19/10/2016 - 42ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Bom dia a cada uma e a cada um.
Havendo número regimental, declaro aberta a 42ª Reunião Extraordinária da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião atende aos Requerimentos nºs 59 e 70, de 2016, de minha autoria, para realização de audiência pública destinada a debater os avanços e os desafios da educação no âmbito da Lei de Diretrizes e Bases da educação.
Dando início à audiência, solicito ao Secretário da Comissão que acompanhe os convidados para tomarem assento à mesa. (Pausa.)
A Deputada Dorinha também chegou. (Pausa.)
Inicialmente, eu quero agradecer muito aos nossos convidados, a Deputada Dorinha, o Prof. Célio da Cunha, o Prof. Antônio José Barbosa e o Prof. João Antônio Cabral de Monlevade - esses dois últimos, além de professores, são Consultores do Senado -, por terem aceitado estar presentes a esta reunião.
Em dezembro, fará 20 anos que o Brasil tem uma Lei de Diretrizes e Bases da educação. Essa lei tem a assinatura, como grande coordenador, do Darcy Ribeiro.
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Portanto, nós precisamos, em primeiro lugar, comemorar esses 20 anos. Ao mesmo tempo, como tudo na área social, sobretudo, nós precisamos entender o que ficou faltando, o que pode ter estado errado, o que não acompanhou a tremenda evolução que aconteceu nos equipamentos pedagógicos, nas ideias de pedagogia ao longo destes anos, pois o mundo é outro completamente diferente, para saber o que podemos fazer para ter uma base, uma regulamentação, um sistema que possa levar a educação brasileira pelos próximos 20 anos. Embora, talvez, as grandes transformações, as maiores de todas, tenham ocorrido nesses 20 anos passados, é possível que ainda haja grandes revoluções tecnológicas - eu digo mudança de paradigma, realmente, como foi sair da máquina de escrever para o computador - ainda nos próximos anos.
Por isso, eu fico satisfeito em ter a presença deles aqui e eu vou passar a palavra, na ordem que eu citei aqui, à Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, nossa amiga e grande batalhadora da educação, identificada como uma Deputada da educação. Eu vou passar a palavra a ela para que ela possa fazer a sua fala dentro da linha do que foi combinado, em troca de e-mails e justificações, do que queremos saber: o que é que podemos ver de algumas brechas que possa haver na LDB, o que é que ela não tinha brechas na época, mas não está adaptada à realidade de hoje e o que podemos fazer para uma evolução nas regras que conduzem a educação. É claro que qualquer um está livre para falar sobre qualquer outro assunto, inclusive os assuntos mais conjunturais que possam ter reflexão no que queremos, que é o longo prazo.
Professora Dorinha.
A SRª PROFESSORA DORINHA SEABRA REZENDE (DEM - TO) - Bom dia a todos.
Eu gostaria de iniciar agradecendo o convite feito pela Comissão de Educação do Senado, em nome do Senador Cristovam Buarque, pessoa por quem eu tenho grande admiração pela sua luta política, pelo seu envolvimento diretamente com a educação.
Eu gostaria também de saudar os colegas da Mesa, pessoas que conheço há muito tempo - nem convém dizer de quando -, pelo respeito e atenção.
Eu confesso que fiquei surpresa com a provocação do debate. Na educação, nós estamos no meio de um turbilhão de eventos legais, de provocações para debates em relação à educação, com uma grande preocupação em relação ao próprio cumprimento do Plano Nacional de Educação recém-aprovado, e, de repente, passando - digo até pela Câmara - praticamente em branco os 20 anos da LDB. Com sua estrutura e seu desenho, ela tem organizado a educação brasileira, principalmente - eu que fui Secretária de Estado de Educação sei o quanto - para os Estados mais frágeis, principalmente do ponto de vista de estrutura legislativa, até porque, como uma lei orgânica, ela define as organizações, as leis estaduais, leis do sistema e, obviamente, toda a parte de organização.
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Eu me lembrei que, algum tempo atrás, trabalhei em relação ao desenho de criação da própria LDB, ao histórico da criação da LDB, ao projeto que ficou por muito tempo em debate na Câmara. E, de repente, o projeto que vai para votação é o projeto do então grande educador Darcy Ribeiro, até com algumas incoerências, em virtude de que o debate estava se dando em torno de outro projeto.
Uma das perguntas, Senador Cristovam, que a Comissão provocou foi como seria sem a LDB. Ela é necessária? Nós podemos ter problemas no sistema educacional causados pela LDB? Para mim, ficou claro, primeiro, que ela era necessária, sim. Nós já vínhamos de um histórico de leis orgânicas, leis que tinham sido organizadas para tentar estruturar o sistema - a Lei nº 4.024, a Lei nº 5.692 - e, se não fosse uma nova lei, nós continuaríamos - entre aspas - "remendando", mudando partes da Lei nº 5.692.
Eu acho que hoje, na Câmara, nós estamos em debate para votação de uma lei do Sistema Nacional de Educação. Ela praticamente já estava pronta para ser votada há um ano, mas retomamos o debate em relação a essa estruturação do Sistema Nacional, porque a própria LDB fala do sistema municipal, do sistema estadual e do sistema federal de educação, mas uma das tarefas que o Plano Nacional nos deu foi organizar o Sistema Nacional de Educação, regimes de colaboração, modelos de organização e, logicamente, tentar garantir uma estrutura orgânica de funcionamento da educação no seu sentido de papeis e atribuições. Confesso que hoje a Câmara está nesse debate, rediscutindo todo esse tema. Avançou pouco em relação ao chamado regime de colaboração. Ainda temos muito presentes a superposição de papeis e atribuições entre Estados e Municípios.
Na verdade, vou tentar fazer um exercício, mas eu quero muito mais ouvir os meus colegas que estão aqui à mesa. Eu só retomo o que já é mais do que conhecido, mas, para quem estiver nos acompanhando, a LDB define princípios, atribuições, atuações dos entes federados em níveis e modalidades. Ela procura organizar a educação. Chamo a atenção para que a parte de financiamento não é tratada na própria LDB. São outros instrumentos legais. Também do ponto de vista da organização curricular, os próprios conselhos estaduais, municipais e o Conselho Nacional poderiam ter avançado mais. A sua ausência, inclusive, a lacuna de ação, permitiu que no Congresso - não no Senado - nós chegássemos a ter 900 projetos de criação de disciplinas diferentes. Ainda hoje, devem tramitar, entre Câmara e Senado, em torno de 600 projetos. Faltaria hora, no dia do aluno, se todos os projetos de criação de disciplinas tivessem prosseguido. Então, a LDB é muito mais um conceito, cujas mudanças têm que ser orientadas para servir os alunos da educação básica, estimulando continuamente a promoção de políticas públicas efetivas, e não apenas de cunho declaratório.
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A LDB ainda, em muitos aspectos, é apenas declaratória. Chamo a atenção para a questão da formação inicial e continuada. Na minha visão, a LDB foi bastante superficial e até negligente no que se refere a essa questão da formação.
Em parte, o Conselho Nacional de Educação e seus congêneres poderiam ter trabalhado um pouco mais nessa flexibilidade curricular. Se nós olharmos o histórico dos Estados e Municípios, eu creio que é bem recente o trabalho dos Estados em organizar os seus currículos estaduais. Eu, quando Secretária, acho que em 2006... Tocantins foi o segundo ou terceiro a fazer. Nós fizemos as nossas propostas curriculares para o campo, área indígena, fundamental, médio e EJA - hoje mais Estados já têm -, mas lembro que inclusive o espaço que cada escola e sistema poderia ter de disciplinas e atividades diferenciadas é muito pouco aproveitado.
Relembro que hoje nós estamos discutindo a base nacional comum, na produção da terceira versão, que vem a partir de uma consulta envolvendo professores, entidades. Às vezes eu ainda escuto pessoas dizendo: "A gente não está participando". O desenho, desde o início, que foi trabalhado pelo Ministro Janine, foi um desenho aberto. É natural sempre haver entidades, correntes, grupos que ainda não se sintam representados, mas o documento está em aberto ainda, até porque a versão ainda tem que ser finalizada para ser enviada ao Conselho Nacional de Educação. Nós tivemos uma cerimônia formal, mas o documento não foi entregue ao Conselho. Ele está ainda nessa última consulta pública.
Na verdade, eu cito uma série de legislações. A partir de 1997, ou seja, logo no ano seguinte, nós passamos a ter mudanças muito pontuais, neste caso aqui, na abordagem do ensino religioso, que foi logo depois uma mudança de oferta obrigatória no horário escolar; a questão de respeito à diversidade sem nenhum tipo de culto ou proselitismo. Quem esteve no sistema sabe que nós tivemos um momento em que o Estado não ia pagar, então tivemos que fazer parceria com as igrejas. Isso também tem um impacto no próprio desenho do ensino religioso. Outra estabelece, em 2001, logo em seguida, mudanças em relação à obrigatoriedade de notificação ao Conselho Tutelar, ao juiz, ao Ministério Público, em relação às faltas. Vem tudo naquela perspectiva da manutenção da presença, da frequência. O próprio programa Bolsa Família está entre os programas que como condicionalidade estabelece a presença na escola, na perspectiva da educação enquanto um direito fundamental. Não adianta dizer "eu não tenho dinheiro para abrir escola". Eu tenho obrigação de ter. Nem o aluno pode abrir. Então, é um direito subjetivo e fundamental, considerado dentro do nosso espaço no Brasil.
Depois, logo em seguida, a questão de hoje tão polêmica, a educação física. Ela foi colocada em 2001 como um componente curricular obrigatório. Depois, nós tivemos também a inserção do tema "história e cultura afro-brasileira e africana" como obrigatória. Mais tarde, nós vamos inserir também a presença dos povos indígenas, também com a mesma necessidade de tratamento, ainda com muita lacuna em relação a essa questão na formação dos professores, na produção dos materiais que pudessem ser disponibilizados para as escolas estaduais e municipais.
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Depois, em 2003, houve uma briga, fruto de uma grande disputa que existia entre Estados e Municípios. Essa disputa ainda existe, sobre a dificuldade do transporte escolar. O público do campo, em muitos lugares, era praticamente ignorado, e deveria chegar à escola de qualquer forma. Muitas vezes, os Estados eram negligentes. Ficava sempre a cargo dos Municípios. Nós tivemos uma alteração dizendo: cada sistema tem que transportar os seus alunos. Não existe impedimento de parcerias, acordos, convênios. Em muitos Estados, isso é feito; em muitos, ainda é um espaço de problemas e disputas entre Estados e Municípios, porque o transporte escolar é uma realidade talvez pouco conhecida, mas é um dos maiores desafios para garantir que as crianças e jovens cheguem à escola de maneira decente. Em muitos lugares, eram usadas ainda as camionetes abertas, transportes inadequados, com situações de mortes de alunos. Enfim, ninguém queria pagar a conta. Ainda é um problema dentro desse chamado pacto federativo entre Estados e Municípios. Eu tenho ainda no meu Estado, hoje, casos em que, por brigas locais, um ônibus do Estado e um ônibus do Município vão a um mesmo assentamento, a uma mesma região, para buscar cada um os seus alunos, por questões locais de combinação de valor, de preço, ou até briga política, como se os alunos tivessem carimbo de rede estadual e rede municipal. Essa questão do transporte é um tema que nós estamos tentando enfrentar agora na questão da organização das atribuições do Sistema Nacional e das atribuições de Estados e Municípios. A parte que a União passa é irrisória. Ela tem uma pequena contribuição, mas efetivamente o custo é sustentado por Municípios. Há uma participação dos Estados, mas grande parte dos custos é dos Municípios.
Em 2005 houve uma alteração importante, ao se colocar o ensino fundamental começando aos 6 anos de idade, ampliando o ensino fundamental para os chamados nove anos.
Chamo também atenção para a questão das funções do magistério sendo reconhecidas, como direção, coordenação e assessoramento pedagógico. Tinha grande impacto na hora das aposentadorias. Ainda tem, em muitos lugares ainda, mas houve o reconhecimento, como funções de magistério, de direção, coordenação e assessoramento pedagógico.
Mais tarde, sociologia e filosofia como disciplinas obrigatórias. Na verdade, a Medida Provisória nº 746, volta... Do ponto de vista de mudanças na LDB, talvez seja uma das mais consistentes, embora o ensino médio, em termos de níveis e modalidades, foi o que mais sofreu ao longo desses 20 anos de LDB, pequenas alterações e pequenas mudanças. Chamo a atenção para que a entrada de sociologia e filosofia como obrigatórias em todas as sérias foi desde 2008. A medida provisória traz uma inovação ao colocar como obrigatória a língua portuguesa e a língua inglesa como língua estrangeira. A língua portuguesa e matemática já se apresentavam como obrigatórias no próprio ensino médio.
Em 2008, há um novo desenho, em que se retoma a ideia da educação profissional, técnica, de nível médio. Nós tivemos um período em que os sistemas estaduais não podiam nem oferecer essa formação profissional no desenho que existia anteriormente.
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Embora eu não vá discutir a 746, estou fazendo algumas abordagens, porque ela traz mudanças que, como medida provisória, já estão à disposição e em vigor nos sistemas de ensino.
A comissão deve ser instalada hoje, mas há algumas incoerências que precisam dialogar com o que já existia, com o que foi instituído, porque há, inclusive, incoerências e inconsistências do ponto de vista legal em relação à própria organização proposta pela 746.
Do ponto de vista de organização curricular também, ao tratar do financiamento do ensino integral como modelo, nós temos a preocupação com a questão do ensino médio noturno, muito presente em muitos Municípios. Nos pequenos Municípios, normalmente as escolas funcionam com o fundamental e o médio de dia e com o médio à noite. Ainda existem alguns casos em que há só uma ou duas escolas. Então, os itinerários de formação e a flexibilidade precisam enxergar isso. E nós não podemos ignorar o ensino médio no noturno. Até por falta de prédio, em algumas regiões, é muito forte ainda essa oferta do ensino médio noturno, que não pode ser um ensino de segunda mão. Eu vou dar toda a prioridade para o diurno, para o ensino integral; e como vamos tratar essa questão?
Outra preocupação é com o itinerário formativo da formação técnica e como vamos organizar com o que não foi revogado em relação à Lei nº 11.741, de 2008, que também trata do mesmo tema.
Ainda chamando a atenção em relação a 2009, há uma alteração que trata da questão dos professores habilitados em nível médio, formados em magistério, o professor, o pedagogo - nós chegamos até, inclusive, ao normal superior, como uma alternativa de formação -, e que reconhece todos os trabalhadores da educação com diploma de curso técnico ou superior na área pedagógica ou afim e as licenciaturas. E uma figura muito polêmica que vai ser discutida, fruto de várias emendas na 746, que são os profissionais de notório saber. As exposições que vêm sendo abordadas dizem que não é o professor, não é a substituição do professor, mas são algumas áreas específicas de formação técnica. Porém, a 746 vem com muitas lacunas e é preciso fica claro quem é esse profissional de notório saber e que tipo de critério vai ser utilizado.
Chamo a atenção, porque, no meu Estado, nós tivemos um problema em que, para economizar o piso salarial nacional do professor, o Município criou a figura do monitor em lei, dando, inclusive, abertura para que houvesse concurso público, com todas as atribuições de professor - planejamento, sala de aula, toda a parte de organização -, mas com a figura do monitor. Assim ele não precisaria pagar o piso, para atuar com as crianças de zero a três e de quatro e cinco, com a alegação de que é uma atividade para ajudar o professor, mas, em muitos casos, olhando os cargos, fica claro que ele será um professor. Então, há preocupação em relação a essa questão do notório saber, critérios e formas de avaliação e acompanhamento. Não adianta ele ter um conhecimento prático se não tem uma formação que o permita atuar. Então, tudo isso ainda vai ser regulamentado.
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De maneira geral, há também, na Lei nº 12.061, de 2009, a obrigatoriedade e gratuidade progressiva do ensino médio para a universalização do ensino médio gratuito. Logicamente, o plano nacional também traz metas em relação ao ensino médio, com prazos, com responsabilidade dessa cobertura.
No conjunto da LDB, eu faço uma leitura da questão da formação docente pouco incentivada como política pública. Há uma grande distância entre a formação do professor e as demandas. É comum ouvirmos isso das secretarias municipais e estaduais em relação a esse perfil de formação.
Em relação à possibilidade de o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) ter, como critério para os cursos de licenciatura, uma nota maior, tramita, no Congresso, o Enameb - eu tive oportunidade de, na Comissão de Educação, tratar do tema -, que seria um exame nacional de educação básica não obrigatório, mas que o professor pudesse fazer isso com regularidade para ter ideia do seu desempenho. Não haveria critério nem de desempenho nem de carreira, mas de saber como está a sua formação, em que áreas a instituição formadora precisa melhorar a formação daqueles professores, daqueles profissionais da educação. Para o conjunto da instituição, ela vai receber o reflexo de seus alunos no conjunto. O aluno, o interessado, o professor, todos vão saber em que áreas eles precisam aprimorar a sua formação, mas é uma proposta que ainda creio que está na Câmara. O tema formação docente é um conteúdo meramente declaratório na forma como está abordado na LDB.
A questão orçamentária, relativamente, é sempre tratada em lei ordinária. Hoje há uma PEC, na Câmara, para tratar do financiamento em relação à discussão do Fundeb e ao novo desenho de financiamento. Logicamente, depois do plano nacional aprovado, eu não vejo como tratar do CAQ (Custo Aluno-Qualidade) dentro da lógica dessa PEC, que tem como foco a discussão do Fundeb, os modelos de financiamento e todo o desafio que nós estamos vivendo hoje em relação à questão da PEC 241.
Outra temática que eu entendi como frágil é a questão da formação. Há poucas alterações. Somente em 2009, houve as primeiras mudanças em relação à formação docente.
Preocupo-me ainda, nessa questão da 746, com a questão do financiamento. Muitos estudos têm mostrado uma preocupação com o subfinanciamento em relação ao tempo integral. O edital recém-lançado pelo próprio Ministério da Educação coloca quatro anos de duração. E, para uma demanda, para um sistema de ensino se organizar para um atendimento de tempo integral, ele não pode contar com o financiamento temporário de quatro anos, uma vez que ele organiza, estrutura o seu sistema, gera demandas e provavelmente vai ter que realizar concursos específicos em termos de formação, de acordo com os trajetos formativos que escolher.
Só finalizando, restaram, então, obrigatórios português, matemática e inglês, o que não quer dizer que as outras disciplinas vão desaparecer. Elas podem aparecer necessariamente nos diferentes trajetos de cada modelo de escola que pode ser adotado. Mas obrigatórios restaram português, matemática e inglês, com grande mobilização em relação à língua estrangeira, porque, em algumas regiões, há presença do espanhol e de outras culturas, dependendo do ponto de vista da localização geográfica e da cultura.
Os sistemas de ensino ficam mais livres para reorganizar esses componentes curriculares. Também há um receio de que essa reorganização possa acabar acontecendo com o que o sistema e a escola têm disponível e não necessariamente com o que a região e a cidade demandam.
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Mas se eu tenho profissionais já contratados e, entre aspas, "sobrando" em determinada área, existe uma preocupação do formato final.
Eu gostaria de agradecer e só falar, nessa reflexão, sobre a questão das perguntas que foram provocadas em relação a efeitos da LDB e prováveis danos. Eu enxergo que um processo de construção da legislação... Eu tive a oportunidade de, desde 2010, estar na Câmara Federal, e aqui eu convivo com pessoas que estão nesse mesmo debate. O processo de construção das leis é extremamente dinâmico, apresenta a correlação de forças que existem pela conjuntura do momento e dessa construção, pelo desenho. Então, eu entendo que a LDB foi o possível, naquele desenho de modelo político, com todas a idas e vindas. Chamo a atenção ao projeto que foi efetivado, o projeto do Darcy Ribeiro, que, na verdade, não era o que vinha do debate há muito tempo. Então, é como eu disse: ao longo do tempo, pequenas mudanças ou mudanças até de iniciativa parlamentar foram construindo alterações na LDB.
Eu acho que há discussão e avaliação da própria legislação, mas entendo que hoje o próprio plano nacional definiu regras muito maduras para todos os níveis e modalidades, tem estratégias e responsabilidades. Eu, em termos de leitura, Senador, acho que o nosso maior desafio é que o Plano Nacional de Educação, com toda a legislação que já temos disponível e em andamento, consiga não ser um instrumento de ficção científica, como eu ouvi de um ministro falando do antigo Plano Nacional de Educação: "É um plano de ficção científica e está numa gaveta."
Por mais que todos nós tenhamos pontos a criticar no plano nacional, eu entendo que ele é a referência que foi pactuada com o País e que tem que ser cumprido e ser desenvolvido com as aprimorações, com as possibilidades de avanço.
Eu estou à disposição. Agradeço a oportunidade.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Obrigado, Deputada Professora Dorinha.
Eu passo agora, para seguir a ordem, para o Prof. Célio.
O SR. CÉLIO DA CUNHA - Bom dia a todos e a todas.
Eu quero também agradecer o convite, Senador Cristovam, e cumprimentá-lo por esta iniciativa de pensar e repensar a LDB no seu 20º aniversário, também numa homenagem ao ex-Senador Darcy Ribeiro, e pela alegria de estar aqui, nesta Mesa, com a presença da Deputada Dorinha - acho que é uma das Parlamentares mais lúcidas da educação brasileira -; com o nosso colega antigo João Monlevade, de grandes lutas na educação brasileira; e com Antônio Barbosa, aqui do meu lado, que foi Secretário-Executivo de uma das boas gestões da educação brasileira, que foi a gestão Murilo Hingel.
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Pensei muito na proposta do Senador Cristovam, de repensar a LDB, mas considerando o futuro. Então, foi pensando no futuro que eu fiz alguns apontamentos mais como pressupostos do que deveria ser uma nova Lei de Diretrizes e Bases para o Brasil.
Nesses apontamentos, consultei algumas obras de reflexão sobre a nossa sociedade, sobre o mundo de hoje, dei mais uma olhada naquele livro que está aí, um best-seller daquele italiano, Domenico de Masi, que o Senador conhece bem. E o título do livro dele vem muito a propósito desta audiência, que é O Futuro Chegou. É O Futuro Chegou que deve presidir uma nova LDB.
Nesse "Futuro Chegou", nós não podemos deixar de lado algumas coisas que vêm ocorrendo e que caracterizam este tempo nosso, tempo de uma crescente mobilidade internacional. Estamos vendo um grande contingente de pessoas do Oriente e da África procurando a Europa. São pessoas com desejos de mudança, com esperanças. Esse fenômeno também está chegando ao Brasil.
Não podemos deixar de lado uma famosa frase daquele filósofo grego Heráclito, quando ele disse que é nas mudanças que as coisas encontram repouso. Certamente isso não poderia ser dito no mundo de hoje, mas sobretudo uma colocação daquele sociólogo americano Wright Mills vem bem a propósito.
Nós estamos vivendo a mais avançada e temível das modernidades. Entre as suas características, um fantástico crescimento da sociedade civil organizada e das manifestações, a universalização, a globalização da resistência, a globalização da indignação, o apogeu das disparidades, o declínio do valor trabalho. É um mundo em que não existem certezas tranquilizadoras. É um mundo de uma geração de crianças e jovens que nós poderíamos mesmo falar de uma geração cibernética, novos valores e maneiras de pensar.
É por isso que nós precisamos de uma legislação que possa simultaneamente dar conta de uma nova visão humanista de desenvolvimento e também um contraponto disso, que é uma exacerbação dos mercados e do valor mercadológico da vida.
E aí nós temos assim alguns desafios realmente impressionantes.
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A Deputada Professora Dorinha colocou muito bem a questão do professor. Aí eu fui consultar um texto daquele grande pensador docente da Universidade de Montreal, o Tardif, que diz o seguinte: esse professor de que nós precisamos hoje é um professor de vários saberes, é um professor que precisa de um saber disciplinar, de um saber curricular, saberes das suas experiências, da ação pedagógica, da cultura profissional, da cultura geral da própria tradição pedagógica. Como formar e valorizar esse professor constitui - isso também está na fala da Professora Dorinha - um dos grandes desafios de uma nova LDB.
Caminhando nessa direção, aproveito um antigo conselho daquele grande pensador da educação brasileira, o Fernando de Azevedo, que dizia que nós precisamos pensar a educação pelo menos em quatro planos: um plano local, um plano nacional, um plano regional civilizatório e um plano universal. Por isso não podemos perder de vista também esse contexto regional e nacional que estamos vivendo. Então surgem perguntas do seguinte tipo: como incluir com equidade milhões de crianças, jovens e adultos que estão na linha da pobreza ou até abaixo da linha da pobreza? Como garantir o cumprimento da obrigatoriedade de quatro a dezessete anos? E se fala muito hoje em escola integral, de desenvolvimento integral. Então surge a pergunta: é possível à escola garantir a formação integral de crianças e jovens? É uma pergunta até mais filosófica, não é? O que entendemos por formação integral?
Há o grande desafio da educação infantil. E me valho de uma antiga frase de um ex-Ministro da Educação, um grande intelectual, o Eduardo Portella, que dizia que o futuro da universidade se lança na pré-escola. O futuro do País, nós poderíamos acrescentar.
Outra pergunta: como ampliar a capacidade dos Estados e Municípios para gerir políticas públicas de educação, sobretudo dos Municípios? E aqui eu me valho de uma colocação daquele cientista político Fernando Abrucio, que disse que a Constituição de 88, numa penada só, deu autonomia para mais de 5.500 Municípios. O desafio agora é como capacitar esses Municípios para gerir políticas. Aí vem a pergunta: podemos deixar por conta desses prefeitos, boa parte deles prefeitos relapsos, a educação das crianças brasileiras?
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Esse é um desafio que surge, porque a tendência é catorze anos de educação ocorrerem no nível municipal.
Outra questão: como gerar resultados de aprendizagem relevantes, equitativos e eficientes?
A questão do financiamento, que a Deputada Professora Dorinha já levantou... Terá o Poder Público condições de financiar as crescentes demandas da educação? Ainda numa entrevista recente, o Senador Cristovam disse que tem. Esse é um desafio do Parlamento.
Uma educação de qualidade custa mais dinheiro. Uma educação por tempo integral custa mais dinheiro, e numa época em que o Brasil está num período recessivo. Isso merece uma reflexão: o capítulo do financiamento. E nesse capítulo do financiamento, uma antiga ideia precisa voltar para a mesa, de valorizar uma discriminação positiva, até de o Estado dispensar uma atenção maior àquelas zonas de pobreza ou até de maior ignorância do País. Houve até um período na educação brasileira em que o Ministério da Educação, por pouco tempo, decidiu colocar a cota federal do salário-educação investida só nas regiões Norte e Nordeste. Há até uma história. Essa questão do financiamento é vital.
A questão da universalização da educação técnica, essas são as grandes colocações da Unesco. A educação profissional precisa ser cada vez mais generalizada.
Como garantir as habilidades necessárias para o desenvolvimento sustentável? E aqui surge uma questão fundamental sobre a qual nós precisamos nos debruçar, Senador. É uma questão séria. O sistema educacional brasileiro, do jeito que está organizado e montado, não tem condição de incluir todas as crianças e adolescentes na escola. O mundo mudou, as cabeças mudaram, as condições de vida alteraram-se. Não há condições.
Aproveito uma sugestão de um documento que também consultei, essa recente declaração da Unesco, feita na Coreia do Sul, de Incheon, na qual a Unesco recomenda uma revisão, uma maior abertura dos sistemas nacionais de educação para torná-los mais inclusivos. Então, um sistema educacional mais inclusivo para liberar o poder da educação, porque se não oferecermos escolas para todas as crianças e jovens nós não poderemos liberar a criatividade dessas pessoas. Um sistema precisa abrir novas portas e janelas para pegar todas as pessoas, mesmo oferecendo escolas, em algumas situações urbanas, até de madrugada, porque também o horário de trabalho mudou.
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Então, essa é uma questão-chave de uma nova concepção de LDB, uma nova concepção de um Sistema Nacional de Educação. Ele não dá mais conta.
Só para dar um exemplo disso, veja a quantidade de jovens e adultos, são mais de 20 ou 30 milhões, atrás de EJA, e essa política de jovens e adultos que reprova, os alunos evadem. É uma das políticas que não tem dado certo no Brasil. E aí são milhões.
Nesse sistema educacional e em um regime federativo nós precisamos, também - acho que está embutido um pouco na fala da Deputada -, liberar os Estados, as unidades federadas, para inovações. Acho que não há problema em ter um sistema educacional em um Estado que seja diferente em outro. Há uma parte em que há unidade nacional, mas uma parte precisa ser liberada para que eles possam caminhar também. Essa questão, por exemplo, da reforma do ensino médio já poderia ter sido iniciada até em muitas unidades federadas. Então, nós precisamos admitir essas diferenças.
Tenho aqui uma sugestão. Acho que para o gabinete, Senador Cristovam, e também para Comissão de Educação, seria muito bom se fosse possível contratarmos uma consultoria para produzir um documento comparativo de sistemas de educação - pegando alguns países - e da legislação educacional de vários países. Isso não aparece em nossas discussões. Como está organizada a legislação em países como Austrália ou Nova Zelândia, que são países mais recentes e fizeram grandes inovações, ou até em um dos países mais tradicionais? Fazer um pouco de educação comparada no plano da legislação educacional. Acho que falta um pouco de a gente... Não para copiar, mas é sempre bom ver o que o vizinho exemplar faz, seguindo aquele antigo conselho daquele filósofo espanhol Ortega y Gasset, nessa linha. É preciso dar a um sistema educacional flexibilidade e versatilidade, com diversos caminhos e possibilidades para torná-lo mais inclusivo.
Em termos de futuro, surge uma questão também que nós temos que incorporar, uma educação intercultural. Certamente o ensino de línguas deve merecer, acho, uma atenção especial.
Uma nova LDB tem que ter um capítulo sobre qualidade e avaliação, até definindo ou conceituando o que é qualidade da educação.
Precisa ter um capítulo sobre a cooperação federativa, não só no plano executivo, mas incluindo os três Poderes. Há uma questão que nós não podemos deixar de tratar hoje, porque o direito à educação vem sendo objeto de uma vigilância cada vez maior do Ministério Público.
Então, hoje nós temos um novo ator na educação brasileira, que são os operadores de justiça.
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Vários conflitos têm surgido nessa esfera e isso precisa ser pensado num regime de cooperação entre os três Poderes. Tentaram um avanço daquilo que até hoje não foi regulamentado e está no art. 23 da nossa Constituição.
É fundamental incluir um capítulo sobre competências adquiridas. A LDB já abriu um espaço para isso, mas os conselhos estaduais ou municipais ainda têm um certo temor, mas temos que valorizar hoje... Hoje a obtenção de conhecimentos não é mais apenas a escola; então, nós temos que prever que os conhecimentos podem ser obtidos em sistemas formais, em sistemas não formais e em sistemas informais. Nós precisamos valorizar esses conhecimentos, fazer uma espécie de uma certificação nacional desses conhecimentos, não só no campo profissional, mas também até no campo das habilidades gerais.
Hoje, com as pessoas neste mundo globalizado, com todas essas fantásticas novas tecnologias, nós não podemos perder essa chance de incluir um capítulo nessa direção.
O magistério - acho que já foi falado pela Professora Dorinha - é um capítulo fundamental. Aquela velha afirmação de que o professor faz a diferença, faz diferença; e nós não podemos deixar a educação brasileira sem um plano de longo prazo.
Na época em que o Cristovam foi ministro, ele começou até a elaborar um plano decenal de valorização docente para cada ano, para a gente ir marcando tentos, na elevação do salário, na formação, na melhoria da qualidade. Não dá para ocorrer do dia para a noite, mas eu acho que dá para planejar.
E, nesse sentido, uma nova LDB precisaria ter em mente, nos seus pressupostos, aquilo que uma vez foi dito, se não me falha a memória, no Equador, em um seminário sobre a educação. Acho que foi um reitor do Equador, se não me falha a memória, que pronunciou uma frase que eu nunca me esqueci: “Nós precisamos de uma urgência de longo prazo”. Então, nós temos que planejar a educação e executar.
Nós temos que definir, nessa LDB, os padrões mínimos de funcionamento de uma escola. Cristovam sempre diz, até peguei esse exemplo, que se a gente pegar todos os bancos do Brasil, no Brasil eles têm um padrão mínimo, por que a escola também não pode ter um padrão mínimo de funcionamento, seus equipamentos, sua infraestrutura didático-pedagógica? E avançar. Não é para conseguir da noite para o dia, mas ter a meta de padrão mínimo que se deve atingir.
Um capítulo sobre a educação à distância. Não se pode mais ignorar essas novas tecnologias, essa geração, agora, de crianças e jovens, essas novas maneiras de pensar. Isso tem que ser profundamente pensado e repensado numa nova lei.
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E sobre a educação superior? Eu sei que o que vou dizer aqui é polêmico, mas não sei se não seria o caso de uma lei para a Educação Básica e outra para a Educação Superior. Mas é uma questão que pode ser repensada. Eu sei que é polêmico, mas especificamente em relação à educação superior, em relação às universidades federais, há uma questão que vem se arrastando no Brasil desde os anos 60, final dos anos 60, quando foi aprovada a Lei nº 5.540. E, na época, os militares perderam a grande chance, porque a Lei nº 5.540, de 1968, abriu a possibilidade de as universidades federais se transformarem em autarquias especiais, e isso nunca foi regulamentado. Veio a Constituição de 1988 e uniformizou tudo. As universidades não podem ser tratadas somente como outra instituição. Elas têm uma característica especial.
Então, hoje nós temos uma grande competência nas universidades federais, nas universidades públicas. Nós não estamos conseguindo transformar essa grande competência, até para o desenvolvimento do País, para alavancar o desenvolvimento do País, gerar mais patentes, gerar mais royalties, aproximar mais a universidade da empresa, da indústria nacional, dos setores produtivos.
Nós precisamos de universidade com autonomia, da mesma forma também que precisamos ampliar, mesmo na Educação Básica, a autonomia da escola. É outra questão que uma nova LDB não pode deixar de lado.
E, por último, encerrando esses apontamentos, essas colocações, a Educação Nacional, isso poderia ser previsto numa legislação, embora esteja embutido em vários instrumentos, mas poderia ficar mais claro... Até repetindo uma antiga ideia, a de 1827, quando surgiu aquela lei de 15 de outubro que, lamentavelmente, não foi para frente, eu acho que o Congresso Nacional deveria, pelo menos de dois em dois anos, ter um relatório da situação da Educação Nacional e, discutido publicamente esse relatório, fazer um monitoramento da educação nacional.
E por que eu estou dizendo isso? Porque uma verdade precisa ser dita, com todos os defeitos que possam ter as nossas críticas ao Parlamento, mas o Parlamento brasileiro, nos últimos anos, aprovou documentos importantes para a educação brasileira. Aprovou a LDB, aprovou a Emenda nº 53, aprovou a Emenda nº 59, aprovou dois planos nacionais de educação, aprovou uma série de modificações na LDB, que a Professora Dorinha mostrou. Eu acredito que de uma maneira ou de outra o Parlamento até tem cumprido o seu papel. O que tem falhado no Brasil é o Executivo, é a execução dessas leis e desses planos.
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Então, o Congresso Nacional, periodicamente, avaliando, monitorando e colocando a público os avanços e pendências da educação brasileira daria uma grande contribuição. E uma nova LDB deveria ter esta dimensão: de representar e de constituir um ponto central para alavancar a educação brasileira.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Prof. Célio.
Eu passo a palavra para o Prof. Antônio José Barbosa.
O SR. ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA - Bom dia a todos. Por natural, eu gostaria que as minhas primeiras palavras fossem de sincero agradecimento à Comissão de Educação do Senado, na pessoa do Senador Cristovam Buarque, pela amabilidade do convite para que eu estivesse participando desta reunião.
Eu me sinto um pouco constrangido aqui na mesa, porque eu sou o único não especialista em educação e eu vejo à minha direita o João Monlevade, que tentou, durante muito tempo, me explicar os mecanismos de financiamento da educação e, apesar do brilhantismo do professor, eu tive muita dificuldade de compreender.
A Professora Dorinha, com quem mantive contatos já há algum tempo, ela, no âmbito do Consed, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, e eu, como Secretário-Executivo do MEC. E aqui, o Célio da Cunha - eu vou fazer uma confissão muito breve e espero que ele não me leve a mal, até porque isso pode denunciar a nossa longevidade - foi o meu primeiro chefe em Brasília, no final dos anos 70, quando eu fiz o concurso para técnico em assuntos educacionais e lá fiquei por dez anos. Então, eu trago de Célio não apenas o respeito profissional, mas o carinho fraterno de quem aprendeu muito com ele.
Eu disse que não sou especialista em educação, aliás, eu não sou especialista em nada, mas eu preciso advertir aos senhores e às senhoras a respeito da minha própria trajetória. O fato de que o que eu mais me orgulho profissionalmente reside na condição de professor há 43 anos. São 43 anos em sala de aula e tive a ventura de atuar em todos os níveis: do Ensino Fundamental, passando pelo Ensino Médio, e chegando à Educação Superior, em que me encontro hoje, na Universidade de Brasília. Mais ainda, eu tive uma ventura, uma felicidade - que não é dada a todos - de, ao longo desse período, praticamente todo, ter conseguido conciliar as minhas funções docentes em sala de aula com a de profissional técnico da área da educação, inclusive assumindo funções de responsabilidade na gestão do sistema.
Isso, de certa forma, me deu uma certa capacidade de compreender um pouco melhor - por dentro inclusive - os mecanismos de funcionamento do nosso sistema educacional. Mas, acima de tudo, eu sou um professor de história. Há 43 anos eu dou aula de história. E o que eu vou falar aqui muito brevemente - é claro - vai estar profundamente contingenciado por esse meu ofício, por essa minha formação.
Aliás, o Célio lembrou aqui de Ortega y Gasset, eu lembro de uma frase dele profundamente marcante: "Eu sou eu e as minhas circunstâncias". Que, de certa maneira, é uma repetição de Marques, segundo quem a história é feita por nós, mas não necessariamente como queremos.
Então, essa circunstância maior da minha trajetória profissional, que é ser professor de história, vai estar referenciando todos os pontos de vista que vou externar aqui.
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O primeiro deles diz respeito ao segundo aspecto, que, aparentemente, é teórico, mas que tem um profundo significado prático.
Como historiador, eu aprendi que a nossa função é tentar compreender, jamais julgar, a trajetória dos seres humanos aqui, na Terra, através do tempo. Então, o tempo, nas suas mais diversas dimensões, é, na verdade, o grande parâmetro a partir do qual nós procuramos entender a trajetória das sociedades e da própria Humanidade.
Aprendi, ainda, que esse tempo histórico pode ser dividido em três grandes momentos: o tempo curto, que a gente pode traduzir como da conjuntura, aquele que representa o fato que acontece em determinado momento, o tempo médio, que é aquele que vai levar algum tempo para ser decantado, e, por fim, o tempo longo, que é exatamente o tempo da longa duração.
Não é fácil compreender isso, não. E quando a gente começa a entender essa dimensão temporal, a gente percebe que a vida da Humanidade, portanto a vida de todos nós, está marcada por essa longevidade temporal, em que as mudanças acontecem, como diria o Heráclito, citado pelo Célio.
As mudanças acontecem, mas de uma forma quase imperceptível. Mas há determinados momentos em que essas mudanças se aceleram, não apenas em termos de rapidez, mas também em termos de profundidade. Quando isso acontece, a gente costuma dizer que está vivendo tempos de revolução, que são transformações radicais, que não ficam e não se contentam com a epiderme, com a coloração de uma parede, mas com a sua estrutura, a estrutura que a mantém.
Eu diria que, no caso do Brasil - e vou chegar à educação já, já -, nós vivemos uma experiência que chama a atenção inclusive de especialistas internacionais: o fato de que nós transitamos de uma sociedade profundamente arcaica, de uma realidade histórica profundamente tradicional e por detrás desse arcaísmo e dessa tradição profundamente excludente para uma outra realidade num espaço de tempo muito curto.
Eu vou dizer, talvez correndo o risco de certo exagero - mas isto é natural neste momento -, que, a partir de 1930, sobretudo em face das circunstâncias geradas pela Segunda Guerra Mundial, o Brasil entrou na modernidade. Ele vai se transformando de forma atabalhoada, numa correria impressionante, numa celeridade fora do comum, mas vai se transformando.
Eu vou dar um dado que não sei se todos aqui conhecem ou se já foram levados a atentar para ele que me parece muito significativo e emblemático dessas mudanças rápidas e radicais que nós conhecemos.
Num espaço de apenas 20 anos - e você há de convir comigo que, na dimensão temporal da história, 20 anos é um átimo de segundo -, entre 1950 e 1970, 39 milhões de brasileiros migram do campo para a cidade. Para você entender a dimensão desse número, não se esqueça de que, em 1970, quando ganhamos o tricampeonato no México, nós éramos 90 milhões de brasileiros.
Pois bem. Nesse conjunto de 90 milhões, 39 milhões eram homens e mulheres acompanhados de 10, 15, 20 filhos que saíam do campo em direção a uma vida nova dentro da cidade. Essa transformação não parou mais. Pelo Censo de 1950, cerca de 70% da população brasileira vivia no campo.
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Cinquenta anos depois, o que também é muito pouco, o Censo de 2000 nos mostra uma proporção extraordinária: 82% da população brasileira vivendo nas cidades.
Eu começo esta minha exposição com estes dados para que a gente possa levar e mente, ter em consideração, em primeiro lugar, o grau de transformação e a rapidez com que essa mudança ocorre no nosso País, e é claro que isso vai afetar a educação.
É bastante comum, quando falamos com pessoas de mais idade, um certo suspiro ao dizerem que "a educação no meu tempo era muito boa". Eu até posso concordar. Ela devia ser muito boa mesmo, mas atendia uma parcela muito pequena da população brasileira, porque a grande maioria estava excluída.
A partir do instante em que esses 39 milhões de brasileiros vêm para a cidade, as demandas que eles vão apresentar são muito sérias, porque vão envolver moradia, emprego, mobilidade, saúde, segurança e, sobretudo, educação.
No fundo, no fundo... Não existe nenhum dado empírico, não existe nenhum estudo científico sobre isso, mas eu posso intuir que, quando esses milhões de brasileiros estão vindo para a cidade, no fundo, no fundo, o que pais e mães estão desejando é que seus filhos tenham uma vida melhor do que a que eles tiveram, e eles compreendem que a primeira possibilidade, o primeiro caminho a ser trilhado para que essas condições de vida dos filhos sejam infinitamente melhores do que a dos pais é o da educação. E aí começa uma pressão sobre o sistema educacional público no Brasil, que perdeu a grande chance de dar essa resposta.
Quando eu me lembro, por exemplo, dos 21 anos do Regime Militar, eu percebo que, em face das condições orçamentárias existentes, o Regime Militar, independentemente do governo, fez uma opção: ou eu construo escolas, ou eu pago condignamente os professores. Está certo, Prof. João Monlevade? E a opção escolhida a gente já sabe qual foi: fisicamente, as escolas foram se multiplicando e a degradação do magistério foi ficando cada vez mais evidente.
Bem, mas e a LDB?
Eu começo fazendo uma confissão correndo o risco de até não ser compreendido: eu não gosto de uma tradição cultural latina, da qual somos tributários, que recebemos desde o século XVI, segundo a qual a lei pode tudo. É como se a lei tivesse a capacidade supra-humana de moldar a vida das pessoas e da própria sociedade e, no limite do raciocínio, partir do pressuposto de que nós cidadãos não somos capazes de gerir nossa própria existência, de fazer nossas escolhas, de assumir nossas atitudes. Então, essa tradição, que é, basicamente, latina - não é apenas latina, mas é, basicamente, latina -, parte do pressuposto de que, sem lei, não há vida. Então, tem que haver lei para tudo, de preferência leis bastante extensas. E, na medida em que elas se tornam bastante complexas, elas vão se tornando cada vez mais difíceis de serem aplicadas. Não é que eu pense que o Brasil não precise de uma LDB. Não! Eu acho que precisamos de uma lei geral da educação. Até estou propenso a acreditar que uma lei geral para a educação básica seria uma excelente oportunidade de conferirmos a ela, em termos reais, em termos concretos, a importância que apenas retoricamente ela costuma receber ao longo da passagem do tempo.
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Então, que fique bem claro: eu não sou contra a existência de uma LDB, mas tenho muito medo de que uma LDB... Nós tivermos experiência nos dois casos que a história contemporânea do Brasil apresentou. A primeira delas foi o projeto iniciado no final dos anos 40 e que só conseguiu se tornar lei no governo João Goulart, no início dos anos 60, e a experiência mais recente que por dever de ofício eu acompanhei. Em 1988, na euforia da promulgação da Constituição cidadã, o então Deputado Octávio Elísio, de Minas Gerais, apresentou um pioneiro projeto de LDB. Eu vou repetir: outubro de 1988. Essa LDB, profundamente diferente daquilo que havia marcado o início da sua tramitação, só conseguiu virar lei em 2006.
Nos dois casos, eu aprendi e eu aprendi...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - 1996.
O SR. ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA - 96, perdão.
E nos dois casos, eu aprendi, não pelo saber da teoria, mas pela vivência, pela prática, pela práxis, que quando se trata de formular uma grande lei para educação, aquela tramitação se transforma num palco iluminado para que os interesses, os mais diversos, no mais das vezes conflitantes, possam se apresentar. A longa duração da tramitação da primeira LDB, apesar de vários aspectos terem sido apresentados ao longo dela, no fundo, no fundo, crispava-se por uma questão profundamente ideológica: é saber se o ensino deveria ser laico ou se ele permitiria uma presença muito forte do componente religioso.
Eu até entendo o contexto histórico. Era o momento em que a igreja católica não apenas tinha uma hegemonia religiosa, mas uma vigorosa posição ou participação política, e é exatamente por esse choque entre defensores da laicidade do sistema educacional e da religiosidade presente nele que essa LDB demorou tanto. No caso mais recente, isso eu vi porque quando eu fui nomeado Assessor Especial do Ministro Murílio Hingel ele foi claríssimo:
Você vai ter uma função, você vai se transferir de armas e bagagens para a Câmara dos Deputados e vai ser o representante do Executivo em todas as discussões nas Comissões que estão tratando do projeto de LDB.
Então, eu vivi, eu experimentei essa tramitação e confesso que só no final, quando finalmente o projeto conseguiu ser arrancado da Câmara e vir para cá, eu compreendi porque ele tinha demorado tanto. A gente se enganara pensando que aspectos pontuais, aqui ou ali, pontos defendidos por representantes de corporações que atuam na área da educação é que estivessem travando o projeto. No final eu entendi. E entendi quando ouvi, com todas as letras, a explicitação de um ponto de vista feito pelo então volumoso Deputado Roberto Jefferson, que representava os interesses da iniciativa privada no sistema educacional. Ali eu entendi o que tinha travado todo aquele processo. No fundo, no fundo, era a questão do financiamento. Mais do que isso: era a questão de como o dinheiro público poderia ou deveria ser utilizado na educação, se seria exclusivo para as escolas da rede pública ou se poderia também ser entregue a outro tipo de instituição. Uma longa discussão gerou conceitos como escolas comunitárias, escolas convencionais, escolas privadas propriamente ditas.
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Eu estou tentando não repetir a belíssima exposição da Deputada Professora Dorinha, que na verdade historiou a LDB, mas estou querendo apenas dizer o seguinte: se partirmos, como um dia vai acontecer, para uma nova lei geral da educação brasileira, que estejamos preparados para que esse tipo de interesse se faça muito presente, vivamente presente. E, aí, a gente chega num outro ponto. Vocês podem não concordar comigo, mas a Nação brasileira, a sociedade brasileira... E isso foi gerado desde o século XVI, atravessou toda a colônia, rompeu todo o século XIX em que vivemos sob um regime monárquico, e atravessou toda a história da república. Nós somos uma sociedade profundamente corporativa e isso nos impede de enxergar o todo.
Eu não estou dizendo que as corporações não devam existir, mas o que estou pedindo é um pouco de compreensão para o fato de que, por mais legítimos que sejam os interesses pontuais, acima deles deve estar sempre presente o interesse coletivo, que vai representar a própria sociedade nacional. Então, esse é um grande perigo, perigo esse que se materializou na Constituição de 88. Eu confesso, a melhor de todas que tivemos, mas, no entanto, eivada de problemas que dificultam inclusive a própria governabilidade e, em larga medida, esses problemas derivam do forte jogo de pressão dos diversos setores que se fizeram ouvir. É democracia? É, mas eu penso que deveria haver um determinado ponto que não poderia ser ultrapassado, sob pena de prejudicar o todo.
Eu não vou esquecer nunca que na Constituição, a lei maior do País, foi colocado um dispositivo dizendo que o Colégio Pedro II, situado no Rio de Janeiro, deveria fazer parte do sistema federal. Ou seja, eu até concordo, eu quero que o Pedro II, até a consumação dos séculos, continue sendo federal, mas eu pergunto: isso é matéria constitucional ou nós estamos, de certa maneira, depravando o próprio conceito de lei maior? É esse o meu medo em relação à feitura de uma lei tão importante que, embora seja ordinária, uma lei comum, tem uma importância capital, que é a LDB.
Eu tenho talvez um último comentário a fazer. Eu confesso a vocês que o federalismo brasileiro é de uma perversidade inigualável. A única Constituição verdadeiramente federalista ou federativa que nós tivemos foi a primeira da República, 1891. O federalismo estava estampado até no nome oficial que deram ao País: Estados Unidos do Brasil. Ou seja, o Brasil deveria ser entendido como uma Federação, em que as unidades que o compunham, que seriam os Estados, as antigas províncias, teriam um raio de atuação bastante amplificado. A partir daí, tivemos uma sucessão de constituições que, na verdade, refletiam os trancos e soluços que marcam a nossa história republicana. Veio 1934; 1937 de triste memória, é a polaca que nos instituiu uma ditadura escancarada; 46 que abre as portas de uma redemocratização no País; a de 67 já em pleno regime militar; e a emenda de 69, que na verdade é uma verdadeira constituição, porque ela incorpora integralmente um instrumento de exceção maior que nós conhecemos, que foi o Ato Institucional nº 5. E por fim tivemos a Constituição de 1988.
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Ao estudar a história do Brasil contemporâneo, que é a minha paixão, eu tive o cuidado de estabelecer uma espécie de gráfico, uma espécie de paralelo de como o federalismo aparecia em cada uma dessas constituições. E o resultado era aquele que eu já previa, que eu já intuía e que confirmei. A cada constituição, depois de 1891, aumentava-se, ampliava-se o raio de ação do Executivo central, isto é, da União, do Governo Federal. E com um detalhe: mantém-se retoricamente a Federação. Exceto no Estado Novo, obviamente, porque ali era um Estado verdadeiramente unitário, mantém-se a ideia, o conceito, o princípio de Federação, mas na prática isso é manietado, na prática isso é decepado.
Eu falei há poucos minutos da perversidade intrínseca deste nosso federalismo. Eu lhe dou um exemplo: quando se trata de dinheiro, isto é, quando se trata daquilo que se arrecada, o grande bolo pertence à União, que vai estabelecer os seus critérios, que podem até ser justíssimos, não estou entrando no mérito, mas que vai estabelecer os seus critérios para distribuí-los. Em compensação, o federalismo funciona a pleno vapor na saúde e na educação. Na saúde e na educação, a responsabilidade precípua é transferida para os Estados e Municípios.
A questão que se coloca é a seguinte:...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA - É, para a educação de base, exatamente.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA - Porque está diretamente ligado ao jogo de pressão na própria Constituinte.
Muito bem, a questão que se coloca é esta: não está na hora de numa nova LDB, ou em qualquer outro instrumento legal, nós avançarmos na definição clara, precisa do que vem a ser esse fantasmagórico regime de colaboração? Que em termos retóricos é muito bonito: "União, Estados e Municípios devem atuar em regime de colaboração." Mas e em termos práticos? Onde é que está, para a educação básica, como o Senador lembrou muito bem, para a educação básica, onde é que está a responsabilidade da União? E quando eu falo de responsabilidade, eu quero uma União que não pense o Brasil abstratamente, mas que pense o Brasil de pés no chão, com as salas de aula que o País tem.
Quando eu era Secretário-Executivo do MEC, eu levei um susto, um susto. Eu já confessei no início que não entendo nada de financiamento, mas eu levei um susto quando descobri que cerca de 80% dos recursos do Tesouro que compunham o orçamento do Ministério da Educação eram para a educação superior. Restavam então cerca de 20% dos recursos do Tesouro para todo o ensino fundamental, para todo o ensino médio. Eu não acho isso apenas errado, não; eu acho isso imoral. E de certa maneira retrata muito bem esse caráter excludente da nossa história, desde a colônia até os dias de hoje.
Bem, eu tenho a impressão de que o que eu gostaria de dizer, em breves palavras, era exatamente isso. Mas há um último aspecto que eu quero salientar. Eu acho que todos nós estamos de acordo, sejamos ou não especialistas em educação, que jamais será possível uma escola funcionar bem se ela não tiver uma boa direção e se ela não tiver bons professores. Quer dizer, professores preparados de forma conveniente.
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E aí eu falo de preparação inicial, eu falo de preparação continuada. E que sejam também avaliados, como eles avaliam todos os dias os seus próprios alunos. Eu acho que essa é a questão crucial.
E nesse ponto, perdão, sem querer ofender ninguém, eu deploro os descaminhos que em grande parte as nossas faculdades de educação teimaram em trilhar. Se nós observarmos como se dá a formação dos professores nos cursos de licenciatura e nas faculdades de educação, a situação é trágica, sobretudo nas maiores universidades, porque nas maiores universidades, as licenciaturas praticamente abandonaram a sua preocupação em formar professor. Na verdade, os cursos de graduação, inclusive os de licenciatura, acabaram se transformando em cursos monográficos, em que os professores doutores vão trabalhar com a sua área de interesse, para formar inclusive futuros pesquisadores. Então a responsabilidade em tese foi transferida para a faculdade de educação.
E com as exceções honrosas de praxe, o que as faculdades de educação insistem em continuar fazendo é uma ênfase - para mim absurdamente exagerada - nos aspectos teóricos da educação, abandonando por completo a realidade, tanto do professor, quanto do próprio aluno. Eu acho - eu devo estar fazendo uma caricatura, e vocês me perdoem -, mas eu acho que o Brasil deve ser o País com a maior proporção per capita de teóricos de educação do Planeta. Teóricos, teóricos. E vamos patinando, patinando, patinando.
Agora, se você me perguntar se eu acredito que vai haver mudança, é claro que sim, até porque a sociedade está se levantando. Eu acho que o que começou em junho de 2013 dá um recado. As coisas ainda estão difusas? Estão. As coisas ainda estão muito na superfície? Estão. Mas elas começam a acontecer. E vai chegar à educação.
Eu termino dizendo para vocês que como historiador, eu posso até não alimentar expectativas; mas jamais vou perder a esperança, porque no dia em que eu perder a esperança, eu desisto da minha profissão. Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Obrigado, Prof. Antônio.
Eu passo a palavra agora a outro Antônio, o Monlevade, que como todos conhecemos, é também João Antônio Cabral.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE - Um bom dia a todos nós. Como é de praxe, mas neste momento é mais ainda de coração, uma gratidão muito profunda à Comissão de Educação, especialmente ao Senador Cristovam, porque eu fui doze anos consultor legislativo, ao lado do Antônio Barbosa, e nunca tive a oportunidade de participar de uma audiência pública. Depois que eu saí do Senado, o Senador já me viu uma vez numa audiência sobre o financiamento da educação, de boa lembrança.
Também gostaria de fazer um pequeno registro: que esta Mesa para mim é uma Mesa de muita familiaridade. Não no sentido de família, mas no sentido de proximidade. Graças ao Célio da Cunha, eu era um professor escondido, de práticas agrícolas, a 300km de Cuiabá, e ele manda um fusquinha azul da UFMT me procurar para eu assumir uma disciplina no curso de Pedagogia, sem a qual - não é, Sérgio? - os alunos não podiam se formar.
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E que disciplina era essa? Era a disciplina de Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, em 1972, para a aplicação da Lei nº 5.692. O Célio e outro colega acharam que a minha experiência em Arenápolis, que está na minha tese, na minha dissertação de Mestrado, e depois vou presenteá-la aos quatro companheiros da mesa, eram o meu credencial.
Eu brinco comigo mesmo que embora eu desconfie muito desse notório saber como critério de profissionalidade, não de licença de lecionar, absolutamente, mas de profissionalidade, acabou que o meu escondido saber, Sérgio, transformou-me de professor de práticas agrícolas do Ensino Fundamental em professor da universidade.
Com o Antônio Barbosa eu privei de toda a sabedoria, simpatia e competência na Consultoria. Éramos do mesmo corredor na Consultoria. Acabei de lembrar à Dorinha que conheço a mãe dela, militante também da educação em Goiânia. Sei da preocupação que a Dorinha tem com a educação, que provou nos anos em que foi secretária em Tocantins.
Quero começar, Dorinha, como uma homenagem a você, contando uma rápida historinha da minha vida quando criança. Eu era aluno de um colégio famoso de Campinas chamado Colégio estadual Culto à Ciência, onde se formaram Santos Dumont e Campos Sales, para vocês verem como as escolas públicas daquele tempo tinham um alto grau de elitismo e seletividade. Tinha passado no exame de admissão e estava um dia numa aula de religião. Surpreendentemente, fui expulso de sala, a professora não aguentou as minhas perguntas e me expulsou da sala de aula. Eu procurei me esconder entre a porta e o corredor, com medo que passasse algum inspetor de disciplina, mas não teve jeito. Antes do sinal do recreio, passou o Sr. Orlando Carpino, que perguntou: o que você está fazendo aí, Joãozinho? Eu falei: não sei, só sei que fui expulso pela professora. Aí ele me disse, Dorinha: então, tenho de levar você para o Telêmaco. Telêmaco era o Diretor da escola, Telêmaco Paioli Melges, Colégio estadual Culto à Ciência. Subimos dois lances de escada. Entrei naquela sala enorme, cheia de mesas e sofás, e, de pé, recebi a sentença. - Carpino, busca a caderneta dele, porque são três dias de suspensão. Menino, você só pode voltar aqui com a assinatura do seu pai e da sua mãe. Aí lá vai o Orlando Carpino para o portão da escola - por coincidência até hoje é mais ou menos assim -, que estava trancado com correntes e cadeados. Com muita paciência, ele abriu o portão, virou-se para mim e disse: Joãozinho, daqui a três dias eu te recebo de braços abertos.
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Quando olhei para ele, eu me surpreendi, pois ele estava com duas lágrimas saindo de seus olhos. Eu sempre conto esse fato, nas minhas palestras pelo interior do Brasil - e esta semana estou indo para Itaperuna, para Diamantina, em Minas Gerais, para Montanha, no Espírito Santo, e para outros lugares deste País -, para fazer a seguinte pergunta: nesse episódio, Senador Cristovam, quem foi o meu melhor educador? A professora, o gestor, o Diretor, Antônio Barbosa, ou o Sr. Orlando Carpino, o escondido e invisível funcionário escolar? Normalmente, todo mundo diz que quem me educou mais foi o Carpino, porque ele, realmente, foi ao fundo do meu coração. Aquelas lágrimas não são só uma questão de pena, porque ele estava com dó de mim, era a impotência dele de, diante do sistema, advogar que eu não merecia aquela suspensão. Isso eu fiquei sabendo depois. Hoje, fico muito feliz, Dorinha, porque nós, na LDB, conseguimos fazer uma mudança muito importante no art. 61, sobre os profissionais da educação, e peço muita atenção a isso. O projeto original do Jorge Hage que chegou a esta Casa previa as três categorias: professores, pedagogos, que antigamente se chamavam de especialistas em educação, e funcionários de escola. Diga-se de passagem, que a palavra "funcionário" não pode ser usada porque os professores também são funcionários públicos. De qualquer maneira, estão na enumeração das categorias. Por uma emenda do Senador Roberto Freire à época, foi retirada a terceira categoria aqui no Senado. Assim foi sancionada a lei, em dezembro de 1996, e, em 2009, graças a uma funcionária de escola que se tornou Senadora, o Senhor deve se lembrar, Fátima Cleide, tivemos um projeto de lei que foi unanimemente aprovado. Hoje, os dois milhões de funcionários de escola, desde que formados pedagogicamente, como tem o nosso projeto para funcionário, que a Professora Dorinha implantou e deu todo apoio em Tocantins, eles são considerados também profissionais da educação. Embora, Antônio Barbosa, eu concorde com você sobre a importância fundamental do professor, para que uma escola eduque bem, para a democracia, é importante que os educadores sejam reconhecidos todos como tal, formados em pé de igualdade, porque, enquanto houver descendentes de escravos, e a maioria dos funcionários é de negros, descendentes de indígenas, que foram espezinhados, que foram, inclusive, objeto da primeira aula no Brasil, no dia 22 de abril de 1500, quando foram seduzidos pelo machado, pelo facão, pelo anzol, e passaram a se integrar na Era dos Metais, eles que estavam ainda na Era da Pedra Polida...
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Não é? Mas olha só, Antônio Barbosa, eles realmente ficaram seduzidos. Lá está a carta de Caminha muito clara. Com um pequeno detalhe: levavam quatro, cinco dias para derrubar uma árvore, e tudo bem, e, agora, com machado de aço, 15, 20 minutos. A diferença é que, depois de quatro dias de derrubada a árvore com um machado de pedra, a árvore era deles: era uma canoa, era o esteio de uma oca. E, com o português, a árvore teve que ser entregue, o pau-brasil que dá nome ao nosso País, teve que ser entregue, Célio.
Então, a primeira aula foi muito terrível. Os indígenas perceberam que não era bom estar na companhia dos portugueses e passaram, sistematicamente, a fugir do litoral, e, de 3 milhões, foram reduzidos a 300 mil, graças a essa conquista, essa colonização, que a atual maioria, entre aspas, "branca", pelo menos, na academia, interpreta de uma forma muito afável, mas foi uma verdadeira invasão, uma verdadeira espoliação. Muito pior ainda foi a aula com os negros. Sem LDB, naquele tempo, como se transmitiu a cultura para os negros? Através da prisão, dos grilhões que os acorrentavam desde a viagem da África. Portanto, a palmatória teve um precedente muito mais grave, que foi a corrente.
Bom, feitas essas considerações, eu gostaria de dizer o seguinte: cheguei aqui, hoje, um pouco assustado, porque, depois de 55 anos de motorista, atropelei um cidadão e estou com a imagem ainda muito forte na minha imaginação, ali no entroncamento da Avenida Hélio Prates, no antigo Tatico: eu vinha normalmente 50km/h, sinal verde, daqui a pouco, vejo aquele senhor estourando no meu vidro, e, imediatamente, parei, etc. Aí, percebi uma coisa triste: as ruas do Distrito Federal são feitas para carros, não havia faixa de pedestre, não havia semáforo para pedestre, é praticamente impossível. E o rapaz do Detran me falou depois que chegou: "Nesta esquina aqui, as ocorrências são diárias de atropelamento." E temos uma lei que manda gastar 10% dos recursos do Detran com educação para o trânsito, mas não é cumprida. Então, começo por aí.
A LDB, já foi muito comentado aqui, é fruto de um momento de conflitos na nossa sociedade. O projeto que veio da Câmara conflitava com o substitutivo do Darcy Ribeiro. Em vários momentos, isso ficou bastante claro, e o texto final, como diz o nosso colega Jamil Cury - que recomendo, inclusive, Senador Cristovam, que, algum dia, seja chamado para um depoimento sobre a LDB, porque o considero o maior conhecedor da legislação educacional brasileira -, a LDB é um texto biunívoco, não está resolvida, é necessariamente modificável, não se equilibra porque há coisas dela que conflituam com ela mesma em várias questões, inclusive com normas constitucionais.
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Vou dar só um exemplo, a questão do piso salarial, não sei se a Dorinha se lembra, que está no art. 67 da LDB como uma prerrogativa dos sistemas de ensino. Não é piso salarial nacional, conforme está na Constituição, no art. 206. Então, a LDB precisa ser corrigida urgentemente sob esse aspecto, senão a PEC 241, daqui a pouco, vai acabar com o piso salarial porque cada Estado, cada Município não vai ter mais o recurso de impostos vinculados de acordo com 25%, etc., pelo art. 105. Assim, como esse dispositivo, existem outros. Por exemplo, tivemos uma emenda maravilhosa que nos colocou no primeiro mundo em relação ao ensino obrigatório. Hoje, o ensino obrigatório, ao contrário de 30 anos atrás, é dos quatro aos 17 anos. Costumo dizer que é até os 18, porque quem está no terceiro ano com 17, só vai se formar no ensino médio com 18.
Então, muito bem, só que a LDB não assimilou isso ainda, inclusive, outro dispositivo constitucional, de que é a questão da não oferta do ensino obrigatório ou a oferta irregular é responsabilidade civil da autoridade. Ora, no próprio texto, referiu-se a ensino fundamental, agora não, agora temos desde pré-escola até o ensino médio. Então, estamos convivendo, por exemplo, com esse escândalo de 1,5 milhão de jovens de 15 a 18 anos fora da escola e, graças a Deus, fora do trabalho, porque há gente que também está achando que o pessoal de 15 a 18 anos deveria estar trabalhando. Nunca fui contra o trabalho, inclusive, minha dissertação é sobre isso, sobre o trabalho produtivo no ensino de primeiro grau, mas é uma coisa, no mínimo, estranha, as pessoas estarem colocando como negativo que os jovens, ou melhor, os adolescentes não estejam trabalhando.
Outra questão que já foi falada pelos meus antecessores aqui é sobre o Plano Nacional de Educação. O art. 214 da Constituição, que foi escrito, se não me engano, a partir - Antônio Barbosa, tenta lembrar - de um esforço do Florestan Fernandes, que é sobre o Plano Nacional de Educação, foi acrescido daquele inciso sobre o percentual do PIB, e o Plano Nacional de Educação colocou 10%. Então, pergunto para vocês? Estamos, no momento, gastando mais ou menos entre 5% e 5,5% do PIB em educação. Com a PEC 241 que limita os gastos e só pode ter aumento com o índice inflacionário, o que vai acontecer? Não vamos poder sair desse patamar, a não ser que continue a haver queda do PIB, porque, se o PIB for caindo, é claro que o percentual vai aumentando, mas de uma forma tenebrosa - não é verdade? -, no mínimo.
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Outra questão muito séria é que a Professora Dorinha fez uma colocação, que eu me permito não corrigir, mas aperfeiçoar. Ela dizia assim: "A LDB não trata muito do financiamento." Trata, sim. Desde o art. 68 até o art. 73, é sobre o financiamento. E o art. 68 tem uma memória muito interessante. Na versão do Darcy Ribeiro, Senador Cristovam, os royalties do petróleo estavam lá. Era o último item. O imposto tal, e aí vinha contribuição social do salário-educação e royalty do petróleo, só que o pessoal do Rio de Janeiro ficou meio assustado, porque aquilo ia ter que ser dividido, e tirou aqui no Senado. O art. 69 teve um processo de avanço maravilhoso, porque o art. 69 da LDB regulamenta o art. 212. O que diz o art. 212? Ele diz que a União vai gastar pelo menos 18% das suas receitas liquidas, e os Estados, Municípios e Distrito Federal, 25%. O que diz a LDB? Ela repete esse caput, dizendo mais para frente no próprio caput: "...ou o que determinarem as constituições estaduais e as leis orgânicas municipais."
E aqui quero fazer uma referência muito interessante aos meus conterrâneos de São Paulo. Se não fosse isso, a Unicamp, a USP e a Unesp não poderiam existir, porque elas elevam o percentual de São Paulo até 30%. A UEG, em Goiás, não poderia existir, porque a Constituição Estadual de Goiás também eleva a 30% o mínimo.
E há mais uma - e isso não é cumprido. O §5º do art. 69 diz que os valores referentes a esses percentuais têm que ser repassados de dez em dez dias - emenda José Serra em cima de uma emenda Suplicy, no plenário do Senado - para o órgão responsável pela educação. No Ministério da Educação, quando era Ministro, o senhor recebia de dez em dez dias o dinheiro da educação? Não. Aqui se recebe todo mês o dinheiro do Senado, o duodécimo, mas o dinheiro da educação, que devia ir para o órgão responsável... E há um parecer do Conselho dizendo que os órgãos responsáveis da educação não é só o Ministério da Educação, mas também o Conselho Nacional de Educação. Não é só a Secretaria Estadual, mas é também o Conselho. Então, há um artigo da LDB que não é cumprido, e, infelizmente, nós não temos dado atenção a ele. Não temos. Que eu conheça - e conheço razoavelmente este País -, no Município de Goiânia, sob a rédea da Profª Valderez - está lembrada dela? -, ela conseguiu fazer cumprir esse dispositivo, fazendo o fundo municipal de educação de Goiânia, que recebe de dez em dez dias. Recolheu o IPTU? Vai para lá. Recolheu o ISS? Vai para lá. Veio dinheiro do Fundeb? Vai para lá de dez em dez dias. E ela me dizia assim: "João, mudou completamente o jeito de a gente trabalhar, porque, antes, eu estava de pires na mão atrás do Secretário de Fazenda, de finança."
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Como o MEC sempre esteve de pires na mão atrás de Malan, atrás de Mantega, etc. e tal. E ela falou assim: "A partir daí, eu tive autonomia para fazer os atos necessários para melhorar o atendimento municipal de educação em Goiânia." E não só isso, Senador. Ela passou a ter a responsabilidade de arrecadar mais, porque uma coisa é você, simplesmente, saber que tem 25%, e outra coisa é saber que, se arrecadar mais IPTU, os 25% vão ser mais automaticamente.
Então, até gostaria de lembrar ao Senador - nós dois já nos sentamos várias vezes juntos para planejarmos a educação neste País e no Distrito Federal - que, aqui no Distrito Federal, temos 2,8 milhões habitantes. Belo Horizonte tem 2,4 milhões. O IPTU de Belo Horizonte é 3 bi. O IPTU do Distrito Federal não chega a 700 milhões. Por quê? Por causa dos interesses imobiliários que existem, etc. etc., inclusive de um antigo Senador que está preso em uma região privilegiada da Papuda.
Então, vejam bem: eu, João Monlevade, moro em Ceilândia, tenho uma casa que vale R$250 mil e devia pagar 1% de IPTU - 1% de R$250 mil seria R$2.500. Sabe quanto eu pago? R$210, porque aqui nós crescemos, Barbosa, em uma sociedade que ainda está pensando como D. João VI: PR; ponha-se na rua; Príncipe Regente. Então, aqui há um tal de fundo constitucional do DF que compensa a falta de arrecadação. Aqui é 0,3 por lei. E os Deputados não mudam isso de jeito nenhum. Por quê? Porque eles não querem desagradar seus eleitores. E por que não querem desagradar os eleitores? Porque podem ser reeleitos indefinidamente. Acho uma coisa completamente não republicana a Câmara, o Senado, etc. virarem um lugar de profissionais de mandato. A gente tinha que servir uma vez e deixar para outro. E justamente não viciar.
Bem, eu não medi o meu tempo aqui. Só gostaria de saber mais ou menos como estou. Devo estar em 15, 20 minutos.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Fora do microfone.) - Já está com 23.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE - Opa, me desculpe. Então, vou aqui fazer a minha conclusão.
Primeiro, um informe. É claro que eu tinha preparado muito mais coisas para dizer, pontualmente, sobre questões da LDB. A gente não tem tempo. Então, se alguém estiver interessado, depois a gente fornece o e-mail ou vocês fornecem para a gente. E passo para o Senador Cristovam, para o seu gabinete, se possível, porque vou construir um texto.
A segunda questão, que faço questão de colocar aqui: Célio, Antônio Barbosa, Cristovam e Dorinha, nós temos uma educação no Brasil ou temos dois projetos educativos?
Hoje, na hora do meu acidente, quando atropelei o Manoel Nascimento Pereira, eu estava levando minha filhinha para o Leonardo da Vinci, uma escola particular de Taguatinga, onde pago R$2 mil por mês.
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Por que que eu escolhi uma escola particular se eu tive os meus outros dois filhos e os matriculei lá, em Sobradinho, na escola pública? Porque minha esposa está encantada que existe esse negócio das escolas de sucesso aqui, em Brasília, Galois, esse negócio todo que vocês sabem, e que são um tipo de educação de classe média alta, classe média, porque também há a escola particular bem popular, e, depois, há a escola pública para o povão, e os interesses são conflitantes, terrivelmente conflitantes, porque, para a escola particular competir com a escola gratuita, Antônio Barbosa, é uma coisa muito complicada.
Se eu posso educar meu filho gratuitamente e eu gasto R$2 mil, é um negócio complicado. Precisa acontecer o quê? Precisa a escola pública ser ruim, precisa ser ruim.
Olha o caso da língua estrangeira. Diga-se de passagem, eu acho um absurdo substituir o art. 26, que dava para a escola o poder de decisão da língua estrangeira - eu aprendi Francês e Inglês no Culto à Ciência -, agora não, agora é Inglês. Não tem mais BRICS, Índia e China aqui, não. Aqui, agora, temos que estar na cartilha ou do Trump ou da Hillary. Isso é um absurdo, no meu entendimento. Assim como é um absurdo terminar a oferta da Educação Física para o interesse das academias. Gente, é claro, se a Educação Física fica só para as crianças de fundamental, e justamente na idade do desenvolvimento etc. e tal, aí, há academia privada.
Então, fica muito claro, assim como ficou claro na LDB, da primeira, Antônio Barbosa, a que você se referiu, do conflito dos interesses particulares e públicos, quando se tratou de forçar a formação dos professores, Célio, para o nível superior, acabando o normal, de nível médio, que era pública, era uma política pública de formação de professor e, daqui a pouco, entregamos, agora saiu o resultado lá, em São Paulo, 91% dos professores de São Paulo foram professores formados ou titulados em escolas particulares, só para vocês terem uma ideia. E a LDB é clarinha lá: todos os cursos de formação de professor têm que ter 300 horas de prática de ensino.
Célio do céu, no tempo do normal, de nível médio, isso, sem haver LDB, era cumprido, porque o estágio, as meninas tinham tempo para fazer estágio. Estavam com 15, 16, 17 anos. Hoje, vão fazer Pedagogia, não têm tempo para estagiar.
Então, o que é que está acontecendo, Dorinha? Está acontecendo que termina, uma pessoa, a Pedagogia, sem nunca ter alfabetizado uma criança. Vocês acreditam numa coisa dessas? Alguém de nós iria para uma cirurgia com um médico que nunca tivesse estagiado numa sala de cirurgia? De jeito nenhum. E os professores estão... E o pior é que passa no concurso, porque o concurso também foi privatizado. O concurso público de provas e títulos é feito por empresas privadas que dizem, com a maior cara de pau: "Não, nós não podemos colocar para prova prática". Há até um projeto agora sobre isso. Parabéns aí, vamos ver se a gente aprova. O professor de Inglês não tem prova oral.
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Então, nós temos 50% dos professores de Inglês no Brasil que não sabem falar e, aí, é claro que o dono da Wizard é uma das maiores fortunas do Brasil. Não é à toa que ele está surfando sobre a falta de qualidade da pública.
Então, termino, dizendo numa palavra só: quando o Senador, eu era, naquele tempo, Consultor Legislativo e tive que dar um parecer sobre um projeto do Senador, e o projeto era assim, que todo político tinha que colocar o filho na escola pública. Está lembrado, Senador?
Muito bem. E, não sei se o senhor se lembra do parecer que eu fiz, o parecer que eu fiz é que concordava plenamente, mas queria saber por que que havia lá uma coisa dizendo "este projeto, esta lei entra em vigor em 2014", e ele foi feito uns seis, sete anos antes de 2014, e nunca recebi a resposta, porque, para mim, embora alguns colegas da Consultoria tivessem dito que ele era inconstitucional, ele era realmente revelador dessa grande questão. Existem dois projetos educativos e é muito bonito o político dizer que está defendendo a escola pública, mas ele mesmo não quer a escola pública para seus descendentes, não é?
Então, eu dou os parabéns, porque você realmente iluminou a minha reflexão e eu não tenho dúvida nenhuma de que, se nós, neste momento crucial do nosso País, em que a gente tem embates seriíssimos, tanto na PEC 241, que diminui sensivelmente os recursos da educação e da saúde, não só do Federal, o regime Federal está, lá, escrito na ementa, mas o art. 105 é muito claro, o caput do pega tudo. Então, vai baixar os recursos ou, pelo menos, não vai deixar aumentar para poder cumprir as metas do PNE.
Então, a minha grande pergunta que eu deixo a todos vocês e, principalmente, à Mesa é esta: que tipo de sociedade a gente quer, porque, se a gente tem uma educação com dois projetos, a gente vai perpetuar as diferenças sociais e as diferenças de classe que tanto abalam a nossa cidadania e a nossa República.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu agradeço aos quatro. Eu não falei no começo, vou fazer um pequeno comentário aqui, que eu preparei, sobre o assunto.
Eu tenho a impressão, vale a pena lembrar, de que nós temos 28 anos da vinculação constitucional de recursos para a educação. Faz 28 anos.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Tem mais, desde 1934 - 1934.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Desde 1934. Então, não é só 1988, porque houve foi um aumento.
Então, desde 1934, nós temos. Ou seja, em breve, comemoraremos um século.
Então, vamos falar com franqueza, isso não basta, e é lamentável que se transformou na grande bandeira, como foram os 10% do PIB, porque nós desviamos o debate da educação para o debate do dinheiro para a educação. O meio virou o fim.
Mas não é só isso. Temos 20 anos da LDB. Melhorou? Claro que melhorou. Hoje, nós, entre aspas, "só temos três milhões fora da escola", crianças. Crianças pequenas.
Nós, entre aspas, "já temos 50% no ensino médio".
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Já temos o Ideb, isso é bom, mas 3,7% é a nota 25 anos depois. E é a nota dos 50% que estão dentro: se a gente colocasse os 100% de meninos e meninas na idade de ensino médio, esses 3,7% iriam cair para 2%, porque os que estão fora têm nota quase zero.
Eu podia citar muitos exemplos, mas basta sugerir que abramos os olhos para saber que não dá para comemorar muito, como resultado. E temos quase 15 anos de PNE - quase 15 anos! -, e tudo isso que está aí não nos deixa com orgulho.
Onde é que nós estamos errando para poder encontrar um caminho? Que pode ser o de começar a mexer artigos. Eu até acho interessante que não tenhamos entrado nesse detalhe, não. Para mim, a primeira mudança é pegar já desse jeito e conseguir juntar aqui, além da LDB, o que foi feito depois de incorporação. E eu acho que a primeira coisa é: como vemos essa intenção de legislar a educação? O primeiro é dizer: este aqui é o marco legal - eu nem chamaria de lei - que define a estrutura do alicerce da construção do futuro do Brasil. A gente precisa trazer a palavra "futuro" para dentro.
O Célio falou desse professor, no Equador, que disse que é preciso urgência do longo prazo: eu acho que, em vez de urgência do longo prazo, a gente tem orgia do presente. Nós pensamos no presente, nas coisas de hoje, nos arranjos para hoje. Então, em vez de uma LDB, a gente precisa de um marco legal da estrutura do alicerce da construção do futuro do Brasil. E dizer: esse futuro está construído pelo sistema da educação nacional voltada para o futuro. Essa ambição é que, a meu ver, tem faltado em todas essas nossas discussões, ao longo da história. Não temos a ambição que defina o que é a escola ideal. Como ter essa escola ideal e fazê-la igual para todos? É isso, Monlevade, que está faltando. Por isso que o público é de um jeito e o particular é de outro, e entres os particulares existem boas e existem péssimas. Aliás, a média das particulares eu ainda acho que é melhor do que a média da... Desculpe-me: a média das públicas eu acho que é melhor do que a média das particulares, porque a desigualdade é bem maior entre as particulares. Então, definido isso, queremos o marco legal que sirva de alicerce ou que defina a estrutura do alicerce da construção do sistema nacional de educação para o futuro. É isso o que a gente deve começar a pensar.
E aí eu vou sugerir, na linha do Célio, que colocou diversos pontos, que coincidem, mas matricialmente - o meu vai mais pelo objetivo, e o dele vai pelo meio. Eu acho que a gente deve ter, vou dizer 10, mas, na verdade, são 11 itens, porque eu coloco um zero antes do primeiro capítulo desse marco legal da estrutura do alicerce da construção do sistema de educação.
O primeiro é o aluno, é óbvio. A gente não tem que começar pela escola nem pelo professor, tem que começar pelo capítulo primeiro: se é para construir o futuro, como é que a gente vai tratar as crianças? Tem que estar nesse marco legal como é que vai ser desde o nascimento das crianças do Brasil, porque a educação começa aí.
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Então, o futuro entra no capítulo O aluno, a criança como o alicerce fundamental do futuro.
O segundo, é óbvio que é o professor. Mas aí a gente tem que fazer uma revolução, e não podem ser esses pequenos arranjos. Tem que ser uma revolução na formação do professor, o que implica uma revolução na valorização do professor. Não pode ser essa ideia de aumentar 10%, 20%, 30%. Tem que ser: como fazer com que o professor seja o personagem melhor remunerado do País. É isso que é o desafio. Tem que definir como é que se faz isso. Agora, para isso, ele tem que ser muito bem preparado, com dedicação exclusiva àquela atividade e avaliado. E sem estabilidade plena, mas com estabilidade funcional do ponto de vista dos dirigentes: prefeito, governador, Presidente não podem demitir, mas, numa avaliação, se ele não está trabalhando correto, ele tem que ser substituído - como são os técnicos de futebol, os jogadores de futebol, os médicos a que nós vamos no setor privado. Então, o professor. Mas o professor a gente tem que pensar com ambição, tanto do ponto de vista da valorização, como do ponto de vista das exigências. E isso não entra muito facilmente nos discursos, porque nos acostumamos - e está cheio aqui na Constituição - a ter direitos, e não deveres. Nossa Constituição é avessa a deveres, e é pródiga em direitos. Essa é uma das causas da crise atual.
O terceiro é o ambiente onde vai estar essa educação. Qual é o ambiente que funciona? E aí o ambiente não é só a escola, mas é muito o prédio da escola, a qualidade da edificação, a beleza, o conforto. Mas não é só: é também saber se a televisão está ou não parte desse alicerce do futuro. A LDB, que eu me lembre, não fala como deve ser o sistema de televisões no País, o sistema de rádio no Pais. Não pode haver uma lei de diretrizes da educação, se se quiser chamar assim, que não diga como é que o sistema de telecomunicações vai se envolver na educação. É a gestão de cada escola, sim - o Antônio tocou a ideia de gestão em um momento. É preciso saber como vai ser a gestão.
O terceiro, também, são as ferramentas. Tem que haver um capítulo das ferramentas. E aí você falou em ensino a distância, mas voltado para o ensino superior. Com as ferramentas de hoje, vai se precisar de professor, mas as ferramentas não podem ser mais as mesmas. Talvez tenha que constar nesse documento que define o marco legal do futuro que, na escola brasileira, o quadro negro não deve existir, ou deve existir como complemento em alguns lugares. Mudaram-se as ferramentas e tem que se dizer as ferramentas.
O quarto é o tempo, onde entra não só o tempo de aula - que é horário integral, e não é considerado escola se for só quatro horas -, mas também o tempo depois da escola. De como ele vai ser usado para a educação, através das mídias. Como é que é o tempo de uma criança que vai ser a construtora do futuro?
O quinto, o conteúdo. E aí entram as discussões do que é obrigatório, do que não é obrigatório, embora isto deva entrar no capítulo primeiro, o da criança: o direito de ela escolher a escola, não necessariamente se vai ou não à escola. Mas é direito. E a gente tem que ouvir as crianças. Quem devia fazer a LDB eram as crianças.
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Como é que vai ser o conteúdo que a gente vai ensinar? Como é que a gente trata idiomas? Por que só inglês? Por que não chinês? Por que obrigatório? Por que não obrigatório? O que é obrigatório ou não?
O sexto é o comportamento. É a ideia de liberdade e de adaptabilidade. Ontem eu vi em Cuiabá uma escola, que vão fazer agora, em que na sala de aula não há mais cadeirinha, não. O menino arruma como quer aquilo, junto com o professor. É feito para você arrumar. Tem aula que vai ser em volta de uma mesa, não vai ser mais sentado. Então, é o comportamento na sala de aula. Como ter liberdade que funcione?
O sétimo é: quais são os propósitos disso? Qual é o resultado? O que a gente quer depois de 20 anos? Eu acho que a gente querer estar próximo da Coreia para todos, para a média, e todos iguaizinhos, escola igual. Igual não é o prédio, não é o conteúdo, mas é a qualidade, a qualidade igual. Não tem isso. Não entra na ambição do Brasil que o filho do pobre vai estudar na mesma escola do filho do rico. Não entra na cabeça. Eu gosto de citar uma entrevista do jogador Raí em que perguntaram a ele o que mais o impressionou quando ele jogou na França. Ele disse: "Meus filhos iam à mesma escola dos filhos da minha empregada." Ele disse isso com satisfação, com orgulho. Depois que eu li, eu descobri o telefone dele e liguei para saber: será que escreveram certo? Ele disse: "É isso mesmo." Eu fiquei muito feliz de que era assim. Por que lá é assim - capitalista - e a gente não pode fazer assim? Não é uma questão de esperar o socialismo para fazer isso. É o contrário. O socialismo só virá se a gente fizer isso.
O oitavo é a política - a política mesmo - do País. Como é que a gente vai fazer para que isso vire um projeto nacional, para que não seja uma coisa do Darcy Ribeiro, mas de todos os brasileiros? Quando isso acontecer, a gente nem vai precisar de vinculação, porque nenhum Deputado ou Senador vai ser louco de tirar dinheiro da educação, de não colocar tudo o que for preciso. Antônio falou em 2013, nas manifestações. Eu não sou otimista de que agora eles vão fazer, mas na hora em que a gente fizer manifestações de um milhão para ter mais recursos para a educação, não vai precisar de vinculação. Aí dizem: "E até lá?" Eu não vou dizer que sou contra a vinculação, mas até lá a gente vai continuar acomodado na vinculação, até porque a gente gasta mais do que a vinculação. Já está em 22,5%. Essa foi uma grande coisa do governo Lula. Chegaram a 22,5% - Lula e Dilma - os gastos com educação no PIB, da União, sem contar Fies e outras coisas. Então, nós já passamos isso. Além disso, a vinculação criou uma deformação. Os prefeitos se orgulham de gastar muito em educação, e não de fazer muito pela educação. Eu já fui a lugares em que a escola é um desastre, mas o prefeito diz que gasta 30%. Está na hora de a gente procurar ter mais eficiência com menos dinheiro e mais resultados; medir pelo resultado, e não por quanto se gasta.
Finalmente, também sobre isso, não adianta gastar mais com dinheiro inflacionado. Uma das características da orgia de que eu falei, do presente, é a inflação. A gente oferece tudo a todos, gasta dinheiro para tudo, mas o dinheiro é falso. Quando a gente aumenta o salário de um professor de 100 para 120 em uma inflação de 20, enganou o professor. O sindicato comemora porque conseguiu 20%.
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Por isso, os sindicatos precisam de inflação para serem prestigiados, pois, a cada seis meses, eles conseguem um aumento, mas com dinheiro falso, porque ele não vale o que está escrito.
A política tem que fazer com que a educação seja uma questão nacional. E eu realmente acho que vai demorar ainda, mas vai chegar. A realidade vai levar, mas é possível que agora não seja. Se botarem o povo para escolher entre fazer uma estrada ou fazer uma escola, ele prefere a estrada; um campo de futebol para ter Copa do Mundo... Se tivesse havido um plebiscito para a Copa, ela teria sido aprovada pela população, com esses 2 bilhões que se gastaram aqui, em vez de nas escolas. Então, é a política que vai levar a isso.
O nono é o financiamento, que vamos precisar ter. São recursos... Aliás, são recursos. Já errei, pois financiamento não é a primeira palavra; a primeira palavra é recurso. Financiamento é para viabilizar o recurso professor, para viabilizar o recurso bom prédio, para viabilizar o recurso computador, mas já começamos pelo financiamento, não pelo recurso. O financiamento é o meio para ter os recursos. E quais são os recursos? E se eu conseguir recursos sem precisar de financiamento? E é possível em alguns momentos, em algumas escolas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O voluntarismo. Olhem aí.
É possível, sim. Recurso é mais que financiamento, mas a gente não discute recurso, a gente discute financiamento.
E o último, até para ficar no tempo que os outros seguiram, embora eu não tenha cortado palavra em nenhum momento, é o símbolo. Qual é o símbolo para essa escola? Não dá para ser o lápis, lápis ficou superado. Computador? Em breve... Ele já está superado, já é o telefone que a gente usa, mas, em breve, o telefone será superado. Para mim, o símbolo dessa escola seria a bola, no sentido de que é igual para todos e no sentido de que permitiu algo que o Brasil conseguiu apenas para essas coisas, especialmente futebol: valorizar o talento. Ninguém chega à Seleção Brasileira de Futebol por ter dinheiro, só chega à Seleção Brasileira de Futebol se tiver talento. Por quê? Porque a bola é igual para todos. Então, o filho do rico e o filho do pobre começam jogando bola, mas o processo vai selecionando pelo talento. Agora, na medicina, não é assim; na medicina, a seleção é pelo dinheiro para comprar uma boa escola, para financiar a escola. O objetivo tem que ser a boa escola, com a mesma qualidade para todos.
Eu temo que este seja o maior desafio: convencer a opinião pública brasileira de que educação é o alicerce do futuro. Ainda continuam achando que é a indústria, que é o agronegócio, que é o emprego, como se o emprego não precisasse de educação, que é o salário, como se o salário não estivesse intimamente ligado ao grau de educação do trabalhador. O Brasil ainda não vê a educação como vetor do progresso. A nossa bandeira ainda não escreveu: educação é progresso; a nossa bandeira é: ordem e progresso. Não está na nossa cabeça o slogan, o lema: educação é progresso. E não se pode desperdiçar um único cérebro neste País, porque esse é o verdadeiro poço de energia do futuro, não é o poço de petróleo.
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Aliás eu aproveito, Monlevade, para fazer mais um parêntese a essas discussões atuais que eu não queria desviar.
O royalty do petróleo servirá se a gente tirar o petróleo de lá de baixo. Se ele fica lá embaixo, não vira royalty. E hoje a Petrobras não tem como tirar. Não tem recursos.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Não, mas está...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Sim, mas não vai tirar todo.
Ontem eu li numa revista que a Alemanha determinou, por lei, que em 2050 eles não vão ter mais nenhum carro movido a petróleo. E o preço do petróleo vai desabar, vai ficar obsoleto.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Sim, mas vai ter outro...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Isso é outra coisa, mas o royalty do petróleo não vai existir mais, porque vai ficar obsoleto.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Com essa mudança não vai? Claro que vai.
Isso não mudou. A única coisa que muda é o seguinte...
Depois a gente discute. Eu nem queria discutir isso, foi uma falha minha. Desviou a minha concepção.
Pode ser que eu esteja enganado, inclusive eu vou olhar isso, mas que eu vi. A proposta que sai aqui do Senado diz que no dia em que a Petrobras disser que não tem 30% para investir naquele poço, pode-se fazer uma licitação para escolher outra empresa. Não muda mais nada fora isso.
Essa outra empresa, se em vez da Petrobras for, suponha, a Eletrobras, ou a Vale do Rio Doce, ou uma chinesa, os royalties iriam. Eu posso estar enganado, mas vou olhar.
Voltando então. Vamos esquecer isso, até porque esse royalty não vai adiantar muito. Foi mais uma mentira.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Meio por cento do PIB.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Só meio, e criou-se tudo isso.
Como também os 10% do PIB foram uma brincadeira. Porque o PIB não existe num lugar para ir buscar o dinheiro do PIB.
Você só pode buscar o lucro da empresa, os salários dos trabalhadores ou o cofre do Governo. Só nesses lugares é que há dinheiro. O PIB é uma abstração. Não há uma gaveta que a gente abre e diga: vamos pegar 10% do PIB. Não há.
Agora há uma gaveta em que você tira X por cento dos empresários, com imposto, ou renda, ou lucro, salário e Tesouro. Ou do Governo, tira de estrada e põe em escola. Do PIB não há. E se colocou PIB ali para não incomodar os empresários, as pessoas que pagam imposto e nem o Tesouro. Foi por isso, não foi por outra razão. Para não incomodar ninguém. Se tivessem colocado 120% do PIB, não haveria nenhuma reclamação política. Ia haver reclamação epistemológica, aritmética, porque iam dizer que não é possível 120%. Mas ninguém ia se preocupar com o seu dinheiro. Porque ninguém ia sentir: "Poxa, 120% do PIB vai para a educação! E todo o meu dinheiro vai?" Ninguém ia pensar isso.
Algum de vocês já pensou que os 10% do PIB sai do dinheiro de vocês?
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Eu já.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Você pensou? Pois são raros.
Algum empresário pensou isso? Todos aprovaram o PNE. Não houve uma reclamação da Fiesp sobre os 10% do PIB, nenhuma. A Fiesp não reclamou. Agora imaginem dizer que fosse do Imposto de Renda. Imaginem que fosse do lucro das empresas. Imaginem que fosse imposto sobre as grandes fortunas. Ninguém ia aceitar dinheiro das grandes fortunas para a educação. Mas, do PIB, que é uma abstração que nós economistas inventamos? É uma metáfora, não é um lugar de dinheiro.
Pois bem. Eu acho que o símbolo disso eu diria que é a bola nesse sentido.
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Não tem futuro o país em que a educação seja de qualidade para poucos, ou até para muitos, mas que não seja de qualidade para todos.
Por isso a educação pública é o caminho. Mas até isso merece um conceito. Público não é sinônimo de estatal. É possível haver uma escola que tenha um dono e que seja pública. Se a pessoa não tem que pagar, alguém paga por ela. Ou até um empresário que queira fazer. Aliás o Bradesco tem quantas escolas? A última vez que vi eram 58, e são gratuitas. Aquelas escolas do Bradesco têm dono, mas são públicas.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Três vezes o custo aluno.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Três vezes o custo aluno.
Então, eles estão pagando. É pública. E eu vejo a fila de gente querendo entrar lá. Aquelas escolas do Bradesco são públicas.
E se outros empresários quiserem colocar? E se o Governo fizer parcerias público-privadas para que uma entidade privada tenha uma escola de qualidade e que o Governo pague a mensalidade.
Aliás, o Prouni não é isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não, mas não deixa de ser. Financia-se com dinheiro público faculdades.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Mas é o próprio aluno que vai pagar depois.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O Prouni, não. O Fies.
O Prouni é uma entidade privada em que o aluno se beneficia estudando de graça, com dinheiro do Estado. Eu acho que nesse caso essa entidade está sendo pública.
Pois bem, esses são os conceitos. E, a meu ver, vamos precisar de uma revolução conceitual para substituir, se for o caso, uma legislação por um marco legal muito mais amplo, mas com um propósito bem definido, para o Brasil ser campeão mundial da educação, como os melhores do mundo. E a educação do mais pobre ser igual à do mais rico.
Em algum momento a gente tem que ter coragem de dizer: neste País ninguém vai gastar mais dinheiro com a educação do filho do que outro. Aí é que eu quero ver quem é progressista e quem não é.
A gente já vai ter uma lei, felizmente, já devia ter há muito tempo, que nenhum rico pode gastar seu dinheiro na sua campanha política. Vai-se aprovar isso, eu espero. Porque tem candidato aí que gastou a fortuna dele.
Então, se a gente vai dizer que um candidato não pode gastar mais dinheiro na campanha dele do que o outro, como a gente permite que um pai gaste mais dinheiro na educação de seu filho do que outro? A educação tem que ser da mesma qualidade. E, para ser da mesma qualidade, tem que ser mais ou menos gastando o mesmo. Essa revolução é que não houve na LDB nem podia haver, mas a gente vai ter que chegar a ela.
Esse encontro, e eu vou pedir que cada um faça alguma fala aqui ainda para concluir, tem por objetivo ver a LDB em si, o que a gente pode mudar, porque é o mais prático para influir. Mas eu acho que também é mais do que ver a LDB em si, é ver o sonho que a gente tem para o futuro da educação brasileira com os pés na realidade do que a gente pode fazer hoje.
Nós nos acostumamos a não ter sonhos para o futuro e ignorar a realidade, aceitando coisas que não são possíveis, na realidade. E quem vai resolver os limites é a definição do tempo. Em vez de tentar isso em cinco anos, tentar em cinquenta, ou em trinta, ou em vinte. Isso é que vai casar a realidade com o sonho, a definição do tempo, que a LDB nunca definiu também o tempo e que o PNE definiu, mas muito em função de intenções, sem dizer como fazer.
Eu vou concluir passando a palavra na ordem inversa, Monlevade.
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Eu gostaria de fazer na ordem inversa para que a gente possa concluir com a fala bem curta, já que cada um teve a liberdade de falar o tempo que quis.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE - Eu gostaria de aproveitar, então, mais esta oportunidade para duas colocações. Primeiro, concordo plenamente com o Senador que o expediente, o dispositivo do percentual do PIB para educação, por si só, não tem eficiência nenhuma. Mas ele tem uma eficiência tanto simbólica como no desenrolar desse tempo de longa duração, se eu posso pegar a colocação do Antônio Barbosa.
Uma coisa, Senador, é nós realmente termos um percentual de aplicação de impostos onde todo jogo, todo conflito está na arrecadação. Eu não posso deixar de colocar aqui uma coisa que talvez 99,9% dos educadores, Célio, não conheçam.
O Imposto Territorial Rural (ITR), imposto patrimonial, portanto de gente que tem recursos, arrecadava R$2 bilhões no tempo do Fernando Henrique, logo depois de Itamar Franco, saudoso Presidente. Hoje, no ano 2015, arrecadou um bilhão, arrecadou metade do valor nominal e 1/6 do valor real.
Dividindo R$1 bilhão, Senador, por 600 milhões de hectares - que é uma divisão generosa, porque o Brasil tem 850 milhões de hectares. Mas, tirando terra indígena, parque nacional, lagoa, etc., nós temos 600 milhões de hectares que podem ser a taxados -, vocês conseguem fazer essa conta de cabeça rapidinho? R$ 1 bilhão dividido por 600 milhões de hectares. Sabem quanto está sendo pago de ITR por hectare/ano? R$1,66.
Senadora, é incrível que o Presidente da Fiesp, que mais parece, às vezes, o Presidente do Brasil, diz que nós pagamos a maior tributária do mundo, que não pode aumentar imposto.
Como a gente pode subsistir com uma arrecadação de R$1,66. Podem fazer a conta. Um bilhão dividido por 600 milhões. E se quiserem simplificar, ponham um milhão dividido por 600 mil, assim o número cabe na maquininha. Dá R$1,66 por hectare/ ano.
A mesma coisa é a questão do Imposto de Renda. O nosso ídolo, o jogador Neymar que está na cabeça e no coração, e com a bola, o seu símbolo tão interessante, no pé, ganha €1 milhão por mês, e repatria o dinheiro dele para o Brasil por uma empresa. Sabe quanto que ele paga de Imposto de Renda Senador? Paga 13,3%, enquanto o senhor e eu pagamos 27,5%, que é muito pouco. Seria muito melhor nós pagarmos o que a ditadura militar cobrava, que era 35%, 45%. Roberto Campos e Delfim cobraram numa boa. A classe média chiou - estão lá os artigos no Estadão, "Traição à classe média" -, quando eu houve essa cobrança, mas seria muito mais, mas seria muito mais fácil do que inventar um imposto sobre grandes fortunas, que é muito complicado mesmo.
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É algo que taxa pessoas e fica conhecido como grande alvo dos ladrões, etc. É muito melhor colocar logo 35% ou 45%, que aumentaríamos os recursos e aí, sim, iria incidir no percentual do PIB.
Mas a minha última colocação, então, como eu dizia, é em relação à própria fala do Senador. Concordo plenamente, Senador, quando V. Exª coloca a educação como projeto de futuro. Era aquilo que eu aprendi com o Jamil Cury lá no Conselho Nacional de Educação.
Ele dizia: "João, educação, mais do que projeto de comunicação, de socialização, de desenvolvimento humano [que são também, a escola de qualidade é tudo isso] é um projeto, é um sonho de famílias, é o sonho da sociedade, é um sonho de cidade." Que cidade de Tocantins não quer ter um campus do Instituto Federal do Tocantins?
Eu acabei de ir a Arinos, no interior de Minas Gerais. A cidade mudou completamente depois do campus do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais presente na cidade.
Estive em Tabira, em Pernambuco, lá no Pajeú, Cristovam. Em Tabira estava diminuindo a população ano a ano. Com a UAB, a Universidade Aberta do Brasil, que está suspensa praticamente por falta de recursos, formaram-se catorze cursos superiores, em uma cidade de 18 mil habitantes. Precisam ver que coisa linda toda semana um encontro presencial de 400 a 500 jovens. A cidade rejuvenesceu e está aumentando novamente sua população, dando outro ânimo.
É aquele dado impressionante que o Antônio Barbosa colocou - e eu sempre o cito também, Barbosa -, no sentido de que o ano de 1964 foi quando houve o emparelhamento: 50% rural e 50% urbano. É realmente uma coisa complicadíssima.
Hoje, no Brasil, posso dizer que estamos pagando um preço terrível por não termos ocupado economicamente o nosso País. Eu viajei, de carro, de Fortaleza até Brasília. Foram 2.400 quilômetros, e o que eu mais vi foi arame farpado cercando terras, essas mesmas terras que estão pagando R$1,66 de ITR, mas não têm produção, não têm uso econômico. E o futuro das pessoas não está ligado ao desenvolvimento daquela terra, mas a todo mundo está correndo para cidades para pegar as migalhas o capitalismo.
Então, mais uma vez, agradeço e, conforme disse, eu vou transformar essas minhas considerações em um texto mais robusto e o passarei ao mandato do Senador Cristovam, a quem agradeço novamente esta oportunidade.
Esperemos que a tramitação tanto da medida provisória como da PEC 241 não venham frustrar os sonhos de ambos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Permitam-me dizer só uma coisa.
Eu fui fazer campanha, na segunda-feira, em Cuiabá. Estava caminhando pela Avenida Treze de Junho e parei para defender um candidato - não vou usar a TV Senado para falar, mas não é difícil saber qual - e um dos argumentos foi educação.
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Uma pessoa me disse: "Educação, todos têm que defendê-la. Todos têm que botar os 25%."
Nós nos acomodamos nisso. Não estou aqui defendendo erradicar, acabar com a vinculação, até porque seria um gesto muito temerário de minha parte, mas nós nos acomodamos com a ideia de que há uma obrigatoriedade e de que esse dinheiro irá e será bem gasto. Há gente que, para gastar os 25%, faz uma estrada na frente da escola e consegue, com isso, justificar. Eu tenho a impressão de que a gente precisa dar um choque na população para que ela diga: "Eu vou brigar para ter mais recursos."
Aquela ideia de 2013 pela educação não vem, não, porque está protegida direitinho, está cheia de regras que fazem com que vamos gastar em educação. Para que se mobilizar? É nesse sentido que a gente tem que pensar um pouco. E, sem falar na ideia da inflação, não podemos definir que vai mais dinheiro se o dinheiro é falso, porque o dinheiro não tem o valor que está escrito ali na hora de comprar de coisas.
Desculpe ter falado.
Eu passo a palavra para o Célio.
O SR. CÉLIO DA CUNHA - Eu acho que, com bastante brevidade, há duas coisas muito rápidas. Acho, Senador, que uma nova LDB tem que ter cheiro do Brasil, dos diversos brasis. É uma questão que nós não tocamos. Precisamos tocar com profundidade maior a questão das desigualdades e dos diferentes brasis. O que leva naturalmente, acho, àquilo que o Antônio Barbosa colocou: a um repensar do sistema federativo. Então, esses diversos brasis, acho que a LDB tem que ir ao encontro deles.
A segunda colocação em que nós temos que ter uma consciência é que a educação por si só não opera milagre. Se milagres existirem, eles partem de um projeto global de país. E, dentro desse projeto global de país, nós temos que ver qual é o lugar da educação. Eu acho que o Senador Cristovam, em sua própria trajetória, viveu isso. Nenhuma política de educação avança, por exemplo, se ela não tiver um pé no Palácio do Planalto, se ela não tiver um gesto concreto do Presidente da República dizendo: "Vou apoiar isso."
Falta ao Brasil esse projeto global de nação brasileira, esse projeto global que vem sendo escrito e construído, já há muitas décadas, por aqueles que nós poderemos chamar de os descobridores, os grandes intérpretes do Brasil. Quem são esses grandes intérpretes do Brasil? É um Caio Prado, é um Nelson Werneck Sodré, é um Euclides da Cunha, é um Graciliano Ramos, é um Celso Furtado, é um Paulo Freire, é um Darcy Ribeiro.
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Eles são os grandes inventores deste Brasil.
Então, nesse projeto de Brasil, acho que falta à Nação assumir um projeto de longo prazo. E, dentro desse projeto, o lugar da educação, como grande ferramenta para alavancar esse grande projeto de país, vem sendo historicamente construído em âmbito nacional. Só falta realmente isso se transformar nesse grande projeto de Brasil, num projeto moderno, sem dúvida, mas com essas raízes do Brasil. Então, será certamente a partir dessas raízes do Brasil que aquele sonho do Senador Cristovam e de todos nós vai poder se realizar com maior desenvoltura ou com maior facilidade. Com o assentamento nas raízes, a partir dessas raízes, é que nós vamos alçar voos mais altos e alçar voos para o futuro.
Nós não podemos deixar de considerar que o Brasil - isso é fundamental - é o maior país africano fora da África. O Brasil é um país - Darcy Ribeiro falava muito isso - que está se fazendo, é um país mestiço. Na medida em que essa LDB conseguir liberar essa criatividade nacional, aí sim, a ideia de escola para todos... E, quando eu me referi a que o sistema educacional brasileiro precisa se abrir, que ele não está preparado para uma inclusão completa, é porque, nesse século XXI, Senador, nós não podemos perder nem que sejam 20 minutos por semana e temos que abrir uma janela que possa oferecer algum tipo de educação para todos.
Essa educação extremamente formal do Brasil hoje vem impedindo isso. O mundo mudou, as cabeças mudaram e nós temos que ter hoje, acho, uma nova concepção de um sistema nacional de educação e de um sistema verdadeiramente inclusivo, com vários caminhos, com várias janelas e com uma grande versatilidade, de forma a aproveitar e de forma até a transformar o País. Isso, de certa forma, já existe naquela grande ideia da Unesco de cidades educadoras. Eu acho que isso é um negócio absolutamente necessário nos dias de hoje.
Para encerrar, é um projeto que, acho, vai ao encontro das ideias do Darcy Ribeiro no seu livro O povo brasileiro. Eu acho que essa é a matriz antropológica, é a matriz filosófica de um novo projeto de LDB, assentado nas raízes dos diferentes brasis, e a partir daí vamos alçar voos. É o respeito a essas raízes o que legitima um projeto de educação, um projeto de país.
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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Obrigado.
Prof. Antônio.
O SR. ANTÔNIO JOSÉ BARBOSA - Efetivamente sintético.
Em primeiro lugar, eu não acredito que a lei, por melhor que seja, tenha o dom de moldar por completo a realidade, que é multifacetada, a vida das sociedades.
Em segundo lugar, eu acho que o Brasil não pode fugir do debate da repactuação do nosso federalismo, exatamente para que seja definido com clareza e nitidez o papel da União em determinados setores, como é o caso da educação.
E, finalmente, terceiro ponto: se tivermos que ter uma nova LDB, que acompanhe inclusive as transformações vividas pelo País nos últimos 20 anos, que ela seja a mais sintética possível e que seja calcada na realidade efetiva do Brasil e da escola brasileira.
A todos, muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Professora Dorinha.
A SRª PROFESSORA DORINHA SEABRA REZENDE - Bom dia. Quero agradecer.
Na verdade, eu penso que este debate... Eu particularmente acho que nós temos um conjunto de leis já bastante consolidadas, suficientes. Reforço o Plano Nacional de Educação, inclusive com os mandos legais que o plano tem para elaborar algumas legislações específicas que estão definidas no plano.
Eu não consigo entender e, assim, separar uma das colocações que o Senador Cristovam faz com grande veemência da ideia de federalização da educação. Eu entendo que, na verdade, é esta a busca: do combate à desigualdade e da educação como prioridade. E eu hoje não vejo perspectiva de isso acontecer; não vejo perspectiva, porque não consigo enxergar isso sem pensar em recurso e financiamento.
E eu não consigo separar isto: vemos os resultados estampados nos jornais dizendo que "os institutos federais de educação são os que tem melhor resultado", quando eu consigo olhar que, enquanto um instituto federal tem um custo médio de R$15 mil por aluno/ano, chegando até, em alguns casos, valores muito maiores - não é, João? -, do aluno de ensino médio regular, cujo custo é três mil, três mil e poucos reais.
É muito comum ouvirmos as pessoas dizerem que a educação já tem recurso suficiente. Quando olhamos os países da OCDE, o quanto o Brasil investe por aluno? Quando olhamos montante do PIB - e não concordo que seja alguma coisa fictícia, ele é simbólico -, a diferença é muito grande. Enquanto o Brasil gasta em torno de dois mil e poucos reais por aluno, a maioria dos países da OCDE gastam mais de R$9 mil. Posso estar errada em termos de números, mas é mais ou menos essa proporção.
A minha preocupação, quando disse que quero esclarecer - e eu votei, inclusive, com relação à emenda do Senador José Serra, da exploração do petróleo -, é que hoje efetivamente a Petrobras não tem dinheiro. Ela não consegue explorar. Vou votar, inclusive, o destaque; aguardo a votação do destaque do Deputado Jordy, que tenta preservar os poços com maior volume de barris para exploração, mas a lei não obriga a repassar para outra empresa; diz que pode. E o percentual está assegurado. Mas o que eu quis dizer em termos da questão da PEC 241?
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Segundo todos estudos que eu já vi da Consultoria da Câmara e de outros estudiosos em relação a financiamento, a vinculação dos 18% e dos 25% não existirá mais. Nós vamos ter um retrato do Orçamento executado em 2017; passa a ser ele o retrato do financiamento de educação. A partir desse retrato tirado no final de 2017, nós vamos jogar a correção, o IPCA. Então, se o dinheiro dos royalties ou se o dinheiro do salário-educação, que não está resguardado - só está resguarda a parte de Estados e Municípios -, sobrar do retrato mais o IPCA, aquele dinheiro vai para o caixa geral da União. Não tem garantia de que ele vai para a educação, porque a minha referência, até onde estou entendendo, passa a ser o retrato do executado em 2017. É o retrato; eu não tenho mais 18, não tenho 15, não tenho... Pode pôr 30? Pode pôr. Não vejo essa história.
Eu vejo a história de alguns países - e tive a oportunidade de conhecer a Finlândia, Senador - onde não há vinculação constitucional, mas nenhum gestor lá consegue, tem a coragem de propor uma redução ou o fim de uma vinculação. Eles não têm... Ano a ano, é sempre crescente o investimento.
No discurso do Brasil, ainda existe muito de que a educação tem dinheiro demais; 25% é muito dinheiro. Só que, quando dividimos por cabeça, é muito pouco o que nós investimos. Para nós termos uma educação federal, federalizada no sentido de ter padrões, eu preciso de mais recursos, eu preciso de mais financiamento, porque o que nós pagamos para os professores - nós temos professores níveis A, B, C, D e aqueles que nem poderiam ser chamados de professores -, eles não têm salário atrativo, não tem carreira atrativa, não tem formação boa.
Há alunos que estudam em escola com piscina, e refeitório, e laboratórios; e alunos que estudam - no meu Estado, há pouco tempo, saiu uma reportagem - num lugar, num boteco, com uma mesa de sinuca, um bar, e crianças estudando ali. Eu os chamo hoje para irmos visitar as aldeias indígenas: é vergonhoso o que está acontecendo nas aldeias em relação ao espaço de escola. Mas não é preciso ir à aldeia, não; há escolas, no Brasil, que não poderiam ser chamadas de escola.
Quando falo do padrão de qualidade, de financiamento, eu estou dizendo que é lugar que não poderia ser chamado de escola e é chamado de escola. Quando eu quero que o resultado desse lugar, que não poderia ser nem chamado de escola, seja igual de um instituto federal com toda estrutura, eu estou sendo maldosa com um País com uma grande desigualdade. Por isso - eu penso - a minha resistência em relação à questão do financiamento da educação.
Concordo com tudo que o senhor coloca sobre a questão de cobrança, de padrão de qualidade, de resultado. Tudo isso é um exercício que nós precisamos fazer. A escola tem que ser uma escola boa. Eu não posso usar um cheque em branco falso para um aluno, para ele chegar ao fim do ensino fundamental ou ensino médio, e o conhecimento com que ele chegou ao final do fundamental corresponde a ele estar fazendo segundo ou terceiro ano. Chega ao final do ensino médio, tem um conhecimento, uma aprendizagem correspondente ao 6º, 7º ano.
Eu entendo que isso é um crime que nós fazemos, mas entendo que todo esse processo de construção de base, de formação, passa por financiamento. Eu acho que um documento ou uma legislação só como carta de intenção... Nós precisamos fazer um esforço para investir melhor, cobrando resultados. Mas eu entendo que ainda precisamos investir mais, sim. E não sou eu que estou dizendo; são os números por aluno.
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E, nessa desigualdade de um País em que, no meu Estado do Tocantins, o dinheiro que chega é do FPE e a ajuda do FNDE, via Ministério da Educação, eventualmente uma ou outra parceria, e em alguns Estados, como em São Paulo, onde o salário-educação é o maior, não faz diferença para eles para o investimento, porque há todo um conjunto de recursos muito maior do que do meu Estado do Tocantins, que já é privilegiado, segundo o João, como o último Estado criado, mas que tem realidades ainda muito adversas.
Então, a minha preocupação como pessoa que só lidou com a educação a vida inteira é o risco de muitas das legislações que ainda estão no papel e que para saírem do papel demandam compromissos, investimentos, continuidade, seriedade com políticas públicas. Agora vai entrar um grupo de prefeitos e prefeitas novas, que têm que ter responsabilidade com o que já foi feito. Eles não estão chegando para começarem na terra arrasada. Nós temos que ter uma política no Brasil de continuidade, de responsabilização e, acima de tudo, o desafio de garantir que a educação pública brasileira esteja... E eu concordo com a ideia de não estatal, desde que o meu acordo com o não estatal... Isso porque as escolas do sistema do Bradesco, do Sesc, são escolas maravilhosas, mas o custo é diferente. Então, de novo eu não posso comparar alguém que investe R$15 mil, R$16 mil, R$20 mil, por aluno, com alguém que tem R$3 mil, quando tem R$3 mil, R$3,8 mil para investir por aluno. Eu acho que a escolha pode ser colocada um dia à disposição dos pais, a escolha de modelos de escolas, desde que se tenha garantidas as mesmas condições de trabalho, de funcionamento para cobrar resultados.
Mas eu agradeço muito esta oportunidade, Senador. Acho que esse é um debate que com certeza ainda temos muito a tentar construir, uma vez que o nosso objetivo é o mesmo - educação de qualidade.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Sem dúvida é o objetivo e algumas conclusões, por exemplo, gasta-se pouco em educação. Quando formulei a ideia da federalização, pelos meus cálculos, precisaríamos de R$10 mil de custo, por aluno, para termos uma boa escola. Hoje, depois de sete anos, R$15 mil, que, por coincidência, é o número que você trouxe e que é gasto no Instituto, R$15 mil, que permite pagar R$15 mil ao professor, se as turmas forem de 30 alunos por sala. Com menos que isso, a gente não vai atrair os melhores jovens, a não ser alguns que são tão vocacionados que irão como missionários. A gente tem que atrair aqueles que hoje querem ser médicos engenheiros, o que parece um sonho absurdo. Mas é assim em todos os países decentes. As pessoas não escolhem ser professores porque não passaram em outras carreiras. Não há isso. Eles escolhem ser professores porque é a carreira que eles querem seguir e o salário é compensador.
Então, gasta-se mal o que se gasta, isto é verdade, gasta-se mal! Daria para estarmos melhor com o que se gasta. Mas não vamos chegar ao que a gente quer se não gastarmos muito mais, R$15 mil, entre R$10 mil e R$15 mil, isso é verdade. Eu não sei como os prefeitos vão conseguir isso.
Dentro da ideia, por exemplo, do Célio, eu acho que não vamos conseguir deixando nas mãos... Você falou em colaboração. Eu quero é transferir a responsabilidade para a União, mas mantendo a diversidade.
O SR. CÉLIO DA CUNHA (Fora do microfone.) - Cooperação e responsabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - E responsabilidade. Agora, com conteúdo definido localmente. Ou seja, federaliza-se a carreira do professor, os gastos, a qualidade com a descentralização gerencial e liberdade pedagógica, dentro da sala de aula e no conteúdo das disciplinas.
O SR. CÉLIO DA CUNHA (Fora do microfone.) - A ideia da certificação pode voltar.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - A certificação é um primeiro passo. Quando a gente fizer mesmo a revolução, nem isso vai precisar, pois todos vão ser realmente da mais alta qualidade.
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Quanto ao teto e aos financiamentos, estou de acordo com o risco, mas a proposta, como vi - eu não votei, porque não chegou aqui ainda -, é de que o teto é para todos os gastos, mas nada impede de aumentar os gastos de educação, desde que reduza de outro.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Mas aí é que é preciso, é aí que a gente vai ver quem defende a educação. Porque, quando diz aumenta salário de professor e dos juízes e dos Senadores, todo mundo está a favor.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - Mas e o a mais...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não, aí é outra discussão, vou chegar lá.
Agora, para aumentar salário de professor, vai ter que diminuir de Senador ou de juiz, ou para fazer uma escola talvez tenha que deixar uma estrada para o setor privado se virar e fazer. Eles não usam aquilo para os caminhões deles?
Vamos ter que transferir coisas que não são necessariamente estatais para o setor privado, para gastar menos com porto, estrada e gastar mais em educação. E saneamento? Há quantos anos a gente engana, dizendo que vai fazer porto, estrada, uma capital nova no Planalto Central? E saneamento? Saneamento não chegou.
E aí, minha querida Dorinha - vou chamar assim -, quero vincular os gastos em educação na cabeça do povo, como na Finlândia; na cabeça do povo, o povo tem que sentir que tem gastar é 50%, se for preciso, em educação. De quanto precisa? Aí a gente discute de onde tirar, mas reconheço que não vai ser fácil convencer disso. E, enquanto não convencer, a gente continua nos protegendo para não fazer essa luta?
Recebi a UNE um dia desses. Eu quero que vocês me apoiem agora não é para botar mais dinheiro em educação, isso é fácil! Quero que vocês me apoiem para dizer de onde vou propor tirar dinheiro. Eles não querem. Por que tirar de algum lugar? Veja bem: no Brasil, ninguém entende essa ideia de que tem que tirar de algum lugar. Não entendem; eles não entenderam.
O SR. JOÃO ANTÔNIO CABRAL DE MONLEVADE (Fora do microfone.) - É como o falei do ITR.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Do ITR.
Ah, sim, claro! Tem que tirar! Tem que tirar! As grandes fortunas, mesmo que não vá ser muito, como se fala, mas tem que tirar. Tem que discutir quanto vai do Estado para o setor privado. Quem está disposto a botar o dedo nisso e dizer: "Esse dinheiro vai para a educação pública."
A gente comparou com o instituto federal, mas o Governo gasta mais com subsídio do Imposto de Renda para a escola privada por aluno do que com o filho do pobre. É agora que vamos ver quem é que defende a educação, porque terá que escolher. Não dará para defender a educação e tudo, tudo, tudo mais.
Costa Rica tem uma excelente escola - não vou propor isso -, mas eles fecharam as forças armadas lá, 60 anos atrás. "Não, não queremos Exército, Marinha, Aeronáutica, o dinheiro vai para a educação." O Brasil, com o tamanho que a gente tem, não pode sair daí.
E, aliás, conto para vocês: fiz, durante muito tempo aqui, há algum tempo, um exercício com meninos do ensino médio em que eu ia e colocava para que eles fizessem o orçamento. Eu colocava aqui a coluna com os gastos; aqui, as rubricas, e aqui uma coluna em branco. Disse: gastem o que quiserem, só não podem mudar o total.
Lá em Sobradinho - eu aponto, porque tenho aqui um amigo de Sobradinho -, numa escola, de repente vi um dinheirão para educação. Fui ver, conversando com eles, eles tinham zerado Forças Armadas. Aí eu disse: "Mas e a Amazônia, vocês vão entregar aos gringos? A gente precisa de Forças Armadas para defender. E o litoral brasileiro, vocês vão deixar sem Marinha?"
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Aí, eles reciclaram, reanalisaram e diminuíram o que colocaram em educação. Aí, tiraram de outro lugar.
Esse exercício que eu fiz com crianças aqui, a Comissão de Orçamento faz pouco. Antes de eu ser Senador, eu dizia que, na democracia, a revolução se faz na Comissão de Orçamento. Mas ninguém pensa assim. Eu até brincava e dizia, nos meus cursos de Economia da UnB: "Se um dia eu for Parlamentar, eu vou ser da Comissão de Orçamento e vou vestido de guerrilheiro! É aí que a gente vai fazer a guerrilha."
Eu só quis ser da Comissão de Orçamento uma vez. Nunca mais eu quis, primeiro pelo ridículo das discussões. Eu até entrei agora, porque a Senadora Rose insiste que eu esteja lá. E, segundo, porque está tudo ali arrumado. De vez em quando, chega alguém e diz: "Assine aqui uma emenda." Você não sabe o que é e, de repente, vai descobrir que foi uma estrada cuja licitação quem ganhou foi um conhecido dele. Preferi ficar fora esse tempo todo.
Agora, não. Se sair a ideia do teto, a gente vai ter que brigar para ter mais dinheiro, e isso pode ser positivo, apesar de arriscado. Felizmente, está até protegida a educação nos primeiros anos, mas pode-se aumentar a educação, desde que se tire de algum lugar. E, de fato, no Brasil, hoje não há muito lugar de onde se tirar. Sabem por quê? Porque não fizemos essa lei 50 anos atrás. Aí, fomos nos acostumando a vincular tudo, a botar tudo, a fazer tudo. Agora, não tem. É aumentar salários de todos nós, fazer essa mordomia que temos aqui dentro.
Aliás, alguém tem de pensar nisso do teto. Como a gente vai congelar, pelo menos, os salários no teto, por alguns anos? Nem inflação. Nem inflação. Quem ganha mais do que tanto, no setor, fica congelado, sem nem ao menos inflação. Porque a gente briga muito por mais salário para professor, mas não basta aumentar o salário do professor. É preciso diminuir a diferença entre o professor e os outros. Se você sobe o de professor e sobe os outros, os jovens continuam sem querer o magistério. É preciso diminuir a diferença. Diminuir a diferença significa diminuir o dos outros. Como a Constituição proíbe diminuir, a gente pode até usar uma pequena inflação, congelando os que estão lá em cima, porque, aumentando-se os salários mais baixos, vai diminuindo a diferença.
A gente vai começar a fazer política no dia em que descobrir que o Orçamento não dá para tudo. É aí que a gente vai começar a fazer política. Não se faz política no Brasil, porque o Orçamento dá para tudo, graças ao truque maravilhoso inventado de que só tem quatro, mas a gente gasta dois numa coisa e três em outra. Como a gente fez a mágica de só ter quatro e gastar cinco? É a inflação. A gente gasta cinco, mas só valem quatro. A gente tira um pela inflação, inflação de 20%. É assim que a gente tem levado o Brasil: na orgia do presente em vez da urgência do futuro, como você falou.
Bem, eu quero lembrar que nós vamos ter mais uma reunião como esta, com outras pessoas, para discutir a LDB. E, por pedido do Presidente da Comissão, convoco para o dia 1º de novembro, terça-feira, em caráter excepcional, às 11h45, reunião extraordinária desta Comissão, destinada à deliberação de diversas proposições.
Nada mais havendo a tratar, agradeço muito a presença de vocês. Isso aqui vai se transformar num livro, num texto. E declaro encerrada esta reunião. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 46 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 40 minutos.)