implementadas com ganho de receita advindo disso.
Há um sentimento na sociedade muito contrário ao aumento da carga tributária, contra o aumento de imposto neste momento. Isso é uma coisa que conta, mas, no pacote e nas medidas têm sido anunciadas, estão sendo também anunciados aumentos de impostos. E, de todas as medidas de aumento de imposto, essa seria a menos dolorosa possível para a economia. Por quê? Porque, como o Rodrigo também mencionou ali, principalmente se a gente for tributar na tabela progressiva, esse impacto atingiria 1,2 milhão de pessoas, e parte destas, muito poucas, atingiria... Realmente, é aquele topo da pirâmide social, essas 70 mil pessoas que ganham mais de R$1,3 milhão, e o efeito econômico seria, basicamente, reduzir a poupança dessas pessoas, aquilo que essas pessoas mantêm como riqueza.
Quem tem um nível de renda desses - e teria que pagar 15% sobre o rendimento de dividendo - não iria deixar de consumir, não iria deixar de aplicar os seus recursos e fazer com que esses recursos continuassem girando a economia. É diferente quando, por exemplo, se tira a renda do muito pobre. Ele não poupa nada; toda a renda que ele tem é para o consumo.
Então, a gente considera que seria importante ter essa mão, essa sensibilidade na hora em que se está pensando medidas tributárias, E a gente também poderia pensar, no longo prazo, em ir compensando: aquele ganho de arrecadação que se teria agora poderia ser canalizado para a reforma de outros tributos, como mencionava aqui no início. A gente poderia, por exemplo, usar parte desses recursos - não agora, de imediato, porque nós estamos num momento de ajuste fiscal, mas daqui a três, quatro anos - para reduzir, por exemplo, impostos sobre consumo, impostos que são extremamente regressivos e que incidem mais sobre o bolso do mais pobre.
Senador, faltou eu responder...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Na verdade, eu fiz a pergunta mas eu já sei um pouco a resposta que você vão dar, porque a gente sabe que, hoje, centralmente, quem paga Imposto de Renda Pessoa Física, na faixa dos 27,5%, são os funcionários públicos, porque grande parte das pessoas que recebem salários um pouco maiores viram PJ (Pessoa Jurídica). Por isso estou insistindo muito na tributação sobre lucros e dividendos.
Então, talvez, colocar uma outra faixa na escala do Imposto de Renda não tenha esse grande efeito. Nós vamos pegar a classe média e vamos perder, justamente, a possibilidade de tributar esses, Senadora Regina, porque os dados são impressionantes.
Eu acho, sinceramente, que esse estudo que os senhores aqui fizeram em cima da Receita é um estudo histórico. Acho que a gente está entrando... Isso que vocês nos apresentam aqui serve para desmascarar essa regressividade da tributação no nosso País. E nós estamos falando dos 0,05%, Senadora Regina! São esses os que menos pagam e têm uma quantidade de recursos impressionante. É essa tabela que o Rodrigo Orair apresentou.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Eu havia me esquecido...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Pode falar.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - .. da pergunta que o senhor...
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Eu queria apenas complementar com relação às simulações que a gente fez, aproveitando que o Senador Lindbergh puxou o assunto, a gente fez essa simulação, hoje, sobre como seria a alíquota progressiva adicional.
Qual é o dado importante? Quando você olha os mais ricos pela renda total, você encontra 70 mil milionários no Brasil. Quando você olha pela base de cálculo do Imposto de Renda, aquele que vai incidir, você só tem cinco mil. Ou seja, quem é muito rico é PJ, já se transformou em PJ.
Você até tem esses cinco mil. Possivelmente, milionário não é funcionário público.
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O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - um recebedor de aluguéis.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Mas ele é um recebedor de aluguéis.
O que a gente tentou fazer na simulação, hoje - um trabalho que a gente, inclusive, acabou de terminar, ou seja, está saindo do forno -, para conseguir o mesmo montante de recursos dos 15% sobre lucros e dividendos, foi saber que tipo de alíquotas adicionais. Suponha que eu não queira tributar lucros e dividendos, que eu vá manter; então, como teriam que ser as alíquotas adicionais para se chegar ao mesmo impacto da arrecadação?
Nós chegamos à conclusão de que teríamos de ter três faixas a mais, uma de 35%, uma de 40% e uma de 45%, para R$60 mil, R$70 mil e R$80 mil. Isso implicaria chegar a, mais ou menos, 4 milhões da nossa população. Você teria que descer até a classe média. Ao passo que, via tributação de lucros e dividendos, você está impactando, no máximo, 2,1 milhões de pessoas.
Com outro detalhe, que é o seguinte: se você tiver alíquotas adicionais de 35%, 40% e 45%, aí é que você incentiva mais ainda a "pejotização", ou seja, todo mundo vai sair, a não ser funcionário público e funcionário de empresa estatal, que não podem por lei. O restante vai deixar de ser PF. Ou seja, aí, você tem um outro efeito adverso que é exatamente esse.
E, por fim, nós simulamos um impacto na queda da desigualdade no Brasil. Curiosamente, mesmo com as alíquotas progressivas, as três faixas adicionais gerando a mesma arrecadação, gera-se uma menor queda na desigualdade do que com os 15%. Por que isso? Porque ela desce para a classe média. Enquanto os 15%, mesmo sendo uma alíquota só - 15% flat, 15% fixa -, ela incide mais sobre o topo, basicamente porque você tem mais pessoas no topo com essa renda.
Por que essa agenda não vai para frente? Eu acho que há a necessidade de os nossos líderes políticos articularem essa agenda, e, daí, é elogiável a iniciativa do Senador de trazer esse debate, de trazer essa pauta, de colocar esse projeto e de colocar essa discussão.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Eu só queria...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Permita-me, Sérgio, antes de você se manifestar. Eu não sou debatedor, mas estou já entrando um pouco, tentando responder um pouco também a pergunta da Senadora Regina. É que nós sabemos que o Congresso é um espaço também para o lobby dos mais ricos, das grandes empresas do País.
É impressionante ver o trabalho bem-feito da Senadora Gleisi, que virou Relatora de uma medida provisória, a ser votada na quarta-feira aqui, no Senado, sobre o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido dos bancos. O Governo aumentou de 15% para 20%. A Senadora Gleisi colocou para 23% e acabou com os juros sobre capital próprio, o que é outra jabuticaba - só existe no Brasil. Aliás, isenção de tributação sobre lucros e dividendos só no Brasil e na Estônia; e, no caso de juros sobre capital próprio, só aqui no Brasil.
E a Senadora Gleisi, embora tenha feito um trabalho incrível, teve que recuar, porque houve uma pressão muito grande aqui, que ameaçava derrubar o aumento sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 15% para 20%.
Eu quero dizer, aqui, como cobrei no plenário, que vamos votar isso na quarta, e as Bancadas de Deputados do DEM e do PSDB votaram contra o aumento de impostos para os bancos, contra o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, especialmente quando a gente sabe que, no meio desse ajuste todo, o Sistema Financeiro está tendo lucros extraordinários.
Então, nós vamos ter esse debate também aqui; é uma oportunidade para aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, mas, sobretudo, descortinar esse debate da "Agenda Esquecida", como bem o Sérgio Gobetti e o Rodrigo Orair falaram aqui.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Senador, só para complementar a colocação sobre essa simulação das novas alíquotas do Imposto de Renda.
Eu vou, antes de tudo, repetir o que o Rodrigo disse: três novas faixas de imposto, com alíquotas de 35%, 40% e 45%, a partir de R$60 mil, chegando em 45% para aqueles rendimentos acima de R$80 mil. Quer dizer, fica muito claro que você teria de pegar pesado na classe média, para gerar, naquela simulação, os mesmos R$43 bilhões, em valores de 2013, obtidos pela tributação exclusivamente na fonte dos dividendos.
Mas há mais um detalhe: além de pegar muito menos o andar de cima, o índice de desigualdade reduziria um pouco, e por quê? Porque a classe média alta ou uma classe média seriam mais tributadas. E a desigualdade é um cálculo em que se mistura tudo num balaio só e tenta ver como é que fica a distribuição.
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Então, como você tem muitos pobres no Brasil e, com isso, você reduz a renda da classe média, você pode ter uma melhoria do índice de desigualdade. Mas, simultaneamente ao Coeficiente de Gini, de desigualdade, essa medida provocaria um aumento da desigualdade no topo da distribuição. Por quê? A diferença entre a classe média e os mais ricos... Digamos: o cara muito rico, hoje, ganha 20 vezes mais que o sujeito de classe média alta. Depois da criação das três alíquotas do Imposto de Renda, em vez de ele ganhar 20 vezes mais, ele vai ganhar 23 vezes mais. Como? Ele não está lá em cima? Não seria atingido também pelas três novas alíquotas de 35%, 40% e 45%? Seria se ele estivesse recebendo salário.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Fora do microfone.) - Sim, mas como recebe dividendos...
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Vejam essa tabela naquela alíquota média do imposto no trabalho.
Vejam que a alíquota média do imposto no trabalho, a efetiva, cai de... Ela chega a 16,8% e, depois, tem uma leve queda no último estrato. Percebem? Significa que aquele grupo tem menos renda de salário do que aquele que é menos rico do que ele. Digamos, comparando, eu poderia até dizer o seguinte: eu posso ter, naquele grupo ali, antes, um assalariado que ganhe R$300 mil, R$400 mil, mas ele não ganha dividendos; e eu posso ter um empresário que ganha R$100 mil ou R$200 mil de salário e coloca, depois, R$400 mil, R$500 mil, R$1 milhão de dividendos. Então, isso provoca uma distorção ainda. A diferença entre o rico e a classe média pode aumentar se eu apenas criar as novas alíquotas da tabela do Imposto de Renda.
Agora, se eu combinar, juntando novas alíquotas - e não para quem ganha R$60 mil, R$70 mil ou R$80 mil, mas novas alíquotas para quem ganha muito acima disso - e tributar os lucros e dividendos, aí sim, o efeito distributivo disso é muito grande.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O André Barrocal, aqui presente, jornalista da Carta Capital, fez uma matéria muito densa, recentemente - não sei precisar, talvez 15 dias ou um mês atrás -, sobre o mesmo tema. E eu queria que ele contribuísse aqui de alguma forma, com alguma pergunta talvez.
O SR. ANDRÉ BARROCAL - Senador, em primeiro lugar, obrigado pela oportunidade.
Eu gostaria, na verdade, de pedir uma opinião para os dois convidados - e o Sr. Senador fique à vontade para fazê-lo também - sobre as medidas anunciadas há pouco - há pouco mesmo, nós estamos falando de duas horas, duas horas e meia atrás - justamente nessa área tributária. Havia uma expectativa sobre como o Governo pretenderia desfazer o rombo no Orçamento previsto para o ano que vem e algumas medidas foram anunciadas agora.
Entre tudo o que os senhores defendem, há só um aspecto que foi contemplado, e foi contemplado de maneira marginal: uma mudança nos juros sobre o capital próprio. Eu queria uma avaliação, enfim, sobre essas medidas anunciadas hoje.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - É o que você falou, agora há pouco, comigo ao telefone. Vamos lá!
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Há a questão dos juros sobre o capital próprio, mas essa medida em relação aos juros sobre o capital foi uma maquiagem, uma maquiagem no sentido de que foi um detalhezinho que entrou, até porque o efeito de arrecadação é também muito pequeno, dava cerca de R$1,1 bilhão.
É aquilo a que eu me referi: como os juros sobre o capital próprio são calculados? TJLP vezes o capital social. Então, agora, ao invés de se aplicar a TJLP...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Sobre esse assunto vale uma explicação novamente. Eu sei que estou sendo repetitivo, mas é muito confusa a forma de entender os juros sobre o capital próprio.
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O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Então, vamos pegar um exemplo: uma empresa tem um capital social, que é o seu patrimônio, digamos, de algo em torno de R$400 milhões; e essa empresa obtém, a cada ano, um lucro de algo em torno de R$100 milhões. Bom, o que ocorre? Ela tem o lucro de R$100 milhões, mas foi dado um benefício de que ela poderá abater desse lucro de R$100 milhões um determinado valor, que vai ser distribuído para os seus acionistas sob a forma de dividendo, equivalente a juros sobre capital próprio. E esse valor que será deduzido dos R$100 milhões de lucro da empresa vai ser calculado da seguinte maneira: eu vou pegar a TJLP, a Taxa de Juros de Longo Prazo, que, como disse aqui, se bem me recordo, é de 6,5% e vou multiplicar isso pelo capital social da empresa. No exemplo que eu citei, de R$400 milhões, seriam 6,5% de R$400 milhões, ou seja, R$26 milhões. Então, eu, em vez de tributar o IRPJ e a CSLL - 25% mais 9%, ou seja, 34% ao todo -, ou seja, 34% de R$100 milhões, que é o lucro original da empresa, eu vou aplicar os 34% sobre R$100 milhões menos R$26 milhões de juros sobre o capital próprio.
A mudança que o Governo promoveu são duas: em vez de aplicar os 6,5% da TJLP, vai ser aplicado um percentual fixo de 5%. No nosso exemplo, 5% de R$400 milhões são R$20 milhões, Então, aquela empresa que abatia R$26 milhões de R$100 milhões, vai, agora, abater R$20 milhões de R$100 milhões, sendo tributada nos R$80 milhões restantes. Então, o prejuízo que ela vai ter nessa primeira medida é a diferença de 34% sobre R$6 milhões a menos de abatimento, ou seja, em torno de R$2 milhões, em torno, portanto, de 2% do seu lucro.
Então, naquela simulação, lá, em que a gente falava que, em média, o lucro das empresas, hoje, era tributado em 28%, ele vai voltar a mais ou menos 30%. Mas, juntamente com a redução do cálculo dos juros sobre o capital próprio, de 6,5% para 5%, também foi previsto que o acionista, quando receber os juros sobre o capital próprio, se, hoje, ele paga 15%, pela medida anunciada, ele pagará 18%. Então, pagará 3% a mais.
Então, essas são as duas medidas e esse é o impacto.
Há uma outra medida também que vai um pouco no sentido da maior progressividade, como a gente estava falando, que está incluída no pacote, que é o aumento das alíquotas incidentes sobre ganhos de capital proveniente do lucro imobiliário, ou seja, no lucro pela venda de imóveis.
Se eu compro um apartamento por R$500 mil e, alguns anos depois, vendo o mesmo apartamento por R$1 milhão, hoje em dia, eu tenho que pagar 15% sobre esse lucro imobiliário, que foi, no caso, de R$500 mil. Ou seja, eu teria que pagar, em tese, R$75 mil. Só que, hoje, a legislação já permite que, se você, em seis meses, adquirir um outro imóvel de valor mais alto, quer dizer, se eu vendo um de R$1 milhão e adquiro um outro por R$1,2 milhão, eu fico isento de pagar esses R$75 mil de imposto,
O que o Governo fez foi o seguinte: para quem vende um imóvel até R$1 milhão, continuam valendo os 15%. Só que, de R$1 milhão, como está na tabela, até R$2 milhões, sobe, não me lembro agora se para 18% ou para 20%, mas vai crescendo progressivamente de R$2 milhões para R$5 milhões e, depois, para R$10 milhões. Então, essas taxas vão crescendo conforme o lucro imobiliário também vai crescendo.
É uma medida de progressividade tributária, mas é muito pouco frente... A principal medida de progressividade tributária que existe hoje, no Brasil, é, sem dúvida alguma, a tributação de lucros e dividendos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não; na verdade, não dá nem R$3 bilhões ao todo, do total de R$45 bilhões.
E, só para deixar claro, os valores aqui são os seguintes: entre R$1 milhão e R$5 milhões, a alíquota subirá para 20%. Para as vendas entre R$5 e R$20 milhões, sobe para 25%; para mais de R$20 milhões, chegará a 30%.
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O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Só chamar a atenção que a gente começou a apresentação dizendo progressividade na "Agenda Esquecida". Tendo a crer que continua esquecida. Acho que essas medidas são pontuais, apenas relativas à progressividade.
A primeira delas, no juro capital próprio, continua sendo a alíquota neutra, não é a alíquota progressiva. O que se fez foi reduzir um pouco do excessivo benefício que tinham os rendimentos do capital.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Até porque TJLP aumentou agora recentemente.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - É. Então, na verdade, o que se fez foi limitar o montante que pode ser deduzido na forma de juros sobre capital próprio e aumentar um pouquinho a alíquota dele, 15 para 18, mas continua sendo 18, independentemente do nível de renda do recebedor.
O ganho de capital, nesse sim colocou-se uma alíquota progressiva, porque ela vai dando saltos de acordo com o valor.
Vejo isso como uma iniciativa do Governo de colocar propostas para debate e debates são importantes.
A gente sempre toma como referência - pelo menos recente - o plano de ajuste fiscal do governo Obama recentemente.
A administração Bush reduziu a tributação sobre capital e a tributação sobre os mais ricos consideravelmente. O Obama tinha que escolher entre manter ou não essas reduções dentro do seu plano de ajuste fiscal. Qual foi a opção naquele momento da sociedade americana e da administração do Obama, que estava numa crise fiscal e precisava fazer um ajuste? Aumentaram-se as deduções para os mais pobres, mantiveram-se as alíquotas reduzidas para a classe média e aumentaram-se as alíquotas do topo. Essa é uma agenda de progressividade. Eu não vejo ainda...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Isso foi feito em que ano?
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Em 2010...
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Em 2013.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Isso, em 2013.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Só uma opinião aqui. Na questão dos juros sobre capital próprio, se eu tivesse que escolher entre duas medidas: acaba com juros sobre capital próprio ou volta à tributação de dividendos, eu não vacilaria em escolher a volta da tributação dos dividendos, porque juros sobre capital próprio, embora sejam uma jabuticaba tributária, estão beneficiando a empresa e têm ainda algum sentido econômico maior, que é essa questão da vantagem que a empresa tem de abater as despesas quando ela está se endividando. Eu acho menos pior que a isenção de dividendos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Sérgio, deixe-me fazer só uma observação aqui. Este debate, na verdade, não tinha muita força na esquerda, nos movimentos sociais no Brasil. Ganhou força de um ano para cá, acho que houve o esgotamento daquele modelo em que foi possível haver um ganha ganha e isso claramente está superado, alto preço das commodities, e tem ganhado espaço.
Só que há uma confusão muito grande hoje sobre as várias alternativas que temos aqui: imposto sobre grandes fortunas, que, infelizmente, tem uma dificuldade de tramitar nesta Casa; grandes heranças, porque aqui também grandes heranças... De uma tributação de 8%, mas só três Estados têm 8%, a maior parte tem 4%. Se for falar de Alemanha, algo superior a 50%. Há o Imposto Territorial Rural, tem-se um conjunto de pontos que podem... Estou convencido de que, neste momento, o que existiria de mais eficaz, mais rápido e com maior impacto fiscal é a questão da tributação sobre lucros e dividendos. Eu noto que há uma dispersão muito grande, quando todos vão falar, um fala sobre isso, o outro fala sobre aquilo. Vocês têm essa mesma avaliação? Pelo jeito e pelo estudo, sim, vocês desmascaram, justamente mostram essa regressividade justamente porque estão usando essa brecha para não pagar imposto, mas vocês têm essa avaliação também? É algo mais fácil de ser aplicado a tributação sobre lucros e dividendos?
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Sem dúvida.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Absolutamente. Existia até 1996, uma lei foi criada. Alterar uma lei é relativamente simples do ponto de vista jurídico. Do ponto de vista arrecadatório, também é relativamente simples, porque você tem as informações do IRPJ; o impacto arrecadatório é enorme, estamos falando de cifras que variam de R$43 bilhões a R$80 bilhões, ou seja, é um montante relativamente grande. Ao passo que outras discussões são um pouco mais complexas. Vai-se criar um imposto sobre grande fortuna, é válido, é ótimo, acho que ninguém discute isso, mas ele tem toda uma discussão de modelo, o que vai ser, vai tributar imóveis, não vai, vai ser unidade familiar, vai ser... Não está estabelecido. Ao passo que a isenção de lucro sobre dividendos é simples, é só você...
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Então, concordo inteiramente com esse argumento. Acho que hoje seria a que teria impacto arrecadatório mais rápido. Simulamos impactos em termos de distribuição de renda, que são enormes, porque são muito concentrados no topo, no topo mesmo da distribuição e é uma administração relativamente simples do ponto de vista tributário.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - E é uma proposta que eu diria - como disse no início, ninguém gosta de imposto - que está muito focada num setor da sociedade que ganha muito mais. Ou seja, há uma possibilidade de diálogo com a sociedade, com a população de mostrar que não há sentido nenhum coexistirmos com as distorções que mostramos de o mais rico pagar menos imposto do que a classe média.
Acho que essa é uma bandeira, sem dúvida nenhuma, importante, que deveria estar sendo levantada neste momento.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Há formas de fuga, no caso de se instituir a tributação?
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Sim, os tributos sobre herança, também falado Piketty... Se formos falar da obra do Piketty, talvez até o foco dele no tributo sobre a herança seja o principal, mais, inclusive, do que de outras rendas do capital, que seriam rendas do capital produtivo. O Piketty critica muito a ideia de como é que pode alguém não fazer nada durante a vida, não trabalhar, não empreender, simplesmente herdar uma riqueza significativa e não precisar, durante toda sua vida, mais trabalhar.
O problema da herança é uma questão importante, é uma questão central na obra do Piketty, na qual ele vislumbra, inclusive, que nós poderemos estar voltando para a mesma sociedade patrimonialista que ele via na Europa do século 19. Nos romances que ele cita no livro dele, uma das coisas folclóricas que surgem nesse romance, entre conversas entre personagens, um personagem recomenda para outro que estava querendo estudar para fazer um concurso para ser juiz. Ele diz: "Olha, se você for procurador-geral da república vai ganhar, no máximo, durante um ano, 60 mil francos." Se for procurador-geral da República. Quem se torna procurador-geral da república? Muito poucos. O outro personagem dizia: "No entanto, se você desposar a moça que está interessa da em você na pensão, ela vai ganhar uma herança de não sei quantos milhares, milhões de francos, e esse dinheiro aplicado durante o ano já vai estar rendendo exatamente os seus 60 mil francos. Então, o que é melhor, se matar estudando e trabalhando para tentar, com muita sorte, chegar a ser um juiz e ganhar 60 mil francos ou se dedicar a se casar com alguém que tenha uma herança." Isso era tratado, se não me engano, no romance do Balzac. É a situação do século 19, em que ele vê uma ameaça de retornarmos para situações semelhantes. No frigir dos ovos, ele está dizendo o seguinte: o peso das rendas herdadas coloca por terra todo aquele ideal de meritocracia da sociedade democrática moderna, da sociedade americana etc. e tal.
Só que, digamos, isso é falando do ponto de vista ideal. O Senador perguntava da questão de evasão... Olha, o problema é que quando vamos para a prática da implementação de um imposto desse, como acontece com os muito ricos, com esses 70 mil, se fôssemos restringir muito? Muitos desses milionários, desses empresários mantêm seu patrimônio não no nome da pessoa física. Inclusive, no dado, quando vamos ver, também há dado de patrimônio nas declarações de Imposto de Renda, são muito altos, mas o pessoal, os 70 mil, que ganham, em média, R$4,1 milhões de renda, detêm um patrimônio declarado de, se não me engano, R$17 milhões cada um, não é Rodrigo? É muito isso, é bastante. Você pode dizer: "É, é bastante." Mas eu desconfio que ele seja bem maior, inclusive pela média do que o próprio Piketty revela que existe em outros países. O patrimônio em média, nas sociedades americanas e europeias, hoje em dia mais do que quintuplica o valor da renda, chega a seis, sete vezes mais a renda em termos de patrimônio.
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Então, provavelmente esses valores são maiores e muitas pessoas físicas... Seja por que os valores na declaração não são avaliados, não são declarados pelo valor atualizado ou porque há talvez os muito ricos que mantêm o seu patrimônio na pessoa jurídica, na empresa. Daí, isso foge do pagamento do ITCD, no momento em que ele morrer, ele transfere para os filhos sem incidência tributária. As ações que ele transferir para os descendentes não vão estar sofrendo a incidência da tributação.
Então, é um esquema bem mais complicado a tributação da herança.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Vou passar novamente para o jornalista André Barrocal. Muito obrigado pela presença. Ele é da revista Carta Capital.
Pergunto depois à Senadora Regina se tem mais algum questionamento e passo às conclusões dos nossos convidados.
Barrocal.
O SR. ANDRÉ BARROCAL - O.k., Senador. Obrigado mais uma vez pela oportunidade.
Eu gostaria de aproveitar o comentário final do expositor sobre pessoa jurídica, alocação do bem na pessoa jurídica. Vocês não acham que seria o caso de a Receita Federal abrir os dados do IRPJ da mesma forma que foi feito agora com o IRPF? Isso também teria um valor nesse debate sobre progressividade ou não da tributação no Brasil?
Uma outra questão, uma segunda questão. Nesse pacote anunciado há pouco pelo Governo há a proposta de uma nova CPMF. Vocês são da opinião de que CPMF tem ou não tem caráter progressivo e por quê?
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Vamos lá, então. Primeiro a questão é a abertura dos dados do IRPJ. Acho que quanto mais abertas as informações e transparentes à sociedade, isso permite aos pesquisadores e ao público em geral fazerem uma análise mais qualificada, esse é um exemplo deles.
Destaco que a Receita Federal vem ampliando a qualidade e a disponibilidade das informações. Inclusive, disponibilizou uma base da declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica setorial recentemente, juntamente com esse pacote de pessoa física. Mas, de fato, ainda não tem dados de patrimônio. Tem-se um ponto, mas ampliado, não custa pedir.
Sobre a CPMF, certamente...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Isso é importante para esta Comissão aqui.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Pode ser um pedido desta Comissão também.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Acho que, certamente, se o Piketty voltar ao Brasil hoje, vai ser melhor acolhido, vai ficar mais satisfeito com o País do que quando ele veio, há dois anos ou há um ano e meio...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Fora do microfone.) - No ano passado.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Certamente ele vai ter uma melhor impressão nossa e da nossa fiscalidade.
CPMF. Certamente, CPMF é um tributo cumulativo, ou seja, ela incide nas várias cadeias da produção e, portanto, como tributo cumulativo, ela tende a influenciar preços de bens e serviços e, portanto, punir aqueles que mais consomem bens e serviços, ou seja, os mais pobres. Nessa perspectiva, sim, a CPMF é um tributo regressivo. Dos regressivos, é um dos menos, mas ele é, sim, um tributo regressivo. Ele tem um aspecto positivo, isso é sempre destacado até nas discussões de reformas tributárias mais amplas, que ele tem um importante papel de fiscalização, mas aí é uma alíquota pequena, com menos fins arrecadatórios e com mais fins fiscalizatórios.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Só para dar o exemplo do que é essa questão da regressividade. Muita gente tem a ideia de que a CPMF seria mais ou menos proporcional, todo mundo faria um sacrifício igual. Eu vou dar um exemplo prático de por que isso não é assim, porque a CPMF é regressiva e incide proporcionalmente mais sobre a renda do pobre. Aliás, para precisar melhor o conceito, as pessoas podem imaginar que progressividade significa que então o valor total de imposto pago pelo pobre é maior do que o valor total de imposto pago pelo rico? Não, não é isso que é regressividade ou progressividade, é o valor do imposto pago pelo pobre dividido pela renda do pobre, comparando com o valor do imposto pago pelo rico dividido pela renda do rico.
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Se a proporção de imposto pago pelo pobre é maior do que a proporção da renda paga em imposto pelo rico, aí temos um sistema regressivo. Isso ocorre com a CPMF pela seguinte questão: o pobre - acho que já citei isso aqui - consome toda renda que recebe, todo salário que recebe. Como o Rodrigo disse, a CPMF incide em cascata. Então, o pobre compra comida. Aquela comida que ele compra no supermercado já teve a incidência da CPMF em todas as fases da produção. A gente calcula que, em média, nos bens de consumo, a CPMF incidiu entre três e quatro vezes. Então, tenho 0,38% - agora se propõe 0,2% - significa que nos bens de consumo ela foi 0,38% mais 0,38% mais 0,38%, mais 0,38%. quatro vezes. E se o pobre gasta toda a renda que recebe, ele tem uma incidência de quatro vezes a CPMF em comparação com sua renda. Já o rico, na parte que ele consumiu da sua renda, também as quatro CPMFs sobre a parte que ele consumiu, só que há a parte que ele não consumiu, a parte que ele botou no banco e quanta CPMF ele pagou da parte que ele botou no banco? Uma, no momento em que tirou, saiu o dinheiro da conta bancária e foi para o fundo x ou y, é uma vez só. Por isso, em média, o rico paga menos CPMF do que o pobre.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Há outra questão, ouviu Barrocal, veja bem: CPMF no Governo do Presidente Lula veio como imposto para a saúde, tinha-se um argumento. Colocar CPMF para fazer superávit para pagar juros... Se fosse um imposto vinculado à saúde, teria força.
Pode falar.
O SR. ANDRÉ BARROCAL - Para ser preciso na informação, a proposta anunciada há pouco é de vinculação com a Previdência Social, para a Previdência.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu acho que não tem a mesma força, como teve no passado, naquele debate da questão da CPMF.
Eu queria só agradecer - não sei se nossos expositores têm mais um comentário a fazer agora.
Primeiramente, agradeço muito. Esse trabalho de vocês é histórico, Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair. Vejam que estamos discutindo aqui Imposto de Renda, mas se fôssemos somar tudo que é tributo no País, vejam o peso dos impostos indiretos, mais de 50%. Um outro estudo do Ipea lá atrás dizia que os 10% mais pobres pagam 32% dos seus rendimentos em tributos; os 10% mais ricos, 22%. Creio que se olharmos toda a tributação o problema vai estar nos menos de 1%, que são esses que no trabalho que os senhores apresentaram identificam na tabela de Imposto de Renda, que são os que pagam menos. Estamos falando aqui de grandes quantias.
Quanto a esse debate da desigualdade, temos duas formas sempre de combater a desigualdade, que é no gasto público, fizemos isso nesse último período da história, nesses 13 anos, está faltando fazer na outra parte, que é arrecadar melhor, que é distribuir melhor. Eu acho que esse é um debate que vai conquistando corações e mentes também. Por isso parabenizo esse trabalho de vocês, porque acho que desmascara essa injustiça. Fica difícil de se argumentar contra. Estou sempre alternando vocês e senhores, porque conheço há muito tempo, principalmente o Sérgio Gobetti. Acho que os senhores têm um papel grande de divulgar esse trabalho, vamos tentar fazer ao máximo isso aqui. Acho importante a TV Senado estar cobrindo, ela vai reprisar novamente essa transmissão.
Eu queria fazer uma pergunta, se há uma última fala a fazer ou se encerramos o trabalho por aqui.
O SR. SÉRGIO WULFF GOBETTI - Só pegando carona nisso que tu falastes no final, sobre como que os tributos incidem na sociedade. A sociedade brasileira aparentemente está cansada de pagar imposto, tem uma avaliação de que a carga tributária nossa é elevada. De fato, nossa carga tributária se compara à dos países europeus na média. Há países europeus que têm cargas mais elevadas, outros, menores.
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Mas o grande problema é que, embora tenhamos a mesma carga tributária dos países europeus, nós tributamos muito pouco a renda e os lucros, e muito excessivamente o consumo. Lembrando-me de cabeça agora seria mais ou menos a seguinte ordem de grandeza: dos 34% do PIB que nós tributamos da nossa carga tributária, só 6% do PIB são renda; enquanto que, na média da OCDE, dos países europeus em desenvolvimento, mais ou menos 34% do PIB de carga tributária e a tributação sobre a renda e o lucro é de 12% do PIB. Em compensação, eles tributam muito menos o consumo e nós muito mais o consumo.
Portanto, a agenda que está colocada é a agenda da progressividade, de melhorar o perfil do Imposto de Renda, mas uma agenda maior, que é essa agenda de alteração da estrutura tributária brasileira. Temos que, de uma vez por todas, alterar a estrutura tributária brasileira. Muitas vezes, a cantilena de alguns que se opõem a medidas tributárias levantando bandeiras de que estão querendo aumentar imposto, na verdade, estão querendo manter a situação como está, com essa estrutura tributária que penaliza o pobre e beneficia o rico, isso temos que mudar urgentemente.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Rodrigo.
O SR. RODRIGO OCTÁVIO ORAIR - Brevemente, só agradecer ao Senador pelo convite, agradecer a oportunidade de apresentarmos o debate.
Só pontuar que, de fato, recentemente saiu um estudo da Cepal que mostra que a ação distributiva do Estado brasileiro não é pequena, é até bastante grande, mas é via gasto. Eu acho que é importante esse tipo de debate para mostrarmos que há um outro lado também que não pode ser esquecido, que é a agenda da progressividade da tributação para manter essa construção de um País mais justo, mais equânime, uma sociedade melhor para todos nós.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Rodrigo, eu agradeço muito, agradeço a presença aqui de todos.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
(Iniciada às 19 horas e 44 minutos, a reunião é encerrada às 21 horas e 21 minutos.)