16/09/2015 - 45ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Bom dia a todos e a todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 45ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esportes da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião, convocada na forma de audiência pública, atende aos Requerimentos nºs 45, 68 e 100, de 2015, da CE, de minha autoria, para realização de audiência pública destinada a instruir o Projeto de Lei do Senado nº 417, de 2013, que institui o Dia Nacional de Combate à Tortura.
Dando início à nossa audiência, solicito ao Secretário da Comissão que acompanhe os convidados para tomarem assento à mesa.
Quero aqui também registrar a presença do Senador Paulo Paim, que estava presidindo a Comissão de Direitos Humanos, da qual ele é Presidente. S. Exª nos honra aqui com sua presença para que possamos promover esta audiência pública tão necessária para este dia tão importante. (Pausa.)
Já estamos aqui com os nossos convidados.
Informo que esta audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado e da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade, com Alô Senado, através do telefone 0800-612211, e do e-Cidadania, por meio do portal www.senado.leg.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
E, como o Senador Paim me ensinou, sempre os Senadores têm participação a todos os momentos. V. Exª esteja à vontade se quiser manifestar-se antes de começarmos a ouvir os nossos convidados. (Pausa.)
Bom, então o Senador Paim aqui nos colocando, nós vamos começar a nossa audiência, ouvindo Virginius José Lianza da Franca, Diretor da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Nós vamos iniciar dando 10 minutos, mas, se for necessário, faremos as devidas prorrogações.
O SR. VIRGINIUS JOSÉ LIANZA DA FRANCA - Bom dia ao Senador Telmário Mota, nosso Presidente nesta reunião, neste importante momento. Gostaria de saudar o Senador Paulo Paim, grande defensor e guerreiro de todas as causas de direitos humanos, em especial, também, no combate à impunidade de tema tão ímpar, tão caro e tão importante para o Estado brasileiro, que é a perpetuação da tortura nos nossos instrumentos, principalmente em todos os mecanismos e instrumentos de Estado.
Quero saudar também o André Saboia, que brilhantemente desempenhou o exercício da condução da construção do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que nos brindou com um importante instrumento que hoje dá suporte aos trabalhos e às atividades da Comissão de Anistia, no Ministério da Justiça, nesse processo de reparação do Estado brasileiro.
Quero saudar também o Carlos Alves, todos os que estão aqui conosco nesta Mesa e todos os cidadãos e todas as cidadãs que se fazem aqui presentes e os que têm a oportunidade de nos acompanhar por essa transmissão, neste também importante mecanismo que o Senado proporciona à nossa população, do acompanhamento de suas atividades legislativas.
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O tema ora proposto à discussão vem, desde muito, em excelente momento, excelente hora e excelente oportunidade. Ter um dia de combate nacional ao crime de tortura é relevante e imperioso ao Estado brasileiro.
Lembremos, em digressões passadas, que a tortura é um estado perene, digamos assim, em nossa sociedade. O Professor Luciano Maia, hoje Procurador da República dos Direitos Humanos e Subprocurador-Geral da República, em seus ensinamentos na Faculdade de Direito, quando das suas aulas que a nós ministrava, já falava que a perpetração de violações e a perpetuação do instrumento de utilização da tortura, como instrumento para a aquisição de informações e/ou para a consolidação dos sacrifícios e imposições de ditames, se pereniza e vem desde os indígenas. Então, as agressões aos indígenas, o período de escravatura que o Brasil passa e que o Brasil permeia...
Então, não é novidade no Estado brasileiro falar-se em tortura. É imperioso também que façamos, por dever de ofício... Creio que o André também traçará uma linha tênue nesse comparativo, como não poderíamos deixar de fazê-lo, principalmente nessa indagação de por que a Comissão de Anistia se fazer presente em representação ao Ministério da Justiça, em uma atividade em que estamos falando de tortura. Nada mais dignificante, nada mais respeitoso do Ministério da Justiça em termos aqui a representação da Comissão, que é o instrumento de Estado, o mecanismo de Estado que cuida hoje da proliferação e da dimensão dos instrumentos e mecanismos da recomposição da memória, da verdade e da justiça no Estado brasileiro.
E não podemos deixar de fazer esta ressalva. Embora a tortura seja essa prática perene e estabelecida em um instrumento de atuação ou de sobreposição de ideias através do sacrifício corporal, é no período da ditadura civil militar que é instituída, digamos assim, a instrumentalização, a imposição da tortura como instrumento e mecanismo oficial do Estado a fim de compor suas redes de informação através de elementos da tortura.
São reiterados... E aqui saúdo o Sr. Belmiro e o Sr. José Bezerra, dois defensores das torturas e dos elementos e das práticas brutais cometidas pelo Estado brasileiro, contra, e especialmente, em particular, militares que se opuseram ao regime; que tiveram a coragem e a ousadia de dizer não àquele estado de coisas e às atrocidades cometidas, muitas delas instrumentalizadas e guiadas pelo elemento da tortura.
Era a imposição e a sobreposição, como diria Foucault, da cultura do medo. Em sua magistral obra Vigiar e Punir, ele vem e transcende todas as narrativas, em que o elemento de tortura era o princípio basilar da sobreposição, e o crime e o castigo. O castigo era a mola mestra das imposições. Paulatinamente, isso vem-se sucedendo nos séculos XVII e XVIII na França, e se restabelece, segundo os ensinamentos de Foucault, nessa transição em que o castigo corporal, a tortura, deveria ser, digamos assim, substituída pelo sistema presidiário, pelo sistema prisional. Dessa forma, o Estado passaria apenas a vigiar e a tomar conta, num princípio e num indicativo de que as nossas sociedades, ou aqueles que cometeram um crime, para traçar uma parcela e um recorte mais específico com relação às imposições de tortura, dentro desses elementos cognitivos em que deveria existir , a partir de então, a partir do ilusionismo e a partir da Revolução Francesa, a substituição e a humanização de todas as pessoas, de todos os atos e de todos os gestos.
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Então, sobrevém a necessidade de dignificação da pessoa humana e de que sejam tratadas as pessoas na sua essência e que o corpo em si deixaria de ser ou deveria deixar de ser aquele elemento precípuo à aquisição de informações e à sobreposição ou à imposição de verdades que são abstratas e que são tidas do torturador e que ele quer transparecer ou fazer com que o torturado conte, narre, diga ou acate as suas versões daquilo que ele acha que deve ser imposto.
E falar nesse período de ditadura militar, falar em tortura, falar nesse conjunto de narrativas é essencial também neste momento, momento em que, nesse paralelo, vivemos hoje um estado de coisas que se repetem.
Então, desde o rompimento da ditadura.... Vale ressaltar, Senador Telmário, que o Brasil, dos países que sofreram ou passaram pelos regimes ditatoriais, é o único país, falando-se em Américas, em que a tortura, ou os indícios da utilização e a permeação da tortura, sofreu aumento. Em todos os outros, foram tidos elementos de consecução e elementos de condução estatal no intuito de se diminuir a tortura.
Embora, desde a Declaração dos Direitos Humanos em 1948, a tortura já seja imensamente combatida; embora, em 1984, tenha havido o Tratado Internacional de Combate à Tortura; embora. em 1989, o Brasil tenha aderido a esse tratado e o tenha absorvido como legislação; embora, em 1997, o Estado brasileiro tenha, sim, implementado uma lei que estabelece a tortura como sendo crime punível com pena; embora o Estado brasileiro esteja dando passos e dando inícios, o Estado brasileiro não cumpriu ainda com um papel essencial. Isso, a nosso ver, faz ainda transcender a violência e a tortura dentro dos instrumentos ainda autoritários, em parcelas autoritárias do Estado brasileiro, no sentido de que não conseguimos avançar no item precípuo de que o crime de tortura é punível.
Infelizmente, quando do julgamento da DPF 153, Senador Paulo Paim, o Supremo Tribunal Federal entendeu a Lei de Anistia como um grande acordo feito por todas as partes; e todos os crimes ali cometidos e toda a tortura cometida contra os cidadãos brasileiros foram levados à condição de um acordo e de uma amnésia absoluta, e não punimos ainda os nossos torturadores.
Essa falta de punição é um elemento crucial para essa violência dentro dos sistemas, dentro dos aprendizados e dentro dos próprios exemplos que o Estado permeia e estabelece entre as pessoas, no sentido de que há de se dar o exemplo. E o exemplo de que a tortura é um ato punível não foi dado.
É preciso que avancemos nesse ponto. É imperioso que tiremos essencialmente dos papéis todos os acordos, todos os pactos que estão firmados e que avancemos nessa possibilidade e nesses instrumentos. A Comissão de Anistia, desde o julgamento dessa DPF, vem clamando à sociedade brasileira, clamando ao Estado brasileiro que é imperioso e é crucial que nós avancemos também nesse ponto.
Por isso, é saudável, é salutar, é importante e é inescusável que todos nós, neste dia de hoje, apoiemos isso imensamente. E não fiquemos apenas nesse apoio para que seja mais um dia, para que seja apenas mais uma lembrança, mas para que, efetivamente, a partir deste dia, a partir desta audiência pública, seja estabelecido, sim, um Dia Nacional de Combate à Tortura e que seja, sim, permitido à nossa sociedade avançar nessa dimensão.
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Não é saudável, não é salutar que, após 30 anos do pacto firmado em 1984, 80% dos cidadãos brasileiros acusem ou digam que têm enorme, imenso e imensurável medo de serem investigados, detidos ou de se apresentarem a qualquer órgão da nossa estrutura policial, temendo ser torturados, temendo sofrer tortura.
É preciso que reparemos todos esses erros, é preciso que efetivamente implementemos uma política de Estado no intuito de exemplificar também e retomar essa luta de restaurar, restabelecer e reimplementar, sim, as discussões diante dos crimes de tortura e crimes bárbaros praticados no período da ditadura. Assim, hoje, dentro da sociedade, aqueles cidadãos, aqueles brasileiros que exercem essas funções, poderão ter, sim, um parâmetro de que o Brasil, o País, a nossa sociedade está de acordo, está de olho e não aceita a tortura como algo praticável, mensurável e palpável a um Estado democrático de direito.
Eu gostaria de saudar imensamente a iniciativa do Senador Randolfe, que propôs esse projeto, e a oportunidade e a iniciativa desta Comissão de Educação, no intuito de trazer esta discussão, possibilitando que o Estado brasileiro, as pessoas, os cidadãos tenham também a possibilidade de se manifestar e, oportunamente, de conhecer esses trabalhos legislativos.
Creio que estourei em uma vez e meia o tempo que me foi dado. Peço desculpas a todos os componentes da Mesa e agradeço a possibilidade de estar aqui presente.
Muito obrigado e bom dia a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Quando a causa justifica, não há dúvida, não é, Senador Paim?
Quero registrar também a presença do Senador Lasier.
Antes de passarmos ao próximo convidado, vamos ouvir o Senador Paulo Paim.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Telmário Mota, de forma muito rápida, quero, primeiro cumprimentar V. Exª que, de fato, é um militante dos direitos humanos e consegue dividir-se entre inúmeras comissões. Inclusive está sempre presente à CDH, que eu presido, que, neste momento, está realizando uma audiência pública. Meu querido Carlos Moura e demais convidados presentes, quero dizer que o Senador Cristovam a está presidindo para mim - olhem minha parceria com o PDT. Eu e o Senador Lasier também já combinamos aqui como fazer.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Isso já é um bom sinal. Parece um prenúncio. (Risos.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O Senador Cristovam está lá presidindo. O tema da audiência pública é o combate à intolerância religiosa. Estão lá todos os segmentos religiosos: umbanda, candomblé, CNBB, pastores evangélicos e a OAB, como entidade de direitos humanos, naturalmente. Estamos fazendo um belo debate, e eu me comprometi, porque queria vir aqui, para, depois, retornar lá, para que o Senador Cristovam também possa ir às outras comissões.
Mas eu queria mais, Senador Telmário. Sei que, sob a sua relatoria - e faz a instrução desse projeto por uma audiência pública -, sairemos daqui com o projeto aprovado no momento adequado, naturalmente, depois de todo o debate que faremos aqui e na sociedade. Não se trata só de aprovar o projeto, mas de mostrar a importância do projeto e esta data de 14 de julho.
E fico feliz que esta iniciativa seja do Senador Randolfe, nosso parceiro de todas as horas, por tudo o que ele tem representado também, junto com nós todos, aqui na Casa.
Gosto muito de uma frase que se pode dizer que é carimbada, clichê, mas não importa: "Ditadura nunca mais; tortura nunca mais. Viva a democracia. Viva a liberdade. Viva a justiça."
E que seja dado aos homens e mulheres o direito de viver com qualidade de vida, com dignidade. Tortura é um dos crimes mais hediondos que a gente possa imaginar.
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E a Comissão da Verdade cumpriu e continua cumprindo um papel fundamental nesta perspectiva de que possamos, um dia, sonhar, nós que somos militantes de direitos humanos, que não haja tortura em nenhuma parte do mundo. Ficamos chocados ao ver, por exemplo - vim agora de outra audiência, meu querido Moura, em que há relatos de que, por uma opção religiosa de matriz africana, o cidadão foi queimado; outros, torturados; outros, que tiveram sua casa incendiada. Todo tipo de tortura tem de ser condenado pela dureza e pela firmeza da lei, da forma mais radical, eu diria, e intransigente. Tortura não queremos em hipótese alguma! E um viva à liberdade e à democracia.
Uma salva de palmas forte a esta Mesa, à Comissão da Verdade e àqueles que fizeram essa proposta. (Palmas.)
Eu vou lá, e prometo voltar aqui. Já combinei com o meu amigo gaúcho, Lasier Martins, que tem sido uma grata surpresa para todos nós, aqui.
Sabe que esse time novo que chegou - permitam-me dizer isso -, porque o Senador Telmário é desse time novo... Quando terminaram as eleições, ouvi: "Paim, tu estás bem arrrumado. Vai uma turma de reacionários para lá que tu vais ver só...". (Risos.)
E, para alegria minha, eu diria que quase 100% dos novos que chegaram têm uma posição progressista, ativa, permanente, comprometida. Tanto que, hoje, se me perguntarem qual é a Casa do povo... Eu sempre digo que é o Congresso, mas, se me mandarem escolher entre a Câmara e o Senado, eu diria que a Casa do povo é o Senado, e vocês estão fazendo essa diferença, essa turma nova que chegou. Não vou citar nomes, um por um, mas é uma turma de cerca de 20 que chegaram muito bem. São parceiros em momentos como este, e isso nos dá alegria de estar no Parlamento, apesar de todo o desgaste que a política tem hoje. Tivemos retrocesso na Câmara. Perdemos, sim, mais da metade da bancada comprometida com as causas sociais, mas, no Senado, nós avançamos. E você, Telmário, é um símbolo disso, junto com o Senador Lasier Martins.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado, Senador Paim. Uma salva de palmas para o Senador Paim. (Palmas.)
Sem nenhuma dúvida, ele é a grande simbologia no que diz respeito a direitos sociais, avanços sociais, a conquistas. O Senador Paim é lembrado e é um marco. Sinto-me honrado em fazer parte desta Casa e encontrar aqui V. Exª, que tem sido um grande balizador, em todos os sentidos.
Procuro chegar cedo aqui, para ser o primeiro. Ontem, cheguei pouco depois das 8h, e ele já tinha batido o ponto; já estava a marca dele no plenário.
Passo a palavra ao Senador Lasier, antes de passarmos ao próximo convidado.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Serei bem rápido. Cumprimentando a Mesa, gostaria de dizer que, na matéria da Comissão da Verdade, e votamos também num projeto igualmente do Senador Randolfe, fomos um número inferior na votação e por isso perdemos. Queríamos fazer essa restrição à anistia e buscar a penalização aos torturadores. Lamentavelmente, não conseguimos. Lamentamos até hoje que tenham ficado impunes. Então, queria apenas fazer esse adendo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado.
Eu queria aqui também registrar que essa audiência realizada pela CDH é uma tortura - aos templos, ao avanço, como foi dito que pessoas foram queimadas. Realmente, lamentamos profundamente isso.
Antes de ouvir o próximo convidado, queria fazer aqui um registro.
O Sr. José Bezerra da Silva, aqui presente, é advogado e representa a associação dos militares perseguidos pela política do Rio Grande do Norte; Associação dos Praças da Aeronáutica do Rio Grande do Norte (Asparn); a ASSMAN, Associação dos Militares Anistiados da Bahia; associação dos militares perseguidos políticos de Goiás e também de diversos perseguidos políticos e torturados dos Estados brasileiros - São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Minas Gerais, Paraíba. Vem aqui perante esta Comissão, dirigindo ofício ao Senador Romário, Presidente, dando sua contribuição e também aprovando essa data, oferecendo depoimentos de forma forte, seus, com DVDs e tudo. Recebemos isso aqui e, na hora em que formos levar o relatório para aprovação, vamos catalogar suas proposições, seus depoimentos, essas coisas, para realmente exemplificar ainda mais. Muito obrigado pela colaboração.
Quero também dizer o seguinte. Ele fala aqui de um dia internacional. Na verdade, o dia internacional está registrado como dia 26 de junho, Dia Internacional Contra a Tortura, e o que está sendo proposto pelo ilustre Senador Randolfe Rodrigues é o dia 14 de julho.
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Não é, como foi dito aqui, um dia simbólico ou um dia de lembrança. Não. É um dia de se marcarem políticas públicas contundentes no sentido de evitar essas barbáries que aconteceram aí e que acontecem no dia a dia, como bem disse aqui o Virginius. Isso começou no regime militar, mas hoje, dia a dia, estamos vendo de forma covarde, porque o torturador é covarde. Ele tem essa característica. Ele tortura porque se aproveita de um momento do anonimato. Ele ali se sente no anonimato naquele momento, seja ele qual for.
Vemos aí vídeos. Ontem mesmo, vi um vídeo de alguns policiais espancando de forma covarde uma pessoa sentada para depor; o policial vem por trás e senta-lhe a bofetada e tal. Então, a tortura existe diariamente, principalmente nos presídios, nas delegacias, entre os militares, e tal - às vezes, com a conivência da sociedade, porque a sociedade acaba vendo que "Ah, ele é bandido. Então, tem o direito de apanhar". Não, ele é ser humano, tem direitos, a lei o protege. Ele tem de ser julgado e tem de ser analisado de acordo com a legislação e de acordo com a lei brasileira.
O nosso próximo convidado, agora, para fazer uso da palavra é André Saboia Martins, Secretário Executivo da Comissão Nacional da Verdade.
André, com a palavra.
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS - Bom dia a todas e a todos.
Eu gostaria, em primeiro lugar, de parabenizar a Comissão de Educação do Senado por esta iniciativa. Agradeço por esta oportunidade, saudando a Comissão na pessoa do Senador Telmário Mota, saudando o Senador Lasier Martins, o representante da Comissão de Anistia, Virgínius; a Karolina Castro, da Secretaria de Direitos Humanos; Carlos Moura, da CNBB; e Hellen Carvalho, da OAB.
Agradeço a presença de todos.
Queria recordar a importância de fazer esta apresentação nesta Casa, e um fato que talvez tenha ficado um pouco no passado, mas que é importante salientar, é que a lei que criou a Comissão Nacional da Verdade, a Lei nº 12.528, de 2011, foi aprovada por ampla maioria na Câmara dos Deputados e, por unanimidade, no Senado Federal. Esta é uma virtude que tem essa iniciativa da Comissão da Verdade no Brasil: esse fundamento legal sólido, essa base no amplo consenso social.
Acreditamos que à medida que o relatório e suas recomendações sejam apropriados, lidos pela sociedade brasileira, pelas instituições do Estado, nós poderemos realmente iniciar um período importante de reformas institucionais, de mudanças, de transformações, de modo a prevenir e combater uma série de mazelas que enfrentamos, como é o caso da tortura, do crime da tortura.
Nesse sentido, é muito oportuna a iniciativa do Senador Randolfe Rodrigues, de criação de um Dia Nacional de Combate à Tortura, porque acreditamos que exista esse dever de combater essas graves violações de direitos humanos, esse crime. É um dever também - não só um direito - recordar, mas um dever de memória. Isso é o que nos ensinam os sobreviventes das ditaduras, os sobreviventes dos campos de extermínio, da Segunda Guerra Mundial, cuja memória nós devemos honrar.
Como já disse aqui o representante da Comissão de Anistia, a tortura é uma realidade, é uma prática muito antiga, que antecede as ditaduras militares modernas, atravessa períodos ditatoriais, democráticos. No Brasil, antes da ditadura implantada pelo golpe de 1964, tivemos um período ditatorial do Estado Novo, em que se verificou a tortura, mas também verificamos tortura em períodos democráticos.
Aqui, saúdo a presença do Dr. José Bezerra, representante dos militares perseguidos.
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E um fato recordado no relatório da Comissão Nacional da Verdade, que tem um capítulo específico sobre a tortura, o Capítulo IX, são as primeiras manifestações de tortura de uma forma bastante ampla, no seio das próprias Forças Armadas brasileiras. Isso aconteceu no período democrático, durante a campanha do petróleo. Militares que faziam campanha para suas candidaturas no Clube Militar, que faziam campanha em favor da nacionalização do petróleo foram barbaramente torturados. Isso está muito documentado. Foram feitas denúncias inclusive às Nações Unidas na época.
Em alguns locais, houve uma prática generalizada, como a Base Aérea de Natal, em 1952. Então, temos esses antecedentes. É muito importante, mesmo num período de normalidade democrática, essa constante política pública, essa constante preocupação. Se observarmos como resultou, onde foi construída a política de Estado da tortura, porque essa é a característica, a transformação que a ditadura militar traz, vemos que a tortura deixa de ser aquela prática que acontece nas prisões, que atinge prisioneiros comuns e passa a ser uma política de Estado. Isso significa que tanto a tortura como método de coleta de informação, de obtenção de confissões e delações, como uma técnica de dominação e controle social, ela passa a ser construída de forma consciente, planejada. Recursos orçamentários são destinados para treinar profissionais do Estado, agentes civis e agentes militares que são instruídos em técnicas psicológicas, técnicas de interrogatório. A tortura como política de Estado mobiliza o pessoal médico - não só médicos das Forças Armadas, mas enfermeiros. É uma política muito coordenada e que, no Brasil, graças à abertura dos arquivos - foi possível recuperar uma parte significativa dos arquivos da ditadura -, esse planejamento está muito bem documentado.
Aqui, no site da CNV, onde tem indicação de tortura, temos, para cada capítulo, todos os documentos que fundamentam nossas conclusões. Está tudo disponível on-line. Por exemplo, se olharmos... Eu estava falando da questão dos períodos democráticos. Toda essa preparação da política de Estado, implantada pelo regime, antecedeu todo um planejamento; uma série de estudos que tiveram início logo depois da Segunda Guerra Mundial tiveram seu apogeu na década de 50, com o Brasil vivendo um regime democrático. Temos aqui um documento da Escola Superior de Guerra, introdução a estudos da guerra revolucionária, dos anos 50. Enquanto o mundo vivia uma grande efervescência - alguns países da África e da Ásia lutavam por sua independência -, o Brasil, parte das Forças Armadas brasileiras incorporava como doutrina aquilo que os países, as potências imperiais - França, Estados Unidos, Inglaterra e outros - as técnicas empregadas contra suas colônias, no Vietnã, na Argélia. Essas técnicas eram estudadas no Brasil, aperfeiçoadas, adaptadas e, depois, foram aplicadas por brasileiros contra brasileiros.
Isso é um episódio, uma situação que deve servir a uma reflexão profunda: o que leva a que o próprio Estado promova, dentro do próprio País, práticas características do colonialismo, práticas cruéis?
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Acho que isso realmente é um fenômeno que deve ser estudado, deve ser conhecido, justamente para que se faça efetivo o lema do "nunca mais": nunca mais tortura, nunca mais ditadura, nunca mais golpes de Estado.
Sempre acompanhou a instituição da política de Estado...Ela se baseia em documentos, mas documentos que, na época, eram secretos, de circulação muito restrita, porque, oficialmente, a ideologia do regime era liberal. O regime tinha uma Constituição.
Então, uma característica também é essa negação sistemática, uma negação sistemática que começou já no ano de 1964. O jornal Correio da Manhã no qual havia vários jornalistas importantes, entre os quais um jornalista que depois se tornou Parlamentar, Márcio Moreira Alves, fazia denúncias muito frequentes sobre torturas praticadas logo após o golpe, e essas denúncias foram tão intensas, tão candentes, tão detalhadas, que obrigaram o próprio ditador, Marechal Castelo Branco, a designar o seu Chefe da Casa Militar Ernesto Geisel a fazer uma missão em Estados do Nordeste, Ilha de Fernando de Noronha, prisões no Rio de Janeiro e em São Paulo para investigar essas denúncias.
Ainda que o General Geisel tenha detectado indícios de que essas denúncias eram verdadeiras, a opção do regime foi negar isso e dizer que tinha havido excessos pontuais em alguns casos; que isso se devia ao momento daquilo que eles chamavam de "revolução".
E o mais impressionante é que essas teses dos excessos, de que a tortura era um mero excesso, uma falha individual e não uma política do sistema, podemos dizer que esse discurso permanece de 64 até hoje. Até hoje, esse discurso não foi completamente desmontado e não foi negado pelas instituições do Estado.
Por isso, essa tortura, que, na ditadura militar, atingiu um caráter planejado, sistemático, massivo, generalizado, no sentido... Por que generalizado? Porque atingiu todos os grupos sociais: homens, mulheres, militares, civis, estudantes, adolescentes, intelectuais, religiosos, indígenas, militantes do movimento negro, todos os grupos sociais, funcionários públicos. Temos exemplos de ...os atingidos pela tortura... Alguns segmentos foram mais atingidos, mas a tortura, a morte, o desparecimento forçado deixou vítimas em todos os segmentos sociais. Por isso, pode-se falar num caráter generalizado, sistemático, massivo - milhares de vítimas de tortura.
E vê-se pela intensidade... Aparece muito claramente que não era só um meio, uma técnica para obter informação, confissão para instruir os processos da Justiça Militar. Era uma técnica de afirmação, de uma forma de dominação de um poder supremo, incontestável; uma intimidação à sociedade. Quer dizer, a tortura cria na sociedade uma série de patologias; faz com que a sociedade tenha medo até de falar da própria tortura; que a tortura seja algo que acontece num local escondido, uma coisa sobre a qual a sociedade deve silenciar, vamos dizer assim. Isso é um pouco um dos defeitos.
Por isso, a Comissão da Verdade cumpriu a sua tarefa legal e colheu vários depoimentos.
Se puder clicar naquele botão "documentos", aqui temos outros documentos além daqueles que foram citados no volume do relatório. No final, temos transcrições de vários depoimentos. Se você puder clicar ali em depoimentos de vítimas civis, aqui temos todas as pessoas que nos autorizaram a divulgar seus depoimentos, os depoimentos estão aí. Você pode descer para ver a quantidade de depoimentos.
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Temos as transcrições, e aí existem, estão detalhados vários relatos de tortura, que colocamos à disposição da sociedade, porque a Comissão da Verdade, como ocorre com todas as comissões, tem um prazo limitado para fazer os seus trabalhos, colher depoimentos e produzir um relatório que entrega à sociedade.
Agora, a Comissão da Verdade faz parte de um processo de prevenção das graves violações de direitos humanos. Então, muitos desses depoimentos devem ser estudados, devem ser apropriados e produzirão outros conhecimentos, outra reflexão na sociedade brasileira.
Voltando um pouco ao site, temos um item que se chama tortura em instalações militares.
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS - Pode subir um pouquinho a página?
Temos toda a cronologia dos fatos, todos os ofícios, todos os relatórios nesse esforço que a Comissão Nacional da Verdade fez e que se iniciou como requerimento ao Ministério da Defesa, para que as Forças Armadas apurem, forneçam informações de como suas próprias instalações, instalações públicas, algumas delas públicas e militares, até hoje foram desviadas de sua finalidade de defesa nacional para essa finalidade política ilegal da tortura. Então, foi feito todo um esforço, baseado num parecer jurídico.
As Forças Armadas instauraram sindicâncias que não tiveram o alcance desejado pela Comissão Nacional da Verdade. Mesmo assim, a comissão continuou no esforço para que as Forças Armadas reconhecessem isso.
Esse processo chegou ao ponto, de parte dos comandantes, em que houve uma não negação. Houve quase um reconhecimento de que as violações aconteceram e um reconhecimento pelo Ministério da Defesa.
Mas esse é um processo que está aberto e acreditamos seja um processo civilizatório, um processo de reconciliação das instituições do Estado com a sociedade; é um processo necessário. Parte da reconciliação é o reconhecimento, um reconhecimento claro de que esses fatos realmente aconteceram.
Aí, temos disponíveis para a sociedade os vídeos e os relatórios de todas as diligências que a Comissão Nacional da Verdade fez a esses locais e a outros locais. Essas diligências eram feitas com membros da Comissão da Verdade, com os assessores, acompanhados de peritos e de vítimas da tortura, sobreviventes da tortura, que identificavam pormenorizadamente esses locais.
Vendo ali vídeos de diligências, vemos a visita à Base Naval da Ilha das Flores. Se clicar ali em vídeos, Base Naval da Ilha das Flores, subindo um pouquinho...
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS - Temos aí, com os presos, foi uma coisa bastante difícil, porque era um local um pouco escondido. Foi localizada essa casa, atrás de um morro, dentro dessa base naval, chamada Casa dos Oitis, onde funcionavam os interrogatórios de presos políticos. Aí, vocês podem ver um pouco como era a dinâmica desse reconhecimento - membros da Comissão da Verdade, testemunhas.
Pode parar. É só para dar um exemplo. Não quero ultrapassar muito o meu tempo.
Isso tudo está documentado e à disposição da sociedade. É informação pública, informação de interesse público, à disposição para iniciativas necessárias, da transformação desses locais em lugares de memória, para que isso seja utilizado em materiais didáticos, que faça parte dos currículos escolares sobre História do Brasil, Ciências Sociais, que seja estudado nas universidades.
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Acreditamos que isso seja parte de um processo para que a sociedade brasileira possa viver na plenitude da democracia, da vigência dos direitos humanos, sem o flagelo da tortura. Que as pessoas tenham direito de viver sem violência e sem medo.
Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Portanto, ouvimos a explanação do nosso convidado André Saboia Martins, Secretário-Executivo da Comissão Nacional da Verdade, trazendo aí uma série de fatos, acontecimentos e registros que, naturalmente, só fortalecem a nossa necessidade de encaminhar esta data, que, não pode ficar como uma data simbólica, mas deve ser uma data de providências, de uma lembrança de algo que jamais pode voltar a acontecer.
Continuando com a nossa lista de convidados, agora, vamos quebrar a hegemonia masculina e vamos ouvir uma mulher que estava fazendo falta aqui. São duas, na verdade. Quero registrar a presença da Drª Karolina e também da Hellen.
Então, concedo a palavra à Srª Hellen Falcão de Carvalho, Membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados.
A SRª HELLEN FALCÃO DE CARVALHO - Quero agradecer pelo convite, pelo presente e pela participação. Agradeço a todos e já cumprimento o Senador Telmário, em nome de quem cumprimento a Mesa.
Esta matéria nos é muito cara. A parte educacional é muito necessária, principalmente neste momento, em relação à instituição do Dia Nacional de Combate à Tortura.
Por que isso? Estamos trabalhando com comissões, analisando os presídios no Brasil. Então, verificamos que a fé pública garante essas torturas. E o conhecimento da sociedade, que não é normal: preso não tem de apanhar. Isso não é uma regra instituída por alguém.
Por que eles acreditam nisso?
Porque o próprio Estado fala para eles que assim funciona.
Então, acredito que este dia vem de um trabalho construído, a partir da Comissão da Verdade, das torturas do período militar. Acontece que isso é contemporâneo. Se antes, havia segregações por partidos, hoje é segregação por classe social. A tortura está frequente, está ativa.
Por que, então, eu gostei tanto disso? Fiquei muito feliz com esse projeto e espero, o quanto antes, que ele venha para as nossas normas, para que possamos fazer trabalhos educacionais. Essa tem sido a minha palavra em relação a essa questão do dia. Eu preciso ensinar para as pessoas que elas não têm de apanhar. É difícil explicar isso nos rincões.
Temos casos, lá na Comissão de Direitos Humanos, no Conselho Federal, de que faço parte, de magistrados, em algumas cidades mais afastadas - sim, é verdade -, que colocam o banho de sol de 12h às 14h. Sabem para quê? Para que eles fiquem fragilizados. Vocês sabem o que é um calor de 40 graus, de 12h às 14h, sem sombra? É o banho de sol. Isso está acontecendo!Estamos trabalhando nisso.
Então, precisamos alertar a sociedade de que isso não é legal. Não é legal, quanto às normas mesmo. Dá-se a impressão de que o Estado está de acordo com isso, uma vez que é o Estado falando. E não é só a questão dos agentes penitenciários não. É o próprio magistrado. A sociedade num todo tem hoje aceitado isso.
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Portanto, este vai ser um dia para ser trabalhado por todos que têm o conhecimento. É preciso demonstrar para a sociedade que isso não é permitido, que é crime e que há pena para isso. Existe a norma? Existe, mas ela, de alguma forma, não é sequer utilizada.
Nesses casos, por exemplo, como citei o caso da Bahia, os advogados, se entrarem com um recurso em relação a alguma manifestação, os presos já pedem, a família já pede que não entrem com recurso, porque ele vai apanhar mais. É o caso em que se tem um magistrado, e, agora, o magistrado que estava fazendo isso foi para uma vara de execução penal.
Então, eu só quero demonstrar para vocês que tenho recebido tantas demandas nesse sentido, em que a tortura é contemporânea. Ela não ficou no passado. Ela existe hoje. Hoje!
Portanto, este dia vai ser importante para que a gente possa conscientizar a sociedade de que isso é crime. Apesar de ser um magistrado, ou um agente penitenciário que está ali falando que pode bater, não é verdade. A norma proíbe isso. É crime. Isso deve ser apurado. Sequer temos facilidade para instruir essas denúncias, porque ninguém quer falar contra aquelas pessoas. No caso em que o delegado é tudo, no caso em que o magistrado manda em tudo, se um disse, não vai ser um preso porque apanhou, porque foi espancado, porque teve sua perna quebrada com uma pancada que vai ter direito de falar o que aconteceu com ele. Eles se calam, porque têm medo demais.
Eu queria fazer esse alerta. Quero agradecer e parabenizá-los pelo projeto, porque será um termo para que possamos trabalhar o ano inteiro para divulgar isso; trabalhar, para que possamos, todos, levar essa informação para as famílias e para as pessoas que hoje estão no sistema penitenciário, principalmente, que é onde venho tratando.
Temos muito a fazer. Este deve ser um dia de conscientização, e qual é o lado bom de ser através de um dia? Porque, de alguma forma, na divulgação, chega à mídia, onde as pessoas têm acesso a algum tipo de informação. Elas devem saber que é crime, e não existe esse conhecimento. Quando se fala isso aqui, na capital do Brasil, pode parecer que não. Está distante. Não, é assim: preso vai apanhar. É normal. É assim. E assim é aceito. E tapa de quem tem fé pública é uma correção.
Então, venho aqui para falar sobre essa contemporaneidade, para a qual é necessário que todos atentem. Que a gente trabalhe na conscientização e que essa norma não vire uma letra morta; que a gente consiga, com este dia, trabalhar e divulgar, para mitigar e minimizar as torturas hoje, em 2015.
Era só isso mesmo. Agradeço. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Sem nenhuma dúvida, a sua exposição traz assunto à pauta. Vemos que a OAB está recebendo constantes denúncias e vemos até a conivência das autoridades que deveriam estar fazendo as devidas correções.
Registro aqui a presença do Senador Randolfe Rodrigues, autor desse projeto, uma pessoa sempre iluminada. Com certeza, nesse dia, ele estava mais do que iluminado. Como diz o baiano, Deus estava iluminando-o naquele momento. E fico feliz em poder relatar esta matéria, porque vai ser um marco, como bem disse a Drª Hellen: neste dia, poderemos exercitar a democracia ou, mais do que isso, poderemos levar o conhecimento dos direitos que parecem, com o tempo, vão sendo esquecidos, ficando a retórica de que a pessoa tem fé pública para fazer essas correções, como a Drª Hellen colocou.
Antes de passar a palavra ao nosso próximo convidado, quero franquear a palavra ao autor do projeto, nosso Senador querido, Randolfe Rodrigues.
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O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Caríssimo Senador Telmário, caríssimo Senador Lasier, quero, ao mesmo tempo, cumprimentar os membros desta Mesa de debates: a Karolina, o Virginius, o meu querido André Saboia, Secretário-Executivo da Comissão Nacional da Verdade; o Dr. Carlos Moura, Secretário-Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz; e a Hellen, que aqui representa a Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Eu fico feliz pela relatoria. Estando com V. Exª ou estando com o Senador Lasier a relatoria, primeiro, eu ficaria muito mais tranquilo em relação à aprovação do relatório. Segundo, a matéria vai ser enriquecida por debates como este.
Quero pedir desculpas por não estar e desculpas pela correria. O Telmário e o Lasier sabem muito bem que às quartas-feiras, aqui, nós temos que tentar cumprir os dons divinos da onipresença e da onisciência. Como não conseguimos, temos que estar em três, quatro ou cinco comissões ao mesmo tempo.
A ideia desse projeto, André, foi muito inspirada no trabalho que a Comissão Nacional da Verdade fez. Nós temos uma formação histórica em nosso País que trata a tortura como algo normal. Acredita-se que aquele preso, que aquele, entre aspas, "contraventor" que é detido tenha de, necessariamente, receber um, entre aspas, "tapinha", tenha de, necessariamente, receber um agrado.
Lamentavelmente, a cultura de formação das nossas polícias é baseada na cultura da ditadura, porque a única forma de tratamento dos subversivos que havia era, primeiro, a da tortura. É por isso que, lamentavelmente, principalmente nos tempos atuais, parece-me que a regra é a instituição e o estabelecimento da tortura no trato com qualquer cidadão. Nós temos a tortura, lamentavelmente, arraigada na cultura das autoridades policiais, triste legado do nosso período autoritário, e nós temos a tortura como uma prática banalizada, e acontece o contrário do que é dito na Constituição, que diz que ela é inafiançável e imprescritível.
A ideia é haver momentos de mobilização. Eu acho que uma data serve em especial para isto: para ser um momento de mobilização e de conscientização. Talvez o pior legado, Senador Lasier e Senador Telmário, tenha sido o de haver um processo de transição do regime autoritário para a democracia lento demais, gradual demais e seguro demais para as elites brasileiras. Para se ter uma ideia, nossa Comissão Nacional da Verdade só foi constituída 25 anos após o advento da Constituição democratizadora de 1988.
Para se ter mais ideia do que representa isso, a partir do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, havia uma conclusão lógica. Nós fizemos uma pesquisa: 60 dos 70 países que passaram por regime autoritário tiveram um momento de reconciliação, como aconteceu na África do Sul, e outros tiveram um momento de punição dos responsáveis por crimes durante o período autoritário. Foi assim na Argentina, foi assim no Chile, que teve a pior ditadura da América Latina, a ditadura de Pinochet, e foi assim no Uruguai.
Ocorre que aqui,no Brasil... Eu estou com um projeto de lei de revisão da Lei de Anistia. Ele teve parecer favorável, Senador Lasier, na Comissão de Direitos Humanos e contrário na Comissão de Relações Exteriores. E alguns colegas ainda perguntaram para mim que demência era essa de pedir revisão da Lei da Anistia. A demência tem um aparato jurídico: há uma lei no nosso aparato jurídico que admite a anistia a torturador. A atual Lei da Anistia, que não foi fruto de um processo democrático, mas uma imposição da ditadura sobre nós, é, na verdade, uma lei que diz que todos que mataram e torturaram durante o arbítrio têm que continuar impunes. Isso traz legados negativos para nós. Um dos tristes legados é essa, entre aspas, "cultura" de favorecimento da tortura entre as nossas autoridades.
Então, eu queria agradecer a V. Exª pelo relatório, Senador Telmário, e queria agradecer a todos que estão trazendo informações e subsídios para essa matéria.
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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Muito bem.
Então, nós ouvimos aí o Senador Randolfe, que explicou, em rápidas palavras, a razão, o motivo desse projeto.
Sem nenhuma dúvida, recebemos essa relatoria e estamos aqui ouvindo pessoas altamente credenciadas que vão nos balizar ainda muito mais para nos convencermos cada dia mais da necessidade dessa data tão importante para que a gente possa, a partir dela, mudar esse quadro terrível que hoje ainda encontramos principalmente nas classes menos favorecidas.
Senador Lasier, antes de passar a palavra...
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - É uma rápida pergunta: Senador Telmário, como a data proposta, inspiradamente, pelo Senador Randolfe é 14 de julho, porque ele lembra que, em 2013, o cidadão Amarildo de Souza foi levado para averiguações à base da Unidade de Polícia Pacificadora - Pacificadora! - da Polícia Militar do Rio de Janeiro na Rocinha, onde começou sua tortura. Então, como tem a ver a data com o Amarildo, seria interessante uma atualização. Os torturadores já estão sendo punidos? A quantas anda esse processo, se possível dentro das falas que nós ainda vamos ouvir aqui?
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado.
Então, agora...
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Sr. Presidente, fui lembrado aqui - rapidamente -, o Senador Lasier é bem pertinente quando lembra que 14 de julho tem como referência e inspiração principal do projeto o sacrifício, o martírio de Amarildo. Mas é bom que as coincidências... Como tudo que acontece na vida tem o seu momento e o seu destino, junta o 14 de julho com a queda da Bastilha, representativo da queda de um regime autoritário.
Eu fui adequadamente lembrado, Sr. Presidente, que alguns colegas, alguns companheiros que estão vindo para este debate adentram o Senado e passam pela Ala Filinto Müller. Senador Telmário, precisamos, o quanto antes, sepultar o nome dessa ala, porque alguém que é avesso à democracia não pode dar nome a uma das dependências do palácio da democracia, que é o Parlamento.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Então, já vamos providenciar a mudança desse nome, que não traz boas lembranças. Vamos fazer as proposições.
Continuando, vamos ouvir agora o Carlos Alves Moura, uma pessoa por quem tenho muito carinho, muito respeito. Temos nos encontrado várias vezes. Hoje, de manhã, deveríamos estar juntos num café na CNBB para discutirmos a questão do financiamento de empresas privadas na política. Empresa não vota; empresa vê lucro. Quando ela investe em algum candidato, ela está visando o lucro com o trabalho desse candidato contra o povo. Mas, infelizmente, eu não fui à CNBB para esse momento.
Mas o Carlos é Secretário-Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Carlos, com a palavra.
Obrigado.
O SR. CARLOS ALVES MOURA - Obrigado, Senador Telmário.
Quero cumprimentar o Senador Randolfe e o Senador Lasier, quero cumprimentar os companheiros desta Mesa, o Virginius, o André, a Hellen e a Karolina, e também quero cumprimentar os senhores do plenário, os senhores jornalistas, os funcionários do Senado e aqueles que, de casa, acompanham o nosso trabalho.
Estou aqui em representação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nesta Comissão de Educação, Cultura e Esporte, que muito bem acolhe a temática em debate, porque nada mais significativo do que buscarmos erradicar a tortura a partir dos bancos escolares. Para que os policiais, os magistrados, a sociedade de um modo geral e todos aqueles e aquelas que aceitam a tortura, que, candidamente, aceitam a tortura, não a aceitem mais, é preciso que os meninos e as meninas, já nos bancos escolares, recebam noções de direitos humanos, noções do reconhecimento do outro e da outra como pessoas humanas.
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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu art. 5º, promana: "Ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes". São palavras simples, diretas, fortes que expressaram o cume de uma evolução do pensamento humano face ao drama vivido no cotidiano da quase totalidade dos países nas mais variadas épocas históricas, especialmente daqueles países de pouca tradição democrática e fortes desigualdades sociais.
Na pontual definição do saudoso Hélio Pellegrino, "a tortura busca, à custa do sofrimento corporal insuportável, de introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a mente. E, mais do que isto: ela procura, a todo preço, semear a discórdia e a guerra entre o corpo e a mente". Ou seja, ela destrói o ser humano.
Conclui Pellegrino: "Enfim, é tortura tudo aquilo que, deliberadamente, uma pessoa possa fazer a outra, produzindo dor, pânico, desgaste moral ou desequilíbrio psíquico, provocando lesão, contusão, funcionamento anormal do corpo ou das faculdades mentais [...]."
Por outro lado, a Associação Médica Mundial, já em 1975, definiu a tortura como "a imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma ou mais pessoas, atuando por conta própria ou seguindo ordem de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar outra pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão qualquer".
A tortura não só destrói a dignidade humana da pessoa, mas, igualmente, faz o mesmo com o torturador. Ela o rebaixa à categoria mais vil de quem mente negando sua ação, montando cenas mentirosas como o auto do enforcamento do morto sob tortura. Não resta mais nada de humanidade em quem pratica tal crime.
Para se chegar às definições citadas anteriormente, muitos passos foram necessários ao longo do tempo até que a consciência humana desenvolvesse uma significativa repulsa à prática da tortura.
Percorrendo a história, há milhares de anos, nos deparamos com um tempo em que o senhor detinha plenos direitos sobre os escravos, estes considerados coisas. São desse tempo o apedrejamento, o chumbo derretido na pele, o decepamento de membros daqueles que se insurgiam contra o arbítrio do senhor.
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Encontramos no Antigo Testamento uma clara defesa dos escravos daquele período: "Se alguém ferir o seu escravo ou a sua serva com uma vara e o ferido morrer debaixo de sua mão, será ferido". Está em Êxodo.
As comunidades cristãs primitivas, no século II, exortavam soldados cristãos a não praticarem a tortura, conforme leciona Tertuliano. O cristianismo nascente, ao questionar a prática de tortura, fazia memória a Jesus, morto na cruz, antes barbaramente torturado.
O Papa Dâmaso declarava não serem livres de pecados funcionários que condenarem pessoas à morte, proferirem sentenças injustas e exercerem a tortura.
No mesmo caminho, Santo Agostinho também apresentava forte restrição à tortura em sua obra A Cidade de Deus.
Na Idade Média, a tortura era vista como inerente ao procedimento de consecução de provas contra pessoas suspeitas de ilícitos, bem como contra as consideradas hereges. Nesse aspecto, infelizmente, até a Igreja via como legítima a tortura. Isso está na obra de Nicolau Emérito Manual dos Inquisidores.
A chegada dos colonizadores ao Brasil inaugura os métodos cruéis de tortura a africanos escravizados e a indígenas. Era o destino de quem, porventura, não se dobrasse aos desígnios dos senhores de engenho.
Como esquecer o substrato escravagista presente na mentalidade de certa elite e incrustado no aparelho de Estado imortalizado no binômio Casa Grande e Senzala?
Imaginem que, no Brasil Colônia, previa-se em lei a pena do açoite, a colocação de ferros, chibatadas, quebra de dentes e ossos de homens e mulheres escravizados! Basta lembrar o pelourinho, hoje saudado e cultuado em praças deste País, mas que, no passado, fora instrumento de tortura. E, seguramente, esse legado, Senador Presidente, de tortura trazido para cá pelos meus antecessores e resgatado brilhantemente pela Drª Hellen tem os seus alicerces, tem assento no período escravagista, entre outras coisas.
Se a República brasileira fora prodigiosa em impedir a normatização da tortura, de alguma maneira a adotou como prática natural nas cadeias, nos interrogatórias, em batidas policiais, nas favelas, nos cortiços, atingindo, preferencialmente, as comunidades negras e ativistas do nascente movimento operário.
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O Estado Novo, aqui já referenciado, elevou a prática da tortura aos dissidentes do regime com a criação da polícia política, comandada por alguém já referido nessa assentada e que dá nome a um espaço neste Senado da República e que concorreu para que Olga Benário fosse entregue aos alemães, deportada para a Alemanha e executada em 1942.
O regime nascido com a deposição do Presidente Goulart fez da tortura um instrumento corriqueiro contra os que se opõem à ditadura. No subterrâneo do Estado brasileiro se desenvolveu uma tecnologia do terror. Se, antes, importávamos máquinas e sevícias inspirados nas torturas da França, abrasileiramos essa prática com o "pau-de-arara", a "cadeira do dragão", a "pimentinha" e muitos e muitos outros objetos de tortura.
Mas nem toda a sociedade ficou calada e nem toda a sociedade se cala ante a tortura, e um exemplo é esta assentada, Senador Presidente. Nos idos de 1970, aqui, em Brasília, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil denunciou publicamente a tortura. É verdade que, àquela época, muitos dos senhores bispos não acreditavam em tamanha maldade, embora dessem abrigo a muitas vítimas. E foi aqui, em Brasília, no Ministério da Justiça, que Frei Romeu Dale enfrentou o Ministro da Justiça de então ao dizer que ele faltava com a verdade ao negar diante do episcopado brasileiro a prática da tortura.
A afirmação dos direitos humanos e a luta pela erradicação da tortura ganha força na luta pela anistia e pela redemocratização. Equiparamos, na Constituição de 1988, a prática da tortura aos crimes da hediondez. Subscrevemos tratados internacionais e fomentamos o ensino dos direitos humanos na formação de policiais, o que precisa ser aprimorado. Não bastam simples cursos de direitos humanos aos policiais; é preciso um tratamento, e aqui já foi dito, de conscientização das polícias no sentido do respeito à dignidade da pessoa humana e é preciso que a transmissão desse conhecimento vá além, porque é preciso que se faça um esforço para transmitir ao outro o sentimento desse respeito à dignidade do ser humano, para que ele seja respeitado na sua integralidade. Nem torturas físicas, nem torturas psicológicas.
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A Comissão Brasileira de Justiça e Paz, organismo vinculado à CNBB, entende que o projeto de lei em evidência soma-se ao esforço de amplas parcelas da sociedade civil, da Imprensa, da intelectualidade, dos trabalhadores e aos clamores das periferias de por fim ao uso da prática cruel que atinge, ostensivamente, as pessoas pobres e negras. E é verdade! E eu sei, Sr. Presidente, que não estarei, neste momento, fazendo nenhum alarde ao dizer que, se quisermos saber quem é negro, basta chamar a policia.
O projeto de lei colabora para o enfrentamento da cultura, da valorização e "glamourização" da tortura, presente em alguns personagens do entretenimento dos programas de tevê onde a vida é banalizada, onde a vida não é respeitada. Se, por um lado, há tantos anônimos aterrorizados com choques, estupros, afogamentos, por outro lado, se eternizam os nomes dos torturadores, ostentados em pontes, ruas e avenidas.
Superar a tortura requer não apenas o aprimoramento das instituições republicanas como o aparato policial. É superar também o senso comum que condena à morte aqueles que se perderam na criminalidade. Superar a tortura requer romper com o silêncio seja onde for e gritar "não à tortura!" Superar a tortura requer impedir o esquecimento, para que o mal não se repita.
E eu me permitiria, Sr. Presidente, chamar aqui Frei Tito, Herzog, Manoel da Conceição, Aldo Arantes, Miriam Leitão, Beth Mendes, Alípio de Freitas, Gregório Bezerra, Rose Nogueira, Izabel Fávero, Dulce Maria e Madre Maurina, torturadas e torturados, uns vivos, outros mortos, vítimas do Estado e da sociedade brasileira, que, em conluio, sustentam a tortura.
Eu penso, repetindo o que já foi dito aqui, que 14 de julho deve ser o dia em que todos nós possamos, nas nossas casas, nos nossos bairros, nas ruas, nas cidades, nas praças, estabelecer uma relação, com o outro e com a outra, de conscientização em favor dos homens e das mulheres, na perspectiva de libertá-los do pensamento da tortura, na perspectiva de engajá-los nessa nossa batalha de combate à tortura. O 14 de julho, que representará, se aprovada a proposta do Senador Randolfe, todos os amarildos, e, seguramente, há muitos, neste instante, dependurados nos "paus-de-arara" das cadeias deste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - A título de informação, há três proposições de mudança do nome da Ala Filinto Müller, mas ele não cai. Uma delas é da Senadora Vanessa, o Projeto nº 21, de 2012, para mudar para Ala Juscelino Kubitschek. A outra é do Senador Rodrigo Rollemberg, o Projeto nº 40, de 2012, mudando para Ala Jamil Haddad. E a outra é da Senadora Ana Rita. Ela antecede aos outros dois, é de 2011, e propõe a mudança para Ala Luís Carlos Prestes. O da Senadora Ana Rita, parece-me, não sei se a informação que recebi procede, já recebeu até...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ah, está tudo na Mesa do Senado, não é?
Há três proposições. Mas, enquanto isso, vai ficando Ala Filinto Müller.
Então, para concluirmos esta etapa dos nossos convidados, esta Mesa, quebrando a ideia de que só os homens têm direito, vai encerrar com a bela fala da Drª Karolina Alves Pereira, que representa a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Com a palavra.
A SRª KAROLINA ALVES PEREIRA DE CASTRO - Bom dia a todos e a todas!
Eu gostaria de comentar com vocês algumas questões relativas à prevenção e ao combate à tortura que nós trabalhamos na Secretaria de Direitos Humanos. Para isto, eu gostaria de fazer um comentário, antes, sobre o que é a tortura e sobre os efeitos e o contexto da tortura.
Eu recorro aqui, para trazer a definição de tortura, à convenção das Nações Unidas contra a tortura, que é uma convenção de 1984 que o Brasil ratificou em 1991.
Tortura é qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de se obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido, de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas pessoa ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza, quando tal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por instigação dele ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerarão tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções.
Faço questão de trazer a definição de tortura da lei para evitar desenganos em relação à própria definição. Infelizmente, vemos debates em que o termo "tortura" é mal utilizado. Eu juro por Deus que já recebi este exemplo: "eu não comi sobremesa, e isto foi uma tortura". Juro que já recebi este exemplo.
Então, não é isso. Há várias questões que estão dentro da tortura. E a convenção traz pelo menos três elementos que devem ser considerados: a intenção deliberada de uma dor ou sofrimento mental, uma finalidade no ato voltado a obter informação, confissão, ou algum tipo de castigo... E, neste sentido, na lei brasileira...
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Enfim, constranger alguém com o fim de obter informação ou declaração.
A lei brasileira amplia a noção de tortura das Nações Unidas. Hoje, no Brasil, uma pessoa, no âmbito privado, pode praticar a tortura. No âmbito internacional, tanto no sistema ONU, quanto no sistema OEA, somente agentes públicos podem ser perpetradores de tortura. No Brasil, abrange-se também para o âmbito privado.
Feito este esclarecimento, acho importante fazer uma reflexão, que já foi muito bem antecedida pelos companheiros da Mesa, em relação a exemplos e ao contexto em que essa tortura ocorre. Ela é um fenômeno complexo, porque está imersa em uma relação de poder desigual, muitas vezes relacionada não só com a desigualdade de gênero - o Senador Telmário já mencionou essa questão pela manhã -, mas também com a questão do racismo, trazido pelo Dr. Carlos. E ela, quando acontece, expõe um sistema que é comprometido, o da investigação, porque ela apresenta não só uma noção distorcida do que deve ser a investigação de um crime... A definição da tortura passa pela busca de informação, declaração ou confissão, que foi o que ocorreu, infelizmente, no caso do Amarildo, ainda que não tenhamos uma sentença final, mas ela também revela um valor da sociedade em relação às pessoas suspeitas ou já condenadas e privadas da sua liberdade.
Lembro que essas pessoas, provisória ou definitivamente, perdem o seu direito de ir e vir e perdem seus direitos políticos, mas não perdem a sua essência de ser humano e não perdem a sua dignidade humana. E, quando a tortura acontece, ela ameaça, necessariamente, essa condição de ser humano, ela "quebra" a vítima. Então, nesse sentido, num contexto altamente complexo, isso demanda também respostas complexas.
Só uma observação, antes de passar para as ações, especificamente. Como bem trazido pelo Dr. André Saboia, quando a tortura acontece no Brasil, ela também tem esse ranço, tem essa herança de períodos militares, não só, como ilustrado pelo Dr. Carlos, pela ditadura militar, mas também por ditaduras anteriores, em que a tortura foi absorvida como um instrumento de investigação.
Um parêntese aqui: não há nenhum estudo que comprove o uso de tortura com boas investigações. Pelo contrário, uma pessoa que está sujeita a violência física e mental vai falar qualquer coisa. E, mesmo que haja um caso em que a pessoa sofreu tortura e houve uma investigação, mesmo que tenha havido um caso positivo, a tortura é proibida. Ela é proibida no Brasil, ela é proibida internacionalmente por pelo menos duas convenções internacionais, no âmbito das Nações Unidas e no âmbito da OEA. Então, ela não é um instrumento legítimo, de forma alguma, em relação à investigação e à apuração de crimes, justamente o que acontece no caso Amarildo, que pauta a proposta do Dia Nacional de Combate à Tortura.
Então, nesse sentido, retomando a questão dessa complexidade da tortura, ela exige ações de múltiplas facetas. É importante campanhas de conscientização, a capacitação de agentes públicos, criação e fortalecimento de ouvidorias independentes e corregedorias - e aí não só dentro do sistema de segurança pública, como ouvidorias de polícia, mas também ouvidorias dentro do sistema penitenciário e ouvidorias dentro do sistema socioeducativo -, capacitação da perícia criminal... Hoje, nós temos um estudo publicado pelo IBCCrim, um instituto de estudos sobre ciências criminais de São Paulo, que faz uma avaliação sobre como o Judiciário julga a tortura. E um dos grandes problemas apurados, um dos grandes problemas identificados nesse estudo foi a falta de provas. Ainda que a pessoa apareça totalmente desfigurada, o juiz questiona se o tratamento foi intenso e, muitas vezes, não considera que torturas psicológicas podem deixar marcas tão ruins quanto ou piores do que a própria tortura física. Então, é importante também esse trabalho com a perícia criminal no sentido de capacitá-la e de dar-lhe ferramentas para essa investigação correta.
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Vou destacar dois pontos na minha apresentação, que são os dos comitês e mecanismos de prevenção e combate à tortura e o do fortalecimento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Pela Secretaria de Direitos Humanos, as primeiras ações começaram ainda em 2002, quando a Secretaria, junto com o Movimento Nacional de Direitos Humanos, realizou uma campanha permanente contra a tortura.
Os resultados da campanha e o relatório final estão disponíveis na página da Secretaria. Depois, posso mostrar para vocês exatamente onde está o relatório.
Em seguida, com as observações e todos os estudos feitos a partir dessa campanha, a Secretaria, em 2006, lança o Plano de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura.
Esse plano parte das observações e das denúncias recebidas pela campanha e também dá um norte para a nossa Política de Prevenção e Combate à Tortura. Ele identifica, por exemplo, que a tortura, no Brasil, pode ocorrer, tem uma maior possibilidade de ocorrência nos locais de privação de liberdade. Também identifica a questão na abordagem policial. Então, ele traz todas essas ações e tantas outras e também o cuidado com a vítima e todos os recursos que as vítimas devem ter ao seu dispor para orientar as ações dos Estados, do Governo Federal e também dos governos estaduais e do governo distrital.
Nesse sentido, então, eu queria explicar um pouquinho melhor como é essa estrutura.
Entre as ações, a gente sugere, então, a criação de comitês e mecanismos.
De modo geral, o comitê é um órgão colegiado, com a participação da sociedade civil e de representantes do Estado, que se reúne e articula ações de prevenção e combate à tortura. Por exemplo, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e o próprio Executivo têm ações que entram na prevenção e no combate à tortura. Por que não fazê-las coordenadas? Então, é essa a proposta quando sugerimos a criação de comitês estaduais no Brasil.
A proposta do mecanismo vem a partir do entendimento internacional, o que é confirmado pelos dados que recebemos na Secretaria de Direitos Humanos, de que a tortura ocorre com maior frequência em locais de privação de liberdade. Como já foi dito aqui anteriormente, os locais de privação de liberdade não estão apenas no sistema penitenciário, pois são também abrigos para crianças e adolescentes, são comunidades terapêuticas, são hospitais psiquiátricos, institutos do socioeducativo, penitenciárias para abrigar as mulheres, enfim, todos esses locais em que as pessoas são mantidas por uma ordem judicial e de que também não podem sair por livre e espontânea vontade. Então, por exemplo, tem a questão dos institutos de longa permanência para idosos, uma população também vulnerável à tortura.
Então, entendendo essa fragilidade das pessoas privadas de liberdade, as Nações Unidas, em um consenso internacional, sugere a criação desses mecanismos. Qual é o propósito, então, do mecanismo? Ele vai fazer inspeções, mas não com um foco denuncista, e sim para identificar rotinas e procedimentos que favoreçam à ocorrência da tortura. Por exemplo, no sistema penitenciário, uma pessoa não pode ficar mais que 30 dias cumprindo punição no isolamento. Então, se esse registro não é feito, não é encaminhado para conhecimento do juiz, se esse procedimento não é bem regulamentado dentro de um presídio, isso permite que a pessoa fique ali por 40 dias, 60 dias, inúmeros dias, sem nenhuma perspectiva de sair daquela condição.
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A Drª Hellen trouxe vários elementos dentro do sistema penitenciário para nós.
Infelizmente, é muito comum uma cela de isolamento não ter iluminação, a alimentação, nesses casos, ser restrita... Então, uma pessoa passar ali 60 ou 90 dias é algo desumano, degradante, e, a depender do entendimento do juiz, pode ser, sim, considerado uma tortura.
Então, nesse sentido, é muito importante o trabalho do mecanismo de forma a identificar esses elementos que podem favorecer à tortura.
E o trabalho da Coordenação-Geral de Combate à Tortura é exatamente criar e apoiar a criação desses órgãos.
E aqui eu já passei um pouquinho.
Por que, então, a gente fala de prevenção?
Aqui é a função dos mecanismos...
(Soa a campainha.)
A SRª KAROLINA ALVES PEREIRA DE CASTRO - E aí eu queria passar para vocês uma perspectiva nacional dos nossos comitês e dos nossos mecanismos.
Hoje, nós temos dois comitês criados informalmente, que são mantidos pela sociedade civil, e 15 comitês criados por lei, por algum tipo de decreto ou regulamento, enfim.
E os Estados em verde claro não têm nenhum tipo de estrutura.
O Mapa 2 traz os mecanismos.
Hoje, nós temos sete mecanismos criados por lei, apenas dois em funcionamento.
Meu tempo está se esgotando, mas eu gostaria de comentar a questão do Sistema Nacional.
E aqui trago uma importantíssima contribuição que esta Casa deu, juntamente com a Câmara, na aprovação da lei do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
A Lei nº 12.847 foi aprovada pelo Senado no dia 2 de julho de 2013 e foi sancionada pela Presidente exatamente um mês depois.
A contribuição do Senado nesse ponto foi importante para a institucionalização dessa rede de prevenção e combate à tortura.
Então, nós temos assembleias legislativas, a Assembleia Distrital, conselhos de comunidade, conselhos tutelares, várias pessoas no Brasil, várias pessoas em cidades menores que não são vinculadas ao governo, à sociedade civil, que trabalham e que têm ações de prevenção e combate à tortura.
E a importância do sistema é que a proposta dele é pegar todas essas pessoas e fazer uma grande articulação de ações de prevenção e combate à tortura.
Então, há várias pessoas fazendo coisas interessantes e com boas práticas pelo Brasil. E a ideia do sistema, então, é congregar todas elas para a gente pensar em conjunto e não desperdiçar esforços.
Então, nesse sentido, a gente tem o Sistema Nacional, que já é composto pelo Comitê Nacional, pelo Mecanismo Nacional, pelo Departamento Penitenciário, do Ministério da Justiça, e pelo Conselho Nacional de Política Criminal, também do Ministério da Justiça, e outros órgãos podem e devem participar do Sistema Nacional.
O Comitê Nacional, como um espelho dos Estados, também deve ser formado meio a meio... Na verdade, o Comitê Nacional é formado por 12 representantes do Governo e 13 representantes da sociedade civil. Então, no mínimo, uma estrutura paritária ou superior, com a maioria da sociedade civil. Dessa forma, ele, então, tem esse arranjo de ações de prevenção e combate à tortura. Então, tem que construir bancos de dados, difundir boas práticas, avaliar e propor aperfeiçoamento de planos e soluções.
Tudo isso está na lei. É só mesmo para trazer um exemplo para vocês.
Por fim, tem também o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, naquela ideia dos mecanismos estaduais. Eles têm que fazer inspeção em locais de privação de liberdade com enfoque preventivo. Como eu disse, a proposta dos mecanismos vem de um compromisso internacional que o Brasil ratificou em 2007, o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura da ONU. E aí são 11 peritos. Hoje, nós temos nove peritos trabalhando e a seleção de mais dois.
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Por fim, para encerrar minha participação - acho que já falei demais, mas tentei dar uma passada geral -, eu gostaria de convidar vocês para o II Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, que ocorrerá na semana que vem, nos dias 24 e 25 de setembro, na sede da Secretaria de Direitos Humanos.
Mas, para encerrar mesmo a minha fala, eu gostaria de agradecer pelo convite desta Casa, que tão bem nos recebeu e que acolhe as demandas de prevenção e combate à tortura, e reiterar o convite para o II Encontro. Eu acho que essa proposta de criação do Dia Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é extremamente importante no sentido de que, como foi dito, ele não é simbólico. Uma vez aprovado, ele vai ser um dia em que vão ser colocadas em debate público todas essas ações e a definição de uma agenda pública e conjunta em relação à prevenção e combate à tortura.
Então, a Secretaria de Direitos Humanos, neste sentido, é favorável ao parecer e se coloca à disposição para colaborar com qualquer informação que seja interessante ou com outros documentos que possamos servir de subsídio a essa decisão.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado, Drª Karolina.
O Senador Lasier quer...?
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Senador Telmário, nós tivemos hoje um verdadeiro seminário sobre tortura. Todos foram muito expressivos. O Sr. Carlos Moura fez um tratado magnífico, histórico, retrospectivo sobre tortura. Foi muito interessante.
Agora, com relação às torturas decorrentes do golpe militar, nós ainda guardamos um resquício de esperança de que adiante se consiga, de alguma forma, a punição daqueles autores.
Agora, nós acabamos caindo, ao final de todas as manifestações, numa forma de tortura que perdura, que é a do sistema carcerário. A Drª Hellen fez referência a isto, pois, como integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, ela sabe bem o que está acontecendo. E a Drª Karolina fez uma descrição dos comitês, da doutrina, da teoria, mas nós não estamos conseguindo ver a concretização efetiva do combate.
Eu venho de um Estado que tem o pior presídio do Brasil, que é o Presídio Central de Porto Alegre, que deveria abrigar -a Drª Hellen deve saber -de 1,8 mil a 2 mil presos, mas abriga 4,5 mil.
Então, eu queria fazer uma pergunta única para a Drª Karolina, porque a Drª Karolina vem da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. De todos os integrantes desta Mesa, ela é a pessoa que está mais próxima do poder, de quem tem condições de enfrentar a degradação que hoje nós vemos nos presídios.
É evidente que nós reconhecemos a época de profunda proliferação da criminalidade. E há muita gente que acha que preso tem mesmo é que sofrer. Claro que discordamos disto. Mas hoje nós vemos discriminações. O preso comum está nos presídios mais degradantes possíveis e os presos do mensalão ou do petrolão estão em celas especiais, recebem comida diferenciada, o que todo mundo sabe. Mas eu quero me ater a esse problema que o Governo não está conseguindo resolver. Por isso, requeri, há poucos dias, Senador Telmário, e estou esperando, a vinda do Diretor-Geral do Depen para ver à Comissão de Infraestrutura nos falar sobre a disponibilidade de verbas para melhorar o sistema carcerário, para aumentar, no Brasil, o número de penitenciárias, que estão superlotadas.
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No Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, temos o Presídio Central, que foi criado, em 1957, com o título de penitenciária modelo do Brasil. Eu cheguei a conhecê-la de perto, porque eu fiz o curso de Direito e fiz estágio naquela penitenciária, atendendo aos presos que queriam revisão de pena na época em que ela, de fato, era uma penitenciária modelo. Mas hoje ela é o que de pior existe no País, com super superlotação.
Há poucos dias, um jornal de lá publicou uma foto em que, numa cela em que deveriam ficar quatro presos, ficavam 10. E ali eles fazem revezamento para dormir. Estão ali os beliches e colchões no chão, mas eles não servem a todos. Então, alguns presos ficam sentados, recostados na parede, enquanto os outros dormem. Duas horas depois, alguém tem que se levantar e escorar na parede para aquele outro dormir um pouquinho. Essa é a realidade do Presídio Central de Porto Alegre.
Já houve, Drª Hellen, uma representação da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, a Ajuris, à Comissão de Direitos Humanos da OEA propondo que haja uma punição ao Brasil por dar um tratamento indigno, degradante no sistema penitenciário. Mas até hoje não aconteceu nada. Continua tudo igual.
Então, eu pergunto à Drª Karolina, que está bem próxima do poder: não dá para fazer nada? A grave crise econômico-financeira que vive o Estado, que corta gastos em todos os setores... E, se gastos são cortados na educação, o que mais se pode esperar com relação a uma penitenciária!? Mas o que dá para fazer? O que se cogita? E em quanto tempo?
Essa é a minha única pergunta, Senador Telmário.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Muito bem, Senador Lasier. V. Exª traz uma problemática, que não é diferente da de outras regiões do Brasil. Inclusive, estou pegando carona na proposição de V. Exª com relação à infraestrutura das penitenciárias, que, no meu Estado, chamamos de favelas, porque lá dentro não há mais como acomodar. Então, fizeram uma favela e estão ali aquelas pessoas. De vez em quando sai uma filmagem daquele local com coisas as mais incríveis, até impublicáveis, e, naturalmente, a gente fica sensível. Ali é uma escola do crime, é, sem dúvida alguma, um ambiente propício às torturas, tema que hoje estamos aqui debatendo. Aliás, as torturas acontecem até de dentro para fora, porque foi quando o Brasil colocou o preso comum com o preso político que foram criados esses comandos. Antes, o preso comum tinha apenas a prática do crime, naturalmente sem usar muita técnica ou algum tipo de metodologia inteligente. Porém, ao serem misturados, eles receberam informações de guerrilhas, informações mais sofisticadas, ao ponto de o preso, hoje, estar disciplinado no sentido de não comer muito, de fazer exercício, de manter a forma, ele tem comando lá dentro, ele tem direção, e aí ali dentro acaba virando meio de vida, infelizmente.
Então, como V. Exª exemplificou, em uma cela superlotada, com capacidade para quatro pessoas, havia 10 pessoas. Vai dormir mais aquele que manda mais.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Não é só a questão de dormir, mas também a da sujeira.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Sem falar na parte da higiene. Mas, sem dúvida, aquele que mais manda mais oportunidade terá e terá mais regalias. E que regalias! Deus nos livre!
Então, tem a palavra a Drª Karolina para responder ao Senador Lasier.
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A SRª KAROLINA ALVES PEREIRA DE CASTRO - Obrigada pela pergunta.
Eu concordo com o senhor do início ao fim em relação à questão do Presídio Central. Nós acompanhamos, pela Coordenação Geral de Combate à Tortura, a implementação e as discussões em relação ao Comitê e ao mecanismo do Rio Grande do Sul. Mas, de qualquer forma, as discussões sobre a estrutura, ou melhor, a falta de estrutura, a falta de serviços que chegam tanto ao Presídio Central, como a outros presídios também, como o de Roraima e o de Pedrinhas, que ganhou grande notoriedade, infelizmente, por razões lamentáveis, no ano passado. Acompanhamos essas questões, mas, como o senhor disse, o Departamento Penitenciário Nacional, na figura do Dr. Renato, é o órgão mais adequado para responder sobre essas questões específicas do sistema penitenciário.
Não obstante, há pelo menos umas três questões que eu acho que temos que ter em nosso horizonte em relação às possibilidades de melhorias no sistema penitenciário. Eu destaco a questão das audiências de custódia. Está em tramitação um projeto - confesso que não sei se essa matéria está em tramitação aqui no Senado ou se ela voltou para a Câmara - sobre a audiência de custódia, que é a apresentação do preso em até 24 para se avaliar se ele vai ser mantido preso ou não. Esse projeto é fundamental na medida em que, no Brasil, há altos índices de presos provisórios no sistema penitenciário. Em alguns Estados isso chega a 60% de toda a população encarcerada do Estado. De modo geral, em uma média nacional, cerca de 30% dos presos estão nessa condição de provisórios. Muitos sequer se encontraram com o juiz ou tiveram uma oportunidade de discutir seus casos com os defensores públicos.
Nesse sentido, existem alguns estudos sobre os Estados que já implementaram as audiências de custódia e que, claro, não se deixa de prender porque há uma necessidade de manter pessoas presas, em que é justificado a manutenção da pessoa presa. Mas, de qualquer forma, no caso de pequenos delitos ou de infrações consideradas pelo juiz como de menor gravidade, em que a pessoa pode responder o processo em liberdade, isso já é muito favorável, já é muito positivo. É um número muito positivo a revisão dessas prisões temporárias e prisões provisórias.
Eu acho que há um estudo com o TJ de São Paulo, mas eu não me recordo bem em quais outros Estados essa avaliação foi feita. De qualquer forma, ainda que se mantenha um determinado número de presos, é ainda muito importante essa revisão, esse filtro que ocorre via audiência de custódia.
No mais, existem dois processos muito importantes sob avaliação e decisão do STF. Um ocorreu na semana passada, que foi a decisão da DPF relacionada ao descontingenciamento do Funpen, e aí, nesse ponto, o Dr. Renato é a pessoa mais adequada mesmo para falar sobre essa questão. O Funpen tem um contingenciamento muito grande dessas verbas. Ainda que o número final seja muito alto, na prática, a execução acaba sendo baixa por questões como o contingenciamento.
O terceiro ponto que eu acho que nós temos que manter em vista é também a questão da Lei de Drogas, a decisão, a avaliação do HC, no STF, relacionado à descriminalização da maconha ou à possibilidade de outras drogas. É uma debate que vem ocorrendo puxado principalmente pela Senad, lá no Ministério da Justiça. De qualquer forma, a gente acompanha também, com alto interesse, na Secretaria de Direitos Humanos, porque um terço das pessoas privadas de liberdade e condenadas são condenadas por crimes relacionados ao tráfico.
Há um estudo, que foi conduzido pela Procuradora Raquel Dodge, em que ela avalia a dosimetria da pena. Então, uma pessoa que foi condenada por portar 10g de maconha - eu realmente não me lembro dos dados exatos, mas é algo nesse sentido -recebeu a mesma pena que recebeu uma pessoa que estava traficando uma tonelada.
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Então, existe uma intenção tanto no STF quanto no âmbito do Ministério Público Federal para pensar em uma dosimetria, em uma definição e fixação de parâmetros para separar quem é o traficante e quem é o usuário. São questões que não oferecem respostas instantâneas, como merece essa questão. Entretanto, são questões que - eu acho - devemos ter em mente, porque são muito importantes para a melhoria do Sistema Penitenciário.
No que se refere ao Rio Grande do Sul - eu passei bem rápido os eslaides -, mas, no Rio Grande do Sul, existe um comitê em funcionamento, aliás, foi um dos primeiros comitês criados no Brasil, em 2002, veio com o boom da Campanha Nacional Permanente Contra a Tortura, e hoje tem tratativas com o Governo Estadual, a criação do mecanismo. O mecanismo é importante por todas aquelas questões que eu mencionei, ou seja, ele aponta situações específicas, ele aponta problemas na rotina do presídio, nesse caso, que favoreçam a questão da tortura. Esses apontamentos, essas recomendações, um relatório pode parecer só mais uma relatório, mas a proposta é que esses relatórios sejam discutidos com as autoridades competentes e que, de fato, uma mudança seja feita a partir deles, uma vez bem identificado e com recomendações, também considerando, obviamente, todas as possibilidades do Estado. Eu não posso fazer uma recomendação que sequer está dentro de uma política pública tanto do Governo Federal quanto do Estado.
Então é nesse sentido e são essas as ações que eu posso comentar com o senhor, dentro do Rio Grande do Sul, que estão em tramitação. Na próxima semana, a gente vai receber vários participantes dos Estados, do Judiciário, do sistema de Justiça de modo geral e da sociedade civil para discutirmos essas questões comuns que, como o senhor disse, precisam de ações mais efetivas e mais concretas em relação à tortura.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Apoio Governo/PDT - RS) - Principalmente recursos, não é doutora? Porque comitês nos temos bastantes, não temos é dinheiro.
A SRª KAROLINA ALVES PEREIRA DE CASTRO - Bom, aí o senhor tratou de um tema que, enfim, eu não estou habilitada para responder sobre questões de orçamento, mas o senhor foi na ferida. De qualquer forma, nós vamos fazer essa discussão na semana que vem, inclusive eu convido a todos. Se o senhor puder comparecer ou mandar um assessor, eu acho que vai ser bem interessante para participar dessas discussões.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador Lasier, tem algo mais a dizer? (Pausa.)
Os nossos convidados querem fazer alguma colocação? (Pausa.)
Tem a palavra a Drª Hellen.
A SRª HELLEN FALCÃO DE CARVALHO - Eu queria fazer uma ponderação em relação à questão do momento da aprovação. Não seria interessante a fixação dessa lei ao caso do nome Amarildo ou, por exemplo, o que ficou conhecido como Carolina Dieckmann. A gente não tem que fixar que o caso dele é um caso específico de tortura, o caso dele é de extermínio. A gente, às vezes, se ficar vinculando ao caso Amarildo, as pessoas vão ter o conhecimento de que tortura é quando você mata uma pessoa. Então, eu acho que a gente vai ter que fazer o máximo para tentar dissociar isso daí para que não se vincule: "Tortura foi aquele caso". Não é isso. Então, eu faço a ponderação para que se pontue.
Em relação à fala da Drª Karolina, há um ponto que me preocupou um pouco, quando ela disse que tortura é proibido. Não, tortura não é proibido; tortura é crime! Uma coisa é ser proibida e você não pode fazer, outra coisa é uma atitude criminosa. Então, a gente não pode falar que aquele agente público é proibido de bater em alguém. Não, ele está cometendo um crime. Isso tem que ficar claro. Tortura é crime. Não é porque ele não pode fazer, porque, de acordo com as regras e convenções do presídio ou de onde quer que seja, aquilo não pode fazer, não é um procedimento regular. Não é isso! O que está sendo feito ali é crime e deve ser apurado e punido.
Pontuando aqui o que disse o Senador. Há quantos anos a gente vê aquelas fotos com celas e braços para fora? Há quantos anos todo mundo está acostumado a ver isso em TV, onde quer que seja. Eu recebo isso todos os dias por conta de presídios. Mas a gente está esperando o quê? Eu não sei...
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Volto, realmente, à Drª Karolina que aqui representa a Administração Pública, existem muitos projetos, existem muitos desenhos, existem muitos organogramas. Por exemplo, como ela disse: "vamos convidar para a discussão", me convide para a ação, porque para a discussão a gente não aguenta mais discutir! O que a gente precisa é de ação. "Ah, 60% dos presos já poderiam ter a prisão relaxada", ou a modalidade que for. Gente, cadê o Estado, cadê a Defensoria Pública? Eles estão aqui entrando com causas cíveis para pessoas que poderiam ter condições até de contratar um advogado. Por que esses advogados públicos não estão na questão criminal? Por quê?
Então é uma questão que eu não gostaria de levar tanto para o lado do presídio, porque a tortura é muito maior do que apenas presídio. Mas, nesse ponto, eu fico até emocionada porque é indignação. Eu não suporto mais ver celas com braços de fora! Aquilo não existe!
Então ficam as minhas ponderações em relação à questão do nome, concordância e questionamento. (Palmas.)
O SR. VIRGINIUS JOSÉ LIANZA DA FRANCA - Apenas como última contribuição, eu tive a oportunidade de iniciar a fala, e as falas que se sucederam entrecruzam outros pontos que são interessantes. Mas o que mais me chama a atenção nesse momento, e eu gostaria de, digamos, repisar é no sentido de que essa é uma disputa que nós fazemos também com a sociedade e no âmbito de sociedade. Acho que a Drª Hellen coloca isso de forma muito contundente, no sentido de que os juízes e a própria sociedade têm esse sentido estigmatizador, digamos assim, de que as pessoas podem e devem ser torturadas, podem e devem porque cometeram algum tipo de delito, ou porque são suspeitas, ou estão sob uma investigação de terem cometido algum tipo de delito. Isso dá, de certa forma - e a sociedade coopera também com essa impressão -, a impressão de que nós temos uma variação de sujeitos. Então, nós temos aqueles sujeitos que são de primeira grandeza, que são aquelas pessoas que são imaculadas e que nunca saíram do trilho, que nunca saíram da linha e se relativizam, digamos assim, como sujeitos de segunda geração ou pessoas que são sujeitos torturáveis, porque cometeram algum erro e ao invés de o Estado se preocupar em ressocializá-los, como são os nossos preceitos constitucionais, como diz a nossa Lei de Execução Penal, cuidar de puni-los severamente e cuidar de torturá-los, muitas vezes para que eles confessem delitos que inclusive foram atribuídos a ele, com essa ânsia de punir acerca dessas questões.
Então é preciso que nós chamemos também a atenção para esse conjunto de ações, Drª Hellen, no sentido de termos que aproveitar esse dia e esse processo para pegar o gancho, Senador Telmário Mota, desta Comissão de Educação e servir também como um processo educativo e desmistificador da nossa sociedade.
São essas as considerações.
No âmbito da ação, pois já é de conhecimento público, mas para aproveitar esse espaço e trazer a informação também de que a Comissão de Anistia, há três anos, deu início a um projeto chamado Clínicas do Testemunho exatamente dentro dessa parcela de reconfiguração e de resgate da reparação integral e justiça, memória e também essa reparação psicológica, o Estado brasileiro vem atendendo pessoas nesse processo, para que elas possam ser auxiliadas na superação desses traumas que elas sofreram. Então, ontem nós fizemos a seleção, e aí eu já adianto ao Bezerra, de que o projeto está mantido.
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O Bezerra esteve conosco na Comissão de Anistia ontem, era uma das suas preocupações. Nós estamos mantendo o projeto. Ontem foram selecionadas as novas Clínicas e, pelos próximos quatro anos, eles vão permanecer, ampliando o atendimento a essas pessoas que sofreram violações, que sofreram torturas por parte do Estado brasileiro, por parte do nosso regime ditatorial, e que está à disposição. Inclusive no Estado do Rio Grande de Sul nós temos uma clínica em atividade, Senador Lasier, que é uma informação também que serve a todos e a todas os anistiados e anistiandos que, se assim o desejam, possam fazer uso desse instrumento público de reparação e de regate desse histórico, para que a gente tenha a transmissão inclusive desses depoimentos e a transmissão de valores por parte dessas pessoas para que atos como esses nunca mais ocorram em nosso País.
Obrigado a todos.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado.
Eu só queria pedir a Drª Karolina que, nesse segundo encontro, que será nos dias 24 e 25, se a gente não puder ir, vou ver se desloco alguém do nosso gabinete para que acompanharmos e interagir.
É claro que a Drª Hellen fez colocações... Engraçado, vejam que a Karolina é a vidraça, porque ela representa o Governo, as instituições têm que tomar providência em cima da dor. E eu sei que tanto ela quanto à Comissão de Anistia devem, realmente, encaminhar. Mas a situação grita por uma providência muito mais rápida, que é o que Senador Lasier aqui colocou com muita propriedade, e daqui a gente já começa a levar essa preocupação. Realmente a gente tem que sair do debate, da retórica para a gente ir para a prática e tomar as devidas providências.
Então, a Drª Hellen, como uma boa advogada e boa representante da OAB, que nos honra muito, nos orgulha, ela chega com esse calor, essa vontade, essa determinação e isso é muito bom e é muito importante. As cobranças ficaram.
Sem dúvida alguma, Drª Hellen, não vai ficar essa marca como o do rapaz que sumiu, mas vai ficar esse dia da tortura - ele vai ser enfatizado mais nesse sentido - que pode levar ao sumiço e até à morte. A tortura pode começar como psíquica, uma tortura de método aparentemente compreensivo, que não é, e depois ela avança tanto que chega a esse ponto da morte da pessoa, o que é lamentável. Então, de qualquer forma, ela é proibida e ela é crime. Pronto, vamos contemplar os dois lados.
Quero agradecer aqui a todos os nossos convidados que deram importantes contribuições, sem dúvida alguma, a esse debate riquíssimo, um debate importante que, às vezes, nós não temos a plateia necessária, mas só sabe o que é a dor da tortura quem é torturado. Não quer voltar jamais a essa situação.
Agradeço a todos e declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
(Palmas.)
(Iniciada às 10 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 28 minutos.)