24/11/2015 - 5ª - Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Lei Geral do Desporto Brasileiro - 2015

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Bom dia!
Havendo número regimental, declaro aberta a 5ª Reunião da Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto da Lei Geral do Esporte.
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Conforme convocação, a presente reunião se destina a debater os seguintes temas: direitos e responsabilidades dos torcedores, torcidas organizadas e clubes, segurança e conforto nos eventos esportivos e crimes relacionados aos direitos do torcedor.
Eu recebi aqui a sugestão de tentarmos estender a reunião um pouco mais, para além do horário de meio-dia, meio-dia e meia, até uma hora da tarde, se não conseguirmos terminar a reunião no período da manhã.
Eu passo a palavra, de imediato, ao nosso Relator, Dr. Wladimyr, para que ele teça algumas breves considerações.
Em seguida, passarei ao Prof. Álvaro, que irá apresentar a minuta de um decreto que ele redigiu...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Ele explicará.
Bom, passarei a palavra ao nosso Relator, Dr. Wladimyr.
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - Muito bom dia, Presidente, Prof. Álvaro e nossos componentes da Comissão!
Nosso desafio hoje é o Estatuto do Torcedor, ou, mais detidamente, direitos e deveres do torcedor.
Lembro que havia uma dúvida, no início, quanto ao escopo da competência da Comissão. Acho que todos já foram esclarecidos de que tanto o ato que, formalmente, criou esta Comissão como o próprio desígnio do Presidente do Senado quando nos nomeou têm como objetivo sistematizar toda a legislação esportiva, mas é claro que se preocupando também com adaptações e inovações que são inerentes. Isto é importante, portanto, para dizer que a própria Lei nº 10.671, de 2003, o famoso Estatuto do Torcedor é incluído também nesse objeto de análise da Comissão.
Nós estamos trabalhando uma lei geral do esporte, e essa lei geral pode consolidar a legislação brasileira, e nada impede que nós tenhamos uma seção especial, seja um livro, um capítulo, uma seção - essa questão terminológica podemos trabalhar depois -, designada para segurança, direitos e deveres em arenas esportivas relacionados a torcedores e, obviamente, às pessoas que trabalham na organização dos eventos esportivos no nosso País.
Eu queria fazer apenas um primeiro comentário, uma digressão inicial a respeito da importância dessa lei. Eu não tenho nenhuma dúvida de que houve avanço. O Brasil não tinha legislação que regesse as relações entre torcedores e organizadores de eventos, o Brasil não tinha uma legislação geral sobre o torcedor consumidor e seus direitos e deveres em arenas esportivas.
Faço apenas uma breve remissão sobre esse tema aqui.
O texto inicial da lei, lá de 2003, era praticamente silente quanto a deveres dos torcedores, era praticamente silente com relação ao fenômeno das torcidas organizadas. Só após - isto no ano de 2009 - a organização, pelos Ministérios do Esporte e da Justiça, de um grupo de trabalho bipartite, com a participação de entidades de administração do desporto, como a própria CBF, de juízes de direito que trabalhavam com o tema, de pessoas envolvidas com a segurança e de técnicos do Governo - eu e o Dr. Alcino Rocha, que era Secretário de Futebol à época, fomos os representantes do Ministério do Esporte nessa comissão -, é que se incluiu, através de uma reforma... Esse anteprojeto que saiu do grupo de trabalho do Ministério da Justiça com o Ministério do Esporte é que fez incluir, a partir de 2010, no Estatuto do Torcedor, toda essa parte referente aos ônus, portanto os seus deveres, dos torcedores, inclusive as previsões de tipos penais.
É claro que a pressão, à época, era para um robustecimento de matéria penal no Estatuto do Torcedor. Não havia simplesmente uma previsão, mas, sim, uma certa ansiedade persecutória por parte do Estado quanto ao torcedor. Isso foi filtrado pela comissão, e, infelizmente, o Congresso Nacional teve, como sempre, a sabedoria de fazer os ajustes necessários e de não tratar o tema do torcedor do ponto de vista criminal. Mas, sim, houve ali todo um capítulo, depois do art. 40, prevendo crimes relacionados à segurança em estádios. Portanto, são tanto problemas relacionados a torcedores como também problemas relacionados ao famoso cambismo, fraude no esporte. Faça-se esta ressalva: os crimes previstos no Estatuto do Torcedor não alcançam tão somente o torcedor; alcançam também os chamados crimes proprietários, os "crimes de colarinho branco", que assim seja, a manipulação de resultados, a utilização de ingresso de forma indevida para a prática de cambismo. E, quando falamos de cambismo, não falamos somente daquele ente meio romantizado que é o cambista individual que vai à fila comprar uma quantidade maior de ingresso para vender por um preço um pouco mais alto. Esse é um crime previsto no Estatuto do Torcedor, de menor potencial ofensivo, porém, quem desvia ingressos para o cambismo não é alcançado pela Lei dos Juizados Especiais.
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Então, os crimes previstos no Estatuto do Torcedor não são, ao contrário do que falam, todos eles relacionados a crimes de menor potencial ofensivo. Há uma gravidade também relacionada a outras práticas como essas que acabei de narrar.
Retomando o tema, então, das mudanças que houve no Estatuto do Torcedor, ele não conseguiu, no meu entendimento, retirar uma concepção de torcedor, uma concepção de fãs do esporte, que me parece ter certo grau de incompreensão que leva a uma inconcretude, que é simplesmente considerar como torcedor o consumidor de espetáculos esportivos. O teor do Estatuto do Torcedor, hoje, é a proteção do torcedor/consumidor. Ele não trata esse torcedor como um fã do esporte, ele não trata esse torcedor como um partícipe da competição, alguém, portanto, que tenha ônus e bônus, responsabilidades e direitos não apenas como consumidor, mas como um dos fatores principais de uma competição ou de um evento esportivo.
O Carlos Drummond de Andrade dizia que se joga mais futebol na torcida do que no próprio campo. Não tenho a poética do Carlos Drummond de Andrade, mas, resumindo o que ele disse uma vez, é justamente isto: há muito mais disputa no meio dos torcedores, que a disputa acontece muito mais no meio dos torcedores do que em campo. Faço também essa crítica ao Estatuto do Torcedor, ainda que reconheça os avanços que houve com a edição dessa lei, principalmente depois da reforma de 2010.
São essas as minhas considerações. Depois, eu me inscreverei para fazer propostas, quando estivermos no debate, até porque eu e o Presidente pedimos ao Prof. Álvaro Melo Filho, que compôs uma comissão interna - o Dr. Santoro também compôs, não é? - do Ministério do Esporte para elaborar um decreto regulamentador do Estatuto do Torcedor. Esse anteprojeto está parado no Governo há um bom tempo, mas ele existe. Participei dessa comissão no início, mas depois tive que me desligar dela, e, então, eu não teria condições de dar notícias dos trabalhos para os senhores.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - O Dr. Paulo Castilho era o Presidente, é verdade. Então, eu não teria condições de fazer maiores comentários. O nosso Vice-Presidente da comissão e o Santoro, que participaram da comissão, estão mais do que ambientados com o tema, pois trabalharam na comissão até o final. Portanto, solicitamos ao Prof. Álvaro que fizesse uma apresentação sobre esse tema. Então, com a licença do nosso Presidente, eu já passaria, em vez de continuar falando sobre o tema, a responsabilidade ao Prof. Álvaro.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Professor.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Bom dia a todos!
Tratar do Estatuto de Defesa do Torcedor, o EDT, na realidade, impõe que comecemos esse tema, mas, no decorrer da explanação, vou embutir as ideias que surgiram durante os debates dessa comissão, uma comissão que trabalhou oito meses, salvo engano, na elaboração deste decreto. Quer dizer, ela se debruçou profundamente quanto à forma e ao conteúdo do Estatuto do Torcedor. Tentamos, inclusive, de modo, eu não diria forçado, mas, pelo menos, mais engenhoso, colocar no decreto óbices que estavam na lei - isto é difícil -, porque era uma oportunidade única que estávamos tendo para corrigir as dessintonias e injuridicidades que contaminam o Estatuto do Torcedor, que é um avanço significativo - não tenhamos dúvida -, mas houve, a meu juízo, excessiva intervenção do Estado, sob o fundamento de que se trata de segurança pública, e, assim, acabaram penetrando na seara mais interna corporis das entidades.
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Então, talvez esteja nessa área de interseção entre o que é público e o que é privado o nosso desafio.
E eu começaria... Eu gostaria que fosse projetado o Estatuto, eu pedi que fosse feito isto porque a Lei nº 9.615 nós estamos, de algum modo, vendo por blocos, mas, aqui, hoje, o dia é destinado exclusivamente ao Estatuto do Torcedor. Então, a gente tem que ter logo uma visão panorâmica do Estatuto do Torcedor.
Eu começaria pelo final, pelo art. 42, que diz que o Estatuto do Torcedor se aplica apenas ao desporto profissional. Aí, a gente já volta um pouquinho àquela discussão de ontem sobre o que é desporto profissional. E, dentro dessa concepção - eu acho que a gente também tem que partir para isso -, na verdade, o Estatuto do Torcedor deve ser aplicado aos espetáculos desportivos onde haja, por exemplo, venda de ingressos ou venda de direitos audiovisuais, porque, em casa, nas várias mídias sociais, como o Pedro sempre ressalta, você tem o torcedor consumidor.
Assim, a gente tem de partir de uma concepção mais ampla e, mais uma vez, destruir ou implodir esse viés que transformou o Estatuto de Defesa do Torcedor, na verdade, no estatuto do torcedor de futebol. A rigor, a rigor, houve essa visão reducionista enfocada naquele que é o palco, com mídia e todos os segmentos de que a população gosta em relação à matéria desportiva, do futebol.
Então, nessa linha também, eu gostaria de lembrar que a gente tem de ter muito cuidado, já que estamos tratando de uma Lei Geral do Desporto.
A competência da União, constitucionalmente, pelo art. 24 da Constituição, se restringe a fazer normas gerais de desporto. E, aí, eu pergunto: desde quando o art. 11, por exemplo, que diz que a súmula tem de vir lacrada em três vias, se configura, do ponto de vista conceitual ou jurídico, como uma norma geral de desporto? Como a gente aceita como norma geral de desporto que a súmula seja entregue em até 14 horas depois do primeiro dia útil após a realização do jogo e que esse lacre, por exemplo, venha assinado pelo árbitro e rubricado pelos auxiliares? Parece-me que essa matéria não é nem de decreto, mas de portaria, se for, e seria uma matéria interna corporis.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Qual é o interesse do torcedor se entrega três, doze ou quinze horas depois?
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Isso aconteceu em razão de uma questão de fato. As pessoas suspeitavam que a súmula era alterada como quisessem, e, em alguns casos, era possível que fizessem isso realmente. Então, esse prazo nasceu por conta disso.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Mas se muda a súmula com 14 horas, com 15 horas, com 20 horas, até com duas horas...
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Sim, mas, depois que entrega, não se muda mais. Então, você teria um prazo reduzido para mudar, o que é um absurdo também. (Risos.)
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Foi oficialmente concedido um prazo para mudança da súmula.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - No é norma geral e pode ser um faz de conta.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Aliás, é interessante essa nossa digressão aqui pelo seguinte: nós tivemos vários casos agora, que o STJD foi obrigado a julgar, de jogadores que, irregularmente, foram escalados e até deram causa à questão da Portuguesa...
O fato é que, com a tecnologia que nós temos hoje, é um absurdo, primeiro, que não haja controle a priori. Na hora em que o time escala o jogador, está na hora... É o sistema! Não pode jogar! Não pode jogar! Não pode jogar! É um sistema que todo mundo tem. A CBF tem que ter, o STJD tem que ter...
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O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Isso seria o ideal.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - É o que tem que ter. Nós não temos porque hoje existe um jogo de empurra-empurra: "a responsabilidade é do STJD", "a responsabilidade é do clube", "a responsabilidade é..." Aí, a gente faz o controle a posteriori. Só que o controle a posteriori causa danos gravíssimos ao esporte, à credibilidade do esporte. E danos irreversíveis.
Então, essa questão da súmula, com a tecnologia que temos hoje, tem que ser transmitida em tempo real, tem que ser feita na hora. Tem que ter um tablet para fazer ali. É um negócio sobre o qual não há a menor discussão.
Essa questão das 14 horas, nós estamos aqui novamente falando da lei para trás, e não da lei para frente. Nesse ponto, em vez de simplesmente olharmos para essa lei e transformá-la, por que não pensamos na lei como ela deve ser, sem levar em consideração essa colcha de retalhos, esse remendão que é a legislação desportiva brasileira hoje. É a mesma sugestão da Lei Pelé: não é olhar a lei e mudá-la, é fazer a lei como ela deve ser e não como ela está aí.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Eu concordo, Pedro, mas acho que, se partimos dos defeitos atuais, temos, pelo menos, um campo em cima do qual, doravante, não vamos cometer, repetir esses erros cometidos, expungindo, expurgando-os, porque também não podemos, diante do acolhimento social - isto é induvidoso - que o Estatuto do Torcedor teve, simplesmente implodir e dizer que não serve. Não é o caso, nem deve ser essa a linha que devemos tomar.
Na passagem para outro dispositivo, por exemplo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Fica mais fácil, inclusive, para todos.
Por favor, vamos para o art. 9º, § 5º:
Art. 9º..............................................................................................
§ 5º É vedado proceder a alterações no regulamento da competição desde sua divulgação definitiva, salvo nas hipóteses de:
I - apresentação de novo calendário anual de eventos oficiais para o ano subsequente, desde que aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte - CNE;
II - após dois anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo.
Mais do que eu, quem tem muita vivência nessa matéria e sabe das complicações que esse ditame tem resultado na prática é o Dr. Wladimyr, que teve problemas em relação a esse tema, porque a matéria era endereçada ao CNE e ele, como consultor do Ministério, foi instado várias vezes a se manifestar sobre esse tema.
Aí, eu acho que uma das ideias seria, primeiro, publicado o regulamento definitivo, é evidente, evitar "virada de mesa". Isso não pode vir a ocorrer. Agora, engessar por dois anos, por exemplo... Às vezes, é uma alteração necessária, substancial, para atender a um contrato dessas empresas... E, aí, a lei tolhe, amarra e impede que as entidades venham auferir um pouco mais de receita em função desses limites temporais e burocráticos insculpidos na lei. Isto eu acho muito importante. Por exemplo, a gente não pode admitir - talvez se dê um tempo para dar uma estabilidade - mudança no sistema da disputa que importe em reduzir ou ampliar o número de vagas de acesso e de descenso, como mudar o campeonato nacional da Série A, que é realizado com 20 clubes, para sua realização com 10 ou com 24 clubes. Com esse tipo de coisa a gente tem ter cuidado, até para não desacreditar a competição perante aqueles que vão bancá-la.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Olha, coincidência ou não, até 2002, o Brasil nunca teve dois campeonatos brasileiros seguidos com o mesmo formato. Até 2002, em toda a história do futebol brasileiro, que, nesse ponto, é um esporte emblemático a considerar, nunca houve dois anos seguidos com o mesmo formato de competição. Então, se é coincidência, é uma feliz coincidência; se não é coincidência, foi importante que o Estatuto do Torcedor assim dispusesse. Essa questão dos dois anos se refere aos dois anos iniciais; depois que a competição tem dois anos, ela pode ser alterada.
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Agora, a anterioridade não é de dois anos. Ela foi criada e ficou dois anos? A partir daí, ela pode ser alterada, desde que haja antecedência de um ano, como, inclusive, a Federação Paulista de Futebol está fazendo com o Campeonato Paulista este ano: publicou o regulamento, deu o prazo de 90 dias do Estatuto para que as pessoas falassem e, aí, vai publicar o regulamento definitivo.
Então, pode-se alterar.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - A minha leitura é que, uma vez alterado, seja preciso passar dois anos para se poder alterá-lo de novo.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - A competição é anual.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Isso. Eu queria fazer um breve comentário a respeito disso, pegando o gancho do Pedro. Ou seja, a Federação Paulista está fazendo isso...
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Só pode ser alterado daqui a dois anos.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - ..., e eu concordo com esse entendimento.
Agora, o que ela fez? Como ela quer reduzir o número de clubes, ela vai colocar que caem - agora, me ajudem -, acho que caem seis e sobem dois. Agora, de 2016 para 2017, vão cair seis e subir dois, porque ela quer reduzir de 20 para 16. Se ela tiver que manter por dois anos esse regulamento, no ano seguinte, vão ter que cair seis e subir dois de novo.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Não, ela não tem que manter dois anos. Ela pode dizer que, neste ano...
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Mas é o que está aí.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Não! Não! Não! O regulamento pode dizer que, como a gente quer reduzir, no primeiro ano, vão cair seis e subir dois e que, no segundo ano, vão cair dois e subir dois. A questão é só que a regra deve ser clara desde já. No segundo ano, haverá uma outra regra para ascenso e descenso, mas ela está publicada desde já.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - A regra é clara, mas você pode ter certeza de que vai ter gente que vai usar esse inciso II aqui para dizer que é preciso manter o mesmo regulamento.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - O regulamento pode dizer isso agora.
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - Se o Presidente me permitir, eu gostaria de fazer uma proposta de encaminhamento, até para que a gente consiga... Seria bom, porque haverá o Fórum Legislativo do Futebol hoje à tarde, e parece que alguns colegas foram convidados a participar dele. É claro que é uma proposta do Presidente, e não estou querendo dizer que não toparei ir até o fim da tarde, mas houve um comunicado do Presidente no início da reunião para tentarmos terminar ás 13h.
Então, qual seria minha proposta de encaminhamento? Tomo a licença de falar sobre isto. Seria ouvirmos o Prof. Álvaro e, depois, fazermos as rodadas de contribuição, porque cada tema desses tem muita polêmica. Eu, por exemplo, acho que isso não deveria nem estar mais no Estatuto do Torcedor - isso não é um tema de legislação estatal -, mas, se eu for dar um palpite sobre isso, vou abrir uma discussão enorme.
Então, acho que o ideal - perdoem-me ser tão objetivo assim - seria ouvirmos o Prof. Álvaro e, depois, cada um ter o tempo suficiente para, na sua intervenção, fazer os comentários sobre cada um dos pontos que ele levantar.
Obrigado.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Quanto a mim, não tenho problema algum com a relação à participação, ao enriquecimento e à benéfica intervenção de cada um de vocês.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Eu acho interessante, às vezes, para não perder o fio da discussão - às vezes, perde-se a ideia -, fazermos a intervenção sendo breves e objetivos, para não ficarmos discursando sobre um tema a manhã inteira e perdendo muito tempo.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Vamos a outro tema, que foi trazido pelo Profut: art. 10-A.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Art. 10-A.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Com a alteração do Profut, o que houve? O Profut não se cingiu... E lembro bem que o Pedro disse isto publicamente várias vezes: contrapartida de parcelamento é pagamento. Além do pagamento, vem o quê? Múltiplas exigências de outras naturezas embutidas via Lei Pelé e via Estatuto do Torcedor. Entre essas exigências do Estatuto do Torcedor, surgiu a equiparação. Utilizou-se o artifício jurídico da vedação, de que só poderiam ingressar nas competições aquelas equipes que tivessem obtido em campo, por qualificação técnica, a participação. Vem, então, essa nova redação do art. 10 do Estatuto do Torcedor dizer que se considera critério técnico também o cumprimento das condições financeiras, quais sejam apresentação de CND, apresentação de certificado de regularidade do FGTS, comprovação de quitação de contratos de atletas e de direito de imagem... Mais uma vez o direito de imagem, que agora está embutido no próprio Estatuto do Torcedor.
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Vejam a que tem levado a complicação da nossa legislação!
Na verdade, essa equiparação - não vou mais usar a palavra ardil -, essa equiparação jurídica de exigências, condições e requisitos financeiros ao técnico... E aí há uma distinção muito grande. Para o torcedor - nós estamos falando em Estatuto do Torcedor -, o que ocorre? Seu time, tecnicamente, está habilitado a participar da competição em função dos resultados obtidos dentro de campo.
Vêm, agora, esses critérios extrínsecos ao campo, por critérios burocráticos, por critérios financeiros, e vão poder, sobrepujando inclusive o critério de mérito técnico, primeiro, eliminar as equipes da participação e, segundo, se elas estiverem participando e perderem a certidão, fazer com que elas fiquem irregulares para a competição, porque...
Por favor, só para o §4º desse dispositivo, que já existia, que não foi trazido pelo Profut, que deu uma força descomunal a esse processo de exclusão por critério não técnico.
§4º Serão desconsideradas as partidas disputadas pela entidade de prática desportiva que não tenham atendido ao critério técnico [e entenda-se como critério técnico aí o técnico propriamente dito e os financeiros] previamente definido, inclusive para efeito de pontuação na competição.
Olhe, nós vamos correr um risco grande porque isso vai gerar, ao longo da competição, representação e protesto na justiça desportiva. E, depois que o time for campeão, vai vir protesto dizendo que ele não tinha a certidão do FGTS, que me parece que só vale por 60 dias. Ela pode ser renovada, mas, se não for renovada, basta um interregno entre o fim da validade de uma e o início de outra, em função de algum pagamento, para se poder gerar uma multiplicidade de problemas perante a Justiça Desportiva. Aí não teremos um caso Portuguesa, não; nós teremos uns 30 casos Portuguesa por ano.
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES (Fora do microfone.) - Se você for prejudicado, vai recorrer à Justiça Comum.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Perfeito o comentário do Carlos.
O caput do art. 10 diz que é direito do torcedor que a participação se dê em virtude de critério técnico, e aí ele considera esta aberração, que é a necessidade de apresentação da CND, como um critério técnico, até porque - prometo que não vou me estender agora - isso não é critério técnico. Não adianta essa ginástica legislativa que arrumaram para incluir a CND aqui. O critério técnico está lá no art. 89 da Lei nº 9.615, da Lei Pelé, desde 1998. O que é critério técnico? É quem fez mais ponto. Empataram em pontos, é quem tem mais vitória. Empataram em número de vitória, é quem tem melhor saldo de gols. Empataram em número de saldo de gols, é quem tem mais gols a favor. Isso é critério técnico. Apresentação de CND não é critério técnico.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Tem outra natureza. Altera-se a natureza das coisas em função do arranjo de equiparação de critério técnico, embutindo no critério técnico o critério financeiro.
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES - Prof. Álvaro, o senhor mencionou aí a alínea "c" do art. 10-A. Como fazer a comprovação exigida por essa alínea "c"? É comprovação do pagamento dos salários, da remuneração dos jogadores e de...?
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Está em aberto. Não sei se vai ser via sindicato, se vai ser ou uma declaração, sob as penas da lei, do Presidente que está em dia... Quer dizer, está muito em aberto, gerando - o Pedro também sempre ressalta isto - o problema da insegurança jurídica dos clubes, lembrando bem que o descumprimento disso aqui representa não só a exclusão dos times, mas também a responsabilidade temerária dos dirigentes, que está categorizada hoje no art. 26 da Lei nº 13.155. Quer dizer, isso, para o dirigente, é um problema, porque como é que ele vai, já que não existe um indicador de que elementos serão os comprobatórios, pegar uma declaração de cada atleta que lhe foram pagos todos os direitos de imagem e salários até aquele dia? E ele paga um dia e pode estar em mora com os atletas no dia seguinte.
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Então, vejam essa dinâmica. E aí eu acho que a gente tem que repensar bem como vamos fazer em relação sobretudo a esta modificação.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - É óbvio que, à primeira leitura, realmente parece um absurdo. Porém, quando a gente toma uma perspectiva mais ampla e entende por que isso foi parar na lei, não me parece tão absurdo assim. Na verdade, essa lei é uma resposta à omissão, à negligência, à apatia das organizações esportivas, que, durante mais de dez anos, discutiram o fair play financeiro e não implementaram nada, não fizeram nada.
Então, enquanto a Uefa, há mais de dez anos, discute a importância de haver equilíbrio financeiro entre as equipes participantes de uma competição... Porque lá houve casos de times que quebraram durante uma competição, o que interfere na competição como um todo. Ou seja, os clubes que têm responsabilidade financeira são atingidos por aqueles que não têm, por duas formas: pelo dopping financeiro... Quando um clube deixa de pagar seus impostos e cumprir seus compromissos e investe no futebol, ele está colocando dinheiro que não é dele em detrimento do outro que paga suas contas em dia e não tem os mesmos recursos para investir no seu time, causando um desequilíbrio desportivo. E, segundo, se, no meio da competição, uma equipe quebrar, ela afetará todas elas. Só que, durante mais de dez anos, isso foi discutido na Conmebol, foi discutido na CBF, e nunca foi implementado. Aí, a sociedade demanda, ela se cansa, e o Congresso Nacional coloca isso na lei, porque, se a sociedade não foi capaz de, com a sua autonomia, resolver essas questões que afetam, de certa maneira, a sociedade, a sociedade pressiona o Congresso e ele faz lei.
O que temos à nossa frente é justamente isso. Agora, retirar da legislação isso, que, como o Dr. Wladimyr fala, de certa maneira, é uma conquista da sociedade... Aliás, boa parte das questões que nós todos podemos considerar como interferência na autonomia o STF julgou dizendo que não é. O Supremo Tribunal Federal já apreciou o Estatuto do Torcedor em alguns pontos em que se questionava a interferência na autonomia do art. 217 e julgou constitucional. Isto sem tratar da questão de fundo, que é a estrutura das organizações desportivas no Brasil hoje, que não conseguem responder à sociedade, porque não foram criadas pela sociedade, mas por um estado que não existe mais, que é o estado autoritário.
Enfim, ou a gente muda o sistema, e aí, sim, ele consegue andar com as próprias pernas e responder às demandas da sociedade, ou, então, vamos continuar encontrando na legislação essa interferência do Estado, que se sobrepõe à sociedade, quando ela não atua.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Muito bem.
Fair-play financeiro. O modelo da Uefa levou cinco anos para ser implantado. Aqui, querem implantar com quatro meses. Este é um grande problema.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - O modelo da Uefa está implantado há mais de dez anos.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Mas ele levou...
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Sim, e o nosso, então, está há quinze, porque os dez que eles levaram para prender e o nosso...
Eu discuto fair-play financeiro.
Inclusive, na época em que o Marco Antônio Teixeira era o Secretário-Geral da CBF, ele...
(Interrupção do som.)
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Só para lembrar, coincidentemente, no dia 1º, haverá uma reunião com o Andrea Traverso, que é o responsável por isso na Uefa, porque eu sei que é aqui que a CBF está estudando a implantação do fair-play financeiro, que é a única forma jurídica de aplicar essas exigências, que eu acho pertinentes - elas são pertinentes -, desde que, primeiro, haja prazo e, segundo, que haja razoabilidade e proporcionalidade na aplicação da penalidade.
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Acho que tem que se exigir CND, acho que tem que se exigir certificado de regularidade do FGTS, mas isso não pode, na minha ótica, implicar o rebaixamento automático e manu militari. Por exemplo, estamos em um enfoque diferente. Por quê? Quem não paga o tributo não paga porque não tinha dinheiro. Como se justifica ele não ter dinheiro e contratar jogador? Então, acho que a grande penalidade para quem não tiver a certidão não é cair porque ele vai ficar com menor capacidade de recuperação. Ele vai para a segunda divisão e, como vai ter menos receita de TV, menos receita de público, menos receita de patrocínio, vai estar fadado a, cada vez mais, não reunir as condições financeiras para pagar não só aquilo, mas também o corrente, que deve ser também implementado.
A rigor, acho que temos que manter isso - não estou dizendo que não se deve manter -, mas temos que avaliar para não permitir que essa punição, em vez de ser, vamos dizer, de caráter pessoal, interfira - e acho que você foi cirúrgico na sua colocação - em toda a competição, comprometendo toda competição. Não estou falando aqui de exclusão pura e simples, mas de se buscar uma saída mais razoável e mais proporcional para isso.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Vamos tentar ser objetivos, para...
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Concordo com o Prof. Álvaro. Discordo que isso tenha sido uma conquista da sociedade. A sociedade não sabe o que vai acontecer, nem sabe das consequências dessa sua suposta conquista. É tanto que eu participei, na semana passada, de uma audiência pública na Câmara dos Deputados em que estavam presentes o representante do Governo Federal, o Secretário de Futebol do Ministério do Esporte, e Parlamentares, e o Ministério do Esporte, por intermédio do Sr. Secretário do Futebol, manifestou que essa ideia da CND não era do Governo e tinha sido incluída pelo Congresso, e os congressistas, por sua vez, se manifestaram dizendo que era, sim, uma ideia do Governo, uma exigência da Receita Federal. Ou seja, nem o autor da proeza sabemos quem é. O Governo empurra para o Congresso e o Congresso empurra para o Governo.
O que tem que acontecer com o clube que não pagar imposto? Execução fiscal! O Governo já está suficientemente aparelhado para cobrar de quem não paga! Admitirmos que o clube que não apresentar CND vai cair para a segunda divisão, na minha avaliação, é um equívoco absurdo. Eu iria um pouco além do Prof. Álvaro: eu excluiria isso, sim, da legislação. Acho que ele tem que comprovar pagamento de salário, tem que comprovar pagamento de direito de imagem, tudo isso, mas não mediante apresentação da CND, até porque, Pedro, o bom pagador de impostos pode se ver, em um determinado momento, privado da CND. Ele pode pagar os seus impostos regularmente, mas, se, em determinado momento, ele sofrer uma autuação, da qual discorda, questioná-la e, eventualmente, perder em âmbito administrativo, essa dívida vai ser incluída na dívida ativa e, até se iniciar a execução fiscal ou até que ele tome a iniciativa de ir ao Poder Judiciário para discutir esse débito, ele não vai ter CND. Ele pode pedir uma liminar e essa liminar não ser concedida. Então, mesmo o bom pagador de impostos, em determinado momento, pode ficar privado de CND.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Sem dúvida, o rebaixamento não é adequado por várias razões. Primeiro, ele causa um desequilíbrio na competição da segunda divisão, porque se coloca lá um time que não tem o critério técnico para disputar aquela competição. Ele é muito superior aos outros, porque, se não foi rebaixado, ele é, teoricamente, superior aos que estão disputando a segunda divisão. Segundo, qualquer medida que restrinja a possibilidade de arrecadação daquele que tem que pagar uma dívida é contra o credor, porque ele paga a dívida com o que ele arrecada. Então, eu sempre defendi, inclusive na Câmara, várias vezes, que isso não seria adequado.
Agora, eu enxergo esse movimento como um movimento do Governo. Na verdade, o texto, Santoro, veio da medida provisória, que nasce do Governo. A medida provisória vem da Presidenta da República. É ela quem encaminha para o Congresso. Segundo, quem mais defendeu isso no Congresso, salvo engano, e me lembro bem, foi o Andres Sanchez, ex-Presidente do Corinthians, que sempre falou que, ou havia o rebaixamento, ou os dirigentes não levavam a sério.
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Agora, chamo atenção aqui para o fato de que boa parte das questões controvertidas que vamos enfrentar nesta discussão tem origem na negligência das organizações desportivas que não agiram a tempo. Não agem a tempo. A grande verdade é esta.
Dizer que o Campeonato Brasileiro, até 2002, nunca foi disputado dois anos seguidos com o mesmo formato e que só começou a ter a fórmula de sucesso que temos hoje - podemos discutir essa fórmula querendo melhorar a competição, mas ela já é muito melhor do que a bagunça que havia antes - é ignorar que eles não conseguiram fazer antes. O esporte, da maneira como está organizado, não tem conseguido se desenvolver sem a tutela do Estado, infelizmente.
O SR. LUIZ FELIPE BULOS ALVES FERREIRA - Caio, posso ser bem objetivo?
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Claro.
O SR. LUIZ FELIPE BULOS ALVES FERREIRA - Só para fazer uma consideração.
Bom, não estou com uma opinião formada sobre esse assunto, não acompanhei o Profut, mas eu só queria dizer, para trazer para reflexão, que, evidentemente, me parece que a questão de rebaixamento está demais. É claro que não se pode classificar regularidade fiscal como critério técnico - há alguma impropriedade técnica aí, com certeza -, mas não vejo isso como um absurdo num primeiro momento. Como falei, estou, praticamente, me detendo nisso agora, mas não vejo isso como um absurdo, porque, fazendo uma analogia, é exatamente isso o que acontece em licitação. Na licitação, por que se pede, no art. 27 da Lei nº 8.666, habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista? Exatamente para que haja uma igualdade entre os competidores da licitação, porque, senão, uma empresa que deve muito dinheiro, que não tem nenhuma CND, que está com tudo atrasado, vence a licitação, em detrimento das outras que estão cumprindo com as suas obrigações.
Então, o que acho que a gente talvez possa tentar fazer é colocar mais o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade aí para tentar adequar da melhor forma. De repente, se, por acaso, ficar sem CND, tem um prazo de até X meses ou X dias para regularizar sua situação, para tentar, da melhor forma - e aí vamos precisar de criatividade - harmonizar isso aí, mas afastar essas obrigações... Acho que é conquista, sim. Num primeiro momento, choca, mas, com o tempo, vem a favorecer, com certeza.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Eu também não tenho uma opinião absolutamente formada, mas até acho que esses dispositivos estarem inseridos na questão do critério técnico tem pertinência. Por quê? Porque, sem dúvida alguma, o clube que não cumpre com suas obrigações fiscais, por exemplo, tem condição de ter uma equipe melhor, de contratar. Ele sabe que não vai pagar os tributos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Exatamente.
Dr. Santoro.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - A única diferença que vejo em relação à licitação é a seguinte: uma empresa que, por acaso, não se habilitar para uma licitação por ausência de CND tem todo o mercado privado para atuar. Ela não vai ficar privada de atuar no mercado, mas de fornecer para o Poder Público. Aqui, se o clube não tiver CND, cai de divisão. Sou totalmente favorável a contrapartidas. Acho que, além da contrapartida do pagamento no financiamento, todas essas do fair-play financeiro, na minha opinião, são absolutamente salutares e serão muito proveitosas para o futebol brasileiro no médio e longo prazos. A única que eu discuto é a necessidade de apresentação da CND para ele não ser rebaixado. Como o Prof. Álvaro falou... Ou seja, tem que apresentar a CND? O.k. Vamos ver uma forma de incentivar boas práticas de governança e tudo o mais e de apresentação da CND, não com uma pena de rebaixamento.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Responsabilização, eventualmente, do dirigente.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - O que sei, porque estou participando do grupo de trabalho que, inclusive, no dia 1º, vai trabalhar o dia inteiro com a Uefa na formatação do regulamento, que não se chama fair-play financeiro, mas concessão de licenciamento de clubes, é que uma das exigências que já estão colocadas envolvem a comprovação de que está em dia com as quitações fiscais e sociais. Não tenha nem dúvida de que isso tem que ser uma regra deste regulamento como pré-requisito de participação das entidades.
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O Pedro sempre diz que as organizações vêm sempre atrás. O problema também é que a gente não instrumentou essas entidades em relação à punição administrativa. Um dos grandes entraves que houve no problema da Portuguesa, e isso gera entraves no desenvolver do exercício do poder autônomo regulamentador da entidade, que é quem tinha e tem que fazer isso... Nós não temos que ter uma lei aqui, por exemplo, que venha com uma norma que se aplica aos parcelados - a lei foi por parcelamento - e aos não parcelados. Trata igualmente pessoas que ela mesmo já trata diferentemente. Veja aí que começa uma contradição na origem da própria lei.
Eu acho que essa exigência tem que ser feita - não estou falando em relação à exclusão -, concordo com o Dr. Santoro quando ele diz que são muito salutares e benéficas todas essas contrapartidas, mas a gente tem que instrumentar... E aí eu adianto um ponto fundamental, que não sei se está em nenhum daqueles itens dentro da nossa análise: a gente tem que reformular o art. 48 da Lei Pelé, que fala das penalidades disciplinares, porque são 11 penalidades, salvo engano, Dr. Caio, em relação ao Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que estão previstos para aplicação. Lá está um elenco mínimo. A gente tem de colocar lá exclusão de competição, suspensão de competição, porque, se não tiver o amparo legal, qualquer punição que venha a ser aplicada pela entidade de direção para este efeito, a parte vai para a Justiça dizer “nulla poena sine lege”.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Mas não é um paradoxo dizer que a Constituição dá autonomia para as entidades esportivas e a gente ter que definir na lei quais são as penas que elas têm que ter interna corporis? Porque isso tudo, bem ou mal, é interna corporis. Assim como é um absurdo, um paradoxo dizer que eles têm autonomia, mas que quem dirime qualquer questão oriunda das competições esportivas é um órgão que não é formado por quem eles indicam, que eles são obrigados a pagar a conta e são obrigados a receber as indicações de várias entidades, como é o caso da Justiça Desportiva hoje.
Então, é um grande paradoxo. Na verdade, se nós levarmos a autonomia na sua extensão plena, não se tem que tratar isso na lei, em hipótese nenhuma. Não tem nem que elencar. A Lei Pelé não tinha nem que tratar disso, a priori. Se a autonomia das entidades desportivas contempla a possibilidade delas se organizarem da maneira, enfim, que lhe for mais adequada, por que a lei precisa tratar disso?
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - É por isso que a autonomia é um princípio, não é absoluta. Ela tem que ser conformada com outros.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Então, nós vamos entrar na discussão que é...
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Mas eu acho que não cabe, agora, neste momento, a gente ficar discorrendo sobre...
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Sem dúvida, mas, no final das contas, nós estamos discorrendo sobre questões que, teoricamente, se nós entendermos que elas têm autonomia e que essa autonomia abarca esse tipo de questão, nós não temos nem que discutir.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Cabe a nós avaliar qual a extensão dessa autonomia e, se ela chocar com outros princípios, adequá-los...
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Que não geram demanda judicial.
É esse o problema, porque é só se lembrar do caso da Portuguesa, que se deu em função de um dispositivo que estava exatamente no Estatuto do Torcedor, até bater de frente... E foi toda aquela celeuma.
E qual é o prejuízo que a gente tem em enumerar, tal como na Justiça Desportiva tem um elenco de punições que ela utiliza, um elenco de punições, sem prejuízo de outras, Pedro? Até porque eu tenho muito medo, às vezes, de, ao elencar, não fazer um elenco exaustivo, mas simplesmente, pelo menos, exemplificativo, mas que atenda ao mínimo.
E, do ponto de vista prático, eu gostaria de pedir ao Dr. Santoro que explicasse, por exemplo, um caso concreto do Corinthians, que pode, em função da lei hoje existente, participar da segunda divisão para o ano. Independentemente de ter sido campeão, critério técnico, independentemente de estar com o pagamento de seus jogadores, hoje, em dia - ele atualizou e pagou todo o direito de imagem de alguns jogadores que ainda estavam sem receber por ele -, há um problema prático e objetivo, que o faz correr esse risco, a essa altura do campeonato, quando ele já é o hexacampeão brasileiro. É um caso emblemático.
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O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - É verdade. Nem me lembrei disso quando fiz a minha primeira manifestação.
Para 2016, acredito que não haja problema, porque essa discussão está no Carf.
Para que todos tenham uma ideia, o Corinthians recebeu uma autuação - e isso foi dito pelo Presidente Andres Sanches nessa audiência pública da semana passada -, porque o fiscal entendeu que, com base no art. 27, §13, da Lei Pelé, o time tinha de pagar imposto como empresa.
Então, o que ele fez? Ele tirou a isenção do clube e tributou os últimos cinco anos como se o Corinthians fosse uma empresa. Foi feita a atuação. A defesa está sendo feita no Carf. Trata-se de um processo de R$347 milhões. Se o clube perder, ele vai ter, de alguma forma, de garantir esse débito para discutir em juízo.
Isso está certo? Está certo ele ser rebaixado de divisão por estar discutindo um débito de um fiscal que, se entendeu que o Corinthians tem de pagar imposto como empreso, muito provavelmente entenda que todos os clubes, com base no §13 do art. 27, têm de pagar imposto como empresa? Ele vai autuar todos os clubes do futebol brasileiro. Todos eles vão ter de apresentar a sua defesa ao Carf. Se um deles, por acaso, não conseguir sucesso na defesa, vai ter de discutir em juízo e precisar ter bens suficientes para garantir, por exemplo, uma execução de R$350 milhões.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Aí, ele não vai ter CND. Se não conseguir liminar, não tem CND.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Aí, inclusive, teria de fazer o depósito judicial. Não sei... A quantia de R$347 milhões, hoje, é mais do que o Corinthians está parcelando no Profut.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Não tenha dúvida. E o clube tem uma sede grande em São Paulo, mas teve de apresentar matrículas para a garantia de financiamento do BNDES para a construção do estádio. Então, as matrículas do clube estão comprometidas com esse outro financiamento.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Esse exemplo já nos mostra que precisamos, pelo menos, repensar, sem exclusão. Não há hipótese de exclusão. Acho que isso é salutar. Será um grande avanço para a entidade diretiva do futebol a implementação de um regulamento de fair-play financeiro, que, tecnicamente, se chama concessão de licenciamento de clubes. Como estudei essa matéria, a responsabilidade é da Conmebol, que, pelas normas da FIFA, teria de fazer o seu modelo de regulamento de concessão de licenciamento de clubes. Depois, cada país aprovará esse modelo. Este é o problema: a Conmebol, até hoje, não fez esse modelo, e a CBF, pelo que eu saiba, resolveu fazer o modelo no Brasil, independentemente de a Conmebol ter ou não o seu modelo, porque demorou muito, até para usar a expressão do Pedro. Na verdade, temos de levar isso em consideração. Outra coisa: isso vai ser direcionado aos campeonatos brasileiro de primeira, segunda, terceira e quarta divisões. As quatro divisões têm de estar atreladas e harmonizadas, porque, na hora em que alguém não obtiver a licença, que na verdade, é um alvará de disputa anual da competição, ele será rebaixado e o outro subirá de divisão. Agora, para o outro ascender, ele também tem de preencher aqueles requisitos.
Então, trata-se de outra distorção que vemos na Lei, e o Estatuto do Torcedor, vez ou outra, diz: aplica-se à primeira e à segunda divisões. Quer dizer, é uma distorção. Quando vemos primeira e segunda divisões, sabemos que isso existe no futebol e, talvez, unicamente no voleibol. As outras modalidades têm uma única divisão. Então, isso mostra mais uma vez que a cabeça foi toda voltada para futebol, para campeonato brasileiro e, sobretudo, para as séries A e B.
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Então, é esse tipo de preconceito que temos, ou seja, embutir o futebol como padrão, como modelo e parâmetro para todas as modalidades, o que acaba provocando distorção, deixando o torcedor - não o torcedor de futebol - de outras modalidades, quando há jogos de voleibol ou de basquete, no Maracanãzinho, com um público de 15 mil, 20 mil pessoas, sujeitas aos mesmos riscos, ao passo que se deve dar a mesma garantia para o torcedor presente àquele espetáculo esportivo, e até mesmo ao que torcedor que esteja em casa assistindo pela TV, porque ele também é torcedor e consumidor. Então, acho fundamental repensarmos esse ponto.
Lembro, Pedro, que, na UEFA, o fair-play financeiro é aplicável tão somente a Champions League, ele não é aplicável ao Campeonato Espanhol, ao Campeonato Italiano, ao Campeonato Francês. Por isso convidou-se o responsável na UEFA pelo fair-play, porque temos que fazer essa dosagem, já que lá é uma dimensão de 54 países. Aqui, correspondemos a um país continental, indubitavelmente, mas com outra estrutura, com outra economia, com outra organização.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Ouvindo essa reflexão, e principalmente o comentário do Presidente de que o nosso papel aqui é encontrar a extensão da autonomia, não é Presidente, que a Constituição garante, eu pergunto aos senhores: nós discutimos agora uma lei que diz como devem se organizar as competições - é o que diz aí -: quem participa, por que participa, como é o regulamento, quando, na verdade, talvez devêssemos começar pelo início e discutir o que a lei deve dizer sobre as organizações que organizam as competições. Porque a pedra de toque - em minha opinião - de tudo isso que estamos discutindo é justamente esse modelo em que não há participação de quem realmente está fazendo as competições acontecerem.
Quando o Prof. Álvaro fala que o fair-play da UEFA se aplica a Champions League, é porque o princípio é que a entidade que organiza a competição tem jurisdição sobre a sua competição, porque tudo deriva da competição. As organizações esportivas derivam das competições, elas existem para organizar competições - federações, confederações -, elas existem em razão das competições que elas organizam. E aí nós temos, no Brasil, uma distorção gravíssima em que quem detém o poder real nessas organizações não participa de competições. Por exemplo, a assembleia geral ordinária das confederações, que aprova os estatutos, os orçamentos, não conta com a participação de quem realmente está nas competições, ou seja, os clubes, os atletas.
O nosso desafio aqui talvez não seja como dizer como as organizações devem ser organizadas, mas talvez seja avaliar, sim, a extensão da sua autonomia desde o seu início: como é que as entidades esportivas devem se organizar. E também fazer a reflexão em relação aos clubes. Por quê? Quando os clubes nasceram, eles nasceram do esforço dos seus membros, que se juntaram, pagaram a conta e criaram os clubes para praticar sua modalidade esportiva. De lá para cá, nos principais clubes, que são poliesportivos, isso mudou muito. O orçamento que esses clubes administram hoje não diz respeito mais à contribuição de seus membros. Pelo contrário. A contribuição dos seus membros não representa quase nada no orçamento multimilionário que esses clubes administram. Então, eles também se aproximam hoje muito mais de fundações com patrimônio afetado - porque é a administração de um patrimônio e não de uma associação que dá origem a esse patrimônio - do que eram como associações no seu início. Talvez até caiba nos clubes a analogia ao Ministério Público velando pela sua administração como faz para as fundações, que são patrimônios afetados, porque os grandes clubes brasileiros hoje não são de seus membros, eles são grandes patrimônios, grandes marcas, afetados e administrados até com a participação de gente que não é membro do clube, que contribui para aquele orçamento.
A reflexão que eu queria propor é justamente esta: ao olhar para essa confusão legislativa, não cair na armadilha de tomar a parte pelo todo. Estamos tratando de uma parte e, às vezes, esquecendo o todo. Em vez de falar como a lei deve dizer que a competição deve ser organizada, é pensar a extensão da autonomia para como as organizações que organizam e participam das competições devem se organizar. Disso a lei fala pouco.
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O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Pedro, acho que você tem razão, e a sua preocupação é também a minha, tanto é que a minha primeira proposta aqui, concreta e objetiva, que, aliás, ontem a enviei para o e-mail dos senhores é exatamente fazer a principiologia, para se demonstrar o sentido e o alcance. Eu sempre disse que há muita gente confundindo autonomia com independência. Autonomia é a face interna da entidade; independência é a face externa. O que vem de externo e afeta a matéria interna corporis isso é afrontar a autonomia, pelo menos na minha concepção.
Além deste art. 10, sobre o qual já se debruçou muito, eu queria lembrar um tema importante, que é o art. 13-A, inciso II, que trata das bebidas ou da proibição de bebidas. Tivemos uma Copa do Mundo, temos aqui dois autores de um livro sobre a Lei Geral da Copa, sabemos que houve bebidas na Copa do Mundo e não houve nenhum problema. Pode-se até dizer que foi porque o aparato de segurança era outro, mas eu costumo dizer - e concordo com todos aqueles que assim o fazem - que o problema da bebida, no estádio, não é a bebida, é o bêbado; e hoje já se chega ao estádio bêbado.
Se quisermos evitar o bêbado no estádio hoje, não se precisa proibir a bebida, precisa-se colocar um bafômetro nas catracas. Aí você vai inibir uma série de torcedores que tumultuam inclusive na hora da entrada, porque que ficam nos bares externos próximos aos estádios, na circunvizinhança, tomando sua bebida, de diferentes níveis alcoólicos, até o último momento. Antes de entrar, em vez de tomar uma, ele já toma duas ou três, porque sabe que são, pelo menos, 100 minutos, 105 minutos, sem possibilidade de beber nenhuma gota de álcool. Há um verdadeiro tumulto.
Por exemplo, na Fonte Nova, disseram-me que são 32 entradas. Por mais que se ampliassem esses números de entrada, não há como dar vazão ao ingresso, no início do jogo. Isso cria problema de violência, ânimos exaltados, o desejo de adentrar e não perder nenhum minuto da partida.
Então eu acho, e algumas leis estaduais já avançaram nisso, sei que existem manifestações e ações contrárias da Procuradoria da República contra a juridicidade e, sobretudo, quanto ao problema da iniciativa, o sentido e o alcance de bebida proibida, a remansosa jurisprudência - dizia-me o Dr. Carlos, que depois pode falar com mais propriedade do que eu sobre isso -, todo o acervo de decisões judiciais em derredor dessa matéria, mas a lei fala em bebida proibida. Eu não entendo, por exemplo, o porquê de a cerveja ser bebida proibida. Tanto não é que ela é tributada! Tanto não é que ela é tributada! Se ela fosse proibida... Pior do que um copo de plástico de cerveja é uma garrafinha com água mineral, porque é muito mais danosa, gera muito mais dano ao torcedor, é jogada dentro de campo, afeta o mando de campo do time, em relação ao próximo jogo, pode haver um torcedor contrário ao time que está jogando que vai para lá só para fazer aquele ato e prejudicar o time contrário. Enfim, vocês vejam que temos várias nuances.
Então, teríamos que, na verdade, permitir a bebida de modo disciplinado, limitado. Não se pode vender bebida para menores de 18 anos; só pode pegar um copo; o tamanho do copo é X. Porque se você pega uma latinha de cerveja, você traz umas 30 latinhas de cerveja, mas copo de plástico, não tem como você trazer 10, na sua mão. Só vender antes do jogo; não vender durante o jogo; no intervalo... Quer dizer, termos esses limites... E até bebidas com limite do teor alcoólico.
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Evidentemente, nós não podemos permitir que seja bebida de teor alcoólico altíssimo. Eu não sei se deveríamos entrar nessas minúcias, tal como o fazem, já que é lei geral - eu tenho que ser coerente com o que eu disse no começo -, mas eu acho que está na hora de delimitar porque isso tem retirado, seja das arenas, seja dos clubes, um recurso financeiro fundamental. Tem-se sempre trazido o exemplo da Inglaterra, para dizer que aí é que começou uma revolução com o tratamento do torcedor diferenciado, mas lá se bebe e é dessa forma que eu estou a sugerir agora.
O Dr. Carlos quer dizer alguma coisa sobre as ações? (Pausa.)
Outro ponto que eu acho fundamental: há um equívoco grande nesta lei, no seu art. 14 e seguintes, quando trata de responsabilidade. Acho que temos que definir aqui muito bem qual é a responsabilidade do Poder Público? Qual é a responsabilidade da entidade organizadora da competição como um todo? Qual é a responsabilidade da entidade regional onde a partida se realiza? Qual é a responsabilidade do clube mandante e do visitante?
Quer dizer, acabamos misturamos, numa corresponsabilidade ou numa solidariedade generalizada, e acaba nessa pulverização, caindo sempre na mão daqueles que dizem: "Não, vai para a entidade X, porque ela tem mais dinheiro, é ela que vai ressarcir".
Existem vários pontos, vários detalhes. Temos que definir qual a responsabilidade de cada grupo de entidade, seja pública, seja privada, que participa da competição. Evidentemente, deve-se assumir responsabilidades, mas que se delimite, se defina campos ou esferas de responsabilização na sua atuação.
Art. 16-2. Exigência de ambulância e exigência de dois enfermeiros padrão. Em alguns Estados do Brasil e em algumas cidades, onde eu costumo, na brincadeira, mas isso também é verdade, por exemplo, no interior da Paraíba, no dia em que há uma partida grande, se alguém se sentir mal à noite, na hora da partida, à tarde, por exemplo, no domingo, a melhor coisa não é ir para o hospital; a melhor coisa é ir para o estádio porque é lá onde estão as ambulâncias, os enfermeiros e os médicos da cidade. Quer dizer, a gente perde a noção... Mais uma vez: a gente só se lembra do futebol do Rio e São Paulo, de Minas e do Rio Grande do Sul e perde essa dimensão continental. A gente tem essa realidade. Há cidades que não têm dois enfermeiros padrão, para usar a expressão da lei. Então, tudo isso deve ser levado em consideração.
Art. 20. Teríamos que abrir a possibilidade de venda da totalidade dos ingressos, inclusive, se for o caso, pela internet e não exigir negócio de cinco pontos e que dá briga de torcedor. Para que isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Não tem. Mas também, do jeito que está, acaba ficando só aquela previsão e inibindo essa. Só pode nos pontos de venda e não pode por internet e só para a Primeira e Segunda Divisão.
O problema de arbitragem, que a própria Lei do Profut, a 13.155, fixou por sorteio ou audiência pública. E aí vem de novo a profissionalização do árbitro, que vai depender de um sorteio, depende da álea, depende da sorte. Como é que você vai implementar uma profissão regulamentada cuja atividade só possa ser exercitada a partir do fato de ele ter sorte? Se ele tiver azar, nunca vai poder exercer a profissão, teoricamente falando. Eu não sei se é caso e eu não sei por que o Estatuto do Torcedor entrou, nos arts. 34 e 36, com matéria exclusivamente da seara e da esfera da Justiça Desportiva, dizendo que as razões têm que ser fundamentadas. Quer dizer, está legislando até do ponto de vista do Direito Processual - parece-me -, quando exige esse tipo de coisa.
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No elenco de crimes, que eu acho sempre inibidor, parece-me que temos que nos lembrar da necessidade de prever algo muito usual e muito comum nas praças e nos espetáculos desportivos hoje, seja em relação ao árbitro, seja em relação ao companheiro de equipe, seja em relação ao adversário, seja ao torcedor, que é o problema do racismo, que não está previsto especificamente, mas, reiteradamente, temos visto fatos que albergam e abrangem essa tipologia criminal.
Já falei demais e acho que vocês têm muito mais a contribuir do que eu.
Essa era a minha contribuição em relação a esse tema.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Alexandre.
O SR. ALEXANDRE SIDNEI GUIMARÃES - Minha intervenção é simples e rápida.
Acho o Estatuto do Torcedor, desde que eu o conheço, ou seja, desde o seu começo, a lei menos geral com que já trabalhei, não só no esporte, mas também em qualquer outra área. Cada vez mais, essa lei adentra em meandros mais específicos, quase se comparando a uma portaria, a um decreto.
A intenção é voltar à ideia inicial, que eu acho que foi do Pedro. Essa lei inteira cabe num capítulo do anteprojeto que nós nos propusemos a fazer. Em princípios gerais, há coisas específicas que regerão a competição, a violência etc.
Mas aí vai a minha opinião e, sinceramente, toda vez que tenho que trabalhar com o Estatuto do Torcedor, preciso estudá-lo de novo - é uma coisa engraçada - e analisar o que acrescentaram na última semana - entre aspas - "de detalhe", para saber qual foi a próxima exigência. Por exemplo, os jogadores terão de estar de uniforme, tal, tal. Não sei. Isso é questão para um capítulo.
Nesse caso, temos que trabalhar a partir de um marco zero mesmo. Não vejo a Lei Pelé como uma mudança total, um marco zero, radical - é o que eu acho. O Estatuto do Torcedor é a lei menos geral com que já trabalhamos.
Eu fiquei escutando... Há pontos que eu vejo o Prof. Álvaro comentar. Observando até mais à frente, eu ficava pensando: será que ele vai abordar o assunto? E, logo depois, já falava do artigo. São coisas unânimes, eu acho. Quem trabalha com isso... Não vou nem falar da questão dos clubes, da CBF. Nós temos de ter um regulamento para tratar de competições em geral, e não só do futebol.
A violência acontece. Eu já estive acompanhando a Liga de Futsal e presenciei uma briga, no estádio do Senac, do time do Brasília entre as torcidas. É óbvio que a proporção ali - são 200, 300 torcedores - é muito menor, mas eu já acompanhei... Às vezes, os pais levam o filho pensando que é possível ir ao jogo por ser tranquilo. Mas, quando ocorre uma briga, é preciso pegar o filho e sair correndo. A regra não vale tanto para a mesma competição.
Então, precisamos... É a única intervenção... Eu sou tão contrário a essa lei que, se eu for me ater... Escuto praticamente artigo por artigo. É a minha sugestão: um capítulo, uma coisa geral, a gente ter um marco zero que defina regras gerais.
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O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Mais alguém?
Dr. Santoro; depois, o Dr. Carlos Eugênio.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Presidente, eu concordo com o Dr. Alexandre. Acho que a gente consegue condensar os deveres e os direitos do torcedor num capítulo que seja do nosso anteprojeto.
Entendo que o Estatuto do Torcedor, quando foi criado, trouxe inúmeros avanços, mas, como quis descer a minúcias do tipo entregar a súmula até as 13h do dia seguinte, acabou se perdendo. Então, eu acho importante que a gente tenha em mente os direitos e deveres dos torcedores - vamos dizer -, que a gente não retire os avanços que esse diploma legal representou no ordenamento jurídico brasileiro, mas que a gente corrija essas imperfeições que a lei tem. Não discordo de a partirmos de um marco zero. Acho que vai ser bastante importante.
Em relação ao conteúdo do Estatuto do Torcedor hoje vigente, acho que o Dr. Álvaro foi perfeito na sua análise bastante exaustiva. Essa questão dos ingressos é um tema, sim, para abordarmos ou, eventualmente, retirarmos. Por que cinco pontos? Por que a internet não pode ser considerada um ponto? Por que, para um show, eu posso vender todos os ingressos pela internet e, para um jogo de futebol, não? Essas coisas específicas... E, aí, doutor, eu pego um pouco o gancho dessa questão do racismo. A injúria racial é crime, seja cometida num estádio de futebol, na rua, ou aqui no Senado! Não é porque ela foi cometida dentro de um estádio que ela é mais crime ou menos crime! É injúria racial! De novo, se eu posso vender todos os ingressos para um show, por que não posso vendê-los para um jogo de futebol pela internet?
Eventualmente, a gente tem, sim, alguns crimes típicos da atividade esportiva que foram aqueles inseridos no art. 41-B, C, D, ou seja, o art. 41-B, que fala do tumulto, daquelas brigas entre torcidas é muito positivo. Só falta o Poder Público aplicar!
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Santoro, permita-me, só para complementar?
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Por favor.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Você tocou num ponto fundamental: o que existe para a generalidade é excepcionado no futebol. E, nesse ponto, eu trago outro exemplo: bebida pode ser vendida no sambódromo, mas não pode dentro dos estádios.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Também no show, no rodeio, no cinema.
O art. 41-B foi muito bem colocado ali. Se a gente até descer mais um pouquinho, ele tem medidas como, por exemplo, a obrigatoriedade daquele torcedor que foi punido se apresentar ao Poder Público, ou se apresentar numa delegacia de polícia, se apresentar num batalhão da Polícia Militar duas horas antes, e ficar até duas horas depois do jogo. A previsão já está expressa ali. Só falta a aplicação. Por quê? Porque, hoje, o que acontece? O torcedor pratica tumulto ali dentro do campo de futebol. O clube perde o mando. Um clube do Rio de Janeiro ou de São Paulo vem jogar aqui em Brasília. O mesmo torcedor que praticou a violência lá vai estar aqui e vai cometer violência de novo! Então, os torcedores violentos, aqueles que a lei chama de maus torcedores, esses, sim, têm que ser afastados dos estádios, e não todo mundo pagar pela atitude de um ou outro.
Acho que teremos trabalho também em relação ao Estatuto do Torcedor, mas eu me alinho aos comentários do Dr. Álvaro, do Dr. Alexandre, e acho que a gente pode enxugar bastante e focar bem nos deveres e direitos naquilo que toca a uma lei geral.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Carlos Eugênio; depois, o Dr. Pedro.
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES - Eu concordo plenamente com as ponderações feitas pelo Prof. Álvaro e com o que disse também o Dr. Alexandre.
Acho que o Estatuto de Defesa do Torcedor corresponde a um grande avanço para os espetáculos esportivos. É um progresso realmente, mas de normas gerais não tem nada. São normas específicas que fogem à competência da União.
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Eu fiz aqui umas anotações - acordei muito cedo -, e os principais pontos que eu anotei o Dr. Álvaro Melo já conseguiu esclarecer. O primeiro seria a flexibilização do art. 9º, §5º, no tocante à possibilidade de alterar os regulamentos das competições. No meu pensar, deve ser admitida expressamente essa modificação dos regulamentos anualmente, desde que respeitados os prazos dos §§1º e 3º do art. 9º, que estabelece o prazo de 60 e de 45 dias para a aprovação dos regulamentos.
O que não podemos permitir, em hipótese alguma, seria as viradas de mesa, como mencionou o Dr. Álvaro, e também a alteração do regulamento durante a competição, a disputa das competições.
Outro ponto que merece ser esclarecido e abordado pela Comissão, deve ser objeto de preocupação, diz respeito à comercialização e ao consumo de bebidas alcoólicas, como já foi referido pelo Dr. Álvaro, porque hoje a jurisprudência dominante de nossos tribunais é no sentido de proibir a comercialização e o consumo das bebidas alcoólicas, com base justamente no art. 13-A, item II, do Estatuto de Defesa do Torcedor, que proíbe bebidas. E é tranquila a jurisprudência nesse sentido. Então, seria absolutamente necessário prever, estabelecer a permissão de venda e consumo de bebidas.
Também não vejo razão alguma para o Estatuto determinar que seja dada publicidade às súmulas até as 13h do dia subsequente útil à realização da partida, como já foi mencionado.
Quanto ao art. 42, também não encontro fundamento para que o Estatuto só se aplique às competições de caráter profissional. No meu entender, a qualquer competição em que ocorra a venda de ingressos deve aplicar-se o Estatuto do Torcedor.
O art. 39 do Estatuto, no meu pensar, merece ser revisto quanto à obrigação de afixar nos estádios o regulamento e a tabela das competições, o borderô das partidas, a escalação dos árbitros e a relação dos torcedores impedidos de comparecer aos eventos esportivos. Trata-se, no meu entender, de medida absolutamente inútil.
No início da partida, está lá tudo isso afixado no ingresso ao estádio. Os próprios torcedores arrancam, e o Procon vai lá, comparece, autua o clube ou a entidade organizadora, como sempre recaindo na CBF, que é obrigada a pagar multas - e em geral não paga, porque a CBF recorre ao Poder Judiciário para anular essas autuações. Mas é uma providência prevista que não tem utilidade alguma. Ninguém vai ver escalação de time, árbitro, ler regulamento na entrada do estádio.
Outro ponto é o art. 19 do Estatuto, que trata da teoria objetiva da responsabilização civil, ou seja, da obrigação de indenizar, independentemente de culpa. O art. 19 responsabiliza, solidária e objetivamente, o clube detentor do mando de jogo e a entidade responsável pela organização da competição pelos danos causados aos torcedores ocorridos nos estádios decorrentes de falhas de segurança.
Para fins de responsabilização, objetiva e solidária pela reparação de danos causados aos torcedores, como previsto no art. 19, torna-se essencial que a lei defina quem é a entidade organizadora da competição. Evidentemente, para os fins desse art. 19, a responsabilidade recairia no clube mandante e na entidade do local da realização da disputa do evento esportivo. Porque não é a entidade organizadora da competição como um todo, a que aprova as normas técnicas, que estaria estabelecida em Brasília, que seria a responsável pela falta do cumprimento de qualquer obrigação de um evento realizado no Acre. Ali, a responsabilidade teria que ser do clube e também da entidade de organização regional.
Então, são esses os principais pontos que me ocorreu trazer para debate.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Eu gostaria de fazer um breve comentário sobre o Procon.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Sim. Depois falará o Dr. Pedro.
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O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - É super rápido, é uma curiosidade. O Carlos se lembrou do Procon, e quero dividir com vocês duas autuações que o Corinthians recebeu do Procon. Uma delas por não abrir cinco postos de venda dos ingressos da primeira partida da final da Libertadores, partida que foi disputada na Argentina. A partida foi disputada na Argentina, e o Corinthians foi autuado porque não tinha cinco lugares aqui no Brasil para vender ingresso para o jogo que ia ser disputado na Argentina.
Segunda autuação: uma partida em que havia quatro postos de venda em São Paulo, um em Guarulhos e um Diadema. Foi autuado, porque não havia cinco no Município de São Paulo.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Pedro. Em seguida, se ninguém mais tiver nenhuma consideração a fazer sobre o tema, o Dr. Pedro pediu para fazer algumas considerações, embora fora da pauta, sobre princípios. Não é isso?
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Sobre documento encaminhado que, na verdade, diz respeito ao que estamos discutindo.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Os princípios dizem respeito a tudo.
Com a palavra, o Dr. Pedro.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - E, ao final, logicamente, nosso Relator.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Há, evidentemente, um consenso entre nós de que o Estatuto do Torcedor diz respeito a normas específicas que, talvez, não seja o caso de estarem na lei.
Acho que o primeiro consenso nosso em relação a isso é que, em um anteprojeto de lei geral do esporte, é fundamental que haja, sim, a disciplina geral das competições esportivas que acontecem no País, mas não necessariamente no grau de detalhamento que o Estatuto do Torcedor traz, ainda que traga esse grau de detalhamento em razão da negligência das organizações esportivas que não conseguiram alcançar sozinhas esse nível de organização que ele preconiza. Contudo, hoje, ela já tem esse grau de organização até por força da lei. Será que é o caso de deixá-las andar por si para ver se continuam mantendo esse nível de organização atingida pela lei? É algo que esta Comissão precisa se debruçar e discutir.
Em relação às bebidas, vou encaminhar agora, por e-mail, para a Comissão, um estudo feito lá na Fundação Getúlio Vargas que mostra que não há nenhuma relação entre cerveja e violência nos estádios. Pelo contrário. O estudo disponível mostra que, no Mineirão, por exemplo, houve um aumento na incidência de delitos relacionados à alteração comportamental - que são os delitos relacionados à bebida alcoólica - depois da restrição. E por quê? Um estudo feito na Inglaterra deixa claro o porquê.
A Inglaterra, durante dez anos, estudou os efeitos das restrições ao consumo de bebida nos estádios e chegou à seguinte conclusão: os efeitos colaterais da restrição ao consumo de bebida nos estádios são nocivos à segurança pública, porque as pessoas bebem em locais diversos, em maior quantidade, deixando para entrar nos estádios em cima da hora do jogo, aumentando a incidência de tumultos e colocando em risco a segurança dos torcedores. Esse é um estudo feito na Inglaterra, que, com todos os problemas de "hooliganismo" e também de consumo excessivo de álcool, chegou a essa conclusão.
Vou encaminhar para a Comissão também uma pesquisa feita lá pela Fundação Getúlio Vargas que mostra que apenas 5% das pessoas que frequentam estádios no Brasil são favoráveis à restrição. O que significa dizer que aqueles que conhecem realmente o futebol, por frequentarem os estádios, não são favoráveis a essa restrição na sua ampla maioria. Acredito que esses documentos possam servir à Comissão na análise desse tema com mais profundidade.
Em relação aos princípios. Senti falta, Professor, da dimensão mais ampla do esporte para a sociedade. Primeiro, há 10, 15 anos, não mais do que isso, o esporte vem ganhando reconhecimento, principalmente das Nações Unidas, como um instrumento poderoso na promoção do desenvolvimento integral da pessoa humana, desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, promoção da paz. Nesse sentido, acho que já que estamos falando de princípios na legislação, poderíamos começar com princípios mais amplos do que simplesmente com princípios do esporte para o esporte, falando exatamente dessa dimensão do esporte como ferramenta para o desenvolvimento integral da pessoa humana, que é como ele deve ser tratado em todas as suas dimensões.
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Nas relações internacionais, o esporte tem um papel importante entre os países, e o Brasil precisa aproveitar muito melhor o papel do esporte nas suas relações internacionais. A Copa do Mundo de 2014, pela ação do Ministério das Relações Exteriores, que criou uma coordenação de esporte justamente para tratar dessas questões todas, foi a Copa que atraiu o maior número de chefes de Estado da historia, permitindo ao Brasil que discutisse com chefes de Estado questões de interesse do País num ambiente favorável às nossas questões, que era justamente o momento em que nós os recebíamos aqui como convidados na Copa do Mundo. O futebol, principalmente, tem sido utilizado como moeda nas relações internacionais do Brasil com vários outros países.
Então, é um princípio também o reconhecimento do esporte como instrumento de instrumento de promoção da paz, instrumento de promoção das relações internacionais entre os países. Acho até - aproveito para fazer aqui uma outra sugestão - que nós deveríamos convidar a Embaixadora Vera Cintia Alvarez, que é a responsável pelo esporte no Itamaraty, porque essa lei geral para o esporte brasileiro pode servir, de alguma forma, para reforçar a posição do Brasil no plano internacional. Então, se nós pudermos ouvi-la, talvez tenhamos contribuições significativas para as nossas reflexões nessa legislação.
Então, a primeira consideração que eu gostaria de fazer sobre os princípios é que nós poderíamos começar com essa visão mais ampla do esporte como ferramenta para o desenvolvimento integral da pessoa humana, como instrumento para o desenvolvimento econômico e social e como elemento de promoção da paz e das relações internacionais entre os países.
Aliás, falando em paz, é tradição que, durante os Jogos Olímpicos, a ONU aprove uma resolução de trégua olímpica entre os países em conflito. Não sei se essa resolução abraçará a Estado Islâmico neste momento, em que nós vivemos um momento de turbulência nas relações internacionais, mas é um exemplo de que o esporte tem esse reconhecimento e é um princípio que talvez nós possamos consagrar nessas reflexões.
Bom, em relação aos princípios colocados no texto que foi encaminhado para a comissão, eu tenho algumas considerações. A primeira delas: quando nós falamos de democratização - democratização lá nos princípios, Professor -, nós falamos muito da democratização do acesso, da prática, para que todo mundo tenha condições de praticar esporte, pelo menos foi assim que eu entendi na leitura do texto encaminhado. Eu queria propor que, ao falar de democratização, nós também falemos da democratização das organizações desportivas, da participação efetiva de atletas, de clubes, de todo mundo que participa das competições nas decisões daquelas entidades. Na minha opinião, esse é o ponto central que nós devemos discutir, porque, a partir dele, nós realmente teremos condições de defender a autonomia, para que essas entidades tenham condições de conduzir as suas atividades, porque elas conduzirão as suas atividades com aqueles que realmente fazem parte das suas atividades, e não com esse monstrengo institucional que nós temos hoje imposto pela ditadura do Estado Novo, de que, até hoje, não conseguimos nos libertar.
Então, a parte de democratização acho importante incluir no texto, porque ela se refere também à participação efetiva, real e concreta de todos os integrantes da comunidade esportiva nas decisões das suas entidades: clubes, federações e confederações. Democratização não é só permitir que todo mundo pratique esporte, mas exatamente permitir que todo mundo participe das decisões das entidades que organizam o esporte. Então, eu acho que a democratização ali, naquele espaço, tem que ser mais ampla do que está simplesmente escrito ali e também na parte que fala de participação, porque é a participação de todos, inclusive dos torcedores. Repare: os clubes administram hoje orçamentos que vêm da sua torcida, e não do seu quadro social, que frequenta a piscina, joga tênis e pratica esporte naquele espaço físico. Então, se vêm dos torcedores, eles têm que participar.
Então, na hora em que nós falamos da participação naqueles princípios, acho importante também que se reflita essa realidade da nossa sociedade, em que as grandes instituições esportivas administram uma coletividade de interesses que não está representada na sua institucionalidade, que não participa das suas decisões, dos seus processos.
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Então, também acho que o princípio da participação deve alcançar todos aqueles que contribuem para que o esporte seja como ele é. E isso inclui também os torcedores.
Eram essas as considerações, porque, dentro desse escopo, eu acho que nós conseguiremos trabalhar uma legislação que realmente oxigene e modernize o esporte brasileiro, para que haja um choque de transparência, um choque de democracia e um choque de controle social, que é disso que o esporte brasileiro precisa. Claro, porque a responsabilidade vem do controle. Então, eu acho que na hora de tratar de princípios, a gente pode ter uma visão um pouco mais ampla, tratando dessa questão do esporte como ferramenta para o desenvolvimento integral da pessoa humana, o esporte como instrumento para o desenvolvimento humano e econômico, como elemento de promoção da paz nas relações internacionais entre os países e democratização, permitindo a participação efetiva, real e concreta daqueles que realmente fazem o esporte acontecer.
Não dá mais para imaginar, por exemplo, as confederações tendo os seus destinos decididos por federações que não participam de competição nenhuma que essas confederações organizam. A confederação organiza competições entre clubes. São os clubes, então, que devem decidir os seus destinos, porque contribuem diretamente com o seu orçamento, com a sua riqueza, com a materialidade das suas ações. E nisso eu incluo também os atletas. E em uma discussão mais ampla, acho até que árbitros, treinadores, executivos, todo mundo, patrocinadores, como participam nos Estados Unidos. Na federação de futebol dos Estados Unidos, o colégio eleitoral é composto por todos os segmentos que contribuem para aquela atividade. E acho que o Brasil precisa caminhar nessa direção, e tem que ser um princípio de democratização e participação, para que a gente consiga elaborar a legislação à luz dessa oxigenação que o esporte brasileiro precisa.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Tem a palavra o Dr. Álvaro.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Pedro, eu me sinto muito contemplado com as suas colocações, porque quando a gente propôs aqui elaborar princípios, parece-me que você disse que não seria necessário. Isso no começo. Mas parece-me que você se convenceu agora da essencialidade, da importância desses princípios. Acho que aquela proposta que está ali é uma proposta preliminar, inicial, não tem o objetivo de ser texto definitivo. Então, eu acho que é exatamente o meu objetivo, por isso que eu me sinto contemplado, foi estimular as sugestões e participação democrática de vocês nisso.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Alguém mais? Pedro; Dr. Roberto; Ana Paula; Alexandre; Dr. Marcos... (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Drª Ana Paula.
A SRª PRESIDENTE (Ana Paula Terra) - Pedro, só para contribuir com a sua explanação.
Na redação original do art. 2º, quando fala em democratização, fala justo do acesso às atividades esportivas. Entendo completamente e apoio essa sugestão de ampliar o contexto, mas não foi essa a intenção, imagino eu, Álvaro, do legislador quando descreveu democratização como garantia de condições de acesso às atividades desportivas. Imagino tenha sido algo no sentido de não criar distinção entre as pessoas ou a forma de discriminação. Acho que até usam essas... Ou formas de discriminação. A intenção era um pouquinho outra, mas bacana ampliar.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - É justamente essa minha proposta. Democracia não tem limite. Nós temos que radicalizar na democracia. É hora de dar um choque de democracia nessas entidades. Democracia significa a participação de quem tem que participar: clubes, atletas, assembleias geral de todas... Aliás, esse pode ser um princípio: só vota na assembleia geral de organização esportiva quem participa das suas competições. Esse é um princípio, inclusive, que se coaduna com essa sua colocação, Prof. Álvaro, da UEFA, no fair-play, que só se aplica a Champions League. Por que ele só se aplica a Champions League? Porque ele só se aplica às entidades que participam de suas competições.
Então, a participação nas competições deve ser a razão de ser da participação dessas organizações dentro dessa institucionalidade. Quem não participa de competições, não tem por que estar ali. Então esse pode ser o princípio da participação inclusive.
Eu acho que o importante é deixar claro que o momento é de choque de democracia mesmo, de transparência, de controle social, porque não dá mais para aceitar autonomia de uma instituição criada pela ditadura, que não permite a participação de ninguém, que é hermeticamente fechada, que não publica no seu site os seus estatutos, que são públicos, estão registrados no Registro Civil de Pessoa Jurídica. Mas por que não estão no site? Por que não estão à disposição de toda a sociedade? Por que a sociedade não pode conhecer como essas organizações funcionam?
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Olha, nós temos que acabar exatamente com esses resquícios da ditadura e, para isso, os princípios realmente podem ser muito úteis para iluminar todo o nosso trabalho. Democratização, com todo mundo participando; participação, só quem participa deve participar.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Wladimyr.
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - Colegas, eu, mais uma vez, considero riquíssimo o debate que estamos conseguindo travar, a exemplo do que ocorreu ontem, sem nenhum prejuízo também de estender isso para as nossas primeiras reuniões. Com o tempo, imagino que as pessoas estejam mais familiarizadas umas com as outras e, usando um termo mais popularesco, se soltando e conseguindo trazer contribuições efetivas e bastante inovadoras.
O que houve ontem, eu comentava com a Drª Ana Paula, com o Dr. Santoro no almoço - Dr. Roberto também estava na mesa -, foi um fato histórico de envergadura. Primeiro, porque já é um fato histórico podermos compor uma comissão como membros do Senado Federal. Sem nenhuma pretensão, sem nenhum tipo de cabotinismo - por favor, me corrijam se eu estiver desviando para o cabotinismo -, daqui 30, 40 anos, do mesmo modo hoje que eu, na minha pesquisa de tese de doutorado vou lá no João Lyra Filho, no Valed Perry, no Manoel Tubino, tenho certeza de que daqui 30, 40 anos esse fato estará sendo noticiado e estudado pelas gerações vindouras. Então, é um motivo de muito orgulho estar junto com vocês não só compondo esta Comissão, mas ouvindo o que vocês têm de contribuição, que me ensina muito. Tenho aprendido muito aqui nesses poucos dias que começamos a nos reunir na Comissão.
O Estatuto do Torcedor, eu já imaginava, falei isso para o Presidente aqui lateralmente no início da reunião, é tema de muita polêmica. Falei: talvez seja idealista da nossa parte querer participar, no período vespertino, da reunião da Câmara, do Fórum Legislativo do Esporte. As pessoas têm muito o que falar sobre isso, contribuir. Estatuto do Torcedor, ainda que eu concorde com o Dr. Alexandre que ele seja... Eu já estou interpretando o Alexandre. Aliás, quando a gente fala sobre o que outra pessoa falou a gente já está exercendo a hermenêutica, mas o que entendi do Dr. Alexandre sobre a crítica quanto à falta de generalidade do Estatuto do Torcedor é a razão de que as normas devam ser sempre gerais e abstratas. Ele perdeu essa generalidade, essa abstração. Talvez pudéssemos entrar em digressões até mesmo sobre o conteúdo constitucional do Estatuto do Torcedor, a iniciativa da União em matéria esportiva. Isso já foi questionado, como bem lembrado por outras pessoas, no STF.
O Estatuto do Torcedor é uma norma polímata; ele fala sobre diversas matérias. Infelizmente... Digo isso porque me considero muito envolvido com as questões do Estatuto do Torcedor, trabalhei no Governo Federal na defesa do Estatuto do Torcedor e de sua constitucionalidade junto ao STF, a Consultoria Jurídica do Ministério do Esporte se envolveu muito nesse tema até 2011, 2012. Envolvi-me também, como já disse aqui no início, na reforma do Estatuto do Torcedor, mas nunca deixei de ser crítico à sua feição.
O que me preocupa muito no Estatuto do Torcedor, e faço de novo o parêntesis, não retirando aqui nem um pouco a importância que ele tem quanto ao avanço e à organização do esporte no País, o que eu critico principalmente no Estatuto do Torcedor é a incompreensão - essa incompreensão não é... Infelizmente ela é datada lá do início do século XX; já tem mais de cem anos que essa incompreensão persiste -, uma certa imaturidade, desculpem a franqueza, da organização esportiva privada no nosso País, que sempre que se depara com um problema, busca a tutela estatal. Sempre tenta resolver os seus problemas de divisão, de cisão, seus problemas de falta de possibilidade de consenso para resoluções de problemas chamando o Estado para resolver, chamando a tutela estatal para resolver esses problemas. A história do Direito Desportivo no Brasil pode ser contada através desses episódios em que a própria organização privada do esporte chama o Estado para intervir.
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Não sei se vocês sabem a CBD, que é origem tanto do COB, ainda que houvesse um COB antes da CBD, né, Drª Ana Paula, mas tanto a CBD, que deu origem tanto ao COB como à CBF - a CBF sucede a CBD e o COB sucede a CBD. Lá em 1916, sabe como ela foi criada? Em uma reunião em que o Chanceler do Brasil, Lauro Müller, coordena a reunião. Quem coordena a reunião para criar a CBD, ainda que ela tenha sido toda firmada nos marcos do esporte... Se não houvesse alguém representando o Estado, é como se não houvesse a CBD.
Logo depois, a famosa segunda grande cisão do esporte é resolvida de forma brilhante. Aí também há os exemplos de resolução pelo próprio sistema privado. Quando a cisão do esporte já não tinha mais como se resolver, nos anos 30 - após a Revolução de 30, a cisão do esporte foi tão profunda, tão profunda, que a saída se deu não mais pelo Estado, ainda que fosse devido à Revolução de 30 - a resposta à cisão, ainda que os nossos intérpretes daquela época não contem essa história, quem a conta são os historiadores do esporte - foi resolvida através de uma concertação promovida por Vasco e América do Rio de Janeiro - porque a cisão se deu por conta do profissionalismo, falei sobre isso ontem. Então, Vasco e América se juntam, criam nova entidade estadual de futebol no Rio de Janeiro. Essa entidade de futebol se filia à entidade nacional, que era paralela à CBD, mas que reconhecia o profissionalismo, e obrigam que essa entidade nacional, chamada, se não me engano, de Federação Brasileira de Futebol, se filie à CBD. Com isso, a CBD reconheceu que quem dirigia o esporte nacional futebol era a FBF e que ela cuidava da representação externa do Brasil na área de futebol e dos demais esportes que ela representava. Ela era uma confederação eclética, representava modalidades.
Mas, enfim, chegou-se a esse consenso na época. Só que o Presidente da CBD, Luiz Aranha, era irmão de Oswaldo Aranha, um dos principais artífices do tenentismo no Brasil. Gaúcho que acompanhou Getúlio Vargas em todo processo de revolução. Isso já é pós-revolução de 30.
Ainda que houvesse um consenso - a CBD também entrou no consenso - o Estado Novo foi chamado a intervir. Interviu em dois momentos de forma bastante dura: em 1935, o Estado Novo passa para a censura teatral todo o registro de atletas profissionais do Brasil. A nossa censura teatral tinha como proibir, por exemplo, que um jogador fosse escalado. A censura teatral era vinculada ao Governo Federal, diretamente vinculada ao Governo Federal, era o princípio do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que, depois, no Estado Novo, a partir de 1937, passa ser a tônica do controle de opinião no nosso País. Em 1935, se a censura teatral não concordasse com a escalação de um jogador, ele não era escalado.
Em 1941, vocês sabem o que acontece. Ainda que lá, em 1937, se resolva interna corporis, na chamada lex sportiva, que era muito incipiente na época, mas já existia - havia uma FIFA encabeçando, um COI encabeçando o esporte em nível internacional - em 1941, o Estado Novo, baseado nas teses corporativistas de substituição do Parlamento por Conselhos Técnicos, cria o chamado Conselho Nacional de Desporto, que não era o CNB ainda; era uma comissão técnica formada por cinco pessoas, escolhidas, todas elas, pelo Presidente da República, que já dela participavam e que resulta em uma lei em que a lex sportiva, ao invés de ser encabeçada pela CBD e pelo Comitê Olímpico Internacional, passa a ser encabeçada por quem? Pelo Estado Brasileiro. A CBD se submete ao Conselho Nacional do Desporto. Aí, sim, o Conselho Nacional do Desporto é criado no Decreto-Lei nº 3.199, de 1941. Controle total, desde o registro até a participação de qualquer seleção no exterior. A CBD não tinha nem mesmo legitimidade para levar uma seleção para o exterior. Pior ainda, o corolário que veio disso depois, sob o comando de João Lyra Filho, nosso patrono, o brilhante João Lyra Filho. Foi irrepreensível quanto à contribuição que deu ao Direito Desportivo no nosso País. Mas os atos posteriores do Conselho Nacional do Desporto, vinculados ao que o Decreto 3.199 preconizada, eram assustadores. Por exemplo, previa poder de prisão administrativa ao chefe de delegação no exterior contra o atleta indisciplinado. O atleta indisciplinado poderia ser mantido preso pelo chefe de delegação nomeado pelo Estado Novo.
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Estou fazendo essa digressão histórica tão extensa para voltar ao Estatuto do Torcedor.
Um desafio que eu me imponho sempre é: aquilo que é do Estado que seja do Estado. Nem precisaria fazer o trocadilho aqui: "a de César o que é de César".
Mas o Estado, primeiro, tem uma responsabilidade enorme no campo esportivo, que é vinculada ao desporto educacional, à educação física, ao financiamento público do esporte, ao controle da dimensão econômica do esporte, mesmo que na seara privada. Como eu disse na primeira ou na segunda reunião, nós temos a dimensão econômica do esporte, que também compete ao Estado, de certa forma, regulamentar, acompanhar, superintender. Agora, quanto à organização interna das entidades, ao que me parece - e digo isso de forma bastante tranquila -, houve uma exacerbação no Estatuto do Torcedor, e que, lamento muito, foi robustecida com a Lei do Profut, de modo muito, muito parecido com o que aconteceu em 1941.
Não estou aqui dizendo que ninguém seja ditador. Em 1941, nós tínhamos uma ditadura. Não é isso! Mas é no sentido de que, por imaturidade dos setores, principalmente quanto à falta de organização dos atletas - e me desculpem, mais uma vez, a franqueza -, o Estado é chamado a intervir, através da Lei do Profut, para tutelar o movimento de atletas no nosso País. O Estado está tutelando!
O Estado foi chamado a isso por jornalistas, o Estado foi chamado a isso por organizadores de competições, falando mais resumidamente, por presidentes de clubes, presidentes de entidades - e não vou nominar, mas nós sabemos disso -, de modo a intervir a favor de atletas que preferem não se organizar, que preferem ser tutelados pelo Estado ao invés de gozarem da sua autonomia. A autonomia não é só das entidades; a autonomia constitucional também é dos atletas. Não existe autonomia das entidades se o atleta não for autônomo.
Então, o movimento social Atletas do Brasil, hoje, é substituído pelo Estado. É isso que aconteceu com o Estatuto do Torcedor.
Desculpem-me; sei que estou fazendo quase que uma palestra, mas, ao mesmo tempo, é quase que um desabafo - eu que tenho essa missão da relatoria -, para dizer, para explicitar a minha posição, que é muito parecida com a que o Alexandre colocou aqui, ou seja, de que nós tenhamos, sim, a dimensão de que se trata de algo de alto risco, porque aqui nós estamos falando de segurança.
E, no meu entendimento, o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, não julgou matéria de Direito Desportivo, julgou matéria de Direito do Consumidor. Então, não há precedente do STF sobre autonomia desportiva, até porque autonomia desportiva, ainda que seja um princípio nunca absoluto... Absoluto é o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse é um princípio absoluto! Claro que ele vai ter sempre de ser pareado com outro princípio, mas não para vencer outro princípio. Não concordo com a alexia, ainda que eu faça aqui uma leitura tacanha de alexia - desculpem-me -, mas que há uma ponderação de princípios, não.
Um princípio sempre vai ter que ser aplicado, densificado, na prática, em comparação com outro princípio. Aquele outro princípio não será derrotado! Ele sempre vai servir como um anteparo: "Olha, eu aplico o princípio da especificidade desportiva..." Aquele exemplo da atleta indiana, Drª Ana Paula, é um absurdo aquilo que está acontecendo! É como se fosse um doping de nascença. Essa atleta indiana, uma corredora, do atletismo, portanto - desculpem-me, mas não lembro o seu nome, mas foi matéria de uma reportagem longa no Esporte Espetacular -, nasceu com um tipo de propensão a ter um físico mais apto à corrida. Estão dizendo que ela é comparada a um homem, fazem disso uma leitura como se fosse um doping e dizem que não haveria, portanto, paridade de armas. E os órgão internos da Federação Internacional de Atletismo estão proibindo essa atleta de disputar competições internacionais.
Então, aqui não há a supremacia do princípio da especificidade esportiva, nesse caso, da igualdade desportiva, da paridade de armas, mas há o princípio da dignidade da pessoa humana. Ela não pode ser proibida de competir! Assim como eu acho um absurdo, também, proibir uma pessoa que seja viciada em uma droga que não traga nenhum benefício quanto à disparidade de armas, ou ainda, que afete o princípio da paridade de armas, e, assim, afastá-lo do esporte. São problemas, portanto, de aplicação prática dos princípios.
Então, voltando ao STF, nós não podemos correr o risco, no meu entendimento, daquilo que o Estado Novo fez com relação à liberdade de imprensa. Sabem como era exercida a liberdade de imprensa no Estado Novo? E era constitucionalizada, inclusive, a liberdade de imprensa. Dizia assim; "Tudo bem! O órgão de imprensa pode ter liberdade de imprensa, mas ela é condicionada à averiguação do Departamento de Imprensa e Propaganda". Como é que isso se dava na prática? Através de censura tributária. Só tinha isenção de papel de imprensa... Nós sabemos que, até os anos 90, isenção de tributos sobre o papel de imprensa era essencial para o setor. Hoje, com a disseminação das notícias pela internet, isso está um pouco relativizado. Mas a liberdade de imprensa estava muito vinculada a poder comprar papel de imprensa, que era importado, vinha do exterior. Então, só tinha isenção do Imposto de Importação sobre o papel de imprensa o órgão de comunicação que tivesse o "liberado" do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo.
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Havia liberdade de imprensa, porém condicionada. A outra leitura, portanto, que eu faço é que o princípio de autonomia, ainda que não absoluto, é incondicionável. Aquilo que a Lei Pelé faz, em algumas passagens, ao dizer que o inciso I do art. 217 da Constituição - já falei isso com o Prof. Álvaro - só se aplica se as condicionantes que estiverem na Lei Pelé forem aplicadas, isso é altamente inconstitucional, no meu entendimento.
Você tem autonomia desde que concorde com isso?
Então, resumindo, o Estado tem muito poder de influência no esporte, obrigações e poder de influência, principalmente pelo financiamento. Mas, nem quando ele financia entidades privadas, ele pode sufocar uma entidade privada, ele pode condicionar seu exercício de autonomia.
Sabemos que isso, hoje, já é norma da comissão europeia, que o governo da União Europeia já tem isso como norma. As regras de autonomia são todas baseadas num livro do Prof. Chappelet, um professor suíço, um dos papas do Direito Olímpico. Eles copiaram o que o Chappelet escreveu em um dos seus livros.
Dentre as proibições e vedações de interferência do direito comunitário europeu, em seara de autonomia, há a seguinte descrição, resumidamente: não utilizar os mecanismos de financiamento público de modo a sufocar as entidades, de não lhes dar muita saída. A intervenção do Comitê Olímpico Internacional no Comitê Olímpico Nacional da Índia se deu neste sentido: passaram uma lei na Índia que obrigava tempo de permanência no Comitê Olímpico Nacional, estabelecia prazo de idade. O Comitê Olímpico Nacional da Índia ficou proibido de participar de algumas competições no mundo inteiro. Os atletas iam com a bandeira olímpica.
E por fim, o Prof. Álvaro está lembrando, já no campo do Direito Internacional, não no do Direito Transnacional... A gente tem que fazer essa separação também: existe um Direito Internacional, que é entre Estados; e existe um Direito Transnacional, que não é entre Estados. No Direito Internacional - ótima lembrança -, a Assembleia Geral das Nações Unidas, há um ano, está fazendo um ano agora, foi em novembro do ano passado, baixou uma resolução cobrando respeito ao princípio da autonomia desportiva por todos os Estados-membros. O Brasil, inclusive, participou da comissão, Prof. Álvaro. O Brasil foi um dos membros da comissão que sacou essa resolução.
Desculpe por ter falado demais, mas eram as linhas gerais mais teóricas que eu queria explicitar sobre o que, no meu entendimento, eu vou buscar construir, ouvindo sempre vocês, claro, sobre essas questões do Estatuto do Torcedor e outras normas que nos venham.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Pedro.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Essa explanação é fundamental, porque, se nós não compreendermos esse contexto histórico, não conseguiremos avançar na direção correta.
Quando escuto o Prof. Wladimyr falando tudo isso e deixando claro como o Estado autoritário moldou o atual sistema que temos hoje, eu me preocupo em não cair na mesma armadilha que o Constituinte, em 1988, caiu. Em 1988, o Constituinte deu autonomia a uma sistema criado pela ditadura. Isso foi uma armadilha, porque dizer que o atleta, que o clube, que o torcedor também têm a mesma autonomia que as instituições é ignorar que os regulamentos, os estatutos dessas organizações já estavam moldados, já estavam feitos. E já estavam feitos com regras autoritárias.
Então, foi um grande paradoxo dar autonomia a algo que já existia, criado pela ditadura com viés autoritário! Esta nossa Comissão, neste momento, tem um desafio: encontrar uma maneira de realmente dar autonomia, com as partes tendo condições de exercer essa autonomia. Isso porque, de fato, hoje, clube não tem condição de exercer autonomia, pelos estatutos das federações. Dizem muito que os clubes elegem as federações e que eles podem mudar na hora em que quiserem, que eles têm autonomia, mas não é verdade. Os clubes querem montar uma competição, e estamos vendo agora quantos entraves encontram para organizar a competição que eles querem organizar; já declararam que eles querem organizar e querem fazer. Por quê? Porque uma federação não permite, isso tem consequências, ele não pode disputar outras competições. O sistema é todo amarrado.
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Todos os clubes eram organizados da mesma forma, e alguns se organizam da mesma forma até hoje, com um conselho de 300 membros, 150 natos e 150 eleitos, que elegem o presidente do clube.
Então, é uma grande armadilha, um grande paradoxo e, de certa maneira, uma grande falácia defender a autonomia para um sistema criado com o viés autoritário da ditadura. Então, quando se pensa na extensão dessa autonomia, talvez, quando digo que precisamos pensar num marco zero, por que falo isso? Porque a armadilha em que se vem caindo ao longo do tempo em que se discute a legislação esportiva brasileira é justamente tentar remendar esse sistema - um remendo atrás do outro, um remendo atrás do outro.
E, aí, não conseguimos atacar o âmago, o cerne da questão, que é justamente a própria organização que foi criada pelo Estado. Então, uma organização criada pelo Estado agora vai ser transformada pela sociedade? Ora, não faz muito sentido, e já não deu certo. A sociedade não transformou.
Olha, a legislação prevê a possibilidade de liga há muito tempo. Há muito tempo, muitos falam de liga. Por que não se consegue criá-la? Não é por falta de vontade, não, mas porque o sistema foi amarrado para não mudar, como, inclusive, qualquer ditadura quer. Ditadura nenhuma quer transparência.
Como se explica hoje, na era da internet, confederações importantes não terem sequer o seu estatuto no site? A Confederação Brasileira de Futebol não tem o estatuto no site.
A Transparência Internacional, aquela ONG alemã que verifica os índices de transparências dos governos, acabou de publicar uma pesquisa sobre todas as associações da FIFA. Todas. Só 14 das 209 cumprem os requisitos mínimos de transparência! Só 14! São 12 europeias; uma norte-americana, que, por incrível que pareça é a canadense, e não a americana; e uma asiática, que é a japonesa.
Então, também a CBF não está sozinha nessa questão. É um problema que transcende o Brasil, mas que precisamos enfrentar.
Eu me associo, portanto, à explanação feita pelo Prof. Wladimyr, chamando a atenção para que a gente não caia na mesma armadilha em que todo mundo vem caindo ao discutir a legislação desportiva. Digo todo mundo, porque a ditadura também caiu. Em 1975, em plena ditadura militar, uma lei aprovada pelo Congresso, que ainda funcionava na época, determinava que haveria limitação dos mandatos, só poderia haver reeleição por uma vez...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - Três anos.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - É, três anos.
Ou seja, o governo ditador também tentou, de certa maneira, interferir nessa estrutura. O resultado foi horroroso e inclusive vai ser o mesmo que vamos ter agora: os pais sucediam os filhos, que sucediam os pais, e os amigos se revezavam, porque a estrutura de poder, a estrutura que confere o poder é a mesma. Enquanto não tratarmos do colégio eleitoral, da assembleia geral, da estrutura de poder, o mandato pode ser de um dia, porque o controle do colégio eleitoral é absoluto, e é absoluto em todas as organizações desportivas.
Também é assim no movimento olímpico. Por quê? Porque o sistema foi desenhado para isso. Ditadura não quer mudança, não quer transparência e não quer democracia. Então, se a gente quer dar autonomia, que seja uma autonomia para a democracia, para a participação e para a liberdade. Para isso, talvez precisemos pensar numa intervenção para garantir o marco zero. O marco zero. Então, que se organizem a partir daqui, mas não deixar essa falácia, essa mentira de que podem organizar-se como quiserem, partindo de uma organização que já foi criada, que já existe e que é toda amarrada. Esse é o nosso desafio.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Professor Álvaro.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Eu achei excelentes essas duas contribuições, do Dr. Wladimyr e do Dr. Pedro.
Isso me fez rememorar, Pedro, que, logo após, a gente conseguir, num trabalho e hercúleo e conjunto, elaborar o 217... Aí, lembro um ponto fundamental no dispositivo da autonomia. É que, diferente de outros dispositivos da Constituição, estão no art. 5º uma série de direitos e garantias que se remetem à lei, nos termos da lei. E, quando a gente colocou a autonomia, não tem vírgula, conforme a lei, não. Este é um ponto fundamental, do princípio da autonomia e de outros dispositivos constitucionais que remetem a matéria ao legislador infraconstitucional.
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Mas foi ótimo. Isso me trouxe uma lembrança de quando eu era membro do Conselho Nacional de Desporto, dono de todos os Poderes da República enfeixados em um só órgão. O CND tinha poder legislativo, e o Dr. Marcos Parente também era parte da estrutura do CND na época - isso é bom porque tenho uma testemunha vivente e ocular dessa história. Nós legislávamos, nós julgávamos os julgamentos. O que os tribunais superiores de Justiça, o que o Caio fizesse, naquela época, tudo era "submetido" - e vou colocar entre aspas - a um recurso extraordinário para o CND, que não julgaria novamente a matéria, mas julgaria se o julgamento do STJD tinha sido correto ou errado. Ainda tinha poderes administrativos, que foram muito bem elencados pelo Dr. Wladimyr. Por exemplo, uma equipe para sair do Brasil precisava de uma autorização do CND.
Exatamente logo depois da Constituição, fui o relator da Resolução nº 02, de 1989. Houve muita briga com os componentes do CND, porque quem tem o poder não quer abrir mão dele - essa é uma realidade histórica, política, e não vamos adentrar em detalhes. Propus, então, que, das 431 deliberações - nomenclatura utilizada pelo CND para fazer os seus normativos, posteriormente alterada para resoluções -, dos 431 normativos, de uma só tesourada, fazer a revogação do entulho autoritário de 400 desses normativos. Remanesceram só 31. Sabem por quê? Porque, por exemplo, estava previsto como seria quantificado o valor do passe do atleta e, se fosse revogado àquela altura esse normativo, todos os atletas ficariam livres com prejuízos incomensuráveis para o conjunto de direitos e patrimônio, na época, do clube com relação a esses atletas.
Então, esse descortino de depurar e de me abrir às novas realidades sociais eu tenho não de agora, mas há muito tempo, e provado com fatos concretos. Acho, por exemplo, nessa regulamentação normatizada do CND, que era uma verdadeira espada impositiva em toda matéria interna corporis da entidade, que aprovar estatutos - e você se lembra, você já falou sobre isso - e quantificar quantos membros havia em um conselho deliberativo...
O SR. MARCOS SANTOS PARENTE FILHO - Álvaro, algumas vezes, boas intervenções, não só autoritárias, como no caso dos colégios eleitorais, por exemplo. Tentou-se mexer muito com isso na ocasião. Cito também em relação à CBF, a questão da participação dos clubes no colégio eleitoral. Então, em alguns casos, bons entulhos.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - O objetivo maior... Por favor, Pedro.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Em cima da intervenção dos clubes, a participação dos clubes no colégio eleitoral na CBF é também capenga. Por quê? Porque a participação tem de ser na assembleia geral, modificando estatuto, aprovando orçamento, fiscalizando, com poder real e efetivo. A participação é de quatro em quatro anos, em uma eleição em que o candidato, para se credenciar, tem que ter cinco assinaturas de clubes, sete de federações, ou seja, nem eles podem lançar candidatos, se quiserem. Eles dependem das federações. É uma participação tutelada, limitada, aliás, uma participação com um total de 27 federações e 20 clubes. Ainda é uma participação limitada, e os clubes são a essência da entidade e não as federações, porque elas não são mais a essência da entidade.
O SR. MARCOS SANTOS PARENTE FILHO - Totalmente de acordo. É isso mesmo.
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O SR. ÁLVARO MELO FILHO - Você fala em essência da entidade. Os clubes estão representados porque eles são parte das federações. Na verdade, nos conselhos técnicos, por exemplo, quem decide a competição são os clubes. Eu sei que houve uma alteração no Estatuto da CBF em que ela não tem sequer poder de veto sobre qualquer das decisões em relação à competição que é onde, efetivamente, aqueles clubes participam.
Eu acho que isso é um debate importantíssimo, fundamental para seguirmos nessa linha.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Santoro.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Presidente, eu queria fazer uma comentário para reflexão dos colegas da Comissão que me ocorreu quando o Dr. Wladimyr falou sobre a censura tributária à imprensa.
As empresas de mídia competem no mercado jornalístico: elas competem por profissionais, elas competem por anunciantes. Agora, imaginem os senhores um dispositivo de lei que diga que, para cobrir a Primeira Divisão do futebol brasileiro, a empresa de mídia tem que apresentar CND. Se ela não apresentar CND, ela só pode cobrir a Segunda Divisão. Quantas empresas de mídia cobririam a Primeira Divisão do futebol brasileiro se elas tivessem que apresentar CND?
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Wladimyr - depois, o Dr. Pedro.
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - Eu não falei muito sobre o Profut, mas o que mais me preocupa no Profut é o descolamento entre o que havia na sua origem, que era o chamado Proforte, e o que se tornou o Profut, naturalmente, pelos debates parlamentares. Ainda bem que é assim, ao contrário do que houve no governo Vargas, na ditadura militar dos anos 60 a 80. No governo Vargas, toda essa criação foi por decreto-lei, sem a participação do Parlamento. O Parlamento, portanto, foi quem modificou aquilo que estava sendo gestado no âmbito do Estado - um grupo de Parlamentares - e que se transformou no Profut.
Grosso modo, colegas, o Proforte, que era um programa de trocas de dívidas tributárias de entidades esportivas por formação esportiva no seio dessas próprias entidades devedoras, era um tipo de perdão de dívidas. A dívida não seria paga em pecúnia; a dívida seria paga através de equipes, atletas formados na estrutura da própria entidade, entidade prática ou entidade de administração que se valesse também desse mecanismo. Repito: era um mecanismo muito parecido com o perdão, só que com uma contrapartida que era a formação.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Desculpe-me a interrupção, mas muito parecido com o perdão e muito do que aconteceu com as universidades, mediante bolsas.
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - Toda inspiração foi no Proies, que era o programa de perdão de dívidas nas entidades de ensino superior, nas faculdades privadas, em troca de bolsa do Prouni. Elas pagavam com o Prouni.
Muito naturalmente, surgia tanto no grupo parlamentar que fomentava esse debate em torno de um Proforte como também no Governo Federal a seguinte observação: "Em se tratando de um perdão, talvez não seja suficiente a formação de atletas. É necessário que haja mais contrapartidas, contrapartidas em razão de conformidade, de transparência". Esse grupo do qual eu fazia parte, que tinha membros do Governo e membros do Parlamento, trabalhou o Proforte assim, porque era um perdão de dívidas.
Aquilo que é próprio da democracia, que é a matéria vir para o Parlamento e o Parlamento fazer as suas modificações, resultou num programa de refinanciamento de dívidas - nada a ver com perdão.
A pergunta que não quer calar: que o setor da economia brasileira foi beneficiado por um programa de refinanciamento e a que foram impostas tantas condicionantes, tantas contrapartidas como aconteceu no Profut? Nenhum. O Refis III tinha como contrapartida: pague sua dívida. O Refis da Copa - e ele não é esportivo e só teve esse nome por causa da época - tinha como contrapartida...
O SR. ÁLVARO MELO FILHO (Fora do microfone.) - O Proer foram 113 bilhões...
O SR. WLADIMYR VINYCIUS DE MORAES CAMARGOS - Houve alguma contrapartida de modificação de estrutura do sistema bancário o Proer, que o Prof. Álvaro está lembrando? Nenhuma.
Eu só digo isso, porque essa atração que há hoje... Lembro que, ainda que o debate tem ocorrido na Câmara dos Deputados - o Profut foi muito construído na Câmara dos Deputados -, quem legislou foi o Governo Federal, através da Medida Provisória nº 671.
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É claro que, depois, um projeto de lei de conversão transformou isso tudo na Lei 13.155. Mas o que é mais importante sobre isso, então, é que, pela primeira vez, um refinanciamento de dívidas tributárias com a União é condicionado a contrapartidas relacionadas à gestão, à transparência. O Prof. Álvaro lembrou que, no Proer, que era o programa de refinanciamento de dívidas dos bancos, ou até de perdão de dívidas de bancos, não houve mudança na estrutura societária de bancos; não houve mudança nisso.
Alguém já viu um Refis ser vinculado a questões ambientais? Seria tão bom, não é? Então, a pergunta que não quer calar, a pergunta que não quer calar: por que com o esporte?
Os outros setores já atravessaram o deserto com o futebol. Os outros setores... Eu acho que o esporte, não é? Chama-se Profut, mas é para o esporte em geral.
Os outros setores todos já atravessaram um deserto, já fizeram a sua lição de casa e são puros e imaculados? E o futebol não? Com isso, não estou aqui dizendo que não haja grandes mazelas que precisem ser corrigidas, mas essa pergunta ninguém nunca conseguiu me responder.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Drª Ana Paula.
A SRª ANA PAULA TERRA - Apenas recordo que me causa muita estranheza, quando começamos um debate, falando de autonomia e, em seguida, propomos pendurar tantas exigências em legislações, quando o mercado se autogere. Entidades que não tenham transparência e uma estrutura mínima de governança organizada vão ficar em segundo plano. É a tendência natural do mercado.
Nenhum patrocinador vai querer seu nome atrelado a uma entidade que não tenha uma estrutura de governança organizada de forma simplesmente transparente, publicando na internet. O Pedro falou muito bem, dizendo que poucas entidades têm, sim, a sua publicação de forma simplesmente organizada, para que qualquer cidadão tenha acesso e verifique como é o estatuto da entidade - como alguém pode candidatar-se à eleição seguinte, que regras regem aquela assembleia, quando ela se organiza -para que se possa pela internet, de qualquer lugar do País, acompanhar o desdobramento do esporte no País.
A estrutura de governança mínima da entidade organizada de forma transparente é o mínimo de externalidade que qualquer patrocinador exige para apoiar um projeto. Nenhuma entidade de grande porte, principalmente aquelas que estão atreladas a grandes vultos de patrocínio, vai concordar em depositar sua marca e seus recursos em entidades que não tenham um código de ética, que não demonstrem para a sociedade como fazem o uso daquele patrocínio, como custeiam suas atividades de forma regular, em prol da manutenção da entidade. É simplesmente do mercado. Não vejo necessidade de que a lei traga exigências que o próprio mercado já faz.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Pedro.
Dr. Roberto, depois.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Parece-me que encontramos aqui o ponto central da nossa discussão, porque, se não trabalharmos essa estrutura interna realmente do esporte brasileiro, se não zerarmos a pedra, todo o resto pode ficar com perfumaria.
Quando falamos das dívidas, as dívidas não são uma causa; elas são um efeito. Um efeito do quê? Um efeito dessa organização que nós temos no Brasil, dessa estrutura que concentra riqueza nas entidades de administração, em detrimento das entidades de prática.
Nos últimos anos, aliás, é bom que se diga, de 1987 para cá, houve uma evolução muito grande na CBF. Em 1987, o presidente da CBF foi para o Jornal Nacional dizer que não tinha dinheiro para organizar o Campeonato Brasileiro. E aí nasce o Clube dos 13, organizando a Copa União, que até hoje é a competição que tem todos os recordes de público, renda, enfim, da história do futebol brasileiro, organizada pelos clubes.
Mas o fato é que a CBF disse que não tinha dinheiro. O Presidente Octávio Pinto Guimarães, salvo engano, foi para a televisão dizer isso. Muito bem.
De lá para cá, a CBF se consolidou do ponto de vista econômico. É hoje uma entidade saudável economicamente. O Campeonato Brasileiro, que, até 2002, nunca foi disputado dois anos seguidos com o mesmo formato, já tem dez anos numa forma de sucesso que tem quatro divisões - coisa que nunca houve no Brasil.
Cair, ser rebaixado no Brasil era uma catástrofe, porque não havia outros campeonatos. Hoje, não. Hoje, a Segunda Divisão é uma competição digna.
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O Botafogo acabou de ser campeão. O Corinthians, inclusive, foi campeão. Enfim, é uma competição que faz parte realmente do arranjo produtivo do esporte brasileiro. E não é nenhum demérito, aliás, quando o clube cai, nem economicamente, no primeiro ano, porque ele tem um seguro. Se ele cair, existe, durante um período, o mesmo valor pago, como se ele estivesse na Primeira Divisão, o que causa, inclusive, um desequilíbrio na Segunda Divisão, porque todos os clubes da Segunda Divisão ganhando pela Segunda Divisão e um ou dois ganhando como se estivessem jogando ainda na Primeira. Isso causa realmente um desequilíbrio naquela competição para esses clubes. Não por acaso, geralmente, o clube que cai acaba subindo, porque ele mantém o mesmo patamar de receita numa divisão que não tem o mesmo patamar de receita. O fato é que isso tudo é um efeito.
Essa concentração de riqueza vem de onde? Vem justamente dessa estrutura de poder. Ou tratamos da estrutura de poder... E não basta dizer que as federações representam os clubes, porque não representam. A Federação de Futebol do Rio de Janeiro não representa os principais clubes do Rio de Janeiro. O Flamengo, o Fluminense, inclusive, talvez, se pudessem, sairiam dela. Já declararam isso. Então, nós não temos, nessa estrutura, a representação. Aliás, não há por que imaginar que os clubes precisem ser representados lá.
Essa estrutura de concentração de riqueza também se reforça nessa globalização de mão única em que vivemos. Se nós viajarmos para qualquer país, seja da América do Sul, seja da Europa, nós achamos, com certa facilidade, a camisa da Seleção Brasileira, mas não encontramos a camisa de nenhum clube brasileiro. Por quê? Porque a estrutura das competições a que os clubes são submetidos, justamente porque não participam da decisão sobre elas em lugar nenhum... Aliás, nesse conselho técnico que existe hoje, nessa comissão de clubes, são dez clubes das quatro divisões; ou seja, dos cem clubes apenas dez participam. E, se seguirmos uma simples...
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES - Todas as competições da CBF têm o conselho técnico composto por todos os clubes que participam da competição.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Submetidos a um regulamento...
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES - Série A20, B20, C20 e D40.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Submetidos a um regulamento geral de competições feito pela própria CBF e que não foi feito pelos clubes. O conselho dos dez clubes criado agora são cinco da Primeira Divisão, salvo engano, e três da Segunda. Não é isso?
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES - Foi eleito pelos 20. Os clubes elegeram.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Não. Dos cem clubes, dez realmente participam de uma comissão. Nove. Nove clubes.
O fato é que vamos seguir o recurso. A CBF tem um orçamento que hoje é significativo. Para onde vai esse dinheiro? Todo mês, as federações recebem um valor para se manterem. Os clubes, não. Todo mês, os presidentes das federações, por serem amadores, por precisarem de alguma ajuda, também recebem um valor. Ora, os presidentes dos clubes também são amadores e não recebem valor nenhum. Então, há uma distinção que é justamente em razão do poder concentrado, de forma absurda, nessas federações em detrimento dos clubes.
Se nos anos 30, 40, 50, quando não havia sequer campeonato brasileiro, as federações tinham uma expressão muito grande, isso não é mais realidade hoje. E essa estrutura não muda por quê? Porque ela foi feita para não mudar. Então, quando falamos de autonomia, vamos falar de autonomia dando liberdade para a sociedade e para o mercado, como diz a Ana Paula, que se autorregula. Aliás, o mercado se regula dentro de condições preestabelecidas. Por isso, todo Estado possui instrumentos de intervenção no domínio econômico, órgãos de defesa da concorrência.
Nós precisamos pensar num marco zero, talvez, para que o esporte se organize da maneira como ele vai se desenvolver daqui para frente e não como ele se desenvolvia nos anos 20, 30, 40, 50, porque aquela realidade em que o Estado... Por que o Estado fazia essa diferença toda? Porque ele pagava a conta. E não era só no Brasil, não. O Estado, naquela época, pagava todas as contas, todas. Por quê? Porque não havia televisão, não havia patrocinador também não. Patrocínio, TV, internet, isso tudo é um fenômeno de 1970 para cá.
Essa estrutura de poder no esporte que nós temos é uma estrutura antiga, anterior a isso. Por isso, novamente eu faço o apelo para que tomemos o desafio de repensar essa estrutura como um todo, começando do início, da estrutura de poder que organiza o esporte no País, para, aí sim, defender autonomia, para, aí sim, defender todas essas questões que nós hoje defendemos, porque, se nós tratarmos do detalhe esquecendo o ponto central, eu acho que dificilmente vai funcionar.
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O SR. MARCOS SANTOS PARENTE FILHO - O Tubino, naquela ocasião, Pedro e Álvaro, já falava até em conceito de clube nacional, já provocando uma desvinculação total de entes federativos estaduais. Já falava muito nessa figura do clube nacional.
Há país da Europa que não tem essa regionalização, que trata os clubes como de caráter federativo, digamos assim. Isso já era muito falado muito na época pelo Prof. Tubino.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Santoro.
O SR. LUIZ FELIPE SANTORO - Presidente, o Prof. Wladimyr foi muito feliz quando mencionou que vários ramos de atividade já receberam refinanciamento sem contrapartidas. Mas, aqui, a situação é pior. A apresentação do CND não é contrapartida ao parcelamento. A apresentação do CND foi incluída no art. 10 do Estatuto do Torcedor, ou seja, ela obriga mesmo aqueles que não se beneficiarem do parcelamento. Estamos indo além. Não estamos falando de contrapartida aqui, estamos falando de uma imposição legal.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Achei os debates hoje muito ricos.
O Dr. Roberto estava inscrito. Desculpa.
O SR. ROBERTO DE ACIOLI ROMA - Eu entendo que é um absurdo, de fato, não existir a transparência. Eu acho que deveria ser cultural; todo cidadão deveria ser dela imbuído. Na Lei 8.666, existem aquelas exigências de certidões. Depois, foi dito que, mesmo que a empresa não participe daquela licitação, ela tem a iniciativa privada para comercializar suas coisas. Mas, mesmo assim, na iniciativa privada, existem os compliances das empresas. Eu tenho uma empresa que presta serviço para algumas grandes multinacionais. Se nós não apresentarmos algumas certidões exigidas por elas, o meu contrato é completamente encerrado. Configurando quebra contratual.
Então, acredito que essa transparência, como o Dr. Pedro, o Dr. Wladimyr e todos nós aqui falamos, tem realmente de partir de um marco zero. Eu acho que, como estão apresentados os clubes, como eles se movimentam, eles têm que se profissionalizar cada dia mais. Não é apenas uma associação; é uma empresa de fato. Eu enxergo como uma empresa: tem que ter modelo de gestão, tem que ter fases, tem que ter planejamento estratégico, balanço, conselho, tem que haver, de fato, pessoas que realmente participem. E é preciso partir da CBF, de fato, com a inserção ainda maior da participação dos clubes. Isso tem de ser mais democratizado, tem de se abrir mais, e não ser, como se utilizava antigamente o jargão, uma cartolagem no futebol; ser uma coisa restrita apenas para aqueles dirigentes que estavam ali.
Era só isso que eu queria falar.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Depois do Dr. Carlos, o Dr. Álvaro vai falar.
O SR. ÁLVARO MELO FILHO - O Dr. Roberto, quando fez a colocação, eu lembro só que havia a previsão, nessa norma do Profut, por uma emenda aqui, na Câmara, da Sociedade Anônima Desportiva, e foi vetada. A derrubada desse veto foi tentada na semana passada, mas, infelizmente, os ares de profissionalização que esse dispositivo assegurava foram para o lixo.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Carlos Eugênio.
O SR. CARLOS EUGÊNIO LOPES - Eu queria apenas esclarecer que o único campeonato, a única competição de âmbito nacional que não terminou até hoje foi justamente a Copa João Havelange, realizada em 1987, cujo desfecho até hoje é objeto de discussão no Poder Judiciário.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Dr. Roberto, para defender o esporte. (Risos.)
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O SR. ROBERTO DE ACIOLI ROMA - Ainda não chegou o momento, apesar de ter saído recentemente, agora, mais uma decisão do campeonato de 1987.
Mas é um absurdo, Professor, é um absurdo que as pessoas... Fico indignado como é que as pessoas não aceitam a melhora e tiram uma perspectiva dessa? É um absurdo!
Acho que estamos aqui - e Pedro tem muita razão quando fala em marco zero - e somos os únicos responsáveis de fato para que tudo isso realmente mude. E acho que temos de brigar ainda mais, Presidente. Você será uma voz desta Comissão, inclusive, a parte política dela, e estou aqui também para ajudar nisso, porque é um absurdo. Não existem nem palavras que beneficiem esse discurso. Mas como é que as pessoas não querem? É um casamento. Acho que a sociedade buscar, Prof. Wladimyr, sempre o Estado é um erro também. Acho que as convenções entre os clubes têm de ser privadas. Não seria tão necessário o Estado intervir para que as coisas de fato ocorressem.
Era só isso.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Agradeço as colocações do Dr. Roberto.
Acho que os debates, hoje, foram muito ricos, como ontem. Fico muito honrado e orgulhoso de participar desta Comissão. Acho que estamos nos encaminhando para um consenso, cada um com uma visão um pouco diferente - mais para um lado, mais para o outro -, mas foi bastante enriquecedor o debate. As opiniões do Pedro e do Dr. Wladimyr foram muito boas. Temos, como consenso, que as coisas precisam avançar, mudando-se certas situações que permanecem, hoje, no esporte.
Não havendo mais nenhuma contribuição a ser dada sobre esse tema - claro que há ainda muitos outros temas que vão gerar outros debates -, encaminho para o encerramento. Apenas para resolver as questões burocráticas, temos de aprovar a ata da primeira reunião.
Nos termos do art.111, solicito a dispensa da sua leitura. A ata está disponível na nossa página no site do Senado.
Quem concordar com a aprovação da ata permaneça como está. (Pausa.)
Não havendo nenhuma objeção, a ata fica aprovada.
A nossa próxima reunião será no dia 7 de dezembro, às 10h, e, na ocasião, falaremos sobre justiça desportiva, direito de arena.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - É no mesmo dia? Tentei entrar aqui, bom, mas isso está no nosso planejamento de trabalho; podemos discutir também por e-mail.
Achei interessante a sugestão do Prof. Álvaro, e podemos fazer isso também por e-mail. Não precisa ser agora, até porque o Dr. Flávio Zveiter, que está ausente hoje, pode interessar-se também por esse tema específico na próxima reunião. Sugeriu que dividíssemos, eventualmente, os temas tratados, para que uma pessoa pudesse fazer uma explanação. Quem tiver mais afinidade com o tema ficaria encarregado, com a responsabilidade de fazer, digamos, a exposição inicial do pensamento e a síntese do que é hoje. Dessa forma, dividiríamos um pouco o ponto de partida e não ficaríamos sempre na mesa com o Dr. Wladimyr e o Prof. Álvaro, compartilhando, assim, o protagonismo de cada reunião.
Acho que é uma sugestão interessante e, claro, dentro da medida da possibilidade de contribuição de cada um.
O SR. PEDRO TRENGROUSE - Consegui abrir. Justiça desportiva, direito de arena, direitos televisivos e apostas.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Isso.
Bom, então, são os temas da nossa próxima reunião, no dia 7 de dezembro.
Não havendo nada mais a tratar...
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O SR. PEDRO TRENGROUSE - A sugestão de trazer a Embaixadora Vera Cintia, para falar conosco sobre o papel do esporte nas relações internacionais do Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - Embaixadora Vera Cintia. Será formulado o requerimento.
Coloco para a aprovação da Comissão. (Pausa.)
Não havendo objeção, fica aprovado o requerimento formulado pelo Dr. Pedro Trengrouse, nosso formulador de requerimentos para convites de audiência. (Risos.)
Dessa forma, eu agradeço a todos, por mais uma reunião especial. Acho que, ontem e hoje, nós pudemos avançar bastante. As explanações foram bastante ricas.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião, convocando - como já disse - a próxima reunião para o dia 7 de dezembro, às 10h.
Muito obrigado a todos e bom dia. Não vamos acabar hoje, porque, à tarde, vamos ter uma outra. Alguns membros foram convidados para o fórum. Para quem quiser participar, acho que é aberto, facultado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Caio César Vieira Rocha) - É aberto. Eu não fui convidado, mas vou passar lá.
Muito obrigado a todos e bom dia.
(Iniciada às 9 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 06 minutos.)