10/05/2017 - 10ª - Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Assuntos Econômicos

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Declaro aberta a 2ª Reunião Conjunta das Comissões Permanentes, sendo a 10ª Reunião da Comissão de Assuntos Sociais e a 16ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura do Senado Federal.
Convido o Senador Cidinho Santos e o Senador Paim a buscar o eminente Ministro Ives Gandra e o Dr. Ronaldo Curado Fleury, que é Procurador-Geral do Trabalho.
Antes de iniciar os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura e aprovação da ata da reunião anterior.
Os Srs. Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A presente reunião será dividida em duas partes: uma, pelo comparecimento do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Procurador-Geral do Trabalho, conforme Requerimento nº 28, de 2017, da Comissão de Assuntos Econômicos; e o debate entre os demais oradores convidados, compondo a segunda audiência pública do ciclo de debates sobre a proposta de reforma trabalhista, conforme pauta que já foi amplamente divulgada.
Ao encerrar, já convoco os Srs. Senadores para a próxima reunião, imediatamente a seguir, a 11ª, em que será feita a leitura do relatório da Mensagem nº 22, da recondução da Srª Simone Sanches Freire ao cargo de Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Hoje a Comissão de Assuntos Sociais realiza a segunda audiência do ciclo de debates destinados a discutir a proposta da reforma trabalhista, que agora chegou ao Senado. Esta audiência está sendo conjunta com a Comissão de Assuntos Econômicos, que é presidida pelo Senador Tasso Jereissati.
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Na nossa primeira audiência, que foi realizada no último dia 12, nós discutimos o legislado versus o negociado. E hoje o tema da pauta são os contratos de trabalho. É um tema complexo, e aqui, na nossa Comissão, estaremos fazendo hoje a instrução, para os Srs. Senadores, de um tema que já vimos discutindo há algum tempo.
Eu cito, por exemplo, o PLS 218, do ano passado, que regulamenta o contrato de trabalho intermitente, que é da autoria do Senador Ricardo Ferraço, com relatoria do Senador Armando Monteiro. Para instruir esse PLS, houve, no ano passado, uma audiência pública que contou, inclusive, com a colaboração do Ministro Ives aqui, para discussão. O parecer elaborado pelo Senador Armando acabou não sendo deliberado aqui na CAS, em decorrência da aprovação do requerimento da oitiva pela CCJ e pela CAE, mas chegou a ser lido aqui no último dia 5 de abril.
Também se encontra pautado na CAS o PLS 411, que regulamenta o fracionamento de férias, de autoria do Senador Deca, com relatoria do Senador Wilder Morais. O Senador Wilder protocolou uma primeira versão de seu parecer em dezembro do ano passado. Nova versão foi apresentada no início deste mês. E agora se encontra, após a leitura em nossa reunião do dia 19 de abril, na pauta, sob vista coletiva do nosso Colegiado.
Isso só para citar dois projetos que estão na Casa, mas nós temos mais de uma dezena de projetos dessa área aqui na Comissão de Assuntos Sociais.
A nossa intenção é aprofundarmos hoje essas questões que foram colocadas.
Eu vou passar a palavra para os dois expositores, por 15 minutos cada um. Depois, cada um pode fazer as perguntas. Podemos ter uma conversa entre os dois, que acho que poderia ser bastante profícua. E depois nós encerramos esta parte da audiência, com as perguntas dos Senadores.
Após o encerramento, teremos uma segunda Mesa, com dois oradores a favor e dois oradores contrários ao que veio da Câmara.
Passo a palavra ao eminente Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Ives Gandra Martins Filho, por 15 minutos.
O SR. MINISTRO IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Bom dia a todos.
Queria, inicialmente, cumprimentar a Senadora Marta Suplicy, Presidente desta Comissão e amiga pessoal e familiar de longa data. Queria cumprimentar os Srs. Senadores aqui presentes a esta audiência pública e o Dr. Ronaldo Fleury, do Ministério Público, também colega e amigo, já que eu sou oriundo também do Ministério Público.
Eu queria, em primeiro lugar, cumprimentar a Comissão de Assuntos Sociais e a própria Comissão de Assuntos Econômicos por promover esta audiência pública. Acho que nós temos que discutir este projeto, e que impere, fundamentalmente, a força dos argumentos. Nós temos que superar preconceitos. Sempre tenho dito que não é no grito, não é com qualquer tipo de terrorismo, ou, eventualmente, confundindo a população dizendo isso ou aquilo, qualquer que seja o matiz. Nós temos que fazer com que prevaleçam os bons argumentos que expliquem a situação em que se encontram as relações de trabalho no Brasil e que expliquem o que este projeto pode trazer de bom ou, eventualmente, de ruim. A segunda ideia que eu queria também dizer é que me sinto muito honrado com o convite feito pela Senadora Marta Suplicy para ser ouvido, sabendo - e isso eu acho que é importante também nós frisarmos - que as opiniões estão muito divididas. No meu próprio Tribunal, há Ministros que pensam de uma forma e Ministros que pensam de outra. No próprio Ministério Público, há Procuradores que pensam de uma forma e Procuradores que pensam de outra. Tanto é verdade que, quando participei da audiência pública na Câmara dos Deputados, deixei claro que estava externando a minha opinião pessoal. E me espantei - até comentei - com o Dr. Ronaldo Fleury, porque ele dizia que falava pelo Ministério Público contra a reforma, e eu dizia: "Olha, muitos Procuradores pensam de outra forma."
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Portanto, quero externar aqui a minha opinião pessoal em relação ao projeto. Ela é acompanhada por muitos Ministros, embora haja outros Ministros que pensam de forma diferente.
A terceira premissa, para eu depois me deter em alguns pontos concretos, principalmente do PLC 38, é que, em face do princípio da dialeticidade, em que nós estamos colocando aqui uma pessoa que pensa de uma forma e outro que pensa de outra - acho que, num regime democrático e pluralista, nós temos que ouvir todas as opiniões; e ficou claro, Dr. Ronaldo, na audiência da Câmara, que nós divergimos um pouco em relação à reforma trabalhista e em relação ao próprio projeto de lei que foi agora encaminhado para a Câmara -, como os aspectos negativos, possivelmente, vão ser tratados pelo Dr. Ronaldo, eu vou procurar expor aqui o que eu vejo de mais positivo neste projeto, também me colocando aqui, depois, para nossas dúvidas ou discussões, sabendo que, se me convencem do contrário... Eu não tenho nenhuma vergonha de mudar a minha opinião se, com a força dos argumentos, me convencem de que eu estou equivocado.
Então, postas essas premissas, eu destacaria que, no meu modo de ver, os três principais avanços que este projeto de lei, PLC 38, traz são: em primeiro lugar - e eu acho que esse é a espinha dorsal do projeto de lei -, prestigiar a negociação coletiva, exatamente na linha do Supremo Tribunal Federal, na linha da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, e na linha das próprias resoluções da OIT: a Resolução 98 e a Resolução 154. O que eu vejo? A fórmula que eu, pessoalmente, teria preferido seria uma fórmula mais simples: dizer o que não é passível de flexibilização, de forma bem simples; e, ao mesmo tempo - foi o que falei na Câmara dos Deputados -, colocaria, para cada direito flexibilizado, a possibilidade de uma vantagem compensatória ao trabalhador, de tal modo que o patrimônio jurídico do trabalhador, como um todo, não sofreria qualquer decréscimo. Então, se se flexibiliza, por exemplo, redução de salário ou jornada, como a Constituição permite, haveria a possibilidade de alguma vantagem compensatória - vamos aumentar um pouquinho o reajuste do vale-alimentação ou alguma outra vantagem compensatória. Vejo que o projeto adotou um critério diferente. Qual foi o critério? Vamos elencar o que é passível de flexibilização, quase que exaustivamente - mas continua sendo exemplificativo dizer o que é passível e o que não é passível de flexibilização; ficaram dois róis muito extensos -, estabelecendo aquilo em que nem eu acreditava que se conseguiria certo consenso entre trabalhadores e empregadores, que a principal vantagem compensatória seria a garantia de emprego. Realmente, em alguns casos em que eu tive a oportunidade de tentar fazer a negociação - e acabei conseguindo fazer acordo -, por exemplo, no setor aéreo, muitas vezes as empresas aéreas diziam: "Nós damos qualquer outra vantagem compensatória, mas conseguir garantir o mesmo nível de emprego e os mesmos empregos, para nós, fica difícil." E o projeto está contemplando isto: se houver flexibilização, vai ter que haver garantia de emprego. É o que mais nós esperamos numa época de crise. A flexibilização da legislação trabalhista prevista constitucionalmente é especialmente para os períodos de crise econômica, e, nesses períodos, o que o trabalhador mais quer é a garantia do emprego. Então, essa foi a opção do projeto, o PL 6.787, que hoje é o PLC 38 aqui.
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Conversando até com Deputados, à época em que estavam discutindo essa questão, e recentemente com os Senadores, perguntei: por que essa opção de dois róis mais exaustivos? Principalmente por segurança jurídica. Em vez de deixar a coisa um pouco abstrata do que não pode e do que pode ficar muito em aberto, vamos dizer claramente o que pode e o que não pode, para que o próprio juiz - no meu caso e no da magistratura trabalhista - tenha parâmetros muito mais claros.
O segundo ponto que eu considero um grande avanço do PLC 38 foi a parametrização dos danos extrapatrimoniais. Atualmente, nós não temos dispositivo nenhum na CLT que trate de dano moral, de dano material ou de toda a responsabilidade que é chamada hoje de responsabilidade civil - não temos dispositivo nenhum na CLT. O PLC 38 cria todo um capítulo. Hoje, em tudo que diz respeito a danos extrapatrimoniais, a Justiça do trabalho se louva no quê? No Código Civil. Louva-se no Código Civil, quando a Constituição é clara em estabelecer, em apenas três dispositivos, os parâmetros: que são o art. 5º, incisos V e X; e, principalmente, na Justiça do trabalho, em que só existe um dispositivo, que é o art. 7º, inciso XXVIII, que admite indenização por dano moral, mas submete a responsabilidade subjetiva do empregador, ou seja, só no caso de dolo e culpa. O que acabou acontecendo? A Justiça do Trabalho ampliou, para admitir a responsabilidade objetiva.
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Exemplo: acontece um acidente de trânsito, terceiro que abalroou o carro do trabalhador que estava indo ao trabalho e a empresa empregadora vai ter que pagar. O que acontece? Hoje isso está no Tema 920, no Supremo Tribunal Federal, para decidir se é possível, pela Constituição Federal - só se admitindo, na Justiça de Trabalho, a responsabilidade subjetiva -, admitir-se a aplicação de uma responsabilidade objetiva. O que o PLC 38 diz? De acordo estritamente com a Constituição, só é possível a responsabilidade subjetiva.
Ao mesmo tempo - eu achei interessante -, ele coloca parâmetros, define parâmetros e limites para as indenizações. Isso, para nós juízes, é fundamental. No Tribunal Superior do Trabalho, uma das maiores dificuldades que nós enfrentamos - e ainda não conseguimos resolver - é como estabelecer parâmetros comparativos para estabelecer indenização quando um determinado fato ocorre. Um tribunal aplica uma indenização de, por exemplo, R$3 mil, e o outro vai aplicar uma indenização de R$300 mil para o mesmo fato. Ou nós estamos materializando um dano de forma mínima, que realmente não ressarce o trabalhador, ou, então, nós estamos exagerando. E pode acontecer o que acontecia em época de guerra: às vezes o soldado que não queria enfrentar a batalha arranjava um ferimento, em geral era sempre na mão esquerda, em algum dedo, para poder não ter que ir para a batalha. Às vezes, com uma coisa dessa, se você começa a admitir indenizações muito elevadas, o trabalhador pode acabar até provocando um acidente ou deixando que aconteça, porque para ele vai ser melhor. Então, não podemos admitir algo do gênero: nem a indenização ser muito baixa, nem a indenização ser elevada demais.
Terceiro aspecto que também acho que foi um avanço significativo: a questão da simplificação e racionalização judicial. O que nós tivemos nesse projeto, e eu vi e louvo o Relator por ter acolhido sugestões neste sentido: fazer aquilo que o Ministro Luís Roberto Barroso dizia, na segunda-feira passada, no Tribunal Superior do Trabalho, dando uma aula magna aos nossos novos juízes alunos. Ele dizia o seguinte: nem o Supremo Tribunal Federal, nem o TST, nem o STJ aguentam mais a quantidade de processos que recebem. O Supremo Tribunal Federal hoje tem 320 temas de repercussão geral para decidir. Se for decidir todos, agora, pegando todas as quartas-feiras para deliberar e decidindo mais de um tema por sessão, vai levar de dez a doze anos para resolver. A população não pode esperar, a sociedade não pode esperar. O que acontece? Hoje, TST, Supremo e STJ têm uma carga de trabalho muito maior do que têm condições de resolver.
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O que faz o projeto em relação ao TST? Densifica o chamado critério de transcendência, que hoje está previsto na CLT como um filtro de recursos para chegar ao TST, e densifica, dando critérios, dando parâmetros. Era isso que faltava para que nós pudéssemos aplicar esse critério. O que significa? Eu me lembro de quando saiu o critério de transcendência e dizia que só serão analisados pelo Tribunal Superior do Trabalho os processos que tenham transcendência jurídica, econômica, política e social. Quantas vezes eu recebi telefonema de trabalhador pedindo: "O meu processo não tem transcendência, já teve duas instâncias para resolver, não precisaria de uma terceira!"
Depois, então, o trabalhador quer um processo mais rápido, a empresa não quer ficar com a espada de Dâmocles na sua cabeça, não sabendo o que tem que pagar e o que não tem que pagar.
(Soa a campainha.)
O SR. MINISTRO IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - E, por último, nós temos que conseguir que as decisões de segunda instância sejam mais definitivas. Se tudo vai para o TST, se tudo vai para o Supremo, simplesmente nós ficamos numa insegurança jurídica muito grande para a empresa e um tempo que o trabalhador não pode aguardar. O salário tem caráter alimentar, não há possibilidade de ficar esperando dez, quinze, vinte anos por uma decisão. Uma empresa não pode ficar com passivo, esperando que uma hora vá estourar essa bomba-relógio. Então, é bom que se resolva rápido.
Outros tópicos - para ser mais rápido -, vou só enumerar aqueles que acho que foram muito positivos nesse PLC 38. Primeiro, estímulo aos meios alternativos: arbitragem, conciliação através dos representantes de empregados, mediação. Uma das coisas pela qual a Justiça do Trabalho não tem condições de receber a quantidade de processos é porque não há nenhum filtro prévio que permita que determinados problemas já sejam resolvidos pela própria empresa, dentro da empresa, através de arbitragem, através de conciliação. Nós recebemos uma quantidade de processos tal que nem o juiz de primeira instância dá conta, muito menos os tribunais regionais ou o TST. Então, louvo os estímulos aos meios alternativos.
Tópicos isolados, vou só tocar em três tópicos aqui que acho que são importantes. Acho que resolver o problema de equiparação salarial em cadeia foi muito bom. O que nós estávamos tendo, enfrentando, muitas vezes, era um determinado trabalhador conseguir uma decisão favorável a ele por equiparação e, de repente, aquele que não tem a diferença, tem uma diferença de tempo de trabalho muito maior que dois anos ser beneficiado. Se, eventualmente, nós temos um erro judiciário num processo, ele vai, em cadeia, se espalhando e você tem, por um eventual erro judiciário, toda uma empresa com elevação de salário, porque um vai pedindo em comparação com outro. E desde que haja - vamos dizer assim - as mesmas condições de trabalho, a mesma função do último da cadeia, ele pode receber. Então é um ponto que o projeto veio corrigir essa distorção temporal.
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Permite flexibilização do intervalo intrajornada. Isso é típico ponto que é importante esclarecer, até para própria a população. Não se está reduzindo, primeiro, obrigatoriamente o tempo de refeição para trinta minutos. Está simplesmente dizendo: se o trabalhador, os sindicatos e as empresas quiserem, podem reduzir, tendo em vista as condições em concreto.
O que eu tenho visto em muitos processos que chegam ao Tribunal Superior do Trabalho? O trabalhador quer ir mais cedo para casa, ele não quer ficar aquele tempo todo na empresa. Ele almoça em meia hora e, depois, tem que ficar em algum canto da empresa esperando passar outra meia hora. Ele quer ir mais cedo para casa, a empresa quer fechar a barraquinha mais cedo. Por que nós, ou o Poder Judiciário ou o Poder Legislativo, vamos obrigá-lo a ficar aquela uma hora? Tanto que, no setor de transporte, nós tivemos que aceitar. Mudamos até a nossa própria súmula. Por quê? Porque o pessoal queria chegar no destino mais cedo. Então, eu acho também positiva a possibilidade de flexibilização do intervalo intrajornada.
Também acho muito positiva a sanção que está sendo colocada hoje para a questão de litigância de má-fé. O que corre? Hoje, o empresário é punido por litigância de má-fé, mas nós estamos cansados de ver, e isso é uma prática que é coibida até pela OAB - até pela OAB -, por exemplo, a captação de clientela. Ontem, nós julgamos um caso emblemático na SDI-2 do TST de advogados que estavam usando trabalhadores, usando o nome dos trabalhadores para pleitear em juízo. Faziam acordo e eles recebiam o dinheiro, sequer era o trabalhador. E em alguns desses casos de captação de clientela não é o trabalhador que procura o advogado, é o advogado que oferece, para ver se não quer entrar com algum processo, propondo horas extras e coisas do gênero.
O que o projeto prevê nesses casos? Aplicação de multa por litigância de má-fé ao empresário, ao trabalhador e mais: à testemunha, porque muitas vezes é aquela testemunha que faz troca de favores. A testemunha depõe em favor de uma e essa uma vai depor no processo da outra.
Em suma, haveria muitos pontos e questões que nós poderíamos destacar aqui. Tenho dito, tanto lá no Tribunal, para colegas, como para Parlamentares: há pontos para aperfeiçoamento do projeto? Sim, não tenho dúvida, porque toda obra humana é imperfeita e passível de aperfeiçoamento. Um dos pontos, por exemplo, sobre o qual eu cheguei a conversar com o relator na Câmara dos Deputados: quando se coloca neste projeto resolver problema também de terceirização. Eu ainda não desisti da visão que tenho da distinção entre a atividade fim e a atividade meio, para resolver o que é lícito e o que é ilícito em matéria de terceirização. Eu não generalizaria, tudo é possível, mas eu passaria para a empresa definir o que é a atividade fim dela.
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O problema nosso, como juiz do trabalho, como procurador ou como auditor fiscal do trabalho, é querer definir o que é atividade fim e o que é atividade meio. Acho que nem os senhores aqui conseguiriam. Agora, se nós dizemos que a empresa define o que é a atividade fim dela e aquilo ela não vai poder terceirizar, ela vai pensar: "Isso que é a minha atividade fim? Isto aqui eu sei que não posso ter - e isso eu não compreendo -: dois trabalhadores trabalhando ombro a ombro na mesma atividade, na mesma empresa, um terceirizado e um da própria empresa, um ganhando x e o outro ganhando x/2. Mas...
(Soa a campainha.)
O SR. MINISTRO IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - E a última, só para concluir.
O último tópico em que eu acho que caberia um eventual aperfeiçoamento seria... E aí, também, como eu vejo que a reforma é algo muito importante, pode-se fazer, ou aqui no Senado ou, eventualmente, na base de veto a algum dispositivo, o art. 702 do projeto, que prevê um quórum mínimo para a adoção de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho, quórum mínimo de dois terços. Por um lado, seria, vamos dizer assim, um dispositivo que só estaria vigendo para o Tribunal Superior do Trabalho; outros tribunais superiores ou outras justiças não teriam. E é uma via de mão dupla. Se se pensa que, com isso, vai-se conseguir fazer com que não sejam editadas súmulas que possam impactar demais no domínio econômico, o que aconteceria é o seguinte: às vezes, a súmula pode ser favorável ao trabalhador ou ao empresário e a pacificação da jurisprudência não vai ser feita tão rapidamente. E mais: acaba sendo um dispositivo inócuo. Por quê? Porque hoje, pela Lei 13.015, de 2014, o Tribunal Superior do Trabalho, em incidentes de recurso de revista repetitivo, pode estabelecer precedentes com caráter vinculante e estabelece uma tese, ou seja, ao estabelecer essa tese, essa tese tem o mesmo efeito de uma súmula, só não vai se chamar súmula e não vai ter um número, vai ter um número de tema. Portanto, eu sugeriria, se esse dispositivo, eventualmente, passar aqui, que seja vetado, porque realmente é algo que não contribui tanto para a pacificação.
Em suma, concluo que o projeto, no seu conjunto, é um avanço significativo para melhorar, harmonizar as relações de trabalho no Brasil. Por quê? Porque, no meu modo de ver, gera mais segurança jurídica, nós temos parâmetros muito mais claros e eu, como juiz, me sinto muito mais confortável em decidir com parâmetros claros. Segundo, ao gerar segurança jurídica, gera, no meu modo de ver, empregos. As empresas têm mais possibilidades, mais interesse em contratar no momento em que tiver mais segurança jurídica. Com isso, tenho a impressão de que nós daríamos ao Brasil um grande avanço para harmonizar as suas relações de trabalho, gerar renda, gerar produção e gerar emprego.
Essas eram as considerações que eu tinha a fazer.
Muito obrigado.
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Ives Gandra Martins Filho, pelas suas considerações.
Vamos passar agora a palavra ao Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho, Dr. Ronaldo Curado Fleury, obviamente, pelo mesmo tempo que foi utilizado pelo Ministro do Tribunal.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Senadora, antes de começar o meu tempo, tenho uma apresentação para colocar no telão, por favor.
Em primeiro lugar, é até um ponto do qual eu não ia tratar, mas como foi tratado... (Pausa.)
Perdão, gostaria de agradecer o convite, Senadora Marta Suplicy, Senador Tasso Jereissati.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - O senhor me desculpe! Como o Tasso entrou no meio da apresentação do Dr. Ives, não quis interromper. Está agora presente o Senador Tasso Jereissati, Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos. Como já havia dito e reitero, esta é uma audiência conjunta das duas Comissões para discussão dos contratos de trabalho. O senhor me desculpe.
O Senador gostaria de fazer uso da palavra?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, continuamos a discussão com o Dr. Ronaldo.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Senadora Marta Suplicy, Presidente da CAS, Senador Tasso Jereissati, Presidente da CAE, em nome de quem peço licença para cumprimentar todas as Senadoras, todos os Senadores, os servidores da Casa, a imprensa, todos os presentes.
É um ponto ao qual não ia me referir, mas, como o Ministro Ives se referiu, sinto-me na obrigação: o convite feito foi ao Ministério Público do Trabalho. Eu, na qualidade de Procurador-Geral do Trabalho, só me sinto autorizado a externar aqui a posição da maioria dos procuradores do trabalho. Sem qualquer medo de errar, posso afirmar que mais de 99% dos procuradores do trabalho... Porque essa matéria está sendo uma matéria extremamente debatida também em nosso seio, obviamente, eu trago aqui a posição institucional do Ministério Público do Trabalho - até a Vice-Presidente da nossa Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Drª Ana Cláudia, está aqui presente - e é também a posição da nossa ANPT.
Antes de iniciar...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, Dr. Ronaldo. É só porque não consegui entender o número. São 99%? Só isso? Foi isso o que entendi?
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O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Para não afirmar 100%, como não consegui ouvir 782 procuradores.
Vou procurar fazer a apresentação trazendo aqui não só exemplos de reformas semelhantes que ocorreram em diversos países, reformas trabalhistas também motivadas por crises econômicas, mas também o que ocorreu com o Direito do Trabalho, o que ocorreu com o contrato de trabalho, o que ocorreu nas relações sociais em decorrência dessas reformas. A partir daí, vou tentar trazer subsídios técnicos e subsídios práticos da realidade vivenciada por procuradores do trabalho em todo o Brasil, em todas as áreas abarcadas pela reforma trabalhista.
Antes de eu iniciar, algumas questões são importantes. A primeira é que o projeto de lei encaminhado pelo Governo para a Câmara dos Deputados, Projeto de Lei 6.787, possuía, salvo engano, sete artigos. Na discussão que se operou naquela Casa - tive a honra também de participar de audiências públicas, e vários outros procuradores por mim indicados também participaram -, discutiram-se os sete artigos da proposta. O que foi aprovado foi um substitutivo com mais de cem artigos, entrando em matérias que não foram sequer debatidas nas audiências públicas daquela Casa. Por terem sido aprovadas em regime de urgência, elas não foram debatidas. Não houve qualquer debate.
Então, a primeira matéria que quero trazer é o déficit democrático com relação ao projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, que viola as Convenções 144 e 154 da Organização Internacional do Trabalho. Eu até queria cumprimentar o Diretor da OIT no Brasil, Dr. Peter Poschen, que está aqui presente. O Brasil ratificou as convenções, em que se obriga a, antes, previamente a qualquer proposta de alteração dos direitos sociais, promover amplo debate democrático, ouvindo todas as categorias envolvidas: empresários, empregados, centrais sindicais etc. Aqui está colocada a questão da Convenção 134, no final. Há necessidade desse debate prévio. Isso envolve um problema de constitucionalidade em razão de ser a Convenção 144 uma norma de direitos humanos e de, como norma de direitos humanos, ela ter natureza de norma supralegal. Não poderia, portanto, ser revogada por uma norma ordinária.
A pergunta que se faz e que motivou, pelo que a gente vê, a proposta de reforma se refere à necessidade de criação de emprego e, é claro, ao crescimento econômico. Então, a pergunta que fazemos é: a reforma trabalhista com propostas cria empregos? O que é que gera a criação de empregos?
Um estudo da OIT feito em 2015 envolve 63 países desenvolvidos e em desenvolvimento e analisou o mercado desses países nos últimos 20 anos. Quais as conclusões desse estudo? A primeira é que a diminuição da proteção aos trabalhadores não gera emprego e não reduz taxa de desemprego. Volto a dizer: quem está falando isso não é o Ministério Público, é a OIT, por meio desse estudo.
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Segunda conclusão: contratos indeterminados - e é o caso; temos o padrão da nossa CLT - implicam maiores salários do que outros tipos de contratos, como, por exemplo, contrato de jornada intermitente, que prefiro chamar de salário intermitente, contrato temporário e vários outros tipos de contratos que estão previstos na alteração.
Há alguns exemplos, apenas para demonstrar, de reformas que foram feitas.
Na Espanha, em 2012, foi feita uma reforma flexibilizando o Direito do Trabalho. O que ocorreu? Diminuição de 265 mil contratos indeterminados e de 372 mil vagas a tempo integral. Por outro lado, aumentaram-se 100 mil contratos temporários e 300 mil vagas a tempo parcial.
Aqui, mostro o efeito mais perverso da flexibilização: a maior incidência de desemprego está entre mulheres, jovens iniciando no mercado de trabalho e idosos. Há diminuição de salários em mais de 5%, a média salarial, obviamente.
Qual a conclusão que podemos tirar desse estudo? Há maior precariedade, mais contratos temporários, piores jornadas, trabalhos menos qualificados e salários mais baixos.
Trago isso para uma realidade mais semelhante à nossa, a do México, onde, em 2012, foi feita uma reforma trabalhista também fundada na necessidade de criar empregos e de solucionar a crise econômica etc. Resultado: diminuição de 1,2 milhão de empregos em que a remuneração era acima de dois salários mínimos. De 1,2 milhão, 500 mil recebiam mais de cinco salários mínimos. Por outro lado, o que se criou? Aumento de exato 1,2 milhão de empregos em que a remuneração era entre um e dois salários mínimos. O que aconteceu? A simples troca de empregos protegidos com maiores salários por empregos desprotegidos com menores salários.
Assim ocorreu em vários outros países, como a Grécia, por exemplo. A gente podia até falar que a Espanha cresceu agora, que o número de empregos cresceu neste ano. Realmente, em 2017, cresceu. Mas por quê? Por que a Espanha retomou o crescimento econômico. O que cria emprego? O que cria emprego é o aumento da demanda. O empresário não vai contratar. Se ele tem cem empregados e se esses cem empregados dão conta da demanda que ele tem, ele não vai contratar mais 50 só porque está mais barato. Ele só vai contratar mais 50, se ele precisar de mais 50 trabalhadores para darem conta da demanda que ele tem. Isso é economia. Nunca fui empresário, mas estudei um pouquinho de Economia no curso de Direito. Não imagino que eu, com meu dinheiro investido numa empresa, contrataria mais gente só porque está barato.
Qual é a conclusão da revista Forbes? Estou tentando pegar estudos de empresas que não podem ser chamadas de liberais - desculpa, é o contrário -, que não podem ser chamadas de progressistas, vamos chamar assim. A conclusão é: quando se argumentou pela necessidade da reforma, diziam que deveriam acabar com a suposta rigidez do mercado de trabalho mexicano e que deveriam flexibilizá-lo para torná-lo mais dinâmico. Porém, o mercado de trabalho no México já era muito flexível. A reforma somente o hiperflexibilizou e acabou por criar condições mais precárias de trabalho.
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Lembro que o nosso Direito do Trabalho já prevê o contrato por tempo parcial, o contrato temporário, a própria terceirização. Então, já há uma flexibilidade no Direito do Trabalho brasileiro. E há, inclusive, previsão constitucional - nem estou falando de CLT - para a flexibilização até do salário em situações de crise. O legislador constituinte garantiu, por meio de negociação coletiva, que até o salário fosse flexibilizado, que houvesse diminuição de salário, justamente para que as empresas pudessem se manter em tempos de crise.
Com relação à crise de 2008, uma crise mundial muito forte, o que se observou? Naqueles países com Direito do Trabalho mais flexibilizado, como, por exemplo, Irlanda e Estados Unidos, houve um aumento do desemprego: na Irlanda, mais de 5%; nos Estados Unidos, mais de 3%. Da Espanha, já coloquei o exemplo. Já naqueles em que a legislação é menos flexível, o que ocorreu? Cito a Alemanha, a Itália e a França. Em nenhum dos três países, o desemprego aumentou acima de 2%. Ou seja, conclusão: em tempos de crise é que o trabalhador precisa de mais proteção.
Tenho uma visão um pouco diferente da externada aqui pelo Ministro Ives. Aliás, ainda bem que nós vivemos num País democrático e temos visões diferentes! Acho isso maravilhoso. Quando se fala que há uma conquista com a previsão de uma cláusula compensatória numa negociação coletiva para o próprio emprego do trabalhador, o que estou dizendo para esse trabalhador? Você abre mão do seu direito, e eu lhe dou a possibilidade de sobreviver. Estou negociando com a vida desse trabalhador, com a vida dos seus filhos, com a vida da sua família. Cláusula compensatória não pode implicar a manutenção do próprio emprego, tem de implicar vantagens, além do emprego, porque o emprego é o próprio sustento. A natureza jurídica do salário é alimentar, é alimento.
Não estou aqui, em hipótese alguma, pregando que tenhamos uma legislação rígida a ponto de que as empresas não tenham soluções para momentos de crise. A empresa tem de se manter, a empresa é essencial para que haja emprego, para que haja desenvolvimento econômico. O que temos de ter em mente é que essa flexibilização já existe. Ela tem de ser negociada. Demissão em massa não pode ser feita sem negociação. Se uma empresa mandar embora 200 ou 300 trabalhadores sem qualquer negociação, como está previsto no projeto, penso eu que isso não é humano.
Com relação aos objetivos gerais do PLC, quero dizer que, primeiro, ele subverte a lógica e a realidade das forças do Direito do Trabalho. O que estou querendo dizer com isso? Toda relação humana tem disparidade entre as partes. Por exemplo, o Código do Consumidor. Há o consumidor, que é teoricamente o mais fraco, e o fornecedor, que é o mais forte. O Código do Consumidor, aprovado pelo Congresso Nacional, trata desigualmente as partes que estão em desigualdade, para que, ao final, elas estejam iguais. É a prevalência do princípio da igualdade de todos perante a lei, que está previsto na nossa Constituição.
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E assim tem que ser no Direito do Trabalho. O PLC subverte; ele trata o empregado como hipersuficiente e o empregador como hipossuficiente, ao prever, por exemplo, que, na contratação de PJ, que é totalmente liberada... Eu posso contratar minha empregada doméstica como uma pessoa jurídica, e, ainda que se comprove que usei a "pejotização" como uma fraude, o juiz não vai poder reconhecer que é uma fraude, que ela é verdadeiramente uma empregada. Então, é uma subversão do próprio Direito do Trabalho.
Objetiva também reduzir ou retirar direitos já reconhecidos pela lei ou pela jurisprudência, o que eu pretendo abordar à frente.
Enfraquece os sindicatos com uma meia reforma sindical, porque só ataca a subsistência dos sindicatos e não trata, por exemplo, de uma questão, que está até prevista nas normas internacionais, que é a unicidade sindical.
Permite a negociação coletiva para reduzir direitos, em afronta à Convenção 98, da OIT. É importante se dizer que o Comitê de Normas da OIT já se pronunciou, agora, em fevereiro de 2017 - claro que ainda em relação à proposta do Governo, que era até mais branda que o projeto encaminhado pela Câmara dos Deputados - no sentido de que a convenção coletiva para reduzir direitos viola a Convenção 98, ratificada pelo Brasil.
Fornece instrumentos para o calote dos maus empregadores. Por exemplo, a quitação anual. Todo ano, o empregador, mesmo que não pague, vai fazer essa quitação - e ai do empregado se não assinar - e vai ficar livre daqueles possíveis valores, obviamente. E várias outras.
A questão da terceirização. Eu fiquei até feliz, Ministro Ives, em ver que V. Exª não concorda com a proposta da terceirização ilimitada, como está no PL, porque a terceirização ilimitada vai contra o próprio sistema econômico brasileiro, que é o do capitalismo. O capitalismo pressupõe a existência do capital e do trabalho. Nós teríamos uma empresa onde teríamos o capital e não teríamos o trabalho; seriam o capital e o serviço.
O que os números hoje demonstram? Mais de 80% dos acidentes fatais no trabalho são com trabalhadores terceirizados, porque há um jogo de empurra. A empresa terceirizada fala: "Não, ele trabalha em outra empresa. Eu não tenho como controlar o meio ambiente de trabalho de outra empresa". Já a empresa tomadora diz: "Não, o empregado não é meu. Eu tenho que cuidar dos meus". Esses trabalhadores sofrem com piores condições de saúde e segurança, em consequência dos acidentes de trabalho; recebem salários menores, cerca de 25% menores; têm jornadas maiores; se tornam descartáveis, pois a rotatividade do emprego dos trabalhadores terceirizados chega a ser cinco vezes maior do que os trabalhadores contratados diretamente.
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E, agora, com a necessidade prevista na proposta de reforma da previdência de 40 anos de contribuição... Imaginemos o trabalhador com uma rotatividade de mão de obra. Quando ele vai se aposentar, se se aposentar?
E também, penso eu, o mais importante: há um PL sobre a terceirização já aprovado pela Câmara dos Deputados que é o PLC 30, de 2015, nesta Casa, que foi absolutamente desprezado pela Câmara dos Deputados ao ser votado lá um PL de 1998, com uma realidade absolutamente diversa em contradição a esse PLC 30, que tinha sido aprovado um ano antes pela própria Câmara dos Deputados. Então, penso que o Senado, esta Casa deve se debruçar sobre o PLC 30 para regular a terceirização e não como está prevista na proposta da reforma.
Outros problemas também na terceirização ilimitada: contratação sem concurso por empresas públicas e de economia mista. Isso praticamente acaba com o concurso ao permitir a terceirização. E, agora, um entendimento do Supremo, que definiu sem definir... Algumas teses em que não há nenhuma responsabilidade por parte da empresa pública criariam o absurdo da teoria da irresponsabilidade objetiva do Estado, algo surreal no mundo do Direito, amplia situações para a corrupção e a volta do nepotismo tão duramente combatido por esta Casa, porque não seriam mais empregados do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, mas seriam empregados da empresa terceirizada.
Com relação à "pejotização" e ao chamado autônomo exclusivo, o projeto de lei reforça esses instrumentos da "pejotização", ampliando-a para qualquer área, criando a microempresa, permitindo que eu tenha uma empresa só com pessoas jurídicas individuais prestando serviço para mim. E essa pessoa jurídica individual ainda vai poder terceirizar! Cria a figura desse autônomo exclusivo, uma coisa absolutamente surreal no mundo do Direito. Eu sou autônomo, mas eu só posso trabalhar para uma empresa. Então, eu não sou autônomo. Ou eu sou autônomo e trabalho para quem eu quiser, ou eu sou empregado. Isso vai contra toda a lógica jurídica no direito do trabalho.
Os trabalhadores perdem todos os direitos do trabalho quando eles se tornam autônomos. Quando a gente fala em criação de microempresa individual para prestar, inclusive, serviço exclusivo a uma empresa, eu retiro todos os direitos trabalhistas, porque ele não é mais empregado, ele é uma empresa, ele é prestador de serviço.
Contrato intermitente. Isso é interessante. A empresa McDonald's... Perdão, a Arcos Dourados que trouxe o contrato intermitente para o Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - É do Grupo McDonald's.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - É do Grupo McDonald's.
Ela trouxe a jornada intermitente para o Brasil. O Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública em Pernambuco, com abrangência nacional, e foi feito um acordo judicial, com a concordância da empresa, para acabar com a jornada intermitente. Os números do Caged, que estão nas nossas notas técnicas, todas apresentadas aos Srs. Senadores, mostram que houve um aumento do emprego após o cumprimento desse acordo judicial, com a contratação com vínculo empregatício. São os números do Caged - não são números do Ministério Público do Trabalho -, ou seja, são números fornecidos pela própria empresa. E agora, aproveitando a reforma trabalhista, falaram: "então vamos mudar". O País não pode ceder ao poder econômico de uma empresa.
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Contrato intermitente, como proposto - um bufê que vai trabalhar em um final de semana e outro não - é uma coisa; agora, quando falamos de uma empresa que trabalha todos os dias com jornada certa, permitir que haja trabalhadores que nem sequer saberão se vão trabalhar no dia seguinte, não sabem se vão trabalhar de manhã, de tarde, ou de noite, uma, duas ou cinco horas, e ainda permitir que esse trabalhador não seja chamado e, quando chamado, se ele tiver uma prova, por exemplo, se ele tiver aula, se ele estiver em um outro trabalho e não puder comparecer, ele ainda vai ser multado. Ele pode não trabalhar e ainda ficar devendo.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Multado?
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Está previsto no projeto, Senador. Não prevê um mínimo de horas. Se faltar, tem que pagar multa. Pode chegar ao final do mês devendo o empregador.
Questão do negociado sobre o legislado. Primeira questão: violação ao caput do art. 7º.
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Vou terminar.
Violação ao caput do art. 7º da Constituição Federal. O caput do art. 7º prevê: todos aqueles direitos trabalhistas previstos no art. 7º, salvo negociação coletiva que vier a melhorar as condições de trabalho. Ou seja, a própria Constituição Federal prevê o negociado sobre o legislado. O negociado sobre o legislado já existe, mas como forma de melhorar as condições de trabalho, e não piorar, como é, aliás, na grande maioria dos países desenvolvidos.
Questão da tarifação ao dano extrapatrimonial, que o Ministro Ives colocou. Eu confesso que, para mim, é um dos maiores retrocessos que eu vejo, por um motivo muito simples: o Direito do Trabalho vai ser o único ramo do Direito onde o dano extrapatrimonial, o dano moral, vai ser tarifado. Em nenhum lugar é. Por quê? Porque isso depende de vários fatores, como por exemplo a capacidade de pagamento da empresa. Uma multa de R$1.000 para uma carrocinha de cachorro-quente pode significar até quebrar a carrocinha. E o que é uma multa de R$1.000, por exemplo, para a General Motors? Nada. Qual é o efeito pedagógico? Nenhum.
E ainda se tarifa pelo salário. Se eu ganho R$10 mil, estou ao lado do meu empregado, que ganha R$1.000; ambos sofremos o mesmo acidente e morremos. A minha família vai ganhar dez vezes mais do que a outra só porque eu ganhava mais do que o outro. Uma situação ainda pior: todos nós, eu creio, já fomos a uma obra, para ver, por exemplo, um apartamento para comprar. Estamos lá junto com o empregado da empresa, que vai mostrar o apartamento. Nós somos consumidores. Se ocorrer um acidente, por exemplo, no elevador, viermos a morrer. Para mim, como consumidor, não haverá limitação.
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Para o trabalhador, haverá limitação. O próprio Supremo Tribunal Federal já julgou inconstitucional a tarifação de dano moral, porque a Constituição prevê a teoria da reparação integral do dano.
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Não vou me alongar mais, espero que haja tempo para o debate.
Reitero que o Ministério Público do Trabalho está à disposição de V. Exª como de todo o Senado.
Apresentamos notas técnicas. Estou deixando neste momento, com a Presidente da CAS, vou encaminhar ao Senador também e encaminharei para todos os Deputados a Nota Técnica nº 7, do Ministério Público do Trabalho, com relação ao PLC nº 38 como um todo.
Temos proposta que encaminhamos tanto para a Presidência da República quanto para a Câmara, e vamos encaminhar para cá também, de emendas ao PLC, de projetos de lei mesmo, como por exemplo a questão dos atos antissindicais. Estamos à disposição para melhorar, para avançar.
A legislação social precisa ser alterada. O Ministério Público do Trabalho está à disposição para evoluir, não para involuir as relações de trabalho.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada, Dr. Ronaldo Curado Fleury.
Agora nós vamos dar cinco minutos para as considerações do Ministro Ives e depois o mesmo para o Dr. Ronaldo Fleury.
Por favor, Ministro Ives, cinco minutos.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Perfeito.
A Senadora Marta Suplicy havia proposto que fizéssemos perguntas um para o outro.
Considero mais interessante pontuar alguma coisa da fala do colega.
A primeira coisa que eu pontuaria: parece-me natural que um projeto que saia mais enxuto do Poder Executivo seja aqui emendado, que se coloquem novos temas, novos tópicos. A soberania é do Parlamento. Se o Parlamento entende que tem que ser ampliado, se tem que haver uma discussão mais ampla é a coisa mais natural possível. O fato de ter saído com sete tópicos, sete artigos e aqui ter sido emendado mostra a vontade popular, a vontade de muita gente de que haja mais especificação ou parametrização de direitos trabalhistas.
O segundo aspecto que considero muito importante: debate amplo não significa necessariamente perenização de debate. Nós tivemos, anos atrás, o Fórum Nacional do Trabalho, do qual participei também. Era uma discussão tão ampla de reforma trabalhista e reforma sindical que nunca saiu do papel. "Não, nós vamos discutir amplamente as relações de trabalho, amplamente as relações sindicais..." Muitas reuniões.
Esse projeto de que participei, e vários juízes do trabalho, vários ministros participaram, vários procuradores... Houve uma dezena de audiências públicas na Câmara dos Deputados. Conversando com o próprio Deputado Rogério Marinho, ele atendeu a mais de 700 pessoas. Se isso não é debate amplo... Todo mundo que tinha argumento para trazer trouxe. Não vejo argumento... O que tenho visto reiteradamente é repetirmos os mesmos argumentos. Às vezes me sinto envergonhado por ter que chegar aqui e dar os mesmos argumentos. Puxa, eu já falei isso aqui. Dr. Ronaldo, já estamos carecas de um ouvir o outro
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O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós estamos gostando dos dois painelistas, que esclarecem muita coisa para nós.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Então, o que eu digo é o seguinte: o debate tem sido amplo, tem sido amplo. Eu acho que é de rapidez o Brasil precisa para resolver esses problemas. Nós, como Poder Judiciário, nos sentimos muitas vezes sem esses parâmetros que gostaríamos que fossem mais claros.
O terceiro ponto que gostaria de esclarecer: foram dados vários elementos de informação econômica. Eu não sou economista, o Dr. Ronaldo não é economista, o Dr. Pastore, parece-me, é economista, e outros que estão aqui são economistas. Mas a única coisa que tenho clara é a seguinte: estamos em crise econômica, temos um desemprego de 14 milhões de trabalhadores, alguma coisa tem que ser feita. Nos debates de que participei com professores estrangeiros, um da Espanha, ou melhor, um da França, um da Alemanha e um de Portugal, eles disseram claramente que a fórmula de dar uma flexibilidade maior ao sistema protetivo como um todo fez com que a inflação descesse de 20% para 7%. Isso em países como Portugal, Espanha, Alemanha, França e Itália. O que significou? O empregador que ficava com receio de contratar porque depois não poderia dispensar ou não poderia mudar as condições de trabalho, porque a legislação era muito rígida...
(Soa a campainha.)
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - ... viu nessa flexicurity essa flexibilização, ou seja, a possibilidade de "eu vou contratar e vou contratar mais".
E a última premissa, Senadora Marta, Presidente da nossa Comissão, a única premissa jurídica e econômica que entendo insustentável, e até hoje tenho sido bastante enfático, é que negociação coletiva não existe só para acrescentar direitos. É uma premissa que...
Vamos imaginar logicamente essa premissa: negociação coletiva, acordo ou convenção coletiva, só existe para aumentar direito dos trabalhadores. Os acordos e convenções coletivas são feitos anualmente. Todo ano, o sindicato vem com um rol. Se fosse para aumentar todo ano, porque não pode haver essa compensação, eu, como empregador, de acordo com a Constituição, que me permite, vou reduzir um pouquinho, não vou te dar o reajuste salarial completo, vou reduzir um pouco a jornada, mas vou te dar uma vantagem compensatória. O patrimônio jurídico do trabalhador como um todo não é reduzido, mas você não tem negociação só para aumentar. Se houvesse negociação só para aumentar, daqui a 50 anos, nós teríamos um salário de R$50 mil para uma jornada de cinco horas semanais. Não existe. Não há empresa, não há País que suporte uma coisa dessa.
Então, para mim, sempre foi premissa que negociação coletiva é para acertar as condições de trabalho de acordo com a situação de tempo, de lugar e de segmento.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada.
Com a palavra o Procurador-Geral Ronaldo Fleury.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Primeiramente, só para esclarecer: obviamente eu não estou aqui falando que o Congresso não poderia alterar a proposta. Ao contrário, eu sempre defendi que esta Casa - esta Casa que eu digo é o Congresso Nacional, obviamente - é o único local adequado para o debate democrático normativo neste País. Sempre me postei contrário a medidas provisórias, salvo os casos expressamente previstos na nossa Constituição: situações excepcionais, emergenciais etc.
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O que coloquei como déficit democrático foi que todas essas audiências, todas as mais de 700 entidades, pessoas, não sei, a que o Ministro Ives se referiu como se tivessem sido ouvidas pelo Deputado Rogério Marinho, o foram com relação aos sete artigos que estavam propostos no PL 6.787, e não sobre os cem que foram alterados, ou melhor, cuja alteração está sendo proposta. E, sobre esses cem, o debate foi em regime de urgência - o debate, não, a discussão. Foi em plenário em regime de urgência. Então, é sobre isso que estou falando. Pelo amor de Deus, jamais ousaria fazer qualquer menção aqui contrária à soberania do Poder Legislativo.
Uma questão importante que foi, inclusive, abordada pelo Ministro Ives: essa reforma visa também diminuir o número de processos trabalhistas. É interessante isto: no Brasil, a judicialização é uma característica do brasileiro. Não é só um direito do trabalho, não. O Brasil é o País que tem mais processos judiciais em geral no mundo, cerca de 100 milhões.
É normal vermos uma batida de trânsito, que, às vezes, só arranhou: "Isso aí eu vou para o Judiciário. Quero ver você falar isso na frente no juiz." Isso é natural. É nosso; o brasileiro necessita de alguém falar quem está certo e quem está errado, é essa a cultura. Eu sou um franco defensor da mediação, da arbitragem. No Brasil, ainda é absolutamente incipiente.
No entanto, só são vistos como problema para o Brasil os menos de 15% desse total de 100 milhões, que são as causas trabalhistas. Vamos buscar, dessas causas trabalhistas, quais são as maiores demandas: mais da metade, mais de 50% são de verbas rescisórias, aviso prévio, férias vencidas, férias proporcionais, décimo terceiro salário proporcional. E por quê? Porque vale a pena. As instituições financeiras são os maiores litigantes do Tribunal Superior do Trabalho. É muito mais lucrativo para elas empurrarem uma demanda, por dez, quinze, vinte anos, e pagarem os juros da TR do que ela pagar esse dinheiro antes e não jogá-lo no mercado financeiro. É lucrativo, vale a pena. Economicamente, o raciocínio é simples.
O Ministro falou sobre advogados que usam trabalhadores. Realmente há. Temos advogados que usam trabalhadores e temos o inverso também. Em uma ação rescisória que ajuizei ainda nos anos 90, rescindi mais de cem lides simuladas, ou seja, a empresa que queria fazer demissão em massa simulou, contratou um advogado, usou os seus empregados, usou a Justiça do Trabalho: eles entravam na Justiça do Trabalho, faziam acordos por valores menores que 10% do devido. Foi comprovada a lide simulada e foi anulado. Então, tem que usar o outro exemplo também.
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Essa questão do excesso de jornada que foi colocada também me preocupa muito, a questão do intervalo para refeição. O que vejo nessa proposta é que são poucas as questões compensatórias colocadas para as empresas, por exemplo, coloca-se que se pode reduzir para meia hora, mas não se condiciona o fornecimento de um refeitório para os empregados, e, se o restaurante mais próximo ficar a 15 minutos, são 15 minutos para ir e 15 minutos para voltar. Acabou o tempo de refeição. A empresa tem oferecer as condições. Não é simplesmente falar: "pode reduzir para 30 minutos". O intervalo de uma hora não é luxo. "Ah, o trabalhador vai ficar jogando dama, vai ficar jogando dominó. Não, é descanso para o corpo, é fisiológico. O início do processo...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - ...digestivo induz o sono, o risco aumenta. Então, jornada de trabalho é questão de meio ambiente do trabalho, é cláusula de segurança e saúde no trabalho. O trabalhador que não descansa após as refeições está sujeito a acidentes, e isso está previsto na norma. Jornada não é condição de saúde e segurança do trabalho. Bem, então a norma está desvirtuando a Medicina, a fisiologia humana.
Essas são questões que penso que o Senado tem que se debruçar e pensar o Brasil como um todo. Não vamos pensar o Brasil como a região do ABC, como a grande Belo Horizonte, grande Rio de Janeiro, Porto Alegre etc. Vamos pensar no Brasil como um País que ainda sofre a chaga do trabalho escravo, a chaga do trabalho infantil; vamos pensar o Brasil de todos os Estados, de todos os rincões nessa reforma porque ela será aplicável a todos os trabalhadores. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Procurador-Geral Ronaldo Fleury.
Vou passar agora a palavra ao Senadores. Por ordem de inscrição, o Senador Ricardo Ferraço, Senador Paim, Senador Pedro Chaves, Senadora Ângela Portela, Senadora Ana Amélia, Senador Cristovam Buarque, Senadora Kátia Abreu, Senadora Lídice.
Com a palavra o Senador Ricardo Ferraço.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Srª Presidente, para uma questão preliminar, qual é o tempo que todos nós teremos para perguntas e questionamentos aos nossos convidados? V. Exª chegou a estipular algum critério?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Não, mas estou aberta a sugestão.
V. Exª sugerindo, por exemplo, fazermos...Como temos um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Fazemos quatro e três ou três e quatro? E depois o expositor responde porque temos outra Mesa em seguida. Todos concordam? A Senadora Lúcia Vânia também.
Então, vamos fazer primeiro o Senador Ricardo Ferraço, Paulo Paim e Ângela Portela. Depois, passamos para o grupo Ana Amélia...Não, aí não, aí tem que ser Ferraço, Paim, Portela e Ana Amélia. Depois, para o grupo Cristovam, Kátia, Lídice e Lúcia Vânia.
Três minutos para as perguntas.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Srª Presidente, Senadora Marta Suplicy, Sr. Presidente, Senador Tasso Jereissati, nossos convidados, Dr. Ives Gandra, Dr. Ronaldo Fleury.
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Claro, Srª Presidente, que, na condição de Relator na Comissão de Assuntos Econômicos, tenho um universo de questões a serem dirigidas aos nossos convidados, não apenas nesta Mesa, mas em outras Mesas. Estou aqui diante daquela escolha de Sofia: se for extenso nas minhas intervenções, os meus colegas...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - ...Então, faça por três minutos. Depois, quando todos finalizarem, V. Exª, se tiver ainda questões, terá a palavra.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Naturalmente, se eu for muito extenso nas minhas indagações, os meus colegas, Senadores e Senadoras, não terão oportunidade e a dinamização desse debate é muito importante até para a diversidade dos temas aqui enfrentados.
O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Srª Presidente, pela ordem.
Quero me inscrever. Como sou membro da CAE e como cheguei atrasado, não tenho muitos direitos trabalhistas. Quero ceder o meu tempo para o Senador Ricardo Ferraço, que é o Relator.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Vou procurar ser muito breve. Muito obrigado ao sempre generoso Senador Garibaldi.
Há uma questão, endereçada aos nossos convidados, que me parece ser preliminar. Essas propostas invadem ou não os direitos fundamentais que estão assegurados às pessoas, sejam elas da área urbana ou sejam elas da área rural? Salvo melhor juízo, são os trinta e quatro incisos que estão consignados no art. 7º da Constituição Federal. Por óbvio, uma lei ordinária, pela hierarquia das leis, não pode se sobrepor a um mandamento constitucional. Se qualquer forçação da barra houver, isso será declarado inconstitucional e, de plano, em qualquer debate, no Supremo Tribunal Federal.
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - A pergunta que faço aos nossos convidados para iniciar aqui as minhas perguntas é: objetivamente, na avaliação de V. Exªs, algum artigo, algum parágrafo, algum inciso, dessas mudanças que estão propostas invadem quaisquer dos direitos fundamentais da pessoa que trabalha na área urbana ou na área rural?
O Dr. Ives Gandra, Presidente do TST, declinou aqui sobre sugestões e pontos para o aperfeiçoamento e não foi dado a ele o tempo necessário para que pudesse fazer uma abordagem de a à z sobre esses pontos que considera adequados e necessários para o aperfeiçoamento. Gostaria de solicitar a V. Exª que pudesse receber uma nota com todos esses pontos que considera adequados para o aperfeiçoamento.
Na questão anterior do art. 7º, da constitucionalidade, também gostaria que V. Exªs pudessem abordar essa questão: lei ordinária versus Constituição Federal; convenções da OIT versus Constituição Federal. Há convenções da OIT, mas há uma Constituição Federal. Gostaria que V. Exªs pudessem abordar esse tema.
Abordou aqui também o Dr. Ives Gandra o art. 702 que estabelece uma série de condições excepcionais para juízes do trabalho que não seriam extensivas aos demais juízes que operam em outras áreas do Direito.
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V. Sª falou aqui sobre a questão do quórum mínimo para a edição de súmulas. Está existindo algum tipo de restrição à interpretação da lei por parte dos juízes do Trabalho? Eu digo isso porque, recentemente, nós fizemos um profundo debate no Senado relacionado ao crime de hermenêutica. Eu quero perguntar a V. Exªs como V. Exªs encaram esse tema.
Também um tema muito sensível diz respeito à questão das trabalhadoras, das pessoas gestantes ou lactantes em ambiente insalubre. Esse é um tema muito sensível para todos nós pela condição da mulher e pela condição particular da mulher gestante e lactante.
Houve demandas que foram encaminhadas na Câmara dos Deputados...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - ... por Parlamentares mulheres, dando conta de que o Relator, na própria Câmara, acatou um conjunto de reivindicações dessa natureza, ou seja, a Lei 13.287 trouxe nova redação ao art. 394 da CLT. "A empregada gestante ou lactante será afastada enquanto durar a gestação e a lactação de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre."
O substitutivo do Relator, Deputado Rogério Marinho, alterou o texto da CLT para condicionar o afastamento da gestante ou lactante à apresentação de atestado médico, não tratando da perda salarial nessa readequação.
Após reunião com integrantes da Bancada feminina da Câmara Federal, houve incorporações a essa questão -
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - eu já encerro, Srª Presidente - como a obrigatoriedade do afastamento da gestante da atividade insalubre de grau máximo; a possibilidade de afastamento da gestante nos casos de insalubridade média e baixa, desde que a necessidade do afastamento seja atestada por médico de sua confiança; e a possibilidade de afastamento da lactante também após apresentação de atestado por médico de sua confiança. Eu pediria a V. Exªs que pudessem fazer uma abordagem sobre as propostas mudanças em relação a esse tema, que é muito sensível.
Para encerrar, uma questão relacionada à jornada de trabalho, até porque há a Súmula nº 444, do TST, consagrando que: "É válida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem o direito ao pagamento do adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas."
Hoje, a pessoa dispõe da jornada de 12 por 36, que é permitida desde que prevista em lei, acordo ou convenção coletiva de trabalho, que prevê duas horas extras.
Pelo projeto da reforma, a jornada de 12 por 36 poderá ser estabelecida por acordo individual de trabalho e não prevê hora extra.
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O artigo fala na prática, e eu pediria uma interpretação de V. Sª:
Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Ou seja, é uma mais outra ou é uma ou outra. Nesse caso particular, o acordo individual pode se sobrepor ao acordo coletivo?
São essas as questões, por ora, que eu gostaria de merecer, Srª Presidente, a intervenção dos nossos convidados.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada, Senador Ferraço, que é o Relator na CAE.
Com a palavra o Senador Paulo Paim.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senadora Marta Suplicy, faço um apelo para que, devido à importância do tema, que altera cem artigos e mais de duzentas mudanças, pelo menos cinco minutos para cada Senador expressar um pouquinho do seu ponto de vista.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu vou consultar o Plenário, porque temos essa Mesa e depois nós temos outra Mesa com o mesmo tema.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Podemos ficar o dia todo aqui.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, talvez fosse mais de bom senso se mantivéssemos os três minutos, porque depois temos outra Mesa em que poderemos repetir as mesmas questões. Mas ponho em consideração.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, três minutos.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pela manutenção dos três minutos. Então que passe a contar a partir de agora. Vou ficar de olho.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Como? Mas faço força para ter o poder de síntese.
Vamos lá. Já ganhei um minuto porque fiquei dialogando aqui informalmente. Eu sentei aqui e fui um dos primeiros a chegar. Foi interessante ouvir que a posição do meu querido amigo, com quem estive inclusive tomando café, o Ministro Ives Gandra, é minoritária no TST. Isso ele sabe, eu sei, e todos nós sabemos pelos documentos que recebemos aqui e que eu li da tribuna do Senado por diversas vezes, é minoritário. E é bom ver que a posição do querido Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho, também meu amigo, Ronaldo Curado, é amplamente majoritária. Então aí vamos avançando.
Mas eu faço três minutos.
O bendito "negociado sobre o legislado". Percebi aqui, porque nem eu li todo esse documento, que querem, se deixarmos, votar em uma semana. É claro que os Senadores não vão deixar.
Negociado sobre o legislado fortalece muito aqui a negociação individual. Enfraquece a negociação com os sindicatos, inclusive a rescisão de contrato, que não precisa ninguém acompanhar mais. O empregado chega ali, está ali o empregador, faz a rescisão, ele tem que assinar. E ali ele tem que escrever que ele não vai entrar na Justiça. Isso é bom para quem? Para o peãozinho lá da fábrica? Eu me ponho aqui pelo tempo em que trabalhei lá. Eu fui de fundição, de forjaria, enfim, era no chão de fábrica mesmo, pisando o barro e a terra para moldar as peças que iam ser fundidas. É bom?
Outra coisa que aprendi com os economistas aqui no Congresso, nesses 32 anos em que estou aqui: quem gera emprego é mercado, é o mercado. E aqui foi provado, não é retirando o direito dos trabalhadores, pelo amor de Deus.
Vou dar um exemplo. Convenceram - e não foi nem no Governo atual - que tinham que abrir mão dos 20% da contribuição do empregador sobre a folha. Foi aberto. Gerou quantos empregos? Nenhum. Aumentou o desemprego, não gerou um emprego. E a previdência perdeu mais de R%200 bilhões se somar tudo, daquele período até agora. Não gerou um empreguinho.
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Eu estou preocupado com o enfraquecimento, sim, da Justiça do Trabalho também, Ministro. Lembro-me de que havia um projeto que veio para cá, para aumentar as vagas, e V. Exª retirou. Se há tanta ação na Justiça, por que V. Exª não permitiu que se aumentassem as vagas para fazer os julgamentos? Eu presido a CPI da Previdência. Sabe qual dado eu recebi dos procuradores da Fazenda, Ministro? A elite, os 5% mais ricos deste País - dados dos procuradores da Fazenda, não meus - devem R$2 trilhões; tudo em ação na Justiça. Dois trilhões! Dois trilhões! Eu vou dizer mais: é 1,86 trilhões.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tudo em ação na Justiça. E não é julgado, está lá acumulando. Disseram eles que dá para quase lotar um estádio de futebol de ações. Eles não têm nem como carregar os processos. Então, para esse lado vale - agora, para o lado do trabalhador, se houver ação na Justiça é problema.
Eu sei que tenho de concluir. Então, eu queria saber: essa questão do acordo individual interessa a quem? Por amor de Deus, essa história dos 30 minutos para o almoço! Por amor de Deus eu digo, Ministro. Eu ouvi aqui os argumentos de V. Exª. Existe uma coisa chamada fadiga. Eu trabalhei em fundição! Não dava tempo de sair do meu local de trabalho, onde eu moldava, para ir até o refeitório - e havia refeitório -, entrar na fila do refeitório com o bandejão, comer, ir ao banheiro, lavar as mãos e voltar para a linha de produção, porque a correria continuava. Trinta minutos! Isso é criminoso. Sinceramente, é criminoso. E não dá para dizer: "Ah, mas se ele optar..." Optar coisa nenhuma!
Sabe a história do fundo de garantia? Sabe a história do fundo de garantia? Duvido que exista um trabalhador no Brasil que tenha podido optar pelo fundo de garantia ou não. Quando ele chegava na empresa - e eu assinei todas as vezes -, vou dizer como se fazia, como se agia: "Ô, cidadão: assina aqui que você vai optar pelo fundo de garantia, abrindo mão da estabilidade aos dez anos." Todos foram obrigados; milhões e milhões. Então, nós temos de discutir esse universo. É esse universo que nós estamos discutindo. Não dá para pensarmos que a livre negociação... Quem tem força na livre negociação? E esse projeto é a garantia individual.
Mas V. Exª disse algo que eu achei interessante, que eu vou deixar aqui para terminar, Senador. Não é nem pergunta, é só uma frasezinha: a Câmara ouviu mais de 700 pessoas. Senadores, aqui eu não quero 700 - mas vamos ouvir 300, então, pegando o argumento de V. Exª. Porque o Senado não é uma Casa para carimbar. É como V. Exª na Justiça: vem da primeira instância, segunda instância, terceira instância, e existe recurso para cá e recurso para lá, mas faz parte do processo. O Senado? Nós não estamos aqui para carimbar 200 mudanças na CLT, não, Ministro. Por isso foi importante ouvi-los. O Senado vai ter de discutir amplamente esse tema. Só para concluir, porque a frase é a mesma. Sabe quantas eu propus na reunião do Colégio de Líderes? Que ouvíssemos, então, 30 ou 40, para reflexão. A Câmara ouviu 700. Mas o Senado não é uma Casa para carimbar: é para discutir e analisar a vida de milhões e milhões de pessoas que dependem de nós.
Eu cumprimento o Ives Gandra, que tem sempre a mesma posição, e devemos respeitar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora eu termino. Quero só cumprimentar o Ronaldo Curado Fleury e dizer ao Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho: V. Exª com certeza me representa, e representa também milhões de trabalhadores.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senador Paim.
Eu só queria fazer uma reflexão - não dizendo que aqui estamos muito rápidos ou muito lerdos, mas, em relação às 700 audiências da Câmara, não foram audiências públicas, evidentemente.
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E nós aqui estamos acompanhando não como se estivéssemos debruçados para decidir naquele momento, mas, por exemplo, todos aqui já temos um acúmulo de muitas horas de compreensão do que está acontecendo, a própria CAS já se adiantou numa audiência. Então, acredito que vamos estar bem instruídos. Eu não estou dizendo em que momento vamos votar, mas aqui tenho a impressão de que os que tenham interesse em estar acompanhando terão a condição de acompanhar. E teremos a condição de fazer mais alguma audiência pública sobre um tema específico em que tenha pairado alguma dúvida. Estamos absolutamente abertos, se tivermos um consenso, em algum ponto específico.
Com a palavra a Senadora Ângela Portela.
A SRª ÂNGELA PORTELA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RR) - Srª Presidente, Senadora Marta Suplicy, Presidente da CAS; Sr. Presidente da CAS, Senador Tasso Jereissati; Procurador-Geral do Ministério do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, tenho lido seus artigos, seus posicionamentos em relação a essa reforma, inclusive gostei muito do seu posicionamento sobre aquele projeto de lei que está na Câmara que regulamenta o trabalhador rural. Gostei muito, parabéns por seus posicionamentos.
Cumprimento também o Ministro Ives Gandra, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho. É ao senhor que eu quero fazer alguns questionamentos, algumas perguntas.
Essa reforma trabalhista tem sido sinalizada, anunciada pelo Governo como uma maneira de superar a crise econômica e gerar empregos. Eu pergunto ao senhor objetivamente: o senhor acredita que terceirizar, acabar com a aposentadoria e fazer a reforma trabalhista nesses termos irá gerar empregos no País? Essa é a primeira pergunta.
A segunda pergunta é em relação ao intervalo intrajornada, que é o intervalo de descanso de no mínimo uma hora, o que parece que agora está prevista para 30 minutos. Isso derruba a Súmula 437 do TST. Pergunto ao senhor qual a sua visão acerca da possibilidade do negociado prevalecer sobre o legislado, inclusive com prejuízos sérios à saúde do trabalhador, que terá que comer com uma mão e trabalhar com a outra, como diz sempre o Senador Paulo Paim no plenário deste Senado.
Outra pergunta: contratação de autônomo, a "pejotização", que está prevista na reforma. Eu pergunto ao senhor: se esse dispositivo retira o principal direito do trabalhador, ou seja, o reconhecimento da relação de emprego, como fica o previsto no art. 7º, inciso I da Carta Magna?
Eu faço mais uma pergunta que o Senador Ricardo Ferraço, Relator, já fez...
(Soa a campainha.)
A SRª ÂNGELA PORTELA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RR) - ...mas acho que merece um pouco de atenção, em relação a gestantes e lactantes: "Possibilita que as trabalhadoras gestantes e lactantes possam trabalhar em áreas insalubres de grau máximo mediante atestado médico". Pergunto ao senhor: na possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado, a empregada ficará submetida a várias situações insalubres. A própria empresa poderá contratar um médico que ateste os seus interesses e não os da gestante em questão?
Mais um ponto. Se, de fato, houvesse condições de os trabalhadores negociarem em pé de igualdade com os empresários, o que é a ideia subjacente à reforma, qual seria a relevância do TST e da Justiça do Trabalho?
A última pergunta: V. Exª disse aqui que as manifestações feitas sobre a reforma refletem uma posição sua, isolada, que não são da Justiça do Trabalho. Então, qual é a posição da Justiça do Trabalho como instituição em relação a essa reforma trabalhista?
Muito obrigada.
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senadora Ângela. Obrigada por ter cumprido o tempo.
Senadora Ana Amélia é a última dessa rodada.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Obrigada, Senadora Marta.
Caros colegas Senadores e Senadoras, caros expositores, Dr. Ives Gandra Martins Filho e Dr. Ronaldo Curado Fleury, eu queria saudar também o nosso Presidente da CAE, Senador Tasso Jereissati.
Presidente, eu estava numa cerimônia, mas a minha assessoria estava acompanhando, e V. Exª, na exposição, admitiu que algumas questões dessa reforma devem ser melhoradas...
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Poderiam.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Poderiam. Então, eu queria saber do senhor quais, especificamente, são essas coisas que poderiam ser melhoradas, que V. Exª sugere.
Ao Dr. Ronaldo. Eu prestei muita atenção. O senhor exerce a sua atividade mais do que apenas como um profissional da ciência do Direito do Trabalho - exerce, eu diria assim, como um sacerdócio. Tem uma forma de interpretar essa questão das suas convicções. O senhor tocou numa questão que também me interessa, que diz respeito ao trabalho intermitente. O senhor citou o caso do bufê que trabalha no fim de semana, então, admitindo que sim, para trabalhar no bufê no fim de semana, você agenda, vai trabalhar e recebe. Seria quase um diarista, no entendimento. Então, como isso deveria ser escrito?
Eu também queria um esclarecimento. Há uma questão que eu gostaria de saber que é, talvez, um eixo mais sensível para as lideranças sindicais, seja de empregadores ou de empregados, que diz respeito à obrigatoriedade da contribuição sindical. Qual é o seu ponto de vista sobre essa questão, considerando os episódios que nós temos visto no Brasil?
Por fim, quero lhe indagar: o mercado de trabalho - e eu tenho ouvido alguns especialistas - se alterou muito nos últimos tempos. Algumas profissões não existem mais, exatamente pela modernização das atividades, da própria economia, enfim, do setor produtivo. Hoje dispomos de aplicativos, como o Uber, em que a relação de capital de trabalho não consigo identificar onde está - eu tenho um serviço que me é prestado. O setor Airbnb, que praticamente anula qualquer intermediário na contratação de serviços de aluguel de uma casa, de um sítio, de qualquer coisa em qualquer lugar do mundo. Aqui em Brasília já existe um aplicativo para serviço médico - eu chamo o médico...
(Soa a campainha.)
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - É o Dokter. Então, Dr. Ronaldo, dentro desse processo da revolução tecnológica incidindo sobre as relações de capital e trabalho, como é que o senhor vê essa questão de nós não... Qual é a reação que existe? A própria Justiça do Trabalho, como age em casos desse tipo?
Então, são as minhas questões, para não ter completado os três minutos que eu tenho.
Obrigada, Senadora Marta.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada pela cooperação, Senadora Ana Amélia.
Vamos dar dez minutos.
Sr. Presidente do Tribunal Superior, Ives Gandra, tem seus dez minutos. Por favor.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Eu confesso que, como diria o Senador Paulo Paim, fica difícil aqui, em dez minutos, responder a 12 questionamentos que foram feitos.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Bem, podemos aumentar para 15 cada um, sem extra? Então está bem.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Está ótimo.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Quinze para cada um.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - No máximo. Vou tentar ser mais...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Não, aqui temos essa flexibilidade.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Ótimo.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, muda... Já mudaram.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Aquilo que eu fui anotando dos vários questionamentos do Senador Ricardo Ferraço, do Senador Paulo Paim, da Senadora Ângela Portela e Senadora Ana Amélia. E algumas coincidem. Então, respondendo uma, já respondo a outra.
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Primeiro, se há perda de direitos constitucionais sociais, eu respondo que não. O art. 7º está incólume com essa reforma. Não vejo nenhum ponto em que o art. 7º esteja sendo afetado, porque, até como V. Exª mesmo disse, haveria a possibilidade de uma ADI no Supremo. Agora, ao mesmo tempo, não há nenhum dispositivo daqui que, eventualmente, não possa sofrer alguma contestação judicial. Por quê? Porque, hoje, em qualquer ação trabalhista, eu vejo os advogados incluírem algum dispositivo da Constituição. Por quê? Porque se quer chegar até ao Supremo. Então, se perderem a ação na primeira instância, na segunda instância e no TST, ainda invocam aqui o art. 7º, caput, que fala de todos os direitos. Portanto, nenhum projeto está incólume de ser contestado sob o ponto de vista da constitucionalidade. Agora, o que nós vemos, realmente, é que nenhum dispositivo aqui - eu verifico, eu estudei realmente todo o projeto - estaria tisnando algum dispositivo constitucional.
Agora, vejam que interessante. Podemos ter visões diferentes o Dr. Ronaldo e eu. Ele vem e diz que o intervalo intrajornada é questão de medicina e segurança do trabalho. Se nós pegarmos a CLT, as questões de medicina e segurança do trabalho estão num capítulo específico, e jornada de trabalho não está no capítulo de medicina e segurança do trabalho. E essas normas do capítulo de medicina e segurança do trabalho não podem ser flexibilizadas. Agora, jornada de trabalho está na Constituição, art. 7º, incisos XIII e XIV.
E o pior, uma das coisas que nós temos que reconhecer. Muitas vezes, nós como juízes não aceitamos e não queremos aplicar a própria Constituição. Se a Constituição prevê a possibilidade de flexibilização de jornada, dizer que flexibilizar a jornada é algo que não pode ser feito, inclusive, do intervalo intrajornada, que é jornada de trabalho... Eu diria o seguinte, respondendo para a Senadora Ângela e para o Senador Paulo: não é que necessariamente vai virar agora 30 minutos. O fato de admitir a negociação significa que não vai ser necessariamente 1 hora para todas as categorias. Aquela em que mais nós enfrentamos problemas foi a categoria do transporte rodoviário. Eles diziam: "Eu não quero ficar 1 hora no posto. Em meia hora, eu como e já quero seguir caminho, chegando mais cedo". Nós acabamos mudando a súmula do TST em relação ao trabalhador rodoviário, admitindo que a negociação deles era válida. E nos procuraram - vejam que interessante - os presidentes dos sindicatos nacionais patronal e obreiro, que vieram juntos, pedindo se o TST pudesse, no caso dele, aceitar. Muitas vezes, a jornada pode ser reduzida para 45 minutos, não precisa ser meia hora.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ou para 15 minutos.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Não, para 15, não, porque a lei prevê...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para dizer para o senhor da minha preocupação, pois há um projeto na comissão que passa para 15 minutos.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Não, tem que rejeitar esse aí de plano.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Claro. Mas a lei aqui... O que estou dizendo é isto: 30 minutos é algo razoável.
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Portanto, respondo negativamente. Nenhum dispositivo, no meu modo de ver, está afetando diretamente a Constituição.
Que pontos poderiam ser aperfeiçoados?
Aqui respondo ao Senador Ricardo Ferraço e à Senadora Ana Amélia.
Em concreto, o que eu sugeriria... Se a posição final do Senado for no sentido de evitar devolver à Câmara o projeto, pode-se fazer a sintonia fina na Presidência da República. E eu sugeriria, por exemplo, um veto ao art. 702, que é aquele que trata da questão de as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho estarem sujeitas à edição com dois terços. E volto a dizer por quê. É porque me parece um dispositivo inócuo. Se podemos, através da Lei nº 13.015, editar precedente com caráter vinculante de toda a jurisdição com quórum menor, de simples maioria, esse dispositivo não vai resolver. Então esse seria um ponto que eu tiraria.
Questão da Constituição, convenções da OIT, lei ordinária.
Verifico que este projeto de lei tal como elencado aqui está, no meu modo de ver, parametrizando vários pontos em que não havia nada. Dei o exemplo da questão dos danos patrimoniais. Vou dar um exemplo novo: teletrabalho. A Senadora Ana Amélia falou da questão do Uber. Há a questão do trabalho intermitente, há a questão do trabalho autônomo.
O que considerei positivo no momento em que o Governo mandou o projeto de lei... E foi um projeto de lei inicial com consenso entre centrais sindicais e confederações patronais no sentido de que há um déficit normativo, há muita lacuna sobre novos tipos de contratação, novas modalidades de relações de trabalho, principalmente avanço tecnológico. Nós precisamos de algum parâmetro. Se este é o melhor dos projetos, não sei. Poderia, mas pelo menos nos dá muita segurança como julgadores: "Bom, se está sendo dito isso, eu vou seguir nesse sentido".
Depois, questão de proteção da gestante em trabalho insalubre.
Uma das coisas que mais nos afligem na Justiça do Trabalho é ver que o excesso de protecionismo para a gestante está gerando uma redução de mercado de trabalho para ela. Para a gestante, não; para a mulher em geral, mulher em idade reprodutiva. Vou dar exemplo: a questão de garantir estabilidade no caso de contrato temporário. Se o contrato é temporário, você já sabe que ele vai terminar. Se der estabilidade, a mulher, para contrato temporário, não é contratada.
Também tenho a mesma preocupação em relação à questão do trabalho insalubre, à proteção à mulher, mas sempre coloco como um dos parâmetros que pensemos bem se o excesso de proteção não acaba desprotegendo. Você tem uma proteção no papel, mas não tem uma proteção real.
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Quinto ponto: a questão da jornada de trabalho 12 por 36. Ela é das mais generalizadas hoje. Nós temos aqui uma possibilidade de dar parâmetros que antes não estavam na lei, por quê? Porque a CLT - vejam que interessante - estabelece como limite máximo de jornada diária, dez horas. A jurisprudência acabou, contra legem, admitindo 12 por 36, porque, por exemplo, no setor médico, o pessoal não consegue conceber o trabalho de outra forma, muitas vezes, porque você não quer sair no meio da noite, de repente não tem transporte público, não tem segurança, uma série de dificuldades... Então, eu prefiro. Já sei que vou sair 7h da manhã no dia seguinte.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - O que V. Exª está afirmando é que as mulheres não poderiam, então, trabalhar em hospitais como médicas, enfermeiras e assim por diante?
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Não, não. O que eu estou dizendo... Em relação a 12 por 36?
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Não, em relação às mulheres.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Não, o que eu estou dizendo é o seguinte...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Mulher gestante e lactante.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Da gestante. Que haja exatamente um atestado médico, que haja a verificação do tipo de trabalho que ela vai ter e o tipo de enfermidade que ela vai ter que tratar. Então, é óbvio que, no setor médico, se ela for cuidar de doenças infecciosas, evitar a entrada nesse setor, mas não impede que ela trabalhe no resto do hospital. É óbvio.
Mas só para tentar ver se eu consigo responder minimamente. O Senador Paulo Paim falou da retirada de projetos de criação de cargos. O que eu vejo de possibilidades? De duas, uma: ou nós simplificamos o sistema processual e o sistema recursal, ou então nós vamos ter que aumentar cargos, mesmo. Hoje, eu vejo que esse projeto de lei simplifica, ele racionaliza o procedimento. Por exemplo, uma das coisas que ele está acabando é com o que eu chamo de processo bumerangue. O processo sobe para o TST, e o TST diz: "o TRT ainda não uniformizou a jurisprudência. Devolve". Aí aquele processo, outro regional julga de forma diferente. Aí sobe de novo para o TST. Ou seja, a gente adia o problema por um tempo. Eu até brinco, Senador Paulo Paim, que a Lei nº 3.015, nesse ponto, terceirizou a atividade fim do TST, que é a uniformização de jurisprudência. A uniformização de jurisprudência fazemos nós, e não os regionais.
Eu sugeri, realmente, a retirada dos projetos de lei da Câmara, para que nós ficássemos só com os projetos que estavam aqui no Senado, e senti, atualmente, depois do ajuste fiscal, a resistência do próprio Senado a criar qualquer cargo de qualquer segmento. Nós estamos precisados, principalmente o TST. Estamos precisados. Mas se a lei vier simplificar e diminuir o número de recursos, eu vou ter satisfação de poder dar uma resposta mais rápida à sociedade. Agora, atualmente, com a quantidade de recursos e com os funcionários que eu tenho, eu estou tendo que pagar hora extra em caráter habitual. Isso não é normal.
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Depois, a Senadora Ângela perguntou, contestou a questão da reforma trabalhista, se gera emprego, se não gera emprego... Eu estou convicto de que nós temos que fazer alguma coisa. Alguma coisa tem que ser feita. Vi a experiência de outros países, convidei palestrantes... O Prof. Pedro Romano, da Universidade de Lisboa, deu uma palestra, dando uma panorâmica, lá no TST, da reforma em cinco países. Ele disse que a maioria deu certo, e uma ou outra não geraram aquilo que se esperava, de empregos. Mas disse que melhorou a situação.
V. Exª também me perguntou que relevância teria o TST ou como é que funcionaria o TST se o direito hermenêutico fosse cerceado e perguntou sobre a posição institucional da Justiça do trabalho. Eu diria o seguinte: primeiro, não existe posição institucional da Justiça do trabalho. Existe a posição de cada ministro, de cada juiz, e a dos colegiados. Então, se eu edito uma súmula, se eu edito um precedente, eu tenho que me submeter, por disciplina judiciária. Agora, vou reconhecer aqui: há disciplina judiciária no Poder Judiciário? Não vejo. Não vejo. Tenho que reconhecer, infelizmente.
Quantas vezes o TST não segue a jurisprudência do Supremo? Quantas vezes os TRTs não seguem a jurisprudência do TST? Quantas vezes os juízes de primeira instância não seguem as jurisprudências dos seus respectivos TRTs? Por quê? Porque são dois valores que estão sempre em choque. Quais são?
(Soa a campainha.)
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - A disciplina judiciária, que eu chamo de responsabilidade judicial, e, por outro lado, a independência. E o juiz sempre defende a sua independência: "Não, se eu não puder julgar...".
Então, eu fico por aqui.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Agradeço a sua manifestação.
Passo a palavra agora ao Dr. Ronaldo Fleury.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Agradeço os questionamentos e agradeço os elogios à minha pessoa, os quais dedico aos membros do Ministério Público, que aqui eu apenas represento. Sou apenas o porta-voz, como chefe do Ministério Público do Trabalho.
Senadora Ana Amélia, de fato, eu sou um apaixonado pelo meu trabalho, pela minha instituição. Nós costumamos dizer, no Ministério Público, que não foi o Ministério Público que escolheu a gente; nós que o escolhemos. Nós fizemos um concurso para uma instituição, e é um trabalho absolutamente apaixonante, que é o de fazer o bem e levar a justiça, na maioria das vezes, na grande maioria, a pessoas que sequer têm noção do que é o direito, do que é o direito do trabalho, CLT, Constituição Federal.
Ontem mesmo, na Comissão de Direitos Humanos, eu estava vendo um vídeo produzido pela Organização Internacional do Trabalho, com o ator Wagner Moura entrevistando quatro trabalhadores resgatados do trabalho escravo. E um deles, que estava há três anos sem receber salário, numa fazenda, perguntaram o que ele sentiu quando viu o grupo móvel chegando, com procuradores, auditores fiscais do trabalho, policiais. O primeiro sentimento dele foi o de revolta com o grupo: "Mas esse pessoal vai tirar meu trabalho!" Só depois, quando foi esclarecido a ele que ele tinha direitos, foi que ele viu a condição em que estava.
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Então, eu sou realmente - eu gosto de dizer - um apaixonado pela causa, como a grande maioria dos meus pares, procuradores, em nome de quem eu agradeço.
Tentando pegar todas as questões colocadas, inicio pelo Senador Ricardo Ferraço dizendo que eu poderia pontuar várias questões que retiram direitos, previstos constitucionalmente inclusive. Uma delas, para ser bem genérico, é a possibilidade da "pejotização" ilimitada.
A lei prevê que eu posso ter 100% dos meus trabalhadores, que não serão mais empregados, como microempresários individuais. Na hora em que eu tenho 100% como microempresários individuais, eu estou lhes retirando todos os direitos, não só os da CLT, mas os da Constituição, porque eles são microempresários, são prestadores de serviços.
E volto a dizer: o projeto prevê que, mesmo comprovada a exclusividade da prestação de serviço para aquela empresa tomadora, ainda assim será vedado ao Poder Judiciário exercer o seu dever de reconhecer que é uma fraude. Retiram-se todos os direitos.
Quanto à questão do negociado sobre o legislado, há pronunciamento do comitê de normas da OIT no sentido de que o negociado sobre o legislado, visando à retirada do que nós chamamos de patamar mínimo civilizatório, que são aquelas garantias mínimas que visam equiparar a relação de trabalho, viola, sim, a Convenção nº 98 da OIT.
Outra questão é a jornada. Eu até abri aqui. Não sei se vou conseguir ler porque não trouxe os óculos.
"Inciso XIII do art. 7º: duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais".
Oito horas diárias, duração normal!
O projeto permite a flexibilização da jornada por acordo individual. A jornada normal não vai ser de 12 por 36, não. Será de 12 por 12. Doze, doze, doze, doze, doze, depois folga três dias. Será que isso interessa mesmo ao trabalhador? Acordo individual.
A jornada de 12 por 36, como hoje está prevista em súmula do Tribunal Superior do Trabalho, condiciona a negociação coletiva. Se em negociação coletiva já é difícil falarmos, hoje em dia, com a grandiosidade do nosso País, com a diversidade do nosso País, em equilíbrio de forças, com a força dos sindicatos - e vejo aqui o Deputado Paulinho, que é o líder da Força Sindical -, se já é difícil falarmos em equilíbrio de forças, imagine no acordo individual.
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Como no exemplo dado pelo Senador Paulo Paim, no meu primeiro emprego, junto com o contrato de trabalho, eu recebi a opção pelo FGTS - isso em 1983. E ninguém perguntou se eu queria optar ou não: "Olha, assina isso tudo aí". Fizeram a cruz lá e eu chameguei; eu queria trabalhar. E ai de mim se falasse: "Isso aqui eu não quero, não aceito; eu quero estabilidade". "Então tá, desculpa. Próximo da fila".
A questão da limitação do dano. Volto a insistir na limitação do dano extrapatrimonial, limitado a 50 vezes o salário. Volto a pegar o mesmo exemplo. Vamos pegar um exemplo aqui desta Casa, do Senado, de mim e de um servidor, um servidor não, um trabalhador terceirizado desta Casa. Ele veio me conduzindo aqui para a Comissão de Assuntos Sociais. Há um fio desencapado, nós dois tomamos um choque e viemos a falecer. Eu, aqui, vou falar da condição desse trabalhador e da minha, como visitante. Para o trabalhador, o dano moral vai ser limitado ao salário, tem um teto. Por quê? Porque ele é trabalhador e estava no ambiente de trabalho, um ambiente que tem de ser protegido. E ele está desprotegido. Volto a dizer: é o único ramo do direito em que se quer limitar, sendo que já há decisão do Supremo Tribunal Federal falando que a indenização por dano moral tem de anteder o princípio da integralidade do dano. E há parâmetros sim! A capacidade de pagamento da empresa é um dos parâmetros. É o exemplo que eu dei aqui da carrocinha de cachorro-quente e da General Motors. Acho que foi da General Motors que eu falei, não me lembro. Pensei numa montadora.
Nós queremos... Eu vejo vários empresários dando exemplos dos Estados Unidos. Então, vamos usar todos os Estados Unidos? O que acontece com o trabalhador que morre por um acidente de trabalho, numa empresa, nos Estados Unidos? A empresa quebra. O judiciário quebra a empresa com a indenização. Basta analisarmos como são feitas as obras nos Estados Unidos, todo o cuidado que existe por parte dos empregadores. É com medo da indenização. "Não, mas eu só quero a parte dos Estados Unidos em que não há rigidez no direito do trabalho, a parte da indenização não. Essa aí eu quero de Bangladesh".
Com relação a gestantes e lactantes. Coincidentemente, vindo para cá, minha vizinha de porta me ligou. Ela é dona de uma clínica de hemodiálise, é nefrologista. Ela está com uma enfermeira grávida e me perguntou o que fazer. Expliquei a ela como é a legislação hoje, achei melhor nem entrar no que pode vir a acontecer. Até fico feliz em saber que o Ministro Ives defende, também, que nesse ponto não seja aprovada a reforma, porque o que ele defendeu é exatamente o que existe hoje: há necessidade de uma autorização do Ministério do Trabalho, por um laudo médico, para saber se aquela atividade pode ou não ser maléfica. Uma coisa importante: não estamos aqui tratando de direitos da lactante ou da gestante; estamos tratando de direitos do nascituro e da criança. Num país, como diz o Milton Nascimento, meu conterrâneo, temos de cuidar do broto para que a vida nos dê flor e fruto. Se não cuidamos do nascituro, se não cuidamos da criança, que tipo de pessoa teremos no futuro? (Palmas.)
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O Senador Paulo Paim fez algumas questões bem interessantes. A questão do acordo individual: a quem interessa?
Eu vejo, Senador Paulo Paim, uma questão que coloquei até numa audiência pública na Câmara: uma das possibilidades de negociação para retirar o controle de jornada. Eu fiquei matutando, como diz o outro: a quem interessa acabar com o controle de jornada? Ao trabalhador que não é. O trabalhador quer ter o controle de quanto tempo trabalhou, até para saber quanto vai ganhar depois. Ao bom empregador, jamais, porque, para o bom empregador é a única garantia, a única prova material que ele vai ter da jornada que o trabalhador cumpriu, caso o trabalhador venha a acioná-lo judicialmente. Então, interessa a quem? Interessa ao mau empregador.
A Senadora Ângela Portela fez alguns questionamentos sobre os quais eu me vejo obrigado a me manifestar, mesmo que direcionados exclusivamente ao meu amigo, o Ministro Ives. A questão da diminuição da demanda trabalhista, que foi colocada. Contraditoriamente, o projeto prevê a redução pela metade do depósito recursal para as entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte isentas, entidades filantrópicas e em recuperação judicial. Ou seja, facilita o recurso. Talvez porque, no TST hoje, praticamente 80%, 70% - não me recordo agora o número - das ações sejam de bancos e Governo, talvez para dar mais diversidade, possibilitar que outros processos cheguem ao TST.
É uma contradição: se queremos diminuir o volume de processos que chegam ao TST - e eu, particularmente, penso que temos, sim, de diminuir não só no TST, no Supremo, no STJ, porque o nosso sistema processual é um sistema extremamente perverso com os magistrados superiores -, nós não podemos... Se o objetivo é diminuir, nós não podemos facilitar o processo.
Detalhe: só facilita o do empregador; para o empregado, não. Para o empregado, está havendo uma inversão. O empregado que não comparecer à audiência inaugural vai ter que pagar as custas e não vai poder entrar com a ação de novo. O empregador que não comparecer não vai ser considerado revel. Mas na Justiça comum é! Por que só na Justiça do Trabalho não é? O demandante trabalhador é menos importante para o Estado do que o demandante civil?
Com relação à jornada intermitente, V. Exª pediu, Senadora Ana Amélia, sugestão de como colocar, por exemplo, a questão do bufê. A questão do bufê me veio à memória, porque foi uma questão que discuti na Casa Civil, com o Ministro-Chefe da Casa Civil e seus assessores técnicos. O Ministério Público do Trabalho está à disposição. Não tenho como agora pensar num texto, mas estamos à disposição para ajudar V. Exª e todos os Senadores.
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A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Permita-me, Presidente.
Dr. Ronaldo, V. Sª insistiu muito na questão da mãe, na questão da criança, da parturiente ou da mulher grávida, e há um projeto que eu assinei, uma PEC, para flexibilizar a licença-maternidade. Não é aumentar; é apenas compartilhar entre pai e mãe.
A sociedade moderna, hoje, tem um conceito diferente dessa relação, dessa responsabilidade. O senhor acha que isso deve ser feito?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu já vou acrescentar: eu tenho um projeto anterior, que transforma em licença-natalidade, porque a licença-maternidade está, já, muito... Hoje, são o pai e a mãe que tomam conta da criança, e, por outro lado, também amplia e estendendo essa possibilidade para casais adotantes e casais homoafetivos.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - No caso da proposta, só para deixar claro: hoje são quatro meses a licença-maternidade. Quanto à mulher que trabalha e o marido que trabalha - os pais da criança recém-nascida -, a proposta dessa PEC é a seguinte: se a mulher sentir necessidade de voltar, porque ela não quer perder o ritmo do trabalho, volta aos três meses - ela fica em haver com um mês. E o marido, pai da criança, poderá completar essa licença, em benefício, evidentemente, da criança. Ele vai trazer a criança de casa, levar ao trabalho da mãe para a amamentação.
Então, só para resumir, para poder entender, quero saber se o senhor é a favor dessa flexibilização.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Nesse ponto, eu vou dar o meu posicionamento, não o da instituição, porque não foi discutido na instituição.
Eu, particularmente, vejo com bons olhos. Sempre fui um defensor da ampliação do conceito de licença-maternidade. Para mim, não existe a chamada "licença-gestante"; é uma licença-maternidade. Como sempre fui defensor, por exemplo, para os casais homoafetivos que adotem uma criança, bem como na questão dos adotantes também, mesmo um casal não homoafetivo que adote... Sempre fui defensor. E vejo com muito bons olhos essa possibilidade de alternância. O importante é que a criança tenha atenção integral, ou pelo pai, ou pela mãe.
Com relação à contribuição sindical - imposto sindical, como nós o chamamos -, eu, particularmente, sou contra o imposto. No entanto, eu sou a favor de uma reforma sindical, como um todo, não apenas o enfraquecimento dos sindicatos pelo custeio, principalmente agora, que se quer possibilitar aos sindicatos a negociação de direitos até para a retirada de alguns direitos.
Quanto à revolução tecnológica, o teletrabalho, eu regulamentei, no Ministério Público do Trabalho, o teletrabalho. Existe teletrabalho no Ministério Público do Trabalho. O Dr. Rodrigo Janot, como chefe do Ministério Público da União, o regulamentou no Ministério Público da União. Depois, como chefe do Ministério Público Federal, o fez no Ministério Público Federal. E eu o fiz no Ministério Público do Trabalho.
Nós temos que estar atentos, realmente, às novas tecnologias.
Eu sou datilógrafo. Tenho curso. Tenho diploma de datilógrafo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Nós temos que estar atentos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - O receio que eu tenho é quando o Estado quer impor um regramento sem que haja uma demanda social para isso. O direito é a construção da realidade social, visando à convivência.
Temos que pensar na regulamentação de tecnologias como o Uber, teletrabalho e todas as outras? Temos que pensar. Temos que pensar em regulamentar?
(Soa a campainha.)
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O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Temos que pensar em regulamentar? Temos que pensar, até mesmo no próprio uso da internet, apesar de todos os avanços que nós já tivemos. O que me deixa preocupado é, por exemplo, nós colocarmos essas tecnologias numa proposta de reforma sem discussão. Temos que discutir com a sociedade. Vamos ouvir, por exemplo, a Uber e outros aplicativos, os usuários dos aplicativos, vamos ouvir os trabalhadores que trabalham com esses aplicativos.
Para terminar, o Senador Cristovam teve o azar de pegar um voo comigo, de São Paulo para cá, e eu vim azucrinando o ouvido do Senador de lá até aqui, nós viemos discutindo. Eu tenho uma verdadeira paixão pelo regime democrático, talvez vindo do meu segundo pai, o meu sogro, já falecido, ex-Senador desta Casa, Maurício Corrêa. Eu tenho um respeito tremendo pelas duas Casas. E esta Casa, como Câmara Alta, não pode ser apenas uma chanceladora dos projetos que vêm da Câmara. Temos que discutir amplamente. (Palmas.)
Eu não estou propondo aqui "Vamos rejeitar tudo". Vamos discutir, debater, ouvir todas as teses, todas as vias de solução, para encontrar os caminhos melhores para a sociedade, para os trabalhadores brasileiros.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Como relator, eu gostaria de merecer, por parte dos nossos convidados, uma consideração a respeito de uma percepção que fico do quanto excludente é este debate que estamos fazendo aqui, à medida que o IBGE e também o Dieese afirmam que o Brasil tem 137 milhões de pessoas em idade laboral. Dessas, 49,5, 50 milhões de pessoas estão acolhidas pela CLT; outros 87, 90 milhões de brasileiros nem sequer estão acolhidas pela CLT. Qual o olhar que nós devemos ter para essa precarização plena desses 90 milhões de brasileiros que estão fora dessas preocupações que estamos tendo aqui? De que maneira esse projeto dialoga para contribuir para nós abrigarmos ou incorporarmos mais brasileiros no mercado formal de trabalho?
Senão, nós estamos aqui a discutir para um conjunto, uma parcela da população, e não para o conjunto dos brasileiros em idade laboral. Eu queria merecer uma observação de V.Sª.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Levando em conta a condição de relator de V. Exª, sua resposta será a primeira a ser dada, após os Senadores Cristovam, Kátia, Lídice, Lúcia e Armando Monteiro se manifestarem.
Com a palavra o Senador Cristovam.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Obrigado, Presidente.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Bom dia a todos.
Quero dizer que fico feliz em estar nesta solenidade, neste evento, com esses dois personagens, com um dos quais eu vim uma hora e meia falando sobre esse assunto, mas que aqui ganhou uma dimensão diferente.
Eu vou começar, Dr. Ronaldo, pelo senhor. Eu vi que, no final, o senhor disse uma frase que me tocou, porque o senhor disse que está à disposição para ajudar a evoluir na atual legislação. E lembrou que, até hoje, temos trabalho infantil, trabalho escravo. Aí me veio à lembrança: depois de quase um século das leis trabalhistas, ainda temos isso. Logo, algo não está bem. E, para mim, o que não está bem é que as leis trabalhistas têm defendido os trabalhadores com emprego, e eu quero dizer que, na hora de dar o meu voto, eu vou votar primeiro pelo Brasil, como entidade, que para mim existe - uma entidade que junta todos nós, inclusive classes -; segundo, os trabalhadores empregados, porque temos de garantir-lhes direitos; mas depois também os trabalhadores desempregados e os futuros trabalhadores, inclusive as crianças.
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Eu sempre... O nosso hino diz que o Brasil é um gigante deitado em berço esplêndido. Eu acho que está errado: é um gigante amarrado em berço esplêndido. A gente precisa liberar este País. Todos sabem, Senador Tasso, que, para mim, a tesoura para cortar as amarras chama-se escola, que ninguém discute aqui. É um não tema na sociedade. Essa é a verdade. Quando vêm, vêm umas reformas pequenininhas, tímidas - positivas, mas tímidas. Se tivéssemos garantido - e isso a CLT não fez, ninguém fez nem está fazendo - que o filho do trabalhador...
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Caramba! Houve uma mudança do tempo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Ah, sim.
Se garantíssemos - e a CLT não toca nisso - que o filho do trabalhador fosse à mesma escola do filho do seu patrão, não estaríamos precisando discutir regras para proteger trabalhadores. Mas este não é o tema.
Eu vou votar, como eu disse, com base nisso. E aí as minhas perguntas, para me ajudar a tomar minhas decisões são: primeiro, que sugestões o senhor tem para uma lei que permita ao Brasil ajustar-se a esse tempo fluido? E o senhor mesmo colocou isso quando falou que a construção social é que deveria fazer as leis. Mas a gente vive num tempo, como dizem alguns, fluido. Por exemplo, o senhor falou que a gente precisa debater a Uber, que a gente nem estás debatendo direito, mas já existe táxi sem motorista em alguns lugares! Você vê como a gente está atrasado nas discussões! Então, como é que a gente vai ter leis - quais as suas sugestões - para um tempo em que as tecnologias mudam tão depressa que as leis ficam superadas rapidamente?
Segundo: como é que a gente vai poder, já que falo no Brasil, enfrentar a concorrência com os outros países? Um desses dias, meu caro Senador Tasso, eu estava aqui no Recanto das Emas, cidade do Distrito Federal, e, visitando as pessoas, entrei numa loja de materiais de construção, Ministro. E eu disse: "De onde você traz tanta coisa?" Ele disse: "Quase tudo, hoje, é da China." E, aí, eu andei um pouco e vi um chuveiro de uma empresa muito conhecida do Brasil. Eu disse: "Mas ali, não: é uma coisa brasileira." Ele disse: "Não; a empresa montou uma fábrica na China". Não vou dizer o nome dela, mas todos sabem qual é a fábrica de chuveiros importante. Pois bem; como é que a gente vai ter um conjunto de leis se não podemos combinar com o Paraguai quais são as leis que eles têm, nem com a China, nem com a Argentina?
Então, são as duas perguntas: como é que a gente combina não só a fluidez da dinâmica tecnológica, mas também a globalização? Porque não vai dar para fazer um muro separando o Brasil do resto, como o Trump está tentando fazer. Essas são duas perguntas: como ficaremos sem uma reforma para defender os direitos dos desempregados? Como está hoje, a CLT é capaz de dinamizar o emprego? Ou ela inibe e amarra? E aí o senhor disse: "É o crescimento que vai trazer o emprego." Mas é também o emprego que traz o crescimento. Hoje a gente não está amarrado nas dificuldades de criar emprego aqui enquanto as empresas estão indo para o Paraguai, para a China, para a Argentina e outros lugares?
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Dr. Ives, com quem tive não no avião, mas no meu gabinete uma longa e ótima conversa sobre filosofia, eu faço uma pergunta ao filósofo: a proposta que está vindo não aumenta direitos? Todo mundo fala que está tirando direitos. A liberdade, como o senhor falou, de regular o tempo do almoço não é um direito que a gente está dando? A possibilidade de trabalhar quatro dias hoje e doze depois não é um direito que a gente está dando? Desde que tenha um máximo para o tempo de trabalho por semana e um mínimo para o tempo do almoço.
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Então, essas são as perguntas.
A última, eu não vou fazer ao Ronaldo - e vou chamá-lo assim pelo sogro dele, que foi meu amigo - que já a respondeu, mas queria ouvir a opinião do Ministro sobre o imposto sindical. E não vou perguntar sobre o fundo partidário, embora, para mim, a gente devesse trabalhar juntando as duas coisas.
Então, qual é a posição do Tribunal e a sua, pessoal, se não forem coincidentes, para essa ideia de acabar com o imposto sindical?
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Muito obrigado, Senador Cristovam.
Com a palavra a Senadora Kátia Abreu.
A SRª KÁTIA ABREU (PMDB - TO) - Obrigada, Sr. Presidente.
Cumprimento todos os nossos convidados, o Dr. Ronaldo e o Dr, Ives Gandra, um querido amigo.
Eu gostaria, Sr. Presidente, Ives Gandra e Dr. Ronaldo, de alguns números estatísticos, mas farei uma listinha para que vocês não tenham que perder o tempo respondendo aqui - e, talvez, nem tenham esses números neste momento. Mas um dos pontos dessa lista de estatística, eu gostaria de conhecer, se for possível.
Do número de ações, em 2016, em toda a Justiça do Trabalho no Brasil, não só o que chegou ao TST, desse número de demandas, quantas demandas o patrão venceu e quantas demandas, em números, o trabalhador venceu? E qual foi o volume de recursos que acarretaram as indenizações e tudo o mais?
Eu queria iniciar falando sobre a questão do intervalo de 30 minutos.
Eu acho que tem que haver ponderação. Para essa lei dos 30 minutos, eu acho que pensaram apenas nos trabalhadores administrativos e em pessoas que não fazem esforço físico. Então, eu, que já sou do ramo da agropecuária, fico pensando nos meus trabalhadores e em todas as atividades agropecuárias do Brasil.
Um intervalo de 30 minutos é antifisiológico. Na verdade, quando se almoça - eu não sou médica, mas leio um pouco sobre o assunto -, todo o sangue do corpo vai para o estômago, para fazer a digestão. Se montar num cavalo e der uma carreira ou se pegar a foice e for para o sol, eu posso ter uma congestão, assim como um desportista não pode pular na piscina, como as avós diziam: "não pode nadar porque vai dar congestão". É a mais pura verdade. Assim como um rapaz que nada não pode ir para a piscina com 30 minutos de almoço, porque com certeza vai se sentir mal.
Então, fechar, na lei, em 30 minutos, como se tudo fosse igual, não é possível. Isso é desumano! Para todas as categorias que fazem esforço físico contínuo, como essas do campo que eu acabei de citar...
(Soa a campainha.)
A SRª KÁTIA ABREU (PMDB - TO) - ... É inimaginável que nós possamos considerar 30 minutos. Estou falando dos meus trabalhadores. Não estou falando de trabalhador alheio - está bom?
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Agora, num centro cirúrgico, por exemplo, também é inadmissível que se pare uma cirurgia no meio para que os enfermeiros tenham uma hora de almoço. Não é necessário. São hospitais que têm todas as condições de trabalho e onde 30 minutos são suficientes, porque não há esforço físico por parte dos médicos, dos enfermeiros.
Então eu acredito que o Ministério do Trabalho, juntamente com toda a equipe técnica de medicina do trabalho, poderá regulamentar quais são as categorias que podem ser dispensadas de uma hora de trabalho e as que não são. Garanto que, no campo, praticamente todas necessitam. A não ser o trabalho administrativo nas fazendas, para todas as demais serão necessários os uma hora, não só meia hora.
Dei dois exemplos: o centro cirúrgico e a parte administrativa. Onde há o emprego de força física não dá para admitir. Então, essa regulamentação tem que estar bem separada.
Outra questão que não consegui entender - é claro que a falha é minha - diz respeito à jornada intermitente. Qual é a crise dela? O trabalhador tem que ficar à disposição em contrato do patrão ou é tipo Sebrae? O Sebrae tem um banco de consultores, contrata aqueles consultores por 22 horas, 40 horas, e esse consultor pode trabalhar para o Senar, para o Sesi/Senai. Ele não fica preso. Agora, nessa forma da lei, o trabalhador tem que ficar à disposição de uma determinada empresa sem saber nem quanto vai ganhar nesse contrato? Ele vai trabalhar duas horas? Dez? Vinte? A conta do final do mês chega, para pagar luz, água, escola, comida. Então, como ficou essa questão da jornada intermitente? Ainda tenho bastante dúvida.
Com relação às horas de 12 para 36, eu reconheço que todas as enfermeiras do País já trabalham assim, os técnicos de enfermagem já trabalham 12 por 36. Eu só gostaria de fazer uma consideração: se isso for generalizado, nós vamos tirar mercado de trabalho dos jovens do ensino médio. Eles ficarão excluídos dessa possibilidade, porque ou vão estudar de manhã ou à tarde ou à noite. Então é impossível trabalharem 12 por 36. Nós vamos excluir uma grande força de trabalho do País, que é a juventude.
Também quero lembrar que há muita gente dando exemplo dos médicos e enfermeiros. Toda hora se fala de médico e enfermeiro, mas imaginem o trabalhador de um frigorífico que trabalha dentro da câmara fria. Se ele trabalhar 12 por 36 sem autorização do Ministério do Trabalho... Acho que aqui ninguém conhece o que é uma triparia, participou ou visitou uma triparia, um frigorífico triparia. Vocês não têm noção do que significa trabalhar numa triparia.
Outra questão é o trabalho no sol a pino no regime de 12 por 36. Em que condições físicas... Então, para tudo, tem que haver não uma regra geral, agora 12 por 36 para muitas outras categorias é maravilhoso, é superprático. As enfermeiras gostam, porque ficam livres para outras atividades, inclusive para outros empregos. Então, não existe nada do demônio e nada do céu aqui. Eu acho que existem as duas coisas e que tudo tem que remeter à regulamentação no Ministério do Trabalho.
Uma questão que ainda gostaria de comentar é o banco de horas, porque hoje, se o trabalhador não receber até o final do ano, ele tem um acréscimo de 50% sobre o não recebido. Isso é muito? É; mas, pelo menos, não deixar isso para o acordado sobre o legislado, porque ele pode receber sem correção nenhuma. Então, por que não incluir a correção do INPC nessas horas, caso o trabalhador... Cinquenta por cento é muito? Talvez não; talvez o INPC possa dar até mais.
R
Agora, nós temos que fazer conta financeira. Não se trata de bondade com o trabalhador. Nós estamos fazendo uma conta justa. Então, se eu tenho um dinheiro, quando eu vou fazer o meu plano de negócios, eu coloco o meu patrimônio, o que ele valeria no mercado se o dinheiro estivesse aplicado, para se enquadrar num plano de negócios. Então, o trabalhador também tem o plano de negócios dele. Ele tem o direito de ter o seu plano de negócios e receber as suas horas, depois de um ano, com algum tipo de correção que não seja só o negociado sobre o legislado. Acho que nós precisamos admitir essa hipótese com muita clareza, com muita razão e, como está na última moda, mercado não é só para patrão; mercado também é para trabalhador. Então, ele também quer a sua correção.
Eu acho que essas são, até o momento, as minhas principais considerações. Nas próximas audiências, eu continuo falando a respeito.
Por favor, mais um minuto. Como o Dr. Ronaldo é um tanto poético quanto à sua profissão, eu digo que todos nós escolhemos as nossas profissões, que nenhuma escolhe a gente. Então, não é só a do Ministério Público. Eu escolhi ser psicóloga e, depois, Senadora. Produtora rural eu não escolhi; fui obrigada a ser, mas depois gostei.
Eu só quero lembrar que também tenho um exemplo melancólico. O senhor disse que salvou um trabalhador que estava há três anos sem receber.
(Soa a campainha.)
A SRª KÁTIA ABREU (PMDB - TO) - E eu acredito plenamente na sua palavra. Com toda a franqueza, eu acredito que possa ter acontecido isso. Mas também, ao contrário, eu conheço um rapaz de 30 anos que foi acusado de trabalho escravo sem ter um palmo de chão, porque ele tinha um trator que alugou por um terceirizado de uma fazenda e ele, então, por ser o dono do trator, foi acusado de trabalho escravo. Mas, na verdade, ele foi acusado de trabalho escravo porque o dono desse trator é irmão da Senadora Kátia Abreu, e ele era funcionário do Ministério Público do Trabalho no Tocantins, concursado, com todos os louvores. Ele teve depressão profunda durante um ano e se exonerou do serviço público por conta de bullyng e de assédio moral no local de trabalho. Então, ele foi absolvido agora, foi inocentado, porque, na verdade, ele nunca praticou trabalho escravo na vida.
Então, essa história eu também gostaria de deixar registrada.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada.
Com a palavra a Senadora Lídice da Mata.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Presidente, Srs. Senadores, convidados, primeiro quero ressaltar a importância de o Senado estar fazendo esse debate hoje com as duas Comissões, porque parte do princípio de que nós não vamos aceitar o que vem pronto e não compreendemos que o processo legislativo soberano queira dizer pressa na decisão.
Essas decisões que nós estamos tomando ou vamos tomar dizem respeito a milhões de pessoas que estão lá fora e que não terão oportunidade, certamente, todas elas, seria impossível, de se pronunciarem. Há pesquisas que demonstram que há entre essas pessoas uma posição formada, até majoritariamente na sociedade, contra a reforma da previdência. Mas eu não vou me socorrer disso, porque acho que, da mesma forma, se nós fizermos uma pesquisa agora sobre a pena de morte no Brasil, essa postura pode ser majoritária. No entanto, se eu não me socorro disso, eu não posso admitir que o Senado ou a Câmara dos Deputados possa fazer isso por medida de urgência, porque seria ignorar a necessidade de formar uma opinião majoritária na sociedade ou pelo menos parcialmente dividida para que o Congresso pudesse ser o elemento mediador de uma posição nacional.
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Alguns dizem: "O Congresso é soberano". O Congresso é soberano, sem dúvida nenhuma; mas o Congresso não está acima da existência nem das classes, nem das contradições da sociedade brasileira. Dizer isso é dar ao Congresso uma condição menor, na minha opinião. O Congresso é qualificado porque ele deveria, em tese, representar os interesses de diversos segmentos da sociedade, e, portanto, sintetizá-los numa decisão. Não é assim o Congresso Nacional - devo afirmar. As regras eleitorais não permitem que ele possa representar...
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ...de fato, ser um retrato da sociedade.
Vou finalizar, Srª Presidente.
E até digo que a mim surpreende e choca sempre que o Governo entre nesse processo de debate, como agora se abrem os jornais e vê-se que o Governo pretende liberar recursos para Deputados, oferecer cargos para garantir o apoio à reforma da previdência. Na minha opinião, isso tem outro nome. Isso é absurdo e não deveria nunca poder acontecer, porque interfere na decisão da representação da opinião da sociedade e passa a ser um interesse do Governo, e não da sociedade, ali representado.
Eu gostaria de fazer a seguinte pergunta: a jornada intermitente possibilita que milhões de trabalhadores recebam um salário inferior ao mínimo legal. Os senhores acreditam - pergunta aos dois - que o atual valor do salário mínimo é suficiente para a garantia das necessidades vitais básicas dos trabalhadores?
Quero, por último, também me referir à questão da mulher gestante, como foi perguntado pelo nosso Relator. Por que me refiro a isso? Porque toda vez, Senadoras, que vêm questões que dizem respeito à mulher trabalhadora - e assim foi na Constituinte, de que eu participei, quando se abriu, quando se aumentou a licença, chamada à época, maternidade -, em toda discussão, o primeiro argumento era de que isso significaria o desemprego em massa das mulheres. As mulheres não mais participariam do mercado trabalho. E, de 1988 para cá, não parou de crescer a inserção da mulher no mercado de trabalho, rejeitando completamente essa ideia, rejeitando uma ideia que é uma ideia de atraso do que é o direito daquele que vai nascer, como foi dito aqui.
Porque a responsabilidade com a vida da gestante não é do interesse apenas da gestante; é da sociedade brasileira, que terá a sua força de trabalho reproduzida naquele que vai nascer, sendo o mais pragmático possível nessa análise. Então, eu considero que tudo que precariza a participação da mulher no mercado de trabalho, ou tudo o que discrimina essa participação é nefasto aos interesses da sociedade brasileira.
Por isso que nós dizemos que é uma licença-maternidade. Ninguém pode alimentar um menino, uma criança que nasce, amamentá-lo.
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O homem não pode fazê-lo, mas o homem pode levar a criança para que ela seja amamentada pela mulher. Portanto, garantir que essa mulher não possa ter nenhuma circunstância de trabalho insalubre é de absoluta necessidade que este Congresso impeça que aconteça, ou ainda, impeça que esse absurdo se realize. Portanto, eu quero deixar clara aqui a minha posição em relação a este ponto.
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Nós não podemos discutir... Uma Justiça do Trabalho se justifica para garantir o direito daquele que tem menos força, e nenhuma sociedade no mundo reconhece que o trabalhador não é aquele que tem menos força, porque a força e o poder econômico é que comandam a sociedade, e nessas discussões ele é totalmente desconsiderado, passa a ser a vítima. A vítima das leis trabalhistas no País, pelo que eu já ouvi dizer, inclusive do Presidente da Câmara, é o grande empresário brasileiro. É uma inversão de valores, na minha concepção. Sem desconsiderar a necessidade óbvia da existência desse empresariado pequeno, médio e grande. Mas essa análise é uma análise que inverte a relação de valores da sociedade.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senadora Lídice.
Agora, ainda temos a Senadora Lúcia Vânia, o Senador Armando Monteiro, depois a consideração de cada expositor, e aí passamos para outra mesa, por causa do adiantado da hora.
Então, com a palavra a Senadora Lúcia Vânia. (Pausa.)
A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - Srª Presidente, senhores expositores, quero cumprimentar o Dr. Ronaldo e o Dr. Ives pela exposição e dizer que esse contraponto é enriquecedor para nossa avaliação.
Minha primeira pergunta seria dirigida ao Dr. Ives.
O Dr. Ronaldo contrapõe a afirmação de V. Exª - eu estou falando aqui da limitação de danos - em relação a estabelecer parâmetros para indenização em caso de acidente de trabalho. E ele faz uma exemplificação muito clara dizendo que, no caso de acidente entre um trabalhador e um consumidor, esse estabelecimento de um parâmetro afirma que a vida de um e de outro têm valores diferenciados. Então, eu gostaria de saber a sua posição em relação a isso.
Segundo: eu gostaria também de saber de ambos quais são aquelas mais importantes modificações que deverão ser acrescidas, melhoradas nesse projeto.
Terceiro: uma coisa que também me deixa muito em dúvida é o contraponto entre as convenções e a Constituição. Como é que nós vamos trabalhar essa contradição que existe, muitas vezes, entre convenções e Constituição?
Quarto: eu gostaria que ambos comentassem a frase do Senador Paim de que quem gera emprego é o mercado.
Quinto: eu queria só fazer uma afirmação em relação à questão da insalubridade...
(Soa a campainha.)
A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - ... para gestantes e lactantes.
Eu acredito que a maternidade tem uma função social. Tendo uma função social, obviamente, a sociedade tem que partir para uma proteção geral a essa gestante. Portanto, mexer em princípios, em direitos da gestante, principalmente em relação a insalubridade, é um dano muito grande para a própria sociedade.
A SRª PRESIDENTE (Maria do Carmo Alves. Bloco Social Democrata/DEM - SE) - Obrigada, Senadora Lúcia Vânia.
O último inscrito é o Senador Armando Monteiro.
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O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE) - Eu queria cumprimentar o Ministro, o Sr. Procurador e dizer que eu fiquei acompanhando aqui as exposições e, desde logo, me considero contemplado, quando, do alto da sua autoridade, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho afirma - e isso ficou muito claro - que o projeto não fere essencialmente nenhum direito do trabalhador.
Permitam-me, fazendo aqui precariamente uma incursão na esfera jurídica, lembrar sempre que a Constituição consagra o princípio da autonomia da vontade coletiva. E, às vezes, quando se discute o negociado em relação ao legislado, fica a impressão de que o negociado estaria, por assim dizer, se contrapondo à lei. Não! Ao reconhecer a autonomia da vontade coletiva, pretende-se considerar que aquilo que se consagra na convenção coletiva, numa margem que eu reconheço estreita e que o projeto, de resto, me parece que respeitou, quais são os pontos que podem ser objeto da negociação... E vejam que aqui falamos muito e só tratamos de alguns temas - intervalo intrajornada, parcelamento de férias -, porque há uma margem estreita exatamente por conta dos limites que estão estabelecidos na Constituição e, de certo modo, na Consolidação das Leis do Trabalho.
Por outro lado, o projeto confere uma visão do que é interesse do trabalhador.
(Soa a campainha.)
O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE) - É algo voluntário.
Eu vi aqui se tratar da questão dos 30 minutos, como se fosse algo que o projeto estivesse impondo.
Bom; quero dizer que me sinto muito contemplado quando o Ministro Ives, com a sua autoridade técnica e do alto da sua posição, afirma aqui que o projeto não fere nenhum direito essencial do trabalhador.
Feita essa consideração, eu queria dizer que o Procurador Ronaldo fez uma incursão na área econômica, fazendo uma avaliação entre o que é que significa um maior grau de flexibilização vis-à-vis do crescimento econômico.
Ora, Procurador, o crescimento econômico é fruto de uma série de fatores, desde a dotação de fatores naturais, de recursos naturais, de capital humano, de capital físico, mas também do ambiente institucional. Há largamente hoje, na literatura econômica, exemplos de que há uma relação entre a dinâmica das economias e a qualidade do seu ambiente institucional.
Como V. Exª fez referência a um estudo de 63 países - parece-me que é isso -, queria lembrar um exemplo que está no mesmo espaço, considerando, inclusive, as realidades socioeconômicas, que é o exemplo da França e da Alemanha: o que aconteceu nesses 15 anos, quando comparamos o desempenho desses dois países?
O que se verifica é que, no início dos anos 2000, o francês tinha a mesma renda média do alemão. Depois de 15 anos, o alemão tem 20% de renda a mais que o francês e, na Alemanha, há menos da metade da taxa de desemprego verificada na França. E o que é que se identifica nos dois países? Na Alemanha, houve um espaço. O sistema na Alemanha se transformou num sistema mais negocial e menos estatutário.
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A rigor, o que se discute é o seguinte: pode a lei, que se cristaliza necessariamente, acompanhar a dinâmica das relações do trabalho? Parece-me que, como disse bem V. Exª, há um patamar mínimo civilizatório que tem que ser preservado, inclusive porque os países vivem estágios de desenvolvimento muito díspares. Mas há um espaço aí que tem que ser conferido - há um sistema negocial - sob pena de amarrarmos. Como o Senador Cristovam falou, o Brasil é um país que está amarrado num berço esplêndido.
(Soa a campainha.)
O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE) - E aí, para concluir, eu queria dizer que o Senador Ferraço fez uma intervenção que me contemplou. Eu senti muito pouco espaço na avaliação do seguinte: o Procurador disse que o direito tem que representar algo que aponte para a construção da realidade social. E eu me pergunto: qual é a relação entre todos esses anos da CLT e o grau de inclusão no mundo do trabalho? E aí encontramos no Brasil uma realidade perversa, uma realidade dual, que foi muito bem apontada pelo Senador Ferraço. Um contingente imenso de brasileiros que estão na desproteção absoluta, na precarização absoluta. E eu me pergunto: há alguma relação entre o grau de rigidez do mercado de trabalho e o nível de informalidade de uma economia? Por exemplo, V. Exª fez referência ao México e aludiu apenas o exemplo de que houve, por assim dizer, um rebaixamento salarial no mercado formal. Mas eu pergunto a V. Exª: isso que V. Exª apontou como uma hiperflexibilização no México teve algum efeito na redução da informalidade no mercado de trabalho do México? É uma pergunta que eu coloco.
Então me parece que essa avaliação do que é que representa o maior grau de flexibilidade na legislação não pode deixar de, necessariamente, no que diz respeito aos países emergentes, considerar a questão da informalidade, porque ela significa a precarização absoluta.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - É interessante os pontos de V. Exª.
Eu acredito que, agora, nós podemos dar 15 minutos para as últimas palavras de cada expositor, e que aí eles contemplem já as perguntas dos Senadores. E então poderemos encerrar a nossa reunião e começar a segunda parte.
Com a palavra - vamos variar agora - o Procurador-Geral do Ministério Público, Dr. Ronaldo Fleury, primeiro.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Encerro, não é?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Sim, já encerrando.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Bom, então vamos lá. Vou tentar ser o mais objetivo possível.
Uma questão colocada pelo Senador Ricardo Ferraço que abrange várias colocações de outras Senadoras e de outros Senadores é a questão da informalidade. Para quem estamos... Peço perdão: para quem V. Exªs estão legislando? Para todos: para os formais, com contratos indeterminados; para os que existem hoje temporários; para os que existem hoje terceirizados; para os desempregados e para os que estão na economia informal.
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Quando eu digo aqui - e repito - que a modernização do Direito do Trabalho deve vir, mas ela deve vir com parâmetros de pesos para ambas as partes, eu estou dizendo o quê? Por exemplo, queremos criar empregos? Queremos facilitar a criação de empregos? Para isso, estamos criando "pejotização", criando jornada intermitente. Que criemos formas de contratação facilitada, vamos chamar assim, para aquelas empresas que se obrigarem a manter o número de contratos hoje protegidos, porque, aí, sim, evitaremos o que ocorreu no México, a mera troca de empregos por prazos indeterminados, protegidos por empregos desprotegidos.
E, aí, eu penso, Senador Armando Monteiro...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Formais. Quando eu digo desprotegido, eu digo não por prazo indeterminado. O que nós não podemos permitir - e eu penso que este é o grande desafio desta Casa - é criar uma norma que permita aos empresários simplesmente substituir a totalidade de seus trabalhadores por microempresários ou por terceirizados, o que, volto a dizer, vai contra a própria essência do capitalismo, porque não teríamos o trabalho; só teríamos o capital.
Então, eu penso que temos de pensar, sim, na economia informal. Dezenas de milhões de trabalhadores que hoje estão...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE. Fora do microfone.) - Porque V. Exª está falando de algo que parece que a lei nova trará. Na nossa situação atual, há uma rotatividade imensa.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Há.
O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE) - Eu pergunto: isso não traduz também uma resposta própria do mercado a uma certa lógica de reposição da mão de obra, tendo em vista a pressão competitiva?
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - E eu respondo a V. Exª com outra pergunta: se a rotatividade é cinco vezes maior nos terceirizados do que nos contratados diretamente, se nós ampliamos desmedidamente a terceirização, nós não vamos estar agravando essa rotatividade? Será que nós vamos corrigir um problema agravando onde está a essência do problema? Nós temos de corrigir o problema. Vamos tentar diminuir a rotatividade. Então, vamos combater onde a rotatividade é maior, e não onde ela é menor. Então, eu penso que...
O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE) - V. Exª me permite só um segundo.
Desculpe-me, Senadora Marta.
O Senador Paim, que estava ausente quando eu fiz a minha intervenção, fez referência ao fato de, quando se decidiu pela criação do fundo de garantia, não ter havido direito a uma discussão mais ampla. No entanto, se se fizer uma pesquisa hoje, eu me arrisco a dizer que 80% dos trabalhadores querem manter o fundo de garantia e o sistema indenizatório como tal.
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Então, aí vem a pergunta: acha V. Exª que há uma relação entre o sistema indenizatório que nós consagramos com o fundo de garantia e a alta rotatividade que existe do mercado de trabalho no Brasil?
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Como eu fui citado, só para ajudar no debate...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu fui citado!
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Não é nada contra.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Toda vez que eu vou falar, parece que há uma reação.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Não, não há nada contra.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não de V. Exª, mas eu sinto que há uma...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Você sabe que não tenho nada contra. Muito pelo contrário, tenho uma enorme admiração, mas nós temos, na próxima Mesa,...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Claro.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - ... pessoas que vão ter que tomar um voo daqui a pouco.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bom. Tudo bem.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, eu vou tentar... Eu estou adorando a discussão. Para mim, deixaria muito mais tempo.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Claro que eles vão querer o fundo de garantia, porque eles vão perder tudo. Tem que se agarrar ao fundo de garantia mesmo!
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Então, agora, vamos nos limitar aos expositores, apesar de estar muito bom o debate.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Eu só o peço o tempo...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Quer de volta? Vamos dar de volta mais três minutos e meio. (Risos.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Só para complementar, essa questão é indenizatória mesmo, do fundo de garantia.
Por exemplo, o projeto prevê algo que já está na CLT, mas a CLT coloca a rescisão pela metade, os direitos rescisórios pela metade, no caso que ela chama de culpa recíproca. Aqui, prevê a rescisão por acordo, mas comete o mesmo erro, que é generalizar. Na hora em que se busca uma legislação trabalhista sem amarras, volto a dizer, para ambos os lados, generaliza-se e se permite o fim da rescisão sem justa causa. Nenhum empregado vai ser doido de falar não: "Eu não vou aceitar". Ele precisa daquele dinheiro, ele vai ficar desempregado.
Então, a questão das amarras é muito importante. Volto a dizer: se esta Casa pretende permitir "pejotização", pretende permitir o elastecimento de contratos temporários a tempo parcial, como proposto, ampliar a terceirização, que crie amarras. A empresa só pode contratar por PJ, por exemplo, em tais atividades; só pode contratar terceirizados em tais atividades e mantendo o número de empregos pela CLT por prazo indeterminado que hoje existe. Eu penso que, aí, sim, nós teremos essa forma de compensação.
Com relação às colocações do Senador Cristovam Buarque, sugestões para o momento: volto a dizer que nós temos as notas técnicas. Acabei de entregar aqui - não tenho o número de folhas, mas, pela grossura, dá pra ver -, a nota técnica com relação ao projeto. O PLC 38 - peço desculpas, porque eu tenho um problema sério em gravar números - que iremos distribuir a todos os Srs. Senadores e Srªs Senadoras, e estamos dispostos a discutir. Apresentamos projetos de lei sobre o Direito do Trabalho, apresentamos emendas no âmbito da Câmara dos Deputados. Alguns Deputados apresentaram as emendas, obviamente, pois não temos essa legitimidade, mas apresentamos, e alguns Deputados encamparam essas emendas. Divulgamos tudo isso perante a sociedade.
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Aí, V. Exª pergunta se a CLT amarra crescimento. Não sou economista, confesso, mas sou um curioso da economia. A economia é cíclica, e assim foi na economia brasileira.
Há cerca de dez anos, o Brasil era a sexta maior economia do mundo, com a mesma CLT. Bem, então, a CLT ali não amarrou o crescimento. Agora, ela amarra? Várias das propostas, aliás, a maioria das propostas que hoje estão aqui neste PLC são defendidas pela CNI em documento de mais de 15 anos, quando o Brasil vivia uma situação econômica absolutamente diversa.
E, repito, a possibilidade de flexibilizar as normas trabalhistas em momentos de crise já existe na CLT, colocada pelos Parlamentares Constituintes de 1988. Mas, claro, se é um momento de crise, são soluções extraordinárias, temporárias, não definitivas como se pretende agora.
Com relação aos questionamentos da Senadora Kátia Abreu, eu não sei o número das demandas procedentes e improcedente, peço perdão. Eu vou buscar esses números - talvez até o Ministro Ives...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Desculpe, eu já iria citar, mas eu vou tentar buscar esses números, Senadora.
Com relação ao intervalo, V. Exª traz dois exemplos que vão ao encontro do que eu estou pregando aqui. Temos que condicionar algumas flexibilizações que estão sendo pregadas, propostas, melhor dizendo, a obrigações do empregador. Eu coloquei aqui como exemplo: quer reduzir para 30 minutos, tem que oferecer refeitório para o trabalhador ter onde comer, ter onde esquentar a comida, ou até um restaurante onde ele possa comprar comida; não simplesmente falar: "Todo mundo vai a poder negociar." Não a Senadora Kátia Abreu, mas o mau empresário rural vai pegar o trabalhador lá que está capinando, a manhã inteira no sol, e vai falar: "Você vai trabalhar 30 minutos e vai voltar para capinar."
A questão da jornada intermitente, só para explicar, Senadora. De fato, o trabalhador... Qual é o problema do jornada intermitente? Primeiro, o trabalhador não sabe quando vai trabalhar. Ele não sabe se vai trabalhar. Ele pode ficar um mês sem trabalhar, sem ser chamado. Ele pode ser chamado num dia para trabalhar de dez da manhã a meio-dia. E, depois, de cinco às nove. No outro dia, ele pode ser chamado para trabalhar de vinte e uma às duas da manhã. No outro dia, de meio-dia a uma. No outro dia, não é chamado. Então, a vida dele vira um inferno. Ele não pode estudar, ele não pode ter outro emprego, ainda que seja intermitente, porque uma hora vai chocar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu vou aí ter que interromper, porque eu acho que essa informação não é bem assim. Pelo que eu li da reforma, se eu bem lembro, está especificado o intermitente. Se algum dos Senadores quiser lembrar como era especificamente. V. Exª lembra, Ferraço? Porque eu li já faz uma semana.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - O quatrocentos e...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Estão especificadas as horas.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - O 452, em vários parágrafos, define e regulamenta. Porque nós precisamos considerar o seguinte: uma coisa é a vida como eu gostaria que ela fosse.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Sim.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Outra coisa é a vida real.
O trabalho intermitente está presente na sociedade, só que estimulando e motivando a realidade informal. A proposta me parece que dialoga com a tentativa de nós trazermos essa realidade para a formalidade. Então, não é nesse universo.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Devolvendo aqui. Eu interrompi a...
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O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Essa colocação que estou fazendo é de acordo com o projeto.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - V. Exª está generalizando.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Não. Eu estou partindo do exemplo do que existe hoje, existia de jornada intermitente, que é o exemplo, que todos conhecem do McDonald's, uma empresa que funciona normalmente das dez da manhã até às duas da madrugada e usava a jornada intermitente.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Foi proibido. Não é?
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Foi proibido judicialmente, por um acordo judicial, e agora pretende recolocar. O grande problema é essa insegurança do trabalhador.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Mas essa realidade está presente em outros países?
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Nem todos. Na Nova Zelândia, foi proibido. Na Inglaterra, agora nas eleições, é um dos temas mais debatidos. Em todos os países da Península Escandinava, foi proibido. Na Itália, foi proibido agora. Por quê? Porque os próprios governos, os próprios poderes legislativos estão vendo que o trabalhador se torna um escravo inseguro, porque ele não tem a menor ideia se vai trabalhar, qual a jornada dele, se ele vai trabalhar de manhã, de tarde ou de noite. Então, ele não pode sequer fazer um curso para almejar um trabalho melhor. Se ele tiver dois empregos intermitentes, e os dois o convocarem para o mesmo horário, ele vai ter que abrir mão de um. E ele vai abrir mão de qual? "Vou abrir mão desse que está me chamando mais."
Então, não podemos usar esse argumento de que vai possibilitar vários empregos, porque os empregos vão chocar. Ele não sabe a jornada. Vai possibilitar se falar: você vai trabalhar só de manhã. Seu horário é das oito ao meio-dia e, no outro emprego, das duas às seis, por exemplo. Agora, na hora em que há essa variabilidade, essa flexibilidade, essa insegurança, eu não sei a que horas vou trabalhar.
Volto a dizer: é diferente no caso de uma empresa intermitente, a empresa funciona em caráter intermitente, como é o exemplo do bufê, que foi levantado na Casa Civil, na discussão que eu tive lá. É diferente de uma lanchonete que abre todo dia, de dez da manhã às duas, três horas da madrugada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Procurador, eu tenho que pedir desculpa quando coloquei para V. Sª que não era bem assim que veio da Câmara. Era bem assim, mas eu confundi com o projeto, que, aliás, é do Senador Ferraço, e há um substitutivo do Relator, que é o Senador Armando Monteiro, que formaliza exatamente o que aqui está em discussão. E isso é alguma coisa que já aventei, inclusive na CCJ, porque ele está lá neste momento, se o Relator, Senador Jucá, poderia incorporar lá, porque faz todo sentido. Desculpa de novo.
V. Sª tem a palavra.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Presidente, só uma coisinha bem curta para o Procurador, bem curta. São duas perguntinhas rápidas. Não é melhor não saber a hora em que vai trabalhar do que saber que não vai trabalhar? Segundo... Não. É uma pergunta que faço. A gente deveria ouvir os desempregados também. Esse é o problema.
Segundo, não é possível uma rotatividade inclusiva e uma estabilidade que é excludente apenas para quem está dentro do sistema? Não é possível que a gente esteja vivendo isso?
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presidenta, já que todo mundo está dando palpite, eu quero ter o direito também.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu sei...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A senhora não vai deixar, né? Mas eu queria dar um palpite. Todos deram aqui. Quando eu entro...
O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - E eu também.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu peço que dê a palavra ao Paim. Eu peço.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu adoro quando as pessoas deem palpite, mas está ficando tumultuado.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas só uma frase. Eu fiz um seminário internacional, convoquei o McDonald's, e a denúncia - V. Exª tem razão - é no mundo todo. O trabalho intermitente é semelhante ao trabalho escravo, porque desorganiza toda a vida do trabalhador. Ele fica à mercê...
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Já colocou, Senador.
Com a palavra o Ronaldo.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu usarei a palavra, toda vez em que outro Senador usar.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP. Fora do microfone.) - Está bem, pode usar.
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - A questão da jornada intermitente, o grande problema é essa insegurança, Senadora Kátia Abreu. O trabalhador passa a não ter vida, porque, num dia, sou convocado de manhã, e, no outro dia, à noite. E gera-se a situação que nós chamamos de coisificação do ser humano. O ser humano é tratado como uma máquina. Numa máquina, só tenho gasto, quando ligo a máquina. A jornada intermitente pressupõe que o empregador só vai ter o gasto, quando liga o trabalhador. É a desumanização do trabalhador.
Com relação ao banco de horas, concordo plenamente com V. Exª. Nós não podemos deixar o banco de horas aberto, como proposto na proposta - no PLC - que vem encaminhada.
Com relação ao que V. Exª relata ter ocorrido com seu irmão, confesso que eu não tinha conhecimento. Infelizmente, em todas as áreas, onde há ser humano, há problema. No Ministério Público do Trabalho, no Senado, em qualquer lugar, é inerente ao próprio ser humano, tanto que agora, no dia 15 de maio, eu editarei uma portaria, regulamentando o assédio moral e o assédio sexual - regulamentando, não, perdão, para evitar; perdão, prevenindo, ou seja, para evitar o assédio moral e o assédio sexual no Ministério Público do Trabalho. Isso ocorre, sim. Há denúncias, estamos apurando, estamos investigando. É próprio do ser humano isso.
Creio ter atendido também à maioria das questões colocadas pela Senadora Lídice da Mata.
Com relação à proteção às mães, já me pronunciei bastante.
Da limitação do dano moral, que a Senadora Lúcia Vânia colocou. Volto a insistir nesta questão: isso é muito sério, muito grave. O projeto quantifica a vida do trabalhador, de acordo com o seu ganho. Dois trabalhadores casados, com dois filhos da mesma idade, que morrem no mesmo acidente...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - ... a indenização estará limitada de forma diferente, porque um tinha um salário maior do que o outro.
E o pior: o exemplo que dei de um consumidor e de um trabalhador que sofrem o mesmo acidente. À vida do consumidor, quais serão os limites? Os limites previstos, hoje, no Código Civil - a questão pedagógica, a gravidade do acidente, a repercussão no ambiente familiar. Mas para o trabalhador a gente limita? Por quê? O trabalhador é menos importante para o Congresso Nacional, para o País, do que um consumidor? Isso não faz o menor sentido.
E volto a dizer: isso viola frontalmente o princípio da reparação integral, que está previsto na nossa Constituição Federal. Não são palavras minhas: decisão do Supremo Tribunal Federal, que, como a gente costuma dizer no Direito, transforma o redondo no quadrado, transforma o preto no branco. Se o Supremo falou que é inconstitucional, não nos cabe defender o contrário.
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Apenas para encerrar, V. Exª, Senador Armando Monteiro, traz a questão da comparação da França e da Alemanha, bem interessante, até porque são duas realidades econômicas diversas dentro do Mercado Comum Europeu, dentro da Europa, vamos chamar assim. Não existe mais essa denominação, na comunidade europeia. São duas realidades econômicas diversas, o que vem reforçar o meu posicionamento. Onde há economia forte, há maior índice de empregabilidade e melhor remuneração; onde a economia está fragilizada, há aumento do desemprego e decréscimo econômico.
O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco Moderador/PTB - PE) - V. Exª está fazendo referência à França talvez, porque há estagnação em países que crescem e que não crescem. Quando V. Exª diz que isso tudo se deu já como efeito dessas economias fortes, eu quero dizer que há uma discussão sobre a estagnação de umas em relação a...
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - Só para terminar o raciocínio. O que estou dizendo é que a gente não pode imputar à legislação trabalhista o crescimento ou a crise econômica. Ao contrário, eu penso que a legislação trabalhista tem que ser uma para as duas situações e deve, sim, prever válvulas de escape para situações de crise econômica...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CURADO FLEURY - ... como já existe hoje na nossa Constituição. O próprio salário pode ser reduzido. Quer coisa mais importante do que o salário do trabalhador? Está assegurada na Constituição a possibilidade de redução salarial, mas em situações de crise econômica.
Então, só para terminar, novamente eu exorto esta Casa que faça todas as discussões, que ouça todas as entidades interessadas, para que possa trazer uma legislação que efetivamente modernize a legislação, não apenas permita a precarização do trabalho; que traga, democraticamente, propostas nascidas da classe trabalhadora e propostas nascidas da classe empregadora.
É essa a exortação que eu gostaria de fazer mais uma vez, agradecendo o convite em nome do Ministério Público do Trabalho, colocando o Ministério Público do Trabalho, todos os procuradores, à disposição desta Casa para o debate.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu agradeço ao Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Fleury, principalmente pela valiosa contribuição e o bate-bola que aqui se engendrou, que foi muito útil para todos nós.
Com a palavra, pelos últimos 15 minutos desta Mesa, o Presidente do Tribunal Ives Gandra.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - São muitos questionamentos, eu vou tentar me centralizar em alguns dos que foram colocados, porque vai ser impossível vermos todos.
Indo principalmente em linhas mais gerais, por que eu disse no começo que eu considerava positivo esse projeto em concreto, o PLC 38? Porque, fundamentalmente, ele estabelece regimes de trabalho para situações concretas para as quais até hoje não havia marco regulatório nenhum. Exemplo: o trabalho intermitente, a questão do trabalho autônomo, a questão de várias formas de trabalho, teletrabalho.
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Fiquei muito impressionado com a colocação do Senador Cristovam Buarque no sentido de que esse projeto está trazendo direitos; ele não está retirando direitos. Em que sentido? Ele está estabelecendo marcos regulatórios.
Nós temos hoje várias formas de trabalho. Eu sou um trabalhador como qualquer outro trabalhador, só que eu estou no regime do serviço público, no regime de magistrado. Então, há uma norma específica: a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Você tem o Regime Jurídico do servidor público.
Acontece que vai passando o tempo e você tem novas formas de trabalho, novas relações que precisam ser reguladas. Esse projeto faz exatamente isso. O trabalho intermitente existe no mundo inteiro, é uma realidade.
Então, nós vamos simplesmente dizer o seguinte: isso aqui não existe, nós não vamos regular e vamos continuar tentando aplicar uma roupa a uma realidade. A pessoa é de um jeito, e você quer colocar tudo no mesmo regime. Não existe o trabalho avulso, o trabalho cooperado. Você tem normas específicas.
Olha, eu, ouvindo muito do que o Dr. Ronaldo dizia aqui, eu ia me lembrando um pouquinho do que aconteceu uma vez comigo no Tribunal Superior do Trabalho. Eu também sou administrador, de certa forma, eu administro uma microempresa com quase 50 servidores. Pois bem, o que eu ouvi uma vez de um determinado servidor, já faz um bom tempo? Não é o ministro que escolhe o servidor; é o servidor que escolhe o gabinete, é o servidor que vai ver o gabinete que oferece melhores condições de trabalho, se vai liberar mais cedo, se vai ficar cobrando horário, se vai cobrar cota, se a cota é x ou y.
É como se eu estivesse ouvindo aqui não darmos uma regulamentação para todos esses tipos de trabalho, o que é a realidade, é o mercado, foi falado aqui. Eu começava a imaginar: não é mais entrevista em que o empregador vai entrevistar trabalhadores para contratar; é o trabalhador que chama os empregadores e diz assim: "Quem me oferece melhores condições de trabalho? Essa aqui eu não vou aceitar, aquela eu não vou aceitar. Eu quero um mundo ideal para mim." O mundo ideal não existe; existe o mundo real.
O que eu vejo em todas essas modalidades é que são regimes de trabalho. Todo regime de trabalho supõe uma relação de direitos e deveres, direitos e obrigações. Em geral, todo regime tem as suas vantagens e desvantagens. Você pega aquele regime. O que acontece, esta é a minha preocupação: nós temos uma informalidade muito grande; nós temos um mundo de processos que vão chegando à Justiça do Trabalho e que nós temos de terminar, nós temos de reduzir, senão nós não damos satisfação rápida à sociedade nem ao trabalhador nem às empresas.
A Senadora Lídice comentou aqui que a Justiça do Trabalho tem de ser a justiça do trabalhador. Eu sempre interpretei Justiça do Trabalho como Justiça do Trabalho, não como justiça do trabalhador. É uma justiça que tem de harmonizar as relações de trabalho, tem que encontrar o ponto de equilíbrio na distribuição dos frutos da produção entre capital e trabalho. Nós temos o art. 766 da CLT que diz, com todas as letras: quando, principalmente em dissídios coletivos, eu tiver que decidir, eu tenho que decidir de tal forma que eu dê justo salário ao trabalhador e justa retribuição à empresa. Eu fui Procurador do Trabalho, como o Dr. Ronaldo, durante 11 anos, e coordenei nacionalmente a Coordenadoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos. Eu lembro que uma determinada procuradoria regional quis dar o nome para a coordenadoria de Coordenadoria de Defesa do Trabalhador. Eu disse: "Não. Não é Coordenadoria de Defesa do Trabalhador; é Coordenadoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos." Por quê? Porque muitas vezes a norma vai estar protegendo a relação como um todo.
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O sindicato defende o trabalhador. O Ministério Público do Trabalho defende a ordem jurídica que protege o trabalhador. Por isso, muitas vezes, eu tenho as minhas divergências em relação a posicionamentos até filosóficos em relação a algumas posturas do Ministério Público. É claro que o Ministério Público é parte, ele atua muitas vezes como parte. Mas eu, como juiz, tenho que ser imparcial. Eu tenho que conseguir solucionar a questão da forma mais imparcial possível.
Por isso, uma das coisas que foram ditas - e aqui nós coincidimos, Dr. Ronaldo - é que pelo menos haja a garantia do emprego. Ou seja, em vez de fazer uma reforma e não garantir o emprego... Pois bem, aquilo que eu achava que não seria possível foi possível - um acordo entre centrais sindicais e empresas, confederações patronais, pelo menos em um dos dispositivos, que era: sempre que se flexibilizar jornada, salário, se garanta o emprego. Eu achava que isso aqui não conseguiriam, porque há muita emprega que diz: "Eu não vou garantir o emprego durante um ano. Se eu tiver que flexibilizar, eu não tenho condições de garantir." Pois olhe, por esta norma aqui, nenhum acordo ou convenção coletiva poderá ser assinado que flexibilize direitos sem garantir por um ano inteiro o emprego para todos os trabalhadores.
Se isso aí não é uma conquista, realmente eu não conheço muito o Direito do Trabalho, porque quantas negociações essa garantia não arrancava das empresas? Era assim: "Olha, eu dou outra vantagem compensatória; essa não, porque eu não consigo nem manter o mesmo nível de emprego."
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu fiquei confuso aqui, Ministro. Está no projeto?
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Está no projeto. Está no projeto.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está no projeto?
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Está no projeto.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Que há estabilidade no emprego toda vez em que houver acordo?
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Não, quando houver flexibilização.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah!, bom. Estava dando a impressão de que, toda vez em que houver acordo, há estabilidade no emprego.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Não, não. Sempre que se flexibilizar...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu dei a minha opinião, você dá a sua depois, como você sempre deu.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - O que eu estou dizendo é o seguinte...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nesse acordo que você está dando um exemplo.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - O que eu estou dizendo é que eu não acreditava que, num projeto que previa vantagens compensatórias - que era a versão original -, para cada direito flexibilizado uma vantagem compensatória... Para cada, cada. Então, o patrimônio jurídico do trabalhador não vai ser reduzido. Pois bem, qual foi o que acabou saindo? Que a maior garantia que você pode dar, a maior vantagem compensatória, é a preservação do emprego.
Várias vezes eu fiz acordo, mediação e conciliação em dissídios coletivos. E eu pedia essa garantia como vantagem compensatória, e não conseguia. Elas diziam: "Olha, nós damos outra, mas essa nós não conseguimos garantir." A lei agora vai estar garantindo.
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O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Posso ajudar, Presidente?
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Sim.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - O 611-A consagra:
Art. 611-A A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, expuserem sobre:
...........................................................................................................
§3º Se for pactuada cláusula que reduz o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão [deverão!] prever a proteção dos empregados contra a dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
É como explicitamente está na proposta.
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - O que significa? Eu não posso impedir a despedida por justa causa, mas a despedida imotivada eu posso impedir. É o que está prevendo o projeto.
Então, só para responder rapidamente os vários questionamentos, foi-me perguntado do imposto sindical. Eu sou contrário ao imposto sindical, mas ao mesmo tempo eu fiz sugestão específica já na Câmara dos Deputados, no sentido de retirar a obrigatoriedade do imposto sindical, mas ao mesmo tempo se cria - e é uma coisa que eu tenho, parece que às vezes eu prego no deserto - uma contribuição sindical negocial para ser implementada, quando for assinado o acordo ou convenção coletiva, não nos termos do PN, o PN nº 119. Cada Presidente do TST que assume vem em todas as centrais sindicais pedir para nós revogarmos o PN nº 119, que não permite a criação dessa contribuição. Eu digo: vamos fazer o seguinte, vamos estabelecer essa contribuição na lei e, ao mesmo tempo, nos termos do antigo PN nº 74, também sujeita à voluntariedade do trabalhador, mas com a possibilidade de duas fontes além da mensalidade.
Depois, o que eu faria, especificamente, se eu tivesse que fazer uma reforma trabalhista? Aqui, claro, estou filosofando, mas a filosofia vai muito dentro do que é a espinha dorsal desse projeto. Eu faria uma CLT enxuta. É pegar os direitos que estão na Constituição e especificar melhor os direitos que estão na Constituição, que são próprios de todas as categorias, são gerais de todos os trabalhadores. Agora, os direitos próprios de cada categoria, deixar que cada categoria estabeleça através de negociação coletiva, porque com o passar do tempo a CLT foi sendo revogada em cada parte na sua parte especial. Revogam-se as normas dos portuários, revogam-se as normas dos ferroviários, revogam-se as normas... Por quê? Era exatamente a preocupação da Senadora Kátia Abreu.
Qual era a preocupação dela? Da Senadora Lúcia também. A questão do intervalo intrajornada, a questão do trabalho da mulher, em cada setor nós temos que ver o que melhor vai se adequar àquele setor. Não se estão estabelecendo como regra geral os 30 minutos. O que se está estabelecendo é: pode-se reduzir até 30 minutos, dependendo do setor, e por negociação coletiva.
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Esse projeto, a partir da sua espinha dorsal, que é o prestígio à negociação coletiva, vai dar um choque neste País em termos de empregabilidade, em termos de estímulo à produtividade, que nós não temos ideia. Por quê? Porque é o que foi feito em outros países.
Todos esses professores que ouvi palestras de outros países disseram que a Flexsecurity é a maior garantia não só de emprego, mas a garantia de você, aumentando a produtividade, aumentando a segurança jurídica, dando essa proteção, que eu comparo muitas vezes à proteção de capacete de plástico da construção civil, se nós usássemos aquele capacete rígido de metal na cabeça, como nas guerras mundiais, poderíamos impedir uma bala, diminuir o efeito da bala, mas aquela viga que caísse na cabeça, o que batesse na sua cabeça passaria totalmente do capacete para a cabeça. Um capacete de plástico, flexível, acolchoado, ele pode quebrar, mas ele preserva o trabalhador.
No fundo o que nós temos que preservar? Preservar as melhores relações de trabalho, preservar o emprego e fazer com que nós consigamos, através de parametrizar até, não sei quem, qual dos Senadores que perguntou sobre a questão dos parâmetros de dano extrapatrimonial, até isso tem que ser parametrizado, e parametrizado sabendo-se que vai ser imperfeita a parametrização.
(Soa a campainha.)
O SR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO - Em que sentido? Não é possível eu pensar que, como são dois seres humanos que eventualmente perderam a vida num acidente, eu tenha que dar exatamente a mesma indenização, porque, se um for de uma empresa, microempresa, para dar o dano, a indenização, que ele mereceria, eu vou ter que fechar a empresa e fazer com que dez trabalhadores deixem de ter emprego. Então, não pode deixar de ter relação com salário, não pode deixar de ter relação com a própria empresa.
Portanto, a grande vantagem desse projeto de lei é o fato de trazer para a CLT a regulamentação de regimes, a parametrização de situações em que até hoje nós estávamos contando só com a Justiça do Trabalho, cada juiz com sua cabeça, cada cabeça uma sentença, decidisse: para um que o parâmetro vai ser esse, outros parâmetros para aquele, para terceirização, para dano moral. E depois o que acabava acontecendo? Nós tínhamos uma insegurança jurídica muito grande e a falta de isonomia. Um trabalhador ganhava uma fortuna, outro, uma miséria.
Então, por isso acho que esse projeto tem mais vantagens do que qualquer desvantagem que nós possamos encontrar.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Agradeço a boa vontade, eu diria, do Presidente do Tribunal Ives, e do Procurador-Geral Ronaldo, porque ficaram aqui, acho, que por três horas.
E foi muito esclarecedor para todos.
E agora está encerrada esta primeira audiência. E vamos à segunda audiência.
Passo a Presidência agora ao Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos para conduzi-la. Senador Tasso Jereissati, por favor.
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O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Daremos início à 2ª Audiência Pública do Ciclo de Debates sobre a Proposta de Reforma Trabalhista, com o objetivo de debater o tema Contrato de Trabalho na Proposta de Reforma Trabalhista.
Convido, para compor a Mesa, o Prof. José Pastore; o Diretor da Organização Internacional do Trabalho, Dr. Peter Poschen; o Sr. Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra); e o Sr. José Reginaldo Inácio, Vice-Presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST).
Convido, então, para iniciar os nossos trabalhos e fazer usar da palavra, o Professor Titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, José Pastore.
Acho que a Presidente Marta adotou, aqui, 15 minutos para cada um. Está razoável?
O SR. JOSÉ PASTORE - Está razoável.
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - São 15 minutos para cada um dos nossos convidados.
Por favor, Prof. José Pastore.
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O SR. JOSÉ PASTORE - Obrigado, Presidente Tasso Jereissati.
Cumprimento rapidamente os demais membros da Mesa e os Senadores aqui presentes.
Como eu tive a oportunidade de acompanhar a primeira parte deste painel, são inúmeros os temas que envolvem a discussão desse projeto. Muitos temas mesmo. Penso que o Relator e os Senadores terão muito trabalho para decifrar tudo que foi apresentado aqui. Eu vou procurar me cingir a um dos temas que me chamou a atenção que diz respeito à fala do Procurador-Geral em que ele apresentou vários estudos mencionando que as reformas trabalhistas não ajudam o emprego e, ademais, precarizam o trabalho, pioram a situação de trabalho. Isso cai no meu campo de atividade. Eu acho que é a colaboração que eu posso prestar aos Senadores no sentido de esclarecê-los a respeito daquilo que foi mencionado aqui.
O Procurador trouxe para ilustrar estudos de respeito, estudos feitos pela OIT, estudos que merecem toda a referência e o acatamento de todos nós. Eu fiz também uma análise desses estudos, e eu gostaria de apresentar, muito rapidamente, porque tenho só 15 minutos, mas a minha linha de raciocínio é a seguinte: relacionar legislação trabalhista com geração de emprego é uma tarefa extremamente complicada, do ponto de vista empírico, porque a geração de emprego depende de inúmeros fatores. Geração de emprego depende de investimento, de crescimento econômico, de mercados importadores, de mercados exportadores, da posição do País na economia global; geração de emprego é o final de um conjunto de variáveis das quais a regulação do trabalho é apenas uma delas. Então, querer atribuir que gera emprego ou que não gera emprego por causa de uma variável é uma empreitada muito ousada, muito arriscada.
O que diz a pesquisa de um modo geral? A pesquisa diz o seguinte - eu vou passar muito rapidamente, porque o tempo é pequeno, é muito curto. O Procurador tem toda a razão, há várias pesquisas que são, de fato, céticas a respeito da capacidade de gerar emprego. Estou citando aqui o estudo da OIT, esse The Changing Nature of Jobs. Estou citando um estudo da OECD, que também diz a mesma coisa, que a reforma não gerou emprego e precarizou o trabalho. Vários países da Europa foram estudados aqui pela OIT e pela OECD. Mostraram que lá, nesses países da Europa, as reformas trabalhistas que foram realizadas naquele momento não geraram emprego e não melhoram a situação de trabalho.
Há outro conjunto de pesquisas também na mesma linha, céticas. É o estudo do Richard Friedman, que é um estudo clássico hoje. Ele questiona fortemente a flexibilização das regras de dispensa, a flexibilização de várias outras regras da legislação trabalhista, e conclui: as instituições não afetam o mercado de trabalho; defendem regras rígidas para a dispensa, para a demissão das pessoas.
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Ora, ao lado dessas pesquisas respeitadas, há outras pesquisas que dizem o contrário. Então, esse estudo do Stephen Nickel, por exemplo, diz o seguinte: o mercado de trabalho europeu é rígido. Resultado: desemprego. O mercado americano é dinâmico. Resultado: emprego.
O Rafael Di Tella faz um outro estudo de longa duração, estudando vários anos, e vê uma relação positiva entre regras mais flexíveis e emprego.
Há mais estudos nessa linha, como o que traz um painel com 92 países, fazendo uma análise ao longo do tempo, por vários anos, e observou-se que a flexibilidade das regras de dispensa reduziu o desemprego.
O Lorenzo Bernal, que fez um estudo também com 97 países e fez uma análise multivariada, levando em conta não apenas as regras trabalhistas, mas também o investimento, a capacidade exportadora do país, a dinâmica econômica, mostrou que a flexibilidade das regras de dispensa reduziu o desemprego.
Há estudos que são ambíguos. Eles dizem: "Olha, não dá para ver. Não dá para ter uma certeza a respeito dessa relação. Não dá para simplificar essa relação." Há mais estudos ambíguos aqui. E todos esses estudos se referem àquilo que o Procurador-Geral fez referência aqui que é o impacto das reformas trabalhistas realizadas em vários países da Europa, nos últimos 20 ou 30 anos, digamos assim.
Muito bem. Qual é a avaliação que podemos fazer dos estudos existentes? Primeiro: há resultado para todos os gostos, Presidente. Nesses estudos, há resultado para todos os gostos, para todos os gostos. Os resultados variam muito de acordo com as interações. Se nós analisarmos as regras trabalhistas num país dinâmico, economicamente dinâmico, como é o caso da Alemanha, por exemplo, elas darão um resultado. Se as analisamos em um país mais fraco, como o caso da Grécia, dão um outro resultado. As interações é que são cruciais.
Os resultados também variam ao longo do tempo. Pode muito bem hoje, mas, daqui a oito, a dez anos, já não vai mais, porque a economia muda também de posição. Os resultados também variam de acordo com os compensadores que são atribuídos. Por exemplo, se há uma compensação a respeito de estimulação de exportações numa determinada economia, essa estimulação da exportação pode funcionar como compensador que vai induzir a geração de emprego.
Todos os estudos aqui aventados e os estudos citados pelo Procurador-Geral se referem às regras de dispensa, às regras de demissão dos empregados. Então, na Europa, nós temos uma realidade muito diferente do Brasil. Isso aqui é um ponto importantíssimo para nós podermos avaliar esses estudos. Na Europa, na maioria dos países da Europa, a dispensa é dificílima. A dispensa do empregado é dificílima. As regras estabelecidas, ou na Constituição, ou na legislação geral, ou na legislação trabalhista, ou em convenções internacionais que os países ratificaram, impõem uma rigidez muito grande para despedir.
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Então, esses países que fizeram reforma trabalhista, quando eles enfrentaram um nível muito alto de desemprego e as leis impedindo de despedir, as empresas ficaram com dificuldade de manter os empregados nessas condições e o desemprego não caia. Então, esses países criaram novas formas de contratação: o tempo parcial, o trabalho intermitente, o trabalho por tarefa, o trabalho por projeto, etc., que começaram a gerar oportunidade de trabalho para aqueles que não tinham nada, porque ali nós tínhamos dois mundos, o mundo dos que estavam empregados e o mundo dos que estavam desempregados. Os que estavam desempregados não tinham condições de entrar no mundo dos empregados, porque, como as regras de demissão eram muito rígidas, os empregadores hesitavam empregar com medo de não poder desempregar. Então, pelo fato de eles hesitarem empregar não abriam oportunidades de trabalho.
Essa é uma grande diferença entre os países onde o desemprego é baixo e onde o desemprego é alto. Nos Estados Unidos, por exemplo, o desemprego é baixo. Não é porque os Estados Unidos desempregam pouco, não, os Estados Unidos desempregam muito, mas empregam muito. Eles desempregam, mas empregam muito, porque têm liberdade para empregar. Na Europa é diferente. Na Europa o desemprego é alto e as sociedades não tinham a liberdade para empregar, porque, se empregassem, não poderiam despedir, e, não podendo despedir, não empregavam.
Então, as reformas trabalhistas na Europa foram feitas para resolver este problema, o problema do excesso de rigidez dos insiders, daqueles que estavam empregados, das categorias que não poderiam ser desempregadas. E aí surgiram essas formas alternativas de trabalho, que são mais precárias do que o trabalho fixo, mas elas são melhores do que o desemprego.
Muito bem, o que a gente pode concluir daí? É que há um grande equívoco nessa colocação que o Procurador apresentou aqui. Qual é o equívoco? O equívoco é que no Brasil as regras de dispensas são flexíveis. No Brasil nós temos o fundo de garantia, que permite despedir. Nós temos 40% da indenização, que permite despedir. Nós temos o aviso prévio, que permite despedir. Nós temos o seguro-desemprego para aquele que é despedido. O Brasil é uma outra realidade. O Brasil não tem uma rigidez de dispensa. O Brasil tem uma flexibilidade de dispensa.
A rigidez no Brasil está nas outras partes da CLT. A rigidez no Brasil, por exemplo, está no fato de fixar a intrajornada, que é o tal horário de almoço que foi discutido aqui, fixamente, rigidamente, em 60 minutos. Colocar a hora in itinere como uma hora inegociável. Colocar férias como inegociável. Então, essa parte da CLT é que é rígida. Enquanto na Europa é flexível, porque tudo isso aqui é objeto de acordo de convenção coletiva, mas, aqui, as regras de dispensa são flexíveis.
Então, não há o que comparar os estudos da Europa, se funcionou ou não funcionou, com a realidade brasileira, a realidade brasileira é outra. Esses estudos não se aplicam aqui. Nós precisamos encontrar formas de tornar essa parte rígida mais negociável, sem revogar direitos dos trabalhadores.
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E, pelo que eu entendo, é exatamente isso que o projeto de lei está fazendo. O projeto de lei não está mexendo naquela parte lá de cima. Aquilo lá é garantido por Constituição - fundo de garantia, 40%. Aquilo continua, a flexibilidade continua. O projeto de lei está mexendo na parte de baixo aqui, que são as várias rigidezes que a CLT possui e que constituem empecilhos para empregadores se animarem a gerar emprego, dada a complexidade da própria lei e a complexidade também do processo na Justiça do Trabalho.
Então, eu queria dizer que eu não estou, de maneira nenhuma, em desacordo com o resultado do estudo que o Procurador-Geral apresentou aqui. Estou de acordo, porque o estudo merece respeito, só que é para uma outra realidade. Nós estamos aqui no Brasil com uma outra situação - a situação de buscar uma flexibilização nessa área em que a CLT é rígida.
Eu acompanhei aqui o debate e eu notei a preocupação dos Senadores, muito justificável, de dizer: "Mas como a gente veio colocar 30 minutos de almoço para um trabalhador braçal?", a Senadora Kátia Abreu levantou. Mas não é obrigatório, Senadora. Pelo que eu entendo do projeto, isso é negociável. Se não quiser fazer os 30 minutos, continua com uma hora. Por quê? Porque todos os direitos da CLT serão preservados. Nenhum deles será revogado. Se não quiser, por exemplo, trocar a hora in itinere por um aumento salarial, não troca, continua do jeito que está. E, se alguém trocar e se arrepender, na próxima negociação vai poder voltar e ter a mesma garantia que tem da CLT.
Então, eu penso que esse projeto de lei é muito inteligente nesse sentido, porque ele não revoga nada. Ele apenas abre a possibilidade de as pessoas praticarem a liberdade mantendo as proteções - mantendo as proteções. É liberdade com proteções. Esse é o binômio que eu vejo nesse projeto de lei: liberdade com proteções.
Então, é um projeto que é muito parecido com aquele que foi feito na França no ano passado. A jornada de trabalho na França é de 35 horas por semana, mas veio um projeto de lei na França que disse o seguinte: "Olha, se vocês quiserem negociar 40, pode. Acerta o valor da hora extra, negocia e pronto. Mas, se não quiserem negociar 40, continua com 35. Tem a mesma proteção dos 35." Então, aqui vai ter as mesmas proteções da CLT.
Eu penso que tudo isso, se for aprovado, vai acontecer de modo muito gradual. Não vai acontecer nada de repente. Ninguém vai se aventurar e já partir para as negociações que revogam toda a parte rígida da CLT. As partes vão tentar, vão ver o que funciona e o que não funciona - os dois lados, o lado laboral e o lado empresarial. Aquilo que funciona vai avançar e aquilo que não funciona não vai ser praticado. E, não sendo praticado, continua a proteção da CLT.
Então, eu penso que, na discussão que foi travada aqui houve muito a impressão de que essas regras propostas são regras fixas, porque nós estamos acostumados com regras fixas na legislação trabalhistas, mas elas não são. Aí é que está a novidade. E eu acredito que isso deve até servir de conforto aos Srs. Senadores, porque nada é pior para um Parlamentar do que revogar um direito do trabalhador.
Esse projeto de lei não está revogando nenhum direito do trabalhador. Está dizendo apenas o seguinte: "Olha, converse com o seu sindicato. Se você achar que compensa, ao invés de receber a hora in itinere, ter mais 5% de aumento no seu salário, faça esse negócio. Se você achar que não compensa, vai continuar a hora in itinere."
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Então, a contribuição que eu queria dar aqui aos Senadores, no sentido de esclarecê-los, é que há uma porção de estudos que dizem o contrário desses estudos citados. E há vários outros estudos que dizem que a situação é ambígua. Mas o mais importante de tudo é que nada deles interessa para nós, porque a situação brasileira é diferente. Nós já temos flexibilidade na dispensa; precisamos encontrar flexibilidade nas demais regras trabalhistas.
Era isso, Presidente, o que eu queria apresentar.
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Muito obrigado pela sua apresentação.
Passamos, então, a palavra à Senadora Kátia.
A SRª KÁTIA ABREU (PMDB - TO. Fora do microfone.) - A reinscrição é automática ou temos que nos inscrever para a discussão? Quero me inscrever. Não sei se vai manter a mesma lista anterior.
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Não, vamos refazer.
A SRª KÁTIA ABREU (PMDB - TO) - Então, obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Nós vamos ouvir primeiro os palestrantes e, em seguida, abriremos a palavra.
Passo a palavra ao Sr. Guilherme Guimarães Feliciano, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Senador Tasso, agradeço o convite que foi feito à Anamatra, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Cumprimento V. Exª. Cumprimento o Prof. Pastore, meu colega de universidade - sou professor da Faculdade de Direito. Cumprimento os demais membros da Mesa, os Srs. Senadores, os Srs. juízes, advogados presentes, servidores da Casa, a imprensa.
Como o meu tempo é curto, eu vou me dedicar a buscar alguns esclarecimentos, obviamente, na nossa perspectiva. Algumas afirmações, alguns mantras até que são repetidos insistentemente e, a nosso ver, acabam induzindo a certos enganos.
E antecipo dizendo que a Magistratura do Trabalho... Aqui falo com deliberação do Conselho de Representantes da Anamatra, 24 associações regionais, e também das teses dos congressos nacionais dos magistrados. A Magistratura do Trabalho - aqui a Anamatra representa quase 4.500 juízes do trabalho - tem uma posição restritiva em relação a este projeto. Mas ela não é contrária à modernização da legislação trabalhista. Achamos que a legislação trabalhista merece modernização, desafia uma discussão abrangente que, inclusive, tire do papel algumas previsões constitucionais que lá estão há quase 30 anos e que também não foram regulamentadas. A Constituição prevê a proteção contra a automação, a proteção do emprego contra a automação. A Constituição prevê a cogestão de empresa. A Constituição prevê a proteção contra a despensa arbitrária ou sem justa causa. A Constituição prevê a greve no serviço público. A Constituição prevê o adicional de penosidade. Tudo isto também aponta um horizonte de futuro que o Constituinte originário pretendia e que nunca se regulou. Talvez pensar em modernização fosse também pensar em retirar do papel previsões que lá estão já há quase 30 anos e que merecem alguma efetividade.
A nossa preocupação aqui é que, em primeiro lugar, muitas vezes se diz - e aqui eu ouvi isto, e foi até um questionamento feito pelo Senador Ferraço - que esta reforma não retira direitos e que esta reforma não tem questões de constitucionalidade. E aí me permitam divergir: ela retira direitos. Eu acho que isso tem que ser claramente reconhecido. Ela retira direitos, inclusive textualmente. No último artigo, ela revoga artigos da CLT que hoje conferem direitos. Podemos discutir se esses direitos são bons ou não, e é uma discussão que deve ser feita no Parlamento. Mas afirmar que não se retiram direitos não é verdadeiro.
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Então, por exemplo, o direito às horas de trajeto. Hoje se entende - isso está na lei, está no art. 58 da CLT - que se o trabalhador precisa da condução fornecida pela empresa para ir ao trabalho porque não há transporte regular disponível - neste caso, para que ele esteja no horário, interessa à própria empresa fornecer essa condução, portanto, não é em qualquer situação, é nessa situação em que ele efetivamente está à disposição do empregador -, esse tempo computa-se na jornada e será considerado inclusive para horas extras, se for o caso. Esse direito, com a reforma, desaparece. O parágrafo que trata disso simplesmente é revogado, esse direito não existirá mais.
A CLT prevê que, para a mulher, devido à sua condição, antes do início das horas extraordinárias, há um intervalo de 15 minutos. O Tribunal Superior do Trabalho, no Recurso Extraordinário 658.312, chegou já a reconhecer a constitucionalidade desse preceito que reconhece esse direito apenas à mulher, pela sua específica condição. A reforma retira esse direito. Esse direito é simplesmente...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Antes de iniciar a jornada extraordinária. Ela faz a sua jornada de oito horas e aí pode descansar 15 minutos antes de iniciar as horas extraordinárias. Isso desaparece.
Afora isso, há essa questão, que foi tão enfatizada nas falas anteriores, do negociado sobre o legislado. E aqui eu começo a falar de constitucionalidade, Senador. A Constituição diz que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que melhorem a sua condição social - essa é a expressão constitucional: outros que melhorem a sua condição social -, todos aqueles que estão nos 34 incisos. E abre três exceções: no caso de jornada, no caso de salário, e nos chamados turnos ininterruptos de revezamento, é possível haver negociação coletiva, inclusive com redução, obviamente havendo compensações. Todos os que me antecederam disseram isto: há de haver compensação, não é uma renúncia coletiva, mas é possível nesses três temas. São três incisos que referem quando a negociação coletiva pode negociar para pior, porque a regra é a do caput. Aqueles são os direitos mínimos, além de outros que melhorem a condição social.
Vamos olhar o projeto e ele permite que o negociado piore a condição do trabalhador com relação a registro de ponto. Então, hoje, há uma regra clara quanto ao fato de que, se a empresa tiver mais de dez empregados, ela tem que ter registro de ponto. Isso não tem nada a ver com as questões que eu mencionei. Diz respeito a controle administrativo da empresa, diz respeito à prova no processo. Isso poderá ser negociado.
Enquadramento da atividade quanto à insalubridade. Hoje os técnicos do Ministério do Trabalho é que verificam na empresa qual é a condição, e aí a Norma regulamentadora nº 15 estabelece os adicionais de insalubridade conforme o caso - insalubridade em grau mínimo, médio e máximo. Pelo que está no projeto, independentemente da interferência de um técnico, a negociação coletiva poderá dizer que aquela atividade será enquadrada como de insalubridade mínima. Isso diz respeito à saúde do trabalhador; permite a prorrogação da jornada - horas extraordinárias - em atividades insalubres, perigosas e penosas; permite, na negociação coletiva, deliberar-se, mesmo que abaixo da lei, sobre salário por produtividade.
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No meu Estado - sou de São Paulo, sou da 10ª Região do Trabalho -, houve a necessidade de uma sentença judicial em uma ação civil pública para que se obstasse uma usina de continuar pagando cortadores de cana por produção porque, em mais ou menos dez ou 12 anos, o crescimento médio do corte de um trabalhador cresceu de oito toneladas para 12 toneladas de cana. Já havia investigações abertas por conta de trabalhadores que morreram por exaustão. Como é que vou imaginar que se possa negociar isso livremente sem os limites legais? Então, neste ponto, parece-me, há inconstitucionalidades.
A Constituição prevê três hipóteses de flexibilização via negociação coletiva para menos. O art. 611-A como está proposto estende esse rol para uma imensa gama de hipóteses que não está na Constituição.
Mais ainda, com relação à jornada - para não citar outras, mas essas me parecem as principais inconstitucionalidades -, está dito na Constituição que se pode negociar jornada mediante acordo ou convenção coletiva e que o limite constitucional é de oito horas diárias, 44 semanais. Vem o projeto dizer que para a jornada 12 x 36 é possível haver acordo individual. Acordo individual. O limite constitucional é de oito horas, admite-se negociação por convenção ou acordo coletivo. A reforma vem e diz que, por acordo individual, pode-se chegar a 12 horas - 12 horas sem intervalo. O intervalo pode ser só indenizado. Ou seja, posso ter, em tese, um acordo individual de um cortador de cana que vai trabalhar 12 horas sem intervalo. Isso é o que decorre do projeto, contrariando, a meu ver, literalmente a Constituição.
E mais ainda: o projeto cria a figura do trabalhador hipersuficiente, aquele que recebe mais que dois valores equivalentes ao teto do Regime Geral de Previdência Social, o que seria hoje mais ou menos R$11 mil. Quem receber mais do que isso é hipersuficiente e pode negociar individualmente tudo que está no 661-A. Tudo! Tudo que está lá, pela interpretação do texto, até enquadramento de atividade insalubre, pode ser negociado individualmente, quando a Constituição diz que só em três temas é possível negociação para menos, mediante negociação coletiva. Isso também, para mim, é de uma inconstitucionalidade gritante.
Mas aí eu continuo, porque o meu tempo também corre. A questão econômica. Vai gerar empregos? E aí o Professor Pastore deu aqui o seu entendimento, e outros foram apontados anteriormente.
Poderíamos discutir se os exemplos da Europa servem ou não servem para o Brasil. Bom, temos o exemplo do México. O México também não tem garantia de emprego, e lá se fez uma reforma - aliás isso foi demonstrado pelo Procurador-Geral do Trabalho - de caráter flexibilizador. E o que aconteceu foi apenas a migração dos postos de trabalho. De 1.200.000 - os números praticamente batem - postos de trabalho decentes, como diríamos pelo jargão da OIT, migrou-se para um 1.200.000 postos de trabalho ditos precarizados: tempo parcial, trabalho intermitente, e por aí vai. Mas podemos olhar para a nossa própria realidade. Na chamada era FHC, foram feitas reformas dessa natureza. Tivemos a Lei 9.601, que criava o contrato por prazo determinado e que permitia, inclusive, que as empresas recolhessem ao Fundo de Garantia o valor equivalente a 2% do salário, e não 8%, além de outras reduções, mediante negociação coletiva. Criou-se o contrato de trabalho a tempo parcial. É dessa época, anos 90 do século passado.
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O próprio TST cedeu na sua jurisprudência originária, que não admitia terceirização de atividade fim, exceto no caso do trabalho temporário, que é aquele trabalho específico para suprir a empresa quando há uma necessidade excepcional de mão de obra, como, por exemplo, lojas de shopping center no final do ano, ou então a substituição de pessoal regular, por exemplo, férias coletivas. Apenas nesse caso. Mas o TST evoluiu para a Súmula 331, dizendo: é possível terceirizar qualquer atividade meio da empresa. A jurisprudência evoluiu nesse sentido. Tudo isso aconteceu nos anos 90.
Pergunto a vocês: tivemos um boom de empregabilidade nos anos 90? O Brasil teve pleno emprego nos anos 90? Os anos 90 são para nós uma referência de um grande marco de crescimento econômico e de empregabilidade no Brasil? Não! Aliás, nós tivemos alguns economistas falando em pleno emprego há mais ou menos dez anos, se não estou enganado, por conta do crescimento econômico. A legislação trabalhista era exatamente esta no momento em que as taxas de desemprego giravam em torno de 6% na média nacional das principais capitais. Era exatamente essa legislação trabalhista. Agora as coisas mudam, porque a economia mudou. E a legislação trabalhista será culpada por isso? Não me parece adequado.
Algo mais, agora dizendo respeito ao que toca até mais diretamente à magistratura do trabalho, que é o exercício da sua jurisdição. E algumas coisas já foram inclusive mencionadas aqui.
Imaginem a seguinte situação: um pequeno avião tem lá o seu piloto e copiloto. Estes têm uma bela remuneração; vamos imaginar que recebam R$20 mil. Há o restante da tripulação. Vamos dizer que esses recebam bem menos - não é assim na realidade, mas apenas para raciocinar -, R$1.200, um pouco mais do que o salário mínimo. Não é essa a realidade, mas apenas para raciocinarmos. E depois temos lá 30 passageiros.
Vamos imaginar que, por uma condição de estresse agudo que acomete piloto e copiloto, haja um acidente. Estou dando este exemplo para posicionar bem. Estou supondo uma hipótese em que eu possa identificar inclusive culpa do empregador, porque expôs os seus empregados a um estresse agudo.
Muito bem. Todos morrem. As famílias têm direito a indenizações.
Os passageiros, os que pagaram passagem irão à Justiça comum. Lá o entendimento será de que a responsabilidade é objetiva e não haverá limites para os danos morais.
A tripulação, ou seja, os que recebem salário terão que vir à Justiça do Trabalho. E aqui haverá limite. Ou seja, o trabalhador, quem recebe salários, quem mantém vínculo de emprego e neste contexto se acidenta, é secundarizado no que há de mais importante no seu patrimônio jurídico, que é a vida. A família terá, então, uma limitação de 50 salários contratuais. Pior, da tripulação, os familiares dos que recebiam até R$1.200 terão uma indenização máxima de R$60 mil, 50 salários contratuais. Os familiares de piloto e copiloto poderão ter uma indenização máxima de 1 milhão, porque eles recebem R$20 mil.
O que justifica isso? Todos morreram igualmente num acidente igualmente horrível. Alguns terão limitação, outros não terão. E, entre os que têm limitação, alguns terão direito, ou as famílias, a uma indenização maior e outros a uma menor, em função do que recebiam. Isso não faz o menor sentido.
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E aqui - me permita, Senador Ferraço - há outra inconstitucionalidade, porque viola a independência técnica do juiz do trabalho. E essa inconstitucionalidade já foi reconhecida inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal, quando julgou a Lei de Imprensa, a antiga Lei de Imprensa da década de 60, de 1967, e a considerou integralmente não recepcionada pela Constituição de 88, entre outras razões, porque tarifava dano moral. É exatamente o equívoco que este projeto comete. E aqui incorre também em inconstitucionalidade.
Ainda há mais dois pontos com relação à jurisdição, ao processo do trabalho, algumas discriminações que surgem na lei e que para nós da Anamatra são inexplicáveis.
Hoje, na Justiça comum, no processo civil, não há mais necessidade de que o interessado inicie o processo de execução. Existe a chamada fase de cumprimento de sentença.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Já não há processo de conhecimento e processo de execução. É fase de conhecimento e fase de cumprimento. Vai automático.
Sempre foi assim no processo do trabalho, desde 1943. O juiz do trabalho impulsionava de ofício a execução. Não havia necessidade de o trabalhador requerer isso, porque afinal é um crédito alimentar. O processo civil trouxe isso do processo do trabalho e se modernizou. Agora, a título de modernização, a CLT vai retroceder para dizer: não, no processo do trabalho, para ter início a execução, tem que haver pedido formal.
Havendo a condenação, o trânsito e o valor liquidado, hoje se criou um instrumento formidável na Justiça do Trabalho, que é o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas. Não existia. Criou-se. Se deve e está transitado em julgado, inscreve-se.
Por alguma razão, o projeto inclui uma previsão de que o juiz do trabalho, e apenas ele - isso não existe em mais nenhuma Justiça -, mesmo após crédito liquidado e transitado, terá de aguardar 45 dias para tomar qualquer providência nesse sentido com relação à dimensão do crédito do devedor. Qual é a razão disso?
A questão das custas - e termino, Senador - que foi referida aqui.
Hoje, se o trabalhador tem benefício da Justiça gratuita, ele não paga custas. Não é assim somente na Justiça do Trabalho. É assim em todo ramo da Justiça. Agora, na Justiça do Trabalho, pelo que está no projeto, o trabalhador, se for condenado em custas, para reingressar com a sua ação trabalhista terá que recolher essas custas, mesmo se for beneficiário da Justiça gratuita, a não ser que a falta se deva a um motivo legal. Motivo legal na CLT são os motivos de falta ao trabalho: se ele adoecer, em caso de nojo, esse tipo de situação.
Ora, e se por acaso houver uma greve de ônibus? E se por acaso ele não conseguir chegar à empresa porque houve uma manifestação pública nas ruas contra a reforma trabalhista? Aí ele não pode ingressar novamente, porque não é um motivo legal. É um motivo ponderoso, é um motivo razoável, mas não é um motivo legal. E se ele, por exemplo, foi acometido por uma doença ocupacional grave, se o pedido dele for alto, ele terá que recolher custas de R$4 mil, R$5 mil. Ele não vai recolher!
Outra inconstitucionalidade, Senador. Prejuízo ao acesso à Justiça, art. 5º, inciso XXXV, da Constituição. Inconstitucionalidade, a meu ver, cabal.
Então, há inconstitucionalidades, há problemas. Volto a dizer: teríamos caminhos para progredir? Teríamos.
Acho que o que foi referido aqui, essa perspectiva de, em havendo negociação coletiva quanto à jornada e a salário, se estabelecer obrigatoriamente uma estabilidade de um ano é excelente, é excelente. O problema é que situações como essa são absolutamente episódicas, raríssimas no projeto todo. E é por isso que nos parece deve ser discutido outro projeto em outra perspectiva que contemple, inclusive, esses direitos constitucionais sociais previstos há mais de 30 anos e nunca regulamentados.
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Para finalizar realmente.
Quando se fala em modernização, pensa-se em futuro, em caminhar para a frente. Acho isso fundamental. E volto a dizer: a magistratura do trabalho não é contrária a isso, não. Há muito o que modernizar: teletrabalho, relações uberizadas, essas coisas têm que ser objeto realmente de uma análise acurada deste Parlamento, e outras tantas. A questão dos testes genéticos admissionais, a questão do contrato preliminar de trabalho, há muito por onde expandir a legislação trabalhista. O problema é quando modernização é uma expressão utilizada para iludir, quando eu penso que estou olhando para o para-brisa, mas estou olhando para o retrovisor.
Foi dito aqui que jornada não tem nada a ver com saúde. Meus caros, o Direito do Trabalho nasce - isso tem em qualquer livro de faculdade - no início do século XIX, com o chamado Peel's Act: Health and Morals of Apprentices Act. Lei para os aprendizes de proteção à saúde e à moral - saúde. Então, havia uma situação terrível na Inglaterra com relação à condição dos aprendizes nas fábricas têxteis de algodão. Eles adoeciam e morriam. E se percebeu que havia de se fazer uma intervenção do Estado para que houvesse um patamar civilizatório mínimo. O que essa primeira lei trabalhista na história veio a prever? Janelas, porque essas fabriquetas se instalavam em porões e não havia nem ventilação; idade mínima para o trabalho; e limite de jornada, 12 horas, àquela altura, para tratar da saúde do trabalhador. O Direito do Trabalho nasce sob o marco da proteção da saúde do trabalhador, limitando jornada. Isso há 200 anos.
A reforma vem e diz: questões de jornada e intervalo não dizem respeito à saúde. Isso, permitam-me, não é o futuro; isso é o passado.
Senador, muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Muito obrigado, Dr. Guilherme Feliciano, Presidente eleito da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
Eu passo a palavra ao Sr. Peter Poschen, Diretor da Organização Internacional do Trabalho no Brasil - OIT.
O SR. PETER POSCHEN - Sr. Presidente, muito obrigado a V. Exªs. A OIT agradece muito o convite para aportar a essa discussão. Eu preciso esclarecer que o papel do escritório da OIT no Brasil não é entrar no mérito de um projeto de reforma de lei. É uma decisão soberana de um Estado fazer essas reformas. O que eu pretendo fazer aqui brevemente é simplesmente alertar para algumas experiências internacionais que são relevantes, que podem trazer informações a essa reforma.
Para a OIT - estou falando da Organização, e a Organização Internacional do Trabalho são 187 Estados, representados pelos governos, seus trabalhadores e as organizações dos empregadores - a adaptação da legislação a mudanças, na realidade, é uma tarefa óbvia e contínua. Isso ninguém nega.
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É claramente importante um critério da segurança jurídica para trabalhadores e empresas, investidores, e também para o comércio internacional, porque o papel do conjunto das convenções da OIT é realmente criar regras internacionais. Isso vai ser o mínimo, o piso de direitos que permite o desenvolvimento de uma concorrência leal, e não de uma concorrência desleal, em que algumas empresas ou alguns países podem oferecer condições inumanas e concorrer dessa forma com quem quer respeitar regras.
As normas da OIT são o marco e a referência internacional. E não é à toa que muitos acordos comerciais dos Estados Unidos, por exemplo, bilaterais, fazem referência explícita às convenções da OIT no anexo sobre trabalho.
O Brasil ratificou 96 convenções, das quais 80 estão em vigor. Isso é sinal também da adaptação do conjunto das nossas normas em curso. Estamos em um processo também, na OIT, de modernização do conjunto das regras para melhor adaptá-las.
Eu queria rapidamente falar das experiências com as reformas bem-sucedidas. O mercado de trabalho, como essa discussão já mostra, é algo muito complexo, algo que está realmente no centro da vida das pessoas, dos trabalhadores, obviamente das empresas, mas também das economias nacionais como um conjunto e da sociedade. Então, é importante contar com um bom diagnóstico.
Eu concordo com quem diz que modernizar parece um objetivo bem vago. Seria interessante poder definir melhor o que se pretende com isso e ter objetivos relativamente claros, definidos, com a perspectiva do desenvolvimento, porque quem mexe com mercado de trabalho vai mexer com desenvolvimento do país. Não é um elemento isolado. Então, um objetivo de crescimento econômico sustentável; um objetivo de trabalho decente para todos e todas; um objetivo de competitividade das empresas; uma reforma que promovesse a produtividade da economia. Foi tocado também na discussão, de manhã, em um objetivo talvez de formalização e de inclusão dos que estão fora do marco regulatório atualmente. Acho que seria interessante definir esses objetivos e ver reformas nesse sentido.
Segundo, uma boa compreensão dos impactos das reformas não só nos trabalhos, também nas empresas, no mercado do trabalho como um conjunto, na economia e sociedade é importante, penso. Virou uma boa prática formular políticas - e as leis fazem parte disso - em base de evidências. E como o Prof. Pastore mostrou, essa afirmação de que essa reforma vai massivamente gerar emprego tem pouca evidência.
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Permita-me fazer uma correção à sua consideração. O estudo da OIT é longitudinal. Os 63 países não são países ricos; são todos os países que fizeram reformas durante o período considerado, incluindo muitos países emergentes e países em desenvolvimento. Então, nesse sentido, os resultados seriam, sim, aplicáveis.
Também quero alertar, brevemente, para a necessidade de coerência de políticas. O nível de salários e renda tem claramente um impacto na demanda da economia - as empresas podem responder - e no crescimento. Qual seria o impacto disso no emprego? Aumento da desocupação ou geração de emprego. Fazer uma avaliação desses impactos penso que seria interessante.
Outra questão é a redistribuição de renda através de uma reforma. O Fundo Monetário Internacional publicou uma pesquisa, em 2015, que mostra que isso impacta diretamente o potencial de crescimento das economias e a coerência social dos países.
Um terceiro elemento muito relacionado à discussão atual no Brasil seria a análise de como uma reforma trabalhista dialoga com uma reforma da previdência, porque a reforma da previdência baseia-se em cálculos da cobertura e da arrecadação através das contribuições que vão acontecer no futuro. Se essa reforma mudar essa base, talvez os cálculos que são a base da proposta da reforma da previdência precisem ser revistos.
Para todas essas etapas, uma ampla experiência de muito tempo na OIT revela que é interessante procurar um consenso, através de um diálogo social tripartite com todos os interessados, porque parte da segurança jurídica também é segurança nas expectativas.
As experiências de reformas malconstruídas demonstram que elas precisam ser revistas em pouco tempo. Isso não cria um marco estável de expectativas para investimentos e empregadores.
Já se falou do negociado sobre o legislado. Então, não vale a pena insistir muito nisso. Os tratados internacionais e as convenções da OIT estão na hierarquia legal, acima da lei nacional, e a lei nacional sempre deveria ter prevalência sobre as convenções coletivas ou acordos por empresa. Esse princípio explícito está na legislação nacional, como, por exemplo, na África do Sul, na Argentina, na China, nos Estados Unidos e nos países da União Europeia. E há convenções da OIT ratificadas pelo Brasil que dão uma orientação a respeito. Talvez isso faça parte da coerência de uma reforma.
A negociação coletiva é central para a OIT, é um dos direitos fundamentais na OIT. Então, acreditamos muito nessa ferramenta. Mas também acho importante ver se as condições são dadas para que a negociação coletiva possa assumir esse papel. Isso requer uma negociação construtiva de parceiros competentes e representativos. Isso precisa de fortalecimento de organizações e de umas reformas que fomentem o acesso à negociação coletiva e à organização de quem está negociando.
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Rapidamente, para dar algumas luzes, algumas ideias sobre novas formas de contratação.
É certo que isso é um fenômeno global. Na OIT, chamamos isso de formas atípicas. Dá para discutir esse termo. Aí entra a terceirização, o emprego temporário, o trabalho em tempo parcial ou intermitente.
Há situações em que você tem relações encobertas de emprego com autônomos que são, na verdade, economicamente dependentes.
Eu quero chamar atenção para esse relatório da OIT, que foi publicado no ano passado, a pedido do Conselho de Administração da OIT, e que faz um inventário da experiência mundial com essas formas de contratação e de emprego. Ele alerta para os riscos que isso pode trazer, mostra erros que já foram cometidos em outros países nesse processo e também traz uma série de boas práticas. Acho que seria interessante aproveitar para evitar repetir erros já cometidos por outros nesse processo.
Esse documento está disponível na página 8. Eu não trouxe o relatório. São quase 400 páginas. É uma fonte rica de informação.
A conclusão geral do relatório é que essas novas formas de contratação podem ser interessantes para grupos de trabalhadores, mas que sem salvaguardas podem impactar e impactam negativamente, empiricamente falando, muitos outros trabalhadores. E também esses impactos negativos caem de forma desproporcional em mulheres jovens e trabalhadoras migrantes.
Então, ele dá muitos exemplos dessas precauções que podem ser tomadas. Por exemplo, na terceirização, a responsabilidade subsidiária da empresa contratante pode reduzir muito o custo de acidentes, a incidência de acidentes. Isso é importante porque, no mundo inteiro, o custo da insegurança no trabalho por acidentes ou doenças é equivalente a 4% do PIB por ano. Isso é muito. Então é importante lidar com isso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PETER POSCHEN - Não, no mundo.
Por isso países têm essas cláusulas inseridas de responsabilidade subsidiária para o tema de segurança e saúde no trabalho. Por exemplo, muitos Estados dos Estados Unidos e Austrália.
Para autônomos, uma medida importante pode ser definir critérios para separar a situação de emprego de uma verdadeira prestação de serviços. E aí há o bom exemplo da África do Sul, que também adotou uma lei de contratação nesse sentido, mas definindo claramente, de maneira consensual, as regras que iam aplicar para separar águas, uma situação da outra.
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Para encerrar, de manhã eu escutei falar que essa reforma tem pressa e o Brasil precisa de medidas rápidas - uma informação que não incluímos na apresentação porque não sabíamos, mas você já falou disso, não é? Para adaptar o mercado de trabalho ao ciclo econômico, à conjuntura, o Brasil tem as ferramentas. No índice de proteção legal do emprego da OIT, o valor do Brasil é o mesmo que o dos Estados Unidos; o mesmo. E os países europeus têm o dobro. Então, essa capacidade de ajuste à crise atual existe, e é por isso que o desemprego está crescendo, também. A experiência mostra que é mais importante...
(Soa a campainha.)
O SR. PETER POSCHEN - ... ter uma reforma acertada, bem construída, durável, do que ter uma reforma rápida.
Se a OIT pode ajudar com algo, estamos à inteira disposição de vocês, alertas à possibilidade de se pedir um parecer da OIT tanto sobre a compatibilidade ou não de elementos da reforma com convenções que foram ratificadas pelo Brasil, como de uma assistência do serviço legal sobre a legislação - são expertos na legislação trabalhista do mundo inteiro, sobre elementos de como não correr esses riscos e como ter um projeto sólido com as salvaguardas necessárias.
Estamos à inteira disposição de vocês.
Agradeço muito esta oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Muito obrigado, Sr. Peter Poschen.
Passo a palavra ao Sr. José Reginaldo Inácio, Vice-Presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores - NCST.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - Boa tarde a todos, companheiros, companheiras, senhoras e senhores.
Eu queria agradecer à Senadora Marta pelo convite. O Calixto pediu também que eu agradecesse. De certa maneira, o convite foi feito a ele, mas, mesmo assim, em função de outras agendas, ele teve dificuldades e pediu que a gente viesse e tentasse dar um recado.
Ontem participei de uma reunião com o Senador Ferraço e percebi que a gente tinha de redirecionar um pouco o que a gente iria falar. Ficou muito evidente que a gente passa por um momento diferenciado do debate, em que muito já se tem falado sobre as consequências das reformas.
Nós procuramos, na apresentação, tentar trazer uma informação do movimento sindical que desse uma certa materialidade, através de números, para o que nós estamos falando. O que estamos dizendo? Estamos falando de uma série de direitos, mas que direitos são esses? Onde eles estão? Quais são os números desses direitos? Então, a nossa intenção é aproveitar este espaço pequeno para poder destacar alguns aspectos. De certa maneira, nós chegamos a um questionamento.
O primeiro questionamento é observar se estamos fazendo reforma e se a reforma é trabalhista ou é uma reforma capitalista, porque temos a compreensão de que efetivamente estamos fazendo uma revitalização, estamos fazendo um fortalecimento do capital, e um enfraquecimento geral no mundo do trabalho.
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Esta é uma realidade para a gente. Também é uma realidade muito interessante. Se a reforma caminhar no rumo que está caminhando, a gente passa a ter não mais uma CLT, mas sim uma CLC, que é uma "Consolidação de Leis Capitalistas", e não mais trabalhistas.
Esse é um ponto que nos preocupa por demais. Trazemos essa preocupação porque estamos em um cenário diferente. O nosso cenário é um cenário diferente. O nosso cenário traz a possibilidade de uma reflexão de um momento histórico superado. A civilização superou momentos decisivos e muito ruins para as classes trabalhadoras, para a sociedade à época, e para o povo de modo geral.
Nesse sentido, se tínhamos, nos idos do início das ações sindicais, dos movimentos operários em si, no Brasil mesmo, no século XIX, um índice de alfabetização precário, nós tínhamos um índice de "analfabetização" de mais de 80%, ou seja, de 82%, estamos vivendo no Brasil hoje um momento novo, que exige uma racionalidade. A razão tem que estar mais presente nesse debate. A razão precisa conferir elementos para consagrar que vivemos no Brasil, hoje, uma realidade muito diferente do século XIX, quando iniciamos as discussões de organização da luta de classes neste País. Nesse sentido, hoje, temos um índice de alfabetização de mais de 90%. Nós temos 9% de analfabetos e tínhamos, no século XIX, 82%.
Por que eu estou trazendo esta informação? Por conta, exatamente, desta imagem, deste cenário. Nós tivemos uns elementos de constituição de direitos, porque tínhamos, em 1780, jornada semanal de 80 horas. Mas isso em 1780! Nós estamos falando em 1780. Em 1820, já passou para uma jornada de 67 horas. Em 1833, no caso, oito horas, jornada de trabalho para as crianças operárias. Admitiam-se crianças no trabalho, mas estabeleciam-se elementos que, de certa maneira, não podemos ter a certeza de que serão aplicados agora. Em 1847, iniciamos a discussão e conquistamos 10 horas. Em 1860, 53 horas semanais. Em 1842, proibiu-se a mulher em espaço de insalubridade, como em minas. E, no século XIX, de modo efetivo, gradativamente, as associações conquistaram a proibição do trabalho infantil, a limitação do trabalho feminino em vários aspectos, sobretudo nos espaços de insalubridade, e o direito de mobilização e greve.
É importante dizer isto. Por quê? Porque vamos para um cenário novo em que temos alguns dados para mostrar o que, de fato, estamos discutindo em relação aos direitos. Do que estamos falando? De que leis estamos falando? De que direitos estamos falando que estão colocados em risco neste País? Em que o trabalhador está, de fato, incorrendo neste momento da história?
Dados da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, em Relatório: Ranking das partes, o total de processos naquele período. Ele tinha lá que, para o ranking com 370 partes envolvidas, num total de 200.276 processos, o maior número, ou seja, 60%, eram ações, processos patronais. Ou seja, por esse elemento, podemos observar: se há, de fato, uma insegurança jurídica para o patronal acessar a Justiça, por que será que ele acessa a Justiça muito mais do que as classes trabalhadoras? Esse é um ponto para nós refletirmos.
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Outro ponto importante também para termos como elemento fundamental é esse outro dado que também é do TST. Neste caso, é do Relatório de Movimentação Processual do TST. Ele foi aferido agora, recentemente, em 31 de março. Neste momento havia 249.237 processos em tramitação, dos quais os 20 assuntos mais recorrentes tratavam exatamente de violação de direitos e irregularidades, que correspondem a 70,1% dos processos em tramitação. Ou seja, são 174.826 casos.
Desses casos, o que aparece ali? Quais são os que, em grande maioria, aparecem e estão diretamente implicados no projeto? Olha lá o que mais aparece dentro desse número. É a jornada de trabalho, é o dano moral, é a terceirização, são os adicionais de insalubridade e periculosidade. Ou seja, de certa maneira, estamos dizendo aqui da espinha dorsal do que querem desconstruir dentro da proposta de reforma trabalhista.
Aí nós temos um dado muito interessante que dá essa impressão de que se promove uma insegurança ampla. Mas o número de empresas que efetivamente recorrem à Justiça, ainda que seja bem maior do setor dos trabalhadores, da classe trabalhadora, nós vamos enxergar nesse número que os vinte maiores litigantes junto ao TST eram responsáveis por 75.548 processos, dos quais 30,3% são exatamente desses litigantes. Quem são esses litigantes? Aqui já foram falados alguns setores dessa litigância. Mas é importante destacar que são empresas, de certa maneira, do próprio Governo - Petrobras, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Correios, Santander, Itaú, Bradesco, Previ, Brasil Foods, Vale, JBS, Oi, Telemar, Volkswagen, a Telefônica. Ou seja, é um conjunto de empresas poderosas, do ponto de vista da sociedade, e que, de certa maneira, estão sendo as principais litigantes hoje, podemos dizer, de violações importantes contra a classe trabalhadora.
Nesse instante, é importante destacar - isso já sinaliza e já é muito evidente - que vivemos um momento em que, quando se fala de criar alternativas de trabalho, não se fala em criar alternativas de trabalho pensando na alteração do Estado, das condições, do ambiente. O que se fala, de modo efetivo, e isso está muito claro, é que nós vamos estar, de alguma maneira, formalizando, causando um elemento novo. Vamos pensar na legalização de certas questões que violam hoje direitos.
Estamos dizendo assim: o ilícito vai continuar, o precário vai continuar, o ambiente vai continuar adoecendo; o ambiente vai continuar, de certa maneira, mutilando e até mesmo matando. Porém, a partir de agora, neste momento, nós vamos tornar isso regra normal. Isso se torna, de certa maneira, do ponto de vista do que está colocado, algo para nós pensarmos. Nós vamos garantir que os que estão na informalidade estejam formais. Mas formais em que sentido? Formais mantendo a sua condição? Se nós tivermos essa referência, temos de refletir sobre isso. A ilicitude acaba porque a lei surge e contempla, cria um limite para a ilicitude estar dentro dessa fronteira?
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A lei é uma fronteira que vai admitir o Estado que hoje existe na informalidade. As violações que hoje existem como sendo regra... Vai poder, a partir de agora, ser um direito do capital explorar uma condição de trabalho precária sem alterar essa condição? Mas agora se torna legal? Esse é um ponto para fazermos uma grande reflexão.
Do ponto de vista, ainda... Caminhando um pouco, vamos buscar os dados das varas de trabalho. Como está o número de processos nas varas de trabalho? Como é que se dá? Nós temos, aí, no caso de entrada nos meses de janeiro a março de 2017, em todo o Brasil, em todas as varas do trabalho, 642.132 processos. Desses processos, cerca de 3.837.330 são de assuntos cadastrados. Nesse sentido, foi criado um ranking dos 800 que lá estão listados. Nós, para efeito de análise, estamos trazendo a informação dos 100 mais recorrentes. Dentro desse ranking, pegamos os 100 que são mais recorrentes e que equivalem a 3.385.665. Correspondem, nesse caso, a 88,23% do total. Desses 88,23%, é importante detectarmos que 96,33% são irregularidades ou violações de direitos que, apesar de não alterarem a sua condição de ilícito ou crime contra as classes trabalhadoras, poderão não mais ser assim consideradas, pois quem as pratica, de certa maneira, podemos dizer que está na iminência de um indulto definitivo para essas suas práticas. Do ponto de vista lógico, é isso o que está acontecendo. Temos esse número expressivo.
Dentro desse espaço, 74,23% dessas irregularidades, dessas violações, dizem respeito a quê? A tudo aquilo que, de modo efetivo, é a espinha dorsal de desestruturação do projeto. Esses 74,23% dizem respeito a jornada de trabalho, a verbas rescisórias, a adicionais de insalubridade e periculosidade, a danos morais, ao FGTS, a salário e diferença salarial, ou seja, equiparação salarial. Então, temos esses elementos. São esses elementos, de modo efetivo, que são praticamente 100%. Temos um número de 96% de irregularidades. Nesse sentido, 74% são a espinha dorsal do que querem desestruturar, do que querem deformar na legislação trabalhista. Esse é um ponto fundamental que precisamos enxergar como elemento fundamental.
Para além dessa questão há outro elemento que vai aparecer nessa discussão e que foi pouco citado aqui. Mas nós, do movimento sindical, queremos, de certa maneira, um equilíbrio pelo menos no debate. É a questão do repasse das contribuições sindicais. Trazemos alguns dados para poder refletir. Queria ater-me ao repasse por instituição. Poderíamos dizer que temos 35 partidos. A média anual dos partidos para receber o Fundo Partidário, uma vez dividido para os 35 partidos, de modo igualitário, seria de R$21.082.572,80.
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Se pegarmos também o valor das entidades patronais - são 5.377 -, nós vamos ter uma média diária de R$8.660,88 e um média anual, por entidade patronal, de R$3.161.223,19. Quando vamos para as entidades sindicais e pegamos o rateio, aquela divisão do valor, nós temos que considerar o repasse patronal - ali está incluso o repasse do Sistema S. Aí, para dividir esse bolo entre as entidades sindicais - 11.774 beneficiados -, o valor é diametralmente contrário. As relações são muito estranhas.
Existe um compulsório invisível, que a sociedade não percebe, mas é compulsório do mesmo jeito. É compulsório! O cidadão paga sem saber que paga, e é compulsório. No entanto, do movimento sindical, que corresponde ao valor diário de R$529,92 (valor anual de R$193.420,97), quando comparado...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - ... de modo efetivo com o repasse das outras entidades, vamos ter que, no caso do fundo partidário, corresponde a 0,91% - não chega a 1%. No caso das entidades patronais, chega a 6,1%. Ou seja, são elementos que, de certa maneira, nos preocupam.
Os valores, as fontes de todas as informações que trago estão aí nessas notas. Aí fazemos questão de destacar o repasse compulsório bem delimitado. Há os valores totais de todas as instituições citadas; especificamente, é importante destacar.
Do ponto de vista da distribuição em número de dias: para as entidades sindicais laborais, corresponde a um dia; para as entidades sindicais patronais, corresponde a 16 dias de trabalho. Tributo sobre a renda, renda média brasileira, segundo IBPT, de 2016, equivale a 56 dias. Tributo sobre patrimônio equivale a 11 dias. Tributo sobre o consumo equivale a 86 dias. E o total de dias trabalhados para pagar esse conjunto de tributos e impostos no Brasil, segundo dados do IBPT, equivale a 153 dias. Só que o único tributo questionado, sobretudo dentro do Congresso Nacional, é o sindical; nos demais, não se fala. Então, é um ponto que trazemos aqui.
Em que pese já termos percebido que temos a Presidência do TST e o posicionamento do Ministério Público diferente do que estamos aqui trazendo, é importante destacar que nós estamos falando de um momento histórico, de uma mudança. E o grande mote de se discutir a mudança na legislação são os encargos trabalhistas em função da renda do trabalhador brasileiro. E trazemos esses últimos dois eslaides para, de certa maneira, desconfigurar esse discurso. A renda do Brasil hoje, de modo efetivo...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - ... só é superior à da Índia e à da Indonésia. Hoje a renda do trabalhador brasileiro é menor do que a renda do trabalhador da China.
E encerrando... De certa maneira, esse comparativo é importante, porque é de 2015. O valor do salário mínimo (por hora trabalhada) praticado nesse conjunto de países - e, no caso brasileiro, com todos os seus encargos. Se formos comparar, começando lá com a Austrália em U$9,54, vamos descendo, descendo, descendo; Espanha, U$5,37; e a hora mínima trabalhada no Brasil é US$1,12. Esse é o peso que se debate, que se discute, como se a classe trabalhadora, de modo efetivo, com seu conjunto de direitos, pesasse sobre a sociedade.
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Agradeço, Senador, e fico à disposição. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Vice-Presidente da Nova Central Sindical dos Trabalhadores, José Reginaldo Inácio.
Abrimos agora para os debates. A primeira inscrita na lista é a Senadora Kátia Abreu, que não se encontra presente. O segundo é o Senador Ricardo Ferraço. Depois, Senador Garibaldi, Senador Paulo Paim e Senadora Ana Amélia.
Com a palavra o Senador Ricardo Ferraço.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Srª Presidente, eu estou com um problema de ordem física, porque eu sou Relator de uma medida provisória e já estão me convocando para apresentar o relatório. É um tema importante, que trata da regulamentação do Fundo Penitenciário Nacional, e já estou sendo aguardado nessa reunião, mas eu gostaria apenas de registrar que anotei detidamente cada uma das valiosas contribuições que nós recolhemos aqui neste debate, sobretudo as questões que se estabelecem a partir do contraditório, das controvérsias. Eu gostaria muito de agradecer a cada um dos nossos convidados, que nos honraram aqui com a sua capacidade intelectual, com as suas convicções, que serão, evidentemente, muito úteis para quem tem o desafio que tenho, de proporcionar um relatório que possa ser submetido ao conjunto das Srªs e dos Srs. Senadores, que possa contemplar um equilíbrio em relação a tantos fatos que foram colocados e que estão sendo discutidos.
Agradeço a V. Exª.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senador Ferraço.
Com a palavra o Senador Garibaldi Alves.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Cinco minutos, todos concordam? (Pausa.)
Está bem, cinco minutos.
O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Srª Presidente, Senadora Marta Suplicy, Sr. Dr. José Pastore, Professor Titular da Faculdade de Economia da USP, Dr. Peter Poschen - se não pronunciei bem, desculpe -, Diretor da OIT, Dr. Guilherme Guimarães, Juiz, e o José Reginaldo, que é o representante dos sindicatos trabalhistas, eu queria cumprimentar a todos pelas exposições.
Queria perguntar, porque na exposição anterior eu não tive a oportunidade de perguntar, nem de dar um palpite, mas agora eu queria perguntar. Eu queria perguntar se o Dr. Ives Gandra Filho, que aqui afirmou que a reforma não retira direitos trabalhistas... Ele afirmou isso, claro, com a sua autoridade. Ele não falou pelo Tribunal Superior do Trabalho, mas devemos reconhecer que ele tem autoridade para dizer isso. Por outro lado, o Dr. José Pastore, eminente professor, afirmou também que a reforma, o projeto de lei não retiraria direitos dos trabalhadores.
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O Dr. Guilherme afirmou que a sua posição era de restrição ao projeto. Só que ele vai me permitir... S. Sª foi muito afirmativo no que toca às restrições ao projeto e foi econômico - permita-me, Dr. Guilherme - no que toca aos pontos positivos do projeto.
Então, eu queria que V. Sª pudesse se voltar, neste momento - não sei se estou sendo impertinente - para os pontos que vê como positivos.
E eu queria perguntar ao José Reginaldo se realmente ele não vê, mesmo se sabendo que ele é o representante das classes trabalhadoras... Mas, como foi dito aqui que a reforma é para melhorar as condições de trabalho, eu perguntaria a ele: será que não há - ou estou sendo muito ingênuo na minha pergunta? - será que não há, do ponto de vista dos trabalhadores, nenhuma conquista nessa proposta enviada pelo Governo? Pode ser que eu esteja sendo realmente muito...
(Soa a campainha.)
O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - ... vamos dizer assim, tendo a ilusão de que o senhor vá ver algum ponto positivo. Porque o nosso amigo Paulo Paim - nós estamos usando o mesmo microfone - não vê nenhum ponto positivo, a meu ver. E ele concordou.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Com a palavra o Senador Paulo Paim para falar os outros pontos.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sabe qual é a pergunta que fica? Se esse projeto fosse positivo para os trabalhadores, ele teria o apoio maciço do empresariado nacional? É a primeira pergunta que faço. Todos nós sabemos que quem assessorou o Relator da matéria foi a cúpula do empresariado nacional, e eu vou mostrar, no plenário, onde foi redigida a última versão e quem estava presente.
Pesquisa feita perante a opinião pública mostra o seguinte: 85% da população é contra essa reforma, e a previdência ultrapassa 90%. Se a reforma fosse tão boa e positiva como a imagem que alguns querem vender, por que há uma resistência enorme do povo brasileiro? Será que o povo brasileiro todo não está entendendo o que está acontecendo?
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Olha, se o negociado sobre o legislado fosse tão bom, com 15 milhões de desempregados... Como é que se explica? Quem tem a força na hora dessa tal de livre negociação, na maioria dos artigos, não é o sindicato, não; é individual. É só olhar o conjunto dos artigos. Como é que um empregado chega junto ao empregador, e este lhe diz "você aceita isso, isso ou aquilo, ou não"? Está ali, é individual, em inúmeros artigos. O que ele vai dizer? "Eu aceito." Eu falei antes sobre a experiência com o Fundo de Garantia, e ninguém me respondeu. Todos foram obrigados a optar pelo Fundo de Garantia. Aí alguém me disse aqui: "E hoje, por que ele não abre mão?". Vão querer que ele abra mão do restinho que ficou, que é o Fundo de Garantia? É claro que não abre mão!
Essa é uma realidade cruel. E eu dou um exemplo ainda do negociado sobre o legislado e dessa forma de não assegurar os direitos para os trabalhadores. Por que não espalham isso, então, para outros setores da sociedade? Por que só para o trabalhador não vale mais a lei e vale a negociação? Vamos, então, espalhar para todo mundo, para todos os setores da sociedade? Agora vai valer a livre negociação em todos os parâmetros - mas aí, claro, ninguém vai aceitar.
Eu vou recorrer aqui ao Papa Francisco. A reforma é de interesse de quem? Sabemos de quem, porque já se disse. O que os convidados acham de uma citação do Papa Francisco, em que ele deu um alerta ao mundo para a ditadura sutil "que impôs a lógica do lucro", a qualquer custo, sem pensar na exclusão social que ele gera?
Eu confesso, estou aqui há 32 anos e nunca vi um momento como esse. Nunca vi! Uma reforma que chega com sete artigos e tem mais de 100, mais de 200 mudanças. Quem está capitaneando isso? Com certeza, já não são as centrais. Pena que o Ministro já não esteja mais aqui. Ele disse que a proposta veio para cá com um acordo. Acordo nenhum de central nenhuma. Central nenhuma! Tanto que fizeram o movimento de 8 de março, liderado pelas mulheres; o de 15 de março, liderado pelas centrais, federações e confederações; e o do dia 28. Não há central nenhuma apoiando essa reforma. Nenhuma mesmo. E quero saber se existe algum sindicato, o que eu acho que também não existe.
Eu queria perguntar também, para deixar para a reflexão dos senhores, qual país do mundo fez uma reforma desse porte da que querem que o Senado aprove? Se deixar vão aprovar em... Queriam em uma semana. Agora, se não houver uma resistência aqui dentro, vão aprovar em 15, 20 dias. Já vieram me informar há pouco tempo - nós tivemos um debate duro lá no Colégio de Líderes - que o requerimento de urgência que eles se comprometeram lá a não colocar já estão pensando em colocar.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É essa a reflexão. Por que não fazer um debate amplo? Alguém poderia dizer que houve reforma semelhante - semelhante, não; não desse porte -, que houve reforma na França, na Espanha, na Grécia. Mas isso foi em uma semana? Que Senado da República seria este que em 15 dias, 20 dias ou 30 dias carimba o que veio da Câmara? Com certeza isso não vai acontecer. Eu tenho muita esperança de que os Senadores e as Senadoras vão fazer o bom debate para que esse tema seja visto e discutido por toda a sociedade brasileira.
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Quanto ao trabalho intermitente, tão falado aqui por todos... Eu fui convidado para ir ao Mississípi visitar uma grande montadora - no Mississípi! - que adota o trabalho intermitente, pelos sindicatos de lá. Isso há um ano. Trabalho escravo no trabalho intermitente! Obriga o trabalhador a ficar em casa esperando a boa vontade do empregador para chamá-lo. E é só olhar com detalhe e vocês vão ver que ele tem prazo para dizer se aceita ou não aceita e, se não for, já tem mais uma multa. É trabalho escravo! Eu só não quero dizer o nome da montadora aqui, mas é uma grande montadora do Mississípi. Eu nunca imaginei que iam querer aplicar no Brasil isso.
Essa terceirização vergonhosa que, infelizmente, a Câmara aprovou... Porque, sobre o projeto que está aqui, nós fizemos um amplo debate e não deixaríamos que chegasse a esse patamar. Terceirizar tudo, inclusive a atividade fim, e dizer que nem o Estado é responsável, como ocorreu aqui dentro do Senado, em que nove empresas não pagaram trabalhador nenhum? E não pagam, não indenizam, e os trabalhadores estão aqui dentro, chorando pelos cantos, na Comissão Direitos Humanos, por exemplo. É isso o que nós queremos? Quarenta e cinco milhões de trabalhadores que têm carteira assinada? Todos ficarem nessa terceirização? Todo mundo sabe que é 30%, 40% a menos no salário; que, de cada dez acidentes com sequelas, oito estão em empresas terceirizadas; de cada cinco mortes, quatro são em empresas terceirizadas. É isso que nós queremos para os trabalhadores brasileiros?
Senadora Marta, não é que eu não queira discutir ponto a ponto e ver o que é possível, mas, da forma que está esse projeto, é inadmissível. O povo brasileiro não merece isso, não merece. E conjugaram previdência com reforma trabalhista. Há ali até anistia aos devedores. Votaram, na semana passada, uma medida provisória que diz que os grandes devedores da Previdência - como, por exemplo, o próprio Relator, que devia R$67 milhões - não precisam mais pagar. É muita crueldade.
Eu termino, querida Presidenta, e agradeço a elegância de V. Exª. Percebo que estão desumanizando a política. Só o que interessa é o lucro em cima do lucro, na contramão do que diz o Papa Francisco.
Esse artigo que fala das mulheres... Mulher gestante agora pode trabalhar em área insalubre! Vão dizer que vai poder amamentar dentro de uma fundição, daqui um pouco, porque depende do médico da empresa. Como temos trabalhadores que cometem erros, há inúmeros empresários que cometem erros, quando estão pensando na produção e no lucro.
A que ponto chegamos! Eu lamento muito. É claro que não estou nem um pouco...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... feliz com essa situação e com essa indignação, mas, pelo menos vi aqui hoje, tanto pela primeira Mesa...
Senadora Marta Suplicy, quero cumprimentar V. Exª, que permitiu o equilíbrio entre duas posições radicalmente diferentes. Eu respeito todos, porque é assim que se faz a democracia. Aqui na Mesa, ouvimos os nossos convidados, como o Sr. José Pastore, que conheço há muito tempo - já participamos de inúmeros debates -, e os outros três convidados. O Peter deu aqui uma visão internacional e mostrou que a OIT está preocupadíssima - mostrou ali, está ali no painel, é só pegarmos - com esse tipo de reforma que estão querendo fazer aqui, que não foi sucesso! Onde flexibilizaram o direito dos trabalhadores, gerou-se emprego? Não se gerou! As estatísticas estão aí, os números... Pelo menos tudo o que foi apresentado hoje aqui e o que eu tenho visto nos debates, aqui e na Câmara - eu vou concluir, Senadora, com essa frase -, não gera um emprego!
Eu sempre dou o exemplo da reforma em que fizeram o trabalhador abrir mão dos 20% da contribuição do empregador sobre a folha. Não vi um empresário ser contra, todos a favor, e não aumentou um emprego!
Obrigado, Presidenta.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senador Paim.
O representante da OIT, Peter Poschen, teve que pegar o avião. Por isso, retirou-se.
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Agora, passo a palavra à Senadora Ana Amélia, que é a última inscrita.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Obrigada, Srª Presidente.
Serei muito breve, porque também temos medidas provisórias andando, e aqui temos de nos virar nos trinta, em função de uma agenda complicada. Há a Comissão de Agricultura, de que faço parte; há uma audiência pública para instruir um projeto de lei importante; e também temos o Plenário hoje em um dia bastante assoberbado.
Mas eu queria cumprimentar os expositores pelas informações trazidas aqui. Tenho sempre um pouco a tendência de voltar à minha vida anterior à de Parlamentar, como jornalista, e fazer perguntas, por curiosidade de informação, que também subsidiam isso.
Vou começar pelo Sr. José Reginaldo, que usou uma expressão aqui, dizendo que a renda do trabalhador brasileiro só é maior que o da China. Então, naquela última lâmina o senhor apresentou - a primeira é a Suíça, e o Brasil está lá; Brasil e China - a renda do trabalhador. Foi esse dado que o senhor apresentou.
Quero saber, nesse particular, se os direitos do trabalhador chinês têm uma regulamentação semelhante ao capítulo dos direitos sociais da Constituição brasileira, no seu art. 7º, com tudo que está elencado: fundo de garantia, a questão de férias, décimo terceiro; todos os benefícios que estão arrolados ali. Se há essa legislação, para efeito de comparação. Porque, se você faz com a renda, tem que fazer também com os direitos. Eu não conheço a legislação chinesa em relação a esses direitos, nesse nível, para termos uma comparação, digamos, mais eficaz.
Na questão relacionada ao imposto sindical, eu fiz essa pergunta ao Procurador do Ministério Público do Trabalho, Dr. Ronaldo, e ele é favorável ao fim da obrigatoriedade... Não ao fim do sindicato nem da ação sindical. Acho que o bom sindicato tem uma relevância extraordinária nessa relação.
Há também um dado que o senhor mostrou sobre o índice de escolarização do trabalhador brasileiro, comparando o ano de 1780 com hoje. Acho isso um dado extremamente relevante. A escolarização mostra o grau de consciência que o trabalhador tem dos seus direitos e a exigência que ele passa a ter numa assembleia de trabalhadores para efeitos de uma negociação coletiva de um dissídio coletivo, por exemplo. Então, esse dado é positivo - foi a forma como o senhor apresentou -, o do nível de escolaridade: quanto mais escolaridade tem o trabalhador, maior grau de autonomia ele tem para escolher o que é melhor para ele. Então, sob esse aspecto, eu achei esse dado surpreendente e relevante.
Dr. Guilherme, também tenho uma curiosidade. Quanto à estrutura da Justiça do Trabalho no Brasil, pergunto se existe algum parâmetro de Justiça de Trabalho em países com economias semelhantes à brasileira e se, nessa estrutura, o nível de judicialização de capital e trabalho está comparado ao brasileiro, ao nível de demanda à Justiça - se é do nível brasileiro, se é maior, se é menor, se é médio. Porque, sinceramente, eu não tenho informação sobre isso.
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Eu queria perguntar ao Dr. Pastore...
Pena que o representante da OIT não está, porque eu tinha umas questões, comparativamente... Porque a gente fala em tese, mas é preciso pontuar...
(Soa a campainha.)
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - ... especialmente em relação aos países da América Latina. Hoje as empresas estão sendo chamadas para ir para o Paraguai, porque as condições competitivas de produção - menos impostos, tudo - no Paraguai são melhores. Então, nós estamos transferindo empresas brasileiras para o Paraguai por conta de um ambiente mais favorável para se trabalhar.
Então, do senhor eu queria saber exatamente, quanto a essa mudança de mercado, qual é a projeção que faz para daqui a 10 anos ou 20 anos do mercado de trabalho? A gente já viu que muitas atividades foram já extintas do mercado de trabalho, e outras o serão, porque a tecnologia está chegando e está mudando essa relação.
Aqui foi reconhecida pela manhã, em uma pergunta que eu fiz sobre esse aspecto, a necessidade de regulamentar os aplicativos, por exemplo: eu citei o caso do Uber; há o Airbnb; aqui agora há um de serviços médicos; e aparecerão muitos outros daqui para diante. Então, qual é a visão que o senhor, como especialista nessa relação de capital e trabalho, vê do avanço da tecnologia sobre o sistema, sobre as relações de capital e trabalho?
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Senador Ana Amélia.
Vamos dar a palavra agora ao Prof. José Pastore, Professor Titular da USP.
O SR. JOSÉ PASTORE - Obrigado, Presidente.
Começando pela Senadora Ana Amélia, é claro que as empresas, para poderem competir na economia global, procuram se localizar onde elas otimizam os fatores. Otimizar fatores significa: boas condições de legislação trabalhista, ambiental, tributária; energia; e qualificação de mão de obra. São os três fatores principais que as empresas seguem.
O Brasil tem apresentado problema nessas três áreas. Por exemplo: nossa legislação ambiental está tão complexa hoje quanto a trabalhista, ou mais, e tem retardado muito a aprovação de projetos de investimento importantes para gerar emprego. O nosso nível de qualificação da mão de obra é muito díspar. O Brasil tem excelentes setores, com produtividade lá em cima, porque a qualidade é melhor até do que a de um país desenvolvido - é o caso da Embraer, por exemplo, e de outros setores -, mas, na média, nós temos uma produtividade do trabalho aqui que é um quarto da produtividade média de um americano. Ou seja, para fazer a mesma tarefa, com a mesma tecnologia, no Brasil nós precisamos de quatro pessoas, enquanto que nos Estados Unidos eles precisam de uma pessoa. Eles podem remunerar bastante uma pessoa, enquanto nós temos quatro pessoas.
Então, o que determina essa baixa produtividade? São vários fatores. Um deles, que é muito evidente, é a educação do trabalhador, a preparação, a qualificação pessoal. Outro é a qualidade do empresário. O administrador que é bom, que sabe otimizar as suas regras de investimento, de utilização de fatores se sai melhor. E também há a regulação. A regulação afeta muito. Quando uma empresa não tem muita certeza do que vai acontecer em determinada área, porque a regulação é confusa, é obscura, é complexa demais ou porque o Poder Judiciário, que opera essa regulação, é incerto nas suas decisões, ela retrai o investimento. Então, esses fatores conjugados explicam essa movimentação de empresas de um país para outro. O que é incrível e até irônico é verificar que o Paraguai está atraindo empresas brasileiras.
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A senhora pode ter certeza de que, nessa questão da regulação, o que pesa mais não é tanto o custo do trabalho, contado por salários e encargos, mas a insegurança. A falta de segurança tem efeitos predatórios mais graves ao investimento do que o próprio custo. Então, se o investidor não sabe o que vai acontecer com um acordo coletivo ou um contrato coletivo que ele acabou de firmar hoje, se não sabe o que vai acontecer amanhã, ele fica incerto e hesita em investir. E essa é a situação do Brasil.
Eu tive oportunidade de apresentar aqui na minha fala...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ PASTORE - ... que nós temos uma área da legislação trabalhista que é muito flexível, que é a parte da dispensa. No Brasil pode-se despedir empregados, pagando Fundo de Garantia, indenização etc. Mas temos uma outra parte que é muito rígida, que diz respeito ao restante da legislação trabalhista, que é o objeto deste projeto de lei.
Então, eu penso que essa questão que a senhora levanta é muito relevante. A economia global vai continuar global, e o Brasil, para competir, precisar estar bem em todos esses fatores. Nós estamos cuidando de um deles apenas aqui, mas existem vários outros que interferem.
Quanto à questão tecnológica, a senhora tem toda razão. As estimativas mais otimistas estão dizendo que, daqui a 10 anos, 40% dos empregos atuais não existirão mais por força da entrada de tecnologias, principalmente da digitalização e da inteligência artificial. E nós precisamos nos preparar para isso, não apenas com regulação, como estamos fazendo aqui, mas, sobretudo, com educação.
Ainda há uma questão do Senador Garibaldi e a do Senador Paim - desculpem-me; eu me estendi muito.
Senador, eu estava me referindo a que, de todos aqueles direitos que estão no 611-A do projeto de lei, que podem ser negociados, nenhum foi revogado. Agora, há alguns direitos aqui que foram modificados - de fato, o senhor tem razão -, como também o Dr. Feliciano apontou aqui. E ele disse o seguinte: é questão de analisar se essa modificação foi para melhor ou para pior.
Então, por exemplo, o projeto de lei diz o seguinte: "o horário de deslocamento do empregado da residência até o trabalho não conta como jornada de trabalho". A lei atual diz que conta. O que se analisa é se isso é para melhor ou para pior. Hoje muitas empresas mantêm um ônibus para transportar os empregados até o local de trabalho, mas outras desistem quando isso entra na conta da jornada do trabalho e onera o custo. Muitas vezes, mesmo aquela que está mantendo acaba desistindo devido a uma oneração de custo.
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Esse exemplo aqui é para os Srs. Senadores analisarem, naquilo que o projeto modifica o direito atual, se a modificação é para melhor ou para pior.
O Dr. Feliciano apontou aqui que a Constituição Federal, no art. 7º, caput, como todos os senhores conhecem bem, diz que os direitos ali estabelecidos visam à melhoria da condição social dos trabalhadores. Por isso, nada poderia ser negociado, a não ser aquelas exceções, o que é o argumento aqui defendido.
Penso eu que compete aos senhores legisladores, talvez, esclarecer melhor o que significa melhoria das condições sociais do trabalhador. Quem é que define o que é melhor? É o trabalhador, é o advogado ou é o juiz? Se ele achar que é melhor para ele fazer 30 minutos de almoço para sair mais cedo, está contrariando a Constituição?
Eu deixo essa pergunta no ar, porque ela também comparece nas citadas convenções da OIT.
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ PASTORE - As citadas convenções da OIT também se referem a melhorias. Mas a pergunta a ser feita é a seguinte: quem é que define o que é melhor para mim? O advogado, o juiz ou eu? Essa é a questão a ser colocada. Esse projeto de lei está enfrentando essa questão.
Senador Paim, V. Exª levantou tantas coisas aqui... Aliás, pela nossa longa amizade, eu já conheço vários argumentos seus, mas eu só queria fazer uma síntese aqui.
Opinião pública: 85% são contra. De fato, eu vi uma pesquisa aqui em que 58% dos brasileiros acham que essa reforma vai retirar os direitos. E o senhor mesmo pergunta: será que é falta de informação? Eu acredito que seja falta de informação. Eu acho que nós estamos vivendo uma era em que prosperam mais as mentiras do que as verdades. Eu tenho visto, nas redes sociais, por exemplo, muitos artistas falando contra essa reforma, mas não vejo nenhum artista falando a favor dessa reforma. Não sei se eles não estão convencidos ou se não estão dispostos a falar. Hoje em dia, diz-se que nós estamos na era da pós-verdade - pós-verdade eu acho que é sinônimo de mentira. Então, o que está faltando é uma informação adequada para o público, o que não é fácil. Eu reconheço que não é fácil, porque, como vimos aqui, se trata de um projeto bastante complexo, muito extenso, mas eu acredito que o público mereça ser informado com as verdades.
Então, quando se fala que, ao negociar, ele vai perder direitos, não é verdade isso aqui. Ao negociar o art. 611-A, ele não vai perder nenhum direito; os direitos continuam lá. Se ele não quiser negociar, o direito continua; e, se ele quiser voltar depois de ter negociado, ele pode voltar na data-base, que o direito vai estar lá presente.
Quanto à velocidade da reforma, eu acho que são os senhores que sabem qual é a melhor velocidade, mas, há pouco tempo, eu vi que foi feita uma reforma por decreto na França, sem nenhuma discussão quase. Muito rapidamente ela foi feita.
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Eu tenho um amigo que teve a oportunidade de falar com o Presidente François Hollande, perguntando a ele: "Como é que o senhor conseguiu fazer uma coisa tão rápido assim, se o senhor é um homem de esquerda?" Ele falou: "Exatamente porque eu sou de esquerda é que nós conseguimos fazer, porque nós da esquerda, quando estamos no poder, não deixamos fazer nada. Conseguimos fazer na França de uma maneira bastante rápida."
Eu acho que essas são as questões principais.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada pelas suas palavras.
São vários questionamentos, várias ponderações, e eu achei interessante quando o senhor colocou: "quem decide?" E depois terminou: "ou sou eu que decido?" Eu, o cidadão. Agora, o que a gente tem que pensar é em que condição de igualdade esse cidadão pode decidir. Essa me parece uma grande questão também, não é?
Não dá mais muito tempo para fazer novas perguntas, mas eu me preocupo também com isso. Você decidir "ou a fábrica fecha ou diminui o meu salário", é um jeito de... Como é que eu vou decidir? Quer dizer, sempre a decisão então vai ser minha. Mas aí a decisão prossegue, a conversa prossegue. Eu acho que foram levantadas...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem colocado por parte de V. Exª.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Mas foram levantadas muitas interrogações aqui. E o mais difícil, me parece, nessa decisão de como faremos essa reforma, de como a votaremos, é que consigamos fazer a modernização dessa legislação, ao mesmo tempo flexibilizando da melhor forma possível para o trabalhador. Isso que é o mais difícil, que a gente não tire os direitos.
Nós sabemos - e aí eu concordo com o senhor também - que a desinformação, Paim, está muito grande, porque o Governo comunicou muito mal, e as pessoas estão acreditando em algumas coisas que não são... Quanto à previdência, então, nem se fala. Estão desinformadas. A questão que se põe é muito complexa, mas ao mesmo tempo é simples. Alguns direitos mais básicos, constitucionais, não são mexidos. O que nós estamos discutindo é o que acontece com o intermitente, o que acontece com o trabalho temporário, é a questão sindical, são...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - ... as gestantes - o que nós não podemos admitir, e aqui no Senado eu acho que nós mulheres vamos nos organizar para isso.
Eu acredito que esses outros pontos é que têm que ser aprofundados, para que nós consigamos fazer algo que dinamize a economia, porque é isso que nós precisamos. Porque também foi levantado, eu não lembro bem por quem, no plenário hoje, que existe uma correspondência entre a capacidade econômica da Nação de criar emprego, mas ela não vem do abstrato; ela vem de condições para as pessoas investirem. Essas condições faltam hoje no Brasil. Então, isto a gente tem que ter claro: essas condições nós não temos; e essas amarras, como aqui foi dito por vários, existem. Então, como tirar as amarras que estão impedindo, protegendo o trabalhador? Esse é o grande desafio.
Agora passo a palavra para Guilherme Feliciano, da Anamatra, para suas considerações finais.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Obrigado, Senadora.
Tentando rapidamente responder às questões, começo pelo que pontuou o Senador Garibaldi - e aí já fazendo uma breve réplica ao que diz o Prof. Pastore. "O trabalhador deve decidir o que é melhor para si, para a sua condição social." Esse discurso, posto assim, é perfeito. E o que se busca mesmo é um horizonte de autonomia, de emancipação do trabalhador. Essa é a razão de ser do direito do trabalho.
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Mas, aí, é o que eu dizia, de para-brisa e retrovisor, não é? Isso já era assim. Essa era a realidade das relações de trabalho ao tempo da Primeira e da Segunda Revolução Industrial. Não havia uma intervenção do Estado para dizer "você pode negociar, mas há mínimos civilizatórios". Eu acho que é isso que se discute, na verdade. O que a Constituição e as leis trabalhistas conferem ao trabalhador é um mínimo civilizatório. E a Constituição escolheu três aspectos, para possibilitar, no plano coletivo, uma negociação. Aí a legislação poderia, sim, desenvolver essas possibilidades dentro dessas três hipóteses constitucionais. É uma questão quase de literalidade do texto: jornada, remuneração, turnos ininterruptos.
O projeto de lei acaba desbordando para várias outras hipóteses: insalubridade, controle de ponto, remuneração por produtividade, plano de carreira, função de confiança. Na negociação coletiva, a empresa poderá dizer: "este cargo de escriturário é função de confiança - consequência: não se tem direito a horas extras". Essas coisas não poderiam ser textualmente flexibilizadas, e é o que está lá.
Agora, vejam, apenas para traçarmos um paralelo: o Direito do Trabalho não é o único direito, digamos, protetivo, tuitivo, que o sistema jurídico brasileiro conhece. Há outros: o Direito da Infância e da Adolescência; o Direito do Consumidor, que foi até citado hoje de manhã, também é um direito tuitivo, que protege a parte mais frágil na relação.
O Código de Direito do Consumidor prevê lá as convenções coletivas de consumo. Estão previstas lá. Os senhores ouvem alguma discussão sobre a possibilidade de negociado sobre o legislado em relação ao consumidor? É a mesma situação. Eu vou dizer: mas o consumidor, coletivamente, pode dizer o que é melhor para si. Então, vão negociar uma possibilidade de isentar a empresa se, eventualmente, daquele produto adquirido houver um acidente. O Código do Consumidor é claro: a responsabilidade aqui é objetiva, e o consumidor vai ser ressarcido. Isso é o mínimo civilizatório naquele tipo de relação. A negociação não pode lidar com isso de uma maneira absolutamente irrestrita. O mesmo vale aqui.
Então, nós reconhecemos e queremos esse caminho de emancipação do trabalhador, mas só entendemos que o que está historicamente garantido precisa ser preservado. A negociação deve existir aqui para abrir outros fronts, para aumentar, expandir os horizontes, e não para retroceder naquilo que a história já consumou. Então, essa é a nossa preocupação.
Mas o Senador Garibaldi perguntava: não há nada de bom no PLC 38? Até há, Senador. Por que nós não...
E lhe digo: há juízes do trabalho que acham que quase todo o projeto, inclusive, é bom. Não é apenas essa a posição institucional da Anamatra, que, por acaso, converge para a minha. Há pontos positivos? Eu posso apontá-los? Posso. Mas me parece que, se nós retirássemos os pontos negativos todos e deixássemos apenas os pontos positivos, restaria muito pouco nesse projeto; talvez ele sequer fizesse sentido, porque, na verdade, o seu espírito é exatamente a prevalência do negociado sobre o legislado e, a meu ver, com certo excesso em relação ao Texto Constitucional.
Mas, para fazer alguma referência, há a questão da multa em caso de não anotação em carteira de trabalho, para evitar a informalização...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Essa é uma boa medida.
Há a garantia, que foi citada aqui, do 611-A, §3º, no sentido de que, se se negociar jornada ou salário pelo tempo de vigência do acordo ou da convenção, haverá uma estabilidade no emprego. Isso não está na Constituição, seria uma novidade na lei, e me parece positiva.
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A regulamentação do teletrabalho seria positiva, mas o problema é que, onde se inovou, a meu ver, se inovou mal. Por exemplo: colocou-se a figura do teletrabalhador lá no 62, III. Ele não tem direito a horas extras. Ora, mesmo se o teletrabalhador puder ter a sua jornada controlada por login, logout ou por relatório de produtividade? Por que ele não pode ter direito às horas extras como os outros trabalhadores se for possível o controle da jornada? Então, isso é inexplicável. Há ainda a previsão de que o custo de manutenção de equipamento poderá ser dele, trabalhador, embora ele trabalhe para o empregador. Isso poderá ser pactuado individualmente. Então, a regulamentação como iniciativa foi boa, mas o que constou ali não foi.
A questão da sucumbência na Justiça do Trabalho. Essa é uma questão polêmica entre os juízes do trabalho, porque, historicamente, como não há sucumbência, o advogado acabava recebendo do trabalhador, ou seja, o crédito dele ela diminuído. Então, sucumbência na Justiça do Trabalho, em princípio, é algo bom, significa que isso não vai sair do bolso do trabalhador, mas do da empresa se houver condenação. O grande problema é que isso, tendencialmente, se cumula com honorários contratuais, ou seja, a empresa paga o advogado do trabalhador e o trabalhador ainda tem que pagar o advogado por conta de um contrato de honorários. Isso é que teria de ser, talvez, pensado para que não houvesse essa acumulação, mas de todo modo é algo polêmico.
Porém, volto a dizer, consegui elencar algumas coisas, mas são poucas coisas. São poucas coisas. Algumas previsões retiram dispositivos superados. Por exemplo, cita-se muito a previsão da necessidade de autorização marital para que a mulher ingresse em juízo. Isso está sendo modernizado. A Justiça do Trabalho não aplicava isso há décadas. Tudo bem, modernizou, mas isso é irrelevante; isso já não era mais assim aplicado desde o início da década de 80, desde a lei do divórcio. Imagine! Então, são, digamos, alterações pontuais que não representam algo assim visível, sensível. O que há de realmente mais sensível, a nosso ver, acaba sendo retrocessivo.
Muito rapidamente: estrutura da Justiça do Trabalho, Senadora Ana Amélia. A Justiça do Trabalho no Brasil tem uma autonomia. Ela é um ramo especializado do Poder Judiciário, uma carreira própria. Alguns países têm isso, sim. A Alemanha tem também uma Justiça do Trabalho estruturada da mesma maneira.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Do primeiro grau até o tribunal superior, uma magistratura única. A Inglaterra também. Em outros lugares é diferente. A Justiça do Trabalho não é uma jabuticaba brasileira, como dizem por aí. Ela existe em outros lugares.
Há muita litigiosidade? Há muita litigiosidade. Mas isso foi bem apontado de manhã: não é só na Justiça do Trabalho; o Brasil é um país litigioso. Diz-se...
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Fora do microfone.) - O Rio Grande do Sul mais ainda.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Mais ainda, especialmente se for um colorado e um gremista.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Fora do microfone.) - Na área da saúde, mais ainda.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Pois é.
Então, veja, Senadora, o problema... E aí se falou em cultura. Eu nem sei se essa é uma cultura saudável - talvez não seja -, de tanta litigiosidade, mas o que eu quero dizer é que esse não é um problema da Justiça do Trabalho, é um problema do Brasil todo.
Há ainda uma questão, e acho que isso foi dito também. O Justiça em Números, que é um relatório do Conselho Nacional de Justiça, indicou, na sua última edição, que 50% do que se demanda na Justiça do Trabalho - acho que isso foi dito também - são verbas rescisórias. E, pelas estatísticas que foram apontados aqui do TST, podemos acrescentar jornada. Verbas rescisórias e jornada é o que há de mais básico no Direito do Trabalho. Não são grandes teses, criacionismo do juiz do trabalho; são coisas básicas.
Eu me lembro de uma ocasião em que eu estive na Itália, com alguns juízes do trabalho, conhecendo juízes de lá. A juíza italiana fez uma série de explicações etc., e um colega nosso de Santa Catarina fez a seguinte pergunta: "mas eu não ouvi a senhora falar nada sobre a execução na Justiça do Trabalho aqui". Lá não há uma justiça do trabalho autônoma, mas varas do trabalho. "Porque, lá no Brasil, nós temos o Bacen Judiciário: faz-se uma penhora eletrônica via Banco Central na conta do empregador devedor. Lá é fantástico! Vocês não têm isso aqui?" Ela disse: "Não." Fez-se aquele silêncio... Aí, ela complementou: "Aqui, geralmente, quando o juiz condena, o devedor paga." Então, muitas vezes é uma questão de uma resistência cultural também a quitação, e isso leva a uma maior litigiosidade.
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Para terminar, o Senador Paim citou o Papa Francisco...
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - Eu estava lembrando...
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Pois não.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) - ... que eu fui a Relatora do PLC 606, que deu uma mudança nas questões rescisórias de pagamento para a Justiça do Trabalho. O ex-Ministro Presidente Dalazen foi me pedir que eu apressasse a votação. Eu disse que nós o faríamos, e o fizemos. Foi uma matéria bastante importante para a Justiça do Trabalho nas execuções das rescisões contratuais.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Com toda a certeza, aumentou a efetividade de algo que se diz ser alimentar.
Senadora, só para encerrar, respondo a pergunta do Senador Paim com relação ao que disse o Papa Francisco. Poderíamos, de fato, buscar outras citações dele, mas, como aqui é o Parlamento, a Casa do Povo, talvez valha a pena pensar um pouco no que a sociedade civil organizada está pensando a esse respeito. E aí, já que V. Exª falava do Papa, eu cito a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, que publicou uma nota pública contrária a essa reforma, explicitamente contrária. Não podemos dizer que a Igreja Católica no Brasil seja comunista, esquerdista. Há bispos para todas as tendências, como há juízes para todas as tendências, mas é uma visão institucional. Então, temos de pensar se realmente a reforma como está atende os interesses sociais.
Mas não foi só a CNBB. A Ordem dos Advogados do Brasil, no Conselho Federal, publicou uma nota criticando essa reforma trabalhista como está, especialmente o açodamento na aprovação, mas também os retrocessos.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO - Os juízes do País e os membros do Ministério Público, em uma nota conjunta da chamada Frentas - Ajufe, dos juízes federais; AMB, de juízes estaduais e outros; Anamatra, dos juízes do Trabalho; Ministério Público Federal do Trabalho; Ministério Público estadual; todos -, todas as entidades assinaram uma nota criticando essa reforma trabalhista. As igrejas evangélicas tradicionais criticaram a reforma trabalhista. A sociedade civil organizada está preocupada com o teor do que aqui está. Acho que esse é um bom sinal de que talvez não seja o melhor caminho nesses termos como tem sido apresentado.
Obrigado, Senadora.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Obrigada, Guilherme Feliciano, lembrando que D. Odilo, de São Paulo, relativizou essas críticas - acho que foi anteontem. Eu não li a nota que ele soltou, mas li a chamada sobre isso. A discussão eu acho que está em todos os campos, e a unanimidade está difícil.
Mas eu vou dar a palavra, por alguns minutos, para a Senadora Lídice da Mata.
(Interrupção do som.)
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - ... vou dar a palavra da sessão para ele, e antes vou dar a palavra à Senadora Lídice, que se inscreveu.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero pedir desculpas, Senadora. Eu acompanhei todas as falas. Apenas saí para tomar um remédio, porque estou com sinusite.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu percebi; por isso estou fazendo essa exceção.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu estava um pouco febril.
A essa altura, eu acho que prejudicaria se fosse fazer novas perguntas. Acho que o conjunto de perguntas feitas aqui a mim atendeu muito, bem como as falas iniciais dos senhores debatedores ou conferencistas, que brilharam pela objetividade e centralidade, foco nas questões.
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Eu quero parabenizar o Prof. Pastore, que retomou uma discussão central nesse nosso debate. Fez-se uma premissa no Brasil, pelo menos na propaganda governamental e em algumas falas aqui, no debate na Câmara, de que reforma trabalhista tem sinal de igualdade com quase duplicação de empregos, com quase empregos em profusão. E, na fala inicial dele, justamente com o pensamento com base na sua formação de economista, ele relativiza isso, mostra que outros fatores têm que ser somados a isso e que, portanto, nós não podemos aceitar essa discussão como uma discussão central. E, ao dizer isso, ele vai para a posição dele, que é favorável à reforma, mas colocando-a em um lugar que não é esse, colocando; inclusive, que as mudanças que são feitas visam modificar aspectos dentro da CLT, dentro da Constituição, mas que esses aspectos seriam muito importantes para, digamos assim, facilitar o investimento no emprego.
Portanto, Senador Paim, na minha opinião, está desfeita uma primeira premissa básica, que tem sido sustentada pelas hostes governamentais, de que isso significa profusão de empregos imediatos. O Brasil tem 13 milhões de empregos terceirizados contra 37 milhões de empregos contratados. Portanto, há uma diferença muito grande, com um desemprego que chega hoje a 14 milhões. É difícil concluir, dentro de um pensamento econômico - mesmo levando em conta que isso significasse precarização do emprego, mas facilitação para aumentar o desejo do empresário brasileiro de contratar mais -, que isso significasse uma diminuição ou quase uma situação de fim dos 13 milhões de desempregados do Brasil. Nós continuaríamos com alto desemprego, porque esse não é o único fator a estar dificultando o crescimento do emprego no Brasil.
Para finalizar, eu queria colocar uma última questão histórica. Nós falamos da CLT como se ela fosse unanimidade no Brasil. E não é, nunca foi. A CLT foi contestada desde o início pelos grandes representantes do capital nacional brasileiro, os grandes empresários. Assim como a Constituição de 1988, desde o ano seguinte, no que diz respeito ao direito do trabalhador e outros direitos, é durante contestada por aqueles que foram derrotados no processo constituinte. Então, nós estamos dando continuidade a uma luta política no Brasil entre dois ou três polos de pensamento sobre desenvolvimento e modelo de desenvolvimento econômico do nosso País. Essa luta permanece viva e chegou a um nível, por conta da crise econômica e da crise política, em que nós estamos em um confronto central. Não é possível mediar. É possível que este Senado possa mediar, mas ele só poderá mediar se se desfizer da ideia de que estará aqui em votação uma proposta que responde às necessidades do Governo e que derrotá-la significa não responder à necessidade do Governo. Se nós formos para uma votação Governo versus oposição, nós não estaremos respondendo às necessidades do Brasil e, muito menos, dos trabalhadores brasileiros.
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E é por isso que é possível, na França, por decreto, se fazer uma reforma nefasta e perversa como foi feita por Hollande, de um partido socialista, que, agora, para ir para a campanha eleitoral, não conseguiu sequer ser candidato, porque a democracia exige a aprovação do povo. Ela não sobrevive... Nós podemos ter até um regime em que cresça... Inclusive, na ditadura militar, houve isto: a economia do Brasil cresceu, o famoso milagre econômico, mas não tínhamos democracia. O desafio é fazer crescer e desenvolver-se economicamente...
(Soa a campainha.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... mantendo-se os ideários democráticos.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Muito obrigada, Senadora Lídice.
Passo a palavra, para encerrarmos a nossa audiência, a José Reginaldo Inácio, Vice-Presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - Eu queria começar fazendo uma citação do Celso Furtado, aí respondendo ao Senador Garibaldi. O Celso Furtado tinha uma colocação em que ele dizia que, quando a classe dominante oferece algum benefício ao seu povo, é porque ela já tem um antídoto para neutralizar o seu efeito.
De alguma maneira, para responder se temos a possibilidade de enxergar algo positivo, ainda que existam questões positivas - o Dr. Guilherme elencou algumas delas -, com a perversidade da totalidade, quando literalmente associamos as modalidades de contrato de trabalho que passam a existir, que potencializam, inclusive, a perversidade do próprio processo de terceirização, fica difícil dizer que o que há de positivo possa contrapor o sentido negativo. Então, é ruim para gente enxergar essa totalidade. Por quê? Porque as questões tão negativas anulam o efeito positivo da propositura. Isso inviabiliza que a gente faça esse olhar, esse pensamento.
A gente poderia dizer que, nessa estrutura - só para citar -, há uma perspectiva de violação ampla de direitos sociais e humanos na esfera trabalhista, previdenciária, cível, ambiental, sanitária, penal e por aí afora. Não se trata só, nesse caso da reforma, de pontuar as questões específicas do direito trabalhista. São outros. A gente poderia dizer que, em certo sentido, ainda que não houvesse a reforma da previdência, só essa reforma trabalhista da maneira colocada quebra a Previdência Social, retirando todas as fontes de receitas possíveis. Ela precariza a relação de possibilidade de se aposentar no Estado brasileiro e, automaticamente, corrói qualquer proteção social existente.
O Senador Paulo Paim faz alguns apontamentos, e aí é importante compreender. Eu acho que, quando a gente percebe um conjunto específico da sociedade, que são as classes que dominam - e, de certa maneira, escolhem os candidatos que estão nos Congressos, nas Assembleias, nas vereanças, em geral, nos Municípios -, literalmente apoiando, de modo maciço, escolhendo as suas representações, isso significa dizer que, obviamente, há um projeto que não espelha o povo. Tal qual aconteceu na história, como normalmente cita o Fábio Konder, nós temos uma sociedade sem povo, há hoje um Governo sem povo, um Governo que nega o povo, um Governo antipopular. Quanto mais impopular ele é, mais ilegítimos são seus atos, mais aderente é à causa de quem o colocou na Presidência. Esse é um ponto fundamental para a gente colocar.
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Outro ponto em que a gente acredita, respondendo à Senadora Ana Amélia - até por conta do tempo... São duas informações importantes. O número de analfabetos no Brasil: praticamente nas últimas décadas do século XIX, era de 82,3% a população analfabeta; hoje vivemos um número de apenas 9% no Brasil de analfabetos. É do Censo de 2010 essa informação.
E cabe destacar, em relação à China, que, do ponto de vista da legislação, não existe uma legislação semelhante à do Brasil, mas na China existe um processo de legislação que favorece aqueles que respeitam as leis. É um determinante fundamental. E, posteriormente a 1970, quando a China se abre para o mercado internacional, há uma mudança muito radical até no processo de encarar a relação internacional da China...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - ... com outros elementos da discussão na relação capital-trabalho, porque ela entra, de certa maneira, ainda que...
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Fora do microfone.) - Tem que obedecer às regras.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - Ela passa, inclusive, a permitir que empresas internacionais estrangeiras entrem no mercado de trabalho terceirizando, inclusive, mão de obra na China.
Mas a China, por exemplo, tem uma metodologia que, num contrato de trabalho, enquanto o contrato não encerrar, a estabilidade do trabalhador está garantida.
A China tem um direito muito interessante também de que, quando há recontratação por duas vezes, passa a ter estabilidade perene, estabilidade efetiva. O trabalhador passa a garantir a sua estabilidade a partir do momento em que ele tenha a segunda recontratação na mesma empresa. Então, é um ponto interessante para a gente observar em relação à China.
Do ponto de vista da estatística, a China hoje está à frente do México, do Brasil, da Índia e da Indonésia do ponto de vista da renda.
Vale destacar um aspecto. A pesquisadora da Universidade de Lisboa Raquel Varela, e também o Prof. Ricardo Antunes, o Ricardo Lara, que tem um trabalho feito na Europa nesse sentido, destacam de certa maneira em alguns textos, sobretudo a Raquel Varela, que é de Portugal, que há uma migração hoje de muitas indústrias da Índia não para a China, mas para o sul da Europa. Por que sul da Europa? Porque existem alguns países do sul da Europa - relatado por eles - em que a desestruturação, a desregulação de proteção social foi tão intensa que hoje compensa retornar para alguns países da Europa. E aí a natureza do trabalho...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - ... gerado é precária.
Para encerrar, aproveitando a fala do Prof. Pastore, há uma fala do Millôr Fernandes muito interessante, em que ele diz: "O problema da meia-verdade é se dizer exatamente a parte que é mentira". Então, é preciso ter esse cuidado, e a gente percebe...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito boa essa.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - ... que um Governo que necessita de muita propaganda, muita mídia para convencer a sociedade...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Em cima das duas reformas.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - ... há algo muito estranho nisso. Se precisa usar de modo intenso o convencimento através de propaganda... O produto bom não precisa de propaganda. Então, é esse o sentido.
Eu queria enaltecer a Senadora Marta Suplicy pela democracia com que ela conduziu a Mesa. O tempo foi oferecido para todos os debatedores de modo muito igualitário, o que é uma raridade dentro desta Casa, e eu enalteço a posição e a postura da condução.
Muito obrigado, em nome da Nova Central. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - Eu agradeço a todos os presentes...
(Interrupção do som.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. PMDB - SP) - ... profícuas ambas as audiências.
Vejo que estão todos exaustos, mas acho que aprendemos muito, e isso vai ajudar bastante a instrução do nosso trabalho.
Muito obrigada a todos.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião e convoco a 11ª Reunião, a se iniciar imediatamente, em que vamos - daqui a pouquinho, já em seguida - ouvir o relatório do Senador Elmano.
Deixem-me só me despedir dos convidados e aí já iniciamos.
(Iniciada às 9 horas e 22 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 05 minutos.)