25/06/2018 - 29ª - Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Declaro aberta a 29ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura do Senado da República.
Comunicado sobre o Ciclo de Debates e o 7º Painel de 2018, realizado no último dia 11 de junho, com o tema "O Protagonismo Chinês e a Instabilidade no Mar da China", do qual participaram como palestrantes os Professores Drs. Oliver Stuenkel e Alexandre Ratsuo Uehara.
Na opinião do primeiro palestrante, o Prof. Stuenkel, o Brasil deve ser um dos países menos preparados para a chegada de um mundo asiacêntrico. Quem hoje determina o preço das commodities, obviamente, é a China e há uma forte correlação entre o preço das commodities internacionais e o resultado das eleições presidenciais no Brasil.
A situação muito peculiar dos Estados Unidos de se fechar, de olhar para dentro, não terá repercussões tão grandes, como muitos pensam. A China e também a União Europeia continuam defendendo a abertura comercial. Temos a expectativa de concluírem em breve o acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Tudo isso, considerou ele, indica que temos um deslocamento de poder não só econômico, mas também político para a China.
O principal trunfo dos Estados Unidos na barganha com outros países é o acesso ao mercado americano. Não conseguindo mais oferecer isso, o seu impacto no quesito segurança internacional, a sua capacidade de convencer seus aliados a se manterem perto dos Estados diminui muito, afirmou ele. Há uma grande concentração demográfica na Ásia, que, em função do crescimento do PIB per capita das pessoas, também será a região central para definir os rumos globais.
A imprensa brasileira assim como a sociedade civil e como as universidades têm muita dificuldade de se adaptar a essa nova realidade. A situação na Ásia é muito complexa, afirmou o Prof. Oliver, sobretudo em função da ausência de instituições. O risco do mal-entendido é nessa região, talvez, o principal elemento que pode causar um conflito, mesmo que não existam de fato problemas incontornáveis.
Continua ele: "Os Estados Unidos, para limitar a capacidade chinesa de consolidar sua influência na região, tem investido muito nas alianças com os países do entorno chinês." O raciocínio americano é muito claro, disse ele. Enquanto a China precisar dedicar toda a sua atenção à sua vizinhança terá menos tempo e capacidade de articular um projeto global. A China se preocupa o tempo inteiro com possíveis cenários de conflito. Em função disso, o seu principal objetivo estratégico é a redução da presença militar norte-americana. A estratégia imprevisível que caracteriza o governo norte-americano, disse ele, é preocupante para seus principais aliados, sobretudo para o Japão, que delegaram sua proteção aos Estados Unidos.
R
Continua ele, dizendo que o grande objetivo agora é estabelecer mecanismos que possam reduzir a tensão em momentos de complicação e estabelecer linhas diretas de comunicação para evitar esse tipo de conflito, que teria um impacto brutal sobre a economia global.
"É muito pouco provável que tenhamos um conflito a curto prazo", afirmou o palestrante. A China, neste momento, ainda é inferior do ponto de vista militar e quer, obviamente, evitar um conflito.
"A percepção pelos governos da região de que o compromisso de segurança dos Estados Unidos já não vale pode levar a uma corrida armamentista, com países como Japão e Coreia do Sul buscando, rapidamente, desenvolver armas nucleares para se protegerem contra a China", concluiu o Prof. Stuenkel.
Afirmou o Prof. Alexandre Ratsuo Uehara, o nosso outro palestrante da noite: "Na época da Guerra Fria, a Rússia, basicamente, ficou circunscrita em suas relações econômicas ao seu entorno, o que já não ocorre com a China. A China hoje já está no mundo, está nos Estados Unidos, está no Brasil, está na Europa e está ocupando espaços no Oriente Médio e na África."
Os países mais populosos do Planeta são os que envolvem o continente asiático, onde a renda per capita, com exceção do Japão, é muito baixa. "Existe um potencial de crescimento econômico grande, o que projeta a Ásia para crescer muito mais do que hoje", disse ele. Mas, por outro lado, esse crescimento econômico também nos preocupa.
Observou o Prof. Uehara: "No mapa em que aprendemos a estudar, a Europa está no centro do mundo. Os chineses estudam com a China no meio do mapa, e, eventualmente, as gerações futuras, também aqui, no Brasil, terão a China, e não mais a Europa, no centro do mundo."
A China é, hoje, não só uma economia que cresce bastante, mas também está entre os cinco primeiros parceiros comerciais globais em importação ou exportação. Considerou o palestrante: "Não dá, como o Presidente americano algumas vezes mencionou, para dizer que se vai aplicar uma política de isolamento à China, porque ela está no mundo inteiro e é dona de marcas multinacionais que estão presentes no nosso dia a dia." Se os Estados Unidos resolverem fechar as suas portas, a globalização, segundo ele, não vai parar.
É importante não só olhar para as emissões de gás de efeito estufa pelo combustível que é queimado na China, mas também para o meio ambiente como um todo. O verde, destacou ele, está desaparecendo na região do Camboja, da Tailândia e do Vietnã, evidenciando a existência ali de um impacto ambiental importante.
Os acordos que o Presidente americano deixou de cumprir, seja o de Paris, seja o TPP (Trans-Pacific Partnership), citou o palestrante, mostram um crescente isolamento dos Estados Unidos e oferecem uma abertura de espaço, dado de mão beijada para ser ocupado pela China.
A China vem ganhando importância em várias áreas das relações internacionais, econômica, demográfica, em questões ambientais, nas políticas de segurança, no comércio, e não dá para deixá-la de fora do espectro de análise e de interesse brasileiro. Temos de pensar o mundo a partir de nossa perspectiva, ter a nossa própria visão. Como os chineses fazem, temos de ir à Ásia e à China e fazer a nossa própria análise, olhando o mundo a partir da nossa perspectiva, colocando-nos no centro e vendo quais são os nossos interesses, finalizou o Prof. Alexandre Ratsuo Uehara.
R
Em resposta a perguntas, o Prof. Stuenkel ressalvou que o tipo de comércio com a China certamente traz também riscos de desindustrialização para o Brasil, mas que isso não é culpa da China e, sim, da baixa produtividade brasileira. "É preciso desenvolver um projeto nacional, uma estratégia mais clara do que o Brasil quer da China no longo prazo", finalizou o Prof. Stuenkel.
Peço à Secretaria desta Comissão que dê como lida a íntegra deste comunicado.
Agradecendo mais uma vez a presença de V. Exªs, de todos os que aqui estão e dos que nos estão assistindo pela TV Senado ou nos ouvindo pela Rádio Senado, anuncio a realização hoje do nosso 8º Painel de Debates deste ano, com um tema que será abordado em relação à Ásia: "Proliferação Nuclear (Irã, Índia e Paquistão) - A Questão Coreia do Norte x Estados Unidos da América".
Participam como conferencistas a Doutora em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Professora Adjunta no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio, a Profª Layla Ibrahim Abdallah Dawood, e o Presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (Abri), Doutor em Engenharia de Produção e Estudos Estratégicos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), o Prof. Dr. Eugênio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa, que eu gostaria de cumprimentar. Eu gostaria de lhes dar as boas-vindas e de convidá-los a fazer parte desta Mesa. (Pausa.)
Como todos têm conhecimento, estas nossas reuniões, estas nossas audiências públicas ou estes nossos ciclos de debates vêm sendo transmitidos ao vivo pela Rádio Senado e pela TV Senado e também são abertos à participação dos nossos internautas, a quem sempre agradecemos pela profícua participação que têm nesses debates e que nós sempre incentivamos.
Portanto, àqueles que ainda não têm o endereço e queiram participar, o endereço é www.senado.leg.br/ecidadania.
Agradeço mais uma vez a presença de todos.
Passo a palavra à Profª Layla Ibrahim Abdallah Dawood, para a sua exposição.
R
A SRª LAYLA IBRAHIM ABDALLAH DAWOOD - Muito obrigada.
É uma honra, agradeço muitíssimo o convite.
Eu vou dividir minha fala em alguns conceitos introdutórios, para que a gente possa discutir a questão. Em seguida, vou falar sobre as normas internacionais para lidar com a proliferação nuclear, depois vou discutir um pouco a eficácia dessas normas e, em seguida, vou fazer algumas considerações sobre a Ásia.
O primeiro conceito que eu gostaria de colocar é a ideia de proliferação e a divisão entre proliferação vertical e proliferação horizontal. Quando a gente fala sobre esse tema, muitas vezes fala da proliferação vertical, que é a ideia de que aqueles que já possuem armas nucleares incrementam seus armamentos, seus arsenais. E a proliferação horizontal seria a ideia de que novos Estados, novos atores viessem a adquirir armas nucleares.
Os acordos e o conjunto de normas que há na atualidade lidam muitíssimo, muito de perto com a proliferação horizontal, ou seja, buscam deter, impedir que novos Estados, novos atores adquiram armas nucleares. E por que novos atores adquirirem armas nucleares seria um problema? Aí a gente discute esses porquês.
As potências nucleares, aqueles Estados que têm armas nucleares temem que novos Estados que venham a adquirir armas nucleares tenham já um histórico de conflito entre si. Esse histórico de conflito poderia fazer com que o uso efetivo de armas nucleares viesse a acontecer.
Ou há também quem diga que novos Estados que adquiram armas nucleares podem ter líderes que não sejam tão racionais quanto os antigos líderes ou que sejam mais emocionais.
Outro problema talvez fosse que novos Estados, adquirindo armas nucleares, não conseguiriam controlar o uso desses armamentos tão bem, porque quem estaria a cargo desse controle seriam militares, o que, nessa literatura, é colocado como sendo um perigo ou algo que aumentaria o risco de uso de armas nucleares, porque, supostamente, de acordo com essa literatura, militares são mais propensos ao uso da força em geral.
Então, esses seriam os problemas relacionados à proliferação horizontal que fariam com que especialmente as potências nucleares tentassem combater, impedir que novos Estados entrassem nesse clube nuclear.
Como combater novos Estados adquirirem armas nucleares? Quais são as abordagens possíveis?
A primeira abordagem é a abordagem multilateral convencional, que seriam os tratados internacionais pelos quais normas são criadas para impedir que novos Estados adquiram armas nucleares, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares sendo o mais famoso nesse sentido.
Além da abordagem multilateral convencional, há uma abordagem multilateral que não envolve tratados, mas que envolve, por exemplo, organismos internacionais, como a ONU, e aí as resoluções da ONU e da Assembleia-Geral como sendo também uma forma de lidar com o problema. Por fim, há uma abordagem não institucional para lidar com a proliferação, que envolve, por exemplo, componentes militares, que, na literatura internacional, é chamada de counterproliferation. E, dentro dessa abordagem, há estratégias, como a estratégia de dissuasão, que são utilizadas pelos Estados para tentar impedir que novos Estados venham a adquirir armas nucleares. A estratégia de dissuasão, grosso modo, a gente vai tratar como sendo uma ameaça de uso da força contra aqueles Estados que venham a adquirir armamentos ou que venham efetivamente a utilizar armamentos nucleares.
R
Quando se fala da estratégia de dissuasão propriamente dita, existem várias formas de exercer a estratégia de dissuasão. A Índia e a China, por exemplo, que nos interessam mais de perto aqui, já que estamos falando da Ásia, são Estados que utilizam uma dissuasão dita mínima, que é a ideia de que eles não necessitam de força suficiente para realizarem ataque de precisão contra forças de outros países que porventura venham a adquirir armas nucleares. Essa estratégia de dissuasão mínima também envolve a ideia de que basta ter a capacidade de atingir cidades ou territórios importantes do seu possível adversário; então, seria uma estratégia contra valor. Então, há duas formas de executar a estratégia de dissuasão: contra valor ou contra forças. Índia e China, por exemplo, realizam essa estratégia contra valor, ou seja, basta que eles consigam acertar cidades ou alvos valorados pelos possíveis adversários. Seria uma ideia mínima, basta ter uma quantidade mínima de armas nucleares, que isso já impediria um ataque contra o seu território.
Vamos, então, falar um pouco, com esses conceitos iniciais tendo sido apresentados, das regras internacionais para combater a proliferação nuclear. Grande parte dessas regras foi construída durante a Guerra Fria. Aí a gente destaca o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que foi cunhado no final da década de 60 e aberto para assinaturas em 1970. Esse tratado visava a congelar o status quo nuclear naquele momento em que ele foi criado. Então, aqueles países que, naquele momento, tinham armas nucleares, que eram União Soviética, Reino Unido, França, Estados Unidos e China, poderiam manter seus arsenais, mas a ideia era a de que todos que viessem a entrar no tratado, todos os outros Estados, deveriam se comprometer a não adquirir armas nucleares. A ideia por trás do Tratado de Não Proliferação seria basicamente a de congelar o status quo nuclear no momento em que ele é criado.
Além desse tratado, há o Tratado de Interdição de Testes Nucleares, também da década de 60, que tenta fazer com que Estados se comprometam a não testar armas nucleares, na crença de que, se essas armas não forem tão operacionais ou se não se tiver tanta certeza da operacionalidade dessas armas, a tendência de uso é mais baixa.
Então, esses dois tratados têm ampla adesão e são criados durante a Guerra Fria. Como eu falei dos conceitos anteriores, esses tratados estão muito preocupados com a proliferação horizontal, ou seja, eles querem impedir que novos Estados entrem para o clube nuclear.
R
Com relação à proliferação vertical, que é o incremento dos arsenais daqueles que já os possuem, durante a Guerra Fria, alguns tratados foram feitos entre Estados Unidos e União Soviética, como o Salt e o Start, o primeiro tentando impor um limite máximo para as armas estratégicas desses países, e o segundo já tentando reduzir o volume de armas estratégicas que esses países possuíam.
Então, essas foram as iniciativas de controle da proliferação vertical e horizontal durante a Guerra Fria.
Na atualidade, a gente tem o que é chamado de Regime de Não Proliferação Nuclear, que é o conjunto de regras que tentam exatamente lidar com a questão da proliferação nuclear, regras internacionais, normas e regras internacionais. A base mais importante desse regime é o Tratado de Não Proliferação. Há a atuação da Agência Internacional de Energia Atômica, tentando verificar o cumprimento do Tratado de Não Proliferação, e temos também o Tratado de Interdição Parcial, que proíbe testes nucleares na superfície.
Quais são os desafios colocados a esse conjunto de normas? Existem desafios dentro do próprio regime, em que os Estados não nucleares reclamam das potências nucleares, dizendo que elas não trabalham pelo desarmamento, ou seja, que elas não fazem o suficiente para conter a proliferação vertical, que, na verdade, Estados Unidos e, atualmente, Rússia, em vez de reduzirem seus arsenais, eliminam armas, mas não necessariamente isso os deixa menos fortes do ponto de vista nuclear, porque eles estão aprimorando sempre seus arsenais.
Então, um grande problema, um grande desafio do Regime de Não Proliferação seria que esse regime não dá conta da proliferação vertical.
No que se refere à proliferação horizontal, ou seja, impedir que novos Estados adquiram armamentos nucleares, ele é um regime que não dá conta de lidar com aqueles Estados que queiram sair. Então, um exemplo que também hoje a gente precisa discutir é a Coreia do Norte, que era parte desse regime e que sai desse regime em 2003. Ou seja, ela assinou o Tratado de Não Proliferação, mas ela denunciou o tratado, ou seja, saiu do tratado. Então, o regime não dá conta de lidar com aqueles Estados que, em um dia, são parte e, em outro dia, não querem mais fazer parte, não mais se submetem àquele regime.
Além desse desafio, há o desafio daqueles Estados que não assinaram o Tratado de Não Proliferação, entre os quais também estão elencados, no dia de hoje, a Índia e o Paquistão, que são países que não assinaram esse tratado e que possuem armas nucleares, e também Israel - embora Israel não admita publicamente, todo mundo sabe que Israel tem armas nucleares.
Além desse desafio, coloca-se para o Regime de Não Proliferação o desafio dos atores não estatais, ou seja, há um temor de que terroristas, grupos terroristas adquiram armas nucleares ou a chamada bomba suja, que não chega a ser arma nuclear, mas algum material físsil, radioativo, que possa ser utilizado para causar dano. Dentro desse desafio também está o Paquistão, de que a gente estava falando agora, porque esse país tem a fama de ter proliferado, de ter passado a sua tecnologia nuclear para outros Estados, como Coreia do Norte e Irã, mas também há a desconfiança internacional de que o Paquistão também a passou para grupos terroristas.
R
Então, o que está em jogo aqui seria a eficácia desse conjunto de regras internacionais para conter a proliferação. E, quando a gente discute isso, uma questão muito importante é a gente entender a ligação entre programas civis e programas militares. O Irã, por exemplo, alega que seu programa tem finalidade pacífica, que quer apenas desenvolver a tecnologia nuclear para finalidade pacífica, assim como o Brasil faz. Acontece que há uma corrente dentro das relações internacionais e dos institutos de segurança internacional e também entre os tomadores de decisão que desconfia dessa ligação, justamente porque a tecnologia nuclear é uma tecnologia dual. No enriquecimento de urânio, o combustível utilizado para abastecer centrífugas é o mesmo combustível que, se enriquecido à alta potência, poderia se transformar em um armamento militar. A ideia é a de que essa tecnologia dual pode levar à proliferação. Ou seja, a posse de tecnologia para finalidade pacífica poderia ser transmutada em uma finalidade bélica.
Em outras palavras, é como se houvesse uma opacidade e uma ambiguidade. A opacidade que essa literatura aponta seria que instalações bélicas estariam escondidas por trás das civis, poderiam porventura estar escondidas. E a ambiguidade é que não se sabe exatamente qual é a intenção. A gente não tem nunca como saber as intenções dos líderes. Então, se a intenção hoje é dita pacífica, ela pode se transmutar numa intenção belicosa.
De posse, então, dessas considerações, a gente pode partir para considerações sobre a Ásia.
É importante dizer que Índia, China e Paquistão possuem status legais completamente diferentes em relação a essas regras internacionais. A China está entre os cinco países que podem ter armas nucleares de acordo com esse Regime de Não Proliferação; Índia e Paquistão, não. A Índia adquiriu armas nucleares bem cedo, ainda na década de 70, embora viesse a testá-las mais adiante. Seus esforços começaram bastante cedo, mas não em tempo da assinatura do Tratado de Não Proliferação.
Esse status diferenciado desses países em relação às regras internacionais tem implicações, inclusive, comerciais. Por quê? Porque faz parte desse regime o grupo de supridores ou de fornecedores internacionais de material nuclear. O Brasil faz parte desse grupo. E o que acontece é que aqueles que não aderem às regras não podem também participar do comércio internacional de tecnologia nuclear com finalidade pacífica. Acontece que a Índia firmou um acordo com os Estados Unidos que teve a consequência de legalizar a participação da Índia no comércio de material nuclear. A Índia, logo depois desse acordo com os Estados Unidos, também fez um acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica, em 2008, que permitiu que ela tivesse acesso ao comércio de tecnologia nuclear. A China também tem acesso, mas o Paquistão não pode ter acesso a esse comércio internacional justamente porque se acredita que o Paquistão tenha o potencial de proliferar, de transferir a sua tecnologia para outros atores, para outros Estados ou para atores não governamentais.
R
Com relação à dinâmica entre China, Índia e Paquistão - acredito que o Prof. Eugênio vai falar disso com bastante propriedade -, é interessante ressaltar que os arsenais de China, Índia e Paquistão não são grandes arsenais. Eles estão entre os países que têm um arsenal nuclear menor, em especial o Paquistão, que adquire armas nucleares em vista da sua inferioridade convencional em relação à Índia. Isso é um grande problema, embora os arsenais não sejam grandes, porque há uma incerteza quanto à doutrina nuclear do Paquistão. Há gente que teme que, em um eventual conflito convencional com a Índia, justamente porque há uma inferioridade do Paquistão, o Paquistão escale para uma guerra nuclear. Então, sobre a perspectiva de guerra nuclear entre esses três, talvez o mais provável, se a gente pudesse prever de alguma forma, seria que o Paquistão usasse, porque Índia e China têm uma política mais clara de no first use, de não uso, de não primeiro uso. No caso do Paquistão, a gente não tem muita certeza. Pode ser que, na eventualidade de uma guerra, ele venha a escalar. Este é o medo: que uma guerra convencional se transforme numa nuclear. Digo isso sobre a relação entre Paquistão e Índia.
Na relação entre Índia e China, a Índia, na atualidade, tenta melhorar o seu arsenal para atingir a costa leste da China, porque ela acredita que o valor que vai afetar mais a China seria uma cidade na parte mais rica da China. Então, na atualidade, a Índia tenta incrementar seus arsenais para conseguir dar conta de chegar até à costa leste, não que a estratégia tenha virado uma estratégia contra força - é contra valor -, mas a ideia é tentar aprimorar para que os seus arsenais cheguem mais longe. A China vê isso como competição nuclear. Então, não há um grande perigo de guerra, mas há uma competição entre Índia e China, embora o arsenal da China seja bem mais importante do que o indiano.
Passando para as duas questões mais famosas, que seriam Irã e Coreia do Norte, o Irã é parte dessa norma internacional, é parte do TNP e tem, inclusive, o que a gente chama de protocolo adicional firmado com a Agência Internacional de Energia Atômica, que permite que a Agência Internacional de Energia Atômica faça inspeções mais intrusivas no território iraniano. O problema é que, a partir de 2002, a Agência Internacional de Energia Atômica começou a verificar certas incongruências entre os relatórios apresentados à agência e as instalações que o Irã, efetivamente, tinha. Então, foram descobertas instalações de separação de plutônio e instalações de enriquecimento de urânio, o que levou a chamada comunidade internacional e, principalmente, as potências nucleares a desconfiarem que esse programa iraniano tinha, na verdade, finalidade bélica, que esse urânio estava sendo enriquecido para a criação de ogivas nucleares.
Depois de muitas negociações - inclusive, a ONU entra nessas negociações com várias resoluções, com várias sanções internacionais -, em 2015, é firmado um acordo entre o P5, composto pelas cinco potências do Conselho de Segurança, mais a Alemanha, acordo liderado pelo ex-Presidente Obama, que é chamado de Plano de Ação Abrangente. Por esse acordo, o Irã deveria parar de enriquecer urânio, deveria entregar seus estoques de urânio enriquecido, deveria limitar o número de centrifugas de enriquecimento. Ou seja, era uma série de medidas que tentariam garantir para a comunidade internacional, especialmente para as potências nucleares, que o programa civil iraniano não seria transmutado em um programa com finalidade bélica. O acordo estava vigente desde 2015. Como todo mundo sabe, o Presidente Trump dele saiu, retirou os Estados Unidos. Então, isso gera certa instabilidade, porque a própria Agência Internacional de Energia Atômica dizia que o Irã estava cumprindo o acordo. Por outro lado, o Presidente Trump reclama não necessariamente do cumprimento, mas dizendo que as cláusulas não seriam abrangentes o suficiente. Então, a ideia é a de que, sim, o acordo estava sendo cumprido, mas ele não é suficiente para garantir que o programa iraniano se torne um programa militar. Mais especificamente, o Trump estava muitíssimo insatisfeito com a atuação do Irã de desestabilização do Oriente Médio, apoiando o Hezbollah, apoiando o Assad, desenvolvendo mísseis. Então, ao que tudo indica, pode ser que o desagrado do Presidente Trump não seja necessariamente com o acordo, mas com outras coisas que o Irã vem fazendo no Oriente Médio.
R
A consequência imediata de o Presidente Trump sair do tratado seria uma aproximação dos Estados Unidos de novo com Israel. Então, a gente não sabe exatamente como vai ficar esse acordo, especialmente porque as outras potências que firmaram o acordo disseram que vão continuar, e o Irã disse também que vai continuar obedecendo ao acordo. Então, há muita instabilidade a esse respeito, mas o resultado imediato, de que a gente pode ter certeza, é uma aproximação de novo entre Estados Unidos e Israel, sendo que, durante a Presidência do Presidente Obama, as relações tinham ficado estremecidas. Disse isso com relação ao Irã.
Como meu tempo está se esgotando, vamos para a Coreia do Norte. Com relação à Coreia do Norte, é o contrário. O Presidente Trump, como todos sabem, sai do acordo com o Irã, mas se aproxima do Presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e anuncia que esse problema acabou, que o problema das armas nucleares na Coreia do Norte acabou. Qual a diferença do Irã? A Coreia do Norte, assumidamente, tem armas nucleares e tem mísseis, ou seja, tem mecanismos de entrega dessas armas nucleares, que podem atingir não apenas o entorno na Coreia do Norte, mas podem atingir, inclusive, o território dos Estados Unidos, o território continental dos Estados Unidos.
A gente não sabe muito bem sobre comando e controle, a gente não sabe sobre quão operacionais são essas armas, mas o fato é que, em geral, a gente não paga para ver, não é? Acredita-se, pelos testes que foram executados, que, sim, o Presidente Kim Jong-un poderia, a Coreia do Norte poderia lançar uma arma nuclear que atingisse grandes distâncias. O grande desafio, ao lidar, portanto, com a Coreia do Norte, seria impedir o uso efetivo de armas nucleares.
R
Há duas correntes nos Estados Unidos, entre os analistas americanos, especialmente os que se dedicam a essa questão, e nas análises mundiais também sobre o acordo: há os otimistas e os pessimistas. Há duas posições. Os otimistas vão dizer: "Olha, embora o problema não esteja completamente resolvido, principalmente porque não foi divulgado internacionalmente pela mídia, a gente não sabe se esse acordo vai ter monitoramento."
A Agência Internacional de Energia Atômica monitorava o acordo com o Irã; no caso da Coreia do Norte, a gente não sabe se há monitoramento, a gente não sabe se houve negociações para esse monitoramento. Ao que tudo indica, não houve isso. O que a gente sabe é que não há divulgação nesse sentido.
Embora, então, não seja possível verificar se há ou não monitoramento e se a Coreia do Norte vai efetivamente cumprir a sua promessa de desnuclearização, os otimistas dizem que é possível que o trato com a Coreia do Norte esteja no rumo certo, na medida em que...
(Soa a campainha.)
A SRª LAYLA IBRAHIM ABDALLAH DAWOOD - ...era preciso engajar o Presidente, tendo em vista que apenas o Presidente pode tomar alguma decisão sobre os arsenais. Então, embora não tenha resolvido o problema, pelo menos estaríamos no caminho certo, engajando-o, conversando com o Presidente, retomando as negociações e mostrando ao Presidente que a comunidade internacional não vai promover uma mudança de regime. Então, a sinalização teria sido a de que a comunidade negocia para fazer com que a Coreia do Norte tenha os benefícios de entrar na comunidade internacional, de comercializar, deixando de ser isolada diplomaticamente, sendo, portanto, seduzida a largar os seus armamentos.
Já os pessimistas vão dizer: "Olha, a forma como o Presidente Trump encaminhou as negociações fez com que apenas o único resultado possível, do ponto de vista político para ele, na política doméstica, era trazer um resultado positivo." Para conseguir esse resultado positivo, os pessimistas vão dizer que ele prometeu muito mais do que ele recebeu. Então, ele prometeu, por exemplo, paralisar os exercícios militares que são feitos com regularidade com a Coreia do Sul. Em troca, ele recebeu apenas uma promessa verbal de desnuclearização, promessa essa que já tinha sido realizada em outros momentos da negociação.
Então, o resultado - vamos fazer algumas considerações finais breves, porque o meu tempo já acabou -, se a gente for analisar a situação da Ásia na atualidade, é que não se sabe ao certo se a Coreia do Norte vai se desnuclearizar. Então, foi promovido, do ponto de vista da maioria dos pesquisadores e dos analistas... Na verdade, foi feita uma desestabilização, porque com o Irã havia um acordo, que foi quebrado. A gente não sabe, então, qual vai ser o futuro com relação ao Irã. E, no caso da Coreia do Norte, iniciou-se não um tratado, mas foram iniciadas negociações que não têm garantias, não têm monitoramento.
Então, a situação dos países em questão não é uma situação muito promissora do ponto de vista da proliferação, se a gente for analisar a Ásia na atualidade. E, para o Brasil, se o senhor me permite, como o Brasil se coloca, então, diante de dessas questões? O Brasil, em 2010, como todos sabem, tentou mediar um acordo com o Irã, acordo que foi rechaçado, especialmente, pelos Estados Unidos, que diziam que nós éramos ingênuos, que o Irã estava nos enganando, digamos assim. Então, eu acho que o espaço, pelo menos no curto e médio prazo, para a nossa atuação, para a intermediação desse tipo de acordo, o espaço brasileiro para a intermediação desse tipo de acordo, seja com o Irã ou com a Coreia do Norte, é muito pequeno. Então, o que nos resta fazer é continuar trabalhando nos fóruns multilaterais, resta-nos a abordagem multilateral, que envolve as organizações internacionais. O nosso espaço de atuação ainda é ali, e não nessas tentativas de intermediação desses grandes acordos.
R
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado, Profª Layla Ibrahim Abdallah Dawood, pelas suas palavras.
Já temos aqui alguns oradores inscritos, entre eles S. Exª o Embaixador do Paquistão, Sr. Najm us Saqib, a quem darei a palavra em seguida à audição do nosso segundo palestrante, que é o Dr. Eugênio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa, Presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais, Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-Minas Gerais.
Tem V. Sª a palavra.
O SR. EUGÊNIO PACELLI LAZZAROTTI DINIZ COSTA - Boa noite, Senador! Quero agradecer, na sua pessoa, o convite feito pela Comissão para participar do debate e agradecer a presença dos senhores e senhoras participantes.
Quero dizer o seguinte: como a Profª Layla tratou dos assuntos diretamente relacionados à proliferação e não proliferação, eu vou me deter muito mais na dinâmica atualmente em curso das interações entre os atores já nuclearmente armados na região, com a diferença de que vou incluir também no que se refere à questão da Coreia do Norte, naturalmente, a participação do Presidente dos Estados Unidos ou dos Estados Unidos, que, apesar de não ser um ator da região, é quem está na liderança do processo político relacionado à Coreia do Norte neste momento.
Então, vou focalizar principalmente a dinâmica nuclear no sul da Ásia e na península coreana, dizendo sobre as interações estratégicas nucleares. Naturalmente, não vou aqui falar dos programas relacionados à geração de energia nuclear.
Eu quero salientar o seguinte: do ponto de vista estrito, a rigor, não houve aumento de atores nuclearmente armados nas duas regiões desde que a Coreia do Norte anunciou a sua saída do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e realizou os seus testes. Eu estou me contendo, então, a esses quatro atores da região. No caso da Coreia do Norte, inclusive, é possível - note-se o possível; mais do que isso não dá para falar - que venha haver a desnuclearização.
Portanto, rigorosamente, o meu foco aqui não vai ser a proliferação nuclear stricto sensu. Por que eu uso stricto sensu? A Profª Layla salientou muito bem que há uma distinção consagrada na literatura entre proliferação horizontal e proliferação vertical, mas essa distinção me parece um pouco forçada e muito mais motivada politicamente, tendendo muito mais a confundir do que a esclarecer.
R
Geralmente, quando estamos lidando com problemas relacionados ao aumento ou à diminuição da quantidade de artefatos disponíveis para um ou para outro ator, nós falamos dos acordos de controle de armamento ou simplesmente do aumento, seja do aumento quantitativo, seja da melhoria qualitativa significativa. E, frequentemente, inclusive, essa melhoria está relacionada a questões de segurança do próprio artefato. Então, não é verdade que toda melhoria signifique uma melhoria do desempenho de produção de resultado do artefato, mas, pelo contrário, de diminuição da capacidade, da probabilidade de que haja determinado tipo de dano, além do buscado pelo próprio artefato.
Então, vamos tratar desses processos, mas eles seguem cursos ligeiramente distintos. Vou tratá-los, então, separadamente, dando aqui apenas um panorama geral.
Na estimativa do Sipri, uma instituição muito importante, a respeito dos arsenais nucleares, em janeiro de 2018 - não pus a dos anos anteriores para fins de comparação -, um aspecto bastante curioso é o aumento quantitativo da quantidade de artefatos - perdão pela redundância - disponíveis ao Paquistão. O Paquistão tem uma capacidade, vem exercendo essa capacidade de acrescentar aos seus arsenais algo em torno de 20 artefatos por ano. Nesse caso, então, pelo menos pela estimativa do Sipri, já ultrapassou em termos de quantidades de artefatos o próprio arsenal nuclear da Índia, refletindo um pouco a dinâmica que nós vamos explorar um pouco.
Então, primeiro, mostro Índia, China e Paquistão. A imagem do fundo é da Belt and Road Initiative, da China, a iniciativa do cinturão e da estrada, da rota, relativa à Silk Road. Por quê? Porque, de certa maneira, o que está ocorrendo está relacionado, de alguma maneira, a essa nova atividade chinesa.
Qual era a situação até 1998? Lembro que, a essa altura, em 1998, tanto a China quanto a Índia já eram Estados nuclearmente armados. Não podemos confundir com Estados com armamentos nucleares, que é o termo nuclear-weapon States, que é o termo do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Eles eram Estados que tinham artefatos nucleares, para não confundir com este termo técnico "Estados nuclearmente armados".
Nesse período, o que nós tínhamos era uma tensão latente, duradoura, entre a Índia e a China - até hoje, há o cessar-fogo, desde a guerra em 1962 - e uma disputa muito mais intensa entre a Índia e o Paquistão, relacionada principalmente à região da Caxemira ou Kashmir.
R
O fato de que ambos, então, tinham a Índia como problema político comum levou a uma convergência - não vou dizer que houve uma aliança, mas apenas uma convergência - de interesses entre a China e o Paquistão, porque, de certo ponto de vista, a situação era mais favorável para a Índia, a situação vigente até então. A Índia tinha uma atitude politicamente mais defensiva no sentido de que a situação política para ela lhe era razoavelmente favorável.
O controle da Caxemira é da Índia. Aquele mapa é o mapa da perspectiva indiana. Eu pus assim claramente para poder... Em determinados momentos, essa percepção indiana é que vai ser mais relevante para os desdobramentos mais recentes. Mas a situação, então, era percebida como bem mais tranquila do ponto de vista indiano, com uma atitude defensiva, porque o status quo lhe era ligeiramente mais favorável. Ela tinha uma razoável confiança na sua superioridade convencional contra o Paquistão, lembrando que, até 1998, a Índia também já era detentora de capacidade bélica nuclear. Ela fazia uma aposta com relação a problemas logísticos que a China enfrentaria caso viesse a invadir o território indiano, e ela o fazia deliberadamente. Inclusive, as próprias condições das estradas nas regiões fronteiriças não eram de boa qualidade, e a Índia contava com isso como um fator de atraso numa eventual incursão chinesa contra a Índia. Observa-se, então, também que a situação tornava pouco interessante - dificuldade, talvez, não seja o termo mais adequado - que a China fosse tomar a iniciativa de first use, é claro - a China tem uma política de no first use -, contra a própria Índia.
Então, a Índia se encontrava numa situação ligeiramente mais confortável até 1998. Em 1998, o teste do artefato explosivo nuclear do Paquistão é seguido de uma nova demonstração indiana. Mas, curiosamente, para grande parte dos analistas, inclusive, as manifestações políticas na época sinalizavam para a expectativa de que, diante disso, haveria, então, um efeito do potencial dissuasório que muitos consideram intrínseco aos artefatos nucleares - esse é um detalhe importante que depois a gente pode explorar um pouquinho mais -, o que, então, tenderia até mesmo a estabilizar a situação e permitir a continuidade de negociações, com o nível de tensão um pouco mais baixo.
R
Essa perspectiva, essa expectativa não se materializa, porque, muito rapidamente, há episódios que vão ser interpretados ou que vão levar a uma intensificação significativa das tensões, o que é um efeito que é chamado, na literatura sobre interação nuclear, interação entre países detentores de artefatos nucleares, "o paradoxo estabilidade-instabilidade". Ou seja, a suposta estabilidade trazida pela dificuldade de agir contra alguém que disponha de capacidade nuclear, por parte de outro ator, mesmo que este também tenha capacidade nuclear, geraria essa estabilização mais geral, exatamente na esfera nuclear, mas abriria uma oportunidade maior para iniciativas um pouco mais arriscadas no plano convencional.
O que é que acontece? Entre maio e julho de 1999, houve um acontecimento importante, complicado, o conflito da Guerra de Kargil, como foi chamado. Qual era a situação? Aquilo que, à primeira vista, parecia como uma ação por grupos não estatais, na região da Caxemira, é percebido ou entendido pela Índia - algumas evidências apontam nessa direção - como sendo uma ação das forças paquistanesas. Isso acaba, inclusive, a certa altura, aparecendo publicamente no debate e força um recuo, mas é uma situação que gerou uma grande tensão, note-se, pouco tempo depois da explosão do artefato do Paquistão.
Em seguida, nós temos a crise que foi chamada na literatura, em alguns momentos, de Crise dos Dois Picos - imagino que, talvez, muitos e muitos dos presentes se lembrem disso -, quando, em dezembro de 2001, ainda na esteira dos atentados de 11 de setembro, num momento de tensão política muito grande, há uma tentativa, que acaba malograda, de ação contra o Parlamento indiano por parte de determinado grupo em particular, e a Índia entende que isso teria sido, se não patrocinado, pelo menos tolerado por parte do Paquistão. Isso leva a uma tensão muito grande entre eles, a uma grande mobilização nesse período, que é seguida de um atentado, em maio de 2002, contra famílias dos soldados indianos que estavam engajados nessa atuação. A percepção que os indianos tiveram dessa situação e dessa crise é a de que a demora excessiva na sua própria mobilização - eles demoraram tempo demais, levaram tempo demais na mobilização das suas forças - prejudicou, inclusive, a sua capacidade de realizar uma retaliação convencional em larga escala, ou seja, de utilizar a vantagem que eles teriam de superioridade convencional. Não é isso? Então, esse episódio gerou um processo que eu acho melhor descrever como uma revisão doutrinária da Índia. É claro, ela publica a única versão ostensiva da sua doutrina nuclear em 2003, que, mesmo assim, é uma versão muito rudimentar, algo que, às vezes, parece - pelo menos a parte pública - que foi colocado um pouco às pressas, mas que é composta destes elementos: a dissuasão crível mínima, ou seja, uma capacidade dissuasória com credibilidade, mas a menor possível - a Profª Layla já mencionou essa ideia -; a ideia de que não seria o primeiro ator a empregar artefatos nucleares no conflito, com a ressalva de que, se houvesse emprego de armamentos químicos ou biológicos, ela poderia retaliar com armamentos nucleares; e a ideia de que, caso houvesse um ataque envolvendo artefatos nucleares contra a Índia, ela retaliaria com muita força.
R
Do ponto de vista convencional, a Índia revisa também a sua concepção de emprego, e o termo que apareceu no debate público foi a doutrina Cold Start ou "começo frio", cujo nome é um pouco surpreendente. Por quê? Porque a própria ideia era a de que, em caso de necessidade percebida naturalmente pela Índia, ela lançaria uma operação convencional, em larga escala, com o propósito de ocupar territórios partes do Paquistão, para usar como poder de barganha, fiando-se na sua capacidade retaliatória nuclear caso o Paquistão empregasse, então, seus artefatos nucleares. Mas, ao mesmo tempo, ela começa a reavaliar a sua posição com relação à China e começa, também levando em conta o seu problema de mobilização, a revitalizar, a conduzir um processo de revitalização logística das regiões fronteiriças com a China; inclusive, há a criação de novas unidades específicas, para atuar especificamente na região de fronteira com a China.
Ao mesmo tempo, de tudo o que é possível inferir e condensar de declarações e ideias que vão aparecendo, de depoimentos, de entrevistas, de perguntas - tudo isso é um esforço muito exaustivo e sujeito a erros -, daquilo que teria sido possível coligir por parte das pessoas que se debruçaram sobre esse assunto, começa a haver também uma mudança na concepção de emprego do Paquistão. É aquilo que a gente poderia chamar de uma doutrina nuclear que é inferida. Ela nunca foi publicada, como, por exemplo, a Índia publicou a sua, de 2003.
Do ponto de vista convencional, no sentido de não nuclear, o que nós temos é que o foco do Paquistão se mantém, no sentido da estabilização na região de fronteira com o Afeganistão. A grande preocupação do Paquistão é a de que se mantenham as coisas todas aí - inclusive, é a sua ambiguidade na relação com o Talibã -, por causa da sua necessidade de concentrar-se no seu problema principal, que é a fronteira com a Índia. É uma situação muito difícil, exatamente por conta da importância de alguns desses relacionamentos, por causa do problema da estabilidade interna nas regiões fronteiriças com o Afeganistão. Isso é percebido por vários atores e particularmente pela Índia como uma ambiguidade com relação a, pelo menos, alguns grupos terroristas que atuariam dentro do Paquistão ou com algum apoio do Paquistão. A Índia atribuiu o atentado de 2001 - ou a tentativa malograda, em larga medida, de atentado em 2001 - ao Lashkar-e-Taiba, um grupo relacionado ao Paquistão.
R
Mas principalmente no que concerne à questão nuclear, o Paquistão começa a entender, ou melhor, começa-se a se entender que a postura do Paquistão seria da possibilidade real de emprego de artefatos nucleares contra forças indianas numa incursão convencional tal como a pensada na doutrina Cold Start. Essa doutrina Cold Start, diga-se de passagem, nunca foi endossada; aliás, foi muito tardiamente endossada publicamente. Durante muito tempo, negou-se a existência dessa doutrina, e, mesmo quando se reconheceu a doutrina, fez-se questão de enfatizar que as versões mais extremas não vigiam de fato. Mas o fato é que era percebida dessa maneira.
Então, teria havido a possibilidade de que artefatos nucleares fossem empregados pelo Paquistão contra forças indianas que lançassem essa ofensiva em larga escala no território paquistanês. Ou seja, era uma clara possibilidade de first use. O Paquistão não tem uma doutrina expressa de no first use, de não ser o primeiro a empregar o artefato nuclear, e contava com sua capacidade de dissuasão nuclear contra uma retaliação nuclear indiana. Em conjunto com esses artefatos de menor alcance, de menor capacidade, que seriam empregados contra as forças, havia aqueles que têm o alcance e a capacidade de penetração dentro do território indiano, aí sim numa perspectiva claramente contra valor. O curioso é que o Paquistão o faz, mas com a separação física entre os artefatos explosivos e os meios de entrega, o que é um pouco complicado de lidar numa situação em que se considera o first use - ser o primeiro a usar - e particularmente numa situação de tensão que, supostamente, ocorresse no contexto de uma incursão em larga escala indiana. Então, isso aparece como uma inconsistência percebida nessa perspectiva.
Então, temos o atentado de Mumbai em 2008. E aí o que acontece? Em plena vigência daquela concepção que convencionou se chamar de Cold Start, simplesmente morreram mais de cem pessoas - foi uma situação dramática, algo muito pior em termos de escala do que ocorrera em 2001 -, e a Índia não se sente em condições de responder exatamente em função do problema do risco de que suas forças fossem submetidas à ação de artefatos nucleares. Existem outros aspectos relevantes relacionados ao problema da direção de determinados resíduos, mas o fato é que isso gera uma enorme preocupação na Índia: "Estamos sem capacidade de dar conta." Isso ocorre em um contexto em que há uma intensificação muito significativa da presença chinesa no Oceano Índico. Em função, inclusive, da presença chinesa e dos relacionamentos da China no Oriente Médio e na África, o Oceano Índico se torna cada vez mais importante para a China, e isso se reflete em uma atuação significativa da China, o que exige, do ponto de vista da Índia, uma intensificação da sua atividade naval, manifestada particularmente no seu esforço em aparelhar as ilhas de Andamã e Nicobar como parte desse esforço de conter a atuação chinesa ou de confrontar a atuação chinesa no Oceano Índico.
R
Aí vem a iniciativa Belt and Road, que implica uma ampla atividade de infraestrutura em diversos corredores na região, que podem ter um impacto significativo sobre a Índia, e particularmente a Índia - daí aquele mapa mais atrás - considera que parte dessas atividades ocorrerão em território disputado, que a Índia considera disputado. Isso transparece ou ocorre em paralelo com atitudes um pouco mais ousadas da China, particularmente algumas incursões em algumas dessas áreas, pelo menos percebidas como tal, e particularmente a Crise de Doklam, percebida pela Índia como um problema bastante significativo, quando, segundo a Índia, a China teria adentrado um território disputado, nesse caso, com o Butão, que é aliado...
(Soa a campainha.)
O SR. EUGÊNIO PACELLI LAZZAROTTI DINIZ COSTA - Opa, vou tentar concluir!
O Butão é aliado da Índia. A Índia, então, entra nesse território. Há um impasse, porque essa entrada da China seria para a construção de uma estrada. É um grupo que está indo realizar construções para além, para estender uma estrada que já havia mais próximo de uma parte particularmente sensível do território indiano. Então, a Índia entra nessa área para forçar a China a afastar-se. É uma situação que perdura entre junho e agosto do ano passado.
Essa é a região. É o mapa daquilo que pode ser considerado região disputada. Não há, inclusive, consenso sobre quais são as regiões disputadas nessa tríplice fronteira entre Butão, Índia e China. Ali é um ponto que foi - digamos - o ponto nevrálgico dessa crise. Mas o ponto mais importante para a Índia é que isso permitiria colocar as forças chinesas muito próximas, demais, desse gargalo que é a ponte da Índia do oeste com a Índia do leste, que é o único ponto de passagem - é aquele verde mais escuro - e que tem na sua menor extensão apenas 27km de largura, ou seja, alcance de artilharia convencional.
R
Então, torna-se uma situação muito intensa, muito dramática, muito emocional para a Índia, e isso gera, então, essa tensão atual vigente ali na região - isso tudo, isso conflui -, que é uma situação em que há uma intensificada desconfiança regional. A Índia lidera e promove uma intensa oposição - perdão, ali é "indiana"; desculpem-me, saiu errado - à Belt and Road Initiative, inclusive atuando contrariamente, de maneira muito intensa, na região, de maneira a minar esse esforço. Isso ocorre junto com a má vontade de outros atores regionais, com relação ao que vem ocorrendo em torno do Mar da China Sul, ou Mar do Sul da China, como alguns chamam - parece que isso foi objeto de uma discussão aqui recentemente. Então, muita gente, ou alguns analistas começam a levantar uma possibilidade de revisão, de que esteja em curso uma revisão da doutrina nuclear indiana - algumas pistas aparecem em algumas falas -, levando em conta a possibilidade de um ataque contraforças ao Paquistão para evitar essa situação que, do ponto de vista da Índia, é percebida como uma situação insustentável. Claro, o problema é que fazer isso implicaria aumentar as capacidades indianas, o que tende a intensificar tensões também com a China.
A Prof. Layla mencionou a tentativa indiana de aumentar o alcance dos seus artefatos de entrega. Alguns já penetram bastante dentro do território indiano, mas alguns dos mísseis em desenvolvimento pela Índia alcançariam distâncias ainda maiores.
Isso convive com uma certa tensão decorrente do quê? Daquilo que apareceria, supondo que há algum acerto nessa percepção, nessa destilação que se tem do que seria uma doutrina nuclear do Paquistão, que é essa tensão, de um lado, entre o desacoplamento dos artefatos e dos seus veículos de entrega versus a possibilidade do first use, do emprego em primeiro lugar. E uma ausência - perdão, ali faltou a palavra "ausência" antes - uma ausência da discussão, pelo menos no debate público, de como poderia ocorrer o controle ou o uso controlado desses artefatos como uma forma de lidar com a situação chinesa.
Então, essa é a situação, tal como aparece ali.
A situação da Coreia do Norte tem sido acompanhada com muito mais vivacidade no debate público, então eu vou apenas fazer um apanhado muito rápido do que ocorreu recentemente, ou pelo menos das perspectivas disso que ocorreu.
Isso é apenas um gráfico a respeito das possibilidades de alcance dos principais mísseis norte-coreanos. Há possibilidade, então, de que áreas dos Estados Unidos pudessem ser atingidas.
R
Essa discussão ocorre dentro de um quadro que tem uma história, e essa história se acelera drasticamente a partir do ano passado.
Após um acordo malogrado de que supostamente a Coreia do Norte não continuaria perseguindo determinado tipo de atividade, o fato é que a Coreia do Norte se retira do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e realiza vários testes nucleares - seis até o ano passado. Ao mesmo tempo, isso ocorre com o avanço acelerado no desenvolvimento e no teste de mísseis, ou seja, da capacidade de entrega desses artefatos nucelares.
Em vários momentos, ela se afirma disposta a negociações bilaterais com os Estados Unidos, mas demandando algumas garantias que os Estados Unidos não se consideravam dispostos a oferecer, e, posteriormente, acrescenta a essa demanda a suspensão dos exercícios conjuntos entre Estados Unidos e Coreia do Sul.
Nesse período, os Estados Unidos aceitam conversar, mas só com outros atores - são as six-party talks. Eles não aceitam um acordo bilateral sem que haja uma promessa da desnuclearização.
Nesse período veio, então, um aumento das sanções sobre a Coreia do Norte, havendo, em alguns momentos, suspeitas de descumprimento de algumas dessas sanções pela Coreia do Norte.
Em 2017, há a dramática intensificação das tensões, inclusive com ofensas pouco elegantes, para se dizer o mínimo, de lado a lado, com uma linguagem bem pouco diplomática em vários momentos, e começa a ser considerada, de fato, a possibilidade de uma guerra entre esses dois atores. O Presidente Trump responde a determinados comentários do Presidente Kim Jong-Un de uma maneira, digamos assim, na mesma moeda ou às vezes até num tom um pouco mais alto, e recebe também respostas nesse sentido.
E o interessante é que, em nenhum momento, a China afirma publicamente que lutaria para defender a Coreia do Norte em caso de um ataque por parte dos Estados Unidos; disse que não deveria ocorrer, que seria inaceitável, mas, em nenhum momento, disse que lutaria contra.
Em 2018, então, esse processo culmina naquilo que a gente viu há poucos dias. Mas qual é o contexto? E é isso que eu acho que falta em boa parte das análises. Isso ocorre num contexto de intensificação da disputa entre Estados Unidos e China em outras áreas, o que vem sendo tratado como uma guerra comercial, no momento em que a China enfrenta algumas resistências regionais - algumas delas até instigadas pela Índia no que concerne à Belt and Road -, mas, inclusive, com um incremento das tensões no Mar da China Sul.
E, após uma visita à China, o Presidente Kim Jong-Un, da Coreia do Norte, aceita publicamente a desnuclearização. Fala: "Estou disposto a conversar sobre desnuclearização." Na esteira disso, há o encontro das Coreias e a cimeira de Singapura, que quase não foi realizada, de certa maneira pondo em dúvida o argumento que alguns colocam de que o Presidente Trump manobrou de maneira a ser obrigado ao acordo. Num determinado momento, ele disse que não ia. Então, essa foi uma situação um pouquinho curiosa do ponto de vista político.
Quais foram os resultados? Um compromisso público com a desnuclearização por parte da Coreia do Norte, sem qualquer menção no texto a alívio de sanções de imediato. Desde o anúncio da Cúpula, não houve outros testes por parte da Coreia do Norte. Foram feitas da parte da Coreia do Norte algumas concessões adicionais - a libertação de três prisioneiros, a devolução de restos mortais de soldados estadunidenses da época da Guerra da Coreia -, ao passo que Kim Jong-un obtém o seu encontro bilateral e obtém a suspensão dos exercícios entre Estados Unidos e Coreia do Sul, com um detalhe: essa é uma declaração, inclusive, posterior, isso não está no texto do acordo.
R
O que é que parece? O contexto, a meu ver, sugere que, diante da possibilidade real de guerra, a Coreia do Norte, após visita à China, parece ter recuado. Essa é uma questão que não é clara. Evidentemente, é uma visão do contexto que pode sugerir esse entendimento, mas o fato é que isso ocorre num contexto em que havia a perspectiva de que as coisas evoluíssem realmente para uma confrontação armada.
Quais são as perspectivas? Há muito trabalho adiante, claramente, mas China e Coreia do Norte, se esse entendimento está correto, pagaram um preço muito alto. O que teriam a fazer agora seria colher os benefícios ou não da parte deles. O sacrifícios que os Estados Unidos fizeram foram, a meu ver, comparativamente baixos e reversíveis - é perfeitamente possível retomar os exercícios. Agora, há o risco real de que as pressões sobre a Coreia do Norte diminuam. De certa maneira, a forma como o Presidente Trump lidou com a situação, após o encontro, em particular, depois de encerrado o encontro - não há mais uma ameaça -, sugere uma diminuição da pressão, pode ensejar uma diminuição da pressão e, principalmente, a grande possibilidade de que não haja acordo nos detalhes, por mais que até haja um comprometimento público com isso.
A questão é que tudo isso ainda vai ter de ser construído. Isso, evidentemente, não aparece ali. E, se é para ocorrer, tem de estar claro o que é exatamente; qual é a extensão da desnuclearização; como isso vai ser implementado, se vai ser com algumas medidas e com alguns alívios ou se, só depois que houver a desnuclearização completa, é que vai haver algum tipo de alívio; como vai ser, se vai haver mecanismos de monitoramento e verificação do cumprimento dessa desnuclearização por parte da Coreia do Norte; e quais seriam, então, as garantias de cumprimento ou os custos desse não cumprimento. Claramente, há um monte de questões em aberto, mas é um claro contraste com relação ao que havia, ao que se via no ano passado, com o que me parece ser um caminho um pouco mais difícil no âmbito do sul da Ásia.
Basicamente, eram esses os meus comentários, Senador. Era isso que eu queria trazer, a título de contribuição, sobre a discussão.
Agradeço, mais uma vez, a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado, Prof. Dr. Eugênio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa, Presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais, Doutor em Engenharia de Produção (Estudos Estratégicos) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e também professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pela sua exposição.
R
Eu gostaria de registrar e de agradecer a presença, nesta audiência do dia de hoje, de S. Exª o Sr. Embaixador do Reino do Marrocos, Sr. Nabil Adghoghi; do Sr. Embaixador do Paquistão, Sr. Najm us Saqib; do Sr. Embaixador da Síria, Sr. Mohamad Khafif; do Sr. Embaixador da Macedônia, Sr. Ivica Bocevski; do Sr. Conselheiro da Embaixada da Belarus, Sr. Aleksandr Shkatulov; do Sr. Terceiro-Secretário da Embaixada da Rússia, Sr. Denis Shimanchuk.
E agora, passando a palavra aos que aqui se inscreveram, gostaria de registrar a participação dos nossos internautas.
O Marcelo Almeida, de Minas Gerais, diz que "O Brasil precisa se aproximar mais dos EUA e parar com esses afagos com China, Rússia, Irã, entre outros, países [...]."
O Adriano Silva, do Rio de Janeiro, pergunta - o anterior foi um comentário feito para análise dos senhores palestrantes, e esta é a pergunta do Adriano Silva do Rio de Janeiro: "O que dá o direito de um país ter energia nuclear? Não é restringindo o acesso que se obtém a paz. É preciso dialogar com todos os países para se obter mais conhecimento, respeito e comercialização. Quem sabe não possamos juntos desenvolver uma nova matriz energética?"
O Artur Cury, de São Paulo: "[...] por que os Estados Unidos possuem milhares de bombas nucleares e esses países asiáticos não podem possuir as suas? A proliferação dessas armas na Ásia é o reflexo das políticas imperialistas e americanas no mundo, é reflexo de autodefesa!!"
Joaquim Tavares, daqui, de Brasília: "Qual a probabilidade de haver uma guerra entre Coreia do Norte, Coreia do Sul e EUA? Caso viesse a acontecer, seria uma guerra nuclear? [...] Qual o papel do Brasil nessa guerra? Temos que desmantelar o programa nuclear [...]." E por aí ele encerra a sua consideração.
Tenho a honra de passar a palavra à S. Exª, o Sr. Embaixador do Paquistão no Brasil, Sr. Najm us Saqib.
O SR. NAJM US SAQIB (Tradução simultânea.) - Muito obrigado ao Sr. Presidente. Falarei devagar para que a tradução não consista em um problema.
É um grande prazer estar aqui. Estou um pouco surpreso. Vim aqui porque, nas últimas duas reuniões que frequentei aqui, os apresentadores eram mais sérios do que os apresentadores de hoje. Por exemplo, a Drª Layla falou que o Paquistão e a Índia tornaram-se nucleares nos anos de 1970, mas, na verdade, foi em 1998 que o Paquistão conduziu testes.
Como Embaixador do meu país, estou feliz de estar aqui, porque essa é uma situação em que apenas um lado da questão foi passado ao povo brasileiro sobre uma questão muito importante. O programa nuclear do Irã, Índia, Caxemira... Não vou falar do Irã ou Índia ou Coreia, porque não estão aqui. Brevemente, falarei aos meus colegas que, fora dois fatos desta apresentação - primeiro, Paquistão e Índia tinham essa questão da Caxemira; segundo, em 1998, o Paquistão conduziu esse teste -, fora isso, todo o material dessas apresentações foi retirado do Google, de jornais da Índia, sob a perspectiva da Índia. Foi isso que se falou. Então, falou-se sobre Bombaim, tudo sob a perspectiva da Índia.
R
Então, eu gostaria de convidar meus dois colegas brasileiros, primeiro, para visitar a nossa Embaixada e ver a perspectiva do Paquistão, que tem mais de 200 milhões de habitantes. Por que o Paquistão conduziu esse teste em 1998? Falaram sobre a Caxemira, mas esqueceu de mencionar o Prof. Eugênio que, desde 1998, mais de 75 mil pessoas da Caxemira foram mortas pelas forças de ocupação da Índia. Ele se esqueceu de falar sobre isso.
A Índia ocupou a Caxemira do lado do Paquistão. Essa área está sob disputa. E eu vou falar, Sr. Presidente, sobre a questão da Caxemira. Em 1947, Paquistão e Índia se tornaram independentes, de acordo com um plano. Todas as áreas, na Índia, de maioria islâmica... A Caxemira possuía 98% de muçulmanos. A Índia mandou suas forças para a Caxemira, e as forças da Índia têm ocupado a Caxemira desde então. A Índia, em 1998, foi às Nações Unidas e solicitou a opinião sobre o que se poderia fazer com a Caxemira. O Conselho de Segurança da ONU, por meio de uma resolução unânime, disse que deveria haver um referendo, um plebiscito para que o povo da Caxemira decidisse se gostaria de ficar no Paquistão ou na Índia. Esse plebiscito, esse referendo, nunca foi realizado.
R
Um fato importante, principalmente, o Dr. Eugênio se esqueceu de mencionar: em 1948, em 1971 e em várias outras guerras, todas essas guerras foram lutadas entre Paquistão e Índia por causa da Caxemira.
Os mapas mostraram a perspectiva da Índia em relação ao Afeganistão. Vou falar ao professor: o Paquistão queria ter o controle do Afeganistão só para ter liberdades com a Índia. A Índia está na fronteira leste.
Humildemente eu falo ao senhor, Presidente. Gostaria, meus colegas e meus amigos, que viessem à Embaixada ou me convidassem. Eu vou a qualquer lugar, a qualquer parte do Brasil.
A Drª Layla disse que o Paquistão tem suprido conhecimento nuclear, tem passado conhecimento nuclear a terroristas. De onde vem essa informação? Eu quero dizer que o Governo do Brasil, o povo do Brasil e - sei - o Senado brasileiro têm uma opinião totalmente diferente dessas questões.
Eu estou decepcionado com os acadêmicos desse País; que suas fontes sejam relatórios de jornais, o Google. Nenhum dos professores mencionou uma fonte autêntica, um livro autêntico, por meio do qual eles fizeram essas afirmações.
Estou feliz por estar aqui e agradeço o senhor permitir que eu fale alguns minutos.
Ofereço, mais uma vez, que venham visitar a Embaixada e quero convidá-los para ir ao Paquistão, para que vejam, por si mesmos, o que está acontecendo, in loco, e quem está colocando esse tipo de informação no Google.
Com base no Google, o Brasil não vai ganhar a Copa do Mundo, mas eu asseguro a todos que estou torcendo pelo Brasil. O último jogo com a Costa Rica o Brasil ganhou. Acreditar no Google é bom para os estudantes da 8ª série, da 10ª série, mas para doutores fazerem essas colocações de um ponto de vista particular... Eu não acredito que este prestigioso Senado brasileiro compartilhe desse mesmo ponto de vista.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado a V. Exª, Sr. Embaixador do Paquistão, Sr. Najm us Saqib, pela sua participação neste nosso debate.
R
E obrigado pela simpatia que tem pelo nosso futebol, do Brasil. A vitória contra a Costa Rica foi muito boa - 96 minutos de partida, e só precisamos de 6 minutos jogando bola para fazermos dois gols. Eu espero que, no próximo jogo, nós joguemos bem os 90 minutos iniciais.
Eu passo a palavra, agora, para comentários sobre a sua fala, muito percuciente, em relação ao debate hoje aqui travado e proposto, à Profª Layla Ibrahim Abdallah Dawood.
A SRª LAYLA IBRAHIM ABDALLAH DAWOOD (Tradução simultânea.) - Sr. Embaixador, eu vou responder em inglês para que não haja problemas com a tradução. Pode ser que tenha havido problemas com a tradução. Eu não disse que o Paquistão adquiriu armas em 1998. O que eu disse foi que a Índia começou seus esforços nos anos de 1970, não o Paquistão. O que o Prof. Eugênio disse foi que os testes ocorreram em 1998, e isso foi correto. Então, testes são uma coisa; o desenvolvimento de armas nucleares é uma coisa diferente. E o que eu disse, corretamente, foi que a Índia começou seus esforços antes de testar suas armas nucleares. Era isso que eu gostaria de dizer.
A outra coisa é em relação às fontes. Tenho de responder porque é uma grande ofensa para uma acadêmica dizer que as suas fontes são o Google. Não são o Google.
Durante a minha apresentação, eu diria que, sob o ponto de vista de armas nucleares, há Estados legalmente reconhecidos, de acordo com o Tratado de Não Proliferação, há países que possuem a permissão de ter armas nucleares, e Paquistão e Índia não têm essa permissão. Durante a minha apresentação, eu disse do ponto de vista dos Estados que têm a permissão legal de ter armas nucleares. O senhor pode acusar-me de falar desde o ponto de vista daqueles que podem ter legalmente armas nucleares, mas, do ponto de vista de potências nucleares, eu quis dizer aqueles que podem legalmente possuir armas nucleares. Então, não é a perspectiva da Índia, mas a perspectiva daqueles que construíram o regime não nuclear. Então, eu respeito a sua posição, a defesa do seu país, mas o que eu disse foi do ponto de vista daqueles que construíram o regime de não proliferação, e não do ponto de vista da Índia, não do ponto de vista do Paquistão, mas do ponto de vista daqueles que defendem o regime.
Eu gostaria de concluir falando sobre a questão da legalidade e da legitimidade.
R
O que o Tratado de Não Proliferação diz é que alguns podem, legalmente, ter armas nucleares. Alguns não podem ter armas nucleares, mas adquiriram armas nucleares. Isso não quer dizer que não é legítimo tê-las. Não estou dizendo isso. Não defendo a aquisição de armas nucleares. O que estou dizendo é que há grupos que compram de forma legal. Alguns países têm armas nucleares, mas não têm a permissão. Isso não significa que as suas armas nucleares não sejam legítimas. O que pode acontecer é que os problemas que eles encontram são tão sérios na região que isso explique por que eles têm armas nucleares. Falei sobre aqueles que estavam no regime de não proliferação. Eu nunca discuti a legitimidade das armas nucleares do seu País.
O SR. NAJM US SAQIB (Tradução simultânea.) - Desculpe-me, Drª Layla. A senhora disse que as suas fontes são o Tratado de Não Proliferação e a Agência Internacional de Energia Atômica. A senhora pode falar de que maneira o Paquistão tem passado conhecimento a terroristas sobre armas nucleares? De onde a senhora tirou essa informação?
A SRª LAYLA IBRAHIM ABDALLAH DAWOOD (Tradução simultânea.) - O que posso dizer é que o que falei vem do ponto de vista da literatura, não do Google. Falei sobre os Estados que, legalmente, podem ter armas, e o Paquistão pode ter.
O SR. NAJM US SAQIB (Tradução simultânea.) - Em que informação... Qual é a fonte da sua informação?
A SRª LAYLA IBRAHIM ABDALLAH DAWOOD (Tradução simultânea.) - Eu respeito o seu ponto de vista, Embaixador, mas a literatura diz que há uma grande possibilidade. Não estou dizendo que é verdade, mas a literatura afirma que existe essa possibilidade. Essa informação não vem do Google. Essas informações são provenientes da literatura sobre a não proliferação de armas nucleares.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. Bloco Moderador/PTC - AL) - Antes de passar a palavra ao Prof. Eugênio Pacelli, eu gostaria de fazer alguns comentários.
Em primeiro lugar, acho que realmente deve ter havido algum erro - não diria erro -, alguma má compreensão na questão da tradução. Mas há alguma coisa em que nós temos que prestar sempre muita atenção, que são as nossas fontes. Quando digo "nossas", falo do mundo ocidental. E nós somos muito levados a acreditar nessas fontes.
Por exemplo, eu, particularmente, acreditei numa pessoa que eu conheci. E eu me tornei admirador dessa pessoa, que se chama General Colin Powell. Eu vi na televisão o General Colin Powell, numa sessão do senado americano ou do congresso americano, mostrando fotos e dizendo: "Sim, nós temos provas de que o Iraque, o país, possui artefatos nucleares. Aqui estão as provas." E nos mostrou, a milhões de pessoas em todo o mundo, alguma coisa que, num futuro muito próximo, depois dessa declaração, se mostrou não verdadeira. O Iraque não possuía essas armas. Mas, em função da crença de que realmente havia essas armas, houve a invasão do Iraque e houve a destruição de um país, até hoje tratando de se recuperar de anos e anos de lutas, de isolamento, de sanções, de pelejas, enfim.
R
Por isso, tenho muito cuidado quando vejo essas declarações oficiais de organismos internacionais, multilaterais. E confesso que somos levados a isso, porque queremos crer que ainda exista alguma possibilidade de ordem neste mundo em que estamos vivendo.
Um desses organismos chama-se Organização das Nações Unidas. Até quando, ou até quanto, melhor dizendo, nós podemos acreditar em tudo quanto a Organização das Nações Unidas fala ou proclama, via resoluções, como coisas que, de fato, mereçam a nossa crença e a nossa credibilidade? Resoluções emanadas das Nações Unidas - e são milhares delas - são editadas rigorosamente para serem descumpridas pelas grandes potências nucleares. Hoje, não se pode acreditar que, quando uma resolução das Nações Unidas é baixada, isso vá ser respeitado por todos, inclusive pelas potências que detêm o poder nuclear.
Eles formam um grupo de países que se transformaram no grande juiz daqueles que podem ter acesso a uma determinada tecnologia e dos que não podem ter acesso a uma determinada tecnologia. E aí não falo somente da questão nuclear. Falo, inclusive, no direito ao acesso que países em desenvolvimento deveriam ter de absorver certas tecnologias extremamente modernas de inovação para poderem, com essas tecnologias, ajudar o seu próprio desenvolvimento, o seu próprio equilíbrio social. Mas não! O poder do conhecimento que essas grandes potências vão alcançando elas vão também armazenando, como armazenam seus artefatos nucleares. Então, são novas tecnologias, e ai de quem queira avançar sobre o conhecimento dessas novas tecnologias! Estamos assistindo agora à chamada guerra comercial que os Estados Unidos, pelo seu governo - não o país -, pelo líder norte-americano, declararam a vários países do mundo. É a chamada guerra comercial, uma guerra que não leva à vitória de ninguém, que apenas aumenta a instabilidade mundial e que, com essa instabilidade mundial, ameaça a sobrevivência de bilhões de pessoas. Então, impõe tarifas, porque a China, especificamente, entre outras coisas - agora, vou me referir às sanções que foram aplicadas sobre a China, vou me referir ao ponto de que eu estava tratando, que é a questão da tecnologia -, teria usurpado direitos intelectuais de tecnologias americanas.
R
Este é um momento em que cabem medidas completamente diferentes daquelas que estão hoje sendo tomadas por essas grandes potências. O momento hoje é de diálogo, é de cooperação, sem submissão. Há de se ter muito cuidado quando se fala em cooperação de um país em relação a outro, porque, às vezes, essa cooperação apenas traveste uma nova forma de colonização e, portanto, de submissão. Mas nós temos, hoje - este é o momento -, de buscar o diálogo, a convivência pacífica; de construir e edificar consensos; de trazer de volta o bom senso ao convívio entre nós, sobretudo ao convívio entre as grandes lideranças mundiais.
Nós não podemos mais aceitar que um organismo multilateral como as Nações Unidas fique silente diante do descumprimento, reiteradas vezes, de suas resoluções; resoluções que teimam em falar de sanções, em impor sanções aos países que, eventualmente, não estejam cumprindo este ou aquele desiderato das grandes potências. Quem sofre com isso é a população desses países que são vitimados por esse tipo de sanções. E será que a população desses países merece essas sanções por erros ou acertos que as lideranças desses países tenham cometido dependendo da ótica de quem observa o assunto, o fato? Desse modo, eu tenho muito cuidado - muito cuidado! - quando observo algumas declarações e o posicionamento da mídia ocidental em relação a temas, a como eles são colocados. No caso presente, que é um tema que vem sendo muito assediado, pela procura que se faz quanto ao que está acontecendo em relação à Coreia do Norte, em relação ao Irã e a esse acordo com o Irã, em que cinco países, seis países aliados dos Estados Unidos - os Estados Unidos e os seus aliados principais, além de Rússia e China, seus aliados tradicionais... O governo, o líder norte-americano não poderia se retirar desse acordo da maneira como fez, pedindo o chapéu e indo embora, sem dar satisfação aos seus aliados, que têm um pensamento completamente diferente, até porque declarações públicas dos líderes desses países foram lidas e ouvidas por todo o mundo sobre aquela atitude que o líder norte-americano tomou.
R
A saída do Acordo Trans-Pacific Partnership: também pediu o boné, saiu e deixou os seus aliados a ver navios. A saída do Acordo de Paris: se há hoje algo que une a população deste Planeta é a necessidade que nós temos de salvá-lo de uma destruição não de armas nucleares - não! -, mas pela ação de nós próprios, habitantes deste Planeta, algo de extrema importância para a nossa sobrevivência. E também o líder norte-americano se retira desse acordo. Retira-se da Unesco, onde se discute a questão de cultura, de softpower, de educação, de preservação do patrimônio histórico. E retira a sua assinatura depois do encontro do G7, depois de assinar, porque o Primeiro-Ministro do país anfitrião, Trudeau, deu uma declaração numa entrevista coletiva que não soou simpática aos ouvidos do líder norte-americano. E ele, simplesmente, no seu Twitter, disse: "Retire a minha assinatura!" E aí? E o G7? Como ele vai ficar sem a presença do líder da maior e mais poderosa potência deste nosso mundo, hoje unipolar? Unipolar!
R
Então, vejam os senhores e as senhoras que nós temos que refletir bastante. Temos que, talvez, conversar mais, nos inteirar mais, ouvir as partes, não somente o lado que o nosso Ocidente deseja que nós compremos como a pura e lídima verdade. Mas vamos ouvir o outro lado, vamos fazer o nosso juízo, e não comprar o juízo simplesmente dessas organizações. Por que é verdade, é o que nós temos de legal hoje, e temos que nos fiar em algo, temos que ter um certo balizamento, mas que sirva de baliza, e que nós pensemos bastante, antes de formarmos o nosso juízo, ouvindo a baliza oposta e sabendo até que ponto a verdade caminha com a opinião exarada pelos órgãos de comunicação ocidentais ou caminha contra a nossa realidade.
Eu passo a palavra ao Sr. Prof. Eugênio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa.
O SR. EUGÊNIO PACELLI LAZZAROTTI DINIZ COSTA (Tradução simultânea.) - Sr. Embaixador, eu vou falar também... O senhor pode culpar a mim de tudo que falou. Eu acredito que os intérpretes fizeram um excelente trabalho. E eu quero que o senhor ouça diretamente de mim.
Primeiramente, quero agradecer pela maneira honesta como o senhor colocou o seu desacordo. O senhor falou de maneira direta e honesta, e isso é muito satisfatório para um acadêmico.
Eu vou tentar ser o mais honesto que puder sobre essa questão sensível e relevante. Eu lhe agradeço por seu convite gentil para visitar a Embaixada. Tenho certeza de que o senhor sabe entreter muito bem e tenho certeza de que a conversa seria bastante produtiva.
Quero dizer-lhe que houve realmente... Pode ser que tenha havido algum tipo de mal-entendido. Eu fui claro. Eu tinha a clareza de que eu ia tentar mostrar o que estava mudando naquela dinâmica, nas dinâmicas regionais relacionadas à possibilidade dos conceitos, da ideia de armas nucleares na região.
Particularmente, eu mencionei...
(Interrupção do som.)
O SR. EUGÊNIO PACELLI LAZZAROTTI DINIZ COSTA - ... quando eu estava mostrando o mapa com o qual o senhor se preocupou, sobre as áreas contestadas, as áreas sob disputa, eu acredito que eu estava realmente mostrando a perspectiva da Índia. E havia uma razão para isso, que era o principal agente de mudança naquela dinâmica, depois dos testes de 1998... Foi o processo de tentar lidar com diferentes percepções, diferentes realidades percebidas pelas autoridades indianas. Isso é muito importante. Eu achei importante deixar isso bem claro. O teste de 1998 pelo Paquistão mudou, foi um divisor de águas para a Índia. E eu acho que o senhor concordaria comigo. Parte da explicação de por que o Paquistão desenvolveu armas nucleares, em primeiro lugar. Esse é o meu ponto principal.
R
O agente principal de mudança naquela dinâmica foi a percepção ou a nova percepção que as autoridades da Índia têm de uma situação que, do seu ponto de vista, tornou-se crucial, tornou-se, vamos dizer, diferente e menos favorável do que antes. E eles estão tentando aceitar e lidar e processar essa situação. Não estou dizendo se é uma maneira falsa, boa; só estou tentando dizer que, por causa disso, eles mudaram de comportamento, e esse comportamento induziu mudanças no comportamento dos outros atores regionais. É isso pelo menos o que podemos inferir a partir das afirmações de conselheiros de segurança nacional. Vêm do Google essas informações, mas são informações com base nas informações de um conselho de segurança.
Sou membro de um instituto para estudos internacionais em Londres e pago muito dinheiro para fazer parte desse grupo, para ter acesso a comentários estratégicos - a minha mulher diz que eu gasto muito dinheiro com isso. O que eu estou tentando comunicar aqui é uma compilação breve e concisa do meu entendimento, da minha opinião sobre essa mudança. É claro que eu não me esqueci de que deveria ter havido um referendo sobre a Caxemira. Eu não esqueci; eu apenas não mencionei. Não mencionei também a guerra de 1950 das Coreias, quando eu falei da Coreia do Norte. Precisamos ter um limite em relação às informações que passamos.
R
Eu não me lembro, em nenhum momento, de ter falado que uma posição, uma perspectiva é melhor do que a outra. Eu falei apenas que o status quo foi percebido como mais favorável, do ponto de vista da Índia. Essa mudança de percepção causou uma mudança de comportamento, e essa mudança de comportamento, trazida pela mudança na percepção, causada pela mudança de percepção, impactou e causou mudanças nos comportamentos e percepções de outros atores da região. Então, o fato é que foi essa percepção, essa mudança de percepção o principal agente causador da mudança nas dinâmicas. Esse foi o ponto que eu quis trazer. Eu coloquei esse ponto e mostrei no mapa, de maneira gráfica, essa percepção.
Espero que isso tenha esclarecido a situação. Em nenhum momento eu quis magoar o senhor, os seus sentimentos ou afirmar que o seu país ou a Índia ou a China estão no lado errado da equação, ou que qualquer deles esteja mais certo do que o outro.
Se essas afirmações fossem irrelevantes, não teríamos o problema persistindo por tanto tempo. Então, é significativo que esse seja um problema que tem se arrastado por tanto tempo e que não tem tido solução. É uma conjunção de problemas difíceis de se resolver. Espero que eu tenha conseguido ser claro, transmitir o meu ponto com clareza para o senhor.
Preciso dizer-lhe também que foi muito gratificante ver o Embaixador defendendo o seu País de maneira tão direta, mas também tão bondosa. Eu agradeço a sua sinceridade e a sua bondade, que ajudou a explicar coisas que provavelmente não foram muito claras. Muito obrigado pelo que o senhor disse e por sua atitude.
O SR. NAJM US SAQIB (Tradução simultânea.) - Primeiro, fui corrigido, mas acho que não houve problemas na tradução. Não quero culpar os maravilhosos tradutores que estão sentados lá atrás. Mas agradeço a explicação dada pela Drª Layla e pelo Dr. Eugênio, de forma especial.
Eu só gostaria de agradecer, Sr. Presidente, a sua bondade em explicar a situação de uma perspectiva visionária e diferente. Eu anotei o que o senhor disse e vou passar isso ao que estou escrevendo, às minhas memórias, depois que eu me aposentar. O que o senhor disse... Seria possível escrever uns dois ou três livros sobre o que o senhor disse. E eu não estou fazendo piadas. Muito obrigado por sua bondosa explicação e esclarecimento.
R
No livro sagrado do Islã, o Alcorão, algo mencionado é que não ore... Se estiver fazendo uma citação, não ore se você ficar bêbado. Não ore se você estiver bêbado. Não reze se você estiver bêbado, ou seja, não mencione a história só de uma perspectiva. Eu concordo com o senhor, Excelência, é preciso deixar que as duas partes falem, que as duas partes possam explicar seus pontos de vista de forma plausível, de forma sábia e que se chegue a uma conclusão.
Quero também mencionar... Não sei se as pessoas ainda gostam de Paulo Coelho, mas eu o li, muitos anos atrás, e lembrei-me do que ele falou. Paulo Coelho é um escritor, e ele disse: "Não explique. Não explique, porque as pessoas ouvem o que elas querem ouvir."
Com isso, mais uma vez eu agradeço, Sr. Presidente e nossos queridos colegas, por esta discussão. Eu aprendi hoje e agradeço muitíssimo.
Muito obrigado.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) - Muito obrigado ao Embaixador do Paquistão, Sr. Najm us Saqib, pela sua participação neste nosso debate.
Quero agradecer muito especialmente à Profª Layla Ibrahim Abdallah Dawood pela sua brilhante participação; agradecer também ao Prof. Eugênio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa pela sua também brilhante participação.
Quero dizer aos senhores, a V. Exªs aqui presentes e aos nossos ouvintes e telespectadores, que esta eu reputo uma das melhores, se não a melhor audiência pública que nós realizamos até hoje, exatamente pelo debate que foi proporcionado, graças à participação e à presença de S. Exª o Embaixador do Paquistão, a quem mais uma vez agradeço a presença, mas também pela maneira como os nossos palestrantes puderam oferecer a S. Exª respostas às suas questões e às suas dúvidas.
Fico muito feliz com o convite que foi feito para que visitem - a Srª Professora, doutora, e o Sr. Professor, doutor -, quando tiverem uma oportunidade, a Embaixada do Paquistão para conversarem um pouco e ouvirem um pouco, enfim, e trocarem mais ideias, o que eu tenho certeza os senhores gostariam de fazer num ambiente de maior recolhimento.
Muito obrigado a todos os nossos internautas pela participação.
R
Eu informo que o nosso 9º Painel ocorrerá no dia 9 de julho próximo, na segunda-feira, às 18h, neste plenário da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, com a presença do Exmº Sr. Embaixador e ex-Ministro Celso Lafer, que abordará o tema Insegurança Internacional.
Eu recomendo muito a presença de todos aqueles que se interessam por um tema tão atual a comparecerem a essa audiência, porque o Prof. Celso Lafer, Ministro, Embaixador, é sem dúvida uma das cabeças mais brilhantes deste País, como também são aqueles nossos palestrantes do dia de hoje.
Solicito que o relato do 7º Painel deste nosso Ciclo de Debates, realizado no dia 11 de junho, seja dado como lido na íntegra.
Antes de encerrarmos os nossos trabalhos de hoje, convoco as Srªs Senadores e os Srs. Senadores membros desta Comissão para a próxima reunião deliberativa, agendada para amanhã, dia 26 de junho, terça-feira, às 10h, neste plenário, acrescentando que faremos, em seguida a essa nossa reunião, outra reunião para deliberar sobre as emendas a serem apresentadas pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional ao PLN nº 2, de 2018, que dispõe sobre as diretrizes para elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2018.
Mais uma vez agradeço a presença entre nós do Sr. Embaixador do Reino do Marrocos, Sr. Nabil Adghoghi; de S. Exª o Sr. Embaixador do Paquistão, Sr. Najm us Saqib; de S. Exª o Sr. Embaixador da Síria, Sr. Mohamed Khafif; de S. Exª o Sr. Embaixador da Macedônia, Sr. Ivica Bocevski; ao Sr. Conselheiro da Belarus, Sr. Aleksandr Shkatulov; e ao Sr. Terceiro-Secretário da Embaixada da Rússia, Sr. Denis Shimanchuk; além de agradecer muito especialmente a presença que me dá muita alegria e muita satisfação também, no dia de hoje, do Deputado Federal João Caldas, do Estado de Alagoas, homem público que tem uma vida política sempre medida pelas boas ações que tem empreendido em favor do seu povo, da sua gente, e também aqui na Câmara Federal, onde seu filho hoje o substitui como Deputado Federal - o Deputado Federal JHC. Peço licença para pedir a S. Exª o Sr. Deputado Federal João Caldas que leve ao Sr. Deputado JHC o nosso abraço e a nossa consideração.
Agradecendo mais uma vez a todos pela presença na noite de hoje, declaro encerrada a presente reunião.
Muito boa noite.
(Iniciada às 18 horas, a reunião é encerrada às 20 horas e 11 minutos.)