16/02/2016 - 4ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Declaro aberta a 3ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 151, de 2015, da CDH, de minha autoria e do Senador Paim, para obter subsídios que orientem a atuação do Senado Federal a respeito da formação médica para o diagnóstico e o tratamento de doenças negligenciadas.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentário ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no link Senado.leg.br/e-Cidadania, e pelo Alô Senado, através do 0800-612211.
Eu queria agora chamar os convidados para comporem a Mesa.
Vou chamar a Drª Leontina da Conceição Margarido, Presidente do Departamento de Dermatologia da Associação Paulista de Medicina; o Dr. Henrique Batista e Silva, médico representante do Conselho Federal de Medicina; o Dr. Alexandre Medeiros de Figueiredo, Diretor de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde; o Dr. Sigisfredo Luís Brenelli, Diretor Presidente da Associação Médica (Abem); o Dr. Vinícius Ximenes, Diretor do Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação; e o representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Queria registrar também a presença da Dª Marli Araújo, representante do Grupo de Apoio às Mulheres Atingidas pela Hanseníase.
Tenho a satisfação de dar início a esta audiência pública decorrente do Requerimento nº 151, de minha autoria.
Ao reunirmos nesta ocasião as autoridades brasileiras das esferas políticas e técnico-científicas, temos o propósito de estabelecer um sério e decisivo debate acerca da forma de enfrentar de maneira assertiva e consequente as denominadas doenças negligenciadas. Devidamente reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), essas quase duas dezenas de moléstias, entre as quais a dengue, a hanseníase, a leishmaniose, a esquistossomose, a doença de Chagas, a malária e a tuberculose, impõem sofrimento a mais de um bilhão de pessoas, situadas em 149 países do mundo.
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As doenças negligenciadas alcançam especialmente as populações mais vulneráveis e pobres do Planeta, com o custo anual de vários bilhões de dólares. Como se sabe, a precariedade e a insuficiência do sistema de saneamento básico e a falta de controle dos decorrentes vetores que ocorrem nas regiões mais pobres são fatores determinantes para o avanço e a consolidação dessas doenças.
Por outro lado, essas moléstias acabam despertando pouco interesse na indústria farmacêutica global e nos grandes centros de pesquisa, fragilizando ainda mais essa parcela de homens, mulheres e crianças que representam perto de 15% da humanidade. Tem-se dessa forma um trágico e perverso ciclo vicioso que consagra uma assimetria triste, grosseira e insustentável no padrão de saúde básico dos nossos contemporâneos.
Não bastasse esse já consolidado e constrangedor quadro, que impõe dor e flagelo a um bilhão de seres humanos, as primeiras semanas de 2016 deixaram o mundo em sobressalto. Acelerada emergência do zika vírus em diversos países, sobretudo no Brasil, agrega novos e tétricos danos ao perverso universo das moléstias negligenciadas. Inclusive, quando solicitamos a realização desta audiência, nem imaginávamos o quanto atual ela seria na discussão desse tema.
Assim, esse novo desafio se impõe, especialmente a nós, brasileiros, que, na condição de observadores ou pacientes, acompanhamos a crescente e severa evolução dos males transmitidos pelo mosquito Aedes Aegypti. Em nosso principal e mais avançado centro metropolitano, a cidade de São Paulo, por exemplo, registram-se 39 novos casos de dengue a cada dia.
O Senado da República e esta comissão, em especial, solidarizam-se com os brasileiros e as autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, buscando contribuir no encaminhamento e aceleração de soluções para esta relevante e grave questão de saúde pública.
Nesta linha, haveremos de discutir aqui ao longo das próximas horas a formação médica para o diagnóstico e o tratamento de doenças negligenciadas. A intenção diante da sofrida realidade que ora prevalece é evitar ou reduzir no futuro o impacto de moléstias que hoje vêm vitimando centenas de brasileiros, em escala lamentavelmente ascendente.
Sob a liderança da Organização Mundial de Saúde e com a decisiva participação do Brasil e de diferentes de outras nações, observamos uma rápida e forte mobilização global no combate ao zika vírus. Que a reflexão e o debate que ora inauguramos nesta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa concorram para a minimização da dor e do sofrimento das populações vulneráveis.
Quero registrar aqui a presença do Senador Hélio José, da Senadora Ana Amélia, que está aqui desde o início. Acaba de chegar aqui também a Senadora Regina Sousa, começando aqui praticamente o nosso primeiro dia de trabalho.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Pela ordem, Presidente. Também penso que um dos convidados, o Dr. Vinícius Ximenes, que é Diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Saúde, o Sesu, do Ministério da Educação, também já chegou.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Ah, sim, por favor. Já o convidamos. Por favor, tomem seus assentos.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PMB - DF) - Senador Medeiros.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Sim, Senador Hélio José, com a palavra.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PMB - DF) - Senador, vou ter de dar uma chegada à gráfica do Senado, pois hoje é o Dia do Gráfico e haverá um evento que começará às 10 horas. Mas quero cumprimentá-lo pela importância deste evento. Acho que é um assunto muito importante para o País e V. Exª traz uma discussão que nos ajuda muito a nos posicionarmos nesta Casa.
Desejo que ocorra tudo bem no debate. Daqui a pouco, espero ainda participar de uma parte do debate. Estamos tendo um debate sobre o tema aeroespacial na Comissão de Ciência e Tecnologia também, da qual sou Vice-Presidente e o Senador Medeiros é membro. Mas prometo que retornarei aqui. Vou lá homenagear os nossos gráficos e, daqui a pouco, estarei aqui de volta.
Muito obrigado, Medeiros.
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O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Muito obrigado, Senador.
Os Senadores aqui presentes podem usar a palavra a qualquer momento. Se quiserem fazer uso da palavra primeiro, também têm essa liberdade; se não, eu quero passar a palavra para a Drª Leontina da Conceição Margarido.
A SRª LEONTINA DA CONCEIÇÃO MARGARIDO - Obrigada. Nobilíssimo Sr. Senador José Medeiros; nobilíssimos senhores, outros Senadores aqui presentes. Inicialmente, eu quero agradecer, imensamente, e, ao mesmo tempo, parabenizá-lo pelo corajoso enfrentamento de tema tão importante para o nosso País. Realmente é um privilégio tentar colaborar com V. Exª nessa fundamental missão.
Eu peço licença, se eu poderia levantar-me, para apresentar os eslaides. Obrigada.
Nós vamos tratar, então, dessas doenças, como o Exmo Sr. Senador já adiantou, as doenças negligenciadas. Mas eu quero intensificar os comentários para doenças milenarmente negligenciadas.
Neste eslaide nós podemos ver que mais de 100 milhões de pessoas convivem com as endemias clássicas, que hoje são denominadas doenças negligenciadas ou também doenças tropicais negligenciadas. Tem havido vários protocolos de cooperação técnica entre a Organização Mundial de Saúde e a Pan-Americana de Saúde, para controlar e eliminar essas moléstias no período. O último convênio firmado foi de 2015 a 2020.
É muito importante que o Brasil acentue o controle e a luta contra as doenças tropicais negligenciadas, porque elas são infecciosas, são infectocontagiosas, incapacitantes para a vida diária e para o trabalho. E também muitas, por serem milenares, carregam os estigmas psicoemocionais, e também fazem o doente evoluir para a morte. A Organização Mundial de Saúde, recentemente, incentivou os países com esses problemas a fazerem um aumento de investimentos de 0,1% da atual despesa nacional com saúde, para controlarmos esses pacientes.
As doenças negligenciadas, como já foram mencionadas, são as que estão no quadro: sífilis congênita, continua um grande problema no nosso País; tuberculose, moléstia de Hansen, malária e as outras já mencionadas.
Eu discordo um pouco, peço permissão, de que essas moléstias sejam apenas relacionadas com a pobreza. Esse conceito afasta tanto a população de doentes como também afasta a classe médica desses pacientes. São moléstias que atingem todas as camadas sociais, desde os nobres até os plebeus. A sífilis congênita, como nós vemos neste eslaide, tem sido muito bem tratada - houve um plano nacional de saúde para controlar essa moléstia, no período de 2012 a 2015, porque a curva epidemiológica dessa moléstia tem sido ascendente constante nos últimos anos, um grave problema.
Mas eu queria citar moléstias milenares. Hipócrates, 460 a 377 anos antes de Cristo, já convivia com tuberculose, com moléstia de Hansen - à época chamada de lepra, com a malária e outras. E ele sempre afirmava, precursor do pensamento científico médico, que nós deveríamos prevenir essas doenças, impedindo, portanto, as sequelas e os estigmas.
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Aqui está uma criança que estava com diagnóstico incorreto, mas tratava-se de uma tuberculose cutânea primária.
Queremos salientar, como conversávamos há pouco com a Exma. Senadora Ana Amélia, que nós temos um problema grave também dessa doença milenar. Em 2013, tivemos quase 74 mil doentes novos, tivemos uma taxa de óbitos de 2,3 por 100 mil habitantes. O Brasil está entre os países com maior endemia também de Tuberculose. Aqui há Tuberculose nos imunodeprimidos. Tanto por AIDS como em transplantados, o quadro torna-se muito mais exuberante e disseminado. Saliento que, em 2010, morreram sete vezes mais pessoas com Tuberculose do que por Dengue, e essas não tinham AIDS. Em relação à Tuberculose, já existem vários trabalhos para controlar esse processo também no nosso país, a exemplo da Frente Parlamentar de Luta Contra a Tuberculose, estabelecida na Câmara em 23 de março do ano passado.
Eu queria pedir permissão para me aprofundar na moléstia de Hansen, a antiga Lepra, citada no Egito Antigo há mais de três mil anos antes de Cristo. Nessa época, a moléstia deveria ser diagnostica pelos sacerdotes, que abençoavam esse doente, falavam que ele estava morto para a vida, no mundo, mas que viveria eternamente em Deus. Lepra é uma terminologia usada também nas bíblias hebraicas e em outras bíblias. Na bíblia hebraica significa desonra, vergonha, desgraça. Essa terminologia também afastou os doentes e a classe médica dos diagnósticos precoces e dos tratamentos. Hipócrates usou pela primeira vez na Medicina essa terminologia, porém ele não descreveu moléstia de Hansen, ele descreveu o Vitiligo. A Moléstia de Hansen foi nitidamente, completamente descrita com a sua característica principal, que é o envolvimento do sistema nervoso periférico, pelos indianos, que dividiam a Moléstia em dois grandes grupos: não contagiantes, mas com agressão neuromuscular muito importante e precoce, e o grupo contagiante, que compromete todos os órgãos e sistemas, exceto o sistema nervoso central. Na década de 80, a OMS adota classificação similar à dos indianos. A Europa recebeu esses doentes, principalmente através dos exércitos de Alexandre, O Grande. Na Europa, o problema da moléstia de Hansen, da antiga Lepra, constituiu-se numa endemia grave.
Peço licença também para fazer um paralelo entre o que ocorreu com o Rei Balduíno IV, de Jerusalém, na época o futuro rei, e a nossa época atual. Em 1.170, aos nove anos, o Rei Balduíno foi constatado como portador da doença. Diagnosticada de modo muito precoce pelo seu professor Guilherme de Tiro. Na fase bem inicial, quando a moléstia tem cura total, nos dias de hoje, não deixa nenhuma sequela. Aos treze anos, o Rei Balduíno é coroado rei, cognominado Rei Leproso, porque toda a Europa já sabia que ele era portador dessa inominável moléstia. Mas, nessa época inexistia tratamento. Então, ele teve diagnóstico precoce, não tinha tratamento, porque o primeiro tratamento eficaz apareceu em 1941, no sul dos Estados Unidos. Esse rei foi um grande herói das Cruzadas na Idade Média. Era chamado de O Porco porque tinha a moléstia de Hansen e também era cristão. Portanto, os muçulmanos o denominavam dessa forma. Voltaire dizia que de tudo que obtivemos e adquirimos nas Cruzadas, a lepra foi a única coisa que conservamos. Esse grande herói causava um grande estímulo para os seus exércitos. Já incapacitado, com pernas amputadas, com falta de um braço, ele era levado nas guerras numa liteira, onde causava um furor muito grande, apavorava os muçulmanos, que fugiam e perdiam a guerra. Portanto, ele foi um grande herói.
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Hoje, 2012, nós temos no mundo um mapa epidemiológico evidenciando Brasil e Índia com os maiores índices da moléstia. Em 2004, a Organização Mundial de Saúde demonstra que o Brasil ultrapassa a Índia, considerada berço da moléstia, em número de doentes registrados. Nas Américas, o Brasil tem o maior e muito importante número de doentes — 93% dos casos novos são brasileiros —, 92% do total de doentes nas Américas são brasileiros.
No Brasil, nós temos essas áreas de maior endemia, considerando ainda que a maioria dos nossos doentes é do grupo contagiante. Variando de região para região, nós temos um número de crianças doentes variável de 7,5 a 15%. O maior risco de contrair a moléstia é nestes Estados: Mato Grosso, Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Rondônia e Bahia. Na Amazônia Legal, estão concentrados quase 39% dos casos novos com a moléstia de Hansen, salientando que Mato Grosso ostenta os maiores índices, seguido por Tocantins, Rondônia, Maranhão e Pará. No sul do nosso País, há menor número de casos registrados. No Mato Grosso, 6,1% de doença em menores de 15 anos, e 7% dos doentes já foram diagnosticados com incapacidade grave, 35% da população vive em Municípios com prevalências superiores a cinco doentes por 100 mil habitantes. A taxa desejada é de menos de um doente para 10 mil habitantes.
Vários Estados do Brasil, inclusive Mato Grosso, tem travado uma guerra constante, há muitos anos, para controlar essa moléstia. Mato Grosso, por exemplo, implantou a poliquimioterapia há mais de dez anos, mas não houve diminuição dos índices da moléstia. Há reservatórios de doentes não detectados que mantém-se como fontes de infecção. Existem políticas de aumento de cobertura dos serviços, aumento de cobertura da poliquimioterapia, que têm sido insuficientes. Mato Grosso, por exemplo, teve aumento de 128% no número de unidades de saúde para notificar e tratar esse agravo. É uma área hiperendêmica. A detecção mantém-se inalterada ao longo de todo esse trabalho. O Brasil inteiro vem vivenciando situação similar.
A Organização Mundial de Saúde considera que a multidrogaterapia seria a chance de eliminar a moléstia, mas nós afirmamos, por um conhecimento de cerca de 40 anos de trabalho nessa área, que apenas a multidrogaterapia não diminuirá os nossos índices para menos de um doente para 10 mil habitantes. Há que se fazer diagnóstico precoce da moléstia de Hansen, mas, para isso, nós precisamos melhorar o ensino e o treinamento de todos os graduandos da área médica e de modo intensivo, para que controlemos endemias tão graves como essa.
A meta da Organização Mundial de Saúde, volto a dizer, é ter menos de um doente para cada dez mil habitantes. Essa meta, senhores, foi estabelecida em 1991, para que fosse atingida até 1995. Foi sendo prorrogada, pelo fato de não ter sido cumprida, a cada cinco anos, e, agora, está prorrogada para o período de 2015, para 2020.
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A maioria dos doentes brasileiros é contagiante. Os mapas epidemiológicos há muito se sabe que representam apenas a ponta de um verdadeiro iceberg. Considera-se que todo brasileiro seja um contato de doente de hanseníase. A estratégia global atual da OMS é reduzir a carga da doença, diagnóstico e tratamento precoces, reduzir as incapacidades através do diagnóstico precoce.
Da época de Balduíno IV, da Idade Média, para a nossa época, houve um avanço técnico-científico muito intenso, porém o nosso problema continua. Nós sabemos que o bacilo tem uma predileção pelo sistema nervoso periférico. Ao adentrar o organismo, ele invade o nervo. Então, é uma doença que interessa primeiramente ao neurologista, mas há de interessar a todo especialista da Medicina. Ele se multiplica no nervo, cai no sistema linfático, corrente sanguínea para, depois, acometer a pele. No grupo não contagiante, o comprometimento é neural e cutâneo. No grupo contagiante, a maioria dos brasileiros, todos os órgãos e sistemas são acometidos, exceto o sistema nervoso central. Sabemos como o bacilo entra no nervo, quais os mecanismos. Inicialmente, depois de quatro a cinco anos da infecção, em média, o doente apresentará área com formigamento, com dormência e leve hipocromia, a cor da pele um pouquinho mais clara. Isso tem passado despercebido e a chance do diagnóstico precoce é perdida.
Nós podemos fazer diagnóstico dessa moléstia em dois minutos, fazendo um teste que se chama histamina, fazendo uma pressão na pele para liberar histamina. Na área normal, aparece um vermelho grande e, na área comprometida pelo bacilo no nervo, não aparece o vermelho grande, o que chamamos de Tríplice Reação de Lewis. Dois minutos. Nós precisamos ensinar a classe médica, desde a graduação, que esse teste diferencia, inclusive, não só as manchas hipocrômicas de várias doenças, como alergias, mas também várias neuropatias periféricas. Se nós não diagnosticarmos nessa fase inicial, que tem passado despercebida, o nosso doente, depois de quatro, oito, dez anos, evoluirá ou para o grupo não contagiante, com acometimento intenso e precoce dos nervos, ou para o grupo contagiante, que acomete todos os órgãos e sistemas.
Está aqui. Doente que já tem a moléstia há uns oito, dez anos: nervo intensamente espessado com placas na pele, não contagiante. Nervo, na cirurgia, muito espessado, que pode ser observado na ultrassonografia. Mas, clinicamente, doentes com dez, quinze anos de doença já têm atrofias musculares nas mãos, atrofias também articulares e também amiotrofia de outros grupos musculares das extremidades.
Crianças com doenças não contagiantes, que ficam curadas, porém com sequelas para o resto da vida delas. Isso nós precisamos impedir. Ela não contagiou ninguém, mas ela ficou com sequela, com área dormente, para o resto da vida dela.
Doentes contagiantes. Tudo isso que se vê na pele se pode enxergar nas vísceras e em outros órgãos e sistemas. Todos eles carregados com grande quantidade de bacilos, que são eliminados predominantemente pelo nariz, pela boca, contagiando todas as pessoas com quem essa pessoa convive, comprometendo vasos, comprometendo olhos, nariz e boca. Há desabamento da pirâmide nasal muito tardiamente, é um doente contagiante, perda dos dentes e comprometimento da língua, da orofaringe toda, da faringe. Há um grande aglomerado de bacilos em todas essas áreas da faringe e da boca...
(Soa a campainha.)
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A SRª LEONTINA DA CONCEIÇÃO MARGARIDO - ...aumento do fígado, aumento do baço, comprometimento genital - também deve ser considerada uma doença sexualmente transmissível - e comprometimento ósseo e úlceras nas extremidades.
Vemos também doentes que têm processos reacionais não diagnosticados, com processos inflamatórios que são confundidos com outras inflamações que aumentam as sequelas, comprometendo, mais ainda, o nervo, a pele, coagulação intravascular disseminada, e o doente evoluindo para óbito, iridociclite, para cegueira, poliartrite, poliartralgia; confundidos com doenças reumatológicas, mas que podem ser diferenciadas com úlceras traumáticas, porque o exame de sangue também evidencia comprometimento favorável a erros diagnósticos. A clínica é soberana.
Comprometimento do fígado, do baço, dos linfonodos.
Então, é uma doença que interessa a qualquer especialidade, porque esses comprometimentos, inclusive do testículo, vão fazer com que o homem evolua para a esterilidade. A mulher grávida, sofrendo essas reações, pode evoluir com aborto, natimorto, recém-nascidos de baixo peso, além das lesões cutâneas que mantêm o estigma.
O rim desse doente também é acometido e ele evolui para insuficiência renal crônica.
Amputações por causa de tromboses arteriais, e o doente pode evoluir a óbito nessa fase.
Tudo isso tem tratamento. O doente fica curado, mas também com sequelas, porque uma das medicações pigmenta não só a pele, mas também as vísceras.
Nós temos feito, desde 1999, campanhas que começaram nas favelas de São Paulo, levando alunos e residentes preparados para diagnóstico precoce. Depois, essas campanhas foram estendidas para o Maranhão, para o Acre, para o Baixo Amazonas, também para diagnóstico precoce da moléstia. Observou-se nessas campanhas, aqui, uns dados de São Paulo, que havia uma média de 6,5% de doentes com moléstia de Hansen, talvez demonstrando endemia oculta.
Qual a vantagem da busca ativa desses doentes?
Nós fazemos mais de 80% dos diagnósticos de MH na fase bem precoce, inicial, não contagiante. Nesse caso, o paciente fica curado, sem sequela nenhuma, e interrompemos a cadeia epidemiológica e fazemos uma grande economia para o Estado, porque um doente inicial gasta US$10 por mês, durante seis meses, para ficar curado, enquanto que, com diagnóstico tardio, ele vai gastar US$20 por mês, durante um a dois anos, e muitas necessidades desse doente antigo não são atendidas. Por exemplo, o tratamento cirúrgico, fisiátrico e a recuperação de várias incapacidades. Além disso, o tratamento das sequelas emocionais e sociais não tem preço, é incalculável.
Outras doenças também são diagnosticadas nessas campanhas.
Qual o impacto que uma campanha dessas traz para o Hospital Universitário? No Hospital das Clínicas, esse levantamento de 2007 a 2009 evidenciou que o percentil de doentes matriculados notificados pelo Hospital das Clínicas, em relação ao Município, representava 43% dos doentes matriculados, e, em relação ao Estado, 5,8% dos doentes matriculados.
Então, senhores, houve um grande avanço técnico-científico do tratamento específico, mas nossa endemia continua grave, comparável à situação da Europa na Idade Média. Em 1174, o Rei diagnosticado com Hanseníase evoluída e, em 2012, nossas crianças, da mesma forma. Em 1174, o Rei Balduíno com grandes incapacidades.
Está aqui um doente do Acre também com amputações graves e também com problemas de cegueira.
O Instituto Presbiteriano Mackenzie, através do seu Presidente, assim como a Associação Paulista de Medicina, através do seu Presidente Florisval Meinão, e o Departamento Científico de Dermatologia e a Associação das Mulheres Médicas de São Paulo têm-se empenhado muito. Sugerimos que aumentemos o diagnóstico precoce, a detecção das reações e neurites, reabilitação das incapacidades.
Uma coisa que poderíamos fazer muito: aumentar o número de doses de BCG, porque, sabidamente, se eu aumento o número de doses de BCG, eu aumento a proteção imunológica da nossa população e eles vão desenvolver menos moléstia de Hansen. Mas uma coisa muito importante é o ensino precoce. Tudo isso, atividades baseadas nos princípios de igualdade e justiça social.
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A educação médica atual no Brasil está alinhada com organismos internacionais para melhorar a saúde da população. A população precisa de médicos bem qualificados, bem treinados e capacitados para diagnosticar e tratar precocemente. Esses médicos precisam ter aptidões, não importando se faz cirurgia, medicina da família e comunidade, pediatria, ginecologia ou clínica médica. Mas precisamos incluir nesses programas as doenças negligenciadas milenarmente. Precisamos treinar os outros especialistas que já estão trabalhando. E, insisto, precisamos aumentar os cursos teóricos e práticos obrigatórios exigidos pelo MEC e pelo Ministério da Saúde. Precisamos disponibilizar aqueles capilares com histamina para fazer diagnósticos altamente precoces. E acredito que o padrão ouro para o MEC seria capacitar os graduandos da área médica.
Ultimamente, a medicina tem sido muito judicializada. Há alguns anos, o Governo Federal foi obrigado a indenizar doentes com hanseníase internados compulsoriamente na época de 24 até 65. Essa perda da chance do diagnóstico e tratamento precoces tem feito com que órgãos públicos e também médicos sejam judicializados, sofram penalidades. Isso está no capítulo de um livro do Instituto Presbiteriano Mackenzie.
Então, senhores, insisto muito que precisamos diagnosticar na fase bem inicial para impedir o acometimento sistêmico. A saúde é um direito de todos e dever do Estado. O atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas é o ideal.
A Associação Paulista de Medicina, o Instituto Presbiteriano Mackenzie e eu agradecemos imensamente o privilégio de estar aqui e a atenção de todos os senhores. Muito obrigada pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Agradecemos as palavras da Drª Leontina e passamos imediatamente a palavra ao Dr. Alexandre Medeiros de Figueiredo. E vamos dar o mesmo tempo que demos à Drª Leontina, ou seja, 20 minutos mais cinco.
O SR. ALEXANDRE MEDEIROS DE FIGUEIREDO - Bom dia a todos e a todas.
Primeiramente, em nome do Senador José Medeiros, quero parabenizar e cumprimentar a todos os Senadores da Casa pelo compromisso com a saúde pública brasileira e por trazer um tema de tão grande relevância para a população para uma discussão importante conosco do Governo Federal, MEC, Ministério da Saúde e os representantes do CFM, da Associação Paulista, dos movimentos sociais e das pessoas que são acometidas por essas patologias. Considero isso bastante relevante.
Também quero cumprimentar a Drª Leontina, Presidente do Departamento de Dermatologia da Associação Paulista; o colega Henrique Batista da Silva, que representa aqui hoje o Conselho Federal de Medicina; o Brenelli, representando a ABEM, que é a Associação Brasileira de Educação Médica; e o companheiro Vinícius Ximenes, que também atua no Ministério da Educação e tem inúmeras parcerias conosco no Ministério da Saúde.
Vou fazer uma fala bastante breve, até para que possamos privilegiar o debate e aproveitar este momento tão especial.
Em primeiro lugar, queria colocar que, pensando nas características da sociedade brasileira e do sistema público de saúde brasileiro, esta é uma discussão de grande relevância, porque, além de discutirmos o acesso universal, o cuidado integral e também a questão da participação popular, temos como um dos princípios constitucionais do nosso sistema de saúde a discussão sobre equidade. E a questão das doenças negligenciadas, ela é extremamente relacionada com a necessidade de garantir equidade, saúde para todos e saúde como direito.
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Todos nós, cidadãos brasileiros, temos direito a ter acesso à saúde, e é disso especificamente que nós estamos falando aqui. Esse é um problema - as iniquidades em saúde - na verdade é um problema mundial, e é por isso que as doenças negligenciadas são reconhecidas internacionalmente assim, como doenças negligenciadas, e a negligência não se dá pelo número de pessoas que ela acomete. Pelo contrário, nós temos, como brilhantemente o Senador José Medeiros colocou, nós temos 1 bilhão de pessoas acometidas por doenças negligenciadas, um sétimo da população mundial, mas pouquíssima pesquisa, pouquíssimo avanço tecnológico nesta área. Nós ainda utilizamos, para tratar a doença de Chagas, medicações de 20, 50 anos atrás; hanseníase, todas essas medicações, as linhas de pesquisa mundialmente colocadas, e por isso o apelo da OMS, de investimento, elas são muito restritas, comparando com doenças que muitas vezes têm um número muito menor de acometidos, mas que acometem setores da sociedade que têm condições de consumir saúde. Como nós defendemos que saúde é um direito, nós não concordamos, e por isso achamos tão importante essa discussão.
Queria trazer, basicamente, na apresentação a lista de doenças negligenciadas, é uma apresentação bastante singela, e depois colocar algumas ações que nós, do Ministério da Saúde, estamos realizando na formação de profissionais de saúde que já estão inseridos no sistema de saúde, que são alguns números do que é que a gente já tem feito nos últimos quatro anos de formação em algumas das doenças referentes à formação de médicos e outros profissionais de saúde relacionados a essas doenças negligenciadas.
Pode passar o próximo, por favor?
Então, aqui, apenas a definição de doenças negligenciadas. Nós recorremos ali a uma publicação da Academia Brasileira de Ciências, porque as doenças negligenciadas podem ter mais de um conceito, e o foco maior são, em geral, doenças infectoparasitárias que acometem populações de baixa renda e que são endêmicas no mundo há milhares de anos. A grande verdade é que boa parte das doenças negligenciadas existem no mundo há bastante tempo e, apesar de todo avanço tecnológico, pouco temos feito para solucionar esse problema. Falo "nós temos feito pouco", mas não é uma questão necessariamente apenas do Brasil. É preciso uma articulação mundial para que a gente possa garantir pesquisa e avanço tecnológico nesta área, para que a gente, assim, possa ter o direito à saúde garantido não só no Brasil, mas em outros países do mundo.
Aqui são as doenças negligenciadas, essas com maior prevalência no Brasil. Então a gente tem a doença de Chagas, a leishmaníose, a malária, a filariose, as microbacterioses, as clamidioses, ictioses, a dengue, febre amarela, outras arboviroses, agora zika, raiva, hantavirose, hepatites virais, gastrenterites virais, as micoses profundas, que ainda acometem e são endêmicas em algumas regiões do País, e também envenenamento por animais peçonhentos, onde a gente tem muito pouca definição de novas formulações terapêuticas.
Aqui, trazendo sinteticamente, esse é o número que a gente conseguiu sistematizar de ontem para hoje, que são as ações que nós fizemos, esse é o número de matriculados em ações de educação à distância realizadas pelo Ministério da Saúde nos últimos quatro anos. Então, nós temos 63.564 pessoas que fizeram cursos autoinstrucionais ou especializações, enfim, alguma formação em conjunto com a UNA-SUS e universidades públicas brasileiras sobre esses temas: hanseníase, como já foi tão bem explorado o tema aqui pela Drª Leontina, mas também dengue, chikungunya, tuberculose, que é uma outra doença negligenciada.
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Coloco aqui, por fim, algumas perspectivas.
Nós, do Ministério da Saúde, estamos - e certamente isso tem sido uma discussão conjunta com o MEC - à disposição para estabelecer parcerias com as associações médicas, com as universidades, especialmente com o contingente das universidades federais brasileiras, que têm uma expertise muito grande, que têm grupos extremamente atuantes na área, para trabalhar na perspectiva de desenvolver módulos educacionais para fazer formação para os profissionais que já estão na rede.
Lembro que acho que é de suma importância nós termos clareza do grande desafio que está colocado. Não é um desafio apenas o diagnóstico e o tratamento médico. Precisamos qualificar as nossas ações de vigilância, de comunicação com a população. É extremamente importante que a população tenha clareza do que acontece, que ela também consiga compreender e ver que há possibilidade, efetivamente, de cura, e que essas doenças não devem gerar exclusão.
Tenho certeza de que várias das pessoas que são acometidos ou que foram acometidos por tuberculose e hanseníase sofrem, por exemplo, só pra citar algumas, discriminação nas suas comunidades. Por isso, há grande dificuldade, inclusive, de procurar serviços de saúde. Como médico, na atenção básica, várias vezes já presenciei essas situações. Houve, por exemplo, estigmatização, no País, ao longo do tempo, com a exclusão nos grandes sanatórios. Por isso, temos movimentos sociais importantes, como o Morhan, que defendem e lutam para que não sejam excluídos. A exclusão foi, muitas vezes, a forma de lidar com esse problema, mas é extremamente desumana, e não devemos compactuar com ela. De tal forma, há claramente - e a Drª Leontina já colocou - a necessidade de atuarmos, também, numa grande mobilização, junto aos movimentos sociais, juntos às comunidades, para entender o problema e para atuar em conjunto.
Um dos grandes problemas da nossa dificuldade de erradicar doenças como a hanseníase, por exemplo, é que o diagnóstico demora a ser dado - como já foi apresentado. Com isso, não fazemos o tratamento dos contactantes, que são as pessoas que têm o bacilo, que têm o Mycobacterium, desculpem, e não fazem tratamento. Ficam assintomáticos, mas estão contagiando, porque têm o Mycobacterium. De certa forma, como têm poucos sintomas, continuam passando a doença para outras pessoas. Se não fizermos o tratamento de todos, vamos, com certeza, ter dificuldade para reduzir a incidência e a prevalência de hanseníase no País. A tuberculose se dá da mesma forma. Então, precisamos atuar nessa linha com bastante clareza porque são doenças estigmatizantes também e trazem bastantes problemas para os seus portadores. Eu já tive pessoas que mudaram de casa, na sua comunidade, porque, ao serem diagnosticados, sofreram preconceito por parte dos vizinhos, por exemplo. Para tratar a tuberculose, a pessoa teve de mudar de comunidade porque não se sentiu à vontade a partir do momento em que foi feito o diagnóstico. Então, precisamos trabalhar nessa linha.
Também precisamos ir para além da formação e não pensar só no diagnóstico e no tratamento. Precisamos pensar em como fazer vigilância, como notificar os casos, como mobilizar a população, como investir, também, em pesquisa. Precisamos fortalecer a nossa formação na área da saúde para lidar com situações como essa que estamos vivendo. Nós temos, hoje, um mundo globalizado onde diversas viroses, diversas bactérias - mas especialmente vírus - podem se disseminar no mundo com grande rapidez. Para que consigamos dar uma resposta rápida, como estamos trabalhando e fazendo em relação à zika, precisamos ter profissionais com essa capacidade já mobilizados.
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É uma tendência mundial, e em alguns outros momentos foi comum na história da humanidade, algum tipo de doença emergir. Isso aconteceu quando Alexandre voltou para Europa. Isso aconteceu quando a peste bubônica foi passada a partir da rota da seda. O comércio, a livre circulação de pessoas, que é tão importante nós garantirmos no mundo, traz essa possibilidade de estarmos vivenciando o fato de doenças endêmicas em outros países estarem sendo trazidas para cá, e também o contrário está ocorrendo. Então, precisamos ter uma formação para além do diagnóstico e tratamento, precisamos de uma formação que pense também na vigilância, em estratégia de mobilização social, para que consigamos ter respostas adequadas.
Por fim, quero colocar também que, na parceria que temos com o MEC, todos esses módulos educacionais e tudo o que produzimos em conjunto com as associações, com as entidades médicas - e desde já as convidamos para serem parceiras nessa construção de ofertas educacionais -, está disponível também para os nossos alunos de graduação. Precisamos formar o aluno que está hoje na graduação, o nosso residente, e precisamos também continuar formando aqueles 2,4 milhões de trabalhadores da saúde que estão hoje já exercendo as suas atividades.
Portanto, temos de fazer um esforço nacional, um esforço de toda a sociedade, e nós, no Ministério da Saúde, contamos com o apoio dos Senadores, com o apoio das entidades médicas e das nossas universidades federais, estaduais, privadas. Contamos com todos para que possamos garantir saúde para a população brasileira e não precisar discutir no futuro sobre doenças negligenciadas. Queremos estar aqui comemorando a erradicação ou pelo menos o combate dessas doenças. Que pelo menos baixemos a incidência, já que é difícil erradicar - é verdade, é difícil erradicar -, de hanseníase, de tuberculose, de sífilis congênita, de todas essas doenças e que possamos não mais denominá-las de "doenças negligenciadas", mas que possamos, sim, dar a atenção necessária para evitar o sofrimento da população que é acometida por essas doenças que não podemos negligenciar de forma alguma.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Com a palavra a Senadora Ana Amélia.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Obrigada, Presidente.
Como foi estabelecida pelo Presidente, na ordem dos trabalhos, a liberdade, vou aproveitar a exposição do Dr. Alexandre, com vistas ao que a Drª Leontina falou antes a respeito de aplicar uma dose maior de BCG, como efeito preventivo da hanseníase.
Eu faço essa pergunta porque, nesse momento precisamente, o Ministério da Saúde não tem BCG, nem antitetânica, nem várias outros, como se diz, antídotos ou prevenções, para a população brasileira. Está se sugerindo um aumento da dose, mas nós não temos nem sequer a primeira dose, uma única dose. Essa é a primeira questão que eu faço.
O senhor fala também desse conceito de evitar o sanatório, o que é mais moderno, dentro da questão dos direitos humanos, inclusive, no intuito de evitar a segregação. Qual seria a forma, Dr. Alexandre - e eu lhe pergunto como médico, como sanitarista ou como agente de saúde pública -, de se evitar isso com uma pessoa portadora da hanseníase contagiante, colocada no ambiente da família? Como ela fica, se não há sanatório, se você não tem um ambiente próprio para isso?
O SR. ALEXANDRE MEDEIROS DE FIGUEIREDO - Obrigado, Senadora Ana Amélia.
Eu desconheço que esteja faltando BCG em nossas unidades.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - A imprensa está mostrando isso aqui em Brasília.
O SR. ALEXANDRE MEDEIROS DE FIGUEIREDO - Mas eu desconheço isso como um problema muito grande da rede. Na verdade, a BCG é feita nas maternidades brasileiras e nas Unidades Básicas de Saúde brasileiras. Precisamos sempre estar fazendo a BCG, até porque ela previne contra formas graves de tuberculose e reforça também a imunidade contra hanseníase, já que as duas patologias são causadas por microbactérias: o lepra e o tuberculosis. Esse é um ponto.
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No protocolo da hanseníase, quando identificamos os contactantes, todas as pessoas que são diagnosticadas com hanseníase, vamos à casa dessas pessoas para fazer a segunda dose da BCG. Isso é o que está no protocolo. Essa questão precisa ser efetivamente realizada, porque nem todo mundo faz isso. Mas está claro no protocolo que, a partir do momento em que se diagnostica um caso de hanseníase, nós devemos fazer uma busca aos contactantes, visitar a casa, ver se há alguma outra pessoa que tenha sintomas de hanseníase, e mesmo aquelas que não têm sintomas. As que têm sintomas de hanseníase, nós devemos tratá-las o mais rápido possível; e as que não têm, devemos fazer a segunda dose da BCG.
Em relação à necessidade ou não de retirada do convívio social e familiar, ela é desnecessária, porque, a partir do momento em que se faz a primeira dose, que é feita no tratamento, essa pessoa deixa de contagiar outras pessoas. O que precisaríamos fazer? Acabar com o estigma, ou seja, fazer diagnóstico precoce e atuar no tratamento de forma rápida e efetiva, porque isso faz com que não precisemos mais recorrer à exclusão.
Outro ponto importante, Senador, é saber o que acontece em relação à hanseníase. Passam-se anos como portador da bactéria, do microbacterium. Há um atraso, mas, enfim, na primeira dose, quando se detectou e tratou, efetivamente já está resolvendo o problema, mas o contágio já aconteceu naquela família há anos. Temos que acabar com a corrente de transmissão. Segregar e excluir as pessoas é um dano muito maior, muito mais nefasto do que esse pequeno número de dias entre a dose e a erradicação da possibilidade de transmissão.
Nesse sentido, ficamos muito tranquilos para deixar claro que não é necessário mais tirar do convívio familiar nenhuma pessoa que está diagnosticada com hanseníase para que ela possa ser tratada em algum hospital. O tratamento é rápido e fácil. Ele demora um tempo, mas, a partir da primeira dose, já conseguimos resolver a questão, já começamos a cortar o ciclo de transmissão.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Apenas um esclarecimento sobre a vacina, sobre a BCG. No Rio Grande do Sul, está faltando também, embora lá a incidência, conforme foi demonstrado na exposição da Drª Leontina, dessas doenças seja em um índice menor do que no conjunto, comparada, por exemplo, ao Mato Grosso, que é o Estado do Senador José Medeiros. Mas, de qualquer maneira, a prevenção é o melhor remédio sempre. Por isso, faço essa questão e agradeço a sua resposta.
O SR. ALEXANDRE MEDEIROS DE FIGUEIREDO - Eu vou levar as questões ao departamento pertinente, que trabalha com essa questão...
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Obrigada.
O SR. ALEXANDRE MEDEIROS DE FIGUEIREDO - ...para que possamos avaliar o que está acontecendo.
Há uma questão referente à BCG especificamente, que nós precisamos fazer e que está no âmbito de treinamento.
Hoje, o que se pode fazer e o que se tem de começar a trabalhar no Brasil é a formação dos técnicos de enfermagem que aplicam a BCG, porque nem todo técnico de enfermagem consegue fazer isso. Esse é um problema que, hoje, ainda não é visível. Não é um problema de falta, mas nós estamos já olhando para ele, porque, no futuro, nós precisaremos de técnicos de enfermagem com essa habilidade. Alguns estão se aposentando e precisamos repor e formar pessoas para que não tenhamos esse problema no futuro. Na formação profissional, nós precisamos começar a trabalhar nela hoje para que não estejamos discutindo isso como um problema no futuro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - a Drª Leontina pediu para fazer um complemento.
Com a palavra.
A SRª LEONTINA DA CONCEIÇÃO MARGARIDO - V. Exª, Senadora Ana Amélia, levantou pontos muito importantes.
A internação compulsória da moléstia começou no nosso País em 1924 e foi, na realidade, até quase 1976-80. O Walter Leser foi um grande professor de saúde pública de São Paulo e do Brasil e sempre falou que o maior erro da Medicina no Brasil teria sido essa internação compulsória.
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Exatamente como o Dr. Alexandre falou, quando se diagnostica e trata o doente, interrompe-se a cadeia epidemiológica. O problema é que muitos pacientes, ou por falta de orientação ou por falta de seguimento, fazem tratamento irregular ou abandonam o tratamento precocemente, e criam um problema muito maior: transmitem bacilos resistentes às drogas já utilizadas no SUS, o que é um problema grande. E isso ocorre não só na classe social de baixa renda, mas também na classe social alta. Eu tenho visto doentes de classe social muito alta que não são diagnosticados precocemente, só são diagnosticados depois de muitas sequelas. Esse é um problema que, portanto, continua acometendo ricos e pobres, e o tratamento irregular é muito ruim.
Em São Paulo, também nós temos falta de BCG, porque nós temos pedido BCG para os familiares de doentes de classe social alta, que também não têm encontrado. O seu questionamento é absurdamente importante e nós precisamos corrigir, porque essa é uma arma poderosa, assim como o treinamento na graduação e a oferta de histamina.
Nós precisamos de histamina, mas também precisamos que esse graduando saiba fazer a histamina ou que simplesmente pegue a tampa de uma caneta bic ou qualquer instrumento e faça uma pressão sobre a mancha e fora da mancha para fazer a diferenciação de manchas da hanseníase e de outras doenças e de neuropatias periféricas da hanseníase e de outras neuropatias.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Com a palavra o Dr. Vinícius Ximenes.
O SR. VINÍCIUS XIMENES - Bom, primeiramente bom dia para todos, para todas.
Meu nome é Vinícius Ximenes. Sou Diretor de Desenvolvimento em Educação e Saúde, que é uma diretoria vinculada à Secretaria de Educação Superior do MEC responsável pela formação na área da saúde em nível de graduação e residências em saúde.
Eu queria saudar a todos aqui presentes, a partir do Senador José Medeiros, da Senadora Ana Amélia - inclusive na segunda-feira conversamos sobre Uruguaiana, onde teremos a implantação do curso de Medicina a partir do mês de março, a partir da Unipampa -, e, basicamente, agradecer a oportunidade deste debate sobre o tema das doenças negligenciadas, ou até a questão das doenças tropicais negligenciadas. Sabemos que os países, principalmente ao redor da linha do Equador, têm uma incidência maior dessas doenças, e não é ao acaso, existem questões históricas, sociais e de desenvolvimento humano que marcam o porquê de essas doenças se concentrarem ali, além da questão específica da etiologia dessas doenças. Isso nos ajuda a esclarecer algumas contradições, algumas questões que envolvem o mundo da saúde e garante o importante debate naquilo que nós chamamos de epidemiologia social.
É um grande desafio, obviamente, para todos os sistemas de saúde do mundo, hoje, doenças como essas, e isso envolve também inovação, tecnologia e produção de conhecimento.
Ter apresentações qualificadas como as que foram feitas pelo Alexandre e pela Drª Leontina ajudam bastante para podermos economizar algumas questões e focar naquilo que é, talvez, a vocação do MEC nesse debate, ou seja, a formação na graduação e dos especialistas na área da saúde, mas, especialmente, na Medicina, que tem um papel fundamental no diagnóstico. Nessa doença, a questão crucial é o diagnóstico precoce. Então, obviamente, vou me ater às questões que envolvem a temática específica do Ministério da Educação.
Vejam bem, o debate das doenças negligenciadas ajuda, sobremaneira, uma discussão que a Organização Mundial de Saúde, especialmente a partir de 2007, fez no chamado Relatório Marmot. Michael Marmot é um pesquisador inglês que, durante vários anos, com uma equipe multicêntrica, consolidou o debate atual sobre a questão dos determinantes sociais em saúde no mundo. Assim, o debate sobre as doenças negligenciadas tem uma forte conexão com o debate mais atual que a Organização Mundial da Saúde tem feito em relação a essa questão dos determinantes sociais.
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Vejam bem, como foi muito bem colocado pela Drª Leontina, essas doenças negligenciadas estão presentes nas diversas classes sociais, mas, desde o século XIX, e o nosso Rudolf Virchow, que foi um importante médico à época, e esta Comissão atualmente vem tratando sobre isso, as diversas classes sociais, os diversos segmentos da sociedade adoecem de forma diferente. No caso das doenças negligenciadas, uma questão fundamental e visível é que a incidência dessa doença nas diversas classes sociais é diferente. Todas as classes sociais vivem o fenômeno dessas doenças e obviamente os seus impactos, mas os segmentos mais vulneráveis das diversas sociedades são acometidos por essas doenças com uma incidência muito maior, ou seja, há novos casos muito mais visíveis e muito mais potentes em relação a classes sociais que têm obviamente uma condição de acesso, de recurso, de tratamento e de vivência da doença muito mais controlada, com potencial de sucesso terapêutico, e de cuidado para as consequências crônicas que podem advir dessas doenças.
O desafio da pesquisa dessas doenças envolve muitas vezes esta questão fundamental: elas são doenças, entre aspas, "marcadas pelo estigma da pobreza". É importante colocar isto: existe um estigma muito forte entre essas doenças e a pobreza. Muitas vezes, o desenvolvimento científico, o investimento muitas vezes do aparato das políticas de saúde em diversos países do mundo, os interesses da indústria farmacêutica são limitados para encontrar soluções, como, por exemplo, uma produção do conhecimento compatível ao desafio e a todo o drama dessas doenças, como foi muito bem colocado pelos nossos expositores anteriores. Nesse sentido, precisamos preparar os nossos profissionais de saúde para enfrentar esse mundo que obviamente busca uma maior equidade, para viver nesse mundo e construir uma nova condição de saúde, uma melhor condição de saúde para uma geração em relação à nossa atual.
Nesse sentido, vimos conduzindo um processo de reformas na formação dos profissionais de saúde, especialmente na formação dos profissionais médicos, que é um nicho decisivo para um sucesso de diversas políticas públicas de saúde na atualidade no nosso País.
Vou deixar disponível essa apresentação. Inclusive percebi que há alguns ajustes que vieram da edição, mas vou corrigir agora durante a apresentação.
Estamos construindo, desde o ano de 2001, um ciclo de reformas na formação dos profissionais da saúde no Brasil a partir da estruturação de diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação na área da saúde. A partir do advento da LDB em 1996, a partir do ano de 2001, iniciou-se esse processo de implementação de diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em saúde. Em 2014, e aqui a correção em relação à minha apresentação, nós tivemos um aperfeiçoamento das diretrizes curriculares nacionais de 2001, que obviamente buscam conectar a educação médica brasileira a um desafio que vários pesquisadores na área de educação médica têm trazido, que é pensar o ensino médico à altura dos desafios da saúde no século XXI. Nesse sentido, várias conquistas da reforma sanitária brasileira conseguimos trazer e aprofundar nessas diretrizes curriculares de 2014 em relação às diretrizes curriculares dos cursos de Medicina de 2001.
Vale ressaltar que essas diretrizes curriculares de 2001 já tinham um avanço importante. E tudo que tinham de positivo foi garantido, incorporado nessas diretrizes curriculares de 2014, que fizeram um processo de aperfeiçoamento.
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Nós podemos dizer que as diretrizes curriculares de 2014 institucionalmente marcam para a gente um aprofundamento de um processo de reforma na educação médica em curso e, obviamente, essa reforma na educação médica tangencia questões que envolvem o debate sobre as doenças negligenciadas.
Nesse sentido, uma questão que é fundamental para nós pensarmos essa reforma na educação médica e como atender questões como, por exemplo, as doenças negligenciadas é a questão de uma reforma do ponto de vista da nossa formação de especialistas no Brasil.
Veja bem a Medicina a partir da especialização do conhecimento. Obviamente isso trouxe para a gente louros muito importantes do ponto de vista do desenvolvimento da Medicina, seja na atenção, seja na produção do conhecimento; mas essa hiperespecialização da prática médica, em que nós estamos vivendo atualmente e já temos vivido ao longo dos últimos anos, também traz para gente um fenômeno paradoxal.
Que fenômeno paradoxal é esse? O grande aporte de exames e o grande aporte de tecnologias, muitas vezes, mascaram uma fragilidade que os nossos profissionais têm apresentado ao longo do tempo. Qual? Uma certa fragilidade naquilo que nós chamamos de clínica geral. Ou seja, muitos profissionais são tecnicamente excelentes cirurgiões, são excelentes psiquiatras, são excelentes anestesiologistas, mas a bagagem que vem da graduação para a etapa inicial da formação do especialista é deficitária do ponto de vista do conhecimento médico geral, que é fundamental para dialogar com os problemas de saúde mais frequentes e para uma organização do raciocínio clínico do médico para uma melhor performance no seu desenvolvimento profissional.
Então, nesse sentido, uma etapa da reforma da educação médica, que nós estamos realizando hoje, é que todos os profissionais médicos brasileiros, a partir do ano de 2019, que é quando nós devemos universalizar a residência médica no Brasil, ou seja, para cada egresso da graduação médica, nós temos uma vaga de residência médica - será uma etapa fundamental para a formação da maior parte desses especialistas -, farão um estágio, em um ano, em clínica geral dentro dos programas de residência em Medicina geral de família e comunidade.
A Medicina de família e comunidade ou Medicina geral de família e comunidade é uma área do conhecimento que equivale à mesma coisa da clínica geral dos ingleses, da Medicina de família dos espanhóis, da Medicina geral integral dos cubanos, da Medicina de família dos canadenses. Em cada país muda a denominação dessa área do conhecimento, mas ela é fundamental para aperfeiçoar esse conjunto de competências aqui listadas, que eu trago nessa apresentação, para que o profissional, obviamente, independentemente de ser um clínico geral, um médico de família, ou se vai buscar outra especialidade, consolide uma base de conhecimento para obviamente ter essa clínica de excelência, que é fundamental para o que nós estamos falando.
Como foi muito bem colocado pela Senadora Ana Amélia, hoje o modelo asilar de você lidar com tratamento de doenças como tuberculose e hanseníase é obsoleto, porque os países que conseguiram dar certo em políticas de enfrentar essas questões não o fizeram com o modelo asilar. Fizeram com modelos que fortemente se basearam em sistemas de saúde acessíveis, que têm uma base de organização do acesso ao serviço de saúde, uma base comunitária de acesso ao serviço de saúde.
Ou seja, serviços acessíveis significam serviços a que facilmente a população consegue ter acesso - ao profissional médico ou à equipe de saúde -, em que profissionais qualificados, com uma boa capacidade de clínica, conseguem fazer o diagnóstico precoce dessas doenças e que consigam ao longo do tempo construir um vínculo para esse paciente, para fazer aquilo que a gente chama, na Medicina, de longitudinalidade, ou seja, conseguir acompanhar esse paciente ao longo do tempo, trazer adesão ao tratamento, conseguir contornar, por exemplo, iatrogenias que possam vir ou efeitos adversos que venham dos tratamentos.
Por exemplo, em tratamento como o da tuberculose ou o da hanseníase, há pacientes que têm uma grande dificuldade no uso de medicamentos; os efeitos colaterais, muitas vezes, acabam sendo um fator de perda de adesão aos tratamentos. E, obviamente, conseguir fazer manejos de questões que envolvem ordem psicossocial. Por exemplo, a questão familiar: se há um familiar que tem hanseníase, como a família convive com esse paciente?
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Se há um familiar que tem hanseníase, como é que a família convive com esse paciente? Como é que a gente esclarece que a fisiopatologia dessa doença é lenta, que há uma série de questões e que não é o fato de se tocar no paciente ou de estar em contato com o paciente em dado momento que vai fazer com que se passe a doença para todo mundo?
Então, garantir sistemas de saúde acessíveis, com longitudinalidade, com um profissional com boa capacidade clínica para o diagnóstico precoce, para que se consiga, obviamente, obter esse conjunto de competências para a adesão e para o manejo em torno da doença, é fundamental para o sucesso no tratamento. Onde isso deu certo, eles fizeram dessa forma. Onde a gente construiu o modelo asilar, a gente não conseguiu erradicar essa doença e muito menos controlá-la.
Digo isso porque sou médico sanitarista, sou médico de família. Morei numa região onde eu atendia como médico e como professor, no Alto Sertão paraibano. Lá houve algo muito interessante. Na cidade onde eu morava, no Alto Sertão da Paraíba, havia um antigo asilo de hansenianos. Incrivelmente, ela continua sendo a região da Paraíba com uma das maiores incidências da doença hoje. Por quê? Existem várias hipóteses. Uma das hipóteses é a de que, como a região se tornou referência para os pacientes que queriam se isolar da sociedade por conta do estigma, acabou-se criando naquela região uma alta frequência da doença, que se tornou crônica. Digamos que houve uma cronicidade epidemiológica, e, hoje, é uma doença de difícil controle naquela região.
Então, essas são questões fundamentais. Obviamente, o debate sobre a reforma da educação médica tem tudo a ver com esse aumento da capacidade da performance clínica dos profissionais.
Além disso, existe um espírito ético. Há um documento nosso do Ministério da Educação que norteia, desde 2012, a abertura de novos cursos de Medicina nas universidades federais. Então, existe um compromisso das políticas de educação médica na atualidade, com respostas às necessidades sociais de saúde da nossa população. Precisamos ter uma educação médica que não vire as costas para as necessidades sociais, para que se consiga enfrentar, talvez, um dos grandes desafios da atualidade, que é o tema da equidade. Esse, talvez, seja o maior desafio hoje de todos os países para se pensar em políticas de saúde. Como a gente consegue atender as diversas necessidades e enfrentar a questão da vulnerabilidade e a questão das desigualdades injustas? A produção do conhecimento ainda ser muito aquém do que é a necessidade do ponto de vista das doenças negligenciadas é um forte demonstrativo de iniquidade, de uma forte desigualdade injusta. A população já enfrenta tantas dificuldades, tantos percalços na sua vida! Obviamente, ela enfrenta essas doenças negligenciadas, estigmatizantes, com alta repercussão do ponto de vista de morbidade, de incapacidade. E nada é feito, fica-se sem reagir e sem obter realmente uma resposta a essas doenças mais efetiva do ponto de vista científico.
Essa é uma questão importante para a nossa reflexão. Nesse sentido, a gente vem tentando construir a educação médica, o ensino médico no País, esse ponto de vista, mudando um pouco como fazer a educação médica. Hoje, queremos que os profissionais médicos tenham uma forte vivência na realidade do sistema de saúde, nos seus vários níveis de atenção, especialmente na atenção básica, na atenção primária, em que se concentram 80% dos problemas de saúde mais frequentes, para que esses profissionais, obviamente, tenham uma capacidade muito maior para lidar com a realidade daqueles pacientes que serão tratados.
Vejam bem: eu me formei há pouco menos de dez anos e fui trabalhar na região do Alto Sertão da Paraíba, com altíssima frequência de hanseníase. Vejam bem: entre casos novos, entre casos e tratamentos, entre pacientes com sequelas, ou seja, com reações hansênicas - existe também todo um cuidado no tratamento -, eu atendia mais de 30 pacientes numa área em que havia quatro mil pessoas. Isso é muita coisa! Para quem não é da área, devo dizer que isso é muita coisa do ponto de vista epidemiológico. Em toda a minha graduação, vi um caso de hanseníase, por mais que eu tenha estudado os livros sobre essa doença.
Obviamente, o ensino médico foi feito tradicionalmente com base nos hospitais terciários e quaternários. Fazer o ensino médico meramente nos hospitais que agregam alta densidade tecnológica, onde é muito mais fácil eu ver, muitas vezes, um transplante cardíaco do que eu ver um paciente com hanseníase, vai criando distorções ao longo do tempo, inclusive no raciocínio clínico dos profissionais. Os profissionais acabam vendo um paciente com hanseníase, com vários daqueles sinais que foram muito bem trazidos aqui pela Drª Leontina, mas não conseguem enxergar que aquilo pode ser hanseníase.
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Eles veem várias outras coisas que, obviamente, não têm uma alta frequência epidemiológica em algumas populações, mas ficam com o olhar voltado para a questão das doenças, que chegam aos níveis terciário e quaternário, e não conseguem ter um olhar mais abrangente para a prática médica.
Então, fazer a prática médica baseada na integração Ensino-Serviço-Comunidade é hoje um paradigma importante em relação ao que viemos conduzindo na reforma da educação médica no País.
As diretrizes curriculares nacionais de 2014, atuais, trabalham estas três áreas do conhecimento: atenção, gestão e educação. Elas têm de se dar de forma equilibrada para a formação dos profissionais médicos.
É importante que cada um desses eixos, que estão hoje dentro das nossas diretrizes curriculares nacionais, tenham um forte apontamento lançado, do ponto de vista de lidarem com questões como estas: como identificar questões que envolvem a diversidade de ordem biológica, subjetiva, ética, racial, socioeconômica, cultural; como conseguir ter essa capacidade contextualizante para a prática médica.
(Soa a campainha.)
O SR. VINÍCIUS XIMENES - Envolve o debate, do ponto de vista de como pensar em se envolver com as políticas públicas e poder participar delas, no sentido da priorização daqueles problemas sociais que demandam maior impacto, do ponto de vista das políticas públicas e, obviamente, da educação e saúde; trabalhar com os profissionais aquilo que chamamos de "apender ao longo de toda a vida", inclusive para que ele tenha essa capacidade de renovar o seu conhecimento e de se renovar diante, talvez, de desafios como esse que eu trouxe. Um profissional que vem de uma realidade em que hanseníase era algo muito pouco visível, vai trabalhar com realidades cujo impacto epidemiológico é importante.
Acho que, do ponto de vista do enfrentamento dessas doenças, nós temos questões que envolvem a produção do conhecimento e o impacto maior das políticas de promoção à saúde, de prevenção. Aí existe uma série de variáveis que envolvem a competência dos profissionais de saúde de trabalharem nesses aspectos da promoção e da prevenção da saúde; e, ao mesmo tempo, o resgate de uma clínica de qualidade, de excelência, que consiga agregar um conjunto de competências para podermos fazer essa prática de saúde acessível, longitudinal e comprometida com a questão da equidade.
É isso que eu queria trazer.
Fico à disposição para dúvidas e para o debate em relação a esse conjunto de mudanças.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Agora, com a palavra o Dr. Sigisfredo Brenelli.
O SR. SIGISFREDO LUIS BRENELLI - Bom dia a todos. Agradeço, em nome do Senador, a oportunidade.
Represento, aqui, as escolas médicas do País, e é muito importante este espaço para podermos falar e discutir, porque, sempre que se fala de alguma coisa, vai na questão da formação do médico. E formar médico, como formar qualquer outro profissional, não é uma coisa tão simples assim. Precisamos de recursos humanos, de recursos materiais, de cenários, de aprendizagem.
O Dr. Vinícius fala da questão do terciário e quaternário, mas das 266 faculdades que funcionam hoje, nem 140 estão em hospitais terciários, e muitos deles estão bastante ruins de situação. Nem dá mais para ter aluno.
Então, não acho que o problema maior seja esse. Acho que o maior problema é que não conseguimos discutir, realmente, a questão de uma política de formação de recursos humanos para a saúde. Nós avançamos, temos avançado. Criamos o Mais Médicos. Acho que agora temos de evoluir para "mais saúde", e essa discussão precisa ser mais ampliada pela sociedade.
A formação do profissional tem que ser boa para poder ensinar, ter espaço, ter gente que ensine.
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Fizemos uma diretriz curricular que agora é lei, que a escola não entende direito e de que a sociedade organizada nem participou. Quer dizer, nós queremos ampliar a discussão de como vamos formar médicos, nós queremos que a sociedade vá para as instituições formadoras e diga: "Olha, você tem que ensinar isto porque é disto que eu, consumidor, preciso". Mas nem essa nova diretriz curricular, que é uma lei que está imposta para as novas escolas seguirem em curto prazo, nós conseguimos discutir. E sentimos falta de outros atores nessa discussão. Na escola médica mesmo, poucos tivemos espaço para a discussão, para a nova definição das diretrizes. Embora sejam muito boas, elas são complexas, são difíceis.
Está na hora de a sociedade participar da discussão, e acho que este é um espaço importante. Em nome das escolas, venho pedir que comecemos a discutir seriamente no País uma política de formação de recursos humanos. Ou haverá sempre o problema de que se não estamos formando direito, os gastos com saúde e com educação permanente serão cada vez maiores. Se não há dinheiro nem para formar direito, onde vamos arrumar mais recursos para a educação permanente a fim de alcançarmos o nível de saúde de que a população precisa?
Quando se fala em doença negligenciada, creio que também está na hora de mudarmos isso. Há todas as doenças negligenciadas e mais uma série de outras doenças. Por exemplo, por que nunca falamos do alcoolismo, que mata mais de 7 milhões de brasileiros e não se faz nada a esse respeito? Com relação ao crack, houve um tempo em que se tentou fazer uma política pública, mas o assunto ficou perdido no meio das discussões e dos problemas que temos. Eu tenho 34 anos de trabalho no serviço público. Preocupa-me ver que 90% das enfermarias dos hospitais públicos estão cheias, direta ou indiretamente, por pacientes com sequelas do álcool. E nós não falamos nada sobre o álcool. Ou seja, é negligenciado.
Nós temos que redefinir algumas coisas, ou ficaremos sempre falando a mesma coisa, Senador, e pouco iremos para frente, não vamos evoluir. Precisamos começar a empoderar algumas outras profissões com relação aos diagnósticos.
Por exemplo, só o médico pode fazer o diagnóstico de hanseníase? Esse é um problema em que ainda estamos em um nível do século XIX, um país que é a sexta economia mundial. Se esperarmos formar a quantidade de médicos que vamos formar daqui para frente e que eles saibam diagnosticar, não vai dar tempo. Nós vamos chegar no século XXII com estatísticas ainda do século XIX.
Outro problema que eu acho que é negligenciado é a violência urbana. De acordo com a Abem, apenas 9% das faculdades de Medicina hoje oferecem estágios formais sobre como lidar com a violência, e é com isso que o recém-formado vai trabalhar. Então, a população está correndo risco, pois a terceira causa de morte é a violência urbana. E quem é que vai cuidar dessa violência? Um aluno que não aprendeu nada na graduação?
O que havia no meu convite era o seguinte: como o Senado brasileiro, como esta Comissão pode ajudar na formação dos profissionais. O que eu quero pedir é que haja um espaço para discutir, para que o País comece a pensar realmente numa política de Estado de formação de recursos humanos na saúde, que vai muito além do que nós demos conta de fazer até agora. Fizemos bastante, temos feito, mas acho que está na hora de irmos além para resolver esses problemas.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Muito obrigado, Dr. Sigisfredo.
Agora, com a palavra o Dr. Henrique Batista e Silva, representante do Conselho Federal de Medicina.
O SR. HENRIQUE BATISTA E SILVA - Em primeiro lugar, quero agradecer ao Senador José Medeiros o honroso convite para estar aqui representando o Conselho Federal de Medicina. Quero também saudar todos os presentes aqui, autoridades e pessoas interessadas neste rico debate, assim como os componentes da Mesa: a Profª Leontina, o Prof. Brenelli, o Dr. Vinícius Ximenes e o Dr. Alexandre Figueiredo.
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O Conselho Federal de Medicina é uma autarquia que se destina, por legalidade, conforme a Lei nº 3.268, à fiscalização e à normatização do exercício da Medicina. No seu percurso histórico, desde 1957, tem passado por algumas fases mais predominantes, como a fase cartorial, a fase de fiscalização, a fase de julgamento. Ultimamente temos reconhecido o Conselho Federal de Medicina como interlocutor importante nessas questões como essa de debate de políticas de saúde. Daí a importância desse tema. Quero mais uma vez salientar e agradecer a presença aqui.
As apresentações anteriores facilitaram a minha fala e vou me concentrar em dois problemas que acredito sejam muito importantes para que a gente possa pensar na formação, aprofundando o tema como esse das doenças negligenciáveis: a questão do conflito entre a Medicina e a indústria farmacêutica, que já foi falada pelo Prof. Vinícius, como também a questão da assistência às doenças negligenciadas e a indústria farmacêutica. Eu quero passar alguns eslaides nesse sentido.
É claro que as doenças negligenciadas recebem baixa prioridade da assistência no Brasil porque apresentam baixa mortalidade, têm alta prevalência, incidência, mas a mortalidade é muito baixa. E, naturalmente, ocorrem principalmente em regiões pobres não só do Brasil, mas em todos os países tropicais, de modo geral, e alcançam uma grande parte da população mundial. Elas atingem em torno de 2,7 milhões de pessoas que vivem com menos de dois dólares por dia. Evidentemente, já foi aqui salientado que não é somente uma doença da pobreza, atinge também pessoas de uma faixa salarial maior. Mas não há dúvida de que é necessário a gente chamar atenção para essa questão da pobreza e das doenças negligenciáveis. Isto está em um trabalho divulgado em 2010.
Na análise e no aprofundamento dessa questão há limitação da análise epidemiológica, porque são dados muitas vezes não confiáveis. Temos uma subnotificação dessas doenças; temos também um sub-registro, porque são doenças que alcançam pessoas que têm pouco acesso ao serviço de saúde, que também não têm uma boa instrução. Isso passa pela questão de educação e saúde, pois a nossa população não tem educação suficiente.
Nós vivemos num País em que há por volta de 35 milhões de pessoas analfabetas, que não sabem ler ou que não sabem escrever o seu nome. Isso é um fato notório grave para enfrentarmos essa questão de saúde. A educação também é um fato importante nessa questão da política de saúde. Muitos casos também não são diagnosticados, seja porque na formação médica existe uma inapetência para essas questões, seja porque o próprio médico não é suscitado, sensibilizado para fazer esses diagnósticos a tempo. É uma questão bastante ampla, mas, de certo modo, a gente tem que reconhecer essas limitações que ocorrem em relação às doenças negligenciadas.
Outra questão é o financiamento. São fármacos, drogas, princípio ativos que não apresentam retorno financeiro para a indústria farmacêutica. Não há uma inovação nesses medicamentos, nessas drogas; são substâncias usadas há mais de 50 anos. Portanto, ainda há muitos efeitos colaterais prejudiciais, não há uma evolução de novas moléculas que possam ser mais eficientes e mais eficazes no tratamento dessas doenças, porque não há interesse, claro, da indústria farmacêutica para essa pesquisa, não há interesse lucrativo. Evidentemente, temos um fato: esse conflito da ação da indústria farmacêutica com relação a desenvolver pesquisas que possam trazer novas drogas que melhorem ou curem as pessoas com essas doenças.
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É preciso lembrar, no campo da ética e da moralidade, que não é próprio da coragem gerar dinheiro, mas, sim, da ousadia; nem é próprio da arte militar e da Medicina gerar dinheiro, mas, sim, a Medicina gerar saúde e a arte militar gerar vitórias. Esse é um fato que devemos encarar nessas questões que são concretas, mas que não deixam de ter um aspecto axiológico envolvido.
A disputa entre o interesse próprio e o altruísmo está no coração da moralidade. É inequívoco que nós não podemos discutir assuntos desse tipo, dessa profundidade sem levar em conta os valores e os direitos humanos. É por isso que nós estamos aqui nesta instância, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, para discutir aspectos concretos que possam ter eficiência, mas é evidente que temos que levar sempre pelo lado da moralidade e dos aspectos éticos. É isso que nós, no Conselho Federal de Medicina, exercitamos no nosso dia a dia.
Não há dúvida de que estamos vivendo uma sociedade contemporânea, e é inequívoca também a questão da globalização. Hoje nós vivemos numa sociedade cujo fundamento básico econômico é o capitalismo. Nesse sentido é que se insere a indústria e o comércio de modo geral, com seus objetivos naturais de obter lucro nas suas atividades do dia a dia. Assim, as circunstâncias que nós temos é que a economia que nós vivemos é a economia de mercado capitalista. Essa é uma realidade. Esse é o mercado que vigora no mundo inteiro.
Há, naturalmente, uma disputa comercial intensa em todos os setores, com aumento dos custos pela questão de se desenvolverem produtos cada vez melhores. Na divulgação desses produtos, 30% do gasto com essas novas aquisições científicas e tecnológicas é feita no marketing, como propaganda, em que se usam técnicas e modos de estratégia de vendas cada vez mais intensos e competitivos. E a indústria farmacêutica tem uma participação muito importante na Medicina ao financiar congressos ou ao trazer benefícios pessoais para os médicos. Essa é uma questão do conflito para o qual eu chamei a atenção no início da minha fala e que interfere na prescrição e na conduta médica em todos os campos, tanto na Medicina privada, quanto na Medicina pública.
Contudo, não é preciso demonizarmos essa questão da indústria farmacêutica. Isso eu trago para lembrar que a indústria farmacêutica também pode ser considerada como um querubim ou um serafim, ou seja, é um anjo também que traz suas consequências. Nós sabemos que muitas e muitas das drogas eficazes que temos hoje foram decorrentes de um processo lento e oneroso de pesquisa na área da indústria farmacêutica. Hoje a mortalidade diminuiu, a longevidade do homem brasileiro aumentou muito nesses 25 anos, 30 anos - a expectativa de vida aumentou de 49 anos para 70 anos. Isso é uma conquista insofismável da indústria, que se dá porque ela pesquisa novas droga; por isso, ela detém o monopólio da pesquisa e ela financia a pesquisa dentro daquele diapasão de que deve receber um retorno financeiro.
Com isso, nós vivemos uma era também do imperialismo científico. Em todas as áreas - na Medicina, na formação do médico, no exercício da Medicina como um todo -, há de se reconhecer que existe um imperialismo científico e que norteia as nossas ações. Essa é uma evidência que não pode ser esquecida ou vilipendiada.
A indústria farmacêutica, no mercado mundial, trabalha com cerca de US$300 bilhões/ano. No Brasil, as multinacionais respondem por 80% de participação nesse comércio, e a indústria nacional, 20%. Vejam como é discrepante a diferença entre a indústria estrangeira e a indústria nacional.
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São 500 laboratórios, e diziam que nós ocupávamos a sétima. Parece que agora estamos na oitava ou na nona, em razão das dificuldades financeiras e econômicas que estamos vivendo, nos últimos anos, no mercado financeiro mundial.
Há uma mobilização de recursos em torno de US$10 bilhões por ano. É uma quantia grande, é uma quantia reconhecida com que nos defrontamos no dia a dia. A previsão dos fabricantes de remédios aqui, no Brasil, é de que esse setor venha a crescer de 7% a 10% ao ano. Também não sei se esta previsão vai se fazer presente.
Nós temos um conflito que precisa ser resolvido. Para isso, trazemos a questão do debate, do diálogo, da aproximação dos diversos atores que fazem parte dessa questão, que são as doenças negligenciadas. Então, há um caráter social relevante. É insofismável que há um caráter social e cultural importante, mas é preciso que levemos em conta que a promoção política é fundamental e é por isso, mais uma vez, que eu elogio este debate aqui patrocinado pela Comissão de Direitos Humanos.
A assistência à saúde não pode nem deve ser comparada a uma mercadoria. Esta é a questão: a saúde não pode ser considerada um objeto a ser comprado, nem em troca de um recurso, de um lucro, somente nesse aspecto. Precisamos levar isso em conta, porque a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos assim estabelece no seu art. 3º.
O que temos de fazer diante dessa situação? Isso foi colocado aqui e chama a atenção de nós todos para que precisamos enfrentar isso como um grande desafio que afeta o Poder Público, aqui representado, e as organizações da sociedade civil. É necessário procurarmos um consenso, uma aproximação entre essas duas áreas do conhecimento humano, para que avancemos nessa questão das doenças negligenciadas, tão deletéria, tão irracional, de tantos flagelos.
Voltando aqui ao Código de Ética, como nós enfocamos essa questão? Como norteamos os médicos para se comportarem? Nós temos 25 princípios fundamentais. O primeiro é que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade - e esse assunto aqui interessa ao ser humano e à coletividade - e será exercida com autonomia, sem nenhum tipo de discriminação por nenhum tipo de doença, de gênero, de condição social. O médico deve ter seu enfoque dessa maneira.
O outro é o seguinte: o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor da sua capacidade profissional. É isso que está no nosso Código de Ética, é isso que nós diuturnamente discutimos com os nossos 400 mil médicos que exercem a profissão no País.
Outro princípio fundamental importante para esta discussão é que o trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivo de lucro, finalidade política ou religiosa. O trabalho tem que ser feito voltado unicamente para a saúde do ser humano.
Como nós, então, enfrentamos essa questão do conflito com a indústria farmacêutica, que é um problema muito sério? O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos serviços médicos e assumir sua responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde. Assim, nós obedecemos às leis vigentes no País, sempre enfocando a responsabilidade do médico como um ser que pode modificar as condições de vida para o bem-estar da população.
Isso tudo é feito levando em consideração a responsabilidade individual do médico e a coletiva. O médico enfoca essas duas questões de maneira gêmea. Cada vez mais há a nossa sensibilidade com relação a humanidades em Medicina, humanidades médicas, não só a questão da humanização como um processo de atendimento, mas também elevando a sensibilidade do médico e até buscando em outras disciplinas, como as artes de um modo geral, a sensibilidade para o ser humano, para a pessoa que está sendo atendida pelo médico. Esse é um ponto que fizemos questão de enfatizar no último fórum que nós tivemos sobre humanidades e Medicina.
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Aí levantamos os princípios norteadores da bioética moderna, como o respeito à vida, a autonomia tanto do médico quanto do paciente... Hoje o médico deixou de ser um elemento apenas norteador numa relação assimétrica com o paciente. O paciente tem que ser ouvido. Tem que ser explicado, tem que ser dito o que vai ser feito, dentro de uma autonomia respeitosa, numa relação em que cada vez mais se busca a simetria, evidentemente, numa ação que seja benéfica e que não traga danos ao paciente.
Já foi muito bem colocada pelo meu antecessor a questão da justiça, principalmente da equidade. Esses são determinantes sociais de saúde em populações excluídas, com alto grau de vulnerabilidade social. Esse é um fato claro nessas questões que estamos discutindo, de doenças tropicais, pouco valorizadas pela assistência médica no Brasil.
Esse é um trabalho do IPEA que eu fiz questão de salientar. Ele faz um estudo da epidemiologia das doenças negligenciadas no Brasil e também um levantamento dos gastos federais com medicamentos. Foi um texto que eles apresentaram para a discussão.
Na análise epidemiológica, eles salientaram muito bem estas cinco doenças: tuberculose, malária, hanseníase, leishmaniose e doença de Chagas. Fazem um estudo aprofundado. Isso foi feito em 2010. Não sei se existe outro documento que trata desse assunto, mas considerei extremamente importante trazê-lo para os senhores.
Algo que ficou muito claro, como ele disse, é que no Brasil os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos para os programas de assistência farmacêutica das doenças que nós estamos aqui considerando são pequenos em relação aos gastos com outros programas. Eles verificam que outros programas do Ministério da Saúde têm maior valorização do que esse das doenças negligenciadas.
Isso talvez ocorra porque os medicamentos ainda têm ação patentária ou então porque sejam muito baratos. Enfim, não há, de maneira alguma, interesse das indústrias. É mais outro conflito que fica evidente, assim como a escala de fornecimento e tudo o mais.
O Brasil é um dos países em desenvolvimento que mais investem recursos em estudos de novas formas de tratamento para essas doenças. É claro que o esforço ainda é muito grande.
Nos últimos 12 anos, apesar dos poucos recursos que são destinados à área da saúde, em pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina, corroborada por um estudo do Tribunal de Contas da União, nós verificamos que algo em torno de R$171 bilhões deixaram de ser aplicados nas ações de saúde. Mesmo com pouco dinheiro, uma quantia considerável, de R$171 bilhões, deixou de ser aplicada, talvez por falta de algum tipo de projeto. Enfim, alguma coisa não ficou muito clara. De qualquer maneira constatamos essa grande falha no financiamento da assistência de saúde no País.
Nós temos como estratégia que o Estado - porque a responsabilidade sobre essas questões é do Estado - e o Governo, como executor, devem atentar bem para isso, mas é preciso mais uma vez salientar a participação necessária e efetiva de entidades representativas da sociedade.
São estratégias que englobam ações integradas de prevenção e controle, evidentemente trazendo à discussão o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas que merecem destaque, como foram as cinco salientadas aqui. Sem esse tipo de investimento em pesquisa e em desenvolvimento, nós vamos continuar com uma deficiência enorme nas questões relativas à prestação de serviço à população brasileira.
Eu destaco alguns programas aqui no livro das atividades governamentais, como o Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais e a iniciativa de medicamentos para doenças negligenciadas. Quero destacar bem esta iniciativa, DNDi, organização não governamental que foi criada em 2003, por ação dos Médicos Sem Fronteiras, e recebeu uma vultosa quantia por ter recebido o Prêmio Nobel em 1999, decidindo criar essa organização que tem várias associações, inclusive com entidades públicas brasileiras, como é o caso da Fiocruz e do Lafepe, que é um laboratório de Pernambuco.
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São duas entidades nacionais que têm colaborado bastante nas pesquisas. Já foram desenvolvidos, parece-me, seis novos medicamentos, principalmente para o tratamento da malária e da tuberculose. Outra coisa que chama muito a atenção é o fato de que as Parcerias Público-Privadas devem também ser incentivadas, como no caso do combate à malária e à tuberculose. São parcerias muito importantes.
Também há o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil, a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde e as PPPs para a pesquisa e o desenvolvimento de novas drogas no combate a novas doenças.
Chamo a atenção para uma estratégia muito importante, que é o Programa Saúde da Família, porque esse Programa tem características muito favoráveis nessa questão das doenças negligenciadas, como o atendimento integral e a promoção da saúde. Ele tem uma abordagem territorial e ambiental muito boa e conta com uma equipe multiprofissional. Então, o diagnóstico não deve somente ser feito pelo médico. Hoje, o médico trabalha em equipe. Cada vez mais, é importante trabalhar em equipe.
Nesse sentido, a gente diz que a Medicina tem uma vinculação muito grande com a técnico ciência, sem dúvida. Mas a gente está procurando resolver isso. A gente procurou resolver isso da seguinte maneira. Há uma frase que achei muito forte e que diz que "a indústria farmacêutica possui os médicos e dita o curso da educação, da pesquisa e, em última análise, da prática da Medicina em níveis previamente inimagináveis". Esse é um trabalho feito por Sarmiento em 2001.
Então, entendemos o seguinte: no nosso capítulo sobre ensino e pesquisa médica, há o art. 104, que diz que é vedado ao médico "deixar de manter independência profissional e científica em relação a financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais". Então, no campo da pesquisa, na área da saúde pública, a gente também tem de caminhar no sentido de uma independência para nortear o que devemos pesquisar.
Em 2011, criamos um protocolo firmado entre a Interfarma, que é uma associação de indústrias farmacêuticas estrangeiras, a Associação Médica Brasileira, a Sociedade Brasileira de Cardiologia e o Conselho Federal de Medicina. Nós criamos esse protocolo de regras de boas práticas exatamente para diminuir o conflito que existe entre a indústria farmacêutica e o médico, buscando a autonomia do médico e uma base de relacionamento, com a troca de informações bem consensuais na assistência médica, que sejam transparentes, admitidas de forma não disfarçada. Com isso, temos uma grande vantagem: os médicos melhoram o relacionamento com a indústria farmacêutica, que tem uma importância muito clara; a indústria proporciona mais credibilidade e transparência; e a sociedade vem a lucrar, pois passa a entender melhor a eficácia e a eficiência da prescrição, fortalecendo a relação entre o médico e o paciente.
Sobre a hanseníase, em 2005, nós divulgamos a Resolução nº 1.780, que dispõe sobre a responsabilidade ética das instituições e dos profissionais médicos na prevenção, no diagnóstico e no tratamento dos portadores de hanseníase, Professora.
(Soa a campainha.)
O SR. HENRIQUE BATISTA E SILVA - É dito:
Art. 1º. O atendimento profissional a pacientes portadores de hanseníase é imperativo moral da profissão médica, e nenhum médico pode recusá-lo ou deixar de participar [...].
Parágrafo único. Tal imperativo é extensivo às instituições médico-assistenciais de qualquer natureza, pública ou privada.
Encerrando minha participação, quero destacar que, no Conselho Federal de Medicina, nós dispomos de 14 comissões, de 35 câmaras técnicas e de 34 participações em câmaras técnicas externas, no Ministério da Saúde e em outras entidades públicas e privadas.
Quero destacar as comissões, pois nós trabalhamos bem esse assunto: a Comissão de Ensino Médico, onde fizemos recentemente um fórum com a Abem, exatamente aprofundando a questão da Lei nº 12.871, na questão do ensino; a Comissão de Bioética; a Comissão de Direito Médico; a Comissão de Humanidades Médicas, importante para essa questão; a Comissão de Ações Sociais - para o seu plenário esse assunto poderá ser levado -; e a Comissão do ProSUS. Entendemos que o Sistema Único de Saúde é fundamental para a saúde do povo brasileiro e para todos nós como conquista social.
Assim, quero agradecer aos senhores a nossa participação e colocar à disposição o Conselho Federal de Medicina. Agradeço por esta honrosa presença aqui, neste debate.
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O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Agradeço as palavras do Dr. Henrique.
Quero registrar a presença do Dr. Eduardo Queiroz, da Fundação Maria Cecília, que está nos visitando e muito nos honra com sua presença.
Temos agora que encerrar a reunião, devido à reunião do Colégio de Líderes, mas ainda quero passar a palavra à D. Marly, que está nos visitando, e ao Dr. Eglif, que quer ter a palavra também.
Passo a palavra à D. Marly para suas considerações.
A SRª MARLY ARAÚJO - Bom dia. Sou paciente de hanseníase, fui tratada em 2000. Uma das coisas que eu gostaria de colocar para a escola médica, para o Conselho Federal de Medicina é que até hoje os médicos se recusam a atender pacientes de hanseníase. Eles o atendem, quando fazem o diagnóstico: "Não quero mais ser seu médico" ou "Não vou mais ser seu dentista" e por aí vai.
Quanto ao isolamento que foi falado aqui, eu brinco sempre que o preconceito contra a hanseníase vem na hora errada, vem na hora em que a gente está tratando, em que a gente deixou de transmitir. A pessoa viveu com a gente dez, vinte anos enquanto a gente era transmissor, quando a gente para... Uma das coisas que acho que está na hora de a gente começar a pensar é no tipo de proteção para as pessoas que estão adoecendo hoje. Uma proteção de assistência completa, porque as pessoas ficam incapacitadas para o trabalho, as sequelas de hanseníase não são consideradas deficiência, você consegue um emprego, mas o seu diagnóstico não entra como deficiência, e você não consegue recolocar essas pessoas no mercado de trabalho. Uma coisa que quero deixar para o Senado Federal e para as pessoas pensarem: as sequelas de hanseníase podem não ser aparentes, mas são incapacitantes. No meu caso, perdi a força. Como eu, muitas empregadas domésticas. Como é que você vai contratar uma pessoa que deixa cair tudo das suas mãos, que não torce um pano de chão? Então, a gente tem que começar a pensar numa assistência a essas pessoas.
Quanto ao diagnóstico, eu estive durante uma semana com o Dr. Marco Andrey, com uma equipe de Brasília e outra do Hospital das Clínicas de Ribeirão. Em uma semana, pelo terceiro ano consecutivo, a gente consegue diagnosticar praticamente 25% dos casos novos do Distrito Federal. Se se fizer uma campanha hoje, uma grande campanha dos sinais sintomáticos, para que os médicos fiquem alertas quanto a isso... Porque tem médico que me pergunta se hanseníase ainda existe, médico que trabalhou comigo na Secretaria de Saúde. Se isso acontecer, os 30 mil casos provavelmente pularão para cem mil. Só com uma grande campanha, com uma grande mobilização vamos conseguir, daqui a 20 anos, eliminar essa doença. Com um aumento muito grande dos casos, uma descoberta precoce de muitos casos quebra a cadeia de transmissão. Não vejo outra saída para a hanseníase.
Acho que hanseníase, tuberculose, leishmaniose, essas doenças negligenciadas e muitas outras deveriam ser matéria obrigatória em todos os cursos de Medicina, mas não em dermatologia, porque na dermatologia ele vai ver outras coisas; tinha que ser hanseníase. Quando adoeci, eu fiquei tão revoltada por passar sete anos dentro da Coordenação de Hanseníase, dentro do Departamento de Saúde Pública e ninguém fazer meu diagnóstico, que procurei o Presidente do Conselho Regional de Medicina aqui e consegui com ele publicar um artigo sobre dados, peguei no Ministério, eles escreveram um artigo muito bom. Os médicos acordaram: "Marly, ainda existe isso?" Eu digo: "Existe". Então, acho que o Conselho Federal, os Conselhos Regionais, as Escolas de Medicina, temos todos que nos juntar para informar que a hanseníase existe e que o diagnóstico, felizmente ou infelizmente, sai num exame clínico. Se o médico não vê, ele só lê, ele não vai saber fazer. O exame é clínico!
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Eu tenho dois sobrinhos que se formaram - um, numa universidade particular; outro, numa universidade pública -, e os dois tiveram, durante o curso, o assunto específico da hanseníase. Todo o assunto específico de hanseníase foi abordado, durante todo o curso de Medicina, em 12 horas; duas horas por ano de curso de Medicina. Ninguém aprende hanseníase em 12 horas. As pessoas saem sem saber nada de hanseníase. E essa despesa de treinar todo mundo fica depois para o Ministério. Mesmo os treinamentos que estão acontecendo hoje no Mais Médicos e outros... Eu tenho uma amiga que foi para o treinamento de saúde no Mais Médicos e ficou horrorizada. Foram oito horinhas de aula sobre hanseníase.
Então, nós temos de começar a pensar em hanseníase, porque não há, como na tuberculose, um exame que dê "positivo" ou "negativo". O exame que vai fechar o diagnóstico é o exame clínico - a Drª Leontina me corrija.
Então, que as pessoas estudem hanseníase, para ninguém... Eu hoje brigo pelo diagnóstico da hanseníase para ninguém sofrer o que eu sofri, porque quase me convenceram de que eu era doida, e eu me aposentei com o diagnóstico de alguma doença mental, porque eu não aceitava o diagnóstico de LER - o que, de fato, não era.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Nós é que agradecemos, D. Marly.
Passamos a palavra ao Sr. Eglif, diretor de Assuntos Jurídicos da Federação Nacional dos Médicos (Fenam).
O SR. EGLIF DE NEGREIROS FILHO - Em primeiro lugar, bom dia a todos.
Senador José Medeiros, eu fui convidado pelo Senador Paulo Paim para também participar da Mesa, pela Federação Nacional dos Médicos, e trazer uma contribuição, mas quero parabenizar aqui os colegas - a Leontina, o Henrique, o Vinícius, o Sigisfredo, o Alexandre. Foi ótimo, foi maravilhoso, porque cada um foi colocando uma peça no quebra-cabeça e fechando com brilhantismo um tema que é muito preocupante para nós, médicos. Muito preocupante! Isso porque a razão nossa, de todos aí na frente, de todos aqui, a razão dos médicos é tratar os nossos pacientes. E, para tratar os nossos pacientes, os médicos têm de estar muito bem aparelhados de conhecimento e de condições de trabalho.
Senador, a Federação Nacional dos Médicos (Fenam)... Quero parabenizar também minha querida amiga ali, que expôs um espinho na carne que é verdade; a senhora está coberta de razão.
Mas, Senador José Medeiros, eu quero parabenizá-lo e ao Senador Paulo Paim pela propositura de realização da audiência; quero parabenizar todos aqui, agradecer e dizer que a Fenam (Federação Nacional dos Médicos) está à disposição sempre desta valente Comissão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Nós é que agradecemos, Dr. Eglif.
Agora eu passo a palavra à Senadora Regina Sousa.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Eu quero cumprimentá-lo pela audiência, mas, primeiro, pedir desculpa porque aqui, nesta Casa, infelizmente, as coisas acontecem ao mesmo tempo. Então, eu tive de me ausentar para votar algumas coisas em outra Comissão que precisava de quórum. Assim, eu perdi a maior parte das exposições, tanto que fiquei com perguntas. A minha pergunta a respeito da formação do médico - não só do médico, mas de todo o pessoal da área da saúde - tratava dessas questões, mas eu acho que ela já me respondeu, ela basicamente já me deu ali uma resposta, e eu acho que, se não houver na formação, não vai tratar mesmo não.
Eu estava me lembrando de que tive casos de hanseníase na minha família, pessoas bem próximas, e ninguém me pediu um exame para... Mas me pedem 500 exames. Eu até brinco com meu médico: "Eu preciso fazer esse monte de exames mesmo?" A gente passa um mês fazendo exames. Mas nunca ninguém se preocupou com essa coisa. Então, quer dizer, faz parte da formação. Acho que precisa estar na formação realmente.
A outra coisa eu queria colocar talvez como sugestão. Nós temos um Conselho Nacional de Saúde que discute as políticas; então, tinha que haver um membro desse Conselho que fosse representante desse grupo, desse segmento das doenças negligenciadas que conseguisse pauta. Se não vai para a pauta, não é visto e não vai ser nunca tratado.
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Eu fico irritada quanto tenho algumas coisas e digo para o médico: "Ah, isso não tem jeito, não. Isso eu também tenho". Sinusite por exemplo. Doutor, eu sofro muito com sinusite. "Ah, isso não tem nada, não. Isso eu também tenho". Quer dizer, há algumas coisas a que as pessoas não se dedicam a estudar. Alguém tem que se dedicar a estudar essas coisas. E o palco da discussão deve ser o Conselho Nacional de Saúde, que é quem discute as políticas públicas da área.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Passo a palavra ao Conselheiro Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Artur Custódio Moreira.
O SR. ARTUR CUSTÓDIO MOREIRA DE SOUSA - Bom dia.
Saúdo esta Comissão por ter abordado esse tema.
Na verdade, como membro do Morhan, Coordenador Nacional do Movimento de Hanseníase, quero indicar algumas questões.
O Dr. Ximenes colocou muito bem quando disse que é uma questão de falta de equidade. As dez doenças negligenciadas neste País sofrem do problema da falta de equidade. Talvez o mais importante para o Senado se debruçar nessa questão seja tentar diminuir esse vácuo que existe entre as doenças negligenciadas e as políticas que têm de ser desenvolvidas. Só para citar um exemplo, o Brasil é o primeiro lugar do mundo em incidência da hanseníase.
A hanseníase foi colocada agora na Comissão de Direitos Humanos da ONU. A ONU lança uma resolução de direitos humanos, o Brasil é chamado a responder à comissão, e o Governo não respondeu. Somente os movimentos sociais responderam ao pedido da ONU.
Então é importante que o Senado pressione e auxilie o Ministério da Saúde na execução de algumas políticas.
Só para lembrar, foi assinado também pela AMB o apelo global contra o preconceito com relação à hanseníase. É preciso avançar nisso.
No campo da formação, o Ximenes falou muito bem sobre isso, mas quero lembrar que, por exemplo, lá em Recife, quando o Ximenes desenvolveu uma grande campanha, chamada campanha dos espelhos, entrando na questão da educação e saúde, nós descobrimos muitos casos de hanseníase. E veio no embalo, com a campanha dos espelhos, a obesidade e outras questões.
Na verdade, estamos lidando com uma doença que tem uma distribuição irregular. O Brasil, com seus mais de 30 mil casos de hanseníase, tem no Rio Grande do Sul a menor incidência. E, por ter a menor incidência, apresenta a maior quantidade de casos que chegam com sequelas no serviço de saúde, porque os médicos não estão vendo mais. E é onde está a maior concentração de escolas médicas. Porém, na formação, não se vê o paciente, não se vê a pessoa atingida pela doença.
Então, como vamos desenvolver isso? Como vamos trazer para esse profissional que está sendo formado em áreas de baixa endemia, mas que também devem ter política pública, a vigilância desses casos em relação a outros?
Por último, quero lembrar que este Congresso Nacional votou outra lei, que é a Lei do Dia Nacional de Luta Contra a Hanseníase, comemorada no mesmo Dia Mundial de Combate à Hanseníase.
Infelizmente, desde que foi votada, não houve mais campanha nacional de televisão. E digo campanha nacional de mídia. Não digo campanha de redes sociais ou campanhas localizadas. Quando nós íamos lá para o interior da Paraíba, com o Ximenes fazendo campanha de hanseníase lá, o que nós víamos? A pessoa tinha antena parabólica, que pega a rede nacional. Então não adianta fazer campanha de televisão local. Assim não se abrangem esses Municípios.
Então é importante que esta Comissão...
Como a Comissão de Direitos Humanos da ONU tem chamado para si - como uma forma de resolver essa falta de equidade com relação às doenças negligenciadas - a responsabilidade sobre a hanseníase, talvez seja importante esta Comissão de Direitos Humanos olhar para a questão da hanseníase, ampliando para a Doença de Chagas, que mata silenciosamente neste País milhares de pessoas por ano.
Então nós precisamos avançar, sim, nas políticas públicas com relação à hanseníase.
(Soa a campainha.)
O SR. ARTUR CUSTÓDIO MOREIRA DE SOUSA - O Ministério da Saúde precisa se debruçar sobre isso e talvez pensar que campanha de hanseníase tem que haver todo ano.
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E o olhar da educação e da saúde talvez seja melhor e menos viciado do que o olhar do próprio programa de hanseníase. Como vocês têm a prática da gestão participativa, de chamar os movimentos sociais, de discutir, que a gente se debruce sobre isso.
E, por último, quero aconselhar que talvez este debate possa ter outra etapa, que seria chamar os movimentos sociais. É claro que nós temos um pouco mais de movimentos sociais na hanseníase, mas existem o movimento social da doença de Chagas e outros que estão nascendo e podem colaborar com esse debate.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Muito obrigado.
Dado o nosso tempo extremamente apertado, vou conceder um minuto para cada um fazer as suas considerações finais, começando pelo Dr. Brenelli.
O SR. SIGISFREDO LUIS BRENELLI - Quero lembrar que só dar curso não adianta, senhora. É preciso realmente expor a realidade para se poder enxergar, senão doze horas de aula não resolvem, nem cem horas de aula. Por isso, a questão do currículo tem que ser repensada de forma totalmente diferente e passa por aquilo que o Prof. Henrique falou, de tentar entender que na hora em que vai começar a se formar como profissional da saúde, você tem que ter um compromisso com a saúde, que é muito mais do que um compromisso biológico ou individual, é social.
O SR. ALEXANDRE MEDEIROS DE FIGUEIREDO - Bom, agradeço novamente a oportunidade para participação. Coloco que nós estamos à disposição no Ministério da Saúde para continuar o debate. Aproveito para convidar a Marly e o Artur para que possamos discutir sob a perspectiva de quem sofre efetivamente, como montamos as nossas capacitações. Queremos discutir junto com o Conselho Federal de Medicina, com as universidades, com a Fenam, com o Senado, e queremos especialmente entender o que não funciona. Talvez a D. Marly e o Artur tenham colocado aqui de forma muito brilhante o que precisamos melhorar nas nossas qualificações, nos nossos processos de trabalho.
Então, é uma perspectiva nova que estamos desenvolvendo no Ministério da Saúde - na SGTES, especificamente -, que é exatamente escutar grupos de usuários de uma determinada patologia para pensarmos como se consegue construir o cuidado, porque não é apenas a prescrição, é como eu chego, como eu comunico. Vários aspectos que a senhora trouxe, D. Marly, são importantes para a formação, e eles têm que estar presentes em qualquer formação que formos fazer.
E queremos convidá-los - eu sou Conselheiro Nacional de Saúde - para que nos encontremos no Conselho Nacional de Saúde. Temos o Morhan, há representantes lá. Nós estamos à disposição. Quero colocar para a Senadora Regina que levarei ao Conselho Nacional de Saúde esta discussão, já que sou Conselheiro, e levar para o CFM. Agradeço a participação. Acho que foi uma participação muito interessante e estamos sempre abertos para o debate profícuo, que leve à melhoria da saúde pública brasileira. É isso que nós desejamos.
Obrigado.
A SRª LEONTINA DA CONCEIÇÃO MARGARIDO - Mais uma vez, eu quero parabenizar V. Exª por uma iniciativa de tamanha importância para o nosso País.
Eu gostaria muito de insistir para que haja um aumento da educação, do treinamento teórico e prático sobre as nossas grandes endemias brasileiras, hoje chamadas "negligenciadas", incluindo a moléstia de Hansen, milenarmente estigmatizada e marginalizada. Jesus foi o primeiro que historicamente incluiu os leprosos da época e a mulher, que eram considerados fora da sociedade.
Então, uma maneira de incluir, tratar e eliminar um problema de saúde pública é melhorar a educação, aumentar as doses de BCG e ensinar a todos os graduandos as manifestações iniciais, precoces, e o uso da estamina, que é barato, prático, e em dois minutos a gente diferencia o início dessa moléstia, impedindo a evolução e evitando que a gente continue tendo um grande número de casos contagiantes no nosso País.
Sr. Senador, mais uma vez, que Deus o abençoe, e que nós consigamos melhorar esse grave problema no nosso País. Parabéns!
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Eu que agradeço. Começou a reunião do Colégio de Líderes. Eu vou passar a Presidência para a Senadora Regina, que vai encerrar, e desde já agradeço a todos os participantes por este belíssimo debate de extrema importância para a sociedade brasileira, principalmente para o meu Estado de Mato Grosso.
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Os números colocados aqui são bastante preocupantes, porque nós estamos ali - eu ouvi aqui o termo - numa hiperendemia. Na verdade, não é nem uma epidemia.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - Hiperendemia
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Então, nós estamos com esse desafio no Estado de Mato Grosso é muito maior do que no restante do País. Como Mato Grosso é um Estado que está em pleno desenvolvimento, lá nós estamos assim numa espécie de fartura de tudo: fartura de grãos, fartura de minérios, mas também fartura de faltar tudo. Então, a gente precisa muito desse aporte do Governo Federal, do Ministério, para que o Estado possa sair desse ranking.
Vou passar a palavra para o Dr. Henrique.
O SR. HENRIQUE BATISTA E SILVA - Obrigado, Senador José Medeiros.
Eu tenho mais uma vez a oportunidade de agradecer por estar presente neste debate, ressaltando a importância do tema. Esse é um tema que alcança todos nós. Quero dizer o seguinte: quando terminamos uma reunião desse tipo, acredito que nós, os componentes da Mesa, todos aqui, mas principalmente os componentes da Mesa, porque representam instituições públicas, têm um compromisso. Acho que cada um de nós tem um compromisso aqui, tanto o Dr. Alexandre Figueiredo, do Ministério da Saúde, o Ministro Ximenes, do Ministério da Educação, quanto nós outros, o Prof. Brenelli, da Abem, e a Profª Leontina.
No meu caso, Dª Marly, acredito que essa questão de os médicos recusarem a atender os pacientes não está exatamente dentro do norteamento nem dentro da normatização da nossa profissão, como foi mostrado aí. A senhora viu a nossa Resolução nº 1.780, que trata desse tema, ou seja, o médico é obrigado moralmente a atender. Mas eu quero chamar a atenção para o fato de que não basta a gente falar. É preciso que a gente saia daqui com alguma coisa de concreto para poder fazer a coisa funcionar. Senão, a gente fica falando, falando, divagando e não sai do lugar.
Todos nós aqui temos um compromisso. Eu me comprometo a levar ao plenário do Conselho Federal de Medicina uma proposta. Acho que cabe criar uma instância, uma comissão que trate de um problema tão sério quanto este de doenças negligenciadas. Eu acredito que a gente poderia já aqui ter os representantes, inclusive também uma representação do coletivo da sociedade para fazer parte disso. Assim, a gente poderá universalizar essa questão para os conselhos regionais e também para as faculdades de Medicina.
A gente está trabalhando muito agora em consonância com a Abem, porque nosso interesse é melhorar o ensino médico. Temos críticas com relação a uma quantidade muito grande de faculdades de Medicina que estão sendo abertas no Brasil. São mais de 266. Acho que já passaram da conta. Mas a gente tem que fazer uma crítica construtiva, com o respeito que as instituições merecem, num Estado de direito democrático como é o Brasil.
Então, mais uma vez agradeço a todos.
O SR. VINÍCIUS XIMENES - Bom, primeiramente agradecer a oportunidade. Acho que o debate é muito rico. A própria rodada de comentários já trouxe vários temas para a gente - o Brenelli. Esse é um debate importante, porque não se trata somente dos médicos, pois o profissional de enfermagem é fundamental no processo de diagnóstico e acompanhamento do paciente; também a fisioterapia é importante no que diz respeito à reabilitação. Então, há uma série de discussões que envolvem toda a formação na área da saúde.
O Dr. Henrique fez um debate que envolve a formação, a Justiça e a equidade, que são fundamentais para a modernização da ética e bioética no Brasil.
O Dr. Alexandre Medeiros fez um debate sobre a educação permanente, que é também fundamental, porque muitas vezes um médico que se formou em determinada região do Rio Grande do Sul, por exemplo, não vai ter pacientes com hanseníase. Mas como esse paciente aprende a aprender ao longo de toda a vida... Se ele vai morar no interior da Paraíba, que consiga ter conhecimento acessível e possa adquirir competência para garantir um melhor acompanhamento desses pacientes.
A Dª Marly trouxe uma questão muito importante, que é o debate da seguridade como um todo. Ou seja, além do debate do diagnóstico com os pacientes, há também todo o cuidado integral do paciente. O debate da seguridade tem que vir para o centro dessa roda.
A Senadora Regina discutiu a questão dos exames. Acho que ela foi muito feliz, porque hoje existe uma indústria dessa coisa do check-up e, muitas vezes, não há um método clínico centrado na pessoa, para entender a necessidade daquela pessoa, a dimensão familiar dela.
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Um paciente comunicante de uma família que tem hanseníase merece fazer o bloqueio vacinal preventivo e, em alguns casos, fazer o exame dermatoneurológico, quando há manchas, sinais, achados.
Artur, você com esse cabelo grande está diferente, amigo; eu não estava reconhecendo. Acho que é uma questão muito importante. Eu, como médico, aprendi muito com o Morhan. Uma coisa que nós temos buscado trabalhar com a questão médica atual, Senador - para fechar a minha fala -, é: aprender junto com os movimentos sociais - isso é uma questão fundamental.
A questão da hanseníase envolve o debate do autocuidado. As pessoas estão, no nosso mundo, perdendo a consciência corporal. A pessoa não consegue ver o próprio corpo, identificar um sinal ou sintoma, porque ela não tem um espelho em casa. E o Morhan é o movimento que eu acho que traz uma contribuição fundamental para a gente aprender, junto com a sociedade, como se cuidar e resgatar uma dimensão cuidadora da vida.
Muito obrigado pela oportunidade!
Nós do Ministério da Educação estamos totalmente abertos para que o Senado, os movimentos sociais, as instituições de entidade civil e autárquicas possam participar conosco desse movimento de reforma da educação médica no País.
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Muito obrigado, Dr. Eglif, Artur, D. Marly, todos os que fizeram parte da Mesa.
Está encerrada esta reunião.
(Iniciada às 9 horas e 22 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 42 minutos.)