16/08/2016 - 25ª - Comissão de Assuntos Econômicos

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Declaro aberta a 25ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos.
Comunico o recebimento dos seguintes documentos, para conhecimento:
Tribunal de Contas da União. Aviso nº 35, de 2016, encaminhando cópia de acórdão proferido pelo Plenário daquela corte nos autos do processo na sessão de 13 de julho de 2016, acompanhado do voto e do relatório que o fundamentam, acerca dos coeficientes de participação dos Estados e do Distrito Federal nos recursos do FPE para o exercício de 2017.
Banco Central do Brasil: Aviso nº 36, de 2016, de 26 de julho, encaminhando o demonstrativo das emissões do real referentes ao segundo trimestre de 2016, as razões delas determinantes e a proposição das reservas internacionais a elas vinculadas, bem como o relatório da execução da programação monetária.
Aviso nº 37, de 2016, do Ministério da Fazenda, encaminhando o programa de recompras de títulos da dívida pública mobiliária federal externa, dentro das operações de administração de passivo realizadas no terceiro bimestre de 2016, em atendimento à resolução do Senado Federal nº 20, de 2004.
Aviso nº 39, de 2016, de 28 de julho, do Ministério da Fazenda, encaminhando a relação das operações de crédito analisadas no âmbito daqueles Ministérios no mês de junho de 2016, além de tabelas demonstrativas da posição de endividamento dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em atendimento ao art. 41 da Resolução do Senado Federal nº 43, de 2001.
A pauta. É uma audiência pública interativa, que ocorre por requerimento apresentado por mim e pelo Senador Cristovam Buarque, para debater a Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o novo regime fiscal.
Os convidados são: Sr. Mansueto de Almeida, Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda; Sr. Marcos Mendes, Chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda; Sr. Felipe Rezende, Professor do Departamento de Economia da Hobart and William Smith Colleges, Estados Unidos; Pedro Linhares Rossi, Professor Doutor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp).
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Convido os nossos palestrantes a tomarem lugar à mesa. (Pausa.)
A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, em atendimento ao Requerimento nº 19, de minha autoria, como disse, e de autoria do Senador Cristovam Buarque, promove, nesta terça-feira, dia 16 de agosto, audiência pública para debater a Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir um novo regime fiscal.
Trata-se da PEC do chamado limite de gastos, proposta pelo Governo interino do Presidente Michel Temer, cuja aprovação promoverá uma mudança significativa na gestão pública nacional pelos próximos 20 anos.
É importante destacar o período de repercussão dessa proposição, pois, muito embora seja anunciada como medida de ajuste fiscal do atual Governo, na prática, sua eficácia recairá efetivamente nos quatro ou cinco governos que virão após a gestão dos autores da proposta. Daí por que, Srªs e Srs. Senadores, reveste-se de fundamental importância o aprofundamento desse debate, exatamente para que o Congresso Nacional possa decidir da forma mais adequada possível sobre algo que avançará de maneira tão contundente nas próximas administrações do País.
Além disso, Srªs e Srs. Senadores e todos que nos acompanham, mais do que uma alteração constitucional que impacta outros governos, a proposta traz um dos debates mais importantes para o País nos últimos tempos. Trata do papel do Estado para a sociedade, para a vida das pessoas. A política fiscal - grosso modo, arrecadar e gastar - é definidora do modelo de desenvolvimento que queremos para o País. Numa sociedade tão desigual como a nossa, o Estado tem um importante papel a cumprir.
Aprovada a matéria como foi proposta, ficam os próximos governos impedidos de fazer política fiscal, mesmo que a conjuntura exija. Ficam as próximas administrações reduzidas em seu poder de decisão de escolha de prioridades. Afinal, os gastos públicos, excetuado o pagamento de juros e algumas outras exceções, estarão condicionados à inflação pelos próximos 20 anos, independentemente do crescimento da economia no período.
Por isso, a importância deste debate, para que possamos ouvir as diversas posições sobre a conveniência de promovermos uma mudança tão radical em nosso regime fiscal.
Muito embora a matéria ainda esteja na Câmara dos Deputados, diante da relevância do tema e entendendo que a Comissão de Assuntos Econômicos tem a obrigação de exaurir este debate, apresentamos, eu e o Senador Cristovam Buarque, este requerimento, que apenas inicia as discussões sobre a proposta nesta Casa, até porque, pelo que considero um defeito do Regimento da Casa, no Senado, as PECs tramitam apenas na Comissão de Constituição e Justiça, mesmo aquelas que tratam de assunto de natureza eminentemente econômica, como é o caso.
Tenho a convicção de que a CAE poderá prestar um papel decisivo neste debate e, ao final, dotar o Senado Federal de todos os elementos necessários para que votemos uma proposta cuja aprovação pode impactar enormemente os próximos 20 anos da vida nacional.
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Gostaria muito de agradecer a presença de nossos convidados, Dr. Mansueto de Almeida, Dr. Marcos Mendes, Dr. Felipe Rezende e Dr. Pedro Linhares.
Esta reunião está sendo realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou ligando para o número 0800-61 2211.
Os convidados já estão aqui. Podemos iniciar, portanto, as apresentações.
Cada convidado fará sua exposição por vinte minutos, podendo ter um tempo de mais dez minutos se for assim necessário. Em seguida, nós abriremos a fase de interpelação dos Senadores e Senadoras inscritos.
A palavra aos Senadores e Senadoras será concedida na ordem de inscrição, conforme a presença em plenário. A ordem de exposição será: em primeiro lugar, o Sr. Mansueto Almeida; em segundo lugar, o Sr. Marcos Mendes; em terceiro lugar, o Sr. Felipe Rezende e, em quarto lugar, o Sr. Pedro Linhares Rossi.
Com a palavra o Sr. Mansueto Almeida.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Bom dia! Quero agradecer a gentileza da Senadora Gleisi Hoffmann, Presidente da Comissão, pelo convite. Quero agradecer também a gentileza da presença de todos vocês, Senadores, assessores, jornalistas. Quero agradecer também aos meus companheiros de Mesa aqui. É muito bom a gente ter esse tipo de debate. É essencial para a tomada de decisão que o País precisa passar ter cada vez mais um debate transparente e aberto.
Eu costumo falar o seguinte: ajuste fiscal é, por natureza, um ajuste político. Vocês não vão encontrar em nenhum livro de economia como se deve fazer um ajuste fiscal. Ajuste fiscal tem que ser debatido exaustivamente, tem que ser decidido nesta Casa. Esta Casa é que vai fazer o ajuste fiscal.
O que o Governo vai encaminhar para o Congresso é uma proposta. Essa proposta tem que ser debatida profundamente, de forma transparente, para se chegar a um eventual consenso.
É preciso, no Brasil, a gente perder o medo de debater. A gente tem que ter transparência, tem que sentar à mesa e debater qualquer tipo de ideia. Uma coisa que prejudicou o crescimento deste País anos atrás, décadas atrás, foi justamente a falta de debate. Então, é muito bom a gente estar numa democracia e poder debater e respeitar o contraditório.
Fico muito feliz de ter sido convidado para falar sobre desafios do ajuste fiscal nesta Casa e nesta Comissão, que tem sido bastante importante para o aprofundamento de ideias econômicas e o crescimento do País. Então, agradeço a oportunidade de debater aqui com meus amigos, colegas pesquisadores, com os Senadores e com todos vocês que estão presentes aqui na CAE.
O primeiro ponto é um diagnóstico rápido que vou fazer sobre aonde nós chegamos. Vou enfatizar que o desequilíbrio que o Brasil passa não decorreu de má vontade ou de boa vontade de ninguém. Normalmente, quando se aumenta o gasto público, quando se faz política pública, as intenções sempre são boas. Só que, infelizmente, a gente chegou a um grau de desequilíbrio fiscal muito grande.
No primeiro ponto, eu vou falar o seguinte: o Brasil, dado o nosso nível de desenvolvimento... Qual é o nível de desenvolvimento do Brasil? A gente está falando de um país de renda média; de um país que, há dois, três anos, tinha uma renda média em torno de US$10,5 mil. Essa renda per capita do Brasil está caindo para algo como US$7,5 mil.
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Então, o Brasil é um país de renda média. O Brasil não é um país rico. Para um país de renda média, quando a gente compara os dados do FMI - se a gente não gostar do FMI, a gente pode pegar o Banco Mundial, o Banco Interamericano, pode pegar qualquer dado de qualquer instituição internacional -, para o nosso nível de desenvolvimento, o Brasil tem um gasto público alto. Esse é o gasto público do setor público. Inclui o pagamento de juros.
No ano passado, o gasto público do Brasil foi em torno de 43% do PIB. A média dos países desenvolvidos é 39% do PIB; a média dos países emergentes é 31,5% do PIB. Logo, o Brasil tem um gasto público alto. Vocês poderiam me falar o seguinte: "Parte desse gasto público são juros." Vamos supor que o Brasil não paga juros, vamos supor que o que o Brasil pagou de juros no ano passado não tivesse ocorrido. Essa conta de 43% do PIB ia cair para 35% do PIB. A gente ainda teria um gasto acima da média dos países emergentes. Mesmo que a conta de juros fosse zero, mesmo que se decidisse dar um calote na dívida pública e pagar zero de juros, o gasto público do setor público, no Brasil, no ano passado, teria sido de 35% do PIB, acima da média dos países emergentes.
Como o Brasil gasta muito, e, normalmente - uma observação -, quanto um país deve gastar, se muito, pouco ou médio, essa é uma decisão política. Dado que o Brasil tem um gasto elevado pelo nosso padrão de desenvolvimento, que é um país de renda média, a carga tributária do Brasil é também acima da média da dos países emergentes. Essa é uma escolha social. Isso não tem nada a ver com a decisão de uma pessoa bem ou mal-intencionada. Essa é uma decisão política. Para sustentar o nosso gasto, precisamos de uma carga tributária alta. O problema é que nossa carga tributária, que é acima da média da dos emergentes... Nos países emergentes, a carga tributária média é 27,6% do PIB. No Brasil, está mais ou menos 36% do PIB. Vocês vão me falar o seguinte: "Eu escutei algum economista dizer que a carga tributária do Brasil era 36% do PIB." Era. Não é mais. Trinta e seis por cento do PIB está errado. A carga tributária do Brasil é em torno de 33% do PIB. É alta, comparando-se com os países emergentes. Comparando-se com as economias desenvolvidas, é menor.
Vale a pena dizer que, em teoria economia, a gente tem algo que se chama "paradoxo de Robin Hood". O que é? Em geral, os países que deveriam gastar mais com o social são os países mais pobres, mas é justamente o contrário: os países que mais gastam com o social são os mais ricos. O que a teoria econômica mostra, na minha interpretação, é o seguinte: à medida que o país vai ficando rico, consegue-se tributar mais sem atrapalhar o desenvolvimento.
Quando olhamos para países como a Alemanha, França, Itália... Vamos pegar a Alemanha, que é o segundo maior exportador do mundo. A Alemanha tem uma carga tributária baixa? Não. A Alemanha tem uma carga tributária alta. A carga tributária da Alemanha é acima de 40% do PIB, só que a produtividade do trabalhador na Alemanha é muito maior do que a do Brasil.
Então, se a gente quiser, no Brasil, no futuro, tributar mais - essa é uma escolha política -, a gente precisa também aumentar nossa produtividade. O que não é possível é, com a produtividade que a gente tem, cobrar, aumentar muito a carga tributária, porque isso vai atrapalhar o crescimento da economia. Vocês conversam com empresários, vocês conversam com acadêmicos, possivelmente vocês já escutaram isso várias vezes. Portanto, mais uma vez, para o nosso nível de desenvolvimento, o Brasil tem uma carga tributária muito acima, seis pontos do PIB, pelo menos, acima dos mercados emergentes.
Em período recente, aconteceu um problema. Qual foi? Como vocês sabem, grande parte da despesa pública é indexada à inflação. Ela tem regras próprias, mesmo quando o PIB cai 3%, 4%, essa despesa continua a crescer - eu vou mostrar os dados mais à frente. Mas, em período recente, a gente teve um problema, que foi o baixo crescimento, atrelado ao crescimento de gastos, tanto com a tendência que já vem, desde o início dos anos 90, como novos programas que foram criados...
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Eu não estou discutindo o mérito dos programas, eu estou dando só o dado. Dado que novos programas foram criados e houve uma queda de PIB, a despesa sobre o PIB aumentou e, nesse período, o Governo perdeu, de carga tributária, quase dois pontos do PIB.
Este ano, a arrecadação sobre PIB vai ter uma nova queda. Comparando 2011, quando a carga tributária era 18,7%, com o resultado deste ano, a gente vai ter uma perda de carga tributária de 1,8% do PIB. Então você teve, em um período de 2011 a 2016, uma perda de carga tributária de 1,8% do PIB. Simultaneamente, a despesa sobre PIB aumentou bastante. A despesa sobre PIB é um dado do Tesouro Nacional. Está disponível na internet. Isso é despesa primária do Governo central. O que é Governo central? É Tesouro mais Previdência. Isso aí não tem pagamento de juros.
O Brasil gastava 13,8% do PIB em 1997. Isso aumentou para 18,5% do PIB no ano passado. Este ano, esse dado vai para perto de 20% do PIB. Aí vocês vão me falar o seguinte: como é que, em um ano em que o Governo precisa controlar o gasto, a despesa sobre PIB vai crescer meio ponto do PIB? É porque o PIB está caindo. Quando o PIB está caindo, a despesa sobre PIB cresce. Não tem mágica. Na realidade, se você olhar a despesa primária deste ano, de acordo com o último relatório de avaliação bimestral, ela será de R$1,240 trilhão. No ano passado, a despesa primária do Governo central foi de R$1,158 trilhão. Se vocês fizerem a diferença, verão que o crescimento nominal é 7%. A inflação esperada para este ano é 7,2%. Então, apesar de a despesa primária este ano não crescer em termos reais - ela vai crescer em termos nominais, próxima à inflação esperada -, a despesa sobre PIB vai aumentar, por quê? Porque o PIB está caindo.
Dado isso, os últimos gráficos para a gente ver exatamente onde a gente está e o tamanho da piora fiscal. Isso aí é o resultado nominal do setor público. Em dezembro de 2013, o Brasil tinha um déficit nominal de 3% do PIB. O déficit nominal do setor público brasileiro - Estado, Município e Governo Federal -, em dezembro de 2013, era 3% do PIB. O déficit nominal hoje do setor público brasileiro é 10% do PIB. Isso não é algo normal. Um país com um déficit nominal tão grande é um país que está passando por uma crise muito séria, ou uma crise bancária, ou uma crise decorrente de um problema muito sério no sistema imobiliário. No auge da crise americana, quando houve o estouro da bolha financeira, o déficit nominal dos Estados Unidos chegou perto de 9% do PIB. Nosso déficit nominal hoje está em 10% do PIB. É muito sério, e esse déficit nominal foi agravado por uma queda muito forte do primário.
O Brasil, do final de 2002 até meados de 2008, conseguia economizar, por ano, entre 3% e 4% do PIB. A gente chama de superávit primário do setor público tudo o que o setor público do Brasil arrecada menos o que ele gasta. Sem incluir na conta da despesa os juros, o Brasil conseguiu, por anos, economizar entre 3,5% e 4% do PIB, e hoje a gente está com um déficit primário de 2,5% do PIB, um déficit primário muito grande. Qual é o problema de o Brasil ter um déficit primário de 2,5% do PIB? O problema de o Brasil ter um déficit primário de 2,5% do PIB, além da conta de juros que a gente paga, é que a nossa dívida vai passar a crescer constantemente. Aí vocês vão me falar o seguinte: mas qual é o problema de o Brasil ter um crescimento da dívida? A dívida do Brasil hoje é 68% do PIB. A dívida do Japão é um pouquinho maior: é coisa como 240% do PIB.
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Vocês vão me falar: "Por que o Brasil não pode ser o Japão?" Por dois motivos. Primeiro, para padrões de país emergente, a nossa dívida já é a maior do mundo: antes, o país emergente de maior dívida, há quatro anos, era a Índia, que tinha uma dívida de 66% do PIB; o Brasil já ultrapassou a Índia como país emergente mais endividado. Por que o Brasil não pode se comparar com Estados Unidos, Alemanha e Japão? Porque, nesses países, o Governo consegue se financiar a um juro real negativo. Por algum motivo, nesses países, as pessoas estão dispostas a emprestar seu dinheiro ao Governo e receber de volta, depois de dez, vinte anos, um valor menor. Isso, no Brasil, acontece? As pessoas estão dispostas a emprestar ao Governo, durante dez, vinte anos, a um juro real negativo? Infelizmente não. Se o Brasil conseguisse financiar a sua dívida como fazem os Estados Unidos, como faz o Japão ou a Alemanha, o tamanho da nossa dívida não seria o problema, mas o Brasil não é a Alemanha, o Brasil não é os Estados Unidos, o Brasil não é o Japão. O Brasil só consegue financiar a sua dívida com juros muito altos. Então, dado o nosso nível de desenvolvimento, dado o custo que a gente paga na dívida - eu não posso forçar alguém a emprestar ao Governo a um juro zero, isso tem que ser voluntário -, dado o nosso padrão de desenvolvimento, a nossa dívida é muito alta. Então, a gente terá que estancar o crescimento da dívida e, para isso, o Brasil terá que economizar, terá que transformar esse déficit primário em um superávit primário.
Aí, vocês vão me falar: "Tudo bem, mas como é que a gente deve fazer isso?" Aí, entra o debate político. Qual é a velocidade desse ajuste? A velocidade desse ajuste é novamente um debate político. Se você conversa com alguém do setor financeiro, ele gostaria de que essa passagem do déficit primário para um superávit primário ocorresse em um, dois anos. Isso é impossível. Dado o ponto de partida, isso é impossível. Qual será a velocidade do ajuste? Quem decide a velocidade de ajuste não é um técnico dentro de um gabinete, são Deputados e Senadores.
Dito isso, por que a gente não corta o gasto? Por que a proposta do Governo de fazer um ajuste fiscal não é um corte radical de gastos? Vocês são Deputados, Senadores, muitos já foram governadores, vocês sabem claramente que o setor público não é uma empresa privada. Numa empresa privada, quando se tem que fazer um ajuste, você fecha um departamento rapidamente. Setor público não é assim, porque cada ministério, cada órgão público, quando é construído, há, por trás, alguma demanda. Não é fácil, nem é desejável que qualquer governo tenha capacidade de cortar rapidamente o gasto público.
Na história do Brasil, nos momentos em que a gente teve que fazer rapidamente corte de gasto público, para aumentar o primário, o gasto que foi sacrificado foi investimento público. Aí, não tenho o dado de 1999, mas, de 1998 a 1999, houve uma forte queda do investimento público. De 2002 a 2003, no início do governo Lula, por uma desconfiança de mercado - os dados eram bons, mas, mesmo assim, o governo quis mostrar que seria até mais responsável do que o mercado esperava -, a gente teve que rapidamente aumentar o primário, e houve novamente uma queda do investimento público. No ano passado, em 2015, houve novamente uma queda muito forte de investimento público.
Então, dá para fazer ajuste fiscal rapidamente, em um, dois anos? Infelizmente não. Não dá para fazer ajuste fiscal rapidamente, em um, dois anos. Se alguém souber de alguma forma e falar assim: "Ah, mas eu escutei, de uma consultoria internacional que a gente pode contratar, que ela pode fazer um ajuste fiscal de R$150 bilhões ou R$170 bilhões."
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Eu adoraria ver se isso é possível. Não conheço nenhum país do mundo que tenha feito ajuste fiscal numa proporção de dois pontos do PIB, rapidamente, em um ou dois anos.
Dito isto, a gente chega à questão da despesa primária. A despesa primária no Brasil cresce quase que continuamente, desde o início dos anos 90, em parte, por decisões nossas. Quando eu falo decisões nossas, estou colocando decisão da sociedade. A gente colocou uma série de coisas na Constituição, e tudo que está lá na Constituição é um desejo da sociedade. Mas tudo que a gente colocou na Constituição implica, do outro lado, a questão do financiamento. A gente colocou lá na Constituição que o Brasil teria um sistema público de saúde integral, universal e gratuito; que era dever do Estado prover serviço de educação; que o Estado iria investir em transportes, etc. Tudo isso se materializou no aumento do gasto público e, consequentemente, em um aumento da carga tributária.
Vamos lembrar que, de 1968 até 1994, a carga tributária do Brasil flutuou em torno de 25% do PIB. Aí vocês vão me falar o seguinte: quer dizer então que o Brasil antes, o Brasil da década de 80 tinha condições de financiar todas as suas despesas com uma carga tributária bem menor, de 25% do PIB? A resposta é "não". O problema é que, lá atrás, quando a gente não conseguia financiar com carga tributária, quem é que fechava a conta? A inflação.
Nos anos 90 - a gente deixou isso explícito -, o Brasil teve que aumentar a carga tributária para ser de acordo com a despesa primária. Mas se você olha o dado, a barra vermelha é o final do mandato presidencial. Desde o início dos anos 90, todos os Presidentes da República que entraram no Palácio do Planalto, ao sair, deixaram para trás uma despesa primária maior. Sem exceção, todos os Presidentes da República do Brasil, do início dos anos 90 até hoje, quando saíram, deixaram para trás uma despesa primária maior, o que significa que há algo estrutural no crescimento da despesa pública no Brasil. Isso aí é a despesa primária, Governo central. Repetindo: despesa primária não tem juros, e aqui é só o Governo central.
Se eu olho para este gráfico aqui, eu tinha despesa primária de 10,8% do PIB em 1981; no ano passado, foi para 19,5% do PIB; este ano, vai para 20% do PIB. Se eu pego de 1991 a 2015, eu tenho um crescimento de praticamente nove pontos do PIB. Eu quero saber o seguinte: explique-me para onde foi esse crescimento da despesa. É difícil? Não, é fácil. Para onde foi esse crescimento da despesa? Está aqui. A maior parte desse crescimento de quase nove pontos do PIB da despesa primária foi para programas que a gente chama de transferência de renda, inclusive seguro-desemprego, abono salarial e Previdência.
O que são programas de transferência de renda? É quando o Governo tributa João e Maria e transfere o dinheiro para José e para Renata. Isso é programa de transferência de renda - inclusive Previdência. Então, grande parte do crescimento, 65% do crescimento da despesa primária do Brasil decorreu de programas de transferência de renda. Em geral, as pessoas acham o seguinte: "Ah, não, é que no Brasil se inchou muito o setor público; começou-se a construir um bocado de órgão de que não se precisa; começou-se a contratar muita gente." Seria bom que isso fosse verdade, porque tornaria o ajuste fiscal muito mais fácil. Infelizmente, isso não é verdade.
Quando você olha despesa com pessoal sobre PIB, de 1991 até 2015, cresceu 0,4% do PIB, em um crescimento da despesa primária de quase nove pontos do PIB. Se vocês abrirem isso por década, grande parte desse crescimento ocorreu depois da Constituição, quando servidores públicos eram celetistas e foram transformados em estatutários.
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De 1990 a 1994, você tem o aumento da aposentadoria para o servidor público de um ponto do PIB em quatro anos. Depois, esse dado fica estável. Então, basicamente é isso que explica o crescimento da despesa primária.
Dado isso, nada aconteceu no ano recente? Não, no ano recente, foram criados novos programas. Não me cabe como técnico falar se o mérito dos programas é bom.
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Quando você cria programa para, por exemplo, dar casa mais barata para pessoas pobres, quando você cria programas para subsidiar pessoas pobres, isso é muito bom. O que não se pode fazer no Brasil é dar subsídio para pessoas ricas. Infelizmente, nos últimos anos, a gente também deu muito subsídio para pessoas ricas, que não precisavam.
Mas, além do problema estrutural, nos últimos anos, a gente fez uma série de outros programas que tiveram um impacto fiscal muito grande.
Em 2009, o Governo gastava com essas contas, que estou chamando com um conceito de subsídio mais amplo, R$5 bilhões. No ano passado, o Governo gastou com essas contas R$62 bilhões. Eu não estou falando nada se esses programas foram certos ou errados. Eu estou falando apenas o seguinte: dado que se resolveu gastar com novos programas, isso foi mais uma pressão do lado do gasto público. Aquela conta de subsídio é empréstimo, subsídio agrícola e do BNDES. Era uma conta de R$5 bilhões, uma conta que, em 2010, era R$8 bilhões. No ano passado, essa conta foi para R$23 bilhões. Quanto será essa conta, aquela primeira coluna, em 2016? Essa conta, em 2016, será de R$30 bilhões. Quanto será essa conta no próximo ano? Essa conta, no próximo ano, será de R$30 bilhões.
Vocês vão me perguntar: "Por que o Governo não corta subsídios?" O Governo não corta subsídios, porque parte desses contratos está em aberto. Quando alguém foi comprar um caminhão financiado pelo BNDES, em fevereiro ou março de 2013, a taxa de juros nominal era de 2,5% ao ano. O Governo emprestou, em 2013, a 2,5% ao ano. O juro no Brasil hoje já é muito maior, a inflação hoje é muito maior do que esse juro. Esse empréstimo que foi dado lá atrás, em 2013, continua em aberto, o que significa que o Governo, todos os meses, tem que pagar ao BNDES pela perda que o BNDES está tendo, que está ocorrendo por ter emprestado lá atrás, por cinco ou seis anos, a um juro muito baixo.
Então, essa conta de subsídio só vai diminuir quando esses contratos acabarem. Infelizmente, não dá para reduzir isso rapidamente.
Conta de Desenvolvimento Econômico. A desoneração que foi dada às contas de energia no setor elétrico criou um passivo para o Governo, e o Governo teve que fazer transferência para essa Conta de Desenvolvimento Energético. Não vai haver mais essas transferências, mas isso criou uma despesa que foi significativa em 2013 e 2014.
Minha Casa, Minha Vida. Minha Casa, Minha Vida é um programa bom? Claro.
(Soa a campainha.)
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu queria pedir para fazerem silêncio, principalmente a assessoria, e também alguns dos nossos Senadores que estão conversando.
Acho que é um tema de grande relevância, o Dr. Mansueto está fazendo uma exposição, um esforço para ser ouvido. Eu gostaria de pedir silêncio.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - É claro que o Minha Casa, Minha Vida é um programa bom, mas, novamente, a gente criou um programa cujo custo é de R$18 bilhões por ano e não discutiu o financiamento. Vocês vão me falar o seguinte: "Espera aí, mas a sua tabela está mostrando que o custo do Minha Casa, Minha Vida, caiu de quase R$18 bilhões em 2014 para R$12 bilhões em 2015." Caiu em termos. O que se fez? A gente jogou o que faltou ali para uma conta de vocês, para uma conta dos trabalhadores: para o FGTS.
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O FGTS bancou, de subsídio do Minha Casa, Minha Vida, no ano passado, R$12 bilhões. Então, parte dessa conta que diminuiu, na verdade, não diminuiu. A gente jogou para o FGTS.
Desoneração da folha. A gente - a gente, sociedade, sociedade brasileira, via Congresso Nacional - aprovou uma desoneração da folha. Novamente, a intenção foi muito boa, mas isso gerou uma perda de receita para o Governo, de R$25 bilhões. No ano passado, no Governo Dilma, foi proposta uma revisão desse programa, que foi modificado. Qual será o custo desse programa neste ano? R$18 bilhões. Mesmo com a modificação do ano passado, esse programa terá um custo de R$18 bilhões.
Ou seja, quando eu olho esses quatro programas, o custo que eu tinha que era de R$10 bilhões em 2010, no ano passado, foi R$62 bilhões e, neste ano, será algo em torno de R$62 bilhões a R$65 bilhões. Infelizmente, a gente criou programas novos. Falo infelizmente do ponto de vista fiscal. A gente continuou com gasto fiscal crescendo no ritmo que vinha, e a gente criou programas novos, tendo uma perda de receita. Isso explica a crise fiscal.
E aí eu entro num ponto que acho fundamental. É legítimo, é desejável que a esquerda no Brasil, que os partidos de esquerda, partidos de centro-esquerda debatam o aumento de gasto social, tributar mais rico. Isso é um debate legítimo e um debate que se espera da esquerda em qualquer país do mundo. Em qualquer país do mundo, a gente espera que a esquerda tenha o debate de tributar mais os ricos e gastar mais...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - E da direita. Isso é de todo mundo: de esquerda, direita, se é de direita...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Correto, Senador, correto. Mas tem algo fundamental. Quando olhamos o nosso gasto social, há algo no Brasil que é uma anomalia. É uma anomalia que cabe a nós corrigir. Eu defendo isso por uma necessidade que chamo aritmética; é o nosso gasto com Previdência. Isso são dados de 2009.
A razão de dependência é pessoas com mais de 64 anos de idade sobre a população em idade ativa, de 15 a 64 anos de idade. No Brasil, essa razão de dependência era de 10, em 2009; no Japão, 34. O Brasil já gastava com Previdência mais do que o Japão.
Aí, vocês vão me dizer: "A gente não precisa se preocupar porque o Brasil vai demorar muito a envelhecer como o Japão." Infelizmente, não. Eu vou ter a sorte de ficar velho e ter vários companheiros com quem jogar baralho, porque, quando a gente olha, o envelhecimento da população brasileira vai ser muito rápido. Ele vai ser muito mais rápido do que o que ocorreu em vários países da Europa no século XX. O Brasil tem hoje uma razão de dependência que está em torno de 12. Mais ou menos em 2046, daqui a 30 anos, essa razão de dependência vai ser em torno de 32%, que é o Japão hoje, um país que tem uma das maiores proporções de pessoas com mais de 65 anos, com relação à população em idade ativa. Ou seja, daqui a 35 anos, o Brasil será um país considerado, entre aspas, "velho", como o Japão.
Qual é o problema? O problema é que, em geral, em países em que a proporção de pessoas com mais de 65 anos de idade aumenta muito, o crescimento cai, e um número menor de pessoas têm de produzir o que antes era produzido por um número maior, exatamente o que estou falando. Isto aqui: em 2015, para cada pessoa com mais de 65 anos, o Brasil tinha oito pessoas em idade ativa, em idade de trabalhar. Daqui a 25 anos, em 2040, essa proporção vai cair pela metade. Para cada uma pessoa com 65 anos, o Brasil vai ter quatro. Daqui a 25 anos, o que aquelas oito pessoas estão produzindo hoje terá de ser produzido por aquelas quatro, o que significa que a produtividade, a capacidade de trabalho daquelas quatro tem de ser pelo menos igual ao daquelas oito.
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É fácil um país duplicar a produtividade em 25 anos? É extremamente difícil! Os casos, na economia, de países que conseguiram duplicar, ter um crescimento tão forte de produtividade, em um espaço tão curto de tempo, é uma coisa raríssima. Então, a gente corre o risco de se tornar um país velho, e um país velho ainda de renda média. É diferente do Japão, que, quando se tornou um país velho, já era rico. O Japão não cresce há duas décadas e meia, o Japão não cresce desde o início dos anos 90. Só que, quando o Japão parou de crescer, ele já era um país rico. O nosso dilema é que a gente corre o risco de se tornar um país velho como o Japão - velho não no sentido pejorativo, com uma proporção maior de idosos -, sem ter se tornado rico. E isso é um grande desafio para os nossos filhos e netos.
Se a gente não fizer nada na reforma da Previdência, se o Congresso decidir o seguinte: eu não quero fazer reforma da Previdência. É uma decisão legítima? Sim. Só que a gente vai ter que aumentar a carga tributária em dez pontos do PIB só para o déficit da Previdência não aumentar. O déficit da Previdência este ano, no Regime Geral de Previdência Social, será de R$149 bilhões, 2,5% do PIB. Essa é a projeção do Ministro Nelson Barbosa do ano passado.
No Ministério da Fazenda, no ano passado, estimava-se o seguinte: de 2016 a 2060, só a despesa previdenciária do INSS vai crescer nove pontos do PIB. Se a gente não quiser fazer reforma de Previdência, o Brasil terá que aumentar sua carga tributária em dez pontos do PIB apenas para evitar que o déficit da Previdência cresça, e não terá espaço para gastar com nada mais. E a gente sabe que vai ser necessário aumentar gasto também com outras funções.
Então, é inevitável - a gente tem que deixar o discurso ideológico de lado -, é essencial, que o Brasil faça a reforma da Previdência, não por questão de bondade ou maldade, mas porque, se não fizer, a gente não terá condições de pagar o que a gente está prometendo aos nossos aposentados e àqueles que irão se aposentar.
Mais um minuto, vou terminar.
Qual é a proposta do Governo? A proposta do Governo é... Em geral, vários países do mundo que fizeram ajuste fiscal cortaram direitos, você teve queda nominal de despesa. A proposta do Governo não é essa, a proposta do Governo é: vamos controlar o crescimento da despesa, vamos estabelecer um período de tempo em que o crescimento da despesa total será zero.
Mas aí, aqui nesta Casa, na discussão do Orçamento, se alguém quiser aumentar o gasto acima da inflação com saúde e educação, é possível? Claro que é, porque a decisão de alocação do Orçamento não é de Governo, é de Congresso. Então, se estiver discutindo Orçamento, mesmo com a PEC em vigor, se os Senadores e Deputados quiserem gastar mais com saúde e educação, podem, só que terão que tirar de outra despesa.
O que não pode acontecer no Brasil é o que aconteceu com o Orçamento deste ano. Qual foi o Orçamento aprovado neste ano que está em vigor? O Orçamento que foi aprovado neste ano fazia a previsão de que o Governo brasileiro teria um crescimento real de receita de 9% em um ano de recessão. Qual é o país do mundo que tem um crescimento real de arrecadação de 9% em ano de recessão? Absolutamente nenhum. Mas o Orçamento com que a gente começou o ano foi esse.
O Orçamento que foi aprovado este ano fazia previsão de que a receita líquida do Governo central cresceria R$176,5 bilhões. Qual é a última estimativa para o crescimento da receita líquida do Governo central este ano? R$26 bilhões. Simplesmente, não adianta eu aprovar um orçamento falando o seguinte: no próximo ano, a receita do Governo central crescerá R$200 bilhões. Isso não vai acontecer.
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Então, qual é a proposta do Governo? Vamos controlar o crescimento do gasto, estabelecer um teto por um período. Como será alocado o crescimento do gasto de cada item? Isso não é decisão de Governo, é decisão do Congresso. Então, o Congresso terá a opção de gastar mais em um item e menos em outro. E, claro, esse é um ajuste gradual. Quando essa PEC 241 foi explicada para o mercado, muita gente do mercado falou: "Ah, mas é algo muito gradual, o superávit primário só vai voltar em 2019."
A despesa pública do Brasil cresceu, desde o início dos anos 90 até hoje, em termos reais, em média, 6% real ao ano. A gente está estabelecendo uma proposta de que o crescimento será zero. Se essa proposta passará ou não, essa é a proposta que o Governo entende ser a menos dolorosa para a economia, porque de ajuste fiscal ninguém gosta. Ajuste fiscal, todo mundo é a favor em teoria. Quando você fala: "Você é a favor ajuste fiscal?" Todo mundo fala: "Sou." Então vamos colocar ajuste fiscal aqui. Ajuste fiscal, infelizmente, são duas coisas, é a combinação de duas coisas: ou se aumenta receita ou se corta despesa. E ninguém gosta de uma coisa nem de outra. Por isso que ajuste fiscal é tão difícil, mas a gente tem que fazer esse debate maduro e transparente, porque ele é necessariamente um debate político.
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Essa visão de controlar o crescimento do gasto é a visão que o Governo entende ser a menos, a de menor custo. Você não está cortando despesa, você está controlando o crescimento da despesa por um período. Se a gente tivesse feito isso, se essa regra da PEC estivesse em vigor desde 2005, a despesa primária do ano passado, em vez de 19,5% do PIB, seria de 10% do PIB. Ela seria quase a metade do que realmente foi no ano passado.
A reforma da Previdência eu já falei. Algumas pessoas falam: "Ah, mas essa PEC do crescimento do gasto não é viável sem uma reforma da Previdência." Mas isso é verdade. Isso é verdade! A PEC do crescimento do gasto ela tem que ser complementada por uma PEC da reforma da Previdência. Aí vocês me falaram o seguinte: "E se o Governo não quiser, e se o Congresso não quiser aprovar nenhuma das duas?" Se o Congresso não quiser aprovar nem a PEC do limite do crescimento do gasto, nem a PEC da reforma da Previdência, se a gente não aprovar nenhuma das duas, não haverá ajuste fiscal.
Se a gente não aprovar nenhuma das PECs, se gente não controlar o crescimento da despesa e se a gente não fizer a reforma da Previdência, a resposta muito certa, correta, é que não haverá ajuste fiscal. Sem ajuste fiscal, como ninguém pode me forçar a financiar o Governo por um juro barato, eu vou cobrar um juro caro para financiar o Governo. Isso significará que a gente vai ter possivelmente uma dívida crescendo mais rápido e possivelmente a volta da inflação. Essa é a maneira como eu vejo as coisas.
É claro que, além dessa proposta de longo prazo, a única proposta de curto prazo é isso aqui, e eu vou terminar com este gráfico. É o seguinte: Governo emprestar para banco público sempre aconteceu no Brasil. Governo emprestar para banco público sempre aconteceu no Brasil, mas isso não passava de meio ponto do PIB. Em 2007, o total que o Tesouro emprestava para banco público era R$14 bilhões, o que era meio ponto do PIB na época.
Esse dado no ano passado era um pouco maior. Era quase R$570 bilhões, quase 10% do PIB. Ninguém chegou no Brasil, não houve ninguém que chegou no Brasil e falou o seguinte: aumentem a dívida em quase 10 pontos do PIB para financiar várias obras e empresas, muitas das quais não eram necessárias, com juros subsidiados. Isso foi decisão nossa. Isso foi decisão nossa, e a gente vai pagar um custo caro, porque esses empréstimos estão em aberto. Eu não posso hoje chegar para quem comprou um caminhão a um juro de 2,5% ao ano e falar o seguinte: "Olha, eu errei de ter te emprestado tão barato, paga teu empréstimo agora." Infelizmente isso não é possível. Esses contratos têm um prazo.
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Então, isso, que foi decisão nossa, de sociedade, isso tem um custo muito alto. Isso, eu acho que foi um erro. Isso criou uma conta de subsídio que vai levar tempo para ser revertida.
O que a gente está discutindo com o BNDES, se for aprovado pelo Tribunal de Contas da União, é que o BNDES comece a antecipar esses pagamentos, porque hoje o BNDES tem em caixa mais de R$150 bilhões, porque não consegue emprestar.
Basicamente, é isso.
Eu agradeço. Agradeço a atenção dos senhores, agradeço aos convidados da Mesa, a gentileza da Senadora Gleisi Hoffmann de promover o debate e agradeço a todos vocês, Senadores. Mais uma vez, obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Nós agradecemos também sua presença, Secretário. Pedimos desculpas pelos burburinhos aqui, na Comissão.
Passamos a palavra agora ao Sr. Marcos Mendes, que é Chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda.
O SR. MARCOS JOSÉ MENDES - Srª Presidente, Srª Senadora Vanessa, Senadores, todos os presentes, colegas de Mesa, é uma satisfação voltar a esta Casa, da qual sou servidor há 20 anos e da qual já estou morrendo de saudade, porque a vida não está fácil. (Risos.)
Estamos aqui para discutir a PEC 241.
Então, vamos falar primeiro das principais características dessa PEC. É difícil falar depois do Mansueto, ele já falou boa parte da minha apresentação, mas vamos lá.
A expansão do gasto da União nos próximos 20 anos, uma vez a PEC aprovada, esse gasto não poderá ser superior à inflação.
Os limites são individuais por poderes, para o Poder Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Cada um vai cumprir o seu limite.
Há despesas que estão isentas do controle, porque simplesmente transitam dentro do Orçamento Federal, como, por exemplo, as transferências intergovernamentais.
O Fundeb, que complementa a verba de educação dos Estados e Municípios, está isento do limite, porque ele constitui um sistema à parte de financiamento.
As despesas inesperadas, aquelas vindas de créditos extraordinários, também não podem ficar submetidas ao controle. Você ter uma calamidade pública e não poder atender, por meio de crédito extraordinário, às necessidades não seria razoável. E as despesas de caráter eventual, como as eleições bianuais, que aumentam muito o custo da despesa da Justiça Eleitoral.
Os limites mínimos de saúde e educação passam a ser corrigidos pela inflação. Hoje, esses limites mínimos são corrigidos pela Receita. Passarão a ser corrigidos pela mesma regra da PEC.
E não há qualquer punição ou paralisia de programas no caso de desrespeito do limite. O que acontece é que o descumprimento por algum Poder ou órgão do limite dispara medidas automáticas de controle de despesa no ano seguinte, de forma que aquele Poder ou órgão, ficando restrito a fazer determinadas despesas, vai naturalmente convergir de volta para o limite da PEC.
Bom, esse é um regime fiscal de longo prazo. Procura, como o Mansueto falou, fazer um ajuste gradual da despesa, e nós precisamos entender por que nós precisamos desse regime e precisamos partir do seguinte ponto: nós estamos numa crise econômica sem precedentes.
Nós estamos numa crise econômica que aumentou demais o desemprego, derrubou a renda e nós precisamos ter a convicção de que a melhor e mais importante política social é fazer o País voltar a crescer, gerar emprego e gerar renda. Sem isso, nós não vamos sair, deixar de ser um país de renda média, com muita pobreza e muita desigualdade.
Nós não temos escolha. Nós temos que criar uma estrutura econômica competitiva e capaz de fazer esse País crescer. Do contrário, não há programa social que resolva. O melhor programa social, a melhor política social é a recuperação do emprego e da renda.
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Esse eslaide é para mostrar que nós estamos na maior crise econômica desde o início do século XX. Nos anos de 1929 a 1933, na grande crise de 1929, houve uma queda acumulada do PIB brasileiro de 5,3%. Agora, de 2013 a 2016, nós vamos cair 6,8%. Uma queda do PIB de quase 7%. Isso atinge dimensões catastróficas. A sociedade brasileira precisa ter noção do tamanho do buraco em que nós estamos.
A queda da renda per capita foi de 16%. Só para dar uma comparação, durante a grande crise de 1929, a renda per capita dos Estados Unidos caiu 40%. Nós, sem uma grande hecatombe internacional, longe de estarmos vivendo uma grande crise como a de 1929, produzimos uma quase meia grande depressão no Brasil. A taxa de desocupação, a taxa de desemprego dobrou, a taxa de inflação dobrou. E os grandes prejudicados disso são os pobres. Quem menos consegue se proteger da inflação é o mais pobre, que não tem recursos para proteger a sua poupança; o mais pobre não tem recursos para fazer a transição do desemprego, porque não tem patrimônio para vender; ele não tem poupança acumulada; o pobre é parente de pobre, então também não tem um parente que o ajude durante a transição do desemprego. Então, não há a menor dúvida de que os mais pobres são os que mais sofrem com essa situação.
Esse gráfico ilustra isso claramente. Ele mostra o desemprego no Brasil em 2014 por faixa de renda. E os senhores e as senhoras veem que o primeiro nível de renda tem uma taxa de desemprego muito maior, dez vezes maior do que a camada mais rica da sociedade. Então, repito: retomar, acabar com essa recessão, recuperar o emprego e o crescimento da economia é a mais importante política social que temos a fazer.
De onde veio esta crise? Nós estamos sendo vítimas de uma crise internacional? Não. Nós estamos sendo vítimas de erros de política econômica cometidos no Brasil, decisão da nossa sociedade e da nossa gestão de política econômica.
Nós observamos, neste gráfico, vários países de renda média e renda média e alta. E qual foi o desempenho do PIB nos últimos anos? O Brasil só ganha da Venezuela, um país em clara deterioração política, econômica e social. Até a Rússia, que é muito dependente de receitas de petróleo e que, com a queda do preço do petróleo, foi fortemente afetada, até a Rússia teve um desempenho melhor do que o Brasil. A Grécia estava naquela situação calamitosa e está melhor do que o Brasil. E não posso deixar de chamar atenção, lá no canto direito, para a Irlanda, que também estava, até poucos anos atrás, em péssima situação econômica, com grande crise fiscal, fez um importante ajuste e já está crescendo a mais de 6% ao ano.
Que erros de política econômica foram estes que nos levaram a essa situação? Tenho aqui uma pequena lista. Nós abandonamos a prudência fiscal; aumentamos o déficit público tremendamente e, com isso, aumentamos muito a incerteza com relação à trajetória da dívida pública; fizemos desonerações fiscais equivocadas, que deterioraram a qualidade do sistema tributário, aumentaram a cumulatividade e aumentaram a incerteza das empresas quanto à manutenção dessas desonerações. Estimulamos o endividamento dos Estados e Municípios, que estão hoje quebrados, o que aumenta ainda mais a incerteza fiscal. Mudamos o marco regulatório do petróleo, que paralisou por quatro anos os investimentos no setor, sobrecarregaram a Petrobras, sobrecarregaram a Petrobras nos investimentos que ela não consegue fazer, diminuiu fortemente a concorrência no setor, porque praticamente reinstituiu o monopólio da Petrobras, e um grande sinal da dificuldade disso foi o fracasso do leilão de Libra, que teve apenas um consórcio concorrendo, pagando um preço muito abaixo das expectativas.
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O que o Mansueto já mostrou é que 10% do PIB em dívida pública foi colocado no BNDES para financiar grandes empresas que não precisavam desse recurso e, portanto, isso não aumentou o investimento, simplesmente migrou a fonte de investimento à qual essas empresas recorriam.
De 2011 a 2013 foi feita uma redução artificial da taxa de juros, o Banco Central puxou para baixo a taxa de juros na expectativa de que isso impulsionasse o crescimento econômico, e isso não aconteceu. O que aconteceu foi uma deterioração da inflação, como eu mostrei anteriormente. A taxa de inflação dobrou, porque houve uma descoordenação das expectativas, a taxa de juros ficou claramente fora da taxa de equilíbrio.
Os fundos de pensão, as empresas estatais e os bancos públicos foram induzidos a financiar projetos de baixa qualidade, que hoje acumulam perdas enormes, projetos não realizados, que não estão gerando produto, que estão gerando endividamento e dificuldade financeira para essas empresas.
Houve uma grande interferência na política de investimento das grandes empresas, como Petrobras e Vale, que foram induzidas a fazer investimentos de baixa rentabilidade, e se acumularam com aqueles do item anterior, induzidos e financiados por bancos públicos.
Houve um congelamento de preços administrados, especialmente de petróleo e energia, que praticamente quebraram o setor sucroalcooleiro, criaram grandes dificuldades financeiras para as distribuidoras e produtoras de energia e toda a cadeia de produção associada a essas empresas, que representam uma parcela enorme do PIB brasileiro e uma parcela enorme do investimento brasileiro. Essas empresas ficaram descapitalizadas.
Houve uma série de medidas de proteção setorial e de fechamento da economia, programas como o Inovar-Auto e outros programas que protegeram setores maduros da economia que não precisam de proteção; aumentaram a margem de lucro desses setores, diminuindo a produtividade, diminuindo a competição e, portanto, a possibilidade de crescimento da economia.
O sistema de concessão de serviços públicos e de infraestrutura foi desenhado de forma a buscar uma tarifa baixa e, para obter essa tarifa baixa, se deu um monte de subsídios públicos e foram criadas regras que as empresas agora não estão conseguindo cumprir. Várias não estão pagando as prestações de outorga, em especial em aeroportos.
E, finalmente, houve um processo de fragilização e politização das agências reguladoras, que se tornaram incapazes de regular mercados importantes, de garantir segurança jurídica e, portanto, de atrair investimento para esses setores.
A consequência disso foi a descapitalização de empresas estatais e de amplo setor de empresas privadas ligadas às cadeias produtivas dessas empresas estatais; portanto, essas empresas se tornaram incapazes de investir e crescer.
Houve paralisia de setores essenciais como óleo, gás, setor sucroalcooleiro, setor de energia elétrica, também muito importante para a derrubada do PIB.
Houve uma sobrecarga de custos a empresas prejudicadas por políticas protecionistas: você protege um setor, exige conteúdo nacional, exige participação maior de empresas nacionais no fornecimento de um setor para outro, e o setor que tem que comprar materiais mais caros e de pior qualidade e não pode recorrer a importações perde em competitividade, perde em produtividade, perde em margem de lucro.
Houve um aumento evidente da inflação presente e futura, um aumento do risco de crédito dos três níveis de Governo, cujo endividamento ficou muito alto, e muita incerteza quanto à trajetória futura da taxa de juros e da sustentabilidade da dívida.
As principais consequências: no gráfico da esquerda - a luzinha não chega lá, mas no primeiro gráfico da esquerda -, uma derrubada da taxa de investimento. O risco soberano Brasil subiu enormemente, e o índice de confiança do empresariado, no gráfico debaixo, desabou.
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As senhoras e os senhores podem observar que, a partir de maio, com a mudança da política econômica, já houve uma reversão tanto do índice do risco Brasil quanto de confiança, indicando a importância de uma perspectiva de ajuste fiscal para a melhoria desse quadro.
Quais são as condições necessárias para sair da crise? Nós precisamos criar as condições para retomar o desenvolvimento. Nesse ponto, esta Casa está contribuindo de forma decisiva, por exemplo, com a aprovação do projeto de governança das empresas estatais, com a discussão do projeto de governança dos fundos de pensão dos bancos públicos para que eles fiquem blindados em relação a influências que deteriorem seus balanços. Mudanças no marco regulatório do petróleo, liberando a Petrobras da obrigação de investimentos excessivos, que ela não tem capacidade de fazer, também vão ser muito importantes.
Já está tramitando nesta Casa um bom projeto de recuperação de autonomia das agências reguladoras, que vai ser fundamental para recuperar a segurança jurídica e a confiança para o investimento. Já está sendo praticada uma política de realismo nos preços administrados. A política de concessões está sendo toda alterada para ser mais realista, para ter mais segurança jurídica e impor menos custos ao Erário.
Os dois últimos pontos são fundamentais para o que nós estamos discutindo aqui. É preciso ter uma redução sustentada da taxa de juros de equilíbrio da economia e uma recuperação da confiança na estabilidade da dívida pública.
É nesse contexto que nós entramos com a PEC, ela faz parte dessa estratégia de recobrar o equilíbrio fiscal com visão de longo prazo e de criar regras que contenham a pressão por expansão do gasto além da capacidade de pagamento do Governo.
O Mansueto já mostrou esses números. Nós derrubamos tremendamente o resultado fiscal. A dívida pública disparou, e eu tenho, aqui embaixo, a comparação da dívida pública do Brasil com a de outros países. Como o Mansueto falou, o Brasil acaba de ganhar medalha de ouro, ultrapassando a Índia, no quesito dívida bruta do Governo geral. Nos países emergentes, nós temos a maior dívida bruta. Passamos já, e muito, o limite considerado como indicador de sobre-endividamento, que é o limite de 60% do PIB.
Por que nós estamos propondo uma contenção do ritmo de expansão da despesa de longo prazo para o Brasil, que é o centro da PEC? Simplesmente porque o espaço para fazer ajuste fiscal por meio de aumento de carga tributária é muito pequeno. A nossa carga tributária já subiu tremendamente nos últimos anos e está, como mostra o gráfico da direita, entre as maiores do mundo. Aumentar a carga tributária significa agravar os problemas da nossa carga tributária, que não é só alta, mas também ruim. Ela é concentradora de renda, traz distorções, reduz a competitividade da economia, tributa exportações, tributa investimentos. Então, quanto mais carga tributária nós colocarmos na economia, menos estímulo nós vamos estar dando ao crescimento. Portanto, precisamos fazer o ajuste fiscal substancialmente pelo lado do controle da despesa e com um enfoque de longo prazo.
O problema que nós temos e que, associado aos erros de política econômica dos anos recentes, há um problema estrutural. Esse problema estrutural é que nós não conseguimos criar, no Brasil, instituições orçamentárias e fiscais capazes de conter a expansão da despesa pública. O orçamento é sempre expandido para acomodar mais essa ou mais aquela despesa.
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E o resultado está nesse gráfico da esquerda, que mostra o crescimento acelerado e insustentável da despesa primária do Governo central por vários anos. O gráfico da direita, mais uma vez fazendo uma comparação internacional, mostra que o Brasil, em termos de gasto público como proporção do PIB, está muito acima da média dos países emergentes.
Nós precisamos construir essa regra de coordenação das decisões orçamentárias. Precisamos estabelecer um limite para as despesas e, dentro desse limite, democraticamente, discutir no Parlamento quais são as prioridades: quero gastar mais no programa A, então, vou ter de abrir mão do programa B. O que não pode é inventar que temos receitas que não temos e querer gastar mais com tudo.
O desequilíbrio atual é muito forte, como o Mansueto mostrou. Não há condições de fazer um ajuste fiscal que não seja gradual, persistente, crível e de longo prazo. Essa é a ideia da PEC. Por isso, ela tem uma duração de 20 anos, para que passemos a fazer essa trajetória com calma e a sinalizar que estamos na direção correta.
Essa é uma simulação, entre várias que foram feitas, que mostra que, sem a regra da PEC, nós iríamos a um gasto, em 2025, de 20,8% do PIB. E, se implementarmos a regra, nós voltaremos a 16,8% do PIB em 2025, e 16,8% do PIB é exatamente o que nós gastávamos em 2008, época em que era possível fazer resultado primário e em que era possível financiar um volume substancial de programas sociais. Portanto, é um limite crível, é um limite de ajuste gradual e plenamente factível.
O que vamos fazer para transformar um programa de ajuste fiscal num programa de recuperação da economia? Por onde passa, por que canais passa a transmissão de um ajuste fiscal estrutural para recobrar o crescimento da economia? O principal canal é a redução da taxa de juros de equilíbrio. Se falei que o crescimento econômico é a melhor política social que podemos ter no Brasil, reafirmo que a melhor política industrial e de incentivo ao desenvolvimento que podemos ter no Brasil é reduzir a taxa de juros de equilíbrio da economia para todos, e não apenas para aqueles que têm acesso ao BNDES ou acesso à Caixa Econômica. Precisamos reduzir a taxa de juros para todos.
Se a questão é reduzir a taxa de juros, por que a gente não manda simplesmente o Banco Central reduzir a taxa de juros? Porque isso não funciona. Isso foi tentado em 2011, em 2012 e em 2013, e o que acabou acontecendo foi o aumento de inflação. A taxa de juros é consequência, não é causa do problema. E é consequência de quê? É consequência do fato de que, por vários motivos, a taxa de poupança no Brasil é baixa, e taxa de juros é o preço da poupança. Taxa de juros é o quanto eu que tenho dinheiro guardado cobro para emprestar para o Mansueto, que está me pedindo dinheiro. Se tenho pouco dinheiro guardado no banco e se o Mansueto está querendo muito dinheiro, vou cobrar caro dele, porque a oferta é pequena, a demanda é alta, e o preço do dinheiro é a taxa de juros.
No Brasil, o que acontece é o seguinte: a poupança é baixa, e o setor público, com seu déficit elevado, drena parte substancial dessa poupança, que já é pequena. Não podemos ter outro resultado que não uma taxa de juros alta. Ninguém vai querer cobrar taxa de juros barata para financiar os títulos do Governo, porque o Governo está pedindo muito dinheiro emprestado.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCOS JOSÉ MENDES - Então, ele precisa oferecer uma taxa alta, para ter volume de recurso suficiente para obter o financiamento que ele quer.
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Naquele gráfico da direita, a barra negativa é a poupança do Governo - não temos estatísticas mais atualizadas, mas essa situação se deteriorou muito nos últimos anos. É preciso reduzir o déficit público de forma substancial, ainda que gradual, para que a taxa de juros caia para todos e não apenas para os clientes do BNDES e da Caixa Econômica.
Qual é o outro canal através do qual nós vamos fazer o ajuste fiscal se transformar crescimento econômico? Nós precisamos entender que aquela velha ideia intuitiva de que o governo botar dinheiro na economia estimula a economia nem sempre é verdade. A literatura recente mostra que o impacto do gasto do governo sobre o crescimento econômico em países em desenvolvimento é zero, na média dos países em desenvolvimento. Ele ocorre, de fato, em países desenvolvidos, mas ele é zero porque, provavelmente, é menor a qualidade do gasto público nos países em desenvolvimento e, portanto, não gera esse efeito. Em segundo lugar, uma conclusão importante da literatura. Na média de países com taxa de câmbio flexível, o impacto do gasto do governo no crescimento econômico é negativo, e isso é fácil de entender, porque, com a taxa de câmbio flexível, parte do impacto na renda vaza para importações, há uma valorização da taxa de câmbio - que é flexível e, portanto, pode-se valorizar - e parte desse efeito se perde. Agora, mais importante de tudo: esse efeito é fortemente negativo em países com dívida superior a 60% do PIB, que é o caso brasileiro. Quando você aumenta o gasto público num país que já está muito endividado, com dificuldade de rolar a sua dívida, com taxa de juros alta, o que você está sinalizando para a sociedade é que esse país vai ter mais dificuldade de financiar sua dívida, que ele vai ter que pagar juros mais altos, que em algum momento ele vai ter que aumentar impostos para pagar sua dívida, ou pior, ele vai ter que dar um calote, vai ter que monetizar essa dívida, ou vai ter que paralisar serviços públicos essenciais e desestruturar a economia. Isso sinaliza crise política, isso espanta investimento e isso afeta negativamente o crescimento econômico. Precisamos, portanto, recobrar a estabilidade fiscal de longo prazo, para que tenhamos uma dívida pública sustentável, uma taxa de juros baixa e a possibilidade de a economia crescer a taxas mais elevadas.
Como fazer um ajuste fiscal bem-sucedido? O que a literatura mostra é o seguinte: a ênfase tem que ser do lado da despesa e, secundariamente, do lado da receita, justamente porque aumento de tributos, principalmente em países que têm estrutura tributária ruim como a brasileira, prejudicam a rentabilidade das empresas, os investimentos, a produtividade, etc. Segundo: o ajuste tem que ser de longa duração, com enfoque de longo prazo, em vez de ser feito de medidas pontuais, de "vamos fechar o orçamento deste ano com essa ou aquela medida". E é isso que esta PEC está propondo - um crescimento gradual mais baixo da taxa da despesa em relação à taxa dos anos passados. Terceiro ponto: é importante anunciar antecipadamente o programa, anunciar um programa crível, passível de ser cumprido, e o canal através do qual isso acontece é uma recuperação da confiança das empresas em que, de fato, você tem uma trajetória crível da despesa e da dívida pública no longo prazo, e isso recobra os investimentos, recupera os investimentos, recupera a confiança. Eu mostrei, no início da apresentação, que nos últimos meses já está havendo uma recuperação da confiança, já está havendo uma queda do CDS, que representa o risco soberano do país, em função dessa perspectiva de um ajuste consistente de longo prazo.
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Por fim, para concluir, vale perguntar: "Nós estamos inventando isso aqui no Brasil? A PEC é uma jabuticaba? Existe no resto do mundo limite de despesa? E, se existe, ele funciona?" Sim, existe e funciona. Pegamos um estudo recente do Banco Mundial que mostra que as regras de controle de despesa...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Existe na Constituição? Não quero atrapalhar, só queria saber se na Constituição...
O SR. MARCOS JOSÉ MENDES - Isso é uma característica de cada país. O Brasil está extremamente constitucionalizado; em geral, as regras são em nível legal. Acontece que nós temos que adaptar as regras brasileiras. Como no Brasil boa parte da despesa está constitucionalizada, é impossível fazer em outro diploma legal que não a Constituição. Essas regras de controle são mais eficientes que o controle do déficit primário, justamente porque o déficit é pró-cíclico - quando a economia está crescendo, você consegue fazer superávit primário ao mesmo tempo em que aumenta a despesa, e, na hora em que a economia cai, você não consegue reproduzir esse superávit porque não tem mais a receita para sustentar o superávit com aquele nível mais alto de despesa. Diversos países adotam ou adotaram em período recente esse tipo de instituição fiscal, com uma avaliação positiva do Banco Mundial.
Eu tenho algumas questões com relação a saúde e educação, mas acredito que eu possa deixar para a hora do debate, quando serei questionado, para tornar mais fluida a apresentação.
Muito obrigado a todos pela oportunidade de apresentação. Fico à disposição.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço ao Sr. Marcos.
Eu queria só registrar a presença e pedir desculpas ao Deputado Darcísio Perondi, que acompanha esta audiência e é Relator da PEC 241 na Câmara dos Deputados. Seja bem-vindo, Deputado.
Passo a palavra para o Dr. Felipe Rezende.
O SR. FELIPE REZENDE - Muito obrigado pelo convite, Senadora Gleisi Hoffmann. É uma satisfação participar deste debate fundamental para o futuro...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - ... da nossa economia, da nossa sociedade, dos acordos sociais que foram firmados na Constituição de 1988. Então, eu gostaria de agradecer a presença de todos e o convite.
Este é basicamente um resumo da minha apresentação. Vou focar muito na relação entre a política fiscal e a dívida pública, e qual o impacto que a política fiscal tem sobre a dívida pública. Vou passar um tema que foi muito comentado aqui nas apresentações, o financiamento da dívida. Quero aprofundar um pouco mais o debate sobre o que significa o financiamento da dívida, como esse processo acontece, qual é a mecânica desse processo. Depois eu passo pelo papel dos estabilizadores automáticos embutidos no orçamento.
Este é um debate político sobre os gastos públicos e foi apresentado... Sobre a questão de jabuticaba, o próprio relatório do FMI mostrou que países que passaram por crises severas nos últimos 15 anos tiveram um aumento muito forte tanto do déficit fiscal quanto da dívida pública. Não é uma exclusividade do Brasil, não é uma jabuticaba. Isso aconteceu nas grandes economias, desenvolvidas e emergentes, que observaram um aumento fortíssimo do déficit público para lidar com os efeitos da crise, e esse é um efeito normal, é o esperado do orçamento público. Como foi mencionado antes, o setor público não é uma empresa privada.
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Isso é uma coisa boa. O setor público, principalmente orçamento público, foi desenhado no período pós-depressão de 1929, principalmente no período pós-guerra, Segunda Guerra, para justamente contrabalançar as flutuações dos gastos privados. Isso é um fator de estabilização da economia como um todo. É um fator muito importante incluído no orçamento. Só que grande parte dessa discussão sobre o aumento do déficit fiscal no Brasil da dívida pública é centrada no diagnóstico convencional, ou seja, as despesas do setor público, como foi apresentado anteriormente, têm uma trajetória insustentável. Esse é o diagnóstico convencional. Isso levou a uma quebra da confiança, ao aumento da taxa de juros e à queda do investimento privado. Essa é a leitura convencional muito difundida no Brasil. E a resposta convencional passa justamente em função desse diagnóstico, ou seja, a ideia da contração expansionista. O que isso significa? Você promove o ajuste fiscal. Se o diagnóstico da crise for um descontrole das contas públicas, há de se retomar o ajuste fiscal para que você tenha uma retomada da confiança. Essa é a visão convencional. Aí você tem justamente no Brasil a PEC 241, que é uma tentativa nesse sentido, que segue essa visão convencional.
Eu quero fazer algumas observações. Esse tipo de debate foi feito em outros países que também passaram por um aumento muito forte dos déficits públicos e da dívida pública. Nos países em que essa tentativa de ajuste fiscal foi feita, eles falharam em promover a recuperação econômica em todos. O ajuste fiscal, onde foi implementado, não gerou recuperação econômica.
O FMI acabou de soltar um relatório fazendo mea-culpa, reconhecendo os erros das políticas implementadas na Irlanda, Portugal e Grécia, dizendo que as políticas de ajuste estrutural pioraram a situação econômica e que a recessão aprofundou o desemprego. Isso gerou uma perda social maior do que os ganhos esperados de um ajuste fiscal. São dados do próprio FMI, dados recentes de junho de 2016.
No Brasil, essa PEC surge basicamente como uma trajetória, uma resposta à trajetória da dívida pública. Os pareceres, os documentos mostram que ela basicamente é um reflexo dessa trajetória da dívida pública que cresceu.
O meu ponto é que esse diagnóstico da crise brasileira comete um equívoco gravíssimo. Essa não é uma crise do setor público; essa é uma crise do setor privado. Eu finalizei um estudo este ano...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - ... sobre a situação das empresas do setor privado no Brasil. O estudo mostra que há uma deterioração do balanço das empresas do setor privado desde 2007. Vou mostrar os dados mais para frente. As empresas privadas no Brasil não financeiras tiveram uma posição de endividamento líquido tão significativo que esse processo foi revertido e colocou pressão sobre os déficits públicos. Como esperado em momentos como esses, hoje o Brasil tem uma crise de solvência do setor privado. É uma crise diferente das anteriores. Como foi falado anteriormente, não se trata de uma crise do setor externo.
Aliás, quanto às críticas que foram feitas ao BNDES sobre os empréstimos do Banco, o próprio relatório do FMI, analisando a situação das empresas não financeiras no Brasil, reconhece que houve um endividamento externo das empresas privadas muito elevado, principalmente durante o período em que o Brasil recebeu grau de investimento. O próprio FMI reconhece que, se não fosse pelo BNDES, o endividamento externo das empresas seria maior ainda, aumentando a fragilidade externa. Ou seja, o relatório do próprio FMI reconhece que o BNDES tem um papel fundamental em reduzir uma fragilidade histórica da economia brasileira, que era o desenvolvimento externo. O Banco fornece basicamente empréstimos em moeda local, o que é um fator de estabilização para a economia como um todo. Isso não pode ser ignorado no debate.
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A outra questão que vou abordar é se a dívida pública é sustentável.
Então, quero passar rapidamente, em função dessa deterioração do setor privado, a essa crise de solvência do balanço do setor privado, que já se espalha pelo sistema financeiro. Há uma deterioração de ativos no balanço dos bancos muito fortes, sejam públicos ou privados. O Orçamento Público se comporta exatamente como esperado em períodos de crise, ou seja: as despesas aumentam, as receitas caem. São os chamados estabilizadores automáticos. Como eu falei, são mecanismos institucionais embutidos no orçamento. Grande parte desses mecanismos são mecanismos legais e constitucionais - não se trata de despesa discricionária, daí o nome automático -, que ajudam a estabilizar o sistema, a economia como um todo. Eles se comportam exatamente dessa forma: a recessão no Brasil começa em meados de 2014, o primário se reverte justamente para conter essa deterioração do setor privado.
Aí você tem os dados sobre a dívida bruta e líquida do Brasil. No Brasil, após um determinado período, tornou-se comum olhar para o indicador com dívida bruta. Esse é um erro gravíssimo, nem economistas no exterior usam esse indicador como um indicador de solvência, se a dívida bruta tem que ser usada como um indicador de solvência.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Presidente, desculpe-me. Seria possível solicitar que fosse distribuído? Estou tendo dificuldade em ler. Eu não recebi.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Então, eu peço a cópia. Desculpa.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu pediria à assessoria que distribua. Acho que eles estão fazendo as cópias.
O SR. FELIPE REZENDE - Eu posso esperar as cópias, se for preciso.
Então, você tem o indicador de dívida líquida, que é o indicador apropriado para olhar a performance da economia brasileira, ou seja, o impacto que o orçamento causou sobre a dívida. Esses são dados do Banco Central brasileiro. A dívida líquida tem um aumento durante esse período, mas em patamares que não são próximos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FELIPE REZENDE - Sim, eu vou entrar no ponto sobre a questão da dívida bruta como um percentual do PIB, como um indicador de solvência, vou entrar nesse ponto. No Brasil há um problema muito grande, principalmente porque grande parte do aumento dessa dívida bruta foi em função também de operações compromissadas. No Brasil, os últimos dados mostram que elas estão na casa dos 17% do PIB. As operações compromissadas não estão relacionadas com política fiscal; são basicamente operações de política monetária. Elas não deveriam entrar nessa conta como um impacto fiscal.
Eu quero mostrar que esse gráfico talvez seja o gráfico mais importante em macroeconomia. Ele mostra exatamente a fragilidade dentro do setor privado. A linha vermelha é o saldo do setor privado doméstico brasileiro. O saldo do setor privado doméstico é composto de bancos, basicamente, empresas não financeiras e famílias, esses três setores. Você tem o setor externo, que é a linha cinza. No setor público, o déficit está com sinal invertido. Então, o déficit aparece com sinal positivo. São dados do IBGE das novas contas nacionais, disponíveis no site do IBGE.
O que ele mostra é que no período pré-crise, entre 2002 e 2007, o fato de o setor privado doméstico ter um saldo positivo significa que, no final do dia, o setor privado doméstico gastava menos do que recebia. Isso é muito bom para o setor privado. Você espera que o setor privado se comporte dessa forma, que ele gere superávits, e ele se comportou exatamente assim. Para isso, houve uma contribuição muito grande do cenário externo. Os déficits entram diretamente como aumento de lucros agregados para as empresas.
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Déficits públicos aumentam lucros agregados. Tudo é mais constante. Isso é uma equação, uma identidade contábil. Não se trata de uma teoria. E há uma reversão desse processo durante o período pós-crise global de 2007-2008. Ou seja, o setor privado começa a ter déficit. E grande parte da discussão - que focou nos déficits públicos - ocorre porque muitos economistas que alertaram sobre o crescimento de déficits públicos simplesmente ignoraram o crescimento dos déficits no setor privado. Esses são os sustentáveis. Não há economia no mundo que consiga gerar déficit no setor privado durante tanto tempo, porque gerar déficit significa você gastar mais do que sua renda, do que você recebe. Significa que há um aumento do endividamento líquido no setor privado. E o setor privado, dependendo de algumas condições, não tem capacidade de honrar esses compromissos com o tempo, se as políticas econômicas não forem apropriadas. E o setor privado começa a ter o déficit.
Então, se você tentar desagregar esse dado do setor privado doméstico entre famílias, empresas e bancos, como eu falei, você pode ver claramente: na linha verde são as famílias. E aí vem muito da política de reajuste do salário mínimo. Transferências de renda também contribuem. Ou seja, elas tinham lá, agregado, um gasto menor do que recebiam. Isso ajuda a estabilizar o sistema até 2013. De novo, esses são dados do IBGE.
Os bancos gerando superávit médio na casa de 3% do PIB.
E, basicamente, o subsetor que está gerando um déficit expressivo é o das empresas não financeiras. Esse déficit já começa em 2007. Em 2009, esse déficit é revertido parcialmente, em função das políticas anticíclicas do Governo, que tiveram um sucesso muito grande em combater os efeitos da crise global. Só que, com a reversão dessas medidas anticíclicas e um forte ajuste fiscal implementado em 2011, há uma contração do investimento público muito forte em 2011, e a decisão das empresas de ter um gasto maior do que elas receberam gerou um aumento do déficit na casa de 4% do PIB para um setor. Ou seja, as empresas não financeiras estavam acumulando um desenvolvimento líquido na casa de 4% do PIB. Nesse período médio, de 2010 a 2013, foi de 3,5% o déficit no setor privado. Isso é insustentável. Cedo ou tarde as empresas fazem um ajuste, ou seja, promovem um corte de gastos, e o corte de gastos, para as empresas, chama-se "investimento".
Eu fiz algumas reuniões em São Paulo, e vários diretores conversando nessas reuniões deixaram bem claro que já cortam gastos há 18 meses. E falaram que não têm mais onde cortar. Ou seja, as soluções que o setor privado adota em situação como essa, de crise do balanço patrimonial, só pioram a situação. Elas colocam a economia numa recessão profunda. Daí a necessidade de o setor público ter uma política anticíclica, para justamente compensar essa queda dos gastos privados.
E agora a crise é aqui. O Brasil tem que se acostumar, agora, com novos desafios, novos problemas, e não adotar velhas soluções. Grande parte dos problemas da economia brasileira, historicamente, deve-se à dívida externa, são crises externas, crises de balanço de pagamentos. Hoje o Brasil não passa por uma crise externa. Isso ficou claro na apresentação, hoje, aqui. Muito em função da posição do setor público, que é um credor líquido em moeda estrangeira. Sim, houve um custo na política de aquisição de reservas, mas ela permitiu que o setor público ficasse blindado em situações de reversão das condições de liquidez no mercado internacional, como já aconteceu. E agora temos a crise dentro do setor privado.
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Outras economias avançadas passaram por crise do setor privado. Foi comentado que o Japão passa por uma estagnação de pelo menos duas décadas. O Japão, como se sabe, passou por uma bolha especulativa, uma crise no setor privado muito forte. O endividamento foi tão alto, dentro do setor privado, que a resistência em resolver esse problema de endividamento na economia japonesa, principalmente dentro do setor bancário, e a decisão de não adotar as políticas públicas necessárias para lidar com a gravidade da crise levam também à estagnação.
Eu queria mostrar que, se considerarmos as dez maiores economias do mundo... Eu acho que, no caso do Brasil, a comparação mais adequada passa por entender o desempenho dessas dez maiores economias, e o Brasil está dentro desse grupo. Mas a dívida bruta do Governo brasileiro, em geral, mesmo por esse indicador, não mostra nada de atípico. Ou seja, houve um crescimento da dívida bruta, e ele se verificou em todos os países, sendo que o Japão estava praticamente na casa de 250% do PIB de dívida bruta, como foi mencionado anteriormente. Aliás, o Japão, apesar de uma dívida bruta de 250%... Eu vou mostrar nos próximos eslaides as taxas de juros reais, porque vou entrar na discussão sobre a política do Banco Central.
A dívida líquida do Brasil deveria ser o indicador a se olhar, embora ele não signifique muita coisa. Você está olhando uma variável de estoque para um fluxo. Ele, em si, não significa muita coisa. Houve um aumento de endividamento líquido muito forte na economia japonesa, na americana, na canadense. Ou seja, não é uma jabuticaba.
Quanto ao resultado primário, o Brasil vinha cumprindo o que havia sido colocado anteriormente pelo acordo com o FMI, em função da crise cambial e dos pacotes financeiros que o País recebeu, as cartas de intenção. O Brasil vinha seguindo essa cartilha de superávits primários. E poucos países do mundo, já antes da crise, tinham um superávit primário. E quando a crise bate, em 2007-2008, você tem exatamente a atuação dos chamados "estabilizadores automáticos", que eu mencionei anteriormente: as despesas aumentam - ou seja, as transferências de renda, gastos com seguro-desemprego, política de promoção e proteção social, que são fundamentais. Em muitos países elas são também direitos constitucionais. Não é uma jabuticaba do Brasil -, e os déficits aumentam e batem 10% do PIB nas grandes economias: Estados Unidos, Reino Unido - que chega muito próximo disso - e Japão.
Não se surpreendam - como falei antes, eu estou baseado em Nova York e acompanhei de muito perto os debates lá fora: a discussão que foi feita lá fora, quando esses déficits bateram 10% nas economias desenvolvidas, foi exatamente a discussão que se tem aqui, que o Estado está quebrado, que há um risco de solvência, que é necessária a reforma da Previdência. Foi o mesmo tipo de crítica. Eu acho o debate relevante, mas, mesmo no Japão, com uma dívida altíssima, na virada do milênio uma das agências de risco, a Fitch, e isso está disponível nos jornais... O jornal americano The Wall Street Journal comentou sobre a crise fiscal iminente na economia japonesa.
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E a economia japonesa, já depois desse discurso um tanto desastroso para a questão da dívida japonesa, tem uma taxa de juros muito baixa. E vou mostrar também os dados para a economia japonesa. E o nominal segue muitos também, ou seja, nas economias desenvolvidas...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - ... há o nominal também acompanhando a crise. Há a resposta com a retomada do crescimento, e naturalmente esses déficits diminuem. Na economia americana, houve o mesmo processo também. Com a retomada do crescimento, esse déficit diminui.
Aqui são juros reais para essas economias. Lembrem que eu mostrei aqueles indicadores de dívida e de déficit. Para esses países há, como Japão, Reino Unido, Zona do Euro, Estados Unidos... Há, no caso dos Estados Unidos, agora taxa de juros reais negativas. E aqui o Banco Central brasileiro comete mais um erro histórico. O Banco Central brasileiro decidiu aumentar a taxa de juros em plena recessão econômica, com uma resposta a um choque brutal dos preços administrados.
Até o ano passado, havia, no debate brasileiro, a premissa de que a inflação brasileira era causada pela demanda. Havia essa premissa e daí a necessidade de ajuste fiscal para conter a demanda do Governo e ajudar no combate à inflação. Havia essa premissa até o ano passado, até 2015. Em 2016, agora está claro que a demanda privada e os canais de transmissão da política monetária, ou seja, os mecanismos pelos quais a taxa de juros deve atuar, que é basicamente sobre a demanda privada, não só caíram, mas desabaram, despencaram.
A inflação praticamente não foi reduzida, ou seja, o Banco Central decidiu aumentar a taxa de juros para combater uma inflação que não é de demanda. Inclusive, um dos economistas mais renomados do Brasil deixou isso claro numa entrevista a um jornal em que ele disse o seguinte - não sou eu -: "O Brasil pode passar fome que a inflação não cai, porque não é uma inflação de demanda." O Banco Central respondeu com o aumento de taxas de juros muito forte para combater uma inflação que não é demanda, cometendo um erro histórico.
Nas economias que têm um forte endividamento, como o Japão e a Zona do Euro, há taxas de juros reais negativas. Isso é o que o mercado espera. Nas economias que implementaram ajuste fiscal, como eu falei, o FMI reconheceu que essas políticas não funcionaram. Isso entra na questão da sustentabilidade da dívida pública, ou seja, na definição arbitrária, como foi falado aqui, não há nada. O estabelecimento de um limite para a dívida é arbitrário, mas isso tem o objetivo presumidamente de garantir a solvência do País. E geralmente se fazem essas analogias simplórias entre o equilíbrio fiscal e as contas, o orçamento doméstico. Faz-se muito essa analogia.
Eu quero deixar claro, como foi falado anteriormente, que o setor público não é uma empresa privada, e nesse sentido essa afirmação é correta. Em particular, o setor público tem o chamado poder soberano. Só o setor público tem esse poder, que é o monopólio de emissão da moeda. Na verdade, os gastos... As economias modernas não gastam emitindo moeda. É um aspecto técnico. Não fazem dessa forma, mas é basicamente a imposição de um passivo tributário sobre a população, e isso garante uma demanda pela sua moeda, a moeda do Estado. Ou seja, todos os impostos recolhidos só são recolhidos com passivos do próprio Estado. Por questão de lógica - isso não é uma teoria, é uma questão de lógica -, para que o setor não governamental possa pagar os seus impostos, o Governo tem que gastar primeiro ou fornecer empréstimo ao setor privado. Isso acontece através da Conta Única que os bancos têm no Banco Central.
O dinheiro estatal propriamente dito é uma dívida e há vários tipos de dívida. O papel moeda é uma delas, o título público é uma delas e as reservas bancárias são também uma forma de dívida. Eu quero deixar claro que todo o gasto do Governo, sem exceção, é feito através da emissão de dívida.
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Muitas das críticas que são feitas em função do relacionamento do Banco Central e do Tesouro Nacional, muito também do que aconteceu no Japão e na economia da Zona do Euro... O Banco Central hoje, nesses países, compra de forma massiva títulos dos governos para tentar justamente aumentar a inflação. Hoje ficou claro que, apesar da forte expansão dos balanços desses bancos centrais comprando títulos do governo, o que na visão convencional seria inflacionário, esses países ainda estão tendo um problema gravíssimo com deflação, e a retomada econômica não aconteceu nesses países via esse canal.
Aqui entra a questão de que o Banco Central define a taxa de juros básica. A taxa de juros básica é definida pelo Copom, não é definida pelo mercado. Países que têm moeda soberana têm o poder de anunciar o alvo sobre suas próprias obrigações. E isso foi feito em outras economias, como a economia americana, a economia japonesa. Na Zona do Euro fica claro como isso funciona. Então, quero deixar claro que, assim como nós temos contas em bancos tradicionais, os bancos também têm uma conta, só que no Banco Central. Essas contas são chamadas reservas bancárias. Reservas bancárias são passivos do Banco Central. Como um todo, na consolidação das contas, ela é um passivo do Governo, do setor público como um todo.
Toda transação entre o setor não governamental e o governamental se dá através dessas contas de reservas bancárias, em particular, através da Conta Única do Tesouro Nacional, ou seja, gastos do Governo levam a crédito nas contas que os bancos comerciais têm no Banco Central. É um crédito, não há emissão de moeda como muitos gostam de argumentar. É um crédito. O Banco Central simplesmente credita essas contas quando o Tesouro faz um gasto num determinado dia. Isso, de novo, não é uma teoria. Qualquer técnico do Tesouro ou do Banco Central que lida com as operações no dia a dia conhece esse mecanismo.
O recolhimento de impostos leva a débitos nessas contas de reservas bancárias e leva a créditos na Conta Única do Tesouro. O que acontece é que, se num determinado dia os créditos,ou seja, os gastos forem maiores do que o recolhimento dos impostos, se os créditos forem maiores do que os débitos num determinado dia, no mercado bancário há uma situação que é chamada de excesso de reservas bancárias no sistema. Ou seja, quando há déficit público num determinado dia - e isso é como o mercado interbancário funciona -, déficits públicos no mercado interbancário, por criar excesso de reservas bancárias, colocam uma pressão na taxa de juros de um dia até zero. O argumento convencional é de que déficit público gera aumentos na taxa de juros para financiar a dívida pública.
O Banco Central deixa claro que, num determinado dia, déficit público e tudo mais constante, sem intervenção do Banco Central para enxugar essas reservas bancárias do sistema, leva a taxa Selic até zero. O Banco Central obviamente tem uma taxa, um alvo de taxa de juros positiva. Para não permitir que a taxa efetiva se distancie do alvo, ele tem que intervir no mercado vendendo títulos públicos para enxugar essas reservas bancárias. Esse é o processo como funciona no dia a dia. Não é uma teoria, é o mecanismo institucional da relação Banco Central e Tesouro.
Eu quero deixar claro que, para o setor privado comprar títulos públicos... Só há uma forma de o setor não governamental comprar títulos públicos: com reservas bancárias. Acho que isso tem que entrar no debate. As reservas bancárias são passivos do Governo. O setor não governamental só compra títulos públicos se houver reservas bancárias no sistema e o Governo é o emissor de reservas bancárias. Ou seja, para que o setor não governamental compre títulos públicos, o Governo ou gasta primeiro ou fornece empréstimos via Banco Central. Não há outra forma.
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O setor não governamental não consegue comprar títulos públicos senão através de gastos do Governo, ou seja, ele tem que ofertar, ele tem que injetar essas reservas no sistema primeiro, via déficit público - essa é uma forma muito comum - ou via empréstimo do Banco Central. Não há outra forma.
Então não faz sentido falar de títulos públicos financiando os gastos do governo, por questão de lógica. Por questão de lógica, os gastos do governo têm que vir antes, para que o setor não governamental possa comprar títulos públicos.
De novo, sem reservas bancárias no Banco Central, o setor não governamental não consegue comprar títulos públicos.
E o que ele é no final das contas?
Você troca um passivo governamental, que são as reservas, por outro, que são títulos públicos.
De novo, isso não é uma teoria. É como funciona no dia a dia. O convite a técnicos do Banco Central vai deixar isso claro.
Isso também deixa claro que a taxa de juros sobre essas reservas bancárias, ou seja, no mercado interbancário, a Selic é essa taxa de empréstimo colateralizada em títulos da dívida pública no mercado de um dia, ela reflete exatamente isso. O Banco Central tem o poder de colocar essa taxa onde ele desejar. Essa taxa não é determinada pelo mercado, como ficou claro nas economias desenvolvidas. Houve o entendimento de que essas economias precisavam de uma taxa de juros baixa, e o Banco Central simplesmente reduziu a taxa de juros. O mercado se acomoda. Isso para países soberanos, que são aqueles que têm a própria moeda e operam com uma taxa de câmbio flutuante. A taxa de juros não é uma variável... Ela é uma variável exógena, ou seja, determinada pelo Banco Central.
Portanto não existe risco. Muito da questão que está sendo feita aqui, da PEC - e volto agora para o mérito da questão -, é em função da trajetória da dívida pública e do risco de solvência, para prevenir que a dívida pública fique em trajetória insustentável.
Não faz sentido falar em risco de solvência, ou seja, risco de crédito e de não pagamento dessas obrigações em moeda local. O Governo Federal sempre terá a capacidade de honrar esses compromissos...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - ... conforme eles são apresentados para pagamento. Sempre. E não pode ser forçado pelos mercados a declarar um default sobre essa dívida.
Quero mostrar parte... Esses são dados do Banco Central também. Esse é o saldo da Conta Única do Tesouro Nacional, que já chegou a passar de um trilhão. Essa é usada para que se façam os gastos, ou seja, a efetivação dos gastos do governo e o recolhimento de impostos e tributos. Isso é feito através da Conta Única. E a movimentação dessa conta única tem um impacto significativo no mercado interbancário. Como falei, déficits do governo levam a uma expansão da liquidez no mercado, o que força o Banco Central a vender títulos.
Então quero deixar um ponto aqui mais claro.
Muito se fala que a dívida pública cresceu. Então quero mostrar o que acontece quando títulos públicos são resgatados pelo governo. Vamos analisar.
Há uma tentativa do governo de resgatar esses títulos públicos e assim reduzir a dívida. Vamos ver como acontece isso no dia a dia.
Isso foi agora, no relatório do Tesouro Nacional, relatório anual, que também está disponível, de 2016. Essas não são palavras minhas, mas da equipe do Tesouro, de quem eu peguei emprestado. Eles dizem o seguinte:
O pagamento de vencimentos da dívida pública com a Conta Única [eles chamam isso de colchão da dívida] afetaria a liquidez bancária, o que obrigaria o Banco Central a fazer operações compromissadas.
O que isso significa?
Se há um resgate da dívida pública, você debita a conta de reservas bancárias. Isso gera um estrangulamento do sistema.
Quando o Banco Central faz uma compra de títulos públicos, ele compra esses títulos públicos através de crédito nas contas de reservas bancárias.
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Por ter retirado título público e creditado essas contas que os bancos têm no Banco Central, isso gera uma liquidez no sistema que força o Banco Central a vender novamente os títulos públicos que ele acabou de retirar. Ou seja, acaba-se trocando um passivo do governo por outro. Troca-se um passivo que era do Tesouro e um passivo de operações compromissadas. Isso é o que acontece no dia a dia.
No próprio relatório do Tesouro, eles disseram que deixaram isso claro: A emissão de títulos tem o objetivo de auxiliar na redução do excesso de liquidez do sistema bancário.
O próprio Tesouro deixa isso muito claro. Os técnicos do Tesouro deixam isso muito claro. Toda vez que títulos são vendidos, por vendê-los, retiram-se reservas do sistema. E reservas nada mais são do que passivos do governo. Troca-se um passivo do governo por outro: um que não paga juros, reservas bancárias no formato atual, por outro que paga. São títulos públicos.
O interessante é que, no ano passado, apesar de toda a histeria fiscal que foi feita, o percentual de refinanciamento da dívida foi de 120%, o maior dos oito anos. São dados do Tesouro Nacional.
Eles dizem:
As colocações de títulos adicionais para essa finalidade não afetam a Dívida Líquida [porque se troca um passivo por outro; é como o orçamento doméstico nesse sentido] [...] ou a Dívida Bruta do Governo Geral [...]. Isso ocorre porque, tudo o mais constante, as emissões [...] [de dívida pública] têm como contrapartida a redução no volume de operações compromissadas de responsabilidade do Banco Central.
Ou seja, mesmo a venda de títulos pelo Tesouro Nacional, nas emissões primárias, tem o mesmo efeito prático, que é remover reservas bancárias do sistema. Nesse sentido, como está claro, elas auxiliam o Banco Central na remoção da liquidez do sistema.
Logo, não faz o mínimo sentido falar que títulos públicos estão financiando o governo. Os títulos públicos cumprem outra função, que é ajudar o Banco Central na política monetária, para regular a taxa de juros do sistema determinada pelo Banco Central.
No final de 2015, houve o estoque de títulos públicos pelo BCB, de 1,3 trilhões, equivalente a 22% do PIB. E isso gerou um problema muito grande no debate brasileiro, porque grande parte dessa dívida bruta que o Brasil teve foi em função dessas operações compromissadas. Aí está também a política de aquisição de reservas do Banco Central e outros fatores menores. E mostra exatamente isso, ou seja, o aumento, o crescimento das operações compromissadas com títulos públicos.
Não há nada de errado nessas operações. Essas operações do Banco Central são feitas justamente para enxugar a liquidez do sistema. Por liquidez, entenda-se excesso de reservas bancárias no sistema, causadas, entre outras coisas, por déficits públicos. Não são o único fator que causa excesso de reservas no sistema.
Quanto a essas operações compromissadas, não há nada de errado com elas.
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - Muito do que foi feito...
Eu fiz uma proposta no passado. Eu sugeri, quanto a essas operações compromissadas... Na verdade, a emissão de títulos públicos seria dispensável caso o Banco Central adotasse um modelo de pagamento de juros sobre o excesso de reservas bancárias. Elimina-se a necessidade de realizar operações compromissadas. Dessa forma, melhora-se a transparência sobre os indicadores de dívida pública.
Deixei claro que a venda dos títulos, seja pelo Tesouro ou pelo Banco Central, faz parte da política monetária, não faz parte da política de financiamento, embora a visão convencional acredite nisso.
Quero deixar claro mais um gráfico, que foi o ajuste fiscal implementado em 2015.
Como falei antes, a economia brasileira, em particular o setor privado da economia brasileira, passa por uma crise de solvência gravíssima.
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - O que se espera nesses momentos é que o orçamento se ajuste à deterioração da atividade econômica, ou seja, que haja déficits primários para estabilizar o sistema.
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O que foi feito, e esses são dados do Banco Central, ao longo de 2015, que foi chamado de responsabilidade fiscal, você tem a crise, que começa em meados de 2014, você tem as despesas do governo, as receitas começam a cair gradativamente, ou seja, como parte desse processo automático. Em 2015, você tem uma reversão brutal da receita, que são as barras vermelhas, elas caem brutalmente em função da deterioração da atividade econômica. E, pelo lado das despesas, você esperaria o crescimento real das despesas, que é o foco da proposta da PEC 241, entre outras coisas.
E, ao longo de 2015, ao invés de deixar o orçamento se ajustar à deterioração da atividade econômica e assim estabilizar o sistema... Ou seja, você tinha um paciente que estava na UTI, que tinha capacidade de recuperação, na medida em que os déficits primários acontecessem, você iria permitir que o setor privado doméstico recuperasse seus balanços patrimoniais e seus fluxos de caixa. Déficits públicos causam um aumento dos lucros agregados para a economia como um todo, ou seja, eles têm um papel estabilizador fundamental. Você tinha um paciente, que estava na UTI, que tinha recuperação, você implementa o ajuste fiscal em plena recessão econômica e para aquele paciente, que estava respirando com ajuda de aparelhos, você desliga esses aparelhos, ou seja, as despesas reais caem, do governo central.
E, ao cair, você aprofunda a recessão econômica e coloca o País numa das mais graves crises da sua história, como foi falado aqui anteriormente. E essa crise foi agravada por essa política implementada ao longo de 2015.
Então, o meu recado, queria contribuir para o debate, é que somos a favor da melhoria da transparência dos gastos públicos, da gestão, mas, propostas de ajuste estrutural, em momentos recessivos, são muito perigosas.
Como parte da solução do problema, deixo isso para discussão.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço ao Prof. Felipe.
Passo a palavra ao Prof. Pedro Linhares Rossi.
O SR. PEDRO LINHARES ROSSI - Muito bom dia a todos. Queria cumprimentar as Srªs e os Srs. Senadores, queria cumprimentar meus colegas de mesa, queria cumprimentar jornalistas, assessores, os demais presentes.
E agradecer muito à Senadora Gleisi pelo convite, pela oportunidade,
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO LINHARES ROSSI - ... de discutir esse tema, que é um tema fundamental, um tema absolutamente relevante, cuja importância tento trazer ao título da minha apresentação, que é a PEC 241: muito além de uma reforma fiscal.
Concordo com as cordiais palavras do Mansueto, de que aqui é um debate também político, não é só um debate técnico, e estaremos aqui debatendo os rumos do País, dada a importância dessa PEC. No fundo, adiantando minhas conclusões, que vou construir ao longo da minha argumentação, essa PEC trata de outro projeto para o País.
E faço alguns comentários iniciais. Primeiro, quero dizer o seguinte:
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO LINHARES ROSSI - ... acho muito importante que a gente pense uma reforma fiscal no Brasil. Fui uma das pessoas que estudou e procurou propor reformas fiscais, em particular porque a gente vê um claro esgotamento do regime de superávit fiscal.
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Ele está, de fato, esgotado e, de fato, a gente reconhece a exposição de motivos dessa PEC, ou seja, o regime de superávit primário é pró-cíclico, ele mira um alvo que é móvel, cujo resultado a gente não sabe qual é; ele depende muito da arrecadação e faz com que a política fiscal se torne extremamente ruim para o crescimento econômico.
Fico feliz que isso esteja sendo reconhecido agora. Pena que não foi reconhecido antes, que a gente não fez essa reforma no regime fiscal antes. Agora, o problema é que essa PEC não é um bom substituto para o regime de superávit primário.
E aí faço uma primeira provocação relativa ao diagnóstico. Bom, se o nosso objetivo é controlar a dívida bruta e a nossa meta é o gasto primário, a gente supõe que o gasto primário é muito importante para a trajetória da dívida bruta. De fato ele tem uma importância, mas a trajetória recente da dívida bruta não é explicada pelo gasto primário. Foi uma política, como colocou aqui muito bem o Felipe, de acumulação de ativos, foi uma estratégia do Estado de acumulação de ativos, de reservas e de ativos do BNDES.
A gente pode discutir o mérito. Eu faço uma discussão de política cambial no Brasil. Inclusive lancei um livro recentemente sobre isso. Peço desculpas, Senadora, pela propaganda do livro.
O mérito a gente pode discutir, se houve muito, se houve pouco, se foi bom, se foi ruim. Há pontos positivos com relação à vulnerabilidade externa, há pontos negativos com relação ao custo. A mesma coisa para a política do BNDES. Mas o fato é: a expansão da dívida, nos últimos dez anos, é explicada mais pela acumulação de ativos, pela estratégia de acumulação de ativos e não pelo gasto primário. Então, esse é um importante diagnóstico que a gente tem de fazer.
Nos anos recentes, evidentemente o déficit nominal explica muito da evolução da dívida, mas aí a gente pode colocar no bolo os juros nominais, que cresceram muito, e uma queda brutal da arrecadação decorrente de uma crise econômica, como foi falado aqui, e também decorrente de desonerações fiscais, que, a meu ver - concordo com o diagnóstico do Marcos Mendes -, estavam equivocadas.
Então, começando pelo diagnóstico, o gasto primário não é a meta adequada se a gente quer resolver o problema da dívida.
O que eu acho que está posto no debate público e acho que os ilustres convidados do Governo nesta Mesa representam? No fundo, essa meta, ao controlar o gasto primário, desata o nó da política macro, em geral. O que estou dizendo? Foi uma estratégia de acumulação de ativos, ou seja, a política macro explica a evolução da dívida. Então, se a gente quiser resolver o problema da dívida, a gente tem de resolver o problema da política macro, ou seja, dos juros elevados, se a gente quer acumular essa reserva ou não, etc.
O que está posto no debate? Que essa regra vai fazer com que as demais políticas macro se beneficiem, ou seja, que os juros caiam e que o custo das demais políticas macro seja menor e que, assim, o país cresça. Essa, vamos dizer, é a crença que está posta. E falo crença, porque acho que é um mito que está posto no debate público, em parte já colocado pelo Felipe, que é o mito da contração fiscal expansionista.
Qual é o mito da contração fiscal expansionista? A gente faz um ajuste fiscal, e o país cresce. Qual é a mediação? A mediação é a credibilidade, a confiança, as expectativas.
Qual é o problema dessa explicação? Essa mediação é muito frágil. Muito frágil em que sentido? No sentido de que não há evidências... Peço desculpas para discordar do Márcio Mendes. A literatura que eu conheço não mostra isso.
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Conheço o texto que foi citado do Alesina e conheço também vários textos que fazem a crítica do Alesina. A discussão do ajuste fiscal expansionista é defasada no debate econômico internacional. O próprio FMI fez mea-culpa. Esses argumentos estão sobreprecificados, oversold, sobrevendidos, no caso do texto do FMI.
Há um livro muito bom que faz um apanhado dessa literatura, que é um livro de Mark Blyth e que se chama Austeridade - A História de Uma Ideia Perigosa. É um livro em inglês que faz um apanhado dessa literatura.
Qual é a intuição por trás disso? É uma questão muito simples. Como o Felipe mostrou aqui muito bem, o gasto público é renda privada, assim como o meu gasto é a renda de alguém. Se eu parar de gastar em algum momento, alguém para de receber. Se o Estado, que é um grande gastador, parar de gastar, muitos vão parar de receber. Então, quando há uma crise em que há a contenção do gasto privado, se o Estado contrair o gasto, são todos que param de receber. E aí há uma recessão.
John Maynard Keynes explicou isso muito bem, numa falácia de composição, que diz o seguinte: "Olha, posso poupar hoje e ter um benefício futuro. Mas, se todo mundo poupar hoje, não vai dar certo." É uma falácia. Ou seja, a soma dos indivíduos não dá um total coerente. E, se o Estado parar de gastar no momento em que o setor privado está retraindo, aí a gente tem um problema. Isso não quer dizer que o ajuste fiscal seja sempre ruim. Não o é. O ajuste fiscal pode ser muito bom, mas depende do momento do ciclo. E, certamente, não será na maior recessão da nossa história que a gente vai fazer um ajuste fiscal seja de curto prazo, seja de médio prazo ou seja de longo prazo.
Faço uma explicação desse ciclo. Qual é o problema? O problema é o seguinte: quando o Estado corta gastos, cai a renda do setor privado, e, se cai a renda do setor privado, cai a arrecadação. Aí há uma piora no resultado fiscal. E aí alguém vai ter a ideia de que precisa cortar mais gasto. A gente está no Brasil nesse ciclo já há algum tempo. Em particular, a partir do início de 2015, a gente entrou nesse ciclo, que é um ciclo vicioso. A arrecadação cai, e a gente corta mais gasto, achando que as coisas vão melhorar, e as coisas não melhoram.
Faço uma provocação, para os senhores analisarem a coerência dos meus argumentos. A contração fiscal é contracionista, não é expansionista. Mostro um gráfico que é um gráfico provocativo, porque, evidentemente, não explica tudo. Ele sugere muito, mas não explica tudo. Há duas variáveis econômicas das mais importantes para uma economia: a inflação e a taxa de desemprego. É um gráfico muito simples, com dados a partir de janeiro de 2011 até janeiro de 2016. A gente observa, em janeiro de 2015, uma inflexão, em que há um aumento grande da inflação e um aumento grande da taxa de desemprego.
Aqui não estou querendo sugerir que tudo isso aconteceu por conta das políticas que estavam sendo implementadas, mas as políticas que estavam sendo implementadas não ajudaram a equilibrar a economia brasileira. Havia muitos problemas na gestão macroeconômica no primeiro Governo Dilma. Sou um crítico da gestão macroeconômica. Concordo com várias das teses que foram colocadas aqui pelo Marcos Mendes, em particular pela grande desoneração fiscal que foi feita pelo Governo Dilma. Mas as variáveis estavam mais bem comportadas do que atualmente. E a solução para os problemas daquela época não melhoraram a economia brasileira. Qual foi a solução? Uma virada completa na política econômica. Houve uma virada completa na política econômica, o que chamo de experimento neoliberal no Brasil. Foi isso que aconteceu.
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Você teve um choque fiscal. O Mansueto mostrou o dado do gasto primário que aumentou em função do PIB, mas em termos reais ele não aumentou, ele diminuiu, porque o PIB despencou. Então, o gasto aumentou em função do PIB, mas em termos reais ele diminuiu, ou seja, a política fiscal estava sendo contracionista.
Então, você teve um choque fiscal, você teve um choque de preços administrados, que, a meu ver, foi uma irresponsabilidade numa economia que é muito indexada. Ali precisava fazer algum represamento de preço, mas não da forma como foi feita, que você solta todos os preços ao mesmo tempo e a economia toda vai repassando esses preços adiante. Quando aumenta o preço da energia, a padaria vai aumentar o preço, tudo vai aumentar o preço. Foi - digamos - um choque, foi uma violência na economia brasileira. Aquilo gerou, sim, um impacto muito forte na inflação. E boa parte da inflação explicada pelo choque preços administrados.
E o terceiro choque é o choque monetário, como o Felipe falou, em função de um aumento da inflação de preços administrados, eu tento despencar os preços livres com aumento de juros, que passaram de em torno de 11% para 14% em 2015. Ou seja, a economia sofreu um choque em 2015. Ela já não estava bem e sofreu um choque.
Evidentemente que isso não explica tudo. Eu acho que há coisas muito além da política econômica que explicam tanto o desempenho antes quanto depois de 2015. Mas o fato é que esse experimento, essa tentativa, essa austeridade que foi implementada não foi bem sucedida. É preciso dizer isso, porque no debate público isso está muito relegado ao segundo plano. Inclusive muitos fazem uma análise dizendo que a crise atual é decorrente do período anterior. Como se as defasagens corretas fossem: "Olha, tudo que está acontecendo agora é culpa do primeiro mandato de Dilma, não do segundo, não do ajuste fiscal, do ajuste monetário e do ajuste de preços administrados que foram implementados". Eu não concordo com essa análise.
Muito bem, aí eu chego à discussão da PEC propriamente dita. O que significa essa PEC que está sendo proposta aqui, para nós, para os Srs. Senadores? É uma austeridade que é contratada para 20 anos. A gente vai se comprometer com essa política de austeridade, o que vai prejudicar muito o crescimento econômico brasileiro. Por quê? Porque o gasto público vai sempre puxar o crescimento para baixo. O gasto público não vai contribuir com o crescimento, o gasto público vai contribuir zero com o crescimento. Isso vai exigir um esforço muito maior da demanda privada para gente crescer alguma coisa. Eu estou pensando aqui pelo PIB na lógica da demanda. É muito fácil, muito intuitivo a gente pensar isso. Se o Estado não vai contribuir, espera-se que o setor privado contribua muito mais. O que está sendo proposto é que o Estado não vai contribuir para o crescimento - zero. Por isso é uma austeridade contratada para 20 anos, uma austeridade quase permanente nas próximas duas décadas.
Segundo ponto, eu faço uma crítica direta à exposição de motivos dessa PEC. O novo regime fiscal não é anticíclico, como colocado na exposição de motivos. Ele é, no máximo, acíclico. O que é um regime anticíclico? É um regime que vai manejar demanda agregada de forma anticíclica, ou seja, eu preciso de demanda pública, gasto público para fazer frente à contração do gasto privado. Essa é a lógica do regime anticíclico. Não é como está posto na exposição de motivos o resultado das coisas, senão, senhoras e senhores, o Levy teria feito uma política anticíclica, porque o resultado piorou.
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O resultado piorou, justamente porque houve uma contração brutal do gasto pró-cíclica e uma contração brutal do crescimento econômico, ou seja, não faz sentido a definição de anticíclica que está colocada aqui. Essa PEC, pelo contrário, vai tirar o Estado da possibilidade de fazer frente a crises de demanda agregada. Não há uma cláusula de escape nessa PEC, coisa rara nos regimes fiscais no mundo todo. Não tem uma cláusula de escape. Ou seja, se acontecer mais uma crise fenomenal internacional o que nós fazer? Nada. Vamos ficar amarrados numa PEC, vamos cortar gasto. Não há uma cláusula de escape nessa PEC. Ou seja, do ponto de vista macroeconômico, não entrei nem nos méritos sociais da questão, do ponto de vista macroeconômico tem problemas gravíssimos.
Outro ponto, comentário sobre a PEC. Ela retira poder do Executivo, do Congresso, da sociedade, de moldar o tamanho do orçamento público. Você não vai mais interferir no tamanho. Você só vai realocar dentro do orçamento. Então, você está colocando para a sociedade e dizendo o seguinte: o orçamento é desse tamanho. O resto vocês decidem. É uma opção, mas não é a que eu acho mais adequada, por quê? Porque ela vai provocar um enorme acirramento do conflito distributivo dentro do orçamento.
Os Srs. Senadores e os Srs. Deputados terão enorme trabalho para lidar com esse conflito distributivo, porque vai reduzir muito o orçamento disponível e, evidentemente, quem tiver mais força política vai conseguir um pedaço maior. Geralmente, a população mais vulnerável, que não tem articulação política, pode sair prejudicada nesse processo. Evidentemente que depende dos Srs. Senadores e dos Srs. Deputados.
Há um ponto que é mais polêmico. Da forma como ela está, vai ser muito difícil cumprir esse limite de gastos estipulado pela PEC. Aí eu fiz uma simulação. As simulações têm problemas, evidentemente, cada um faz a sua. Eu fiz uma simulação muito otimista para o crescimento econômico dizendo que ela deu certo e o que vai acontecer. Se ela der errado, ou seja, se o crescimento for muito baixo, o que eu acho mais provável, vai ser pior. Estou pensando aqui. Deu certo, o que vai acontecer? Eu coloquei o crescimento 2016/2017, previsões de mercado e a partir de 2018, 2,5% de crescimento.
O que vai acontecer com o tamanho da despesa primária do Governo Federal? Ela vai passar de em torno de 20%, em 2016, para em torno de 15,7%, em 2026 - daqui a 10 anos - para depois 12,3%, em 20 anos. Isto é, digamos, a despesa primária do Governo Federal.
Ou seja, o que a PEC está dizendo para a gente? Ela está dizendo para a gente o seguinte: essa PEC implica uma redução substancial do gasto do Governo Federal, uma redução substancial do Estado na economia, que pode ser boa ou ruim, aí depende da avaliação de cada um, mas é isso que a PEC está dizendo.
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Não é só esse o problema. Há um problema talvez mais grave. Quando olhamos a composição desse gráfico, percebemos uma coisa que torna pouco factível a aplicação dessa PEC, porque alguns gastos não vão diminuir, como é o caso dos gastos da Previdência. Aqui eu fiz uma simulação bem otimista quanto aos gastos da Previdência, considerando uma reforma da Previdência, tal como está sendo proposta, até um pouco mais otimista. Chega em 2036 com 8,6% do PIB com gastos da Previdência, ou seja, bem otimista.
O que vai acontecer? Vamos supor que as despesas com educação e saúde fiquem congeladas. O que vai acontecer com gastos das demais despesas? Eles vão cair de 8%, que é hoje, para em torno de 1% em 2036. A pergunta que faço, que os Srs. Senadores podem responder melhor do que eu, é se dá para caber as demais despesas em 1% do PIB daqui a 20 anos. Eu acho que não. Colocar todos os gastos públicos em 1% do PIB é muito difícil de ser realizado, para não dizer inviável.
Há outras questões. Estou considerando que a gente mantém saúde e educação, mas o Brasil é um país extremamente desigual, com uma necessidade de serviços sociais enorme, que propôs, na Constituição de 1988, um estado de bem-estar social. Se a gente almeja melhorar a saúde e a educação pública, não é por meio dessa PEC. A Alemanha, por exemplo, tem um gasto de saúde per capita cinco vezes maior do que o do Brasil: lá é em torno de US$5 mil por ano per capita; aqui é em torno de US$1 mil por ano per capita. Eles também, por acaso, têm um PIB mais ou menos cinco vezes maior do que o nosso. Ou seja, a gente quer ter uma melhora nos nossos serviços; evidentemente, para ter um serviço de saúde pública alemão, a gente precisa melhorar muito o nosso PIB. Mas, se a gente melhorar o PIB, o dinheiro não vai para a saúde e para a educação, porque saúde e educação vão disputar 1% com as demais despesas.
O que essa PEC está dizendo no fundo? Os benefícios, as benesses do crescimento econômico não vão ser direcionados para os serviços públicos, para a população que mais precisa deles. Quando o bolo crescer, a parte que crescer não fica com o Estado. É isso que a PEC está dizendo, não vejo outra leitura possível senão essa. É claro que os Srs. Senadores e Deputados poderão, dentro daquele 1% - que seja mais um pouco -, decidir se aumentam um pouco mais a educação e o que farão com as demais despesas. Mas, de fato, a gente tem um problema muito grave para decidir. No fundo, a gente está falando aqui do destino do País, do rumo do projeto nacional. É um projeto completamente incompatível com o projeto da Constituição de 1988, daí a importância dessa PEC. É muito mais importante do que um mero ajuste fiscal ou uma reforma fiscal; é uma decisão dos rumos da Nação nos próximos 20 anos. Daí a importância de a gente discutir exaustivamente. Na minha opinião, essa discussão tem que sair daqui e chegar à população. Eventualmente - já vou concluir, Senadora -, essa discussão deve ocorrer também no pleito eleitoral, dada sua importância. Porque essa PEC - é meu último ponto - impõe outro projeto de País, incompatível com aquele almejado na Constituição de 1988.
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Eu até acho que se a população brasileira escolher por esse projeto - que é um projeto de redução brutal do Estado, é um projeto que vai revisar aquela ideia de que o Estado tem deveres com a população, e que a população tem direitos sociais, é um projeto que vai revisar a ideia básica de cidadania social e os valores que estão postos na Constituição de 1988 -, se a população decidir por isso, que esse projeto seja implementado. Mas eu desconfio que esse projeto não passaria num pleito eleitoral. Acho que ele tem que passar por um pleito eleitoral; mas, enquanto isso não acontece, a minha opinião, Srs. Senadores, é que o Parlamento tem que rejeitar essa proposta.
Muito obrigado.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Presidente, pela ordem.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço ao Prof. Pedro.
Sei que o debate é instigante - a gente já está num horário avançado -, é muito importante para os parcos minutos que nós temos.
O primeiro inscrito é o Senador Cristovam, mas eu concedo, pela ordem, ao Senador Tasso.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Eu queria fazer uma sugestão, se os outros...
(Soa a campainha.)
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - ... se os outros Senadores concordarem: que nós pudéssemos ouvir uma série de argumentos, por exemplo, esse gráfico mostrado pelo Prof. Pedro Rossi. Que nós pudéssemos ouvir o contraponto, a contra-argumentação da Fazenda em relação a isso, para que ficasse o debate...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu só queria fazer um encaminhamento, sugerir, até pelo adiantado da hora, Senador Tasso, talvez, que nós pudéssemos dar a palavra ao Senador Cristovam, que apresentou comigo o requerimento, e, na sequência, poderíamos pedir que a Mesa respondesse. Aí colocaríamos em questão isso que V. Exª está perguntando. Acho que seria mais razoável.
O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Pelo adiantado da hora, vamos fazer em blocos. Quatro Senadores, a Mesa responde; quatro Senadores...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Pode ser. A sugestão, inclusive, é que a gente... Eu sei que o tema é instigante, mas, pela hora, que sejam cinco minutos para cada Senador, e que a gente possa, claro, ser condescendente também. Lembro que este não é o último debate, é apenas o primeiro de uma série que acho que teremos de ter sobre esse assunto.
Concedo a palavra ao Senador Cristovam.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Presidente, quero, inicialmente, felicitá-la pela iniciativa e...
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Quero felicitá-la pela iniciativa e dizer que fico muito contente de estar repartindo com a senhora essa convocação.
Eu preparei tantas perguntas! Vou tentar fazer nos cinco minutos, e vou começar de trás para frente, porque achei muito instigante a fala do Rossi, e muito consistente.
Mas eu queria dizer, meu caro Rossi, que eu acho que a gente precisa fazer o acirramento distributivo dentro desta Casa. Esta Casa - e o Estado brasileiro - durante décadas, enganou o povo dizendo que não queria discutir a distribuição. Aí, criou a ilusão inflacionária e distribuiu concentrando a renda, tirando dos pobres. Nós, o Estado brasileiro, fizemos uma verdadeira arquitetura da concentração da renda através da inflação, e mentindo, achando que havia dinheiro para tudo, para tudo, para tudo. No fim, o povo pagava, aumentando-se o preço do pão.
Então, eu quero dizer que o acirramento distributivo pode ser uma coisa boa para a política brasileira. E aí vamos botar o povo na rua para conseguir pressionar para que vá mais recurso para aquilo em que a gente deve gastar para servir o povo.
Segundo, eu creio que o Estado... Você falou em rumos da Nação. Se não fizermos algo sério... Os rumos da Nação não vão bem. O Estado tem que zelar também pela estabilidade monetária. Eu acho que esse deve ser um princípio também.
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E quanto àquele fato de que não cabem em 1,5% os demais gastos, é verdade, mas, tratando de percentagem, a gente não pode chegar a 110%, nem a 115%, e vai ter o 1,5%. Então, tem que refazer isso. Estou de acordo que vai precisar de um esforço distributivo grande.
Finalmente, eu acho que o teto não faz a austeridade que os outros países fizeram. Lá eles cortaram gastos. Aqui eles estão reajustando, inclusive, com a inflação, estão mantendo mesmo, e mais a inflação. Vi, na Grécia, salário de professor cair 40%. Conversei com esse professor de universidade. Eu pergunto o contrário, e eu iria perguntar a ele: será que não estão colocando um gatilho ao colocar o IPCA para reajustar os gastos? Então, eu não vejo essa ideia da austeridade, mas, sim, de um controle de gastos.
Agora queria fazer uma pergunta, quando chegar a sua vez de responder: os juros cresceram muito, como falou. Como levar a uma queda dos juros? Qual a sua proposta de redução da taxa de juros? Você mesmo falou que a ideia do superávit está esgotada, mas que essa não é boa. Aí, é capaz de ser verdade, vamos discutir. Mas qual seria a sua proposta?
Quanto ao Felipe, ele falou na crise do setor privado. Eu queria saber por que o setor privado brasileiro entrou em crise. Fiquei preocupado quando alguém que você citou disse que a inflação no Brasil não cai nem que falte pão. Então eu vou rasgar os livros de Economia, que eu estudei, porque lá havia algumas receitas que nem sempre funcionaram, é verdade.
Agora, vou entrar no Governo. Primeiro, sonho um dia viver num País, e ser Parlamentar, eu gostaria, porque eu viria para a Comissão de Orçamento vestido de guerrilheiro, porque aí é que a gente deveria fazer a revolução. Sonho com um dia em que não seja preciso uma lei que diga que há um teto, que isso seja óbvio. Sonho com um dia em que não haja necessidade de termos gastos vinculados. Eu sonho com um dia em que a maturidade política permita fazer o melhor, mas está muito longe.
Nós temos precisado, sim, de ter esses gastos vinculados. A minha pergunta é: ao tirar a vinculação, o que vai acontecer?
E aqui as minhas perguntas.
Primeiro, por que PEC, e não lei ordinária, para permitir que a gente corrija defeitos?
Segundo, a lei fala em desengessar as vinculações. Será que não está engessando ainda mais e criando uma vinculação constitucional da receita para o superávit? Ou seja, não se vincula mais para educação, saúde, etc., mas vincula-se não permitindo reajuste com base também no PIB. E aí o Rossi tem razão: ao manter só vinculado com o IPCA, será que a gente não está criando um engessamento, uma vinculação?
Terceiro, os recentes aumentos - e essa pergunta eu queria que fosse considerada mesmo - dados ao funcionalismo não desmoralizam a PEC? Nós estamos falando em controlar gastos e começamos já aumentando gastos.
Quarto, mesmo sendo um teto, não funcionará como um gatilho? É a pergunta que eu fiz.
Quinto, o Ministério, os Ministérios, enfim, MEC, Saúde, foram consultados não só para saber as consequências disso, mas para saber como eles vão resolver o problema, por exemplo, melhorando a eficiência?
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A gente precisa trabalhar um dia o argumento de que um prefeito não é bom porque gasta mais em educação. Ele é bom porque tem menos analfabetos. Ele é bom porque ele consegue ter todo mundo terminando o ensino fundamental com qualidade. E algum pode fazer isso com menos gastos. Nós temos que incentivar a eficiência.
Estou terminando.
Sexto, houve estudos para preparar para o momento difícil, como o daquele discurso que o Churchill fez de sangue, suor e lágrimas? Alguém vai fazer o discurso de que o Brasil precisa de sangue, suor e lágrimas para construir o seu futuro?
Sétimo, e os recursos do pré-sal? Eles entram por dentro ou eles entram por fora? Eles poderão ser gastos mesmo que se ultrapasse o teto? Ou não poderão?
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Finalmente, a lei do PNE eu sei que é uma simples autorização, tanto que, desde o primeiro momento, eu disse: ninguém vai cumprir essa lei. Eu dizia isso. Mesmo assim, é uma lei. E eu pergunto: ela vai ser revogada? Ela vai ser desconsiderada, do ponto de vista de 10% do PIB? Tudo bem, mas eu quero fazer outra pergunta: e as metas reais do PNE? Elas foram consideradas pelo arcabouço completo do Governo, não só pela Fazenda, na hora de elaborar a PEC do teto? Está-se querendo abrir mão daquelas metas, esqueceram as metas ou, mesmo com as metas, vai ser possível ter o teto?
Essas são as perguntas.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Cristovam.
A ordem de inscrição aqui é pela presença registrada no painel. Então, nós temos o Senador Flexa Ribeiro como primeiro inscrito, Senadora Vanessa Grazziotin, Senador Lindbergh Farias, Senador Fernando Bezerra, depois os demais Senadores.
Consulto o Senador Tasso se a gente já não pode fazer as perguntas, o tempo está sendo cumprido, até, pelo menos, o Senador Fernando Bezerra? Depois nós passaríamos à Mesa.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu até sugeriria, Senadora Gleisi...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Senadora Gleisi, eu até sugeriria - viu, Senador Tasso? -, para depois a Mesa ter o contraditório entre as partes, que a gente fizesse logo um bloco só e, depois, passasse para a Mesa e esta concluiria.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu vou lendo o nome do Senadores e quem quiser liberar...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Pois é. Olhem o problema que nós temos! Mas vamos tentar. Ainda não são 13h e eu acho que é importante...
Eu passo a palavra ao Senador Flexa Ribeiro por cinco minutos.
O SR. FLEXA RIBEIRO (Bloco Social Democrata/PSDB - PA) - Presidente, Senadora Gleisi Hoffmann; Srªs Senadoras, Srs. Senadores, senhores convidados, quero saudar a todos no nome do Dr. Mansueto de Almeida, Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, para economizar o tempo, Senadora Gleisi.
Eu acho que não há dúvida de que há necessidade de um limite nos gastos. Acho que todos nós concordamos com isso. A PEC 241 vem exatamente nesse sentido de fazer uma limitação nos gastos pela correção da inflação. Preocupa-me...
O Senador Lindbergh tem repetido diversas vezes que haverá uma redução, ele inclusive faz uma projeção para os próximos anos, de investimento em saúde e educação. Foi mostrado aqui que esses investimentos nessas duas áreas serão mantidos.
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Aí, o primeiro questionamento é se isso ocorrerá realmente, ou seja, se os percentuais, tanto para a saúde como para a educação, serão mantidos dentro das regras e da própria Constituição, que define 25% para a educação e até 15%, progressivamente, para atingir, mais à frente, em saúde. Nós gostaríamos de que fosse até 18%, mas não conseguimos aprovar essa PEC.
Agora, me preocupa quando nós limitamos o gasto à inflação, porque eu acredito que a diminuição dos gastos se pode fazer também pela redução do tamanho do Estado. Esse talvez seja um caminho que nós não estamos vendo acontecer. Nós esperávamos, inclusive, uma redução bastante mais significativa do número de Ministérios. A juízo meu, não há necessidade de ter Ministério... Já tivemos, e eu uso isso como exemplo, no Governo Collor, o Ministério da Amazônia, e não resultou em nada. Não é porque temos um Ministério que se vai resolver o problema daquele setor. Então, acho que tem que definir que tamanho de Estado nós queremos para depois fazermos a reforma tributária, para que possamos ter os recursos para aquilo, para o Estado de que a sociedade necessita.
Um Estado que tenha feito o seu dever de casa, um Estado membro da Federação que tenha um acréscimo na sua receita vai ficar impedido de usar esse acréscimo de receita para aumentar os seus gastos porque o gasto está limitado à correção da inflação? Aí eu fico preocupado com o meu Estado, o Pará, e com outros Estados que estão ainda em subdesenvolvimento. Usando como exemplo a saúde, esses Estados, principalmente das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e eu acredito também que do Sul e Sudeste, nos indicadores da OMS, por exemplo, de número de leitos por 100 mil habitantes, estão abaixo do mínimo. Há necessidade de que se ofereça à sociedade um número de leitos maior. A mesma coisa com UTI. O meu Estado tem um número de UTI menor do que aquele que seria necessário. E o Governo está investindo em novas unidades. Como ele vai manter essas novas unidades que representarão, no caso do Pará, nos próximos dois anos, mais de mil leitos? Como ele vai manter isso se não vão poder crescer os gastos com saúde além da correção da inflação - e haverá, evidentemente, esse crescimento? É possível, é a pergunta que eu faço, haver remanejamento para que, no conjunto de gastos, você não ultrapasse a correção pela inflação, mas, no conjunto, deixando que haja essa distribuição pelo ente federado?
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Por último, eu colocaria uma oportunidade nessa PEC de nós acrescentarmos no sistema público a meritocracia. Não há como nós continuarmos nesse sistema atual em que você trata os desiguais de forma igualitária.
Então, é a hora de você colocar as correções, os aumentos em cima de metas a serem atingidas pelos Estados, pelos Municípios, pela própria União, compensando os servidores, sejam eles federais, estaduais ou municipais.
Eu perguntaria aos nossos convidados exatamente essas questões.
Com relação ao limite de gasto, eu acho que tem que ter, mas temos que cortar primeiro o tamanho do Estado. Esse paquiderme que é o Estado brasileiro tem que diminuir, se tornar um animal menor e mais veloz no atendimento da necessidade da sociedade.
Nós ouvimos aqui, durante 13 anos, os ministros da Fazenda, em especial nos últimos 8 anos, anunciarem um crescimento de 7%, 6%, 5%. Cada vez ele vinha baixando, até chegar à realidade que foi uma queda do PIB da ordem de 2,8%.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Flexa.
Senadora Vanessa Grazziotin.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Muito obrigada, Senadora Gleisi.
Quero cumprimentar os convidados e pedir desculpas a todos e a todas porque estou com esses óculos, não por opção, mas porque estou com um problema grave nos olhos.
Srª Presidente, senhoras e senhores, primeiro quero dizer que, apesar de o debate aqui ser em relação à PEC 241, que trata do limite dos gastos públicos, no fundamental, o debate está indo muito além, não só o debate aqui no âmbito da Comissão, mas o debate que já está instalado na sociedade brasileira. E até é importante que a gente faça esse debate do ponto de vista mais geral.
O que os economistas dizem? Que a PEC é importante, a PEC é fundamental, mas ela, por si só, tem pouco efeito, e nós ouvimos aqui de alguns dos convidados. Tem pouco efeito por quê? Porque nós temos muitos benefícios vinculados ainda ao salário mínimo. Então, ao lado da PEC 241, precisaríamos de outra medida, que seria desvincular todos os benefícios sociais do salário mínimo, e de uma terceira, que também foi dita aqui, uma reforma previdenciária. E ainda ouvi dizer que o Brasil precisa de um ajuste fiscal. Eu até acho que precisa mesmo, Senador Cristovam, conversávamos sobre isso nesse momento.
Segundo a avaliação dos senhores, o caminho que é apontado pela PEC 241 seria o menos doloroso. Mas menos doloroso para quem? Para o povo brasileiro? Não. Para o povo brasileiro é o mais doloroso. Menos doloroso para quem? Para os pobres que recebem o Bolsa Família? Não. Para esses, esse é o caminho mais doloroso. Menos doloroso para quem? Para aquelas famílias que dependem de programas como o Minha Casa Minha Vida? Não. Ou seja, também não é menos doloroso para aqueles que trabalham, sofrem um acidente, porque já há agora uma nova regra de que não podem receber o seguro doença por mais de quatro meses, o auxílio-doença.
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Então, veja, de fato, eu acho que é o caminho menos doloroso para quem? Para o mercado financeiro. Para esse, sim, eu não tenho dúvida nenhuma. Porque aqui nós estamos falando não de um ajuste fiscal. Não é disso que trata a PEC 241.
A PEC 241 vai muito além do tal ajuste fiscal conjuntural. Ela muda estruturalmente, radicalmente o Estado brasileiro. E, por um caminho meio envergonhado, começa a estabelecer a tal teoria do Estado mínimo. Aquele Estado que só gerencia. Gerencia uma atividade de saúde que é exercida pelo setor primário; gerencia uma atividade de educação desenvolvida na maior parte pelos setores privados.
Está aí o que o Ministro da Saúde - além das bobagens que diz em relação a quanto as mulheres trabalham - disse. Já formou uma equipe, um grupo de trabalho no Ministério da Saúde para estabelecer um tal de um plano de saúde acessível para a maioria das pessoas. Com que objetivo? Com o objetivo de acabar com o Sistema Único de Saúde, de destruir todos os pilares conquistados a partir da Constituição de 1988.
Aí vejam os senhores, na justificativa da PEC 241, falam muito da dívida bruta. Por que não falam da dívida líquida? É essa que importa. E qual é o nível da dívida líquida brasileira? Qual é o nível? Melhora agora ou piora agora?
Segundo dados também oficiais mostrados aqui, em fevereiro de 2016, a dívida líquida brasileira era de 36,8% do PIB, enquanto, no final, em janeiro de 2002, 52% do PIB. No final do Governo Fernando Henrique Cardoso, 60% do PIB.
Então, melhorou o nível de endividamento do Estado brasileiro ou piorou? É óbvio que melhorou, mas usam a dívida bruta para justificar tamanha barbaridade contra o País e contra o povo brasileiro.
Primeiro, a PEC é para 20 anos. Esse Governo que está aqui - que espero não passe, que a gente possa derrotar esse golpe - tem dois anos. Então para que fazer uma reforma tão estruturante? Dezoito anos? Com que legitimidade ele faz essa reforma? Introduzir no Brasil Estado mínimo. O Estado mínimo equivocado. É o neoliberalismo de volta. Então, qual a legitimidade? Não há legitimidade nenhuma para que isso aconteça. Primeiro porque o Governo não foi eleito, e não é isso que a população brasileira quer.
Eu creio, Srª Presidente, que precisamos debater, de forma ampla, porque essa não é a única maldade. Depois dessa maldade, da PEC 241 - aliás nós já temos uma declaração de voto pronta, o meu partido, porque analisamos ser essa PEC inconstitucional, porque ela fere cláusulas pétreas da Constituição Federal -, virão outras. Virá a PEC que fará a reforma da Previdência, e mais uma vez focando nos pobres. Virá uma outra proposta para desvincular os benefícios sociais do salário mínimo. E, repito, com que legitimidade? Nenhuma.
E o que me chama muito a atenção, e até há algumas críticas - eu concordo também quando o senhor diz, por exemplo, eu até acho isso também, que a política dos subsídios do Governo não foi tão correta como deveria ser, acho que foi até exagerada -, por que não mexer nisso? Porque é muito mais fácil, numa única canetada, iniciar a implantação do Estado mínimo.
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Falaram aqui de erros. Por que não corrigir esses erros? Em vez de dar tantos incentivos fiscais, vamos atacar a reforma tributária de que a gente tanto fala, de que o Estado abre mão, porque nós não estamos vivendo uma crise estrutural não, a crise é conjuntural. Até 2013 nós tínhamos um superávit, e hoje nós temos um déficit.
Então estão querendo enfrentar uma crise que é conjuntural com medidas nocivas ao Brasil e medidas estruturantes da destruição completa do Estado brasileiro.
Muito obrigada, Srª Presidente.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senadora Vanessa.
Senador Lindbergh.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Srª Presidente, eu queria começar cumprimentando os quatro, Dr. Pedro Rossi, Dr. Felipe Rezende, Dr. Marcos Mendes, Dr. Mansueto de Almeida. Um cumprimento especial para o Mansueto, que vai lançar hoje um livro aqui em Brasília com o economista Felipe Salto, que é um economista muito competente, trabalhou aqui com o Senador José Serra.
Só que eu acho que os senhores estão com um problema. Primeiro, quanto ao curto prazo. Não existe ajuste de curto prazo aqui, Mansueto. Sinceramente, nós fechamos o primeiro semestre deste ano com um déficit de 34 bi. Estão ficando aqui para este semestre 126 bi. Que ajuste é esse?
No próximo ano, que disseram que seria de 139 bi, se você for ver receita e despesa, será de 194, Senador Armando Monteiro.
Então, o que os senhores estão propondo - porque esse atual governo decidiu o que nós estamos chamando de keynesianismo fisiológico - é gastar, pagar a conta do impeachment. A gente tem visto aqui, passa tudo aqui. Os senhores estão propondo o ajuste lá para quando? É para depois de 2018? Porque em 2017, pela inflação, você tem aumento de gastos. Se fosse pela receita, seria mais apertado. Eu quero saber se é para 2018. Eu acho que não, só em 2019. Então, o primeiro ponto é esse.
Quero falar da incoerência do discurso. Afastaram a Presidenta Dilma no meio de um ajuste como esse, e eu me posicionei aqui contra, votei contra, porque foi o maior contingenciamento da história. Isso serve para afastar a Presidente com o argumento de responsabilidade fiscal. Aí fazem isso.
Mas vamos entrar no centro do debate. Aqui me estranha não haver uma discussão sobre resultado nominal, porque inclui juros. Então nós só queremos apertar o primário. A conta de juros a gente esquece? Não fala nada?
O déficit de 2014, 6,7% do PIB - 6,1% foram juros. O déficit primário foi 0,6%. Do déficit de 2015, 10,34% - 8,5% juros.
Então só se fala em teto para gasto primário, para educação, para saúde, para previdência. O outro lado fica completamente livre.
Aí é onde quero entrar num debate aqui. O que está sendo feito com essa PEC? Nós estamos rasgando o pacto construído por Dr. Ulysses na Constituição cidadã, um pacto que falava claramente em direitos sociais, no segundo capítulo, em vinculações constitucionais para educação e, depois, com a emenda constitucional, para saúde.
Em educação, hoje, a União tem que investir 18%, os Estados têm que investir 25% e os Municípios, 25%. Na saúde, 12% Estados, 15% Municípios, e essa emenda leva 15% da receita corrente líquida. Está aqui, Senador Flexa, está aqui na PEC, isso acaba.
Eu queria perguntar se os senhores têm noção do que vai acontecer na ponta. O prefeito, a cada ano, vai diminuindo o percentual vinculado à receita, vinculado à inflação. Ele vai investir menos. As consequências são desastrosas na ponta. Os senhores não têm condições de avaliar. Eu fui Prefeito, acho que tenho mais condição.
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Fui a reunião de Prefeito. Sei que, para investir em saúde, é uma luta. O Prefeito investe 15,03 em saúde, nem um centavo a mais. Ele prefere, às vezes, fazer um asfalto, obra com maior visibilidade.
Então, daquilo que os senhores estão propondo, acho que não têm noção para avaliar o desastre social para a população mais pobre.
Quando falamos em saúde, 20 anos, estamos falando em envelhecimento da população em um sistema de saúde que já é muito frágil. Então, o que nós questionamos aqui? Tudo bem, vamos discutir a questão fiscal do País. Só que os senhores estão apontando uma conta que vai ser paga apenas pelo povo pobre, pelo povo trabalhador...
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ... que precisa de saúde pública, educação pública, previdência social. Cadê a conta para o andar de cima? Nenhuma medida.
Os senhores sabem que o sistema tributário é muito injusto e desigual no País. Agora, recentemente, a Receita Federal divulgou os dados, depois de uma visita de Piketty: nada para o andar de cima, só aperto em cima dos mais pobres.
Vou tentar concluir dizendo o seguinte: há outra questão que, para mim, é muito importante, que é a questão da democracia. Os senhores estão rasgando um pacto construído na Constituição de 88 sem terem ganhado um voto. E mais, estão querendo dizer que, pelos próximos 20 anos, Senador Roberto Requião - o Senador estava aqui agora, mas saiu -, se fosse candidato a Presidente da República e ganhasse - e ganhasse -, ele não poderia fazer um programa de políticas anticíclicas, ele não poderia aumentar investimento em saúde, em educação. Então, os senhores estão rompendo um pacto...
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ...firmado na Constituição de 88, a partir desse processo, agora, de posse do Michel Temer, sem um voto e estão querendo congelar para o futuro. Pergunto: que democracia é essa?
O Primeiro-Ministro do Canadá, Justin Trudeau, foi eleito dizendo o seguinte: quero recuperar o crescimento econômico, vou fazer déficit fiscal por três anos para recuperar o crescimento econômico, depois, vou fazer superávits maiores.
E encerro dizendo o seguinte: acho que esta PEC vai nos colocar em um plano de austeridade permanente, a economia brasileira vai ter grandes dificuldades para se recuperar, porque, a cada ano, é um novo aperto fiscal. E como falou muito bem o Pedro, em uma situação de desaceleração econômica, Senador Cristovam, quando as famílias não estão consumindo, quando as empresas não estão consumindo, tirar esta possibilidade de o Estado, de forma consciente, aumentar seus gastos, estimular a demanda agregada é um crime. Então, vamos viver, se esta PEC passa, 20 anos de crescimento pífio, até porque há outro ponto que eu queria levantar para os senhores: o impacto nos mais pobres, pelo desmonte na previdência social, por acabar com a vinculação do salário mínimo com a previdência.
Os senhores sabem que há um estudo do IPEA falando sobre a criação desse grande mercado interno de massa no Governo do Lula, que fala de várias...
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ...questões: salário mínimo, do crédito, da formalização do emprego.
Para concluir, Senadora Gleisi.
Na análise desse estudo do IPEA, nada foi tão importante como o peso do salário mínimo na previdência, por exemplo, aquele dinheiro que chegava a uma senhora, a aposentadoria no final do mês, e ia para a economia. Ela comprava remédio, pagava a escola do neto.
Então, acho que, além da questão do corte de gasto, austeridade permanente, teremos outro efeito muito ruim na economia, que vai afetar sempre o consumo das famílias. Hoje, quando se vai discutir crescimento do PIB, 60% é consumo de famílias. Estamos tendo desemprego, queda nos rendimentos. Isso aqui vai agravar qualquer possibilidade, a meu ver, de recuperação pelo consumo das famílias.
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Desculpa até o jeito enfático - viu, Dr. Mansueto? -, mas eu queria agradecer e parabenizar os quatro pela exposição aqui no dia de hoje.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Lindbergh.
Com a palavra o Senador Fernando Bezerra.
O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Srª Presidente, Senadora Gleisi Hoffmann, eu queria também cumprimentar o Pedro Rossi, o Felipe Rezende, o Mansueto de Almeida e o Marcos Mendes pelas exposições aqui apresentadas.
Tive que sair para um encontro com o Ministro Kassab, não pude ouvir a fala de Felipe Rezende, portanto, perdoe-me se eu aqui não fizer um comentário específico ou se perdi alguma informação relevante para o debate. Mas penso que tivemos aqui um claro diagnóstico da crise em que o País foi mergulhado.
Acho que a grande conclusão é de que esta crise, que provoca mais de 12 milhões de desempregados, que é a mais grave crise econômica da história do Brasil, a razão dela é a insustentabilidade do gasto público. É esta a grande questão que este Congresso Nacional vai ter que debater, sobre a qual vai ter que refletir.
Fico olhando para as informações aqui trazidas e verifica-se que, nas mais profundas crise econômicas que o País enfrentou, também tivemos graves crises políticas: 1931/1932, enterramos a República Velha; 1982 foi o fim do regime militar; 1991/1992, o afastamento do Presidente Collor; e esta crise econômica, agora, que, possivelmente, vai decretar o afastamento da Presidenta Dilma. Portanto, acho que somos obrigados, de fato, a refletir sobre as consequências da insustentabilidade do gasto público. Não dá mais para adiar esta discussão, este debate.
Concordo com o Senador Cristovam Buarque: esta é a Casa do conflito distributivo, é aqui que os grupos de interesse da sociedade brasileira vão ter que se manifestar para dizer que País querem construir.
Mas penso que não existe uma contradição entre o aquilo que decidimos em 1988, e fui Constituinte em 1988, naquela defesa da Constituição Cidadã, como definiu Ulysses Guimarães, na construção do Estado de bem-estar social, como o Constituinte de 1988 assim decidiu. No Nordeste, a grande mudança que ocorreu, do ponto de vista distributivo, foi acabar com a meia aposentadoria para o trabalhador rural e pagar a aposentadoria integral. Sabemos que, hoje, o grande déficit da Previdência Social é na área rural - é na área rural. Essa é uma conta que a Nação brasileira toda paga, mas isso foi uma decisão deliberada para equilibrar e para não esquecer os milhões de nordestinos que estão à margem de todo o processo de crescimento e de desenvolvimento. Portanto, penso que não existe contradição entre a Constituição de 1988, que nós construímos, e, agora, este debate sobre a sustentabilidade do gasto público.
Temos que ter responsabilidade fiscal sim. Este País já acumula uma certa cultura. Eu disse da tribuna do Senado: o Governo que mais incluiu foi o Governo do Presidente Lula, e não foi irresponsável do ponto de vista do gasto público, não produziu um déficit sequer durante oito anos. Não produziu um déficit, um déficit sequer.
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Portanto, acho, e aí perdi, talvez, na fala do Felipe ou do Pedro, que não ouvi, o diagnóstico do porquê caímos nesta crise, me parece que a crise em que mergulhamos foi justamente pela irresponsabilidade verificada em 2013 e 2014, que se desencadeou no ano de 2015. Essa é a leitura, pelo menos, que faço, por isso estamos aqui no debate, estou querendo provocar, porque perdi.
Esta não é uma crise que foi importada, pelo menos penso eu, apesar de o cenário internacional ser difícil para muitos países. Foi colocado aqui de forma clara que diversos países de médio crescimento tiveram performances econômicas muito melhores do que a brasileira.
Então, eu queria concluir, Srª Presidente, dizendo que seria importante abrir aquelas lâminas que foram trazidas, não sei se pelo Mansueto ou pelo Marcos Mendes, em que se consegue dizer que o problema não está no gasto com pessoal, no gasto com investimento, mas com a previdência e com as transferências de renda. Seria importante abrir aquela lâmina, porque me parece que o problema mesmo está com o desequilíbrio das contas da previdência social brasileira. Por isso, acho que está correto o diagnóstico de enfrentar esta questão agora, aproveitar para discutir o equilíbrio das contas da previdência, para que não continuem pressionando o gasto...
(Soa a campainha.)
O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - ... público, como verificamos aqui.
Mas quero concordar com o Pedro Rossi, ao final, que é preciso ter um ajuste nessa proposta, que tem que passar para limitar o gasto público. Mas o que faremos com os superávits? Serão todos para reduzir a dívida pública? Penso que isso é um erro. Isso é um erro, porque, se não é razoável ter uma dívida pública de 68% do PIB, e se tivermos uma de 40% ou de 35%? Acho que deveria haver uma proposta em que metade do superávit fosse para investimento, e metade, para reduzir a dívida. Não pode ser só para reduzir a dívida, é irreal. Durante 20 anos? Qual é a trajetória de diminuição da dívida projetada? Vamos zerá-la? Vamos trazê-la para que percentual? Por quê?
Então, acho que seria importante, para aprovar o limite do gasto público, que eu defendo, que houvesse uma apropriação dos ganhos, que, quando forem verificados, possamos dar metade para reduzir a dívida e metade para promover investimento, investimento em infraestrutura, investimento para melhorar a produtividade do trabalhador brasileiro. Aqui se falou da necessidade de melhorar a produtividade do trabalhador brasileiro, já que a população vai envelhecer.
Então, parece-me que esse projeto precisa de uma grande correção, que é o que fazer quando der certo. Quando der certo, vamos apropriar só para reduzir dívida? Está errado, está errado, porque acho que, aí, as duas visões podem se aproximar, e aqui podemos construir um consenso, já ensinando que esta é a Casa da construção dos consensos, podendo tirar o melhor de um lado, que foram os programas de inclusão, e o melhor do outro, que é a sustentabilidade do gasto, de que não podemos abrir mão para construir este País que tanto queremos, tanto amamos e que tanto desejamos que seja um País cada vez mais solidário, mais justo, mais igual e mais fraterno.
Muito obrigado.
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A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Fernando Bezerra.
Com a palavra o Senador José Aníbal.
O SR. JOSÉ ANÍBAL (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - Senadora, participantes, demais Senadores, há 22 anos estávamos discutindo, aqui no Congresso, o Plano Real. E, com a aprovação e a implementação do Plano, e depois a Lei do Petróleo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, tudo que aconteceu, acreditei que o Brasil tinha entrado num caminho que ia na direção de um desenvolvimento sustentável, um país com regras, com leis, enfim. Por isso mesmo, sempre achei que o que o Lula recebeu foi uma herança bendita, maldita é a que estamos recebendo agora. Enfim, o fato é que foi possível termos uma primeira década do novo século relativamente exuberante. Mas hoje, 2016, temos 5 milhões de novos desempregados nos últimos 20 meses.
Quando vejo a projeção muito positiva feita pelo Senador Bezerra de que haverá superávit e a pergunta sobre o que vamos fazer com o superávit, me animo com o entusiasmo dele. Mas, com a realidade que estou vendo hoje, vivenciando hoje, tenho uma enorme preocupação.
Testemunhei o momento em que a ex-Presidente decidiu reduzir a mistura do álcool na gasolina porque os usineiros, não sei o quê, não sei o quê. Isso foi em agosto de 2011. Esse setor, Senador Cristovam, sucroalcooleiro, sucroenergético, melhor dizendo, gera 600 mil empregos. Isso deu uma desestabilizada no setor. E depois, não contente, ela fez a 579, aí destruiu o setor elétrico de um modo geral.
Acho que a lista apresentada pelo Marcos Mendes aqui, uma breve lista de erros, é matéria, cada item dela, para uma boa discussão da nossa Comissão. Mas acho que, de qualquer maneira, o debate, como preliminar, foi muito positivo e acentuou a minha convicção naquilo que foi dito pelo Mansueto. A PEC do crescimento vai ser complementada, deve ser complementada pela PEC da Previdência. Se não houver a reforma, vamos ter mais juros e mais inflação. Acho que tem muita conversa.
Tirei algumas questões específicas para perguntar a vocês, mas isso vai ficar claro ao longo das conversas que teremos, dos embates. Acho que a Senadora Gleisi, com a decisão de convocar esses quatro participantes, ajuda a iniciar um bom debate, um debate mais contextualizado sobre o significado da PEC do teto, que já vem associada, de algum modo, à reforma da previdência.
Agora, acho que aí, e com isso eu termino, o Senador Cristovam falou de um bom debate sobre o conflito distributivo, vamos ter que trazer para cá o povo brasileiro, porque o que vi até agora aqui sobre distribuição foram as corporações, setor público.
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Discute-se projeto para saber se vão excepcionalizar ou não certas categorias do setor público. Pelo amor de Deus! Há 5 milhões de novos desempregados que não estão conseguindo "bico" para sobreviver.
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ ANÍBAL (Bloco Social Democrata/PSDB - SP) - E não falo isso com satisfação, falo isso com preocupação.
Por isso, mais interesse tenho eu de que logo sejam dados sinais de que o Brasil vai convergir para uma boa direção, do ponto de vista das contas públicas, e que isso vai simular o que mais nos interessa aqui, o emprego. Só que não se cria emprego sem investimento, e não se traz investimento se não tiver credibilidade. Portanto, acho que este é nosso alvo principal aqui: contribuir para que este Governo recupere a credibilidade da gestão pública no Brasil e, com isso, o investimento e o emprego.
Acho que foi uma ótima iniciativa e que a gente deve continuar em outras rodadas aqui na nossa Comissão.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador José Aníbal.
Com a palavra, agora, o Senador Tasso Jereissati.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Srª Presidente, abro mão da minha palavra no sentido de ouvir, porque muitas contas aqui são diferentes. Por exemplo, as contas do Prof. Pedro Rossi em relação ao Orçamento e à subdivisão dos gastos do orçamento, a longo prazo, são bastante diferentes das contas do Ministério da Fazenda. São muitos números e gostaria de ter esses esclarecimentos sobre qual é a diferença, para entender melhor. Então, eu gostaria... Não sei se tem outro Senador, se o Caiado vai falar.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Temos aqui ainda, inscritos e que estão presentes, o Senador Ronaldo Caiado e a Senadora Fátima Bezerra.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - O.k.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Consulto se mais alguém gostaria de falar. Senador Roberto?
Então, Senador Ronaldo Caiado.
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO) - Muito obrigado, Srª Presidente.
Srª Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares e demais expositores, quando o Ministro da Fazenda apresentou o plano, houve uma concordância: que todos nós temos de dar uma quota de sacrifício para sairmos dessa crise, porque, infelizmente, esses treze anos do governo do PT levaram o Brasil a essa situação de penúria que estamos vivendo agora. Então, não é justo que não haja uma partilha para que todos assumam a responsabilidade sobre a situação a que chegaram as finanças do nosso País.
Agora, tem algo que gostaria de perguntar à equipe econômica do Governo, já que o indexador é único, o IPCA. Dentro desse reajuste, poderemos aí definir no Orçamento quem deve receber mais ou quem deve receber menos, sendo uma prerrogativa do Congresso. A pergunta que faço é: às vésperas de votarmos essa PEC, nós, ou seja, o Governo encaminhou um reajuste de todos os funcionários dos três Poderes, junto com o piso, e mais a criação que pretende de dois ministérios. Ora, se eu reajusto tudo isso e depois vou mantê-los com o IPCA, é uma realidade. Não estou vendo nenhuma quota de sacrifício.
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No momento em que eu tenho uma consulta médica de um médico especialista por R$10 e um procedimento, de internação ou de toda a rotina médico-cirúrgica, numa tabela que não tem reajuste nas demais etapas a não ser em grandes complexidades há mais de dez anos, e vejo toda a rede pública falida, quebrada, pergunto: qual é o sinal que estaremos dando para essa estrutura no País? Se nós tivéssemos agora um reajuste dessas tabelas dos procedimentos, como foi dado para os funcionários dos três Poderes, poderíamos dizer que, a partir de agora, teríamos um patamar, que seria manter o que está. Se eu não reponho uma perda, o que já leva a saúde a estar hoje empatada com processos de corrupção e, com isso, com a segurança pública - é o item primeiro de todas as pesquisas que são feitas -, pergunto: esse setor não foi melhor avaliado pelos senhores do Tesouro e do Governo? Ou seja, em vez de termos priorizado os funcionários dos três Poderes, poderíamos ter priorizado...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Social Democrata/DEM - GO) - ... algumas etapas da fase da educação e da saúde. E, a partir daí, colocaríamos um indexador único para que, pelo menos esses setores, que são dependentes de uma decisão de governo, que são a saúde pública e a educação, não ficassem tão penalizados com a perspectiva que talvez faça com que o projeto tenha dificuldade, com que a PEC tenha dificuldade de caminhar na Casa, especificamente por estes dois fatores: educação e saúde.
É a pergunta que formulo a vossas senhorias.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Passo a palavra ao Senador Roberto Muniz e, em seguida, à Senadora Fátima. É que não tinha visto o Senador, ele estava bem atrás do Senador Cristovam.
O SR. ROBERTO MUNIZ (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - BA) - Inicialmente queria parabenizar o Senador Cristovam e a Senadora Gleisi Hoffmann por essa iniciativa, porque, quando a gente fala em regime fiscal, está falando sobre uma questão que mexe com o dia a dia de toda a população.
Fico preocupado com algumas questões, como a gente indexar a economia, o crescimento da economia e os gastos públicos através da variação do IPCA. É claro que a gente precisa de um ajuste fiscal, é óbvio. Mas fico muito preocupado, Senador Cristovam, quando a gente fala sempre na quantidade do gasto público, e nunca fala na qualidade do gasto público. Acho que essa é uma coisa que a gente deve enfatizar no País. É preciso fazer o Estado mais eficiente. Na discussão, não dá para falar, num país em que falta educação, falta saúde, falta saneamento básico, em diminuir a quantidade se a gente não olha a eficiência desse gasto público. É como o que eu chamo de "síndrome da lâmpada e do escuro". Você, que é mãe, que é uma dona de casa, que é trabalhador e está nos ouvindo, compra a luminária e gasta muito dinheiro, vai lá, compra a lâmpada e gasta muito dinheiro, mas, se esqueceu de colocar o fio para fazer a ligação, não vai ter energia.
Temos mais de 30 mil obras paradas, ou seja, é um dinheiro que foi colocado para ser investimento, e todo mundo quer que haja investimento, que gere emprego e renda, e esse dinheiro estava gerando emprego e renda, mas o que aconteceu? A obra não acabou? O que aconteceu com aquele investimento? Não fez a circulação monetária, estancou o ciclo da geração de riqueza e de renda.
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Então, quando você vem aqui e limita o gasto pela quantidade e não pela qualidade, você está penalizando quem? Penaliza os Estados que fizeram o dever de casa, que não estão sofrendo ainda essa pressão - estão sofrendo pela falta de investimento, mas estão com as contas equilibradas. Quem gastou mais durante todos esses anos vai estar beneficiado por uma lei contra a população que escolheu governos que tiveram a sua responsabilidade fiscal. E aí, se aumentar a possibilidade dos investimentos, quem será penalizado serão esses Estados que fizeram esse dever de casa.
Fico muito preocupado quando a gente olha simplesmente um novo regime fiscal sem olhar, como foi colocado aqui pelo Dr. Pedro Rossi, como é que a gente acumulou essas riquezas. Nós temos aí reservas enormes. Vamos fazer o que com as reservas? Alguém respondeu a isso? O Governo só está respondendo o que fazer com os juros, o que fazer com a Previdência. Então, não dá para você limitar simplesmente o gasto e não olhar a qualidade desse gasto.
Eu queria ter também um olhar para a vida dos gestores públicos na ponta. Você tem um prefeito, você tem um governador para o qual você, através da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleceu 15% para gastar; há Municípios que não sabem onde gastar. E o que ele fica inventando? Fica inventando uma farda nova; se a camisa for verde, passa a ser azul no outro dia, e a gente não controla a política pública por meio de indicadores, ou seja, deveria haver esse limite através dos indicadores da política pública. Alcançou esse indicador, você pode tirar recurso da saúde e da educação para colocar; não alcançou, esse recurso não pode ser investido em outro local, já que a prioridade do País é educação e saúde.
Esse olhar simplesmente no quantitativo e não no qualitativo nos leva, décadas após décadas, a entender o orçamento como uma briga de tamanho e não de qualidade. Eu acho que essa questão que está sendo colocada traz para dentro desta Casa um objetivo maior que é fazer a defesa da qualidade desse recurso e desse investimento e premiar os gestores públicos que alcançarem esses indicadores. E aí eu não vejo nenhuma inteligência nessa lei...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO MUNIZ (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - BA) - Não vejo nenhum inteligência. Ela se fixa em parâmetros que são obviamente claros, possíveis de controlar e deixa passar um mar de incompetência e de falta de qualidade de gestão.
Então, acho que a gente poderia tentar melhorar isso, fazendo com que a gente estimasse esses impactos, principalmente nos setores sociais, fizesse um reajuste em cima desses indicadores mínimos de qualidade para os gestores que os pudessem alcançar, liberando essa possibilidade de investimento, para que a gente não fique colocando no mesmo cesto maus e bons gestores e que também não coloque a população que mais precisa sob um arrocho fiscal contrário à população que não precisa da saúde pública nem da educação pública. Eu acho que a gente precisa ter um pouco mais de inteligência ao olhar esse projeto de lei.
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Então, era isso.
Eu queria finalizar, Senadora, dizendo que eu acho que a gente tem um campo enorme para discutir o ajuste fiscal.
Também não acredito neste País que vai gastando, gastando, gastando, porque um dia a conta chega.
Quanto a essa ideia de o anticíclico ser eterno, também a gente viu que isso não funcionou. A gente precisa saber: se é por três anos, Senador Lindbergh, que se faça por três anos! Que se faça anticíclico por dois anos, que se coloque!
Agora, não podemos ter um ajuste fiscal colocado com tanta dor para a população, ver que houve um déficit e, em vez de estarmos aqui monitorando o déficit, ampliar esse déficit. Eu não consigo... Esses sinais que os governos - e não é só este Governo, quero aqui colocar - ficam dando à população, usando o déficit para maquiar falta de responsabilidade na qualidade do gasto público... Então, eu acho que a gente precisa colocar como eixo principal desta Casa a qualidade do gasto público.
Muito obrigado, Presidente.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Roberto.
Passo a palavra à Senadora Fátima Bezerra.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Senadora Gleisi, quero cumprimentar V. Exª e o Senador Cristovam, pela iniciativa de propor este importante debate. Cumprimento aqui os nossos convidados.
Na mesma linha do Senador Cristovam e do Senador Lindbergh, Senadora Gleisi, eu queria inicialmente expressar aqui a nossa preocupação no que diz respeito às consequências que a chamada PEC 241 trará para as políticas sociais de um país chamado Brasil, um país que renovou o seu pacto constitucional há poucas décadas, em 1988. E esse pacto constitucional, como já foi dito aqui, tem exatamente, no capítulo dedicado aos direitos sociais, aquilo de mais relevante e de mais importante para a sociedade brasileira, porquanto este País tem ainda uma enorme dívida, o Estado brasileiro, com as políticas essenciais voltadas para a população, precisamente em educação, saúde, assistência social etc.
Nós temos repetido muito que todos reconhecem, sem dúvida nenhuma, os avanços que houve na educação nesses últimos 13, 20 anos, a começar com o Fundef, que foi importante, porém, insuficiente, porque o Fundef tratava de uma política só de primeira a oitava série, desconhecendo que a população também, a população pobre, deve ter direito, sim, a colocar seu filho numa creche, e numa creche boa qualidade. Mais do que isso, deve ter o direito de dar continuidade aos seus estudos, acessando um bom curso técnico, um bom curso de nível superior.
Veio o Fundeb nos governos Lula e Dilma. Eu sempre digo que tenho a honra, a alegria de ter sido, inclusive, Relatora do Fundeb, na época, como Deputada Federal. Trata-se de uma política de financiamento que, sem dúvida nenhuma, promoveu uma inclusão social extraordinária para o povo brasileiro no que diz respeito desde a creche até o ensino médio, e a diversas modalidades.
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Nós tivemos, nesses últimos 13 anos, nos governos Lula e Dilma, é inegável, avanço na inclusão no ensino superior, na inclusão na educação profissional e tecnológica. Os números de novas escolas técnicas falam por si sós; os do acesso ao ensino superior falam por si sós. Mas tudo isso, Senadora Gleisi, ainda é muito insuficiente, diante, repito, do passivo que o Estado brasileiro tem em relação à educação do nosso povo. Daí a agenda do novo Plano Nacional de Educação, a agenda que se propõe exatamente a construir mais uma década de avanços.
E aí faço minhas aqui as perguntas que já foram feitas ao Governo interino biônico: como manter o Plano Nacional de Educação em pé com essa PEC 241 se as projeções já apontam, inclusive, que nós vamos ter um déficit de 58 bilhões? Como manter as metas do Plano Nacional de Educação em pé, se ela vai, inclusive, acabar com a vinculação constitucional dos 18% e 25% que Estados, e Municípios, e a União são obrigados a investir?
(Soa a campainha.)
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Enfim, a pergunta que eu faço aqui como professora é a pergunta que estão fazendo e vão fazer cada vez mais as mães de família lá da periferia de Natal, lá do interior do Rio Grande do Norte, Senador Cristovam. Por exemplo, como é que vão fazer para garantir 3,4 milhões de matrículas em creches, conforme o novo Plano Nacional de Educação? Como é que nós vamos fazer para garantir 500 mil matrículas no ensino fundamental, para garantir 2 milhões de matrículas no ensino superior, para garantir 2 milhões de matrículas no acesso à educação profissional e tecnológica? Como os Estados e Municípios vão fazer, Senadora Gleisi, para melhorar a remuneração salarial dos professores, cumprindo a meta 17, que estabelece a equiparação do valor do salário do professor ao salário dos demais profissionais com formação equivalente?
Isso aqui são metas que o povo brasileiro aprovou através de um Plano Nacional de Educação que foi o mais discutido da nossa História, e foi aprovado por unanimidade nesta Casa.
(Soa a campainha.)
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Então, eu quero, para concluir, dizer que esse é um debate muito sério, e que se dá, inclusive, numa circunstância de um golpe; sim, um golpe parlamentar, porque o Presidente que está aí não tem legitimidade nenhuma - nenhuma! - para ousar mandar uma proposta como esta, uma proposta que fere direitos, uma proposta que não passou pelo debate com a sociedade. Muito pelo contrário,...
(Soa a campainha.)
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - ... propostas como esta estão sendo rejeitadas há cerca de quatro eleições presidenciais. Pelo amor de Deus! Vamos ter um mínimo de sensatez e de responsabilidade com este País.
Como é que os economistas colocam que o caminho é investir em infraestrutura, associada ao investimento em educação, e o Governo interino, biônico, golpista, sim, apresenta uma proposta dessa de desmonte do Estado de bem-estar social?
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Vou concluir, Senadora Gleisi.
E ainda querem dizer para nós que o caminho é aqui a gente discutir se vai tirar da saúde para colocar na educação ou se vai tirar da assistência social para colocar na educação. Não! O conflito distributivista que este País enfrenta ainda, e é verdadeiro, tem que ser encarado por outro caminho: o caminho de taxar as grandes fortunas.
(Soa a campainha.)
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Isso porque quem ganha até dois salários mínimos neste País - os senhores sabem disso muito melhor do que nós - paga 50% da carga tributária, mas quem ganha mais de 26 salários mínimos tem 22% apenas de carga tributária. Repito aqui uma pergunta que já foi feita: por que não taxar as grandes fortunas, os altos extratos de renda, que chegam a ter apenas 6% de carga tributária? Por que não privilegiar isso em vez de privilegiar o imposto regressivo?
Concluo mesmo.
O caminho é o caminho da solidariedade fiscal. Agora, a solidariedade fiscal tem que começar é por cobrarmos dos que estão exatamente no andar de cima, e não impondo prejuízos aos que estão no andar de baixo.
Este debate, Senadora Gleisi, está apenas começando, mas eu tenho muita fé que, assim como nós vamos derrotar o golpe, essa PEC vai ser rejeitada.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senadora Fátima.
Vou passar agora aos nossos convidados.
Não vou entrar no debate aqui, porque não me cabe fazer isso como Presidente da Mesa, mas eu não posso terminar aqui sem fazer uma constatação que acho muito importante a partir da fala do Dr. Mansueto aqui e que eu queria resgatar.
O senhor deixou claro que a despesa cresce independentemente do governante. Disse que, desde o início da dívida da década de 90, nenhum governante conseguiu reduzir a despesa primária do Governo Central como percentagem do PIB. Nós temos, portanto, um desequilíbrio estrutural. E disse que, muitas vezes, a conta era fechada pela inflação.
O senhor também deixou claro que o aumento da despesa se deu principalmente porque o PIB caiu. Então, queda da receita, queda do PIB, o aumento da despesa é quase que automático. Também disse que não é possível cortar rapidamente gasto público, que o Estado não está inchado e que o que cresceram foram os programas em áreas sociais - principalmente as despesas na área de Previdência, que, entre 1991 e 2015, tiveram um aumento percentual em relação ao PIB de 5,6% - e os subsídios, que, tratados como bicho-papão nesse governo da Presidenta Dilma, aumentaram nesse mesmo período 0,8%.
Por que eu estou falando isso, Dr. Mansueto? Porque nós estamos vivendo um processo nesta Casa que é o processo de impeachment da Presidente da República. Na semana que vem, no dia 25, nós vamos começar o julgamento da Presidenta. E ela está sendo acusada é de irresponsabilidade em relação ao Orçamento público, de gastar mais do que é possível. E mais do que isso: de fazer as pedaladas fiscais, que, embora já não tidas como crime, assim constam na peça da denúncia da Acusação.
E V. Sª disse aqui, inclusive, que o que estava se constatando na política efetivada do Governo era um empréstimo muito grande aos bancos públicos. Portanto, o contrário de os bancos públicos emprestarem para o Governo! Eu só queria deixar isso registrado, porque V. Sª coloca às claras aqui que não é um problema de responsabilidade fiscal da Presidenta Dilma, embora este Senado da República tenha instaurado um processo de impeachment por um problema de responsabilidade fiscal.
Eu passo a palavra a V. Sª para dar suas respostas.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - São muitas perguntas, mas vou tentar responder cada uma delas. Quanto às outras, o Marcos e os outros participantes da Mesa me complementam.
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Vou começar pela questão da Previdência.
Eu vou citar um governador, que espero que não seja atacado porque senão vou ter que defendê-lo, que é um governador que respeito muito. O nome dele é Wellington Dias. Ele é Governador do Piauí e é de um partido que se chama Partido dos Trabalhadores. Estive com esse Governador duas vezes nos últimos 40 dias, inclusive na semana passada, no meu escritório, no meu gabinete no Ministério da Fazenda.
O Governador Wellington Dias me deixou muito claro que previdência é um problema: ele tem 54 anos de idade e acabou de se aposentar. Vamos lá: é comum em um país do século XXI as pessoas se aposentarem com 54 anos de idade? Eu tenho 48 anos de idade. Seria comum...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - O Governador se aposentou antes do Temer, porque o Temer se aposentou com 55.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - É normal uma pessoa se aposentar com 48 anos de idade? Conversem com o Governador, independentemente de partido. Vão a Pernambuco e conversem com Paulo Câmara, vão ao Piauí e conversem com Wellington Dias. Não é normal. A reforma da Previdência, a gente quer para proteger os mais pobres.
Peguem os dados das pessoas que se aposentam no Brasil por ano. A gente tem regimes especiais de aposentadoria para professores de escolas públicas e para policiais militares e a gente tem o Regime Geral de Previdência Social, no qual, se você conseguir contribuir, homem, por 35 anos, você se aposenta, independentemente de idade. Mas a grande parte dos trabalhadores...
Peguem os dados. Se a assessoria dos senhores não conseguir os dados facilmente, pode me escrever que os passarei, não é necessário fazer requerimento de informação. Os senhores são Senadores da República, representantes legítimos do povo e não precisam de requerimento de informação para saber qualquer informação pública. Podem me escrever que mando qualquer informação dessas de que eu falo aqui.
A maior parte das pessoas que se aposentam todos os anos pelo Regime Geral de Previdência Social se aposentam com idade mínima, no meio urbano, de 65 anos, homens, e de 60 anos, mulheres, porque eles não conseguem...
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Os professores inclusive. São 25 anos ininterruptos, 30 anos de contribuição e há idade mínima também de aposentadoria.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - No setor privado RGPS... O regime especial, em que você se aposenta por idade, é para quem não consegue contribuir por 30 anos, mulher, ou 35 anos, homem - tem que contribuir 15 anos. Essas pessoas se aposentam com 65 anos.
Então, os trabalhadores mais vulneráveis já se aposentam por idade mínima. Quando a gente fala que não quer idade mínima, a gente está protegendo pessoas como eu e como vocês. Eu vou me aposentar, como funcionário público, com 60 anos de idade. Então, não haver reforma da previdência, para um funcionário público, para quem contribuiu por muito tempo, que sempre teve carteira de trabalho assinada... A gente não está protegendo os mais pobres, a gente está protegendo justamente aqueles que poderiam contribuir mais para o desenvolvimento da sociedade.
Então, a reforma da previdência precisa ser discutida, porque os trabalhadores mais vulneráveis não conseguem ter carteira de trabalho assinada por 35 anos, eles se aposentam por idade mínima. Então, temos que discutir isso, temos que deixar o debate muito claro.
Algumas pessoas falaram que o Governo está propondo algo que não é legítimo, é um governo de transição, tudo isso. Espera aí. Uma das instituições mais importantes deste País se chama Congresso Nacional. Vocês são representantes legítimos do povo. As demandas, as contestações que os Senadores e as Senadoras fazem, vocês todos, são contestações legítimas. Aqui é a Casa do debate.
A PEC não vai ser aprovada por um funcionário público, não vai ser aprovada pelo gabinete. Ela precisa passar por duas votações na Câmara e duas votações no Senado, um período de transição longo. Quem vai decidir se haverá ou não ajuste fiscal da forma proposta pelo Governo é uma instituição que tem legitimidade neste País, que é uma democracia: é o Congresso. E vocês vêm me falar que isso não é legítimo? Claro que é! Tudo o que passa pelo Congresso é legítimo, aqui é a Casa do Povo.
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Então, a melhor forma de fazer o ajuste fiscal não é por medida provisória, mas por propostas de lei, de emenda constitucional, por projeto de lei ordinário, por projeto de lei complementar, e isso tem que ser debatido nesta Casa. Então, tenho plena confiança no Congresso Nacional e sei que o que sair daqui será o consenso.
Falaram também dos aumentos salariais. Isso não prejudica... Em um governo ideal, se tivesse eleição, se tivesse começado do zero, você poderia abrir uma discussão grande com os funcionários públicos, inclusive uma discussão de reforma do Estado, vocês poderiam promover esse debate.
Dentro do serviço público há uma desigualdade salarial enorme. Quanto é que ganha - eu já fui desta Casa - um assessor técnico de vocês? Vocês sabem? Quanto? R$18 mil. Qual é o meu salário como DAS 6? R$11 mil. Eu só ganho R$11 mil? Não, porque eu tenho o salário de servidor público. Qual é o salário de um Consultor Legislativo do Senado? Esse está no teto salarial. Vocês sabem melhor do que eu que, quando esta Casa vai fazer votação à noite, depois das 7 horas, as pessoas dos gabinetes ganham o quê? Hora extra. Quando é que ganha, no início de carreira, um funcionário de nível médio no Tribunal de Contas da União? Alguém sabe? Quanto? Quanto é que ganha um funcionário de nível médio que fez concurso para o Tribunal de Contas da União? R$9 mil.
Então, temos que discutir - é um debate louvável - a estrutura de remuneração do serviço público. Se a gente for para a Justiça, verá que há vários salários. Vocês sabiam que, em vários Estados, Procuradores de Estado - poderia citar vários aqui - têm direito a trabalhar para o Estado dentro do gabinete dele, dentro do gabinete privado?
Vamos fazer um debate sério de setor público? Vamos fazer um debate sério de reforma das carreiras? Mas isso não vai acontecer em dois ou três meses. Os aumentos que foram concedidos já vinham sendo negociados, eram longos e muitas vezes pediam até mais. Foi uma circunstância difícil? Foi, mas, se a PEC for aprovada, esses aumentos ficarão limitados de 2017 em diante.
Agora o Brasil precisa discutir a estrutura de carreira de serviço público, porque você tem, no serviço público, alguns salários de entrada muito altos - vocês são do serviço público e sabem melhor do que eu - e salários de saída às vezes muito baixo. Aprendi isso, inclusive com muitas pessoas do governo passado. Eu tenho relatórios do governo passado sobre isso. Vamos discutir a reforma das carreiras do setor público? Vamos, isso é bem-vindo, e vocês podem liderar essa discussão.
Com relação à questão de tamanho de Estado. Quando você olha a comparação internacional, quando você pega os Estados que gastam muito... Os Estados que gastam muito em geral gastam muito porque têm uma rede de proteção social muito ampla. O Brasil não é muito diferente.
Se a gente tirar os gastos sociais, qual é o ministério que tem o maior orçamento? Se eu tirar Educação, Saúde, MDS e Previdência, qual é o ministério que tem o maior orçamento? O da Defesa. Qual é o orçamento do Ministério da Defesa? Alguém sabe de cabeça? R$82 bilhões.
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Como esse total está distribuído no Ministério da Defesa? Vocês sabem como o orçamento do Ministério da Defesa, que inclui as três Forças Armadas, está distribuído? Quanto o Ministério da Defesa investe? Quanto é, Senador? O Ministério da Defesa investe R$10 bilhões por ano - com contingenciamento, um pouquinho menos. Qual é o gasto de custeio do Ministério da Defesa? R$10 bilhões. De R$82 bilhões... O senhor vai me perguntar: "Espera aí. Se R$10 bilhões são investimento e R$10 bilhões são custeio, cadê os outros R$62 bilhões?" São gastos com pessoal, sendo que R$42 bilhões são gastos com inativos.
Há alguma coisa que se possa fazer de um ano para o outro? Absolutamente não. Quanto o Governo economizaria se pedisse para que as três Forças Armadas deixassem todos os soldados do Exército, Marinha e Aeronáutica em casa por um ano, para economizar tudo de custeio? Economizaria R$10 bilhões.
Então, não vamos nos enganar. Dá para fazer ajuste fiscal muito rápido, de um ano para o outro, diminuindo o tamanho do Estado? Não dá. Olhem os dados. A única coisa que peço é que olhem os dados. Vamos esquecer esse debate de direita e esquerda, neoliberal, ultraliberal, bonito, feito, vamos olhar os dados e vamos fazer um debate qualificado.
Muitas pessoas falaram o seguinte: "Ah, mas eu não quero controlar despesa." Se não quer controlar despesa, tem que aumentar carga tributária. Mesmo que a gente vá taxar os ricos, a despesa vai continuar crescendo. A gente vai ter que ter um aumento de carga tributária muito alto, muito elevado. Mesmo que a gente tivesse a CPMF cheia, que em 2007 era 1,5% do PIB e em valores de hoje seriam R$92 bilhões, não resolveria o problema fiscal.
Algumas pessoas falaram: "Por que não olha para a dívida líquida?" Vamos olhar para a dívida líquida. Os senhores sabem qual é a dívida líquida do Chile? Quem sabe qual é o tamanho da dívida liquida do Chile? Negativa. A dívida líquida do Chile é negativa. Se a gente pegar a nossa dívida líquida e compará-la com a do resto do mundo, verá que a má notícia é que a nossa dívida líquida é, sim, elevada. E sabe qual é o custo da dívida líquida, qual é o custo dos juros da dívida líquida? Alguém sabe? (Pausa.)
Vocês têm que chamar mais o Presidente do Banco Central aqui...
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - O custo da dívida líquida por ano, no Brasil, é de 23% a 24% ao ano, é quase o dobro da taxa Selic. É muito cara! Então, mesmo que a gente olhe para a dívida líquida, a gente ainda tem um enorme desequilíbrio fiscal.
Outros pontos que vou passar para o...
Falaram aqui do ajuste fiscal... A Senadora Vanessa Grazziotin falou do auxílio-doença, mas... Espera aí. Eu confio muito nos técnicos do governo anterior, eu converso com os técnicos do governo anterior, eu converso com ex-ministros do governo anterior, e quando eu cheguei no Governo vários ex-ministros e ex-técnicos do governo anterior me falaram o seguinte: "A gente tem um problema com auxílio-doença."
Qual é o problema com o auxílio-doença? O Brasil gastou com auxílio-doença, em 2014, R$23 bilhões, dos quais R$13 bilhões eram pessoas que estavam recebendo auxílio-doença há mais de dois anos. Aí vocês vão me perguntar: "Essas pessoas estavam doentes há mais de dois anos?" Ninguém tem a mínima ideia, porque elas não passaram por perícia médica. Até um diagnóstico do governo anterior falava o seguinte: "A gente precisa fazer uma perícia nessas pessoas, porque, se a pessoa estiver de fato doente há mais de dois anos, sem possibilidade de recuperação, você vai ter que dar aposentadoria por invalidez." Mas muitas pessoas estavam recebendo auxílio-doença porque não passaram pela perícia médica e, quando conseguem pela Justiça, enquanto não passar pela perícia médica, ficam recebendo ad infinitum.
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Então, alguns juízes federais nos deram a sugestão de que o auxílio-doença deveria ter um tempo, deveria ter um limite. Depois, se a pessoa continuasse doente, passaria pela perícia e continuaria no auxílio-doença.
Então, não é questão de ser neoliberal, ultraliberal, pouco liberal. É uma questão de eficiência do setor público, que todos têm que buscar...
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - ...independentemente de partido.
Então essa questão de limitar o auxílio-doença... Espera aí. Eu tenho um diagnóstico do governo anterior que dizia isso, de ex-ministro do governo anterior. Eu envio o documento para vocês.
"Por que não falar da dívida do setor público?" Já falei.
"A PEC é para 20 anos?" A PEC é para 20 anos, mas o requerimento de que a despesa só crescerá de acordo com a inflação é por 10 anos. A partir do décimo ano, o Presidente da República poderá encaminhar uma regra diferente. A partir do décimo ano, o Presidente da República poderá decidir o seguinte: "Eu quero que o gasto real cresça 3%, 4%, 5%, 6% ou 10% ao ano." Cabe ao Presidente da República. Então, a PEC permite que, a partir do décimo ano, essa regra seja modificada.
Do Senador Lindbergh: "Que ajuste é esse de curto prazo?" Um bom ponto.
Qual é o ponto? Na semana passada, eu li uma notícia de jornal que me deixou bastante apreensivo. Era a seguinte: "O mercado piora a projeção de déficit primário para 2016 para R$155 bilhões." O mercado piora... O nosso déficit primário estimado é de R$170 bilhões, é pior do que o do mercado.
Aí vocês vão me perguntar: "Cadê esse ajuste fiscal?"
Senador, essa meta foi para R$170,5 bilhões. Parte, já expliquei. A gente construiu um orçamento, aprovado por esta Casa, que fazia a previsão de crescimento real da receita - eu mando os dados para o senhor - de 9% em um ano de recessão.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Essa foi a contribuição do atual Ministro da Saúde, Ricardo Barros, porque o Governo tinha enviado com déficit, e ele mexeu para dizer que não poderia me enviar uma peça orçamentária com déficit.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Segundo ponto. O ex-Ministro Nelson Barbosa já havia mandado uma revisão da meta para esta Casa, e fazia uma série de descontos. Então havia lá, por exemplo, um desconto de R$9 bilhões, que serve atualmente... Se o Governo pagasse despesas do PAC, ele poderia abater R$9 bilhões da despesa.
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Na primeira semana, quando chegamos ao Ministério da Fazenda, eu perguntei em que estágio estavam essas despesas do PAC que o Ministro Nelson Barbosa falou que eventualmente poderia pagar. E fui informado de que as despesas já foram feitas, obras já foram entregues, e o Governo estava atrasado. Então perguntei: "Será que seria possível a gente falar com os empreiteiros, pedir perdão a eles, e eles abrirem mão de receber do Governo?" Falaram que não, que a gente tinha que pagar. Dado que tinha que pagar, foram pagos R$9 bilhões.
Tarifa bancária atrasada em R$2,6 bilhões. Três anos sem pagar tarifa bancária cujo projeto de lei está aqui para ser pago. Novamente... Quer dizer, eu não estou discutindo se a decisão foi certa ou errada. Estou dizendo que havia três anos de tarifa bancária atrasada.
Atraso com organismos internacionais, inclusive com o BRICS. O governo anterior, legitimamente eleito, com o apoio do Congresso Nacional, fez a opção de criar um banco dos BRICS, o banco dessas economias emergentes. E você se comprometeu a fazer uma capitalização, o governo se comprometeu a colocar dinheiro nesse banco. A gente não colocou, e o Brasil estava pior do que a Rússia... Então, a gente tem que pagar a conta. Eu mando para o senhor, detalhado, me reúno com a sua assessoria e mostro para o senhor exatamente toda a explicação do déficit primário.
A gente estava com um orçamento aprovado que fazia a previsão de que a receita iria crescer 176. Quanto é que a receita vai crescer? Vinte e seis. Só aí, a gente perdeu nós perdemos R$150 bilhões. E a despesa vai continuar crescendo, em parte por causa da inflação do ano passado.
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Só a despesa do INSS, sozinha... A despesa tem vários itens, várias funções. Vamos pegar um item da despesa: INSS. Qual será o crescimento da despesa do INSS este ano? Setenta e dois bilhões de reais. Uma despesa, 72 bilhões. Aí o senhor vai me perguntar: "Por quê?" É porque de repente houve um boom de aposentadorias? Não, é porque ela é indexada à inflação e, no ano passado, o INPC, que corrige o INSS, foi de mais de 11%. Isso fez com que a despesa do INSS, sozinha, este ano, tivesse um crescimento de R$72 bilhões.
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Mas, na lei que foi aprovada aqui, a despesa da Previdência estava subestimada em R$14 bilhões. Por que a despesa da Previdência estava subestimada em R$14 bilhões?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Mas também havia lá que o Governo iria economizar 8 bilhões com mudança no auxílio-doença antes de ter feito a mudança no auxílio-doença.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Então, há um bocado de coisas... Agora temos que deixar isso mais transparente. Infelizmente, orçamento...
Se vocês me perguntam se estou satisfeito com a maneira como o Orçamento do Brasil é discutido... Eu acho que o Orçamento tem que ficar muito mais claro. A gente tem que fazer um esforço enorme para essas informações serem muito mais transparentes.
A questão dos juros. Respeito a opinião do senhor, respeito a opinião dos meus colegas, mas creio que juros são consequência. Esses países que pagam juros muito baixos são países em que a poupança é muito elevada, em que as pessoas estão dispostas a financiar o governo por juro zero ou por juro negativo. Esse não é o caso do Brasil. Os juros no Brasil, no Governo Lula, vinham caindo ano após ano. Eles vinham caindo ano após ano quando havia até um Presidente do Banco Central... Esqueci o nome dele... Se não me engano era Henrique Meirelles. Ele vinha fazendo um trabalho, e os juros vinham caindo no Governo Lula ano após ano. Só que, depois, a gente tentou fazer experiências - e não vou dizer que foi certo ou errado -, com as quais eu não concordo, cujo efeito foi mais inflação.
O Brasil pagou de juros, no ano passado, 8,4% do PIB, dos quais 1,7% foi custo de operação de swap, que vai desaparecer, porque essas operações estão sendo revertidas. Então, a conta de juros vai cair.
Quanto é que o Japão pagou de juros no ano passado? Meio ponto do PIB. Sabem qual é a inflação do Japão? O Japão tem um problema de deflação. O Brasil tem uma inflação altíssima, em parte porque a inflação média de 2011 a 2014 foi de 6,2% do PIB. Então, o mercado não acredita... Leiam os jornais: o mercado não acredita que o Brasil vá fazer ajuste fiscal. O mercado não acredita, depois de uma inflação tão alta, que o Brasil vá fazer rapidamente o ajuste. Então, ninguém está disposto a emprestar para o Governo durante dez, vinte anos, como empresta para o Japão, para a Alemanha, para os Estados Unidos, com juros reais negativos. Se alguém nesta Casa estiver disposto a emprestar, por dez anos, com juros reais negativos, eu tomo emprestado.
(Soa a campainha.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Eu tomo dinheiro emprestado.
O que mais? Essa instabilidade que temos...
A última resposta, vou deixar para o Marcos, porque estou falando muito.
Alguém perguntou assim: "Dada a regra da PEC, a despesa primária sobre o PIB vai cair. Isso vai ter um superávit. O que nós vamos fazer com esse superávit?"
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ. Fora do microfone.) - Pagar juros!
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Infelizmente! Mas, Senador...
Senador, infelizmente, se a gente aumentou a dívida, a gente tem que pagar os juros. Para a minha geração, e devemos ter a mesma idade, eu tenho 48 anos... Eu me lembro de um líder estudantil da década de 90 que se chamava Lindbergh Farias, com cara pintada, que estava combatendo...
(Intervenção fora do microfone.)
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Esse líder estudantil criticou um governo que fez um calote da dívida pública, um governo que aprisionou a poupança de todo mundo.
Vocês acham correto isso? Vocês acham correto que um país possa simplesmente dizer: "Não, está todo mundo proibido de sacar o dinheiro, e eu vou dar a metade da inflação. Eu vou fazer um calote..."? Isso é calote! Aí vocês vão dizer: "Ah, mas o Brasil não tem a tradição de calote. Espera aí, não foi a única vez que o Brasil fez calote. No início dos anos 80, houve outro calote.
No início dos anos 80, as pessoas diziam o seguinte: "O Brasil não vai conseguir pagar essa dívida, o câmbio vai se desvalorizar, então vou comprar título com correção cambial." O que aconteceu? Veio uma desvalorização cambial. Veio uma maxidesvalorização cambial. O que o Governo fez? "Eu só vou remunerar os títulos que são corrigidos ao câmbio com um percentual da desvalorização." Isso é calote!
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Mansueto, nenhum país do mundo paga o que a gente paga de juros: 500 bilhões é a média, 8% do PIB. Cite um país do mundo que faça isso.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - É porque nenhum país do mundo tem a nossa dívida. Nenhum país do mundo tem a nossa dívida, Senador.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - A nossa inflação é de preços administrados, alimentos.
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Não, Senador...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Não é inflação de demanda. Nós temos esses juros aí por outros motivos.
(Soa a campainha.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - O Mansueto está muito bem porque ele está provocando muito! (Risos.)
O SR. MANSUETO FACUNDO DE ALMEIDA JUNIOR - Que nada! Eu gosto do senhor porque o senhor debate.
Enfim, resumindo, só uma coisa: alimento tem preço livre. O Governo não determina o preço de soja nem de maçã nem de laranja, é preço livre.
A questão da eficiência do gasto público. Senador, esse é um debate muito importante. A gente não tem noção de eficiência. Agora, quando há gasto vinculado... Gasto vinculado significa o seguinte. O senhor pode contratar o melhor gestor do mundo e, se ele for eficiente, ele não vai economizar nada, ele não pode economizar. Quando o gasto é vinculado, por lei, ele é proibido de economizar, porque o gasto é vinculado.
A PEC, que eu saiba, ainda não foi aprovada. Eu até fiquei surpreso quando ouvi algumas pessoas falarem aqui que a PEC vai fazer isso ou aquilo. A PEC não foi aprovada. A PEC será discutida de forma transparente nesta Casa e na Câmara Federal. Todos os anos, no Orçamento, o Congresso pode decidir se quer gastar mais com saúde e educação. Pode sim, só que vai ter que controlar outras despesas. O que não pode é a gente...
Se a gente não quiser controlar despesa... Não existe mágica, você só vai fazer o ajuste fiscal com carga tributária. Mesmo que a regra da PEC seja aprovada do jeito que está, em dez anos a despesa primária sobre o PIB vai cair entre cinco e seis pontos do PIB. Para a gente sair de um déficit de 2,7 para um superávit de 2,5 a 3, é mais ou menos essa a redução do gasto em dez anos. Agora, se a sociedade, por meio do Congresso Nacional, decidir o seguinte: "Não, mas eu não quero uma redução tão grande de gastos." Então vocês vão ter que discutir aumento de carga tributária. Aí vocês vão ter que me dizer se estão dispostos a aprovar aumento de carga tributária.
Quando eu recebo empresários no meu gabinete, eles falam que não querem aumento de carga tributária. Quando converso com pessoas humildes, elas falam que não querem aumento de carga tributária. Então, que eu saiba, não há consenso na sociedade quanto a aumento de carga tributária. Se a gente quiser fazer um ajuste fiscal pelo lado da despesa, como escuto de muitos Parlamentares, a PEC é a melhor alternativa. Mais uma vez, se quiserem gastar mais com saúde e educação, podem, mas terão que rever algumas coisas.
Passo a palavra agora para o Marcos.
(Soa a campainha.)
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Dr. Mansueto.
Dr. Marcos.
O SR. MARCOS JOSÉ MENDES - Obrigado, Mansueto.
Vou comentar alguns pontos gerais.
Primeiro, gostaria de falar dessa comparação que foi feita entre a economia brasileira e as economias avançadas.
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Desculpem, mas eu não vejo sentido nessa comparação. Uma economia avançada, como os Estados Unidos, como o Japão ou como as economias da área do euro, emite moeda conversível, não emite real. Eles emitem moedas que são moedas internacionais e, portanto, têm um grau de aceitação muito maior. Esse é um dos motivos que permitem a essas economias terem taxas de juros mais baixas.
Essas economias são muito mais eficientes do que a brasileira. Por exemplo, um trabalhador brasileiro produz 20% do que produz um trabalhador americano, o que significa que, quando o governo faz uma despesa nos Estados Unidos e estimula a demanda... A economia americana tem uma capacidade de produtividade e de reagir muito maior do que a brasileira. Aqui, quando você faz um gasto público, antes de isso chegar a um aumento de produção das empresas, vai passar por infraestrutura ruim, trabalhador mal qualificado, mercado de trabalho rígido, empresas improdutivas e uma série de coisas que travam a possibilidade de crescimento econômico.
Políticas anticíclicas têm que ser feitas quando você tem um claro diagnóstico de insuficiência de demanda, e são políticas que devem ser feitas temporariamente e com gastos reversíveis, que você pode gastar depois, e não políticas anticíclicas aumentando salário de funcionário público, que está dentro do 1% mais rico do Brasil, ou aumentando despesa da Previdência.
Por que países como o Japão e os Estados Unidos podem ter uma taxa de juros mais baixa? O Mansueto falou: eles têm taxa de poupança mais alta, têm uma produtividade econômica maior, têm uma moeda conversível, têm uma população com uma estrutura etária diferente - e todos os estudos mostram que uma população com faixa etária mais elevada tem uma menor pressão de consumo. Então, não me parece razoável esse tipo de comparação.
Com relação à questão das projeções. As projeções que foram mostradas aqui diferem muito das nossas. As nossas projeções indicam que, com a reforma da Previdência que está sendo desenhada e uma melhoria da qualidade das políticas sociais, que já estão em curso... Não sei se os senhores e as senhoras sabem que existe um comitê de monitoramento e avaliação de políticas públicas que está, por exemplo, vendo essa questão do auxílio-doença, vendo a questão de um volume enorme de auxílio-pescador que é concedido de forma ilegal e pode ser cancelado. Vocês não sabem que o Benefício de Prestação Continuada, que por lei deve passar por uma avaliação a cada dois anos, não passa por uma avaliação há nove anos. Então, está lá dentro do Benefício de Prestação Continuada uma quantidade enorme de beneficiários que não têm direito a estar lá dentro. Então, melhorias de bastante monta na qualidade e na gestão das políticas sociais, junto com a reforma da Previdência, serão capazes de financiar a transição da PEC até que a reforma da Previdência comece a ter um efeito mais forte. Então, não posso concordar com as projeções que foram aqui apresentadas.
Vou passar para o questionamento dos Senadores.
O Senador Cristovam Buarque perguntou se nós não estamos fazendo um gatilho, não estamos indexando a economia. Nós não estamos indexando a economia. Quer dizer, a PEC, se aprovada, não estará indexando a economia, porque o que ela faz é colocar um limite para o gasto total. Os gastos individuais podem variar ali dentro. Indexar a economia é dizer que o pãozinho, o leite de soja, o óleo de soja, não sei o quê, vão todos subir junto com a inflação. Não é isso que está sendo feito. Cada gasto pode crescer com ritmo diferenciado na escolha da sociedade.
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O Senador perguntou por que é PEC e não lei ordinária.
Por dois motivos. Primeiro porque nós estamos mexendo com os Poderes, que são independentes e autônomos, e, portanto, para estabelecer limites de gasto para os Poderes independentes e autônomos, nós não podemos fazer o Poder Executivo, sozinho, estabelecer o limite de gastos para todos. Portanto, tem de ser objeto de PEC. Da mesma forma, a alteração da vinculação de saúde e educação também precisa ser feita por meio de PEC, porque as vinculações estão na PEC.
Há uma coisa muito importante. Ouvi várias pessoas perguntarem o que os Estados vão fazer para botar limites para os Municípios. A PEC proposta é exclusivamente para a União. Existe uma discussão entre os governadores, há vários governadores dizendo que desejam ser incluídos na PEC porque consideram que é um importante instrumento de política fiscal que vai ajudar no ajuste dos governos estaduais. No entanto, o texto que nós enviamos e estamos aqui discutindo é exclusivamente para o Governo Federal.
Com relação ao Plano Nacional de Educação, o Senador me perguntou, a Senadora Fátima Bezerra também: "A lei do PNE vai ser revogada?" O Senador perguntou: "A lei é autorizativa?" O fato é, a realidade é que essa lei foi aprovada sem que fossem garantidos os recursos. Com PEC ou sem PEC, a realidade dos fatos é que o cumprimento dessa lei é muito difícil. Foi feito um rol de desejos e aprovado um rol de desejos numa lei autorizativa, mas, infelizmente, a sociedade brasileira não tem recursos dessa monta para financiá-los. Ou, se quiser pagar, alocar 10% do PIB, esta Casa vai alocar 10% do PIB para a educação, mas vai ter que definir de onde virão os recursos. Se esta Casa definir que os recursos virão de emissão monetária e de inflação, está definido, foi uma decisão que a sociedade tomou. Agora, é preciso ter claro que 10% do PIB não é bolinho, é muito dinheiro. Então, eu devolvo a pergunta: como vai ser financiado o Plano Nacional de Educação?
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Permita-me, Dr. Marcos - Senadora Gleisi, é bem rapidinho.
Dr. Marcos, a proposta, que V. Sª conhece bem, é uma proposta de vigência de 10 anos. Nós saímos, em 2003, de 3,2% do PIB para, em 2010... Nós hoje estamos na marca já dos 6,2% do PIB. Então, repito: são 10% do PIB de forma escalonada e ao longo desses 10 anos. Quero registrar que ela foi fruto de muito debate - não foi um debate só - com especialistas na área da educação, inclusive da área econômica.
Era só para fazer este registro.
O SR. MARCOS JOSÉ MENDES - Esse é um ponto importante. Acho que, se essa PEC for aprovada, vai dar uma grande contribuição institucional. Cada vez que se discutir um plano de longo prazo para um determinado setor, nós vamos ter que ver se vai haver dinheiro ao longo do tempo para pagar suas determinações.
Eu sou muito sensível à reserva de recursos para a área da saúde, a área da saúde realmente é muito importante. Agora, por que não reservar recursos para saneamento básico? A Lei Complementar 141 exclui explicitamente as despesas com saneamento básico do rol de despesas com saúde, e todo mundo sabe aqui que um bom saneamento básico economiza muito dinheiro com saúde.
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No entanto, nós preferimos, num determinado momento da nossa história, dizer que nós vamos gastar com saúde e não vamos gastar com saneamento básico, sendo que temos um dos piores saneamentos básicos do mundo.
Então, a questão de vinculação de recursos é uma questão que precisa ser discutida, porque, como disse o Mansueto, gestor que tem recurso vinculado não pode economizar. Eu já conversei com Secretário de Fazenda que me disse que seu pior pesadelo é um excesso de arrecadação em dezembro, porque ele tem de sair correndo para gastar aquele dinheiro em saúde e educação para não ser importunado pelo Tribunal de Contas. Já foi pago 14º, 15º ou 16º salário para professor, às pressas, para poder fechar as contas. Isso não é forma eficiente de fazer política pública.
O que é proposto na PEC é que o limite de despesas com saúde e educação seja corrigido pela inflação ao longo do tempo, o que é muito mais estável, o que não é pró-cíclico.
O que é que acontece? Quando o ciclo econômico está melhor, a receita cresce e você tem que gastar alucinadamente rápido em educação. Quando esse ciclo cai, você não tem dinheiro para manter aquela escola que você construiu, aquela folha de pagamentos que você contratou etc. etc. Com uma trajetória previsível e de longo prazo, obviamente nós teremos muito impacto na qualidade do gasto.
Quanto à sua colocação sobre a qualidade do gasto: passo fundamental para termos qualidade do gasto é termos uma restrição orçamentária forte.
Nós vimos isso no Brasil. Em 1997/1998, as dívidas dos Estados e dos Municípios foi renegociada. Pela primeira vez em muitos anos de história, governadores e prefeitos tiveram que se preocupar em fazer um orçamento decente. A partir dali, começou-se a falar em qualidade de gestão, começou-se a falar em melhoria de gestão administrativa, e houve grandes avanços nos Estados e Municípios em todas as políticas. Por quê? Porque o cobertor ficou curto, não bastava emitir dívida e empurrar para o Banco Central financiar. Então, uma condição necessária para se ter qualidade de gestão é ter uma restrição orçamentária clara, crível, forte e de longo prazo.
Há alguns pontos importantes aqui que não foram tratados pelo Mansueto...
(Soa a campainha.)
O SR. MARCOS JOSÉ MENDES - Bem, eu acho que cobri a maioria dos pontos. Acho que é isso. Eu não tenho mais nenhum ponto.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Dr. Marcos.
Passo a palavra ao Prof. Felipe.
O SR. FELIPE REZENDE - Muito obrigado.
Eu quero deixar claros mais alguns pontos. Vou fazer uma abordagem sobre o que foi levantado.
Foi levantada aqui a volta do Estado mínimo. Eu peço para que olhem novamente... Meus colegas de Mesa falaram dos dados, e eu peço, insisto, para que olhem os dados, acho isso muito importante.
Foi feito um experimento com Estado mínimo no início do século passado. Em particular a economia americana e as maiores economias do mundo tinham um tamanho de governo que equivalia a 2% ou 3% do PIB. Esse era o tamanho do governo americano no início do século, ou seja, até 1920, até 1930, você tinha esse tamanho da economia como um todo. Ou seja, esse experimento de Estado mínimo foi feito.
Qual foi a consequência desse tipo de modelo que foi adotado? Crises econômicas, bancárias e financeiras aconteciam com muita frequência, elas eram extremamente severas, e você não tinha nenhum mecanismo de proteção e promoção social, justamente por se ter um Estado mínimo.
Esse sistema não funcionou. Esse sistema desmorona com a crise de 1929 e monta-se um pacto global para que se monte uma rede de proteção social e sejam garantidos alguns direitos fundamentais.
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Esses direitos são corroborados no pós-guerra em função de documentos preparados pelas próprias Nações Unidas garantindo direitos básicos, como educação, renda e emprego.
Então, esse experimento já foi feito, e foi justamente no período pós-guerra que o Estado teve seu tamanho aumentado para garantir esses direitos humanos. A partir daí, e isso não é coincidência, as crises se tornam menos frequentes. Elas são mais severas... Ou seja, você não só coloca no orçamento, mas você reforça os chamados estabilizadores automáticos. Como eu falei, períodos recessivos levam a aumento de gastos e a quedas de receita de forma automática. Isso em grande medida não é um gasto discricionário, ele vem de forma automática. Isso estabiliza o sistema e também garante uma rede de proteção social.
Esse sistema funcionou muito bem durante várias décadas, e não só nos Estados Unidos: outras economias passaram pelo mesmo processo, o Brasil inclusive, com garantia de direitos sociais. Nesse período, não por coincidência, as crises econômico-financeiras se tornaram menos frequentes. Não só elas se tornaram menos frequentes, mas a intensidade delas foi bem menor. Além disso, elas não duravam tanto tempo quanto duravam antes. Então, esses três pontos refletiram essa mudança. Por isso, é muito perigoso falar na volta do Estado mínimo, porque esse experimento foi feito e os dados mostram que as crises aconteciam com mais frequência e havia o desmonte do aparato social fundamental.
É preciso deixar uma coisa bem clara aqui. Discutiram-se as metas de gastos públicos. Acho fundamental mudar a narrativa. A narrativa geralmente é colocada... E a crise está sendo usada como forma para implementar reformas que nada têm a ver com as causas da vulnerabilidade da economia brasileira, esse é o problema fundamental.
Não se fala que você tem que aumentar o gasto público de forma irresponsável ou de forma eterna. Pelo contrário: você tem que entender que, no momento atual, o gasto público é um reflexo da deterioração das contas do setor privado. Acho fundamental melhorar a qualidade do gasto, a gestão do gasto público. Não acho que a PEC seja um mecanismo, ou mesmo o melhor mecanismo, para atingir esse objetivo. Acredito que a imposição de metas, como foi levantado aqui antes, seja o melhor caminho.
E essas metas são uma partida de visão de Estado. Ou seja, no Brasil temos vários déficits que não foram, inclusive, mencionados durante este debate. Temos um déficit habitacional muito grande, temos um déficit de infraestrutura muito grande. A média mundial do estoque de infraestrutura, tirando o Brasil e o Japão, é de 71%, e o Brasil tem um estoque de infraestrutura como percentual do PIB de 16%. Esses déficits são importantes para a economia. Você tem um déficit habitacional, você tem um déficit de emprego muito grande, você tem um déficit de infraestrutura e, a partir daí, mudando a narrativa sobre a questão do financiamento...
Não se trata da disponibilidade de recursos financeiros. Esses recursos, para o Governo Federal, existirão. A narrativa tem que ser mudada em função da visão do que se espera desses resultados. Ou seja, quais serão os impactos dessas iniciativas sobre a economia? Gastos públicos podem ser inflacionários. Se a economia estiver em pleno emprego e você aumentar os gastos... Eu não recomendo esse tipo de política. Pelo contrário, eu acho fundamental haver um ajuste fiscal no momento em que a economia opera em pleno emprego, o que não é a situação atual.
Eu faço esta pergunta para os senhores, inclusive para colegas da Mesa: vocês realmente acreditam que, no momento atual da economia brasileira - com a capacidade ociosa dentro da indústria do jeito que está, atingindo mínimos históricos, com forte queda da massa salarial, com forte aumento do desemprego -, um aumento dos gastos públicos em infraestrutura seria inflacionário? Vocês acreditam que um programa para reduzir o déficit habitacional no Brasil, como já foi feito, com melhoria nas condições e na qualidade de vida da população mais pobre, seria inflacionário, dada a crise em que hoje se encontra o setor de construção civil, com ampla capacidade ociosa?
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Então, esses mecanismos devem ficar claros para a economia. Não se trata de olhar déficit de forma irresponsável, mas é fundamental olhar os impactos que esses déficits têm na economia. Não se trata de financiamento. Em determinados momentos da história, líderes de Estado tiveram uma visão para suas sociedades, para seus eleitores, e, a partir dessa visão de sociedade, eles moldaram o orçamento, Ou seja, como o orçamento se adapta a essa visão de Estado?
Lógico, isso tudo pode ser feito com estabilidade de preços. Você tem um investimento muito forte em infraestrutura, principalmente o setor público, trazendo o setor privado junto, com ele. É uma parceria.
Aqui foi falado do Estado como um ente enorme que não se movimenta muito claramente. Tenho uma colega de trabalho que escreveu um livro muito bom sobre isso, que mostra o Estado como empreendedor. Foi mostrada a China com um dos maiores crescimentos entre as economias avaliadas, num dos gráficos apresentados neste debate, mas não se fala que tipo de política econômica a China implementa.
A China tem um banco de desenvolvimento significativamente maior do que o BNDES - e não tem só um não, eles têm vários bancos de investimentos. Eles têm um programa de infraestrutura público e privado muito agressivo. Inclusive, saiu matéria recente nos jornais falando que o setor elétrico brasileiro caiu no colo dos chineses em função da venda de ativos que está ocorrendo, em função da ideia de que não há recursos disponíveis para pagar por serviços básicos. Existem departamentos de pesquisa no Rio de Janeiro em que supercomputadores não funcionam porque não há dinheiro para pagar eletricidade.
Ou seja, é com esse tipo de gasto que eu estou tentando mostrar que não se trata de disponibilidade de recursos financeiros. O Estado, como monopolista, que tem o monopólio de emissão da moeda, pode fazer isso. Não se trata de emissão inflacionária, pelo contrário, as economias avançadas... E eu faço essa pergunta: há quanto tempo as economias desenvolvidas já estão implementando taxa de juros zero, comprando títulos públicos do Governo, com taxas de desemprego baixas para os padrões históricos que eles têm, com crescimento da massa salarial, e onde está esse apocalipse inflacionário dessas economias? Simplesmente não há.
Ou seja, muitos dos mitos - e aí volta-se ao que o Senador Cristovam Buarque havia falado sobre os mitos de economia que existiam no período pré-crise -, esses mitos foram por água abaixo no período pós-crise, porque bancos centrais tentaram de tudo, inclusive o que foi comentado aqui como expansão inflacionária, e isso não gerou inflação alguma. Pelo contrário: como foi apresentado aqui, eles têm um problema gravíssimo de deflação nessas economias, justamente por terem passado uma crise gravíssima dentro do setor privado de alavancagem.
Então, não é uma analogia simplória entre um mecanismo e outro. Há dados que mostram que não funciona dessa forma. E o dado é basicamente este, como foi falado antes: como é que se paga essa conta? O que acontece se o Governo, se o Tesouro realiza um superávit primário? Se isso acontece em um determinado dia, significa que houve um recolhimento de tributos maior do que os seus gastos em determinado dia. O efeito prático dessa política no mercado de reservas bancárias, que é onde circulam essas reservas dentro do sistema, é de jogar a taxa de juros para cima, ou seja, exatamente o resultado contrário do que se fala na mesa dentro deste debate. O superávit primário joga a taxa Selic para o alto, até o teto dos empréstimos feitos pelo Banco Central. Só que esses mitos ainda estão dentro do debate brasileiro e, no exterior, gradualmente, esses mitos já estão todos indo por água abaixo. O superávit primário: o efeito que se tem no mercado bancário é jogar a taxa de juros para cima num determinado dia. O Banco Central, a partir daí, por ter uma meta, ou seja, como a Selic efetiva se distancia da meta anunciada pelo Banco Central, o Banco Central, como tem o superávit primário do Tesouro, tem que intervir no mercado para justamente injetar reservas no sistema novamente - as reservas que o superávit primário tirou. E isso não é uma teoria, isso é como acontece na prática, no dia a dia da operação dessas relações entre o Tesouro e o setor privado.
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Esse é o efeito prático sobre o mercado monetário.
Agora, falar que a dívida pública vai ser paga... Necessariamente se está destruindo riqueza no setor privado, por questão contábil. Acho que isso deve ser colocado sempre no debate.
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - Dizer que a dívida pública cresce, necessariamente... Os senhores estão falando que há um aumento dos ativos dentro do setor privado. Numa economia que passou por um ciclo de endividamento líquido do setor privado muito forte, você ter esses ativos no seu balanço... Ela traz estabilidade para o sistema. Logo, os gráficos que apresentei, de países que passaram por crises dentro do setor privado, de alavancagem, ou seja, empresas e famílias que se endividaram muito... É normal que se coloque pressão nos déficits públicos, porque justamente esses déficits públicos colocam ativos seguros e líquidos dentro dos balanços, e essa é uma resposta que se espera nesses momentos de desalavancagem. Não há nada de diferente nisso. O Brasil não é diferente, não é uma jabuticaba, esse é o ponto para o qual eu tento chamar atenção.
Não significa que esses déficits ficarão aí por muito tempo. Não acho que esses déficits ficarão por muito tempo. Com o crescimento, esses déficits serão reduzidos pelo corte de despesas automático desses estabilizadores e crescimento de receita. Então, acho que não bate com os dados o que foi falado.
Falou-se muito sobre o custo médio da dívida do Estado, do Governo Federal. Esse custo médio da dívida - e eu tenho um gráfico para apresentar, ele é público, eu posso fazê-lo circular também - acompanha a Selic. A taxa Selic é determinada pelo Banco Central, é uma decisão política. O que estou falando aqui... Nenhum banqueiro ou o Banco Central tem análise diferente daquela que estou apresentando aqui. A taxa de juros é uma decisão, é uma consequência. O Banco Central coloca a taxa de juros onde ele bem entende - esse é o monopolista; o monopolista define o preço sobre o que ele tem, é assim que os monopólios funcionam. E o Estado tem o monopólio da moeda. Você "seta" o preço, você coloca o preço onde acha conveniente.
Esse tipo de argumento estava muito presente na economia americana quando o Banco Central decidiu - eu sublinho o "decidiu", porque foi uma decisão política do Banco Central americano - baixar os juros a zero. Há quanto tempo eles praticam taxa de juros zero com o respectivo impacto sobre a inflação? Só que, no Brasil, infelizmente...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - ...ainda há a ideia de que a taxa de juros é um mecanismo eficiente para combater a inflação. Dados mostram, inclusive, que há um canal muito perigoso sobre a taxa de juros, que é justamente aumentar a renda do setor privado, justamente pelo canal de juros. Ela é uma renda, você está aumentando o seu gasto nominal em função do pagamento de juros. Então, a taxa de juros é uma variável, é uma decisão política.
Os bancos centrais implementaram isso. O Banco Central europeu demorou muito para entender esse processo. Não é surpresa esse tipo de reação, ele aconteceu entre os principais economistas da zona do euro. Na economia americana, esse tipo de crítica também foi feito. Muitos falaram que a política do Banco Central americano seria inflacionária. Inclusive, muitos gestores americanos de fundos importantes, de hedge funds, de fundos de investimentos importantes, acreditavam que, com a forte expansão do balanço do Banco Central americano, o dólar estaria fadado a um processo inflacionário. Então, houve uma corrida para o ouro muito forte naquele momento. Entretanto, essas expectativas não se materializaram, porque a inflação não tem esse aspecto monetário, como geralmente se coloca no debate.
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE REZENDE - Inflação tem outras causas. Ela tem causas em função da disponibilidade de renda. Já ficou claro que inflação ocorre no pleno emprego. Ela, inclusive, ocorre antes do pleno emprego. O período de estagflação tem um processo de aumento de preços com a estagnação da economia, fase pela qual o Brasil hoje passa. Não acredito que, hoje, nem mesmo o Banco Central tenha como sustentar seus próprios modelos acreditando que a inflação atual seja baseada na demanda.
Eu vou terminar alguns pontos.
Só na parte social, que acho fundamental... Falou-se muito de metas, mas não se falou desses gastos sociais e dos resultados atingidos.
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Ou seja, o Brasil serviu de modelo. Ouvi discussões, tanto domésticas quanto nas Nações Unidas, em que se disse que o modelo brasileiro foi muito eficiente no combate à pobreza extrema e na redução de desigualdades sociais. Isso foi o impacto direto das políticas sociais montadas.
Lógico, muitas podem ser melhoradas. Há melhorias de gestão pública. Sem dúvida, todos queremos a transparência dos gastos e melhor uso dos gastos públicos, mas é fundamental também entender que esses gastos, na verdade, foram investimentos que permitiram uma maior equidade e uma menor desigualdade da nossa população.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Prof. Felipe.
Prof. Pedro.
O SR. PEDRO LINHARES ROSSI - Obrigado, Senadora Gleisi.
Eu serei bem breve - acho que sou o último aqui a ocupá-los até o almoço.
Aproveito que citei o nome da Senadora para agradecer novamente pelo convite e para agradecer a todos os Senadores, às pessoas aqui presentes e aos membros da Mesa pelo excelente debate que a gente teve aqui hoje.
Eu vou me guiar por umas questões colocadas pelo Senador Cristovam Buarque que me parecem cruciais.
Eu acho que o Felipe já respondeu bastante com relação aos juros. Eu só vou acrescentar o seguinte. Alguns exemplos são colocados no debate como verdade, mas, muitas vezes, ao se dar um contraexemplo, destrói-se esse exemplo.
Foi colocada aqui na mesa a tentativa de redução dos juros por parte do Governo Dilma, que se gerou inflação, supostamente, por causa da queda dos juros. Isso é uma interpretação. A gente pode interpretar também que a subida dos juros agora, recentemente, gerou inflação também, porque são momentos que você não consegue controlar totalmente pelas variáveis, isso é muito difícil.
Eu concordo com o Felipe, eu acho que é uma variável política. Eu acho que os juros no Brasil são formados por convenção, e falta vontade política para abaixar os juros no Brasil.
Eu não acho que, em qualquer situação, abaixar os juros daria inflação. Os canais de transmissão da política monetária são muito obstruídos. Se quiser, o Banco Central tem instrumentos para travar esse tipo de transmissão, e as políticas macroprudenciais já mostraram isso. Eu não acho que abaixar os juros geraria automaticamente inflação.
Alguém pode falar: "Bom, mas aí vai gerar fuga de capitais." Mas o investidor vai para onde, Senadora Gleisi? Ele tem aqui uma taxa de 14%. Ele vai investir no Japão a zero? Vai investir nos Estados Unidos, na Europa?
Eu não acredito que isso seja verdade. Eu acho que é um tema polêmico, é uma questão... Sobre aquela questão de US$1 milhão... Por que a taxa de juros no Brasil é alta? A minha posição é que é uma variável política marcada por um processo institucional, não é uma variável natural. O Banco Central usa estimativas do mercado, o que, na minha opinião, reforça o caráter político da taxa de juros - mas essa é outra discussão, que, inclusive, merece até uma audiência.
Sobre a questão fiscal e a PEC - e aí eu volto, e vou ser bem breve. A minha interpretação sobre por que que o gasto cresce acima do PIB no Brasil é uma interpretação muito simples. Não é que haja um problema matemático que esteja errado, não é nada disso. A gente escolheu construir um Estado de bem-estar social no Brasil. Então, o gasto primário tem crescido, principalmente o gasto social tem crescido acima do PIB.
Outros países já fizeram essa construção, e alguns colocaram, de fato, regra para gastos. Na Europa, em 2011, se estipulou uma regra para gastos em vários países. E isso foi feito não com gasto zero, a regra não era a zero.
Eu não conheço - aí, talvez, o Mansueto e o... Na lista de países que foi apresentada, eu não conheço país que tenha uma regra que seja tão rigorosa quanto essa que está sendo proposta na PEC, uma regra de crescimento zero.
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Os países europeus crescem junto com o PIB.
Qual é a ideia que está por trás disso? A ideia é nós consolidarmos nosso Estado social. Nós não queremos aumentar o gasto social e vamos mantê-lo. Portanto, faz-se uma estimativa de longo prazo de crescimento do PIB e, aí, o gasto vai acompanhando isso, mantendo o Estado.
Não é o que a PEC está dizendo. A PEC está falando outra coisa: que, no fundo, nós temos que reduzir o nosso Estado, os nossos serviços sociais prestados.
E aqui eu peço licença para fazer uma metáfora muito boba, mas que, às vezes, ajuda na compreensão.
Nós temos um bolo do qual uma parte vai para saúde e educação. Ao longo do tempo, esse bolo pode crescer ou pode diminuir. O que é o PIB nesse bolo? É o crescimento do bolo, o PIB vai crescendo. Só que a parte para saúde e educação fica estável, ela não cresce junto com o bolo.
O que é o crescimento populacional? É a quantidade de pessoas para comer o bolo. O PIB cresce, a quantidade de pessoas para comer o bolo cresce. Os mais velhos vão querer saúde, os mais novos vão querer educação etc. O que essa PEC está falando? O bolo vai crescer, vai aumentar o número de pessoas para comer o bolo, só que a parte para saúde e educação vai ficar parada. É isso essencialmente.
E a inflação é o quê? A inflação não é nada. A inflação é a cobertura do bolo. A inflação simplesmente está atualizando aquilo ali em termos reais.
E o que é a vinculação pela receita líquida da saúde e da educação? É você garantir que, conforme cresce o PIB, conforme cresce a população economicamente ativa, crescem também os serviços sociais prestados. É isso que está sendo garantido.
Ou seja, são visões diferentes sobre como repartir o bolo. Reparem que é um problema distributivo, estamos aqui na casa do conflito distributivo.
E aí eu acho que há alternativas. Essa narrativa que sustenta a PEC, acho que está muito problemática. Essa ideia de que a confiança vai retomar o crescimento etc.
Reparem o seguinte. Há uma diferença importante. Talvez a principal diferença entre nós aqui, debatedores da Mesa, é que em nenhum momento o Mansueto e o Marcos Mendes fazem referência do impacto do gasto ou da situação fiscal sobre o PIB no longo prazo. Essa é uma divergência teórica que provavelmente está colocada aqui. Na verdade, a política fiscal atua de forma importante sobre a dinâmica econômica. Então, são visões diferentes para o mesmo problema.
Eu acho que há alternativas, muitas alternativas. Não há essa história de que ou aumenta a carga tributária ou corta. Acho que há muitas alternativas, como a gente pensar na qualidade do gasto. Por que a gente gasta 8% do PIB com juros, valor que podia cobrir a previdência social por exemplo? A gente tem outros tipos de gastos que têm que ser revistos, que têm que ser diminuídos. Nós temos que rever, sim, a estrutura tributária.
Eu acho também que temos que ter uma regra, uma regra que olhe o longo prazo e que estabilize a dívida. Eu não acho que essa regra tem que ser para o gasto. Eu também tenho uma discordância sobre o conceito de anticíclico. O conceito de anticiclo não se coloca somente na crise, ele é permanente, ele não é temporário. E, fora da crise, você faz o contrário, você no fundo corta gastos, é o momento de fazer o ajuste fiscal. A ideia do anticiclo é ele ser permanente. Nos momentos de crise, você aumenta o gasto público para incentivar a demanda. Nos momentos de boom econômico, você faz o contrário, você corta. Então, na minha concepção, o conceito de anticiclo é permanente. E uma regra para gasto é - como foi colocado pelo Marcos Mendes corretamente - acíclica, não é anticíclica como está colocado na exposição de motivos - isso está errado.
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A meu ver, a gente precisa de uma regra que seja anticíclica. A gente pode pensar em várias. Há o resultado estrutural, há as bandas para o superávit primário, parecidas com o regime de metas de inflação. Ou seja, há alternativas em que se pensar, e há alternativas do lado da tributação. A gente não precisa aumentar a tributação; a gente pode ver a qualidade da tributação com a qual está lidando. Por que há também os gastos tributários, por exemplo? Por que a gente não fala em taxação de lucros e dividendos, já que não é uma questão de direita ou esquerda? Vamos discutir tudo. Então, há várias alternativas.
Eu termino, Senadora Gleisi, porque já estamos todos com fome, fazendo uma referência ao conflito distributivo. Esta Casa é a Casa do conflito distributivo, e esse conflito vai aumentar se o tamanho da parcela do gasto do Orçamento para determinados setores diminuir. Eu concordo com o Senador, mas acho que, fora daqui, também há um conflito distributivo muito importante na sociedade, uma sociedade extremamente desigual em que há desamparados e pessoas com mais poder político, econômico etc.
Essa PEC, no fundo, vai aumentar o conflito lá fora também e vai estar fora do alcance de vocês, Senadores. Ou seja, provavelmente vai haver uma permanente desigualdade social no Brasil e uma precarização dos serviços públicos prestados para a população que mais precisa.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senadora, serei muito rápido.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Diga, Senador Cristovam.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu quero fazer uma proposta.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Sim.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu ia aprofundar muito esse assunto sobre a concentração pela inflação, porque a gente se esquece disso. A inflação concentra renda, e temos que parar. Mas vamos deixar para outra oportunidade.
Eu queria fazer uma proposta. Primeiro, seria necessário o apoio, talvez, do Governo. Por que não criamos um grupo? Eu estava vendo aqui o exemplo da Irlanda. Esse seria um bom debate. Na Irlanda, funcionou o ajuste. Na Austrália e em outros países também.
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Na Irlanda, o ajuste foi fruto de um pacto entre os três partidos.
O Governo erra se quiser empurrar aqui, de qualquer maneira, a PEC. Por que não tentamos criar um grupo da Comissão, com representantes do Governo e com pessoas como o Rossi, para tentarmos construir uma proposta? O Senador Lindbergh poderia dar sua contribuição, e eu acho que também posso dar uma contribuição. Nós estamos de acordo com o fato de que algo deve ser feito. Não está boa a situação. E deixar correr, como o neoliberal quer, como o Lindbergh quer - "Deixe correr que as coisas..." -, isso não vai funcionar. Por que não tentamos fazer um grupo? Podemos nos reunir duas, três, quatro vezes na semana, se for preciso. Formaríamos um grupo pequeno e, depois, traríamos a discussão para a Comissão, para debater um projeto que traga o que é preciso, ou seja, a credibilidade; que encontre uma forma de não se aumentarem os gastos irresponsavelmente, como nós, desta Casa, tendemos fazer, assim como fizeram os governos historicamente; e, ao mesmo tempo, que não penalize setores que poderão ser prejudicados.
É uma sugestão. Queria ver se Comissão de Assuntos Econômicos poderia coordenar esse trabalho.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador Cristovam.
Quero informá-lo que, na semana que vem - não sei se o Prof. Pedro estará aqui -, haverá o lançamento de um documento que fala exatamente sobre austeridade e traz algumas propostas alternativas à PEC que foi apresentada aqui. Talvez pudéssemos aproveitar esse lançamento para fazer essa discussão. Não vejo problema nenhum em sentarmos, debatermos, vermos alternativas. Eu acho que é importante. Depois nós podemos encaminhar isso.
Eu queria agradecer muitíssimo ao Prof. Pedro Rossi por estar aqui e ao Prof. Felipe Rezende. Sei da dificuldade do deslocamento. Muito obrigada.
Agradeço também ao Dr. Mansueto por estar aqui; ao Dr. Marcos, que é da Casa; e aos Senadores e às Senadoras que estiveram presentes.
Há duas questões só que eu quero colocar para V. Exªs. A primeira é que, na próxima reunião, vamos contar com a presença aqui do Presidente do Banco Central, Dr. Ilan Goldfajn. Talvez ele nos explique, então, o carregamento da dívida líquida - estou brincando! Mas ele já se dispôs a vir, inclusive porque, regimentalmente, ele tem que, de período em período, vir à CAE para falar conosco. Então, na próxima terça-feira, às 10 horas, teremos a sua presença.
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Há dois requerimentos aqui sobre a mesa, de iniciativa do Senador José Anibal, que eu gostaria de ler rapidamente e pedir aos Srs. Senadores que nós possamos aprová-los para que sejam encaminhados. São requerimentos de pedido de informações.
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS Nº 21, de 2016
- Não terminativo -
Requer, nos termos dos arts. 58 e 71 da Constituição Federal, seja solicitada por esta Comissão de Assuntos Econômicos, a quem compete opinar sobre política de crédito, a manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar se existe algum impedimento de ordem legal que possa afetar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na concessão do financiamento de longo prazo para a PPP Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo.
Autoria: Senador José Aníbal e outros.
Submeto o requerimento à apreciação dos Srªs e Srs. Senadores. (Pausa.)
Aprovado.
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS Nº 20, de 2016
- Não terminativo -
Requer, nos termos do Regimento Interno do Senado Federal, combinado com o artigo 71, da Constituição Federal, que o Tribunal de Contas da União (TCU) avalie a possibilidade de cessão de contratos de exportação de bens nacionais e serviços técnicos de terceiros para empresas comerciais exportadoras brasileiras (tradings), de tal forma que estas venham a assumir de forma direta a responsabilidade formal destes contratos e possam garantir a sua execução.
Autoria: Senador Ricardo Ferraço e outros.
Também submeto este requerimento à apreciação dos Srs. Senadores e das Srªs Senadoras. (Pausa.)
Aprovado.
Quero agradecer mais uma vez. Quero agradecer muitíssimo ao Senador Cristovam, que foi meu colega e companheiro de requerimento. Eu acho que nós demos aqui um bom início a esse debate, Senador Cristovam, um debate que vai requerer muitas outras audiências públicas.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 10 horas e 27 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas e 43 minutos.)