09/07/2019 - 66ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia!
Declaro aberta a 66ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação participativa do Senado Federal, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos dos Requerimentos nºs 28, 44, 65, 69 e 70, todos desta Comissão, de iniciativa dos Senadores Paulo Paim, Eduardo Girão e Alessandro Vieira, para debater o tema "O Uso da Cannabis para Fins Medicinais", com o objetivo de instruir a SUG nº 6, de 2016, que propõe um padrão regulamentar abrangente para a maconha medicinal e o cânhamo industrial no Brasil.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, link: www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Vamos começar.
Vamos ter mais de uma Mesa. Eu vou informar que nós vamos dividir os trabalhos entre os três autores de requerimento. Eu vou presidir uma parte, o Senador Alessandro Vieira vai presidir outra e o Eduardo Girão vai presidir a outra.
Nós teremos, pela informação que recebi, duas Mesas de manhã e mais duas à tarde, pelo interesse do tema. Eu vou, para começar no horário, que é 9h - eu já estou atrasado dois minutos, porque eu atrasei um e no outro fui rápido aqui na apresentação -, convidar de imediato Maria Aparecida Felício de Carvalho, Presidente da Cultive, Associação de Cannabis e Saúde.
Ela se encontra? (Pausa.)
Seja bem-vinda. (Palmas.)
Convido Rafael Evangelista, Presidente no Instituto de Pesquisa Científica das Plantas Aliança Verde.
Seja bem-vindo. (Palmas.)
Convido Liane Maria Pereira, mãe de paciente que obteve o primeiro HC do Rio Grande do Sul.
Seja bem-vinda. (Palmas.)
Foi você que esteve lá comigo?
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA (Fora do microfone.) - Isso mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, eu vou dizer que você é culpada disso aqui tudo.
Eu assumi o compromisso com ela, casualmente chega em seguida a SUG, e o Senador Alessandro aceitou de pronto ser o Relator. Daí ajustamos fazer uma audiência única, porque iríamos fazer uma quando você propôs, porque já aproveita para embasar a discussão da SUG.
Então, você é um pouco culpada. Uma boa culpa, não é?
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA (Fora do microfone.) - Uma boa culpa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu também entendo assim, fica já para entender a minha posição. Achei muito, muito interessante a conversa que você teve comigo lá.
Eu vou só citar os que estavam também nessa Mesa - não sei se estão presentes. A Viviane está? (Pausa.)
Dizem que está a caminho.
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Antônio Geraldo, Carlos Penna, Ricardo Handro e Leandro Ramires.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, seja bem-vindo, Leandro. (Palmas.)
Então, agora, vou ler na íntegra.
O Leandro Ramires é médico e Diretor da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal.
E o Sr. Ricardo Handro.
Convido também, com uma salva de palmas, Ricardo Handro, representante da Sociedade Brasileira de Medicina Canabinoide. (Palmas.)
Seja bem-vindo.
Vamos adaptar a Mesa.
Como nós temos muitos convidados pela manhã e pela tarde, e à tarde o espaço é menor, porque a partir de 16h30, 17h começa o debate no Plenário e nós temos que encerrar... Então, todo mundo conhece o tema, mas é importante dizer que, pela TV Senado eu vejo que nós estamos ao vivo para todo o Brasil e, mesmo no momento em que outras Comissões entrarem, nós continuaremos pelo sistema de internet e todo esse trabalho vai ser reproduzido à noite para que o Brasil saiba deste debate.
Então, vamos lá, porque vocês são os especialistas e eu sou o mediador.
Serão dez minutos para cada um, com um limite máximo de mais cinco.
De imediato, Maria Aparecida Felício de Carvalho, Presidente da Cultive, Associação de Cannabis e Saúde. (Pausa.)
Eu recebi um telefonema, acho que ontem ou no domingo, do Ministro Osmar Terra, gaúcho, lá do Rio Grande. Ele perguntou se estava convidado. Eu disse: se não estava, agora está. É sempre bom que os ministros também participem desse debate. Eu disse para ele que seria uma honra para nós se ele viesse, porque esse é um tema... Eu só vou levantar a tese - todo mundo sabe -, se aprovado na Câmara e no Senado vai para o Presidente. Aí o Presidente e os ministros é que vetam ou não a matéria - estou levantando a hipótese -, e disse para ele que seria muito importante. Até perguntei se ele queria fazer parte da primeira ou da segunda Mesa. A assessoria dele já está aí e disse que ele vai participar da segunda Mesa.
Então, eu quero, de pronto, dar uma salva de palmas pela iniciativa do Ministro de ter nos ligados para debater a questão. (Palmas.)
Por favor, o tempo é seu, Maria Aparecida Felício de Carvalho.
A SRA. MARIA APARECIDA FELÍCIO DE CARVALHO (Para exposição de convidado.) - Bom dia!
Primeiro, quero agradecer a iniciativa do Senador Paim em colocar em pauta esse assunto que vem sendo discutido desde 2014, e é um assunto tão urgente, porque a dor é agora, não dá para a gente deixar para depois.
Eu sou conhecida como Cidinha Carvalho, eu sou mãe de Clarian - a Clarian tem síndrome de Dravet, uma epilepsia severa com risco de morte súbita - e também sou Presidente da Cultive, Associação de Cannabis e Saúde, e sou membro da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.
A minha filha começou a convulsionar com cinco meses e meio. É uma crise severa, devastadora, que a levou a ter várias paradas respiratórias e uma cardiorrespiratória. Eu quase perdi a minha filha por várias vezes.
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Nós não tínhamos vida social nenhuma, nossa vida era só internações.
Em todas as buscas que eu fazia desde os cinco meses e meio, em julho de 2013 eu vi na internet, em uma das nossas buscas, o caso de Charlotte Figi, com a mesma síndrome da minha filha, usando a maconha. Eu vi o antes e depois e fiquei impressionada, porque a minha filha, por causa da síndrome, tem uma hipotonia, ela não corria, não pulava, não subia escada sozinha, minha filha não tinha sudorese, que é uma característica da crise. Então, por não ter sudorese, pela falta de equilíbrio da temperatura do corpo, eram geradas muito mais convulsões. Foi quando, em 2014, no início, eu consegui importar ilegalmente um óleo. Eu paguei US$500, juntando todas as minhas economias, férias, e tendo a certeza de que eu não ia conseguir dar continuidade, porque era fora da minha realidade financeira. Foi aí que eu vi o efeito imediato. A minha filha já ficou, logo de cara, 11 dias sem ter crise nenhuma, o que antes era impossível para nós.
Não conseguindo dar continuidade, foi quando eu consegui o apoio de uma rede secreta do Rio de Janeiro, que que fazia óleo artesanalmente e começou a doar para minha filha. Foi quando eu comecei a ver vários efeitos na minha filha que eu nem esperava, além da diminuição de crises. As crises da minha filha diminuíram 80% o tempo de duração, porque minha filha convulsionava por mais de uma hora, uma hora e meia. Vocês não têm noção do que é ver um filho agonizando de tanto convulsionar, você se sente impotente. As crises da minha filha eram de uma hora e meia, ela passou a ter de uma ou duas crises por mês com menos de um minuto. A minha filha com quatro meses de uso do óleo começou a transpirar, foi a primeira vez que eu vi a minha filha transpirando de fato, com 11 anos de idade, isso com 4 meses de uso do óleo. Foi impressionante a melhora no cognitivo, no equilíbrio, no tônus muscular, porque ela tem hipotonia. Hoje, a minha filha pula, sobe escada, desce, pula corda, melhorou a apneia do sono, a agressividade.
Hoje, faz cinco anos e três meses que a minha filha usa o óleo feito artesanalmente, e faz cinco anos e três meses que eu não sei nem mais o que é o hospital. Nunca mais precisei ir ao pronto-socorro. (Palmas.)
A Cannabis fez pela minha filha o que nenhum alopático fez, e a minha filha testou vários coquetéis durante 11 anos.
Essas são as fotos da minha filha. Tudo que ela não fazia antes... Antes ela não montava um quebra-cabeça de seis peças, hoje a minha filha monta um quebra-cabeças de 120 peças. Hoje minha filha está se alfabetizando, o que antes era impossível - ela ficava dopada só olhando para um lado, sem foco nenhum.
Quando foi em 2015, eu e meu marido tivemos a oportunidade de irmos ao Chile, fizemos um curso de extração de óleo, uma oficina de extração de óleo com Mamá Cultiva. E nós já cultivávamos, desde 2014, de forma ilegal, porque nós estávamos tentando aprender a cultivar. Na época, era uma cepa qualquer, a gente nem sabia, mas a gente tinha que aprender a cultivar, porque o meu objetivo sempre foi cultivar, porque eu queria ter um acesso, e um acesso com igualdade, já que eu não tinha condições financeiras para poder importar.
Aí, foi quando nós voltamos. O meu marido fez um curso com o Growroom, e nossas plantas desabrocharam, realmente foram para frente, começaram a florir.
Essa é a nossa plantação.
Quando foi em 2016, tivemos o direito ao salvo-conduto, para nós cultivarmos e extrairmos o óleo da minha filha, foi feito pela reforma.
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Nós extraímos o óleo da nossa filha na minha casa e mandamos o óleo para teste na UFRJ, onde foi testado, e recebemos parabéns da UFRJ pela quantidade dos canabinoides, comparado ou até melhor do que muitos importados que há por aí. Então, a conclusão da UFRJ é que, sim, é possível, sim, cultivar e extrair um óleo domesticamente. Isso é comprovado pela UFRJ, não é palavra só de uma mãe.
Aí, vão perguntar: "Mas e o THC?". O THC é tão importante quanto todos os outros canabinoides. Só que, vocês que não sabem, a Cannabis é feita a microdoses, quanto menor a dose, maior a resposta terapêutica. São tão microdoses que o THC não tem efeito psicoativo nenhum. Fora isso, são várias cepas que existem, são mais de 10 mil cepas, onde você pode buscar - assim como eu cultivo para a minha filha - uma cepa que é mais rica em CBD, pobre em THC e não tem efeito psicoativo nenhum.
Aí eu pergunto: E os anticonvulsivantes? Mas os anticonvulsivantes também têm um efeito psicoativo devastador, tão devastador que até mesmo houve uma interação medicamentosa com a minha filha e a minha filha ficou um mês sem andar. Eu estava pensando que ela estava degenerando, e era uma intoxicação em que a minha filha quase perdeu um rim por um remédio lícito que se compra na farmácia.
Eu estou sendo rápida por causa do tempo.
E não é somente por causa do alto custo que nós estamos pedindo o autocultivo e o cultivo associativo, mas, sim, porque existem muitas cepas, muitas espécies de Cannabis e nós podemos, com o autocultivo e o cultivo associativo, buscar a melhor resposta terapêutica, porque nem sempre os industrializados dão aquela resposta terapêutica que nós buscamos.
Muitas mães que usam o industrializado nos procuram para poder aprender a cultivar, aprender a extrair o óleo, porque acabam encontrando a melhor resposta terapêutica no artesanal. E proibir esse direito de buscar a melhor resposta terapêutica para um filho, para um paciente, para poder sobreviver isso, sim, é um crime. (Palmas.)
Em dezembro de 2016, nós fundamos a Cultive, Associação de Cannabis e Saúde, em que o Dr. Elisaldo Carlini é o nosso Diretor Científico, porque nós não dávamos conta de tantos pacientes que nos procuravam pedindo socorro, pacientes de várias patologias, não somente as que vocês conhecem, as comuns, mas também insônia, humor, inflamação, depressão, ansiedade, patologias que as pessoas acham que são leves, mas só quem passa por isso sabe.
E é impossível você restringir a Cannabis apenas para doenças graves, é impossível isso. A forma de acesso que a Anvisa já liberou é a via oral. E essas outras formas de acesso? Vaporizando com óleo, porque muitos pacientes para dor, esclerose múltipla, câncer, precisam da dor, e a dor é agora, a dor tem que amenizar. O vaporizado leva menos de três segundos para poder fazer efeito, e isso é necessário. Há pacientes que conseguem a melhor resposta vaporizando óleo, há pacientes que conseguem melhor resposta vaporizando as flores, porque as flores têm os terpenos, e os terpenos têm o seu efeito terapêutico. E quem não tem acesso vai no fumado. Só que nós, como associação, instruímos, para uma redução de danos, não fumar, e, sim, vaporizar, porque o vaporizado tem uma redução de danos, ele não tem o efeito realmente da combustão.
E como ter acesso? Aí entra o papel das associações em tudo isso, porque quem trouxe a Cannabis realmente para o Brasil foram os pacientes, foram as mães. E nós, mães, assim como eu, assim como a Liane, que também é associada à Cultive, e aprendeu a cultivar com a Cultive, aprendeu a extrair o óleo com a Cultive e hoje ela tem o habeas corpus dela. Nós, como associação, fazemos...
(Soa a campainha.)
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A SRA. MARIA APARECIDA FELÍCIO DE CARVALHO - ... o papel que o Estado deveria estar fazendo hoje, e esse papel é acolher o paciente, acolher os médicos.
Os médicos aprenderam a prescrever com as mães, os médicos continuam aprendendo a prescrever com as associações. As associações ensinam os médicos a prescreverem, a dosarem, sobre os efeitos colaterais, sobre todos os sistemas endocanabinoides, em que nós fazemos um trabalho de campanhas informativas, sem fins lucrativos nenhum, sem cobrar nenhum centavo por esse trabalho, em que nós estamos disseminando a informação justamente para buscar a melhor qualidade de vida para os nossos filhos, e é isso que nós estamos aqui...
Essas são as fotos dos cursos que nós damos. E nós procuramos fazer da melhor forma possível. Eu levo as mães e pacientes que já estão cultivando, mesmo que ilegalmente, para a minha casa para fazerem oficinas de extração de óleo, porque a dor não pode esperar.
Se eu tivesse esperado por uma regulamentação para poder cultivar para a minha filha, para poder dar um óleo artesanal para minha filha, eu não sei se eu teria minha filha aqui hoje, porque a síndrome da minha filha tem risco de morte súbita.
E se fosse o seu filho, você esperaria pela regulamentação? Não! (Palmas.)
Senador, as mães e os pacientes continuarão cultivando mesmo que ainda esteja proibido. Isso não é uma afronta a vocês, jamais! (Palmas.)
Isso é uma realidade que nós estamos trazendo aqui porque já está acontecendo, vai continuar acontecendo por mais que mães, pais, pacientes continuem sendo criminalizados. E nós estamos... Nós somos muitos e estamos crescendo a cada dia, porque vários pacientes estão descobrindo isso e enxergando a dor somente na Cannabis.
Então, nós estamos aqui fazendo um apelo como mãe, como associação, como família, porque realmente só quem passa por isso sabe o que é a dor de você quase perder um filho no hospital.
Então, nós necessitamos buscar a melhor resposta e outras espécies da Cannabis, porque cada um - assim como diz o Dr. Raphael Mechoulam, todos nós temos os canabinoides em nosso corpo e é como se fosse uma impressão digital - tem que buscar a sua, testando outras cepas. E o autocultivo e o cultivo associativo são os que oferecem isso, e o cultivo associativo e o autocultivo são os que dão o acesso com igualdade, e dão o acesso com igualdade para você buscar a melhor resposta.
A Anvisa está abrindo o mercado para a indústria farmacêutica, o que é necessário para poder ter um acesso democrático, mas isso não é o acesso democrático. Nós precisamos e necessitamos de mais, muito mais. E para esse muito mais nós estamos aqui discutindo no Senado o acesso à Cannabis, que é o que nós necessitamos.
E necessitamos de um cultivo associativo com um padrão de exigência alcançável por uma associação sem fins lucrativos, porque o padrão de exigência sugerido pela Anvisa não é alcançável por uma associação sem fins lucrativos. Nós não temos condições de chegar. E eu consigo cultivar, uma mãe consegue cultivar em seu quintal com um padrão de qualidade tal que a própria UFRJ, uma universidade, consegue levar até para eventos, como exemplo, o nosso óleo.
Hoje, o PL 514 é o que mais se aproxima do que nós necessitamos, feito pela Marta Suplicy, que virou um projeto de lei. E nós estamos batalhando para que isso prossiga, para que possa prosseguir, porque é o que mais se aproxima das nossas necessidades.
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Essa é a minha filha. E sem a Cannabis eu não sei se eu teria a minha filha aqui hoje. Hoje minha filha está com 16 anos e faz 5 anos que ela está realmente usando o óleo.
A proibição mata mais do que qualquer droga. E, se a proibição mata, aí está o crime. E a proibição está na lei, então, essa lei é criminosa e essa lei tem que mudar. E nós estamos aqui para isso, pela vida e não pelo crime.
E aí está o crime.
Obrigada. (Palmas.)
"Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, lute pela Justiça." E é para isso que nós estamos aqui.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos, Maria Aparecida Felício de Carvalho, Presidente da Cultive, Associação de Cannabis e Saúde.
Nós vamos ter o seguinte critério: terminando esta Mesa, vem a outra e os que estão aqui vão para a primeira fila e poderão depois participar do debate.
Como o Ministro chegou, eu vou convidar a líder Maria Aparecida Felício de Carvalho para que retorne à primeira Mesa, o Ministro senta e ele vai falar no momento em que eles entender mais adequado.
Então uma salva de palmas já a você. (Palmas.)
Já está conosco o Ministro Osmar Terra, Ministro da Cidadania, e eu quero recebê-lo com uma salva de palmas. (Palmas.)
E vamos abrir o espaço para que ele faça a sua fala no momento em que ele entender mais adequado.
Então, o Ministro pediu para falar o próximo convidado e ele fala em seguida.
Então, passamos a palavra, neste momento, para Rafael Evangelista, Presidente do Instituto de Pesquisas Científicas das Plantas Aliança Verde.
E lembrando a todos que são dez minutos, com mais cinco. (Palmas.)
O SR. RAFAEL EVANGELISTA (Para exposição de convidado.) - Saudações a todos! Cumprimento todo mundo da Mesa, em especial, o Senador Paulo Paim, que atua de forma majestosa na defesa dos direitos do cidadão como um todo, em especial dos autistas - a Lei Berenice Piana, a Lei Fernando Cotta também, do nosso amigo em comum, Fernando Cotta, do Moab, que inclusive também é nosso associado. Falo em nome também aqui da Liga Canábica, do Júlio Américo, que não pôde vir, não pôde estar presente. Um especial cumprimento aos nossos associados que ali estão: Paula, que veio com seu filho, Fabiana, Tatiana e todas as outras pessoas que aqui estiveram e puderam ceder o seu espaço aí, que é difícil, vieram até com filhos, algumas dessas pessoas.
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Uma breve apresentação.
Eu falo em nome de todos os médicos da associação com a declaração de que não há nenhum conflito de interesses de nenhum profissional da Aliança Verde em qualquer tipo de assunto referente à Cannabis.
Este é o nosso time técnico, que é formado, além dessas pessoas, por também associados. Somos hoje em torno de cem associados; 50% desses associados são autistas, a maioria crianças, alguns poucos mais adultos. Nós temos uma equipe técnica própria, parceria com a UnB, laboratório de análises toxicológicas, botânica. Temos também convênio com a Escola de Naturopatia de Paris. E aqui está o Dr. Guilherme, que é o primeiro médico dentista a prescrever a Cannabis no Brasil.
E, antes de adentrar no tema, eu vou falar rapidamente aqui sobre a história da Cannabis. Então, em 2.700 a.C, foi encontrado o registro da Cannabis, tendo sido compilado posteriormente na farmacopeia chinesa, recomendando o uso medicinal da Cannabis. Logo depois, 1200 anos depois, o Papyrus Ebers, que é um livro da Medicina do antigo Egito, também indica o uso medicinal da Cannabis. Então, a gente está falando aqui de um uso milenar.
Falar que a Cannabis não tem uso medicinal é a mesma coisa que ignorar a ciência, é ignorar totalmente a ciência. E, como muito bem colocado pela Cidinha, falar que só o CBD ou que só o THC tem uso medicinal, somente esses canabinoides, é deixar a fitoterapia de lado. Isso envolve conflitos de interesses, que envolvem patentes científicas, patentes da indústria farmacêutica.
A proibição da Cannabis. Eu recomendo a todo mundo que tenha interesse em ler essa dissertação de mestrado da Luíza Saad, Fumo de Negro. Ela prova demonstra de forma muito interessante que a Cannabis foi criminalizada principalmente pelos conflitos de interesses e como um preconceito contra o negro, as suas religiões e as culturas afro. Então, eles tiraram de cena os médicos, os pajés, os raizeiros antigos e colocaram isso à mercê apenas de uma indústria.
Eu vou colocar um mito de que muito se fala que é o aumento de consumo. Então, há um estudo publicado que monitorou a conduta de 1,1 milhão de adolescentes em 400 escolas durante 24 anos, adolescentes de 13 a 18 anos. Ele concluiu que a regulamentação nos Estados que permitiram o uso medicinal não influenciou e não aumentou o uso de Cannabis por adolescentes.
Outro mito é que a Cannabis seria porta de entrada para outras drogas. Na verdade, há estudos da Cebrid, da Reduc, da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e de várias outras pessoas que provam, na verdade, que o contato com o mercado ilegal é que é a porta de entrada para as drogas, inclusive, mais pesadas. Aqui, há algumas referências para, depois, quem quiser olhar. Eu não vou falar sobre todas elas.
Eu queria parabenizar esta SUG, porque ela fala de uma coisa muito importante, que é uma das discussões que eu sempre pauto, que é estabelecer um marco regulatório falando sobre plantas medicinais e fitoterápicos.
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O conceito de um fitoterápico é muito simples: ele é um medicamento, fitoterápico, extraído de toda a planta e não das partes isoladas dessa planta.
A Organização Mundial da Saúde tem destacado a necessidade de valorização das plantas medicinais desde a Declaração de Alma-Ata, de 1978.
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos é uma política fundamental para o Brasil e foi elaborada visando o uso sustentável da biodiversidade brasileira e o fortalecimento da cadeia produtiva e da agricultura familiar. Então, esse assunto é importantíssimo.
Existe também um documento do MAPA chamado de Orientações Gerais para o Cultivo de Plantas Medicinais, que está em conformidade com as boas práticas agrícolas. Então, é extremamente possível realizar o cultivo cumprindo essas exigências.
Quanto à Anvisa, de que a Cidinha falou, existe a RDC nº 49, que fala que é princípio a inclusão social e o desenvolvimento de boas práticas. No seu art. 5º, ela fala da racionalização, simplificação e padronização dos requisitos junto ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.
Uma associação tem que ter um tratamento diferenciado. A gente não está falando que uma associação quer cultivar de qualquer maneira, não; mas a gente precisa de uma razoabilidade quanto a essas exigências aplicadas.
E, entrando aqui rapidamente no lado industrial, a gente está em contato com a Secretaria de Defesa Agropecuária já desde 2018. Então, a Cannabis tem um potencial de fitorremediação do solo e de criação de biomassa - a fitorremediação do solo e a capacidade de absorver metais pesados. Então, é uma planta que pode ajudar, inclusive, o meio ambiente.
Este é o conceito de medicamento fitoterápico pela própria Avisa, que é um conceito técnico: é todo medicamento obtido com o emprego exclusivo de matéria-prima ativa vegetal. E não se considera medicamento fitoterápico aquele que inclui substâncias ativas isoladas ou sintéticas. Então, o medicamento fitoterápico tem, sim, eficácia, ele tem segurança, ele tem padronização e reprodutibilidade.
Existe uma observação interessante da Instrução Normativa nº 4, de 2014, que determina o registro de medicamentos fitoterápicos e a notificação de um produto tradicional. Nós estamos falando aqui de uma planta ancestral e muito antiga.
Falando rapidamente sobre o efeito sinérgico, ele é a interação de todos os canabinoides, ou seja, a atividade farmacológica da Cannabis é resultante de uma ação sinérgica entre todo o fitocomplexo, entre todos os componentes e não apenas uma consequência isolada de uma substância em si. Então, a gente tem o efeito entourage, o efeito sinérgico, que é comprovado por diversos artigos científicos, como os de Ethan Russo, que é uma pessoa muito conhecida nesse meio. Aqui a gente pode ver os terpenos. Então, se fala que a Cannabis tem 500 substâncias; claro, tem terpenos, tem ésteres, tem flavonoides, tem canabinoides...
(Soa a campainha.)
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O SR. RAFAEL EVANGELISTA - ... e muitas outras substâncias que são necessárias no tratamento. Inclusive, em alguns locais, se demonstrou que o uso equilibrado da planta inteira é superior aos medicamentos isolados ou sintéticos.
Este é o efeito, de que há evidências. O Fabrício Pamplona é uma pessoa muito técnica e fala da evidência do efeito superior do fitoterápico em relação, por exemplo, ao THC sintético.
Existe uma ação civil pública, pelo Ministério Público Federal, para que fosse iniciado de ofício o estudo com a Cannabis in natura. Então, não sou eu que estou falando apenas, não são alguns médicos, o próprio Ministério Público Federal também fala do início do estudo com a planta in natura, com vistas a enquadrá-la no Formulário Nacional de Fitoterápicos.
Assim, esta SUG falando disso é extremamente importante. Senão, a gente vai deixar à mercê de medicamentos apenas isolados e sintéticos que, sim, podem servir para alguns casos.
O Procurador da República José Godoy manifestou-se favorável, pelo Ministério Público Federal, à concessão da tutela provisória para a Abrace. Inclusive, eles colocaram no site do Ministério Público: "atuação da sociedade civil é exemplo de controle social". Numa outra decisão, relativa ao nosso amigo Felipe, que é da ONG Reconstruir - eu pedi a permissão dele para colocar isto aqui -, também o Procurador Paulo Sérgio Duarte da Rocha Júnior, pelo Ministério Público Federal, se manifestou integralmente pela procedência do pedido. Então, o Ministério Público Federal vem sendo favorável às decisões jurídicas envolvendo associações que estão já pleiteando o direito de cultivo, que é o caso de algumas associações que aqui estão, inclusive a nossa.
A gente vem fazer uns pedidos: reincluir a Cannabis na farmacopeia; reconhecer o uso tradicional da Cannabis; a regulamentação precisa ocorrer, isso é obrigatório, sob um aspecto de reinclusão social, e a reinclusão social é extremamente importante; o cultivo em escala precisa ser sustentável e orgânico, e o cultivo doméstico e associativo tem que ser garantido, com as devidas fiscalizações do cultivo associativo.
O paciente precisa ter direito à escolha. Como a Cidinha colocou muito bem, é extremamente possível a pessoa cultivar em casa, extrair o seu óleo e, por exemplo, contar com ajuda de uma universidade para fazer uma análise dos componentes ativos da Cannabis.
Antes de terminar, cito a Declaração dos Direitos do Homem, que fala que, quando o Governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada parcela do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres. A falta de regulamentação não pode ser impeditivo, haja vista que, inclusive, o Brasil já tem uma associação com autorização judicial do cultivo, que é a Abrace da Paraíba, e que nós estamos agindo por estado de necessidade, que é a inexigibilidade da conduta.
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Eu vou passar isto aqui rapidamente. A Lívia está aqui, este é o filho dela, Miguel, que não comia praticamente nada, vomitava com tudo que tocava, tinha aversão ao toque em alimentos, pegava viroses muito fácil.
Como que eu coloco o vídeo? Vou colocar este vídeo aqui.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RAFAEL EVANGELISTA - Vão colocar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aproveito para registrar a presença da Senadora Leila, que é uma das proponentes aqui, com indicação de pessoas para falar sobre o tema. (Palmas.)
O SR. RAFAEL EVANGELISTA - Podem colocar.
(Procede-se à apresentação de vídeo.)
O SR. RAFAEL EVANGELISTA - Este era o Miguel antes da Cannabis. Ele não comia nada, tinha aversão a alimentos. É um vídeo de dez segundos.
E este é o Miguel hoje. Vocês podem dar o play por gentileza?
(Procede-se à apresentação de vídeo.)
O SR. RAFAEL EVANGELISTA - Este é o Miguel hoje, comendo, com a Cannabis.
E a gente tem aqui a Paula e o Daniel, filho dela, que utilizava Depakene, Rispiridona, Rivotril e vários outros medicamentos e que hoje só utiliza a Cannabis. Então, a gente tem um controle e uma segurança muito interessante.
Essa é a campanha Repense, que as associações - e há outras associações faltando aí na campanha - lançaram. Convido todos a darem uma olhada.
Eu vou focar aqui que é importante pautar a reinclusão social. A Lei Áurea foi aprovada no Brasil por uma pressão da Inglaterra, e o negro obteve a alforria, mas ele não foi beneficiado com uma política de inserção social e de inclusão social. Então, se a gente pautar a regulação da Cannabis, visando apenas uma indústria farmacêutica que deixa de lado a soberania e o poder do povo, a gente vai estar fazendo uma regulamentação errada. As pessoas vão continuar no mercado ilegal, as pessoas vão continuar de forma ilegal nesse sentido. Então, é necessário que esse assunto seja pautado.
E finalizo novamente dizendo que o fitoterápico é necessário. A atividade farmacológica da planta é resultante de uma interação sinérgica entre todos os componentes e não uma consequência de uma atividade biológica isolada. Isso é muito importante para que garantamos os nossos direitos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Rafael Evangelista, Presidente do Instituto de Pesquisas Científicas e Medicinais das Plantas Aliança Verde.
De imediato agora, conforme combinado, eu passo a palavra ao Ministro Osmar Terra, Ministro da Cidadania. Como é de praxe nesta Comissão, eu sempre dou um tempo maior ao representante do Governo, principalmente quando é Ministro. Então, Ministro, se você concordar, serão 10 minutos com mais 10 minutos, e mais 5 minutos, se necessário.
O SR. OSMAR TERRA (Para exposição de Ministro.) - Obrigado, Senador Paim.
Eu queria cumprimentá-lo, como Presidente desta Comissão; cumprimentar os membros da Mesa; e a Senadora Leila, que nos dá a honra da presença também.
Eu queria falar um pouquinho, quando eu vi a pauta da audiência, sobre um assunto que eu acredito que é um dos mais graves e mais sérios na área social que é a questão das drogas.
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Nós estamos tratando de um assunto que mexe com a vida de milhões de pessoas, e pessoas que perdem seus filhos para as drogas, pessoas que veem seus filhos morrerem aos poucos usando drogas.
E é importante nós podermos entender a lógica do funcionamento: por que é que a droga causa tanto dano e por que é que a droga foi proibida em todos os países do mundo. A maioria das drogas é proibida em todos os países do mundo, inclusive alguns países proíbem o álcool. E por que é que isso aconteceu ao longo da história humana?
Existem várias versões fantasiosas sobre um Presidente dos Estados Unidos, o imperialismo proibiu as drogas, não sei o quê. A primeira proibição da droga foi em 1799. O Imperador da China faz um édito dizendo o seguinte: um terço da população da China não consegue mais sair de casa, o exército não consegue mais sair dos alojamentos, e os serviços públicos estão entrando em colapso por causa do consumo do ópio - no caso da China, era o ópio. Ele proíbe, e a Inglaterra, que era o país que vendia ópio para a China, que produzia na Índia e vendia para a China, tem um prejuízo enorme. Os traficantes legais ingleses eram os homens mais ricos do Planeta na época, porque é um comércio que dá muito dinheiro, e convencem a Rainha Vitória a declarar guerra à China. E a Rainha declara guerra à China. Eles tomam os principais portos da China - Hong Kong ficou como porto inglês até o final do século passado -, incendeiam o Palácio do Imperador para mostrar a autoridade da Inglaterra e legalizam as drogas, legalizam o consumo do ópio, obrigando a China a assinar um acordo legalizando o consumo do ópio. A China passa mais de cem anos com um consumo enorme do ópio e só sai desse período quando Mao Tsé-Tung assume o poder em 1949, quando ele promove uma política dura contra as drogas e diminui... Hoje, a China é essa potência, muito porque ela conseguiu se livrar e reduzir muito o consumo de drogas.
Nós estamos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. OSMAR TERRA - Ah, afastar o microfone?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Isso.
O SR. OSMAR TERRA - Sim.
Nós estamos falando de um assunto que mexe com o mundo inteiro, que não é de agora e que não é preconceito contra uma raça ou contra algum tipo de setor da população. Nós estamos falando de um assunto grave, que mexe com a vida de toda a população brasileira, porque mesmo aquelas famílias que não tenham um dependente químico são famílias que podem sofrer violência, ser vítima de uma série de questões vinculadas a outra pessoa que não é da família dela, mas que vai roubar, furtar, fazer de tudo para conseguir dinheiro para comprar drogas.
E por que isso? Porque as drogas, além de alterarem a percepção do mundo, elas levam a um tipo de doença do cérebro chamada dependência química, que é incurável, que não tem cura. Eu falo como médico, como neurocientista e como pesquisador. O que eu vou falar para vocês aqui não é nada de religião. Eu vou falar de ciência.
R
A campanha para liberar as drogas tem um movimento claro, e esse movimento claro está exposto, inclusive, no editorial da Folha de S.Paulo do dia 29 de junho de 2011. A Folha de S.Paulo faz a proposta, porque é um jornal que defende a liberação das drogas, como O Globo também defende. E ela faz a proposta clara: nós temos primeiro que descriminalizar o uso, depois legalizar o consumo da maconha medicinal, depois legalizar a maconha e depois legalizar todas as drogas, para deixar o mercado regular, porque não é possível se controlar o uso de drogas, pois a guerra contra as drogas causou muitas vítimas e tal, e, então, não há saída. Esse é o discurso da liberação das drogas.
Por isso, quando nós estamos aqui discutindo este assunto, nós estamos pensando nas suas consequências todas, para toda a sociedade. Eu sei que aqui há mães carinhosas, preocupadas, que vão até o fim do mundo para salvar seus filhos e para aliviar o sofrimento dos seus filhos. E elas têm que ter o apoio necessário. Agora, eu poderia fazer uma reunião aqui com as mães que perderam os filhos para a droga, que são em número muito maior e que estão na sociedade inteira. Não há um setor social, não são só os negros, os brancos, classe média, classe alta. Há milhões de pessoas hoje dependentes químicas e que não conseguem mais fazer nada, não conseguem cuidar das suas responsabilidades.
E começou com este discurso de que "não, uma droga leve não tem problema, ela tem fins medicinais". Todas as drogas têm fins medicinais, podem ter fins medicinais. Por que é que nós não vamos plantar papoula, que é a base da heroína? Por que não liberar o plantio de papoula? Ela tem alguns efeitos medicinais, tem algumas moléculas que podem ajudar em alguma coisa. A morfina é uma delas. A morfina é usada na dor extrema do câncer, alivia a dor extrema, embora hoje nós tenhamos analgésicos sintéticos tão potentes quanto a morfina, inclusive o Demerol, que é um semelhante à morfina e é sintético, não precisa plantar nada. Ela alivia a dor. "Ah, mas vamos plantar..." Por que não plantar a coca? Ah, mas coca também tem substâncias com efeitos medicinais. Vamos liberar o plantio da coca. Da coca - eu sei que há um dentista aqui - sai lidocaína, que é um anestésico, é um remédio. A coca é medicinal. A papoula é medicinal. A maconha é medicinal. Essa é a dedução que se traz.
O que eu quero mostrar para vocês aqui rapidamente são os riscos que tem esse discurso simplório e dizer o seguinte: aqui ninguém está falando em não ajudar as pessoas e as crianças que tenham algum problema. Nós queremos ajudar as crianças que têm algum problema e evitar que os filhos de outras famílias sejam destruídos pelas drogas. Essa que é a discussão que nós estamos fazendo aqui. E, para fazermos essa discussão, nós temos que entender de ciência. Nós temos que ver o que é que a ciência diz a respeito disso.
Pode passar.
R
Nem sempre as políticas públicas e as leis correspondem ao conhecimento baseado em evidências. Ideologias e preconceitos podem influenciar e causar tragédias em grande escala. Aí dá para falar do mundo do socialismo, da União Soviética. Esse sujeito aí comandava a rede ferroviária na Ucrânia, no tempo da União Soviética. Encontraram algumas crianças mortas perto de onde ele trabalhava. Um detetive investigou, foi lá e disse, "esse cara é o assassino." E aí causou uma comoção, porque era um camarada, dirigente partidário e dirigente da rede ferroviária. E aí vieram o preconceito e a ideologia: "não, na União Soviética não há assassinos em série. Isso é coisa do mundo decadente capitalista." Então soltaram o Chikatilo e prenderam o detetive que tinha investigado.
Passado mais um tempo, continuaram a morrer crianças da mesma forma. Quando chegou à criança 44 - há um livro inclusive, do Tom Smith -, veio a Perestroika, veio a Glasnost, que foi a abertura da Rússia, e prenderam de novo o cara, porque era ele. Tudo indicava que ele era um assassino em série. Prenderam o Chikatilo, e ele confessou tudo, deu detalhes.
A Rússia foi o país que teve mais assassinos em série, com o maior número de vítimas, porque a ideologia do socialismo dizia que não, que no mundo socialista, o novo homem socialista, não pode haver assassinos em série na Rússia, porque mudou a sociedade.
Esse problema não é social. A proporção de assassinos em série é a mesma em qualquer país do mundo. A proporção de transtornos mentais é a mesma em qualquer país do mundo. Isso não tem nada a ver com a sociedade onde eles vivem. Isso é ciência, porque a maioria dos transtornos psiquiátricos são de origem genética e desencadeados por eventos do meio, inclusive por drogas.
Pode passar. Pode passar.
Tudo funciona no cérebro. A dependência química é uma doença do cérebro. Ela altera o funcionamento do cérebro para sempre. Essa é que é a questão que é ignorada nos discursos dos que querem liberar. Ela vai alterar, e numa proporção gigantesca. Nós temos perto de 40 milhões de dependentes químicos do álcool e do tabaco, e em torno de 8 milhões de dependentes químicos das outras drogas no Brasil. Por quê? Porque o álcool e o tabaco são de fácil acesso, são legais. A pessoa pode comprar em qualquer lugar.
O álcool é a maior causa de violência doméstica. Por quê? Porque é fácil de encontrar. Causa um transtorno mental, a pessoa não mede as consequências, vai lá, espanca a mulher, espanca os filhos. A violência doméstica é a mais comum que existe. Vocês acham que liberando outras drogas, nós vamos conseguir diminuir a violência doméstica? Nós vamos aumentar a violência doméstica. Veja o que está acontecendo no Uruguai. No Uruguai, aumentou a violência generalizada com a liberação da maconha. Só entre 2017 e 2018, aumentou em 35% o número de homicídios no Uruguai. São dados do Governo uruguaio, não são dados meus, não estou inventando dado aqui.
Pode passar.
O que é que acontece no neurônio, que causa dependência química?
Passe o seguinte.
O neurônio funciona em rede. Ele transmite sinais elétricos e químicos.
Passe o seguinte.
R
Naquele canto de lá, embaixo do número seis, vocês veem aí três pontos de contato de um neurônio com outro. Na verdade, no início só havia um ponto de contato. Quando o sinal é muito forte, passa a informação para o neurônio seguinte, aquele neurônio seguinte vai formando novos receptores para o sinal químico. Quando ele esgota a possibilidade de formar novos receptores, imediatamente o axônio, que é aquele cabo ali, forma outra conexão. Ele nasce, brota, como se fosse um galho, vai lá e encosta para passar o sinal. Quando o sinal ainda é muito forte, não é suficiente, embaixo o neurônio não tem capacidade de absorver naqueles dois pontos, ele forma um terceiro ponto. Vai formando uma rede. Isso é uma pequena rede de conexões, que vai ficar para o resto da vida. Essa é a descoberta do Eric Kandel, que deu o Prêmio Nobel de Medicina de 2000 para ele. Em minutos se forma aquela rede ali, e ela fica para o resto da vida.
Quando essa rede é ativada novamente por um sinal elétrico, evoca a informação que a originou. Isso, nós chamamos vulgarmente de memória. Isso é uma memória, que vai ficar para sempre. É uma memória de longo prazo. Quando o estímulo da droga é potente suficientemente para formar uma rede específica, ela nunca mais se apaga. Por isso que os alcoólicos anônimos de cem anos atrás falavam isso. Não existe ex-alcoólatra, existe alcoólatra em recuperação, e tem que evitar o primeiro gole a cada dia.
Essa é a questão da droga, é essa alteração. O cérebro se modifica para sempre. Não é uma questão em que o sujeito para de usar, "agora eu uso se eu quiser". A pessoa começa a usar por curiosidade, começa a usar quando quer e depois não consegue mais controlar.
Vinte e cinco por cento da população é mais vulnerável a isso, porque tem algum transtorno leve de controle de impulso e não consegue mais controlar. Essa é que é a questão principal da droga.
Passe o seguinte.
Isso aí é o estudo do Kendal.
Pode ir passando. Pode ir passando. Vai passando.
Aí há uma coisa importante para quem está discutindo esse assunto. Esse é o número de conexões que o cérebro forma do zero, que é o nascimento, passando por três, quatro, cinco, seis anos de idade, e depois ele vai diminuindo, porque o cérebro, a partir da puberdade, dos nove anos de idade, se especializa, para ser mais eficiente. Ele se especializa, apaga aqueles estímulos que não foram potentes, que não foram muito usados, e fica só com os que foram mais usados. Então ele faz uma especialização.
Quando a dependência química, o estímulo da droga, que é lá no centro de recompensa cerebral - todas são lá, todas são lá - acontece nesse período de especialização do cérebro, fica muito mais forte essa rede de memória. E nunca mais vai se apagar. Por isso que 50% dos jovens que usam maconha uma vez por semana na adolescência, 50% ficam dependentes químicos para o resto da vida. E na idade adulta, são só 11%. Quando ele começa a usar na idade adulta, são só 11%. Mas nós estamos falando de números extraordinários. Onze por cento da população brasileira são quantas pessoas?
Então passe o seguinte.
Isso foi a descoberta desse centro.
Pode passar, o tempo não vai dar.
Isso existe em todos os animais. Têm dependência química, dependendo da circunstância, ficam dependentes. Até as formigas ficam dependentes, dependendo da substância que elas carregam.
R
Passe o seguinte.
Esse é o centro de recompensa cerebral. Aqueles núcleos ali escuros e outro lá na frente são os núcleos que formam a memória da droga, e nunca mais desaparece.
Passe o seguinte.
Isso é o crack. Não vou falar.
"Uso recreativo é a regra. A dependência atinge poucos usuários."
Pode passar.
Isso é falso. Na verdade, a dependência não atinge poucos usuários. Vocês acharem que 20% da população brasileira, que é dependente do álcool, do tabaco, da maconha, da cocaína, é pouca gente, eu estou falando de 40 milhões de pessoas, 50 milhões de pessoas aqui.
Passe o seguinte.
Os transtornos mentais que favorecem o consumo de drogas. Isso aí é só para ter uma ideia: 18% da população é dependente do tabaco; alcoolismo, em torno de 12%, 18% entre os homens; as drogas ilícitas, de 4% a 7% da população; o crack, de 1% a 1,5%.
Pode passar. Vai passando, porque eu quero focalizar na maconha. A discussão é da maconha. Pode ir passando. Pode passar.
Isso aí é a história do crack, a evolução do consumo de crack nos Estados Unidos.
Pode passar.
"Perdemos a guerra contra as drogas. Só nos resta legalizar." Esse é o mito supremo dos que querem liberar.
"Não existe epidemia de drogas no Brasil." Outro mito.
Vamos lá, mostrar a epidemia. Olha aí: em 2006, o maior consumo era o álcool no Brasil. Essa linha azul é do álcool. Por que eu digo que é o maior consumo? Porque é a maior causa de auxílio-doença por dependência química. Esse é um dado objetivo. Não é uma pesquisa em que se chega à casa do sujeito, com a família ali, e se pergunta para ele: "Você está usando droga?" "Eu não, eu não." Claro, a maioria que usa diz que não usa. Isso não é uma pesquisa que chega a dados objetivos. Eu estou dando dado objetivo. O sujeito não consegue mais trabalhar por causa do consumo de drogas. Em 2006 era o álcool. O álcool não mudou, o álcool vem na mesma linha. Olha como aumentou maconha, crack e cocaína, a linha vermelha.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Mais cinco minutos, Senador.
O SR. OSMAR TERRA - Tá.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Senador, eu te chamei de Senador.
O SR. OSMAR TERRA - Obrigado. Sempre me chamam de Senador. Um dia...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai ser ainda.
O SR. OSMAR TERRA - Isso aí é como se espalha uma epidemia de droga.
Pode passar.
Isso aí foi na Suécia. A Suécia proibiu todas as drogas. Ela liberava todas, proibiu todas, e diminuiu o consumo de maneira dramática na década de 70. O Japão teve o mesmo problema. Liberava a droga durante a guerra, para o pessoal trabalhar mais tempo, ficar mais ativo, mais tempo acordado. Os Estados Unidos, que dizem que perderam a guerra contra as drogas, olha o consumo de drogas, como é que era nos Estados Unidos na década de 80, e depois, quando aumentou o rigor da lei, diminuiu o consumo.
Pode passar. Pode passar.
Olha, volta aí. Se as condições sociais, como péssimas condições de moradia e baixos salários, são a causa da adição, é difícil explicar por que é que a adição epidêmica atinge oito vezes mais homens do que mulheres. As mulheres vivem nas mesmas casas que os homens, seus salários são em geral mais baixos, e historicamente, em qualquer lugar onde houve epidemia da drogadição, os homens foram em número muito maior. Isso tem a ver com questões biológicas. Não é só com questões sociais.
Vai indo.
"A violência é fruto do tráfico. Legalizando, acaba a violência." O Uruguai, o Colorado...
Passa aí, eu tenho umas estatísticas aqui. Pode passar.
A guerra do ópio, de que eu já falei para vocês.
Pode passar. Vai passando. (Pausa.)
R
Esse aí é o homem mais rico do mundo, o maior traficante de drogas legais.
Atrás desse movimento pela liberação das drogas, inclusive da maconha, está o interesse comercial, ou vocês têm dúvida disso? Está o interesse comercial. A maior empresa do Brasil não é a Petrobras mais, é a Ambev, porque tem uma clientela fixa, dependente, que não pode parar de usar.
Mortes associadas a transtorno...
Pode ir passando. Eu quero focar na última coisa, Senador.
Isso aí é o aumento de estupros no Colorado, nos Estados Unidos, depois que legalizaram. O aumento de homicídios.
Pode ir passando.
Aumento de consumo entre jovens americanos, contrariando um pouco o que o meu antecessor falou. Os jovens americanos, onde existe a tal da maconha medicinal, consomem muito mais maconha do que os jovens de estados americanos onde não se aceita a ideia da maconha medicinal. Então, muito mais jovens vão ficar dependentes químicos com essa história de liberar o plantio de maconha medicinal.
Uruguai. Evolução dos homicídios.
Pode passar.
Drogas mataram mais americanos que as guerras do Vietnã e da Coreia.
Pode passar.
Vamos para o final. Vai indo, vai indo...
Outra coisa: a maior causa de acidentes com vítimas fatais, em acidentes de automóveis, não é o álcool, mas a maconha. Essa uma pesquisa de dois anos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde eles pegaram 400, 500 casos de motoristas que participaram de eventos com vítimas fatais e mediram a quantidade de substâncias que havia no sangue ou nos tecidos. Essa é uma pesquisa publicada pela Senad.
Passa.
Esse é o cérebro de uma pessoa que usa drogas, aí, no caso, é a cocaína. Ele se modifica completamente. Ali é de uma pessoa que não usa - a atividade está em amarelo e em vermelho - e, ali, de uma pessoa que usa.
Passa.
Vai indo.
Pode ir passando. Isso aí!
Legalizando as drogas, a arrecadação vai cobrir a despesa de tratamento.
Passa o seguinte.
Passa o seguinte.
Completa esse eslaide.
Consumo de cigarros e derivados causa um gasto médico de R$56 bilhões por ano no País. Em 2015, só de R$12 bilhões foi a arrecadação.
Aumenta a despesa, minha gente; não diminui a despesa. Aumenta a despesa porque vai ter muito mais gente com transtorno mental. Nós estamos falando de um transtorno mental definitivo.
Pode passar.
Pode passar.
E a droga legal ainda tem o contrabando e tudo mais que vocês podem imaginar.
Agora, vêm os dados da maconha só. São três eslaides.
Pode passar.
Pode passar.
Pode passar.
Aí, o Mujica com os principais capitalistas americanos. Vocês acham que eles estão preocupados com a saúde do povo brasileiro? Eles estão preocupados em ganhar dinheiro.
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - Esse aí é o Glenn Greenwald, que está famoso aí por causa do The Intercept, por causa dessa onda. Inclusive, mentiu sobre o meu trabalho aqui sobre a questão das drogas, mas isso é outro problema. Ele faz um livro propondo a liberação das drogas, dizendo que há uma experiência maravilhosa em Portugal, que não é maravilhosa. A gente tem os dados também. Mas esse é um assunto para outra hora.
Pode passar.
Aí é o aumento de consumo em Portugal.
Pode passar.
Pode passar.
Pode passar.
Na Suécia, diminuiu; em Portugal, aumentou. Ambos têm a mesma população.
Pode ir passando.
R
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP. Fora do microfone.) - Posso ver o anterior?
O SR. OSMAR TERRA - Como?
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP. Fora do microfone.) - Pode voltar ao eslaide anterior?
O SR. OSMAR TERRA - Pode.
Percentual da população portuguesa que consumiu drogas alguma vez subiu de 7,8% para 12,8% em seis anos, ou seja, aumentou mais de 50%.
Passa o seguinte.
Uso da maconha no Brasil. Aí são dados.
Pode passar.
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - A idade do primeiro uso de maconha por frequência no Brasil. Olhem só. São uns meninos desinformados que, para imitar os amigos, as tribos, começam a consumir drogas. Olhem aí! Nessa idade, a dependência é muito maior e vai ficar para o resto da vida.
Efeitos associados ao uso da maconha em jovens:
- Prejuízo do desempenho escolar. O Fergusson tem um trabalho mostrando esse prejuízo.
- Dependência de 12 a 53% dos usuários. Há um estudo do Inpad mostrando, inclusive, no Brasil, 37%.
- Aumento da chance de se envolver com outras drogas.
- Sintomas psicológicos de esquizofrenia e depressão. A maior causa de esquizofrenia, no Brasil, hoje, é o consumo de maconha, que desencadeia a esquizofrenia.
- Aumento de chances de fracassar na vida.
Isso aí são vários trabalhos científicos. Eu estou falando de ciência aqui, não estou falando de opinião.
- Aumento de chances de fracassar na vida.
- Dobra a chance de se envolver em acidentes de trânsito.
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - Passa o seguinte.
A evasão escolar dobra.
O número dos que ficam sem diploma dobra entre a população que usa maconha em relação à população que não usa.
Amparo previdenciário.
Comportamento suicida, três vezes mais.
Uso de outra droga ilícita é cinco vezes mais.
Dependência de maconha é 11 vezes maior entre quem usa do que entre quem não usa.
Passa o seguinte.
Aí, é o ajustamento pessoal, encostado... Todos são dados muito negativos para quem consome maconha, e são definitivos. Eu quero dizer que isso não tem volta.
Passa o seguinte.
Passa o seguinte.
Isso é a informação. Há muita desinformação. Há 22 mil trabalhos sobre maconha (Cannabis), publicados no PubMed, que é o maior descritor de pesquisas do mundo. Ele pega todas as pesquisas científicas das revistas sérias sobre determinado assunto e publica.
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - São 22 mil trabalhos. Cerca de 90% mostrando os danos que a maconha causa; 5% dizendo que pode ser boa ou pode ser ruim; e só 5% mostrando alguma coisa favorável.
Pode parar.
Agora, para encerrar, a questão da maconha medicinal. "Ah, mas plantar a maconha não tem problema". Tem problema! Tem problema! Abre a porta para o consumo generalizado. A proibição mantém, de alguma maneira, controlado esse processo e o plantio. Se abrir as portas para o plantio, vai ter consumo generalizado, ou vocês têm dúvida disso? Se não controla proibindo, imagina controlar no detalhe. "Não, mas esse aqui está produzindo uma planta a mais do que devia". Isso não existe, minha gente! É o começo da legalização da maconha no Brasil.
O maior psiquiatra brasileiro, Valentim Gentil Filho, disse que, se ele tivesse de banir uma única droga, ele baniria a maconha pelos danos efetivos de médio e longo prazo que ela causa.
Então, eu acho, encerrando... "Ah, mas tem o canabidiol". Eu fico aqui com a palavra do maior pesquisador do Brasil de canabinoides, aquele que estava naquele primeiro programa Fantástico, com aquela menininha que tinha crises convulsivas e em que ele estava experimentando o canabidiol. Refiro-me ao Dr. José Crippa, da USP de Ribeiro Preto. É o maior pesquisador do Brasil, se não é o maior do mundo. Era ele e um israelense. Como o israelense morreu, eu acho que, hoje, ele é o maior pesquisador.
R
Não precisa plantar maconha para ter os remédios. Há laboratórios já produzindo sinteticamente o canabidiol, e o canabidiol puro, sem o THC. E o Governo tem obrigação de fornecer isso para as crianças que precisam. Não precisa plantar papoula para ter tratamento para dor, com a morfina. Não precisa plantar a folha da coca no Brasil para ter lidocaína. E, se tivesse que falar disso... No veneno da jararaca, há a bradicinina, que é o remédio que mais reduz pressão alta, é o mais usado para o tratamento de pressão alta no Brasil. Ele foi descoberto em 1944 no veneno da jararaca, mas ninguém propõe picada de jararaca para tratar pressão alta. É isso que nós estamos discutindo aqui.
Então, Senador Paulo Paim, eu queria agradecer a oportunidade e fazer um apelo aos nossos Senadores para que garantam o canabidiol, tendo ele o efeito comprovado, mas não permitam... Porque não existe maconha medicinal. Não existe maconha medicinal! Podem ter certeza disso.
Usar a maconha... São 480 substâncias que causam dano à saúde contidas em um cigarro de maconha. Só uma pode ter um efeito positivo, o canabidiol. Não permitam que isso aconteça.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Esse foi o nosso convidado, o Ministro Osmar Terra, que é um estudioso do tema e veio fazer o seu depoimento.
Todos aqui expõem os seus pontos de vista, que serão base, claro, para a decisão, depois, dos Senadores e Senadoras.
Eu passo a palavra, agora, à Sra. Liane Maria Pereira, mãe de paciente que obteve o primeiro HC no Rio Grande do Sul. Registro a presença, em plenário, da Senadora Leila Barros, da Senadora Mara Gabrilli, da Deputada Federal Carmen Zanotto e do Prefeito de Joinville, Udo Döhler.
A todos eles eu peço uma salva de palmas coletiva. (Palmas.)
E, agora, o Senador Styvenson Valentim.
Por favor, passo a palavra para a Sra. Liane Maria Pereira, que, como disse, é a mãe do paciente que obteve o primeiro HC no Rio Grande do Sul. Dez minutos, com mais cinco.
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos e a todas!
Aproveitando a saída do Ministro Osmar Terra, quero dizer que, se hoje eu estou aqui, é porque o então Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, em 2009, abriu as portas do Hospital de Clínicas, com a sua equipe, para uma gestação de alto risco. E sinto-me honrada também por estar com o nosso Senador Paulo Paim, da nossa cidade, onde a gente começou esse debate, conversando na Câmara de Vereadores e, propusemos este momento a que chegamos hoje.
Eu sou professora municipal há 34 anos. A Carol foi fruto de uma gravidez surpresa aos 40 anos. Ali está ela. Com 25 dias de vida, a Carol teve um episódio que a gente não sabia o que era. Ela ficou dura, começou a ficar preta, começou a regurgitar. Nós chamamos o Samu, nós tentamos reanimá-la e, ao final daquele momento, nós ficamos sabendo que a nossa filha tinha tido a sua primeira crise convulsiva. Como a Cidinha antes colocava, para quem já viu uma pessoa convulsionando, um minuto são horas. E, quando é a filha da gente, parece muito mais.
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Como professora, tinha sempre o pensamento, como foi colocado pelo Ministro Osmar Terra, de não chegar perto de drogas, de que drogas faziam mal, mas, desde um mês de idade da minha filha, eu abri uma caixa de clobazam, que dizia que era para maiores de dez anos, tarja preta, mas eu abria porque era uma droga que eu comprava na farmácia com receita. E a Carol continuava convulsionando muito. Nós tivemos época de 50, 60 crises convulsivas por dia. Ou eu tinha a minha filha convulsionando, ou eu tinha a minha filha pós-crise, ou seja, eu estava perdendo a minha filha.
Em 2015 - e, ali, vocês têm a Carol durante uma crise -, eu imaginava, como mãe, como professora, que crise de epilepsia era a pessoa cair no chão e ficar se debatendo, mas eu descobri que existem muitos tipos de crise. A Carol simplesmente era como se tivesse tirado um aparelho da tomada; ela desligava e não voltava, e era 1, 2, 15, 20, 25. Canoas é ao lado de Porto Alegre, mas nós não temos hospital neurológico especializado. Muitas vezes, na BR-116, fui dirigindo com a Carol convulsionando no banco de trás.
Em agosto de 2015, as coisas cada vez foram piorando mais. A Carol já tinha que usar cadeira de rodas para caminhar, por causa do jeito dela de andar; ela caía muito, perdia muito o equilíbrio. Continuavam as convulsões e continuavam as internações. Até que, em agosto, a equipe da neurologia entra no quarto onde nós estávamos internadas e nos diz assim: "A única coisa que nos resta agora é irmos atrás do CBD". À época, recentemente havia dado o boom do Norberto Fischer, que está na nossa plateia, com o filme Ilegal, que a gente, como mãe, tinha assistido. Eu não conhecia nada, eu não sabia como funcionava, e a gente foi atrás.
Como eu falei a vocês, eu sou professora, o meu marido é chapeador, dono de oficina, e, na época, a dose que a gente teria que comprar para a nossa filha custava R$3 mil. Então, nós entramos contra o Estado. É muito legal a gente pensar que o Estado pode fornecer. O Estado, às vezes, não fornece nem o ácido valproico, que custa R$14,00 o vidro. Será que ele vai fornecer uma medicação que custa muito mais do que isso?
Nós estamos em Canoas há mais de quatro meses sem ter o ácido valproico, sem ter topiramato e sem ter clobazam nas farmácias. E eu não posso virar as costas e dizer que eu não vou comprar. Hoje, esses remédios são mais importantes, muitas vezes, que o arroz e o feijão, porque não podem faltar. É uma vida que está em jogo; é a vida da minha filha.
Então, nós entramos contra o Estado. Em três anos e seis meses, nós rebemos verbas para seis meses, sendo que, quando esperávamos que ia chegar o dinheiro, o Estado dizia que o Município tinha obrigação de pagar, e o Município, por sua vez, respondia que era o Estado. "Então, nós vamos dividir". Enquanto esse leva e traz ficava, eu, como mãe, aprendi até a ir ao TJRS e ver o que estava acontecendo com o processo, para saber por que o processo não andava, não chegava.
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E, aí, quando o dinheiro chega, há que se importar, ter a Anvisa em dia. E, aí, parabéns à Anvisa, porque, desde 2015, quando eu fiz o meu primeiro pedido de autorização, o processo sempre foi muito rápido. Então, a gente tendo a Anvisa em dia, tem que ter a importação. Contudo, como aconteceu nessa internação da Carol, eu estava no hospital com ela há mais de seis meses e as ampolas do remédio estavam paradas por conta de uma greve da Receita Federal. Então, não se trata apenas de ter dinheiro e ir à farmácia comprar. Isso envolve muitas outras coisas.
Aqui é a Carol antes da Cannabis medicinal. A gente não tem palavras para descrever a mudança. Com o início da entrada do óleo importado, as crises diminuíram muito, só que aumentaram de tamanho. Então, em vez de a minha filha ter 50 crises por dia, ela tinha três ou quatro, mas, às vezes, de hora, hora e meia, entrando em mal-estar convulsivo, muitas vezes pegando pneumonia, porque, nesses momentos, ela aspirava saliva. E ela tinha pneumonia de repetição quando, nesse momento, estava se recuperando da colocação de uma sonda gástrica.
Então, eu, como mãe, só via a minha filha indo para trás. Eu tinha um bebê perfeito em 2010 e, aos poucos, eu tinha uma criança que já não caminhava, que continuava convulsionando, que já estava com sonda gástrica, tomando água somente com espessante. É horrível! Não tem gosto de água. E tudo isso machuca a gente como mãe.
E, aí, o que aconteceu? Em 2017, eu conheci a Cultive, a associação da Cidinha, e, sim, tornei-me ilegal. Se a gente pensar no Brasil como um todo, o povo gaúcho parece ser mais rude - não é, Senador Paim? -, mais quadrado. E eu fui, e continuei plantando, e entrei em Canoas com o pedido de habeas corpus.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se a senhora me permite que eu diga, mas é muito solidário.
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA - Sim, muito solidário.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Veja o que fizeram o Inter e Grêmio agora na questão de homens e mulheres...
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA - Isso mesmo! Entre um chimarrão e outro, a gente consegue ser muito solidário. (Risos.)
E, aí, o que aconteceu? Entramos na vara cível pedindo a liberação para nós plantarmos, e o nosso processo logo foi para a vara criminal. Então, vocês imaginem eu, como professora, morando bem próximo à Base Aérea de Canoas, morando próximo à BR onde passam helicópteros seguidamente para ver o fluxo de trânsito, morrendo de medo de ser pega.
Se vocês pegarem a minha vida nesses 49, 50 anos, verão que é uma vida limpa, de professora que quase nunca atestou, de professora que cumpriu a sua carga horária e que, nesse momento, sabia que estava sendo ilegal, mas que tinha a cabeça em pé porque estava sendo ilegal pela minha filha.
A vida não espera. A Carol, naquele momento, tomava cinco anticonvulsivantes e o óleo importado, mas não paravam as crises. Desde agosto de 2018, a Carol toma o óleo feito por nós. Nós fizemos óleo - nós aprendemos com a Cidinha a fazer o óleo -, e, aí, em novembro do ano passado, a Carol andou pela primeira vez de escada rolante.
(Soa a campainha.)
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA - Pode parecer besteira... (Palmas.)
... mas, na quinta-feira agora, no dia de Corpus Christi, nós fomos dar a cadeira de rodas para outra criança, porque nós não precisamos mais da cadeira de rodas.
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Em abril deste ano, a Carol tirou a sonda gástrica. Aí eu vou para outro efeito, além do de acabar com as crises epilépticas. O cirurgião, à 1h30 da manhã, disse para mim: "Liane, deixei até morfina. O fechamento da sonda gástrica [a dela foi danada, porque não quis fechar sozinha] foi profundo, e ela vai ter muita dor". Eu estou até agora esperando para dar o paracetamol para minha filha. Ela levantou, foi ao banheiro e saiu brincando, sem nenhuma dor. Este é o efeito protetor do óleo, sim. Nós temos esse efeito protetor, e eu tenho a prova viva.
Hoje eu tenho habeas corpus para plantar, tenho direito a ter 13 plantas em casa. Tenho um filho adolescente de 15 anos e um de 18, e eles sabem que o que há lá é o remédio da irmã deles. Não é a droga maconha; é o remédio da irmã deles! Isso é muito importante. (Palmas.)
E coloco para vocês assim: eu não tenho medo nenhum de fiscalização. A nossa casa está de portas abertas para, em qualquer momento, quem quiser chegar e conhecer o espaço do nosso plantio, onde é realizado o remédio da minha filha.
No momento em que é feita a extração, que a gente aprendeu a fazer, nesse dia nem se cozinha em casa, porque o ambiente é todo esterilizado. Nós usamos materiais, proteção, como uma farmácia. As simples colheres que são usadas, os pratos que são usados são usados só para aquele momento. Nós estamos fazendo o remédio da minha filha. E que fique bem claro: com duas plantas, nós fizemos remédio para quase quatro meses - com duas plantas. Na segunda extração, a gente fez também oito vidrinhos, e o único gasto que eu tive foi o dos vidrinhos de que a gente precisou.
Então, com aqueles R$3 mil - eu tive que fazer vaquinha, eu tive que fazer rifa, eu ainda estou pagando empréstimo bancário -, eu passei hoje a ter a minha filha. Mais de 300 dias, hoje, sem nenhuma convulsão - nenhuma!
A Carol hoje está começando a escrever as letrinhas no colégio. A Carol brinca de bambolê. A Carol, hoje, é assim, muito feliz. É outra cara, é outro rosto. Ela vai ao colégio, ela brinca com as outras crianças, ela faz seus trabalhinhos. E eu pergunto: "E se fosse seu filho?". Eu faria tudo de novo e jogo a pergunta para vocês. Não esperem precisar para apoiar.
E aí eu digo que, no nosso processo de habeas corpus que foi para o MP em Canoas, a nossa promotora de Justiça coloca que o óleo desenvolveu a qualidade para a Carol de simples coisas na vida, como caminhar, correr, comer e sorrir. Isso não tem preço!
Hoje eu estou aqui não só pela Carol, mas por todas as Caróis do Rio Grande do Sul e de todo o Brasil que precisam.
Muito obrigada.
Nós temos um videozinho para terminar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode passar, pode passar.
Aproveito para registrar que chegou agora ao Plenário - ela estava em outras Comissões, é médica e disse que viria para cá - a Senadora Zenaide Maia. (Palmas.)
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(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA - E quero só terminar, dizendo assim: eu não sei o efeito do óleo daqui a alguns anos, mas, pela literatura, eu sei o efeito que a Dravet já teria feito na minha filha com nove anos.
Então, eu não quero precisar o futuro daqui a 10, 20 anos. Eu quero precisar o hoje. E, hoje, a Carol tem qualidade de vida.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem!
Essa foi a Liane Maria Pereira, mãe de paciente que obteve o primeiro HC no Rio Grande do Sul e que me procurou lá em Canoas, um tempo atrás, para a gente proporcionar esta audiência pública, que teve o apoio, é claro, de todos os Senadores.
Eu passo a palavra agora para Leandro Ramires, Médico e Diretor da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal.
O SR. LEANDRO RAMIRES (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos. Eu sou o Leandro, eu sou médico, faço 30 anos de formado este ano. Sou funcionário público da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - estou lotado no Hospital das Clínicas da UFMG há 30 anos, como cirurgião de câncer e mastologista - e formo médicos há 30 anos.
Antes de começar a minha fala, eu queria deixar claro a ausência de qualquer conflito de interesse com produtores de Cannabis. Acho muito importante isso ser colocado, porque, na fala do Poder Executivo, a gente escutou que o Prof. Crippa é um dos que dizem que não precisa plantar. O Prof. Crippa é dono de uma patente sintética. Isso precisa ficar claro. As pessoas têm que entender aonde é que vão os interesses reais, mesmo porque até mesmo as pesquisas científicas com sintéticos de canabinoides enfrentam um grande desafio. Qual é? É porque as pessoas já sabem o que funciona. Você vai submeter seu filho convulsionando a um placebo? Então, isso é de cada um. Eu prefiro deixar claro a manifestação de que eu não tenho nenhum conflito de interesses.
Epidemia de drogas, ópio? O melhor jeito de ficar livre do ópio é com a Cannabis medicinal. Isso é ciência. Eu não estou aqui para discutir drogas. Estou na Comissão de Direitos Humanos, perante inúmeros mandatos legislativos, e o meu objetivo de cidadão, que nunca se sentiu criminoso - me sinto um desobediente civil -, é pedir, em nome de todos os meus associados, em nome de todos os pacientes, em nome de todas as famílias do Brasil, que esses mandatos legislativos da atual gestão não nos deixem ser desobedientes civis.
Então, precisamos de uma lei. E a lei sai da Casa que faz leis. (Palmas.)
A gente defende uma qualidade de vida. A minha história é carregada de emoção. Eu sou pai do Benício. Não vou mostrar nenhum vídeo; basta digitar no Google Benício maconheiro, Benício usuário de Cannabis medicinal. Meu filho tem 11 anos; até os 5, 48 internações hospitalares, 14 delas em CTI. Meu filho está vivo porque sou médico cirurgião, tinha um CTI dentro de casa e entubei meu filho, para sobreviver, mais de 20 vezes.
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Meu filho tomava cinco medicamentos, 25 comprimidos por dia, e hoje usa um óleo de Cannabis três vezes ao dia. (Palmas.)
As crises mudaram radicalmente, trazendo enorme economia para o SUS. Por quê? Vocês sabem quantos leitos de UTI neonatal existem no País? Sabem qual o custo dessa internação? Então, meu filho parou de ser internado, meu filho não usa mais nenhum medicamento fornecido pelo SUS. Acho isso muito importante.
A gente vê isso por quê? Porque, independentemente do legislador, do advogado, do médico, do Papa, do Presidente, nós vamos continuar. E a gente vê isso claramente depois da RDC 17, da Anvisa, que permitiu o acesso ao importado por causa de uma demanda da sociedade civil - isso precisa ficar claro. Essa demanda cresce absurdamente a cada ano: até maio de 2019, 6.530 pacientes cadastraram para importação, 9.700 pedidos foram concedidos. Com 6.500 pacientes e 9.700 pedidos, por que o pedido não é o mesmo? Porque isso não é remédio, isso é um extrato lá fora que depende de uma produção, que é como se fosse um vinho merlot. Se todo mundo tomar um vinho merlot de determinada vinícola, não haverá mais, vai mudar, não haverá continuidade, então a autorização permite para até mais de um produto que é tratado como suplemento.
E o mais incrível: mais de 900 colegas médicos de 36 especialidades médicas diferentes prescreveram, de forma compassiva, atendendo à RDC 17 - isso precisa ficar bastante claro! Quais são as principais doenças? As principais doenças atendidas com Cannabis medicinal são epilepsia refratária, autismo, Parkinson, Alzheimer, dor neuropática e câncer. Essas doenças correspondem a 85% das autorizações da Anvisa. Se você estudar isso epidemiologicamente... Ali há links, essa apresentação fica disponível, Senador, todos os links são acessíveis, toda ciência que apresento aqui é consultável, não há conflito de interesse.
A gente tem no Brasil, hoje, um potencial de usuários de 10,5 milhões de pessoas.
Como? A estrela não é a Cannabis. Eu vejo falar de Cannabis, mas a estrela é um sistema endocanabinoide, reconhecido pela ciência a partir de 1994. Esse sistema existe há 600 milhões de anos e a planta está na superfície do Planeta apenas há 32 milhões de anos. Ela é um mecanismo de fornecer substâncias semelhantes às que nós temos e que modulam o sistema nervoso, modulam o sistema imune e, a partir disso, a ciência andou para a frente. A gente tem que, antes de entender um artigo científico, ver o mérito de quem publicou e qual o interesse. A Cannabis começou a ser descoberta no próprio PubMed, citado pelo Ministro, em 1945; Mechoulam isolou em 1963, no ano em que nasci, o CBD e, em 1964, o THC, mas já havia sido isolado antes. Isso é um gráfico que mostra as publicações ao ano, ao longo do tempo, sobre benefícios de Cannabis.
Houve um salto de qualidade na década de 70 com a descoberta do poder anticonvulsivante; depois, com o sistema endocanabinoide, a literatura disparou, a literatura está disparada no sentido de mostrar benefícios medicinais.
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Qual o problema do acesso? Para nós pacientes, desobedientes civis que continuamos a ser, o problema é o médico prescritor, o problema é uma Anvisa, que tem uma RDC 17 - é difícil você conseguir toda a burocracia -, e a segunda coisa é o preço.
Quando eu falo de médico prescritor, encontramos barreiras. A primeira é o CFM, que não expressa o desejo dos médicos brasileiros. O CFM impõe que se restrinja a prescrição para neurologistas e psiquiatras, somente para crianças de 1 a 18 anos. Se tem 11 meses, não pode; se tem 18 anos e um dia, não pode. Ainda restringe para neurologista e psiquiatra. Eu sou cirurgião de câncer e prescritor com muito orgulho.
O CFM solta um livro, há dois meses, sobre a tragédia da maconha. Que tragédia? Será que isso tudo que foi explicado aqui é tragédia? Nós somos o País que mais consome seda para enrolar baseado. Será que 30% dos usuários são mesmo problemáticos? isso é uma discussão que não cabe aqui. Essa burocracia e o preço da Anvisa continuam dificultando o acesso.
Olha o CFM. O CFM precisa aprender primeiro duas coisas fundamentais: se eu for considerar o número de neurologistas, quando eu fiz isso para apresentar no Cremesp... Ah, lá em São Paulo são 849 neurologistas, um para cada 53 mil. Resolvi, de maneira até preconceituosa - reconheço -, pegar um Estado como Roraima - imaginei que era algo um pouquinho para lá da falta de assistência. Lá há um neurologista para 104 mil pessoas, enquanto, no meu Estado, é um neurologista para 270 mil. Como é que restringe para neurologista? Você acha que todo paciente que convulsiona tem acesso ao neurologista e está discutindo a restrição? Psiquiatra, então, em Minas é um para cada 306 mil. Ou seja, o buraco, seu CFM, é mais embaixo um pouquinho. Além disso, houve uma consulta pública para se fazer um extrato que limitaram via oral.
Eu importo um óleo para o meu filho que custa US$400 o frasco, aproximadamente, plantado nos Estados Unidos a céu aberto. Pela Anvisa, tem que ser dentro de um bunker de concreto, com porta dupla, de acionamento independente, só por biometria, e as plantas precisam ficar filmadas, 24 horas por dia, antes de aparecer na terra, como se ela fosse o criminoso. Isso é uma coisa que a gente tem dificuldade de entender.
O preço é exorbitante. Aí estão os 11 óleos importados mais utilizados pelos nossos associados. Quem usa 100mg mais ou menos, por dia, de CBD...
(Soa a campainha.)
O SR. LEANDRO RAMIRES - ... vai ter lá de R$924 a R$1.700 por mês. O Mevatyl, que é um medicamento estabelecido no Brasil, R$2.880. E o mercado? Será que é proibir mesmo? O mercado é promissor no mundo inteiro. Tem trazido dinheiro, economia, imposto, emprego para muita gente a Cannabis medicinal. E o mais incrível de tudo é que nós, a AMA+ME, participamos da International Society Medical Patient Quality, que é uma associação internacional que congrega várias associações de pacientes no mundo inteiro, e nós estamos em comunicação com a Organização Mundial de Saúde há muito tempo.
Em janeiro deste ano, a Organização Mundial de Saúde resolveu reclassificar Cannabis e o extrato de canabidiol, o extrato de Cannabis, rico em canabidiol, com menos de 0,2% de THC. É para não ter nem controle. Essa decisão foi referendada agora na reunião magistral da ONU, no Escritório das Nações Unidas de Drogas e Crime, que aconteceu em Viena. Vai haver uma reclassificação da Cannabis.
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Eu vejo um terror apresentado sobre a Cannabis, e eu vejo um outro lado na ONU. Quer dizer, o Brasil caminha para o lado errado. Eu não tenho dúvida disso.
A RDC, o paciente, então, para quebrar aquele muro ou ele assume a RDC e assume os custos ou ele vai para o mercado ilegal. Vocês acham que as famílias que têm condição de pagar não vão pagar? Aqui não tem. Basta digitar no YouTube como fazer um óleo de maconha. Basta ir a um ponto de droga. E cito mais: nós temos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, lá tem uma frase dita por um traficante de drogas. A droga maconha que é vendida na rua, geralmente, prensada é R$4 para 1g. Uma caixinha de fósforo prensada, que tem mais ou menos 25g custa R$100. Se você for a Belo Horizonte, à boca de fumo, e falar que é para um menino em convulsão, isso custa a metade do preço. Infelizmente, Legisladores, mandatos, os traficantes respeitam mais os pacientes do que as autoridades. (Palmas.)
Várias pessoas procuraram habeas corpus coletivo e conseguiram. Eu, particularmente, não defendo habeas corpus. Por quê? Porque é para uma pessoa só. Eu imagino uma velhinha com Alzheimer de 86 anos sendo cuidada pela irmã de 70 plantando maconha para produzir um oleozinho para aquela velhinha. Isso não tem sentido. Então, nós das associações de pacientes nos unimos, produzimos um documento, para ser entregue a todos vocês Parlamentares, que põe aqui o que a gente acha que devia ser uma regulamentação benéfica da Cannabis.
Para a gente entender, a associação de pacientes é muito importante. Por quê? Fazemos ciência, controlamos os nossos primeiros 38 pacientes, apresentamos no congresso da Associação Brasileira de Neurologia Infantil resultados impressionantes. Não conseguimos publicar. Por quê? Porque um comitê de ética que talvez tenha uma cabeça próxima do nosso ministro negou, porque era maconha. Fizemos um segundo estudo, que está em vias de publicação, que vai ser a segunda casuística do mundo sobre autismo e o uso de óleo de maconha com resultados excelentes.
Bom, se a gente não consegue o Legislativo, se a gente não consegue uma lei vinda desta Casa, a gente tem que recorrer à Constituição e, por isso, a gente entrou com a ADI 5708, que falta tramitar. O STF já disse que importar semente não é crime. Ora, se tivesse votado o porte há duas ou quatro semanas, ficava livre o paciente. Para que tanta confusão? Então, a nossa Ação Direta visa isto: afastar o entendimento segundo o qual seria conduta crime plantar, cultivar, colher, guardar, transportar, prescrever, ministrar e adquirir Cannabis para fins medicinais de bem-estar terapêutico.
Enquanto isso não acontece, a necessidade continua. Então, entramos agora com uma ação no Tribunal Regional Federal de Minas Gerais buscando esse direito. Outras associações já conseguem, pacientes conseguem. Por que não todos conseguem? Por que esta Casa não sanciona uma lei que folga o Poder Judiciário? Por que esta Casa não atende de verdade a sociedade que precisa? Esse é o meu apelo.
A AMA+ME, Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal - estou terminando -, tem 320, 319, morreu um esses dias, mas tem 319 pacientes em quase todos os Estados da Federação. Cento e trinta e cinco deles, com autorização da Anvisa, assinaram um termo de corresponsabilidade pela produção nacional via associação.
(Soa a campainha.)
O SR. LEANDRO RAMIRES - O mais novo tem um ano, o mais velho tem 95, uma proporção de homens e mulheres... Senador, o que é mais interessante: a mediana de idade está nos 44 anos. Metade desses pacientes tem mais de 44 anos.
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Então, não é só epilepsia.
Quando a gente distribui isso pelo País, a gente vê a distribuição desses pacientes, o mais interessante, se eu for classificá-los por grupos de CID, olha lá: 47% são doenças do sistema nervoso; 24%, transtornos mentais e comportamentais; sinais e sintomas, como dor; doenças osteomusculares; e câncer. Esses são os nossos principais pacientes. Aí está a representatividade desses pacientes que tiveram sua vida transformada com os diagnósticos específicos, muitos deles... Aliás, os cinco primeiros, se você for à farmácia e pedir um remédio, você não vai encontrar, não é?
Não foi só o Dr. Leandro que prescreveu. Esses 135 associados são avaliados, controlados por 15 médicos distribuídos em nove Estados do Brasil...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto para concluir, doutor.
O SR. LEANDRO RAMIRES - ... porque a gente deseja um cultivo que seja feito de maneira associativa, que pode atender os interesses desse associado. Quero lembrar que uma associação é como um clube. No Minas Tênis não cabe Belo Horizonte inteira. Nós cuidamos de poucas pessoas. Então, a gente quer e defende esse direito.
Eu estou concluindo.
Existem vários processos legislativos tanto no Senado quanto na Câmara, mas a gente entende que o 514 é um parágrafo e ajuda bem as nossas necessidades.
Eu não vou apresentar, mas, depois, se as pessoas quiserem, a gente tem uma cartilha aqui para mostrar, em que a gente fez um estudo que considera, inclusive, a educação dos jovens sobre o uso abusivo. Mas Cannabis não é esse crime. A epidemia dita aqui é bem diferente do resultado do estudo da Fiocruz, que poderia ser colocado livre e, infelizmente, não o foi.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Leandro Ramires, médico e Diretor da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal.
Por fim, terminando esta Mesa - em seguida, vamos para os Senadores... Vamos permitir este aqui, que é último, pode ser, Senador?
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Não, porque, senão, eu perderia o raciocínio.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai lá. O Senador aqui fala sempre.
Senador Styvenson Valentim.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Não posso perder o raciocínio do Sr. Leandro Ramires, médico. Eu não posso perder a oportunidade de falar sobre uma citação do senhor, quando o senhor disse que o traficante é mais sensível que os Parlamentares. Eu acho isso perigoso. Traficante não respeita ninguém, não. Eu sou policial militar. Traficante não tem índole, não tem escrúpulo, não pensa na sociedade.
Nesta audiência, está sendo discutida a medicação, pessoas que precisam, doentes. Eu acho que não precisa partir para o campo da liberação ou não da maconha como uma política de recriação. Eu não vejo por aí. E eu precisava parar e alertar ao senhor que aqui há, pelo menos, que eu sei, dois Senadores novos, quatro Senadores que estão aqui no mandato de primeiro Senador. Eu saí da Polícia Militar e digo, com toda certeza, que traficante não respeita ninguém. Ele não tem esse sentimento que o senhor disse que ele tem, entendeu? Eu vi de perto o que o tráfico de droga faz e o que uma droga pode fazer na vida das pessoas.
Eu achei, Senador Paulo Paim, que aqui ia ser discutido medicação. Como eu já disse à Mara Gabrilli, sou favorável. E a gente está aqui para ouvir. A gente está aqui para aprender. A gente está aqui para, justamente, fazer o que não fizeram lá atrás. Por que está aqui parada a redução da maioridade? Estão aqui paradas tantas outras pautas - previdência, que está vindo agora. Há muita coisa represada aqui, da qual eu não tenho culpa. Eu cheguei agora, Senador Paulo Paim. Não bota na minha conta essa culpa, não.
Eu quero ouvir até onde pode ser feita, como a gente pode intermediar, como a gente pode fazer uma legislação em que esse óleo possa ser produzido de uma forma segura.
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Acho que o que cada Parlamentar quer saber aqui é a segurança que esse tipo de substância... Eu acho que a senhora, como mãe, não teria essa mente criminosa de comercializar drogas como fonte de renda, mas há gente que não é igual a senhora, porque há gente que está se valendo do argumento da senhora, como o traficante, sem escrúpulo nenhum, como já disse. Ele não vende porque é barato, não. Ele não vende porque está com pena, não, porque, se ele tivesse pena de cada pessoa que está debaixo de uma marquise, se ele tivesse pena de cada jovem que é morto, se ele tivesse pena de cada ser humano que tem a vida destruída, aí eu diria que ele é mais sensível e que ele viesse para o Senado.
Tem que ter cuidado com as palavras porque, há uma semana ou mais, durante um decreto inconstitucional de armas, em que nós nos posicionamos em respeito à Constituição, nós fomos aqui chacoteados, ameaçados. E nós estamos aqui atentos. Há outras Comissões. Eu participo de tantas outras aqui e vim para cá porque o tema é importante, mais importante que a economia, no momento, porque é o seu filho.
Eu não tenho nenhum parente que faça uso medicinal, mas estou aqui, Sr. Leandro Ramires, como a Leila, como a Mara Gabrilli, como a Zenaide, como todos os Senadores que vão também discutir sobre esse tema, Senador Paulo Paim, para achar esse ponto de equilíbrio. E acredito que, se não fizeram lá atrás, a gente está querendo fazer agora. Esta audiência é para isso. Agora, só não coloquem situações em que a população já não acredita mais aqui. Se a população não acredita na Instituição Senado, políticos, eu não contribuí para isso. Eu fui eleito justamente para fazer o que for melhor para o seu filho, para o filho de quem precisa, para quem está lá fora. Eu não estou aqui para ser comparado se sou menos ou mais do que um traficante, porque eu conheço esse tipo de gente. Esse tipo de gente tem que estar preso e muito bem preso.
Agora, se a Anvisa tem um controle sobre a planta, coloca porta de aço, bunker, é porque há gente desonesta neste País que utiliza da doença, que utiliza de uma vantagem para se privilegiar. É esse cuidado que a gente tem que ter.
Perguntei à Leila aqui se esse óleo que a senhora produz não poderia ser feito em uma universidade, no setor de farmácia. Não poderia hoje uma universidade pública dar a utilidade pública? Produz, um cadastro que tem o nome das pessoas que precisam, entrega. Não seria seguro? "Não, Capitão. Na faculdade, não, porque faculdade só tem maconheiro", alguém vai dizer.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ninguém disse isso aqui dentro.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Não. É o pensamento de alguém.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Entendi.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Mas, se a gente ficar pensando sempre que não vai ter, porque vai acontecer algo de ruim, o que vai acontecer? A gente não vai lhe dar o direito porque a gente não tem a segurança de que a senhora é uma pessoa honesta e vai usar aquilo para fins medicinais de verdade. E se fizer o desvio disso? Será que aquela planta ali não poderia ser desviada para outra função? Esse é o nosso temor. Acho que esse é o nosso pensamento. É isso que a gente está pensando. É isso que a gente está querendo fazer, Sr. Leandro, acredite. Eu também acredito que a gente precisa fazer, e não é através do STF, não. É através daqui e agora. E a gente vai chegar a esse ponto de equilíbrio. A gente vai chegar a esse ponto até achar o que é melhor para todos. Está bom? (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senador Styvenson, que apontou o caminho.
Eu vou passar, de imediato, porque temos uma segunda Mesa em seguida, ao Ricardo Handro, representante da Sociedade Brasileira de Medicina Canabinoide.
O SR. RICARDO HANDRO (Para exposição de convidado.) - Senhoras e senhores, bom dia. Agradeço a oportunidade, Senador Paulo Paim e todos os membros da Mesa. Nós já, junto com um grupo de colegas, acompanhamos essa luta de milhares de famílias no Brasil nos últimos anos, como foram os exemplos aqui da Cidinha, da Liane, dos seus filhos, do Noberto Fischer, que está aqui, que tem uma história de luta emblemática, desde a primeira matéria, que saiu no Fantástico e sensibilizou o Brasil em relação a esse tema.
É um tema polêmico, interessante, que gera bastante comoção. Quem sabe e acompanha, diariamente, as rotinas dessas famílias entende o sentimento e a angústia. E acredito que estamos aqui hoje, Senador, exatamente para construir um marco regulatório para que esse assunto venha para cima da mesa de forma controlada, eficiente e inclusiva, porque só uma regulamentação inclusiva vai tirar milhares, se não milhões, de famílias do Brasil do risco de sanções penais severas, porque o lema geral que a vida não pode esperar fala por si. A vida não pode esperar regulamentação. E, nesse sentido, milhares de famílias se colocam em risco não só em relação às sanções penais, mas também com o consumo de produtos e de óleos que vêm do mercado clandestino e sem controle, porque, no momento do desespero, das demoras e das burocracias, muitas famílias, na busca da cura para os seus pacientes, para os seus entes queridos, acabam comprando matérias-primas de origem clandestina, com pesticidas, com defensivos agrícolas. E, no momento de buscar, no desespero, uma alternativa de bem-estar, acabam por envenenar os seus entes queridos.
Então, entendemos que essa discussão tem que ser feita com base no que está posto. E o que está posto hoje? Qualquer médico no Brasil hoje pode receitar canabidiol para qualquer paciente portador de qualquer tipo de enfermidade. Nós temos um avanço em progressão geométrica das autorizações que vêm da Anvisa, e isso gera uma judicialização e um problema para os gestores públicos, que têm os seus orçamentos com a fila das determinações judiciais e o descumprimento dessas medidas em todos os Estados do Brasil. Isso é um problema hoje para todos os secretários de saúde dos Estados do Brasil. Nós vemos a abordagem do tema da judicialização com foco no impacto que isso causa ao Orçamento, mas não vemos os estudos, como foi falado já aqui hoje, do impacto positivo das não internações em UTIs e na medida em que o SUS deixa de fornecer outros anticonvulsivantes, que também são caros. Qual é a economia que essas crianças que deixam de frequentar os leitos das UTIs do Brasil trazem para o Erário? Esse é um ponto a ser contemplado nessa discussão. Então, o que está posto hoje? O que temos hoje é que a ciência, a medicina conclui que, para todas essas enfermidades, todas essas patologias listadas, o canabidiol pode ser uma alternativa de melhora da qualidade de vida. Então, não estamos falando em um nicho, senhores. Estamos falando em um assunto de interesse público e geral, que atinge a todos. Quem aqui não conhece alguém, não tem um ente querido ou um amigo que porte alguma dessas enfermidades que estão aí? Sem falar nos distúrbios de depressão, de ansiedade. Estudos indicam que 20% da população padecem desses males, depressão e ansiedade, 20% dos 200 milhões de brasileiros. São 40 milhões de brasileiros. E o que temos hoje? Temos hoje, na contramão da abordagem do tema, uma situação que nos manteria, gerando emprego e renda nos países mais ricos do mundo, que é de onde provém a medicação importada que nossos pacientes utilizam. Então, temos um assunto que é de interesse público, que é de interesse geral, que deve ser debatido.
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A regulamentação da cadeia produtiva da Cannabis medicinal no Brasil é uma questão de ordem, porque os pacientes já podem importar, desde a RDC 17, de 2015. E entendo que o nosso dever seja não só o de permitir a produção nacional, o de permitir a importação, mas que demos subsídio e apoio. O Brasil deve apoiar e subsidiar a produção nacional de tudo aquilo que ele autoriza que nossos pacientes importem. Isso é uma questão de soberania, de economia e de lógica.
Então, um dos pontos que gostaria de contribuir nessa discussão... Temos um trabalho intenso de defesa da Cannabis medicinal, dos compostos vegetais que são usados na íntegra na defesa das associações de seus pacientes do autocultivo, mas nossa contribuição com a regulamentação hoje é em relação ao cânhamo como fonte de medicina canabinoide e como um ponto menos sensível à opinião pública, que já está regulamentado e em andamento até antes da regulamentação da Cannabis medicinal. O cânhamo é uma realidade na maior parte dos países do mundo, como fonte de matéria-prima para diversos produtos da indústria e também de óleo de CBD. Então, a principal diferença entre o cânhamo e as espécies, os gêneros de Cannabis que têm maior concentração de THC é exatamente o fato de não ser psicoativo.
Então, quando a gente ouve algumas afirmações, contextualizações e dados que são soltados de forma isolada, eu me pergunto: será que todos esses países estão tratando de forma equivocada as suas políticas públicas? O exemplo que se deu aqui hoje da China... A China nunca proibiu a plantação de cânhamo. É uma plantação milenar ao norte da China, na Manchúria. Não existe notícia de um chinês que fuma um baseado de cânhamo, porque cânhamo não é psicoativo, não produz os efeitos que se esperam, como não há notícia de ninguém que fume lúpulo, que é um dos ingredientes da cerveja, que também é uma Cannabaceae e que também é matéria-prima para a medicina canabinoide. Nós temos produtos, nós temos extratos de CBD e medicina canabinoide feitos a partir do lúpulo. Não há notícia de ninguém que fume lúpulo. Será que é possível a gente imaginar que Estados Unidos, Canadá, Japão, Suíça, Egito, Grécia, Portugal, Chile, China, Ucrânia, Tailândia, Rússia, países com históricos completamente distintos, com matizes culturais distintas, as maiores potências do mundo, seja com regime político socialista, seja com regime político capitalista... Estamos falando do Japão, da Coreia do Sul, da Rússia, da China e dos Estados Unidos. Todos esses países regulamentaram sua produção de cânhamo. O que se pretende no Brasil é fazer a mesma coisa. Será que todos esses países estão na contramão da história? E nós não?
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Continuarmos na posição que estamos é continuarmos a gerar emprego, renda e arrecadação tributária nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa rica, porque os pacientes estão aqui e crescem em progressão geométrica, como cresce o entendimento da ciência moderna e da Medicina sobre os benefícios da Medicina canábica e sobre a existência real do sistema endocanabinoide. Então, muito antes de esses países regulamentarem a questão da Cannabis, seja de que forma, a questão do cânhamo já está contemplada na maior parte dos países do mundo, gerando emprego, renda e arrecadação tributária em números realmente impactantes, senhores.
Tomemos aqui, como exemplo, o caso do estado do Colorado. Em 2018, pelos dados da Forbes, teve uma arrecadação per capita equivalente a US$47. Traduzindo isso, quase 10 milhões de brasileiros. Nós estamos falando em US$9 bilhões, quase US$10 bilhões por ano, senhores. Está a quatro. São quase R$40 bilhões. Paga um Bolsa Família e sobram 10. Paga a previdência, ajuda, contribui nos gastos públicos. Nós estamos falando aqui de solução e não de problema, especialmente quando falamos de uma matéria-prima que não tem efeito psicoativo, que não causa dependência de qualquer espécie.
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO HANDRO - Então, eu gostaria de concluir. As nações mais desenvolvidas do mundo reconhecem os benefícios, a eficiência da medicina canabinoide no tratamento de diversas patologias e regulamentaram a sua produção, como estamos na contramão da história em relação a todos os países que fazem fronteira seca conosco. O Uruguai, a Argentina, o Paraguai e a Colômbia, todos esses países já regulamentaram a sua cadeia produtiva de Cannabis medicinal, com seus detalhes e peculiaridades, e estão querendo virar polos exportadores. E o Brasil, que, se estima, será a quarta ou quinta maior economia do cannabusiness no mundo, pretende continuar gerando emprego e renda para todos os vizinhos da América do Sul e para os países mais ricos do mundo até quando?
Então, o que vemos? A regulamentação da cadeia produtiva da medicina canabinoide no Brasil trará qualidade de vida, em primeiro lugar, para milhões de brasileiros - e são milhões. Os portadores daquelas patologias com que iniciamos aqui a apresentação somam milhões de brasileiros. São mais de 60 milhões de brasileiros. E a gente fala aqui das famílias e das mães. A gente está falando de um assunto de interesse nacional que pode trazer um benefício econômico. O Brasil merece se posicionar de forma inteligente e eficiente em relação à implementação da cadeia produtiva da medicina canabinoide no País. O Brasil merece. Só perde com isso o povo, os pacientes, os gestores públicos.
E, como contribuição específica em relação a esse processo que vivemos hoje... A Anvisa abriu uma consulta pública até 21 de agosto. Ao mesmo tempo, a Câmara traz para a pauta o PL 399 e forma uma comissão especial para discutir o mesmo assunto, que é cadeia produtiva da Cannabis medicinal no Brasil. Temos aqui hoje uma audiência pública nesta Comissão, onde tantas lutas iniciaram e tantas conquistas de liberdades individuais e direitos fundamentais. Estamos falando em direitos fundamentais, em liberdades individuais. Cada um tem o direito de procurar o tratamento que melhor lhe convém. Cada pessoa humana tem detalhes e vicissitudes. Não há de se imaginar que exista um tratamento que sirva para todos, da mesma maneira como não podemos imaginar que um composto isolado e sintético vá atender a demanda real dos pacientes de Cannabis medicinal no Brasil.
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Gostaríamos de contribuir com essa questão da inserção do cânhamo nos processos regulatórios em curso, especialmente para os pacientes que já fazem uso e confiam num produto cuja matéria-prima não causa qualquer efeito psicoativo e que pode ser plantada ao ar livre de forma mais segura, eficiente, simples, acessível e barata para os que necessitam do tratamento canabidiol. A sugestão de regulamentação que temos hoje pela Anvisa, como foi falado aqui com muita sapiência, é como se a planta tivesse que ser tratada com um controle de portas intertravadas, impressões digitais, como se realmente oferecesse um grande perigo, como uma questão de saúde pública. Nós temos uma alternativa, no mundo inteiro é plantada ao ar livre. E, se o Brasil resolver fazer uma regulamentação de forma não inclusiva, nós continuaremos a ter quase 7 mil pacientes que fazem importação oficial contra mais de 100 mil que são usuários de óleos do mercado clandestino e que os dados oficiais não atendem e não apontam. Então, uma regulamentação inclusiva é focar na questão do cânhamo; é focar numa fonte de medicina canabinoide que possa ser plantada ao ar livre de forma mais barata e acessível; é tratar as demandas reais dos pacientes de forma personalíssima - cada um tem uma necessidade. Não vamos imaginar que, se a gente cercar a verba do SUS em cima do registro de um sintético, que isso vá ser feito em benefício da população. Não vai! Isso vai ser feito em benefício de uma empresa, de um monopólio ou de um oligopólio.
Estamos diante de um momento histórico, em que o nosso não posicionamento é em detrimento do cidadão, dos pacientes; o nosso não posicionamento é continuar gerando emprego e renda nos Estados Unidos, no Canadá, nos países da Europa rica, enquanto o nosso posicionamento poderia fazer do Brasil um protagonista desse mercado, um polo exportador.
E não venhamos falar na questão do controle. É óbvio, temos que ter controle para tudo que seja produzido, temos que ter controle sobre o Rivotril, sobre as drogas sintéticas, temos que ter controle sobre todos os fármacos e também sobre a medicina canabinoide.
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO HANDRO - Agradeço a atenção de todos e todas. Foi uma satisfação falar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem mais um minuto para fechar.
O SR. RICARDO HANDRO - Muito obrigado pela atenção.
Satisfação. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Muito bem, Sr. Ricardo Handro, representante da Sociedade Brasileira de Medicina Canabinoide. Meus cumprimentos. Parabéns.
O SR. RICARDO HANDRO - Obrigado, muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós vamos agora para a segunda Mesa. Solicito que os senhores e senhoras retornem ao Plenário. A segunda Mesa eu vou chamar de imediato. Posso chamar a segunda Mesa já?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bom. Só vou chamar a segunda Mesa, e essa...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não. Nós vamos só montar a segunda Mesa, e a palavra, primeiro, vai ser para a Senadora.
Eu convido Quirino Cordeiro Junior, Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania. (Palmas.)
Convido Carlos Penna Brescianini, mestre em Ciência Política e pesquisador social. (Palmas.)
Antônio Geraldo da Silva, Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal). (Palmas.)
Norberto Fischer, pai de paciente autorizada judicialmente a importar Cannabis para uso medicinal. (Palmas.)
Margarete Santos de Brito, coordenadora de apoio à pesquisa e a pacientes de Cannabis medicinal. (Palmas.)
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E Viviane Sedola, CEO e Fundadora da Dr. Cannabis. (Palmas.)
Sejam todos bem-vindos.
Eu quero só avisar que, à tarde, teremos outras duas Mesas.
Antes de passar a palavra à Senadora Mara Gabrilli, eu vou...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fale a hora em que quiser, Senadora. Eu só quis montar a Mesa para ganhar tempo, mas a Senadora Mara Gabrilli falará no momento que ela entender adequado.
Eu só vou, cumprindo um dever de ofício aqui, fazer um resumo das perguntas que vieram do e-Cidadania de todo o Brasil. Eu só vou pedir um pouquinho de silêncio no plenário.
Aparecida do Carmo, de São Paulo: "A Cannabis é uma esperança para as famílias de autista severo que vive dopado por psicotrópicos". Ela pergunta: "Será fornecido pelo SUS?".
Julia Ribeiro, de Minas Gerais: "Tendo conhecimento da forte influência religiosa nos cenários brasileiros, seria esta um entrave para a regularização desta pauta?".
Pergunta agora Guilherme Martins, do DF: "Comprovação da eficiência da Cannabis medicinal já existe. O Mevatyl já é vendido nas farmácias. Por que não é possível a produção nacional?".
Marilene Oliveira, do Paraná: "Por que o Governo se recusa a levar em consideração todas as pesquisas feitas pelas universidades no País afora?".
Franklin Torres, do Ceará: "Por que a Cannabis medicinal continua proibida? Os pacientes devem mesmo continuar buscando nas favelas e sem regulamentação?".
Valdemberg Alves, do Ceará: "Como a lei trataria a participação do usuário em tarefas externas, como dirigir ou frequentar locais públicos, sob o efeito da Cannabis?".
Marcela Oliveira, do DF: "De que forma a Anvisa acompanhará e fiscalizará a produção da maconha medicinal? Qual a evidência científica da maconha como remédio?".
Alana Miranda, da BA: "Se existe comprovação científica da eficácia da substância e existe também uma grande demanda, o que impede a produção nacional medicinal?".
Diego Gosteinski, do Rio Grande do Sul: "Após liberado o uso medicinal da Cannabis, ela seria fornecida somente pelo SUS ou por laboratórios privados também?".
Pergunta, por fim, Murilo Antunes, de Minas Gerais: "Como será feita a política de disponibilidade de tais medicamentos à população hipossuficiente que necessitará dos mesmos? Como será a fiscalização dos laboratórios que manipularão o material no preparo de medicamentos [...]?".
Essas são perguntas que ficam, na mesa, para todos os debatedores.
Senadora Mara Gabrilli, quer usar a palavra agora?
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Não, eu só ia fazer uma sugestão, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora! Aproveite, é agora. A palavra é sua.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - É que eu vi que está a Dra. Carolina Nocetti aqui. Eu gostaria que, em algum momento, ela pudesse ter a palavra, porque ela também é uma médica que prescreve, e ela não está na Mesa. É só lembrando que ela está aqui.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Normalmente, a praxe aqui é que todos os convidados são indicados de forma prévia, sendo votados. Num segundo momento ainda, quando, na última hora, antes de iniciar a audiência, por decisão do Plenário, é solicitado à Presidência se pode abrir antes de iniciar, a gente tem feito. Qual a preocupação? A gente não tem aberto ao Plenário para perguntas ou mesmo para falas para não criar algum impasse em temas outros, não só esse. Aqui é uma audiência por dia no mínimo, e, se a gente abre para o Plenário, muitas vezes, as posições não são adequadas ao debate que está havendo. Agora, se os Senadores todos presentes abrirem uma exceção para o pedido da Senadora Mara Gabrilli, se todos assim entenderem, eu abrirei, mas deixo muito claro que é uma única exceção e que, quanto a esse fato daí, ficará votado que não se repetirá.
Os Senadores que concordam com esse encaminhamento permaneçam como se encontram - fica mais fácil de votar.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Ai, Senador, eu nem sabia que era tão...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah, mas é assim. Foi uma decisão do Plenário.
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - DF) - Um pedido da Senadora Mara é uma ordem, Senador Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senadora Mara, percebi...
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - DF) - Ainda mais pelo símbolo, pela representatividade da Senadora.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa votação que eu fiz é que nem eu fazia no sindicato.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Até fiquei com vergonha, porque...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso! Por isso, existe o e-Cidadania. E tudo é votado, e tudo é participado.
E é por isso que eu fiz a votação, Mara, como eu fazia quando eu estava no sindicato. Se eu queria votar uma matéria, eu dizia "Todos permaneçam como se encontram", para não haver o "sim" e o "não", o "sim" e o "não". Então, eu encaminhei favoravelmente à sua postulação.
Está assegurado que ela entrará, então. Eu peço à assessoria que pegue o nome da indicada, para ela entrar nesta segunda Mesa.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com a palavra Quirino Cordeiro Junior, Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR (Para exposição de convidado.) - Muito bom dia a todos vocês.
É uma satisfação estar aqui.
Eu, nesta ocasião, parabenizo o Senador Paulo Paim pela iniciativa, bem como os demais Senadores que propuseram esta audiência pública. Em nome do Senador Paulo Paim, eu cumprimento todos os presentes e componentes desta Mesa, bem como todos os Senadores.
Antes de mais nada, acho que é importante ficar claro neste debate que o termo maconha medicinal é um termo equivocado. Para isso, eu evoco aqui uma nota pública de esclarecimento do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo publicada há poucos mais de dois anos. Essa nota de esclarecimento do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) diz que o termo "maconha medicinal" não reflete o estágio atual do conhecimento sobre o uso terapêutico da substância - e aqui eu vou tomar a liberdade de ler o trecho deste documento:
Cabe esclarecer que o termo “maconha medicinal”, embora tenha apelo cultural, não reflete o estado atual do conhecimento e o uso conforme esta designação não respeita os passos necessários, aceitos nacional e internacionalmente, para a aprovação de uma nova terapêutica.
A maconha contém diversos princípios ativos, dentre os quais apenas alguns apresentam indicações preliminares terapêuticas específicas. [...] o Cremesp afirma não haver comprovações científicas de que haja algum uso efetivamente medicinal da maconha [da planta]. O desenvolvimento de novos estudos que ofereçam evidências para a eventual utilização terapêutica de canabidiol [aí, sim, um composto que faz parte da planta] ou outros canabinoides receberá apoio [...] [daquele Conselho]. Contudo, a aprovação, neste momento histórico, de usos na Saúde de derivados de Cannabis, para os quais os procedimentos consagrados para liberação de medicamentos não foram respeitados, merece repúdio e grande preocupação deste Conselho.
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Isso é para ficar claro toda a preocupação que existe da comunidade científica nacional e internacional para que um determinado remédio seja colocado em uso.
Há um texto, que é bastante interessante e que saiu agora recentemente, neste mês que passou, do Prof. Valentim Gentil, professor titular de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, chamado "Precisamos falar sobre a maconha". Nesse texto, o Prof. Valentim diz que os órgãos reguladores precisam priorizar a proteção das populações contra os efeitos danosos dos medicamentos. Isso é para que a gente possa ter a ideia de que existe um passo a passo que precisa ser levado em consideração e obedecido quando determinada substância vai ser ponderada para o seu uso como medicamento. A gente precisa averiguar as questões de possíveis malefícios daquela droga para o paciente. Outra questão que é importante é em relação à eficácia e efeitos colaterais. Só depois que a gente averiguar exatamente eventuais danos de um remédio e os seus efeitos benéficos para a população é que qualquer remédio vai poder ser registrado como medicamento de uso para a população. Nesse texto, o Prof. Valentim, então, continua dizendo que, para fins medicinais, seria melhor aguardar respostas a questões fundamentais de segurança e eficácia do uso da maconha. Assim, dentro dessa situação, ele fala, sobre a questão do plantio, que a Anvisa está debatendo no momento, que não é preciso autorizar empresas ou usuários a plantar Cannabis, pois esta não tem nesse momento condições técnicas como planta de ser registrada como um medicamento e ter o seu plantio, na verdade, liberado no País. "O contrário dessa postura [continua o Prof. Valentim], com a liberação do consumo medicamentoso [...], ainda que debaixo de severo controle legal, poderia parecer humanitário, mas configuraria apenas uma atitude irresponsável, principalmente com relação aos jovens e às futuras gerações". Isso é por conta dos graves problemas que o uso da maconha pode levar para as pessoas. São riscos, por exemplo - isso sim, sabidamente -, de psicose, como esquizofrenia; riscos de depressão; riscos de suicídio; riscos de quadros ansiosos graves.
É importante que fique claro que a liberação de qualquer medicamento tem que passar necessariamente por estudos pré-clínicos e estudos clínicos, estudos com seres humanos, para que, aí, sim, a gente saiba da segurança e do potencial terapêutico de um remédio.
Existe um trabalho publicado pelo Prof. Peter Grinspoon, da Universidade de Harvard, de agosto do ano passado, chamado "Canabidiol - o que sabemos e o que não sabemos". Ele coloca que as evidências científicas mais robustas que existem hoje são para o uso de epilepsia de difícil controle. Para outros quadros clínicos, como ansiedade, insônia, dor crônica, quadros de Parkinson, não há evidência científica robusta que dê sustentação para o uso do canabidiol.
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Não estou nem falando dos extratos de óleo da Cannabis, sequer do canabidiol. Essa é uma questão que precisa ficar clara aqui para a gente.
Com possíveis indicações clínicas - enfim, existem várias, e, inclusive, foram elencadas aqui pelos meus antecessores -, não existe hoje no Brasil e no mundo comprovação de resultados robustos, de evidências robustas do canabidiol, tampouco dos extratos de maconha.
Para a oncologia, por exemplo, é uma situação interessante, porque, em tese, poderia ser utilizada em várias frentes. Há um trabalho publicado pelo Dr. Artur Katz, que é Diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, publicado agora, no mês de junho deste ano de 2019, chamado "Uso terapêutico da Cannabis na oncologia". Esse trabalho remete a um encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, e, basicamente, a conclusão do trabalho publicado pelo Dr. Artur Katz diz que ainda faltam informações clínicas que possam garantir o benefício e segurança do uso da Cannabis e seus derivados na oncologia tanto no controle do tumor - porque existem estudos mostrando que pode ser interessante, mas outros estudos mostrando que há uma piora da evolução do câncer - quanto no que diz respeito a controle de dor, a controle de efeitos colaterais de quimioterapia, como náuseas, vômitos, à ajuda no controle da ansiedade e depressão. Não existe evidência científica que comprove o uso dessa medicação. Isso tem que ficar claro para a gente aqui, porque não há...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - - Não há! Não há!
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - No Planeta Terra.
E essa é uma questão interessante para a gente, porque a maconha foi colocada aqui como sendo quase uma panaceia...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É só para dizer que o nosso convidado Carlos Penna discorda, mas eu disse para ele que ele vai falar em seguida e, então, ele coloca o ponto de vista dele.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - Claro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Continua com a palavra.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - Na Psiquiatria, eu sou...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Os Senadores falam em qualquer momento, viu?
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - Eu sou Secretário do Governo Federal e sou psiquiatra de formação. Na Psiquiatria, por exemplo, há vários estudos em curso. Agora, com comprovação científica suficiente para liberação da Cannabis ou do canabidiol para uso clínico, não há sustentação científica. Por exemplo, para psicose, nós temos quatro estudos: dois são relatos de caso, um é um estudo aberto e um único é estudo controlado, que não dá sustentação científica, por exemplo, para usar canabidiol para um tratamento de quadros psicóticos, que é uma linha de estudo.
Diante desse cenário, o Conselho Federal de Medicina, por exemplo, tem uma posição, que foi criticada aqui, mas, então, eu vou tomar liberdade de ler essa posição, a partir de uma resolução publicada no ano de 2014, que aprova o uso compassivo do canabidiol e veda a prescrição da Cannabis in natura para uso terapêutico, bem como para qualquer outro derivado da Cannabis...
(Soa a campainha.)
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - ... mostrando que ainda não há evidência científica para isso. O texto diz:
[...] ainda não há evidências científicas que comprovem que os canabinoides são [...] seguros e eficazes no tratamento [...] de epilepsia.
Assim, a regra restringe sua prescrição - de forma compassiva - às situações onde métodos já conhecidos não apresentam resultados satisfatórios.
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A Sociedade Brasileira de Pediatria e a Associação Brasileira de Psiquiatria também têm manifestações sobre o tema - aliás, é uma manifestação conjunta -, e o documento foi publicado agora em julho deste ano dizendo, quanto ao uso do canabidiol na população pediátrica, que na verdade a sociedade precisa ter uma responsabilidade ética, esclarecendo "que até o presente momento não há, na infância, evidência científica [...] para que esta substância [no caso, o canabidiol] seja usada para qualquer outra situação que não sejam as crises epilépticas de muito difícil controle e que não respondam às terapêuticas atuais". Essa é também uma posição de duas sociedades médicas baseados nas evidências científicas que nós não temos, hoje, sobre o uso da do canabidiol em outras situações que não sejam, na verdade, os quadros de crises convulsivas.
É interessante, porque, aqui no Senado, está tramitando o PLS 514, que foi aprovado recentemente na Comissão de Assuntos Sociais e que prevê a liberação de semeio, cultivo ou colheita de Cannabis visando o uso pessoal terapêutico por associações de pacientes ou familiares de pacientes que fazem uso medicinal das substâncias. Na verdade, é um grande risco permitir que alguém plante maconha em casa e que produza seus próprios óleos, sem nenhum tipo de acompanhamento de autoridades sanitárias. Essa é uma questão importante também para ficar claro aqui para a gente, já que esse tema está sendo discutido e tramitando aqui no Senado Federal.
É interessante também ficar claro que mesmo os óleos que são trazidos para o Brasil, que são importados, também não passam pelo rigor da produção de uma medicação nos outros países.
Recentemente, eu fui chamado para participar de uma reunião no Ministério da Saúde com representantes de uma empresa canadense que quer se estabelecer no Brasil para vender medicamentos à base de Cannabis - na verdade, são extratos à base de Cannabis. É interessante, porque também a mesma panaceia que se colocou aqui se colocou na reunião: que serviria para depressão, para ansiedade, para insônia, para epilepsia. E aí eu perguntei: "Mas quais são as evidências científicas para isso? Quais as evidências científicas para isso? Já que você falou que estão vendendo no Canadá, passou pela regulação das agências sanitárias canadenses?". E não passou. Qual é a questão? No Canadá, esses produtos na verdade não são vendidos como medicamentos, como remédios e, então, não passam por esse rigor que qualquer medicamento precisa passar para que a gente, sim, cuide da saúde das pessoas, para que a gente, ao invés de causar bem, cause mal para as pessoas. E esses produtos, na verdade, no Canadá, são comercializados como suplementos alimentares.
Essas questões da qualidade do produto que é ofertado, da preocupação que a gente tem que ter com efeitos ruins na saúde das pessoas e do que a gente precisa ver se os remédios funcionam ou não são extremamente importantes antes de a gente vir a ambientes como este, por exemplo, advogando em favor da utilização dessas medicações.
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É interessante - só para finalizar -, que há uma preocupação que foi expressa pela Organização das Nações Unidas, pela ONU, por meio da Junta Internacional pela ONU, por meio da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, documento publicado no ano de 2018. E falando diretamente para países da América do Sul, esse documento diz que...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - ... Argentina, Colômbia, Paraguai, Peru e agora o Brasil realizaram iniciativas para regular a venda de cannabis com fins medicinais e a disponibilidade da Cannabis na região continuou aumentando, impulsionado pelas políticas e iniciativas legislativas destinadas a autorizar e a regular o uso da Cannabis com fins médicos e não médicos, o que reduz a percepção de risco da população. Situações como essa de a gente ficar vendendo a ideia de que maconha é remédio, de que maconha não faz mal, contrariando todos os estudos epidemiológicos feitos até hoje e que mostram exatamente o contrário, fazem a gente passar para a população a ideia de que está tudo bem, de que a gente pode usar a maconha, porque ela não só não faz mal, mas também é medicinal. E aí a percepção de risco da população cai e aumenta o uso.
Só para fechar com um dado sobre essa questão, o The National Survey on Drug Use and Health, um estudo que vem sendo feito anualmente, nos Estados Unidos, mostra que, a partir do ano de 2008, quando começou a liberação de maconha medicinal em vários Estados dos Estados Unidos, houve um aumento significativo do uso da maconha pela população em geral naquele país.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Concluindo.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR - Houve um aumento de 5% a 6% do uso da maconha nos Estados Unidos, depois da liberação da maconha medicinal. Isso porque você tem uma diminuição da percepção de risco e as pessoas começam a achar que maconha não só não faz mal, como é medicinal, e que está tudo bem, a gente pode usar. Tudo isso é para a gente discutir aqui os riscos envolvidos nessa situação. É importante que o Poder Público esteja ciente dessas questões antes de tomar as suas posições.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi Quirino Cordeiro Júnior, Secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania.
Eu vou passar agora a palavra para o Mestre em Ciência Política e Pesquisador Social, Sr. Carlos Penna Brescianini e, ao mesmo tempo, eu vou convidar a Senadora Zenaide Maia, porque eu tenho que ir à Comissão de Educação votar um projeto de minha autoria. Eu vou lá votar e volto. Como chegaram novas perguntas, eu queria que a Senadora, se pudesse...
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Bom dia!
Eu já vou ler algumas perguntas e passar a palavra para o Sr. Carlos Penna.
Pergunta da Adriana Pereira, de São Paulo: "Como poderemos regulamentar o canabidiol para os pacientes que necessitem coibir o uso de cannabis como droga recreativa e de abuso?
Robson Bastos, de Minas Gerais: "A maconha poderá ser utilizada no tratamento da depressão e insônia? E quando estará disponível a sua distribuição pelo SUS?"
Eliane Nunes, de São Paulo: "A segurança clínica é alta. Nós precisamos pesquisar e produzir neste País, com regulamentação, e não só com a repressão e leis de mercado".
Francisco Gomes, do Rio Grande do Norte: "Não concordo com a plantação de maconha no quintal de residências, visto que isso pode incentivar o tráfico de drogas".
Pergunta de Rita Carvana, do Rio de Janeiro: "Meu filho tem epilepsia refratária e faz uso de canabidiol, mas não temos mais condições de arcar com o alto custo do medicamento importado."
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Eu queria só deixar claro para esta audiência pública que a gente está falando que se existe algo que o Estado brasileiro está devendo as pessoas e que possivelmente com a epilepsia refratária, que é o que existe de mais robusta pesquisa, chama-se não investir na ciência e tecnologia de uma droga... Mas aqui a gente está falando de eficácia terapêutica confirmada. Isso é ciência, gente. Tem que existir isso. E a gente está vendo que devido a isso ser um achado casual, porque muitas drogas são descobertas... São usadas para uma coisa, mas se descobre... Eu cito aqui o exemplo do Viagra, que era usado só para impotência e descobriu-se que era um medicamento altamente eficaz na hipertensão pulmonar, principalmente em mulheres. Mas o que eu quero dizer é que aqui a gente não está discutindo a questão da plantação de maconha e que se transforma nesses produtos eficazes, porque existe uma diferença. São dois produtos. Eu acho que o estudo não é em cima do tetraidrocanabinol, porque está confirmado que causa dependência. O que chama a atenção é que os óleos têm todas as substâncias, e isso era para se estar discutindo aqui. E este Congresso, o Senado, tem interesse em saber se há a eficácia científica. Eu costumo dizer que sem a ciência e a tecnologia, nem democracia se tem, porque normalmente o ditador acha que é o dono da verdade. E quando a ciência e a tecnologia provam que há eficácia terapêutica... Muitas vezes a gente tem que ter o cuidado... Lembram-se da talidomida? Os países europeus não permitiram essa substância porque não havia estudos comprovados. E aqui a gente usou muito isso para aquela hiperêmese gravídica e nós tivemos a focomelia.
Aqui eu quero deixar claro que nós, Senadores, e todos que estão aqui queremos... De repente, há um medicamento, uma droga que tem eficácia. Eu quero dizer o sentimento da mãe que descobriu... Mas quero dizer que o Estado brasileiro tem a obrigação de investir e não só o Estado brasileiro como também o mundo... Não acho que o fato de obrigar... Por exemplo, diz-se que a saúde é um direito de todos e uma obrigação do Estado. Mas não seria a mãe de uma criança com epilepsia refratária, muito doente, que tenha que pesquisar, que tenha que plantar no seu quintal, quando a responsabilidade é do Estado, desde a pesquisa até a confirmação da eficácia terapêutica.
Então, aqui não é um divisor de águas. Foi importante quem defendeu aqui dizer que isso gera emprego e renda. Mas o que se está discutindo aqui se chama eficácia terapêutica e responsabilidade do Estado de cumprir com isso aqui. (Palmas.)
Eu quero passar agora a palavra para o Dr. Carlos Penna.
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O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI (Para exposição de convidado.) - Senadora, bom dia! Aos Senadores que estão presentes bravamente, o Senador Styvenson, a Senadora Mara, o meu cordial bom dia e muito obrigado por permanecerem nesta discussão, que é muito importante.
A primeira coisa que eu gostaria de dizer é que eu não gosto quando a gente entra no clima do fla-flu, porque toda a lógica, toda a racionalidade vai embora. O mais importante agora é a gente discutir a questão central: funciona ou não funciona? Se funciona, vamos trabalhar com ela. As questões religiosas, de preconceito, históricas ou mercadológicas não podem se sobrepor a essa discussão. Esse eu acho que é o ponto inicial.
Quero só responder três coisas antes de começar a minha apresentação, porque foram ditas e eu acho muito importante serem esclarecidas. Primeiro, alguém já viu uma plantação de tabaco? Pois saibam que as pessoas que manuseiam o tabaco têm de estarem cobertas com macacões. Se encostarem na planta quando ela estiver úmida, a nicotina penetra na pele, uso tópico, e pode dar até parada cardiorrespiratória. Vocês sabiam disso? Vocês sabiam que a nicotina é utilizada como veneno para matar ursos quando têm ataques de raiva nos Parque de Yellowstone? Sabiam disso? Mas o tabaco é liberado. Não é verdade? Eu não vejo o Ministério da Saúde trabalhando com restrições e colocando barreiras para se plantar tabaco. Não é verdade? (Palmas.)
Então, eu acho que as coisas têm que ser colocadas nos seus devidos lugares. Eu entendo as restrições, eu entendo as preocupações, mas acho que as coisas têm que ser colocadas com calma.
Outra coisa muito importante: "Ah, não existem muitas pesquisas. Temos só 5% de pesquisas". Alguém já tentou pesquisar sobre cannabis aqui no Brasil para ver a dificuldade? Acha que consegue liberação para plantar? Não, não consegue. Então, é óbvio que se você tiver restrições à pesquisa, você não tem pesquisa. É lógico, lógico. Depois dizer que não há pesquisa é fácil. Você proíbe a pesquisa, dificulta a pesquisa e depois não tem o resultado e usa isso como argumento para dizer que não há resultado positivo.
Esclarecido isso, eu quero explicar a primeira coisa. Isto aqui não é Cannabis. Isto aqui é mato. O que eu estou chamando a atenção de vocês é para esse formato aqui, o chamado formato de cana. Esse sufixo, esse radical "cana", que deu origem à palavra '"cano", é a origem de todo o nome da Cannabis. Perfeito? O que eu quero mostrar?
Estou procurando aqui o aparelho de passar. Acredito que seja este.
Vamos lá. A primeira coisa, a etimologia do nome maconha. A origem da maconha a gente encontra em várias ocasiões. Mas vamos pegar no hebreu, no Velho Testamento. Para quem não sabe, o hebreu é escrito geralmente sem vogais. Então, há basicamente as consoantes e ele é escrito de trás para a frente, da direita para a esquerda. E ele é escrito assim: K'nn'h. Então você pode supor que seja kanneh, kannah, porque está supondo a vogal. Perfeito? Disso você vê, como na Bíblia, como no Velho Testamento era citado kaneh bosem; kanibu, entre os assírios; cannabis entre os romanos, o que deu origem a derivações como kanneh, kanna, kaña, ma-kanha, maconha. Está clara a origem? Está clara a origem? Então, vem disto: cana, que é esse formato de tubinho.
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A Cannabis, se alguém a vir, é uma planta com muitas variedades, é uma planta comprida e que floresce. Há outras que são arbustos. A cana de açúcar é uma cana. O mato é uma cana e as outras gramíneas também fazem cana. Essa é a origem da palavra.
Por que eu citei isto aqui, as questões das tradições da Bíblia? Porque esse é um assunto que está terrivelmente imiscuído com a religião. Então, achei muito importante entrar nessa explicação prévia. Os textos antigos foram escritos em hebraico. O Novo Testamento foi escrito em aramaico. Houve versões que foram para o grego. Depois houve concílios em Roma e em outras cidades do mundo antigo que decidiram qual era a versão final dos textos que iam ser utilizados. E o que eu quero citar é o seguinte: vocês já ouviram a expressão "é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus"? Todo mundo já ouviu isso, não já? Pois é, só que, no original, se escrevia "kamilos". Estão vendo ali que não havia as vogais - k'm'l's? Só que traduziram como camelos e isso vem até hoje, porque a gente utiliza a Bíblia do Rei Jaime e vem a versão como camelo, mas é kamilos. Há muito mais lógica, não é? "É mais fácil uma corda passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus". Está claro? Não é nenhuma heresia o que eu estou falando. Estou só mostrando uma questão de tradução. E onde eu quero chegar? Kamilos, corda; kamelos, camelo, isto aqui. Velho Testamento, Êxodo. Ali está a parte em hebraico que eu estou pegando, mostrando: kaneh-bosm, kineboisin, ou seja, cana aromática, cana com cheiro, que tem aquele forte cheiro.
E aí o que houve? Em 1936, uma pesquisadora polonesa fez um grande trabalho e descobriu que, no Velho Testamento, era na verdade maconha, cannabis, que era citada no famoso óleo que é recomendado para se fazer o óleo da unção dos reis, dos sacerdotes, daqueles agraciados. Está no Êxodo. E ali é colocado... Há todos os ingredientes.
Tome as seguintes finas especiarias: 500 shekels de mirra líquida, metade de canela perfumada, 250 shekels de q'aneh-bosm [cannabis], 50 shekels de cássia - tudo de acordo com o santuário - uma parte de azeite de oliva, transforme-os em óleo de unção sagrado, mistura perfumada [...] e consagrá-los para que sejam sagrados e tudo que tocar neles será santo.
Isso é maconha, gente. "Ungir Aarão seus filhos e consagrá-los para que possam servir como sacerdotes. Diga as israelitas: Este é o meu óleo", etc. Está aqui, está aqui.
Então, não existe nada de excepcional. E aí eu vou mostrando quanto pesa um shekel. Os etimologistas da Universidade Hebraica de Jerusalém, vários outros confirmando a mesma coisa: kineboisim, também escrito kannabosm, era um dos ingredientes, era maconha. E vários outros foram colocando também. Por que eu estou colocando isso? Além disso, há várias outras menções: Salomão, Cântico dos Cânticos, Jeremias, Ezequiel, vão citando.
Isso aqui é a rota da seda. A Cannabis é uma planta que se acredita seja de origem asiática. E ela está exatamente na Rota da Seda. Ela foi comercializada por todo o mundo antigo, ela foi passando. Todo o mundo antigo teve acesso a isso.
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E você encontra o nome cannabis, maconha, em várias línguas: sumério, arcádio, em hieróglifos antigos, no egípcio, no sânscrito, no persa, no hebreu, no grego. Você vai encontrando sempre o nome. Ou seja, era uma planta que era conhecida.
O ponto principal do rompimento, na civilização, na questão da Cannabis se chama Cruzadas. Mais ou menos no ano mil, mil e pouco da nossa era, houve um entendimento na Europa, na Idade Média, de que o mundo estava ruim porque os cristãos tinham se afastado dos ideais iniciais que tinham sido pregados por Jesus. Então, tinham de invadir o Oriente Médio para libertar as chamadas terras santas dos muçulmanos, que não eram cristãos, que não eram católicos. Isso deu origem a um grande choque de civilizações: os cristãos católicos de um lado; e os muçulmanos do outro. Cada um com suas características e com os seus hábitos.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Aqui são as rotas das Cruzadas. Aqui explicando por onde é que foram.
O ponto principal que eu gostaria que os senhores observassem é o seguinte: os muçulmanos fumavam maconha nos seus narguilés. Atenção, gente: narguilé não era para fumar tabaco. O tabaco foi descoberto por Cristóvão Colombo, em 1492, quando ele descobriu a América, pois os índios fumavam tabaco. Tabaco é uma planta da América, tabaco não é uma planta africana. Então, eles fumavam maconha, nas suas variadas formas: na folha, no haxixe, que é o extrato. E os europeus bebiam álcool, principalmente. Mas os muçulmanos também, naquela época, bebiam um pouco de álcool. Tanto que existem trechos falando da vergonha de líderes muçulmanos terem se embebedado.
Como consequência o que é que houve? Quando terminaram as Cruzadas, os católicos europeus passaram a associar a maconha e a sua fumaça ao diabo; os muçulmanos passaram a associar o álcool ao diabo e foi proibido o consumo do álcool entre os muçulmanos. É uma proibição que não foi colocada por Maomé, foi colocada por conta das Cruzadas. Estou explicando isso para vocês entenderem o choque de civilização, a carga negativa que existe na questão da maconha.
Isso daqui é o seguinte: a maconha tem uma fibra muito forte. Torno a dizer: isto aqui não é maconha, isso aqui é somente um mato que peguei só para poder exemplificar. Você desfia a maconha e faz uma fibra. Essa fibra, que é popularmente conhecida, é de uma variedade da maconha chamada cânhamo, que era utilizada para as velas de todas as embarcações. O Brasil, a América e as grandes navegações foram feitas com velas de cânhamo e cordas de cânhamo, que eram os únicos materiais que aguentavam até dois anos, no mar, no sal, sem se destruírem. Eles tinham uma resistência muito grande.
Olha que interessante. Isso daqui é uma foto de um pescador coreano em 1904. Ele está com roupas de cânhamo e a vela é de cânhamo. O que colocou é o seguinte: vocês estão vendo o símbolo da calça do Levi Strauss, da Levi's? Estão vendo? A Levi's era feita com cânhamo. Levi Strauss fez as calças jeans com cânhamo. Quando houve a proibição é que ele mudou para algodão. A grande propaganda era a de que ela não rasgava, que a fibra era resistente e não rasgava. Então, ela tinha uma utilidade.
Isso daqui...Se, por exemplo, soltarem, isso daqui foi um filme feito pelo Governo norte-americano em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Chama-se "Maconha para a Vitória", porque eles precisavam de maconha para todos os tecidos.
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Ponha-me, por favor, no ponto 4, de quatro minutos. Dê o play, por favor. Aí. Pode soltar. Dê o play, por gentileza.
(Procede-se à exibição de filme)
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Estão vendo? Estão vendo como é semelhante ao que eu falei aqui do caule? Então, se plantava a maconha porque ela fornecia a melhor fibra necessária para o esforço de guerra, para ser utilizada nos navios e nas roupas dos combatentes. Esse é o filme propaganda do Ministério da Agricultura norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942.
O.k. Obrigado. Pode voltar à apresentação, por favor. Vou adiante. Estou tentando passar aqui.
Lei seca nos Estados Unidos. Por que faço essa comparação? Por uma grande pressão religiosa, pelo alto índice de alcoolismo, de alcoólatras pesados, que os Estados Unidos tiveram, houve uma grande campanha. Eram ligas da moralidade, ligas da decência, principalmente com forte embasamento religioso, defendendo a proibição total do álcool nos Estados Unidos, o que foi aprovado em 1920. Vocês sabem qual foi a consequência, não é? A lei seca. O que aconteceu? Repressão, desobediência civil e, o mais grave, estabelecimento da máfia. Pessoal, essa é uma das coisas mais importantes. A partir do instante em que houve a proibição, a máfia se estabeleceu nos Estados Unidos. Eu faço essa comparação muito grande porque, a partir do instante em que houve a proibição...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - O senhor também vai ter o direito de poder falar. Eu escutei.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Então, o que acontece? A máfia se estabeleceu nos Estados Unidos, se organizou e se instalou e até hoje a máfia não saiu dos Estados Unidos. Ela muda de líderes, mas a máfia está nos Estados Unidos. Se estabeleceu e criou raízes por conta do tráfico de bebidas.
Quando terminou a lei seca, o departamento encarregado, que deu origem à DEA, ia ser instinto. Aí vieram com uma nova proposta: "Não, nós temos um grande problema, nós temos um novo objeto, que é a maconha." Aí começaram a mover uma grande campanha contra a maconha, que era associada aos negros e aos latinos. E começaram a fazer uma grande campanha, uma grande campanha mesmo, também associando a fumaça da maconha ao diabo.
Isso daqui é um filme chamado "Reefer Madness". Não vou precisar exibi-lo agora, senão tomará mais tempo e podem contestar. Esse filme foi feito justamente colocando que todas as pessoas que fumacem maconha iam começar a se suicidar, iam matar, iam perder o controle e que seria uma coisa calamitosa. E fez um grande efeito, na época.
O que eu quero dizer aqui? Em 1964, com base na Doutrina de Segurança Nacional, houve uma ligação de que a maconha e outras drogas seriam frutos do movimento comunista internacional para poder destruir a juventude brasileira. Com isso, com base na Lei de Segurança Nacional, houve uma forte lei de tóxicos e entorpecentes que estabelecia penas pesadas - tendo como base originária a Lei de Segurança Nacional. Paralelamente, o que tivemos no Brasil? A formação do Comando Vermelho, do Primeiro Comando da Capital, do Terceiro Comando Puro. Ou seja, por uma grande coincidência, a partir do instante em que nós iniciamos - nós, Brasil - essa campanha enorme contra as drogas, o crime organizado expandiu-se no Brasil: o Comando Vermelho, o PCC, o Terceiro Comando e todos os outros.
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O que é que eu quero dizer? A polícia gasta um terço do seu tempo... O Senador Styvenson, que foi policial, pode me confirmar os dados? É quase um terço do tempo das atividades policiais envolvidas em drogas. Não é isso, Senador? Posso utilizar? Mais ou menos isso, não é?
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - O que o senhor pode utilizar, porque foi dito aqui e eu interferi, é que o palestrante argumentou que o traficante teria um coração bom.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Não. Não vou entrar nisso, não vou entrar nisso.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Bom, entendi isso.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Não vou entrar. Também acho que bandido é bandido...
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Eu acho que está partindo para outro campo. É melhor ficar no campo da medicação! É melhor. Vamos deixar a segurança pública para lá.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - O.k.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) - Senão não seria uma audiência de saúde.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Não há problema. Eu ia só mostrar que pessoas estão sendo presas por conta da maconha e que nós temos, hoje, o terceiro maior número de presos em todo o mundo, mais de 700 mil presos, 60% ligados às drogas.
O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Falta só a conclusão, a conclusão disso aí.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - Isso. Então, o que vou dizer é o seguinte: nós temos, querendo ou não, forte relação da maconha com o tratamento de câncer, epilepsia, Parkinson, anorexia e outros; nós teríamos uma redução nos custos, porque a maconha poderia ser plantada e não necessariamente comprada; e nós temos a questão medicinal.
Senhores, é isso.
Muito obrigada, Senadora. Muito obrigada a todos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Gente, o expositor a gente tem que ouvir, depois se conversa.
Eu quero agradecer ao Dr. Carlos Penna e, mais uma vez, lembrar a quem está nos assistindo que o assunto aqui é discutir a eficácia terapêutica desse produto.
O senhor disse o que eu queria dizer: se está pecando o Estado brasileiro, é no não investimento na pesquisa científica. Certo? Aqui não é uma questão de religiosidade. Independentemente de tipo de religião, se há eficácia terapêutica confirmada, com certeza nós vamos correr atrás disso. É o que a gente faz. Foi assim que a gente derrubou várias barreiras.
É preciso lembrar: o Estado brasileiro tem que pesquisar. Quem tem que produzir... A responsabilidade pela saúde não é de uma senhora, de um pai, que tem um filho e que vai ter que plantar maconha para tirar o extrato. Só deixando claro.
Já passo a palavra para Antônio Geraldo da Silva, Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senadora. Boa tarde a todos! Aliás, bom dia a todos!
Minha intenção aqui é trazer algumas ponderações. Antes mesmo de iniciar os eslaides, gostaria de falar que a posição da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), da Associação Psiquiátrica da América Latina é a de que nós somos favoráveis a qualquer pesquisa para salvar vidas. Nós, em momento alguém, somos contrários a qualquer pesquisa para salvar vidas - a pesquisas.
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É importante o que eu quero dizer à Senadora. Vou esperar só o Carlos Penna terminar sua parte aqui.
Como sou psiquiatra, preciso deixar bem claro uma questão que é extremamente importante: o canabidiol já está liberado para uso para quem está apto a clinicar. O fato de ser médico não dá capacidade de as pessoas fazerem tudo na Medicina. Então, já foi liberado para quem está apto a clinicar. Quem pode fazer diagnóstico, diagnóstico diferencial de doenças psiquiátricas, de doenças neurológicos, são os neurologistas e os psiquiatras. Agora, é importante buscar formas - isso é responsabilidade do Governo - de atender a toda a população que necessitar de todo tipo de tratamento. Isso é do SUS.
Quero, antes de começar, já que o tema é exatamente em cima dessa questão medicinal... Como médico psiquiatra, quero dizer uma coisa importante, Senadora, Senadora Mara: não existe nenhuma agência reguladora do mundo que tenha registro do uso do canabidiol para doenças psiquiátricas. Então, quando um não psiquiatra, sem botar a fonte da pesquisa, colocar para vocês que há, para doenças psiquiátricas, é um erro: não há para nenhuma doença psiquiátrica. Isso é importante dizer para não restarem dúvidas. A gente pode colocar o que quiser nos eslaides, mas, se a gente não citar a fonte, é grave.
No meu segundo eslaide, eu coloco aqui todos os meus conflitos de interesse. Todos esses conflitos de interesse que eu tenho aqui são ocupações voluntárias e sem remuneração laboral. Sou o 1º Secretário da Federação Nacional dos Médicos, Diretor da Apal, Diretor da ABP, sou o Diretor Associado dessa revista, a RBP - hoje é a atual BJP, que tem um fator de impacto, como revista internacional científica, de 2.440. Essa é a revista que faz a melhor ciência na América Latina, aliás, no Cone Sul, na parte debaixo, aqui do lado sul do mundo, como a melhor revista da área de psiquiatria. Não há nenhuma outra melhor do que ela. Essa é a quarta revista de acesso aberto no mundo. Então, a gente está falando de ciência, mas fazendo ciência. Essa revista é da nossa Associação Brasileira de Psiquiatria. Também sou editor - review editor - da Frontiers. Essa é uma revista que tem fator de impacto de 5.6, só faz ciência mesmo, ciência pura. É só entrar e jogar no PubMed que vai achar. Sou membro da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Federal de Medicina. Tenho doutoramento em Bioética pela Faculdade de Medicina do Porto, sou membro titular do Conad do Ministério da Justiça pelo Conselho Federal de Medicina. Sou membro da Academia de Medicina da Brasília, sou membro correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais, sou Diretor Assistencialista da Abravic (Associação Brasileira das Vítimas do Acidente com a Chapecoense), professor convidado da Santa Casa, membro do Comitê Intergestor do Programa Trabalho Seguro do Tribunal Superior do Trabalho.
Nada disso me dá um real sequer. Não tenho vínculo empregatício, de freelancer ou qualquer outro, com ganho financeiro, com ONGs, indústria de equipamentos, indústria de medicamentos, indústria do álcool, indústria do fumo, indústria da maconha e nem mesmo faço investimentos em ações de empresas dessas áreas.
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Trouxe aqui uma dúvida, uma questão importante. Se já temos canabidiol sintético, por que falamos na maconha medicinal? Primeiro, essa terminologia é inadequada. As pesquisas já mostram isso - e nós podemos citar, para quem quiser posso mandar. Quando você usa a terminologia maconha medicinal, você leva as pessoas a terem uma diminuição da percepção do risco em usar maconha. Falam assim: "Posso fumar porque é medicinal. O que é que tem? Faz bem, é medicinal". Não é assim, nem pode ser dito assim.
A maconha tem cerca de 500 substâncias dentro dela. Aí nós temos, dessas 500 substâncias que estão dentro dela, o canabidiol. Isso é uma coisa. Você não pode, em nome de falar que vai fazer o bem, dar para uma pessoa 500 substâncias para tentar atingir uma, sem saber a dosagem, sem saber o efeito dela. A maconha dos Beatles foi uma, a maconha atual é transformada geneticamente e chega a ter 30 vezes mais THC do que aquela maconha dos Beatles, de 1970. Isso mudou. Daí a você falar... Não há nenhuma agência reguladora do mundo que tenha registro do canabidiol para doenças psiquiátricas. Não existe em nenhuma do mundo. Então, em psiquiatria a conversa está acertada, porque esse é um fato. Muito bem.
Falar em maconha medicinal, falar isso, divulgar isso, propagar isso, falar em Cannabis medicinal é fazer com que as populações tenham uma diminuição da percepção de risco. Não pode ser feito isso. Isso é grave. Nós estamos falando de uma substância, que é o canabidiol.
Mas algumas coisas são interessantes. No Brasil, o único medicamento diretamente derivado da cânabis registrado na Anvisa é o Nabiximols, o Mevatyl. Ele é composto de 50% de canabidiol não psicoativo e de 50% de THC, a parte psicoativa da Cannabis. Sua única indicação aprovada é a espasticidade na esclerose múltipla. Isso pela Anvisa.
O Conselho Federal de Medicina liberou, para uso compassivo, nas situações descritas que todos já sabem, para neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras, em situações de não resposta dos pacientes com epilepsia, mas isso tem que seguir o que deve ser seguido para respeitar o doente, para não fazer o doente entrar em risco. Essa Resolução é a 2.113, de 2014. Desde 2014, há cinco anos, o Conselho Federal de Medicina já liberou isso: "Restringir a prescrição compassiva do canabidiol às especialidades de neurologia e suas áreas de atuação, neurocirurgia e psiquiatria".
Muito bem. Quando usamos o termo medicamento extraído da cânabis, estamos nos referindo a dois compostos com três indicações formais apenas, a apenas isso. Existem mais de 500 substâncias químicas presentes na maconha, das quais, cerca de 60 são classificadas como canabinoides.
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Quanto ao chamado uso medicinal, atualmente a Anvisa autoriza a importação de apenas 11 produtos, todos à base de canabidiol, somente mediante prescrição médica. Portanto, do ponto de vista científico, são pouquíssimos os compostos derivados da cânabis que passaram por todas as etapas de desenvolvimento exigidas para testar a eficácia e a segurança de um medicamento antes de sua comercialização. Aí eu volto à fala da nossa Presidente da Mesa, em que ela disse exatamente isso: isso é responsabilidade do Estado. O Estado não pode se furtar a esta responsabilidade.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA - Isso é sério. É muito sério.
Nós não podemos, por falta da capacidade do Estado de fazer, tomar atitudes como tomam. Por exemplo, no Brasil, soltaram, num decreto, 100 mil presos. Por quê? Porque o Estado não tinha onde colocá-los. No Brasil, no primeiro grau, toda criança passa de ano por quê? Porque a escola era ruim, aí fez-se progressão obrigatória. Isso é gravíssimo! Não podemos nos comportar mais assim. Você não pode permitir o que é errado em nome da incapacidade do Estado de fazer a gestão pública. Isso é completamente inadequado. Deixar a saúde das pessoas à mercê do que pode acontecer com qualquer um, que é um problema gravíssimo, é péssimo.
Eu acredito em promoção da saúde, prevenção de doenças, e nós médicos fazemos isso. É o que nós queremos. O exemplo do cigarro que foi dado anteriormente é maravilhoso. O melhor case que existe no mundo é o do Brasil. Quarenta e oito e meio por cento da população brasileira fumava. Com as restrições, caiu para 11%, 10,8%. Não é facilitando o acesso, você faz é restrição de acesso. Não deveria nem existir o cigarro para mim, que sou médico, esse é o meu pensamento.
Agora, eu respeito, quando as pessoas falam para ser respeitado, quando eu falo. Acho importante isso.
Já é a quarta vez que eu tenho que parar por causa disso.
Então, é importante lembrar que o único medicamento formalmente liberado para prescrição médica pela agência reguladora federal, a FDA, é o Epidiolex. Isso nos Estados Unidos, só existe um. Ele é 100% canabidiol com indicação restrita às Síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut. Não são síndromes psiquiátricas.
Muito bem, a diferença entre o remédio e o veneno nós devemos avaliar: não é por causa de 500 produtos permitir algo que seja fumado. Como médico, eu lhes afirmo: não há nenhuma substância fumada que faz bem à saúde. Isso é um fato. Produção de óleo, isso deve ser responsabilidade do Estado. Nós temos aqui, pelo próprio Estado, produção de medicamentos.
Então, se há uma necessidade de produzir medicamentos, o Estado deve assumi-la e assumi-la gratuitamente. Senadora Mara, não existe nenhum psicotrópico que nós psiquiatras usamos na farmácia popular. Por que a gente não faz um PL aqui para isso, Senador Girão, Senador Paim? Isso é gravíssimo! Você não tem na farmácia popular um antidepressivo. Isso é um absurdo!
Então, você não tem acesso ao tratamento. Você tem dificuldade de acessar o tratamento. Medicamentos chamados de medicamentos excepcionais custam centavos, R$0,05, R$0,07. Estão lá como medicamentos de alto custo. Isso tem que acabar. O acesso à medicação é direito. Se existe a necessidade de tratar, se eu, psiquiatra, precisar usar da substância canabidiol para uma pessoa que tenha epilepsia, eu não tenho mais nenhum outro recurso - e o CFM permitiu o uso compassivo -, ele não tem no Estado para poder usar. E, aí, como é que fica? Eu não vou usar. Eu não vou usar, porque não temos o canabidiol 100% puro para poder usar, e eu só o faria realmente como uso compassivo, mas não pretendo usar, até porque essa não é minha área de atuação. Eu não faço neurologia, eu faço psiquiatria.
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Agora, eu queria lembrar o business pundit, é importante mostrar isso aqui: os bancos têm 1 quatrilhão de movimentação mundial de dinheiro, o mercado de negócios mais lucrativo do mundo; petróleo, 2,5 trilhões; a indústria bélica, 1,15 trilhões; a indústria farmacêutica, 700 bilhões. Se você somar a indústria do álcool, tabaco, drogas e a maconha, isso dá 1,35 bilhões. Nós vamos passar a indústria farmacêutica e a indústria bélica.
Isso deve ter alguma razão de ser. Em todas essas revistas do mundo, saiu como capa a publicidade da maconha. A penúltima revista ali, a Superinteressante, é muito interessante mesmo. Ela não tem uma publicidade, não tem uma página sequer de publicidade. Interessante saber quem é que pagou essa revista, não é? Porque uma revista que normalmente sai com 20, 30, 50 publicidades traz uma revista sem nenhuma publicidade. E ali só fala de benefícios irreais e como isso sendo base para as pessoas citarem como sendo científico. Qual o fator de impacto dessa revista? Zero, nenhum fator de impacto.
Quem, em 2012, comprou ações da maconha - e isso é uma publicidade, isso é uma publicidade, disponível na internet: "Ganhe milhões investindo centavos no ouro verde dos EUA. Orgânico, rentável e absolutamente dentro da lei" -, quem investiu, em 2012, US$1,5 mil, presta atenção, em ações da maconha, em 2014, tinha na conta US$2,5 milhões. Está aqui: 135,614% de valorização.
Então, a gente precisa entender esses congressos falando "Tudo pronto para os primeiros milionários da maconha nos EUA", "Indústria da maconha na Bolsa, ações supervalorizadas". A gente tem que olhar tudo. Está aqui, olha: anteriormente, Cannabis... Isso aqui é essa indústria da maconha chamada Praetorian. Essa indústria da maconha - eu vou passar rápido, só para ver... A primeira ali é a Best Buy, a segunda é a Microsoft, a terceira é a Cisco, a quarta é o Franklin, e a quinta, a Preatorian, 135 o percentual de lucros da empresa.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA - Muito bem. "EUA debate danos da maconha legalizada". Ao mesmo tempo em que fala isso, a gente vê que outros sintomas relacionados à Cannabis saltaram de 161 sintomas para 777. Por quê? Por causa das transformações genéticas, e isso para no meu consultório. Isso para, levando os doentes mentais, adoecidos para o meu consultório. Eu estou legislando contra o meu consultório. Liberar a maconha ou, em nome de tratamento, você falar em álcool medicinal, maconha medicinal, você não pode fazer isso.
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Anúncios de estufa para cultivo da maconha. Na matéria sobre maconha, eles botam anúncios do cultivo: a estufa, venda de estufa.
Isso é um vídeo. Eu vou passar esse vídeo - você clica aí ou eu clico aqui -, só para vocês ouvirem isso.
Conseguiu não?
(Procede-se à exibição de vídeo.)
(Soa a campainha.)
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - A conversa está muito boa, mas há o tempo - dez mais quinze.
Mas eu quero, antes de passar a Presidência para Paulo Paim, deixar claro, Presidente, que aqui a gente veio para discutir, dar visibilidade à população brasileira, não só a esse Congresso, da importância de se ver... Por exemplo, hoje quem está nos assistindo está vendo que a maconha tem uma substância que é comprovadamente nociva, que é o THC, e que tem o canabidiol. E está provado cientificamente que não existe nenhum estudo comprovando que tenha efeito nas doenças psiquiátricas, como foi provado agora.
E quero dizer o seguinte para o Brasil: nós estamos aqui para ajudar e, se existe algo que está faltando, são mais pesquisas, Paulo Paim, do Estado. O que não pode é aqui a gente incentivar, ou seja, botar no colo das pessoas que têm crianças, filhos com epilepsia refratária, porque, das pesquisas, é a que é mais robusta de todas elas - quanto às outras patologias, a gente vê que praticamente não há quase nenhum estudo. A gente quer o melhor.
E quero deixar claro: o responsável pela saúde do povo se chama Estado brasileiro. E, neste Senado e neste Congresso, a gente está aqui para isso. Eficácia terapêutica, independentemente de religião, pressão, do que for... A ciência veio para derrubar as verdades absolutas de qualquer coisa. Mas eu lhe digo o seguinte: eu sou médica de formação da universidade e já ouvi muitas pessoas que estão conseguindo para a epilepsia refratária, mas é essencial que elas saibam do risco. Eu acho que não existe, assim, um estudo científico dizendo que usou tantos anos, porque a gente sabe que a maioria dos efeitos colaterais a gente descobre alguns anos depois. Existe estudo já inicial.... É essencial à ciência e tecnologia deste Estado brasileiro investir, para a gente descobrir e não deixar mães serem presas ou resolverem... Para o desespero dos pais com o filho doente, a gente tem que ter esse olhar humano, mas também tem que existir o olhar do Estado para proteção.
Muito obrigada.
E agora vou chamar aqui... (Palmas.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A senhora pode continuar presidindo.
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Não, mas eu vou chamar aqui...
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA (Fora do microfone.) - Só para finalizar, porque...
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A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Eu já tinha dado seus cinco minutos, mas termine.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA - É porque eu tentei manter o mesmo tempo que o rapaz anterior tinha falado e eu ia só finalizar.
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Pronto.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA - Se a gente tem essa substância, se o Estado tem obrigação de passar para a população todo o tratamento médico, eu acho que não faz sentido a gente passar para a população a atividade de farmacêutico, de bioquímico, porque o Estado está falhando.
A população não está preparada para fazer medicamentos. Medicamentos são etapas várias, são várias etapas. Em nome disso, de medicamentos, liberar a droga no País, liberar a plantação de drogas no País, porque o Estado não está sendo capaz de resolver o seu problema de fornecer para essas famílias é inaceitável. Isso é responsabilidade do Estado. O Estado deve fazer o seu papel. Isso é necessário que se faça.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - Eu quero convidar... a palavra eu vou passar agora para Norberto Fischer, pai de paciente autorizada judicialmente a importar a Cannabis para uso medicinal e, ao mesmo tempo, passar a Presidência para o meu colega aqui, Paulo Paim. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós vamos retomar os trabalhos.
O Senador Girão já está com a gente. Ele vai presidir também à tarde e o Senador que você justificou, o Alessandro, está chegando, teve problema de voo, não é?
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - Estão chegando agora. Daqui a pouquinho.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele é o Relator, inclusive, dessa SUG.
Então, vamos lá.
Eu vou manter o tempo, pessoal, para dar tempo de todos falarem, dez minutos com mais cinco, e depois almoçarem, porque à tarde a gente retoma aqui, às 14 horas.
Então, passo a palavra para Norberto Fischer, pai de paciente autorizada judicialmente a importar Cannabis para uso medicinal.
O SR. NOBERTO FISCHER (Para exposição de convidado.) - Boa tarde. Boa tarde à população no Brasil todo aí, que está nos assistindo nesse tema polêmico.
Agradeço ao Senador Paulo Paim, em nome de quem cumprimento todo mundo, todos os presentes na Mesa.
Senadora Mara Gabrilli, a Katiele manda um abraço.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita que eu convide para a Mesa, me avisaram agora que ela não está na Mesa, a médica e consultora técnica em terapia canabinóide, Academia Internacional de Cannabis, Dra. Carolina Nocetti.
O.k.?
Está vindo para a Mesa?
Então, retome o seu tempo. Vamos lá.
O SR. NOBERTO FISCHER - Eu sou Norberto Fischer, sou pai da Anny, a primeira brasileira autorizada a importar um derivado da maconha, um produto rico em canabidiol, para fazer uso medicamentoso.
Nós temos à Mesa aqui, também, a Margarete, que é a primeira mãe no Brasil autorizada a plantar no Brasil. Temos a Cidinha, que é a primeira mãe também autorizada a plantar em São Paulo.
Então, assim, acho que em termos de sociedade, a gente está bem representado aqui hoje.
Deixo um abraço para o Leandro Ramires ali. Bastante forte a sua apresentação de manhã cedo.
Eu vou falar rapidamente, mas eu gostaria de deixar algumas palavras e que, ao final dessas poucas palavras de pai, eu consiga transmitir alguma mensagem que seja justa e perfeita para que a gente possa fazer o que é melhor, de fato, para a sociedade brasileira.
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Sou pai da Anny e, recentemente, até por uma questão de não deixar dúvidas, eu fui contratado pela HempMeds, que é a empresa que vende o produto para a minha filha, fui contratado por eles. Então, hoje, além de pai da Anny e ativista social pelo uso medicinal da Cannabis no Brasil, também sou Diretor de Relacionamento Institucional da HempMeds Brasil.
Uma coisa que eu acho bastante interessante nas apresentações - não sei se vocês perceberam - é que, dependendo do posicionamento, parece que os números mudam, não é? Se você olha para o PubMed, dependendo de quem apresenta, a pessoa diz que existem números que comprovam a eficácia. Se a pessoa é contra, não existem números que provam a eficácia. É bastante interessante isso.
Eu acredito que, se vocês perguntarem para as famílias que estão usando hoje, para os pais que estão usando hoje, se funciona ou não funciona, eu acho que vocês vão ter uma surpresa em termos de resposta e de eficácia do uso medicinal. Independentemente de PubMeds, independentemente de pesquisas, as famílias podem dar seus testemunhos. E até em nome da empresa, da HempMeds, eu boto à disposição - não os dados privados, eu não posso fazer isso - dados de pacientes, dos resultados. Vocês estão convidados a acessar e verem os resultados desse uso desde 2014 no Brasil por centenas de brasileiros.
Então, os resultados são fato e a gente não vai parar de usar, porque não tem como voltar atrás. Está fazendo efeito, é positivo e as crianças estão tendo qualidade de vida, e não só as crianças como a família também.
Vou resgatar a fala, acho que foi do Ramires, em que ele comentou: a Anny parava pelo menos uma vez ou duas vezes no mês na UTI. Depois que começou a usar o canabidiol, nesses últimos cinco anos, ela só foi duas vezes para a UTI, e mesmo assim não foi por causa de epilepsia, foram outros fatores.
Então, somente isto, já deveria levar o Estado a querer dar este produto de graça na sua rede pública devido à economia, devido à qualidade de vida da população.
Eu acho que a dúvida não é mais nem se é eficaz ou não é eficaz, se funciona ou não funciona, eu acho que isso aí é coisa do passado. Eu acho que a dúvida aqui seria sobre regulamentar ou não regulamentar, e, se regulamentar, quais são as bases dessa regulamentação, até onde o Estado vai querer controlar e até onde o Estado vai querer ter no seu poder o que está sendo produzido e está sendo fabricado.
Eu acho que aí talvez seja o grande diferencial e o próximo passo a ser dado. Desde 2017, a equipe técnica da Anvisa já tem um material pronto para criar a regulamentação no Brasil. Somente agora foi colocado a público para iniciar o processo de regulamentação. Aí a gente fica perguntando: se a equipe técnica já tinha convicção em 2017, por que somente agora foi colocado para consulta pública para que as pessoas pudessem contribuir?
Então, isso chama a atenção, isso causa um pouco de desconforto às famílias, causa um pouco de preocupação em relação ao processo. A gente vê vários exemplos do que está acontecendo. Existe a SUG nº 6, a SUG nº 8, a sociedade está se movimentando, existe o PL nº 514. A sociedade está demonstrando para os órgãos públicos, para os políticos, que existe uma necessidade e a gente não pode ficar parado. A impressão que as famílias têm, o que nós familiares sentimos é como se o Estado estivesse anestesiado e essa anestesia do Estado é prejudicial à sociedade, é prejudicial à família. Nós queremos que, de fato, a regulamentação ande, que ela avance.
Eu vejo muito também a preocupação... Até o Osmar Terra fez um posicionamento oficial nas redes sociais, fez até uma carta aberta junto com o CFM, pedindo para que a Anvisa parasse o processo de regulamentação.
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Eu acho que existe uma grande confusão também de papéis e competências. A Anvisa tem a competência de regulamentar o registro de produtos e o processo para poder fazer a venda de produtos. O autocultivo, por exemplo, o cultivo pessoal não é papel da Anvisa, não é competência da Anvisa regulamentar. Então, são coisas diferentes.
Então, assim, o Governo fazer uma pressão para que a Anvisa pare um processo de regulamentação é muito estranho, visto que o que o Governo está tentando combater quando se fala no combate às drogas, a preocupação em relação às drogas, não tem relação direta com o que a Anvisa está fazendo. São coisas diferentes, são competências diferentes. Isso também me chama bastante a atenção.
Uma coisa que a gente observa na Anvisa e eu sinto que também há isso um pouco nas diversas esferas do Governo - a federal, a estadual e a municipal -, a gente percebe essa preocupação, é a chamada gestão pela exceção. Eu escutei alguém comentando aqui de manhã cedo: "mas e se a mãe produzir e ela pegar um pouco do seu produto e passar para outra família?" Então, assim, isso causa um desconforto muito grande, essa preocupação da exceção.
Hoje a Anvisa foi até elogiada por uma mãe, de manhã cedo, porque a Anvisa faz um processo bastante rápido. Hoje uma renovação de um pedido para a Anvisa não demora menos que 45 dias. Gente, isso é um absurdo. A gente não pode se submeter a uma demora de 45 dias para que um técnico de nível médio diga se o que o médico prescreveu tem ou não tem coerência. É uma coisa meio sem sentido esse processo.
Então, a gente precisa rever os processos e criar uma regulamentação, avançar nesse processo não pela exceção, mas por aquilo que de fato é o foco, o que precisa ser feito. Então, quando a gente começa a pensar demais que uma família pode querer produzir e fazer o uso recreativo desse medicamento. Gente, isso é exceção. Nós vamos prejudicar milhares de famílias, nós vamos prejudicar a sociedade brasileira como um todo porque algumas pessoas poderão fazer o uso ilegal?
E aí, eu já comento. Já fazem. As pessoas que querem fazer o uso equivocado, o uso ilegal, o uso fora da lei já estão fazendo. Não vai ser uma regulamentação de controle do Estado, uma regulamentação que vai cercear de fato a possibilidade de acesso que vai corrigir esse problema. Então, eu acho que é algo que precisa ser visto e precisa ser pensado.
Eu defendo, peço ajuda a todos os senhores e senhoras que têm cargos políticos aqui e que possam fazer a diferença. Isso é um apelo meu, que ajudem, que permitam, que deixem a Anvisa...
(Soa a campainha.)
O SR. NOBERTO FISCHER - ... fazer o trabalho dela de forma técnica, de forma séria e segura, de forma oficial, que não tenha uma interferência política, ideológica ou de religião, para que ela possa atuar de maneira técnica. É isso que a gente pede, porque tecnicamente a gente vai avançar, a gente vai dar segurança às famílias e a gente vai conseguir fazer o que é melhor para o Brasil, fazendo realmente de fato uma regulamentação ao final justa e perfeita para todos.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse foi Norberto Fischer, pai de paciente autorizada judicialmente a importar Cannabis para uso medicinal.
Vamos em frente. Só faltam mais três, e daí vamos para a tarde.
Margarete Santos de Brito.
É claro que o Senador Girão usará a palavra no momento em que entender adequado.
Margarete Santos de Brito, Coordenadora de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal. Dez minutos, com mais cinco.
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Bom dia. Está funcionando?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só apertar no botão e acender a luz verde.
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A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Bom dia a todos e todas!
Como fui apresentada, meu nome é Margarete Brito. Eu sou advogada de formação, sou mãe da Sofia e coordenadora da Apepi, que é uma associação que nasceu em 2014, pela organização de outras mães, devido à necessidade de a gente se organizar, da sociedade civil organizada, para demandar Legislativo, Executivo, Judiciário. Desde lá, a gente vem obtendo muito êxito, embora não na velocidade que a gente precise, mas a gente vem obtendo alguns avanços.
Eu queria dizer que é uma pena que algumas pessoas que falaram antes de mim não estejam aqui para ouvir o que eu tenho a falar. A gente sabe que o Ministro Osmar Terra e o Laranjeira são as pessoas da hegemonia do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria, que são as pessoas que fazem uma política de resistência muito grande para que essa pauta da regulamentação da Cannabis avance.
É uma pena a gente dizer para vocês que infelizmente vocês perderam, simplesmente por uma coisa: porque funciona. Simplesmente por isso, porque pode ter pena de morte, pode ter o que for, a gente vai continuar plantando simplesmente porque funciona. (Palmas.)
Essa proteção excessiva que vocês querem dar a nós não cola mais. Não cola mais.
Então, essa medicina baseada em evidência eu acho que tem que ser repensada porque é como o Fischer falou: artigo científico a gente tem para provar qualquer coisa, qualquer opinião. Se você quiser ter artigo científico para provar que funciona, você tem. Se você quiser ter artigo científico para provar que não funciona, você tem. E a gente quer dizer que só cresceu tanto porque funciona. É simples assim. Está bom?
Seguindo, pode pôr o próximo.
Essa revista, que algumas pessoas receberam, mas quem está nos assistindo não recebeu, foi produzida pela Apepi e essas primeiras aspas que a gente coloca são retiradas de um artigo científico, em que - para o Ministro Osmar Terra, eu quero dizer aqui que o maior cientista brasileiro não é o Crippa, é o Sr. Elisaldo Carlini, que foi professor do Crippa - ele diz, não sei se antes de ele obter a sua patente, ele escreve que a planta Cannabis sativa, e não a molécula isolada, é usada há mais de não sei quantos anos e isso não precisa mais a gente ficar repetindo isso. Há cinco anos eu venho aqui, eu ouço as mesmas coisas e, enfim, eu tenho que falar as mesmas coisas.
Mas eu acho que a gente pode pular esse eslaide porque é assinado inclusive pela revista, são aspas.
Obrigada.
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Vou passar rapidamente esse também porque eu acho que está mais do que sabido que o CBD e o THC são as duas moléculas que são mais estudadas, mas eu queria dizer para o Sr. Quirino que é muito estranho ouvir dele que não existe evidência científica. Como não existe evidência, se o Sativex, que é 50/50, CBD e THC, foi inclusive registrado na Anvisa. Ele passou pelo pré-clínico, fase 1, fase 2, fase 3, e tem registro.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR (Fora do microfone.) - Canabidiol para epilepsia.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Ele tem canabidiol e tem THC.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos conceder a palavra à painelista.
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO (Para exposição de convidado.) - E o Dronabinol, que é a molécula sintetizada... O Dronabinol, para quem não sabe, é a molécula sintetizada, registrada pela Anvisa, com pré-clínico, fase 1, fase 2, com todas as evidências clínicas que vocês gostam dessa medicina de evidência. Então, o Dronabinol está aí registrado, é a molécula do tão vilão THC, que todo mundo contesta. E o Sativex, que é 50/50, CBD e THC, também com todas essas evidências aí.
Então, pode passar. Ah, eu passo aqui.
E aí, como muito bem o Dr. Leandro Ramires falou: "porque é uma panaceia, porque, se serve para tudo, não serve para nada". O grande astro não é a maconha, é o nosso sistema endocanabinoide. Também é só digitar no Google: sistema endocanabinoide, é supersimples de você entender. A gente tem canabinoides dentro da gente. Então, por que funciona para tantas doenças? Porque a gente tem receptores no corpo todo, principalmente naquelas duas áreas azuis, onde está destacado ali.
Então, é por isso. Eu não sou médica, eu sou advogada. Essa revista foi revisada por cientista. Eu não estou falando aqui nada que eu acho, não é achismo. Isso daí é ciência. Infelizmente, uma mãe tem que mostrar ciência para médico e é assim que a maconha ressurge na medicina. Não é a Superinteressante, Ronaldo Laranjeira, não é mesmo. A Superinteressante simplesmente telefonou para descobrir um caso que já existia. Somos nós! Nós somos a evidência, nós somos as pessoas que vão dizer porque, sim, funciona.
Agora, o senhor vai falar assim: "mas não pode usar a maconha porque você não sabe o que vai acontecer, aqueles 500 canabinoides que você não sabe". E o benzodiazepínico? E o Topiramato, que minha filha toma? Quando ela começou a usar o extrato integral, tiramos o Topiramato, ela era hipotônica, voltou a ficar mais durinha. E o que acontece com ela se ela ficar vinte anos tomando Topiramato e benzodiazepínico? Vocês sabiam que existem clínicas de desintoxicação de benzodiazepínicos? E por que vocês não estão aqui fazendo um PL para proibir? "Porque tem evidência". É, tem evidência.
Eu estou aqui também para dizer um pouco do fato social. O que acontece hoje é que os consultórios médicos estão simplesmente lotados de pacientes que já chegam nos consultórios dizendo que precisam, porque um paciente tem que ter pelo menos o direito de experimentar. E, se ele não tiver esse direito, ele vai fazer de forma ilegal.
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Então, a gente está aqui não é para querer fazer uma panaceia, para sair plantando. A gente está aqui pedindo para ser regulado. A gente está aqui pedindo para vocês legislarem porque, se vocês não legislarem, o Judiciário vai legislar, o STF vai legislar. A gente está aqui há cinco anos. A gente está aqui desde 2014 pedindo para ser regulado. A gente não quer ficar nessa panaceia. A gente quer que vocês façam o que a gente paga vocês para fazerem, para regulamentar.
Como disse alguém aqui antes de mim, eu acho que o PL nº 414 é um PL que contempla um pouco mais as nossas necessidades. A gente não aguenta mais. Cada hora surge um projeto novo. Vamos conversar sobre isso. Assim, a gente movimenta toda a máquina legislativa, a gente movimenta toda hora. Isso aqui tudo custa dinheiro. Por quê? A gente já tem alguns outros PLs antes.
Essa iniciativa sobre a qual a gente está fazendo a audiência aqui, que é a SUG nº 6, de 2016. Foi feita, parece, uma tradução de um projeto de lei de outro país...
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI (Fora do microfone.) - Portugal.
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Foi de Portugal.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Eu não tive tempo de ler, eram 70 páginas. Eu li alguns pontos que me interessavam mais. E, por exemplo, o ponto que fala sobre o clube, coloca só 45. A associação que eu presido já tem mais de 150 pessoas cadastradas e recebendo o medicamento.
A gente quer fazer as coisas dentro da legalidade e, se vocês não legislarem, a gente vai continuar fazendo fora da legalidade. Sabe por que, Senador? Porque funciona! Simples assim, porque funciona.
Eu queria só encerrar colocando um videozinho, que mostra muito... Eu acho que a militância e o ativismo mudaram de fase, de falar de canabidiol, porque o THC também funciona.
Eu quero só colocar.
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(Procede-se à exibição do vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E você concluir, naturalmente.
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Só quero concluir. Quero dizer que a regulamentação que a Anvisa está colocando para consulta pública agora não contempla, por exemplo, esse tipo de uso. E quem tem alguns tipos de doença tem que ter a erva vaporizada. E a gente acha que a vocação de algumas associações, como a Apepi, a AMA+ME, que já entraram com ação judicial para ter a regulamentação do seu cultivo... Devido à falta de legislação, a gente tem essa vocação e consegue suprir. Eu acho que não vai ser via Anvisa, eu acho que tem que ser via Legislativo.
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E eu encerro dizendo, Senador, que eu gostaria que houvesse aqui uma comissão mista de que as associações pudessem fazer parte, porque eu acho que nada sobre a gente sem a nossa participação.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Essa foi a Margarete Santos de Brito, Coordenadora de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal.
De imediato, Viviane Sedola, CEO e fundadora da Dr. Cannabis.
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - Senador Paulo Paim, eu queria pedir permissão à Dra. Viviane...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - ... que vai falar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Senador Girão é um dos autores, inclusive, do requerimento.
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - Isso.
Eu acredito que... Em primeiro lugar, quero parabenizar V. Exa. por mais esta audiência pública, importante, aqui, na CDH, que faz seu papel de buscar o debate amplo, de deixar transparente para os Senadores essa busca, essa vontade de entender e buscar a verdade sobre um assunto tão importante que impacta na vida de pessoas, que impacta na organização importante do País, porque é droga também, e, então, há outro aspecto, o da segurança.
Mas eu queria fazer um preâmbulo aqui. Eu acho que vai ser a primeira das audiências públicas que nós vamos ter sobre esse assunto. Eu acho que vamos ter várias. Um assunto desse precisa ter ampla participação, como foi colocado aqui, da sociedade. É preciso ouvir vários segmentos da sociedade para que se possa encontrar um caminho equilibrado, um caminho sereno, com responsabilidade sobre esse assunto. Acho que o Senado não pode se furtar ao debate - nesse aspecto, eu concordo com alguns painelistas que falaram aqui -, mas, ao mesmo tempo, eu tenho a obrigação de, nesta minha primeira intervenção...
Vou passar a tarde inteira aqui. Não cheguei mais cedo aqui porque estava numa reunião importante já marcada há algum tempo também, mas estava com nossa equipe acompanhando tudo aqui, Senadora Mara Gabrilli, e me passando a opinião. Eu já vou pedir os vídeos para assistir com mais calma.
Mas esse assunto foi-me despertado em 2014. Quero fazer um depoimento aqui.
Eu tive a oportunidade de participar de uma palestra aqui, nesta Comissão - e o Carlos Penna foi um dos que fizeram essa palestra -, e foi muito inusitado o que aconteceu aqui. E hoje eu estar sentado aqui é um pouco emblemático para mim. Eu volto no tempo, a 2014, quando eu estava lá atrás, lá atrás, acho que na última fila, segurando um cartaz, com uma opinião, vamos dizer, um pouco mais clarificada, mas querendo ouvir as diversas partes, porque, em plena Copa do Mundo no Brasil - acredite se quiser -, em todas as cinco audiências públicas, eu estava aqui, como cidadão. Em plena Copa do Mundo de 2014, no Brasil, às segundas-feiras, que é quando se realiza a reunião desta Comissão e, infelizmente, há poucos Senadores, e ainda mais numa Copa do Mundo com eleição para o Governo no final do ano - você imagina, não havia Senador aqui, não havia Senador aqui! -, esse assunto estava sendo debatido. Um assunto de extrema importância para a sociedade sendo debatido sem a participação de Senadores, sem a participação da sociedade. O Brasil, até então, era o país do futebol. Hoje, as pesquisas já mostram que mudou um pouco. As pessoas estão mais interessadas em política, inclusive - o que eu acho fantástico -, do que em futebol.
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Mas o que me chamou a atenção naquele debate foi, primeiramente, no meu ponto de vista, mesas formadas para - naquela época, a discussão era essa; hoje, o foco está mais específico -, naquela época, liberar a maconha fumada aqui, no Brasil.
Então, todas as mesas formadas só com um lado da versão. Isso me incomoda. Eu não sou formado em Jornalismo, mas sou um jornalista um pouco frustrado, porque eu gosto muito de ouvir um lado, de ouvir o outro, para ter uma posição mais clara. Eu não vi contraponto nas primeiras duas audiências públicas, o que eu vejo hoje, e quero parabenizá-lo por isso mais uma vez. Acredito que tem que haver equilíbrio. Para cada um que defende tem que haver um contrário. Acho que isso é justo, é importante. Mas eu acho que, nas próximas audiências, isso vai ser mais equilibrado ainda.
Agora, o que me chamou a atenção naquela época e me intrigou - e, por um sentimento de justiça, eu procurei mergulhar profundamente no assunto aqui no Brasil e fora do Brasil - foram os interesses financeiros que estavam por trás da liberação da maconha. Aquilo me intrigou. Aquilo me intrigou. E, na quarta audiência pública, quando começou a se colocar contraponto, aconteceu um fato, que está aqui nos Anais da Casa e que a gente precisa resgatar, Senadora Mara Gabrilli e outros Senadores que vão participar... A gente precisa resgatar isso, porque a gente tem aquela coisa do follow the money. Se você quer ver se há alguma conspiração, alguma coisa, follow the money. E, no momento em que se estava chegando ao relatório, naquela época, que estava se encaminhando para uma liberação, repito, sem contraponto, saiu um vídeo, que eu vou tentar trazer à tarde aqui, se V. Exa. me permitir, um vídeo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com certeza. Já está permitido.
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - ... que foi, no mínimo, estranho, em que um dos líderes pró-legalização da maconha no Brasil comenta a estratégia mundial por interesses financeiros e que a estratégia era justamente confundir a população quanto ao que era maconha fumada, o que é maconha medicinal. Hoje eu estou convencido de que não existe isso. Existe um elemento que precisa ser trabalhado em laboratório, que é o CBD. Esse é trabalhado em laboratório, não pode ser plantado, não pode ser utilizado, porque o Estado, no meu modo de entender - posso me convencer do contrário -, não tem como fiscalizar a liberação do cultivo. Mas o Estado tem a obrigação de fornecer para as famílias que têm filhos, que têm parentes que estão com problemas epilépticos, ou qualquer outro, de graça... Na época, em 2014, eram 200 famílias que estavam precisando desse medicamento, comprovado cientificamente... Se forem comprovados os efeitos, o Estado tem que colocar, gratuitamente, para a população.
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Mas o que me intrigou foi o que foi revelado nesse Hangout, com a participação de líderes pró-maconha daqui do Brasil, de líderes pró-maconha de fora do Brasil, dizendo: "ó, vamos começar confundindo, vamos começar com a maconha medicinal, porque isso sensibiliza a população - foi assim nos Estados Unidos, foi assim no Uruguai -, e depois nós vamos para o objetivo, que é a maconha fumada, que é a liberação da maconha no Brasil".
Então, para mim, Senador Paulo Paim, para me encaminhar para o encerramento, para continuar ouvindo as palestras, ficou muito claro...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu não quero atrapalhá-lo, mas às 14h inicia-se outra.
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - Não, não, rapidamente aqui, só para concluir.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Há mais dois para falar.
O SR. EDUARDO GIRÃO (PODEMOS - CE) - Eu quero deixar isso claro, para a gente rememorar um pouco o DNA disso aqui.
Para mim, ficou muito claro que a indústria do tabaco está caindo em todo o mundo, está deixando um vácuo, e isso é muito importante porque muita gente adoecia, muita gente... Está provado cientificamente o mal que faz o cigarro. E, nesse vácuo, a indústria está querendo soerguer, glamorizar a maconha como solução. E, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, o mal que a maconha fumada faz - eu estou colocando nesse ponto - é muito maior do que o do próprio cigarro, em alguns aspectos, oito vezes mais. Potencializa esquizofrenia e causa problemas sociais como a evasão escolar, o que foi muito claro, além de aumentar a criminalidade.
Então, eu quero só registrar este ponto para dizer que nós vamos fazer mais debates sobre este assunto e que a verdade vem à tona, porque a verdade sempre triunfa, e nós acreditamos que precisamos buscar, até certo ponto, identificar quais os interesses que estão por trás, para evitar que o Brasil entre nessa onda. E há países estão voltando atrás agora. Viram o estrago que aconteceu - o Uruguai é um exemplo, e estava aqui o diretor-geral de polícia do Uruguai na primeira audiência, naquele momento: hoje a gente tem números de que a criminalidade aumentou, de que o consumo da maconha explodiu, está destruindo toda a juventude lá. Aqui no Brasil, foi bom, porque a gente segurou, resistiu, para que se avaliassem os resultados e se tomasse uma decisão correta.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Naquela oportunidade - só para resgatar -, o Relator era o Senador Cristovam. Ele estava cuidando daquele projeto. Era uma subcomissão também. Mas, no fim, não foi votado.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A Senadora Mara Gabrilli está sempre em primeiro lugar.
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A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Ah! Não, é que eu fiquei...
Eu queria cumprimentar todos, quem é contra, quem é a favor, quem está em dúvida. Todos são muito bem-vindos.
Sabe que, às vezes, me parece que há muita confusão nessa discussão. O Osmar é meu amigo, meu colega, foi Deputado junto comigo, a gente se quer muito bem, mas a gente pensa muito diferente um do outro. Ele falou muito aqui de uma questão, de uma epidemia de drogas, e, na verdade, não é isso que a gente está discutindo aqui. Eu vejo muito porque, puxa, eu sou uma militante da causa da pessoa com deficiência há muitos anos, e há algo muito clássico, Senador Paim, que acontece. E você é minha grande inspiração, porque, se não fosse você, não teríamos a Lei Brasileira de Inclusão. Eu sempre vou fazer essa referência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu diria que, se você não tivesse relatado, nós não a teríamos. Estaria engavetado lá na Câmara, e eu já estava aqui.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - SP) - Sempre farei essa referência a você, porque é muito importante.
Mas, por exemplo, tudo que acontece na vida da pessoa com deficiência... Então, fraude. Há fraude no BPC. Há fraude para conseguir gratuidade no transporte. Aí, o que acontece? Tira da pessoa com deficiência, porque não se consegue combater as fraudes.
O que eu estou vendo que acontece aqui? Existe um grupo que faz mau uso desse produto de que estamos falando, porque, coitado, ele vem com um monte de preconceito em cima dele. A gente está falando da Cannabis medicinal, a gente está falando de um remédio; a gente não está falando de outra coisa. E aí existe essa tendência, Senador Girão. Como muitos fazem mau uso, então a gente vai lá e tira daqueles que estão se beneficiando com o bom uso?
Eu, pessoalmente, fico pensando, como Senadora, como a gente pode deixar o Brasil de fora de um desenvolvimento. Um país que é uma evidência no agronegócio no mundo. Como a gente não vai trabalhar um produto que o mundo inteiro está trabalhando e que gera renda, gera emprego, gera desenvolvimento, que é uma coisa de que a gente está precisando no Brasil?
Agora, deixando a Senadora um pouco de lado, eu quero falar como cidadã.
Eu quebrei o meu pescoço. Eu passei por questões muito dificultosas na vida, a começar pela respiração, porque, durante muito tempo, eu não respirava mais sozinha, só com o auxílio de aparelhos, e, por conta disso, eu também não falava.
Dr. Quirino, se você ouvisse o que eu já ouvi sobre evidências científicas... São tantas, são muitas, e nunca houve evidência científica para aquilo que eu tive e para onde eu poderia e poderei chegar, para até onde meu corpo vai conseguir me levar. Eu te falo, Dr. Quirino, até questões muito básicas.
Uma lesão medular como a minha... Então, o fisiatra se vira para o paciente - isto acontece muito, é um exemplo bobo - e fala "não use cinta abdominal, porque deixa o abdômen preguiçoso". É clássico ouvir um negócio desse. Pois eu coloquei uma cinta desde o primeiro dia, porque eu falei "eu não quero ficar com aquela barriga". Todo cadeirante tem uma barriga enorme. Por quê? Porque a gravidade leva para baixo. Não tem força, não tem músculo... Eu estou com a barriga chapada hoje. (Risos.)
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Faço questão de dizer por quê. Porque não havia evidência científica sobre isso, e os médicos continuam falando isso que eu disse.
Aí, eu comecei a trabalhar meu corpo com eletroestimulação. Comecei a me especializar nisso e hoje eu posso dizer que eu sou uma especialista, pelo menos de mim mesma. E, com a eletroestimulação, eu perdi, depois que eu quebrei o pescoço, toda a musculatura do meu corpo.
Senador Paim, minha perna era derramada, sabe? Eu não tinha musculatura, mas as pessoas perguntam: "Puxa, como você conseguiu preservar?". Eu não preservei; eu reconstruí. Eu reconstruí de ponta a ponta, com técnica, de uma evidência científica que realmente não existia. Eu fui lá e fui reconstruindo. E hoje eu tenho um corpo... Eu sou uma mulher tetraplégica, com 51 anos e 15% de gordura corporal, por conta do trabalho muscular que eu faço. É uma coisa que nem bate.
Só que essa eletroestimulação começou a trazer muitas outras coisas para o meu corpo, além de tônus muscular. Mas eu tenho dores, claro. Eu tomo choques fortes. Eu tenho espasmos, que são movimentos involuntários.
Um dia, eu conversava com um médico, que, por coincidência, era o mesmo de que o Osmar Terra falou, o Dr. Alexandre Crippa, e ele me prescreveu o canabidiol. Aí, o que eu fiz? Eu tive uma autorização da Anvisa para importar. E fico pensando: das pessoas com quem trabalho, quem tem o dinheiro para importar? Porque é bem caro.
Eu comecei a tomar o canabidiol e comecei a perceber o quanto esse medicamento é potente, porque ele passou a ser um indutor de movimento no meu corpo, a ponto de eu pular aqui na cadeira. Ele gera movimento, mas um movimento que chegava a ser até demais, porque era um movimento que eu não controlava, mas é um movimento que, para quem não tem movimento, é de erguer as mãos para o céu e falar: "Nossa, há um movimento aparecendo no meu corpo!". Só que começou a ficar difícil controlar esse movimento. O que aconteceu? Eu comecei a conversar com outras pessoas e entender um pouco melhor da planta. E comecei a perceber que o canabidiol, por si só, não dá conta do todo, e comecei a entender, lendo, conversando, conversando com as pessoas que hoje têm habeas corpus inclusive para plantar, o quanto a interação de todos os canabinoides da planta é importante. E essa interação... Por quê? Porque um relaxa, o outro induz o movimento, outro impulsiona outra coisa. E eu não sei por que todo esse conjunto junto faz muita diferença. Aí, eu comecei a consumir o óleo artesanal. E eu vou dizer uma coisa para vocês: eu só sou Senadora porque consumo esse óleo. Eu jamais teria conseguido. (Palmas.)
Jamais. E eu falo com emoção no meu coração, porque é uma coisa, é um remédio, um remédio que consegue impulsionar movimento, me dar equilíbrio, tirar a ansiedade, tirar espasmos musculares.
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Hoje estou aqui com pouco óleo, porque eu queria mostrar para vocês como é um espasmo muscular. É muito difícil. Eu conheço pessoas que têm lesão medular que não saem de casa por várias razões, porque não conseguem controlar direito o intestino e a bexiga - então, elas têm medo de sair de casa -, porque têm espasmos e podem cair da cadeira. Isso tudo, eu sou tão humana quanto, acontece comigo. E o óleo está me ajudando a regular inclusive o metabolismo do meu corpo nessas outras questões.
Então, eu estou aqui porque eu sou brasileira, porque eu trabalho com doenças raras, porque foi uma opção na minha vida ajudar as pessoas com deficiência, porque, num momento da vida, eu quebrei o pescoço e eu tive estrutura e condição para ter uma boa reabilitação, para ter uma boa cadeira e para ter uma cuidadora do meu lado. Só a gratidão de ter tudo isso é o que me faz trabalhar para que as outras pessoas possam ter um mínimo do que eu tive, porque eu sei que uma oportunidade é tão transformadora a ponto conseguir fazer com que uma pessoa tetraplégica, como eu, com todas as questões que uma paralisia traz, consiga ser Senadora e esteja aqui para trabalhar pelas outras pessoas.
Eu estou aqui para dizer que a gente está falando de um medicamento que é insubstituível. E a gente tem que criar forças para lutar com o lado "b" da história, com o dark side. Por quê? Porque existe. Todos aqueles números que o Osmar apresentou, se existem daquele jeito, já existem. E o que a gente está fazendo aqui é dar oportunidade para outras pessoas poderem ter mais qualidade de vida. E isso não é contribuir com aquilo, pelo contrário, é um passo numa outra direção. Pelo menos, a gente está fazendo alguma coisa, está fazendo alguma coisa inclusive para melhorar a situação do tráfico no Brasil. Quem não quer isso?
Eu sou uma pessoa que faço palestra em presídio, eu sei o que é olhar no olho de um menino que acabou de chegar e que tem um olhar bom, que tem coisa boa dentro do coração e que vai sair do presídio não tão bom como entrou. Entendeu? E, assim, eu sei do que a gente está falando. É claro que eu quero combater o tráfico, eu também. O Dr. Laranjeira me conhece bastante. Poxa, eu sou uma pessoa que teve uma adolescência bastante - como eu diria - ousada até. Eu, na minha adolescência, experimentei muitas drogas, gostava de grandes emoções - poxa -, mas hoje eu sou uma pessoa sóbria, eu estou aqui, ninguém nunca me viu alucinando pelo Senado, muito menos pela Câmara. Eu acredito que eu seja uma pessoa que receba a credibilidade das outras pessoas por aquilo que eu sou, por aquilo que eu penso, por aquilo que eu faço. E eu estou aqui dizendo que eu sou uma cidadã usuária que sabe o quanto isso é transformador na vida de outras pessoas e que a gente não pode fechar essa porta, porque há outras portas abertas, que já eram abertas há muito tempo. A gente tem que trabalhar para combater isso também.
Então, é esse o depoimento.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa é a Mara Gabrilli, a nossa Senadora. (Palmas.)
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Interessante que, independentemente das posições, todos bateram palmas.
Você conseguiu ser unanimidade hoje aqui. Eu diria que todos bateram palma.
Por favor, Viviane Sedola, CEO e fundadora da Dr. Cannabis.
A SRA. VIVIANE SEDOLA (Para exposição de convidado.) - Bom, se eu pudesse resumir esta reunião em uma fala, seria nessa. Achei que foi incrível e acho que tocou a todos.
Quero me apresentar, sou Viviane Sedola, não sou médica, há o termo "doutor" em torno da empresa que eu criei, mas sou relações públicas, sou empresária. Esse não é o primeiro empreendimento que eu faço, acho que esse ponto foi tocado e aproveito para esclarecer. Antes de fundar a Dr. Cannabis, mais ou menos um ano e meio atrás, eu tive uma empresa de captação de recursos, então, basicamente o nosso trabalho era ajudar as pessoas a realizarem seus sonhos, a levantar recursos para os mais diversos projetos, inclusive medicamentos e cirurgias, e por aí vai. Por uma coincidência, inclusive o Instituto Mara Gabrilli arrecadou conosco para o projeto Roda Gigante lá trás. E, quando eu deixei esse empreendimento, eu me vi compelida a começar algum outro negócio, sim, porque é o que eu faço, mas algum negócio que tivesse impacto social.
Eu acredito que, se, na nossa sociedade, a gente conseguir gerar riqueza, receita, enfim, o nome que se queira dar, enquanto a gente resolve problemas fundamentais das pessoas e do País, a gente está no caminho certo. Qualquer coisa muito apertada desse caminho do meio pode ter efeitos colaterais. Gosto muito dessa tese e é isso que eu busco no meu trabalho. Então, de fato, sou uma empresa, sim. Uma empresa que, inclusive, fez uma captação ano passado regulada pela CVM, uma captação recorde, então, a gente teria mais de mil brasileiros investindo na Dr. Cannabis para que isso existisse, para que eu estivesse aqui, para que essas pesquisas todas que a gente fez até agora pudessem acontecer.
Somos a primeira de muitas no mercado que existem no mundo, eu vou chegar lá, nesse ponto que eu havia preparado. E o grande ponto é que, enfim, somos uma empresa de fato pública - com essa regulação, há como "trackear" toda essa história-, e quero colocar isso à disposição de vocês, os dados da empresa, de onde a gente captou, onde a gente está investindo.
Quando comecei, comecei porque soube, através de uma médica, que era possível ter tratamento com Cannabis medicinal legalmente no Brasil. Isso me surpreendeu. Eu já conhecia histórias como a da Mara, não especificamente a dela, mas de vários pacientes. E eu falei: "Poxa, por que as pessoas não acessam?". E descobri que era muito difícil toda via-crúcis da Anvisa, que eu acho que a maioria conhece aqui, não vou me prolongar nesse ponto. Criei uma empresa para facilitar esse processo, para colocar o paciente em contato com o médico e, finalmente, com quem pode vender o produto dentro do que a lei brasileira permite, do que a RDC 17, da Anvisa, entende como possível.
E agora a gente se depara com um passo importante dado pela Anvisa, que abre essa consulta pública que pode não ser considerada ideal pela maioria. Como a gente não se envolve nem em cultivo, nem em pesquisa, a Dr. Cannabis é um negócio auxiliar, ou seja, somos uma empresa digital com foco no mercado de Cannabis medicinal, em atender a essas pessoas. Então, a gente não vai entrar, a gente não vai apresentar nem matéria para a Anvisa nesse sentido, mas eu entendo que a Anvisa cumpre o seu papel nessa proposta, que é o de dar acesso a quem tem direito ao uso legítimo de um medicamento seguro.
A gente sabe que todo medicamento tem seus riscos, e os riscos da Cannabis são conhecidos e podem ser farmacologicamente controlados. Um deles que a gente não pode ignorar é a psicose com altas doses de THC, a tal da psicose farmacologicamente induzida, que também pode ser causada, por exemplo, por L-Dopa, que é um medicamento para Parkinson, vendido na farmácia, assim como vários outros. Outro risco é o prejuízo cognitivo agudo em jovens, que também pode ser causado por anestésicos, por álcool, por Diazepam, Rivotril ou opioides, que também foram citados aqui. É sabido também não existem estudos clínicos, ou seja, evidência de benefício clínico para nenhum tipo de antidepressivo por mais de oito semanas de pesquisa. E há pessoas que vêm tomando isso de maneira recorrente há mais de dez anos isso. E isso está disponível no mercado.
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Então, quando abre a possibilidade de pesquisa científica, a Anvisa também permite que seja feita a gestão clínica adequada desse paciente, que, muitas vezes, não é acessível à maioria das pessoas que buscam isso, assim como já é feito na indústria farmacêutica há anos, não é?
Eu quero lembrar que, quando a gente fala sobre Cannabis, a gente fala de uma substância menos aditiva do que o álcool e que não causa óbito por overdose quando ela é originária da planta, quando são os fitocanabinoides. Não existe um caso na história no mundo de óbito por overdose de Cannabis, é humanamente impossível consumir quantidade que te leve a uma parada cardiorrespiratória. Diferentemente do sintético, que teve seus momentos em pesquisa em que óbitos foram registrados. Então, os fitocanabinoides são tão seguros que chegam a ser comercializados como suplemento alimentar em países como Canadá, como Estados Unidos e muitos da Europa.
Então, a gente sabe, sim, que os quadros clínicos mais dramáticos são exceções e que os legisladores, os Senadores aqui presentes têm que governar para todos os cidadãos, não dá para endereçar a cada uma das exceções. Mas, então, endereço para vocês com outro viés, que inclusive a Mara levantou, o que eu, empresária, enxergo como oportunidade para o Brasil, porque a gente é um país com vocação para a agricultura, e a regulação proposta pela Anvisa é um passo importante, mas não é papel da Anvisa contemplar o viés econômico dessa regulação. Esse é um papel que cabe, sim, aos Poderes Executivo e Legislativo, entendo eu.
Nesse um ano e meio de pesquisa, eu visitei vários países: Panamá, Uruguai, Colômbia, Israel, inclusive os laboratórios onde isolaram anandamida - que é o nosso endocanabinoide, ou seja, nós temos canabinoides humanos, reforçando o que já foi dito aqui -, essa lista inclui ainda pessoas do Canadá com quem conversei de maneira bem profunda, que já enxergam o mercado de Cannabis como uma oportunidade e estão colhendo os frutos dessa abertura.
Então, alguns dados que mostram a importância da abertura desse mercado. Vou chamar a atenção para o Uruguai, que, em novembro do ano passado, vendeu a ICC Labs, uma empresa uruguaia criada lá, para a canadense Aurora por US$290 milhões. O Uruguai é um país que tem a população do tamanho de Campinas, no interior de São Paulo. Como eles se anteciparam nessa regulação, criaram as condições para explorar comercialmente, eles estão tendo impacto fora de proporções, se você for comparar o tamanho que este país tem - e a gente, enfim, não se beneficiou. O Canadá coletou, em apenas cinco meses e meio de regulação, mais de US$186 milhões em impostos.
Falando dos Estados Unidos, ano passado eles contabilizaram mais de 300 mil vagas de empregos associadas a empresas do mercado de Cannabis diversas. São vários os Estados que recolhem impostos, se beneficiam tributariamente nos Estados Unidos da Cannabis, mas apenas sete deles diferenciam esses impostos dos demais. Nesses sete estados, eles recolheram mais de 1 bilhão de impostos, e esses impostos são de 10 a 37% maiores do que aqueles do varejo comum. Então, eles buscaram caminho para se beneficiar disso. Washington foi o estado que mais coletou de impostos, foram US$319 milhões. Esses impostos lá são revertidos para a construção de escolas, programa de combate ao abuso de drogas e pesquisa médica. Esses são dados da Forbes. Segundo a CNBC, ainda em março deste ano, o mercado de Cannabis era o que estava mais gerando empregos nos Estados Unidos naquele momento.
Então, a Cannabis medicinal já é uma realidade no Brasil. As famílias que podem pagar pelo alto custo de todo o processo - consulta médica, estar em um local onde há médico que prescreve e a importação do medicamento - já conseguem acesso a ele. Mas há, provavelmente, um número ainda maior de famílias que recorrem aos inúmeros riscos que a ilegalidade traz. E o mercado de Cannabis é um caminho sem volta. No pior dos cenários, o que a gente vai ter é um Brasil meramente consumidor, exportador de lucros para outras nações. A gente tem todas as condições para desenvolver esse mercado: o Brasil tem o sol, o Brasil tem o solo e tem a competência para explorar comercialmente a Cannabis medicinal e o cânhamo industrial de maneira responsável e ser um grande exportador. O Brasil é agro, e cabe agora criar as condições legais para que isso aconteça. E, para isso, eu conto com esta Casa.
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Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi Viviane Sedola, que ficou dentro do seu tempo, nem usou os mais cinco - a gente agradece aqui pela correria -, fundadora da Dr. Cannabis.
Agora, eu passo, de imediato, à Carolina Nocetti, médica consultora técnica em terapia canabinoide da Academia Internacional de Cannabis.
A SRA. CAROLINA NOCETTI (Para exposição de convidado.) - Olá.
Agradeço a honra de estar com a Senadora. Parabéns pela sua jornada que inspira a todos nós.
Obrigada, Senador, pelo espaço nesta Casa.
Eu sou médica, trabalho com Cannabis medicinal desde 2013. Meu consultório é de 100% de pacientes que têm indicação de Cannabis medicinal, mas meu conhecimento nessa área veio dos Estados Unidos, onde morei quase 10 anos. E eu só voltei, porque não aguentava mais ver a crueldade por que os pais, as crianças e os médicos passavam aqui, sozinhos, sem guia, sem ninguém com experiência, fazendo tato na sombra.
Alguns falaram aqui de não haver estudo científico...
Desculpem a emoção, eu abandonei toda a minha vida para voltar para o Brasil, eu não queria estar aqui. São milhares de pacientes que hoje poderiam estar sendo beneficiados.
Quando falam que não há estudo, é um tapa na cara da Anvisa que registrou um produto. Então, é muita cara de pau, muita ignorância falar que não existe estudo! Vão falar com a Anvisa!
Não há segurança? O Prof. Carlini provou a segurança desse medicamento em 1980, não foi neste ano nem no ano passado.
Esse vídeo que o Senador menciona de um produtor... Eles ajudam centenas e centenas de famílias. Eu sei, porque eu escuto isso dos pacientes. Pode ser um vídeo meio apavorante. Se houvesse uma regulamentação, isso não estaria acontecendo.
Para mim, as maiores provas não são nem da Anvisa nem do Prof. Carlini; para mim, são as centenas de pacientes que chegam ao meu consultório, são referências de colegas de diferentes hospitais de São Paulo e do mundo. Eu atendo pacientes daqui e de outros países também e ajudo médicos daqui e de outros países. As ligações mais chocantes para mim são das mães que me ligam e falam que agora conseguiram dormir quatro horas por noite ou da filha cujo pai lembrou o nome. Eu não sabia que isso existia e eu só voltei para cá por uma obrigação moral de saber que isso funciona. Eu estava lá bem com a minha vida funcionando em Los Angeles, no paraíso do mundo, onde Cannabis é encontrado em qualquer esquina.
Realmente, há muito preconceito, porque se mistura ciência com política, com religião. É muito frustrante ver aqui colegas, inclusive médicos, que dizem que o CBD não é psicoativo. De novo, é ignorância de nunca ter lido um livro de Medicina para falar isso! O CBD e o THC são dois psicoativos, sim. E o THC não é vilão. Se você ver um paciente que tem dor e precisa de THC, é uma crueldade falar que aquilo não funciona, principalmente quem não trabalha com Cannabis medicinal. Repito: 100% dos meus pacientes das centenas de pacientes que eu tenho são pacientes de Cannabis medicinal, e eu só voltei para cá, porque não havia gente suficiente fazendo. Eu não queria estar aqui, fiquei fora o suficiente para não querer voltar. E é muito revoltante eu estar aqui querendo ir embora pela injustiça que é feita diariamente com essas mães.
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Dependência de Cannabis é 6%, é a mesma coisa do café. Não é igual benzodiazepínico? E um efeito colateral de euforia, para mim, é muito melhor que um efeito colateral de morte ou esteatose hepática. É uma cara de pau dizer que benzodiazepínico é seguro e é vendido numa farmácia. A mesma associação que permite uso intranasal de anfetamina para criança falar que Cannabis não é seguro?
Eu recebo apoio do Governo de Israel em termos de médicos querendo compartilhar estudos. Eu faço consultoria técnica, apesar de não ser de forma exclusiva nem ter salário de ninguém. Eu faço consultoria técnica com Israel, Paraguai, Estados Unidos, Canadá e Colômbia. Eu tenho mais apoio dos governos de fora do País do que no meu próprio País.
São mais de 5 mil anos de história. Será que já não é suficiente? Que mais que a gente precisa? Eu também não preciso nem de Anvisa, nem de ninguém. Sabem por quê? Porque eu não dou conta de atender os meus pacientes. Eu não tenho hora no meu dia, eu trabalho sete dias por semana e eu não volto para casa antes de 1h da manhã, porque eu não tenho coragem. Eu negligenciei minha vida, minha família, meus sonhos e eu vesti esta camisa, porque eu fiz um juramento quando eu saí da faculdade. Eu não fui atrás da Cannabis, não. A Cannabis me encontrou. Eu revalidei meu diploma nos Estados Unidos, o que eu paguei com meu dinheiro, ninguém me bancou. Foram anos de estudo para eu conseguir essa revalidação. E, na hora em que eu consegui essa revalidação, eu voltei para cá, porque eu vi que não servia para nada, uma vez que o que estava ali naquele livro não era o que estava resolvendo o problema dos pacientes. Em nenhum lugar dessas centenas e centenas de livros que eu tive que decorar, falava-se sobre o sistema endocanabinoide ou sobre o uso da Cannabis medicinal. Eu me senti traída pelo sistema.
O Governo israelense tem 30 mil pacientes usando Cannabis hoje, um país de Primeiro Mundo. E, para quem disse que não há indicação de psiquiatria ou de neurologia em países de Primeiro Mundo, é bom ir para lá falar com o Governo de lá, porque o Governo de lá quer escutar a gente. Eles escutam qualquer um que tenha experiência. Eles chamam para ir lá ensinar os médicos deles. O uso em esclerose múltipla, fibromialgia, dor, autismo... Falar que não existe uso? São centenas. Quem trabalha com isso sabe. Agora, ninguém tem o direito de ficar falando informações ignorantes. A gente tem direito a opiniões educadas sobre o assunto. Se você não tem educação no assunto, é melhor você sentar sua bunda e estudar antes de você falar alguma coisa, porque falar que não tem uso em psiquiatria e em neurologia é uma falácia muito grande.
Com relação à oportunidade, oportunidade de saúde é um direito constitucional. Está lá. É muito injusto uma mãe aqui do Brasil de uma criança autista ver que as crianças autistas lá de Israel podem usar. Isso é de uma crueldade, que me fez sair do conforto de onde eu estava para voltar para cá. Eu estou aqui há dois anos. E é uma luta diária! Quando eu tenho oportunidade de estar em países de Primeiro Mundo, o tratamento é completamente diferente. Por que a gente não tem o mesmo o mesmo direito? A gente tem acesso aos mesmos livros, à mesma internet. E escutar as histórias dessas mães diariamente dói no coração, porque é de uma crueldade que não tem tamanho.
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Alguém mencionou alguns dados sobre o uso recreacional da Cannabis ter aumentado depois da liberação. Quem vive com isso o dia inteiro entende que dados começaram a ser coletados agora ou pouco tempo atrás. Então, é óbvio que, quando você começa a coletar dados, você vai achar que os dados estão aumentando. Não se coletavam dados antes. Existe um estudo do Jama que pegou informações de todos os Estados que usam Cannabis de forma recreacional - e eu não estou aqui defendendo um ou outro, estou pontuando um fato -, e houve 25% de redução de mortes de overdose de opioide, 25% de pessoas que usavam opioides deixaram de morrer. Sabem o que me espantou? Não eram pessoas que tinham um padrão junkie, como se fala, um padrão em que você tem várias prescrições com dosagens altas. Não! Eram pessoas que não queriam morrer, eram pessoas que tinham dores reais e que tomaram um comprimido a mais. Agora, se é vaporizado, se é cápsula, se é óleo, o problema é da pessoa, a dor é da pessoa! Aquele Volcano ali eu vi dois meses atrás em Israel na minha segunda vez lá. Isso é usado dentro de hospital num país de Primeiro Mundo. Quem é o Brasil, que não tem um Prêmio Nobel para falar alguma coisa?
(Soa a campainha.)
A SRA. CAROLINA NOCETTI - Eu só queria trazer, para concluir...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem mais seis minutos.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - Ah, sim. Ah, que bom. Há muito a ser falado sobre isso.
Eu queria trazer uma questão que é a questão da empatia. A gente não aprende empatia na faculdade. Ninguém fala para a gente ser sensível com a dor do outro, primeiro. Segundo, na faculdade, ninguém fala de cuidar do cuidador. Ninguém vê a dor do familiar de ter um pai ou uma mãe com Alzheimer que não lembra o seu nome, que tira a roupa no meio da sala e sai correndo pela rua. É uma crueldade muito grande dizer que não tem efetividade. E não é porque minha avó de 95 anos usa e centenas dos meus pacientes usam, não. Se você não acredita, você não pode bloquear, você não pode fazer isso. É desumano, é desumano a um ponto que não é justo com a dor do outro. Então, se você não acredita, se você não quer sentar e estudar, se a sua religião acha feio, senta e estuda; agora, se você não quer sentar e estudar, não atrapalhe quem quer saúde, porque isso é um direito constitucional.
Quando eu descobri que existia um sistema endocanabinoide, eu estava em Nova York, que é uma das cidades mais ricas do mundo de informação, de profissionais. Eu estudava na biblioteca da Cornell University, onde eu tinha uma impressora 3D do meu lado, mas eu não tinha uma pessoa discutindo sobre Cannabis medicinal. Quando eu descobri que a gente tinha o sistema endocanabinoide, a gente produzia moléculas muito parecidas com a da Cannabis, eu estava estudando 14 a 15 horas por dia para passar no Revalida de lá. Eu fiquei muito brava que tinham me negligenciado como eu... Eu viajo internacionalmente desde que eu sou bebê, eles me esconderam! Imaginem quem está no interior do Acre! E quem não está lá na Cornell sentado estudando? Eu vesti a camisa porque isso virou uma obrigação moral, de saber uma informação e ter que compartilhar com os outros. Só por isso, porque não tinha incentivo nenhum além desse. Agora, ver as histórias das mães do Brasil e assistir a um filme que se chama Ilegal, de um diretor brasileiro, o Tarso, virou uma chavinha aqui, e me pegou pelo estômago. Eu fiquei tão abismada com o que estava acontecendo, era um absurdo tão grande, que eu abandonei a minha vida, todas as minhas roupas, todos os meus móveis, todos os meus papéis, meu green card, meu Revalida, que demorou anos, que eu paguei com meu bolso o estudo, para estar aqui. E eu só vou sair daqui quando o negócio estiver resolvido. Eu acho que provar eficiência é uma secagem de gelo que é própria do brasileiro, de reinventar a roda.
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O Brasil conseguiu, se a Anvisa for para a frente, criar a pior regulamentação do mundo. Eu viajo mensalmente. Eu nunca vi uma proposta de regulamentação pior que a do Brasil, mas a gente sempre vence, não é? Primeiro do mundo. Mas existe uma esperança. A Organização Mundial de Saúde fala que isso não é para ser regulamentado. Quem é o Brasil para dizer que a Organização Mundial de Saúde está errada? As Nações Unidas vão, sim, ano que vem, votar com relação a essa causa, mas hoje eu sou consultora técnica da primeira empresa brasileira a entrar em um programa de aceleração da Nações Unidas para levar processos de acesso do Brasil para fora. Então, as Nações Unidas já estão apoiando o Brasil. As Nações Unidas já estão observando os processos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pessoal, a palavra é dela. Todo mundo vai ter oportunidade de falar à tarde e, mesmo aqueles painelistas que falaram, terão as suas considerações finais, da mesma forma como a gente sempre agiu nesta comissão, que realiza em torno de 200 audiências por ano.
A palavra é sua. Você tem dois minutos ainda.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - O programa Accelerate 2030 é um programa que é feito entre o Impact Hub, que é um hub de inovação social, e o PNUD, um escritório das Nações Unidas - e eu falo batendo a mão no meu peito -, e ter instituições como a Organização Mundial de Saúde dizendo que o cânhamo não deve ser regulado internacionalmente...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora é para concluir.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - ... e o PNUD apoiando projetos de discriminar mostram para a gente que a gente está no caminho certo, e a gente não vai desistir. Margarete mencionou aqui: vai acontecer, querendo ou não, desejando estudar ou não, pesquisando ou não. Já está acontecendo. E a gente não vai deixar de lutar.
Obrigada, Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Carolina Nocetti, médica consultora técnica em terapia canabinoide da Academia Internacional de Cannabis. Parabéns pela sua fala, como todos os painelistas. Diversos já pediram a palavra.
Vou encerrar a parte da manhã. Nós vamos continuar à tarde...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só um minutinho. Aguarde um minutinho, quem preside aqui sou eu. O Governo foi o que teve mais tempo. Não quero ser deselegante com você. O Ministro falou 30 minutos, e você falou 20. Você terá oportunidade. À tarde você terá a palavra novamente.
O SR. QUIRINO CORDEIRO JUNIOR (Fora do microfone.) - Mas eu estarei em outra Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas eu não tenho culpa. O trabalho vai continuar na parte da tarde. Informo a todos que o trabalho será retomado à tarde, às 14h30.
Parabéns a todos os painelistas. (Palmas.)
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Este período está encerrado.
Você está convidado, à tarde, para estar aqui.
(Iniciada às 09 horas e 00 minutos e suspensa às 13 horas e 28 minutos, a reunião é reaberta às 14 horas e 30 minutos.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Declaro reaberta a 66ª Reunião Extraordinária da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública, como tantas outras, dezenas e dezenas, que realizamos este ano, será realizada nos termos dos Requerimentos nºs 28, 44, 65, 69 e 70, todos de 2019, desta Comissão, de iniciativa dos Senadores Paulo Paim, Eduardo Girão e Alessandro Vieira, que é o relator da SUG em debate, para debater sobre o uso da Cannabis para fins medicinais, com o objetivo de instruir a SUG nº 6, de 2016, que propõe um padrão regulamentar abrangente para a maconha medicinal e o cânhamo industrial no Brasil.
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Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, link: www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Esse debate começou hoje pela manhã, às 9h, terminou às 13h20. Deu tempo de ir ao Plenário, fiz o pronunciamento que tinha que fazer no Plenário falando da reforma tributária e da valorização dos peritos da Justiça. Agora, estamos já reabrindo os trabalhos desse importante debate.
Pela manhã, foi muito rico, falaram nove pessoas - houve uma no final, que a Mara indicou. Falaram nove pessoas, com a participação dos Senadores Eduardo Girão, Styvenson Valentim, Paulo Paim, Leila Barros, Mara Gabrilli e Zenaide Maia, que, inclusive, presidiu parte da sessão, quando eu tive que ir à Comissão de Educação, e consegui ir lá relatar e aprovar um projeto que coloca no Livro dos Heróis da Pátria Margarida Alves, que foi assassinada covardemente, barbaramente, por defender o povo rural, os trabalhadores, trabalhadoras, os pequenos e médios agricultores - principalmente pequenos e aqueles que dedicam a sua vida para produzir o alimento para que venha para a cidade.
Teremos a grande marcha chamada Marcha das Margaridas, em homenagem a ela, agora, no mês de agosto. Por isso houve o movimento para que esse projeto fosse aprovado. A autora do projeto, que veio da Câmara, é a Deputada Maria do Rosário, também gaúcha, que pediu a mim, também gaúcho. Enfim, a Comissão de Educação aprovou por unanimidade.
Meus parabéns, Senador Dário Berger, que presidiu a sessão, conseguiu inverter a pauta, porque eu tinha que voltar a presidir a CDH, para que esse projeto, do qual eu fui relator, fosse o primeiro a ser apreciado.
Então, Senador Dário Berger, meu abraço, meu carinho, meu respeito e muito obrigado a todos que se fizeram lá presentes.
De imediato, vamos passar a palavra ao psiquiatra Régis Barros.
Régis, na minha família, só houve um que fez Medicina, e ele é psiquiatra, por opção, Ignacio Paim. Ele faz palestras pelo Brasil e fora também. Ele adora a profissão dele. Como é bom te ver aqui. Ele vai ouvir isso e vai saber que eu me lembrei dele quando eu chamei o seu nome para fazer uso da palavra.
O SR. RÉGIS BARROS (Para exposição de convidado.) - Exmo. Senador Paulo Paim, eu agradeço o convite. Já vim a esta Casa outras vezes para debater o tema de Cannabis medicinal e, sempre que eu for chamado, será um prazer, uma honra compor essa discussão, que eu acho muito nobre, muito rica. Então, parabenizo-te pela audiência.
Entendo que, na minha modesta avaliação, esta Casa não vai se acovardar em frente a esse tema, até porque, em esta Casa não legislando, o Judiciário acaba legislando por esta Casa.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É exatamente o que vem acontecendo. Eu vou te dar o tempo de volta. Eu nem marquei ainda.
Em muitas situações, o Congresso se omite e acha que, com isso, não vai acontecer e o Supremo decide inúmeras coisas, inúmeras questões. A última foi a homofobia. Eu digo: ainda bem que decidiu lá, porque aqui estava se amarrando e não decidia. Agora vamos decidir.
O SR. RÉGIS BARROS - Perfeito.
Entendo que essa pauta transcende ideologia, transcende partido político, perspectiva política, é uma pauta humana, humanitária, que vem pela Medicina e que obrigatoriamente nós precisamos discutir.
É uma realidade a Cannabis medicinal, a despeito de todos esses vetores conservadores, proibicionistas, que acontecem. Eu entendo que é uma questão de tempo, Exmo. Sr. Senador, que isso venha a ser concretizado. É uma questão de tempo, não há mais volta. Hermeneuticamente, a gente percebe que antes a gente nem podia discutir Cannabis num contexto qualquer. Hoje não, já discutimos e já percebemos, até...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A própria Anvisa está se preocupando agora...
O SR. RÉGIS BARROS - Pode ficar à vontade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para...
O SR. RÉGIS BARROS - Até os mais reacionários não têm mais argumento para contrapor o aspecto terapêutico da Cannabis - até os mais reacionários! Portanto, eu entendo que seja uma questão de tempo.
Infelizmente, a nossa cultura incorporou um detalhe que é muito ruim para a história do ser humano: tentar assustar para inibir comportamento. Isso é muito equivocado. Então, há uma tentativa de impetrar um obscurantismo usando uma tutela falsa da ciência, que, a meu ver, não engloba a validade externa do homem em sociedade. Então, isso acaba sendo um equívoco.
A ciência que não percebe o ser humano, e a sua dor, e as suas necessidades não serve para nada, Senador, a não ser para criar fantasmas e obstáculos. A ciência tem que andar de mãos dadas com o pensar social. Sem isso, ela não responde à sociedade.
E é interessante que, ao falar de Cannabis, a ideia que se tem é que nós temos uma planta apocalíptica, demoníaca e que foi ungida magicamente, divinamente com um componente que é o canabidiol. Provavelmente - não estive pela manhã aqui em função das minhas tarefas de trabalho em Brasília, porque eu trabalho em Brasília -, certamente, alguns debatedores falaram muito de canabidiol. Como se eu tivesse uma planta muito ruim, mas dentro dela houvesse algo mágico. E não é bem assim. Nós temos uma farmacopeia com várias espécies, vários canabinoides, várias perspectivas diversas. Então, nós temos, além de CBD e THC, flavonoides, terpenos, fenóis, nós temos uma ação combinada dessas moléculas que nos servem terapeuticamente.
Isso é interessante, porque nós partimos de uma pauta conservadora e obscurantista em que o proibir transcende o educar. Isso é muito equivocado, isso é confuso, isso é cruel, isso faz com que a política pública de saúde, qualquer política pública seja ineficaz. Você não consegue sucesso proibindo, você consegue sucesso educando. É assim que o Estado deve participar, é assim que o Estado deve agir.
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Nesse contexto, eu começo replicando uma fala que tem um conteúdo ético, Senador: alguém pode ser impedido de se tratar? Essa é uma pergunta ética. Alguém pode ser impedido de se tratar?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RÉGIS BARROS - Pode, o senhor fica à vontade. Ah, sim o senhor não pode responder. Tudo bem, excederia a parte do tempo.
Alguém pode ser impedido de se tratar? Não existe mais dúvida de que a Cannabis tem efeitos terapêuticos. Como eu falei ao senhor e ao Plenário, até o mais reacionário percebe isso. Antigamente não percebia, então eu acho que é uma questão de tempo para a mudança. Então, nós nos prendemos sobre dose, posologia, proporção, concentração de canabinoides, se está usando extrato ou medicamento manufaturado. Provavelmente pela manhã, também estiveram presentes representantes das cooperativas que fazem isso, que usaram de muita desobediência civil pela força de ter pessoas com dores emocionais, dores diversas e que encamparam isso de forma muito corajosa.
Então, é uma pergunta ética: há como existir controle? Há, sim, há como existir controle.
Aí, nós perguntamos o seguinte: mas legalizar a maconha medicinal, proibir a maconha medicinal? É claro que a gente tem que antenar onde nós vamos encaixar essa proibição. Eu acho que a discussão não é mais nem proibir, é de que forma nós vamos liberar. Esta é a discussão que os Srs. Senadores vão ter que encaminhar: de que forma nós vamos liberar? Qual é o melhor método? Qual é o melhor caminho? Para mim, ela já está legalizada. As pessoas usam em casa, as pessoas fazem uso medicinal, aqueles que precisam. O que nós vamos ter que discutir aqui, Exmo. Sr. Senador, é se os menos favorecidos vão poder ter acesso a isso, se os menos favorecidos vão ter a...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Um momento, Dr. Régis.
O SR. RÉGIS BARROS - Claro, fique à vontade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Chegaram outros convidados.
Nós iniciamos exatamente às 14h30 e chegou aqui, se eu não me engano... Eu vou citar o nome para ver quem chegou: Raul Thame. (Pausa.)
Fábio Gomes de Matos, médico psiquiatra, por favor, está convidado a vir à Mesa. Esta é a segunda Mesa e a terceira Mesa é o Senador Girão é que vai presidir e coordenar.
Fábio Gomes de Matos, médico psiquiatra, já está chegando à Mesa.
Ronaldo Laranjeira, Presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, já está aqui também.
Andrea Gallassi, representante da Universidade de Brasília. (Pausa.)
William Dib, Diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Eu até estava perguntando se não viria ninguém da Anvisa. Disseram que a Anvisa tinha confirmado.
E Inês Gandolfo, Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. (Pausa.)
Então, aqui já os quatro convidados.
A palavra volta para você. Eu vou te dar o tempo que eu usei indevidamente.
O SR. RÉGIS BARROS (Para exposição de convidado.) - Dando continuidade, o que nós vamos ter que discutir, Excelência, é quem vai ter acesso a essa possibilidade terapêutica. Vai ser um manufaturado oneroso? Será um acesso de extrato? Os interesses que serão...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Senador Eduardo Girão está aqui firme no plenário. É um dos autores do requerimento. Estamos eu, o Senador Alessandro e ele.
O SR. RÉGIS BARROS - Claro.
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Os interesses serão de cooperativa, da indústria farmacêutica? O paciente vai poder plantar em casa para poder utilizar o seu remédio? Então, essa é a discussão que vai imperar.
A ciência, Senador, tem um papel dual nesse processo. Ao mesmo tempo em que pode aprisionar, ela acaba por libertar. E é isso que está acontecendo com a cânabis medicinal. Ela acaba por libertar. Libertar por quê? Porque traz um novo paradigma, é um outro paradigma. Pensar diferente de que ela pode ter um aspecto terapêutico é algo muito equivocado. Pensar que maconha se resume a canabidiol é outra heresia, é perder a possibilidade do efeito comitiva dela e do efeito combinado.
Nesse contexto, vários países já superaram isso. É importante deixar isso claro aqui. Estados Unidos, Canadá, Israel, Alemanha já superaram isso. O Prof. Carlini e o Prof. Raphael Mechoulam já pesquisam e já pesquisavam isso e defendiam a cânabis medicinal há tempos. Isso não é novidade. Quem está doente, quem padece, quem sofre e quem melhora com cânabis, Exmos. Srs. Senadores, não tem ideologia nem vetor político, absolutamente não se prende a essas questiúnculas pequenas e empobrecidas; simplesmente é um paciente, simplesmente é uma pessoa que sofre e que tem direito de ficar bem. Isso é o correto. E a própria cânabis medicinal faz uma conversão de ideologia. É muito interessante ser contra a proposta, mas, ao se precisar da proposta, as pessoas se tornam ativistas. Por isto que há uma desobediência civil, por isto que as pessoas fazem em casa: porque ficam boas, as pessoas estão boas.
Vocês provavelmente tiveram vários exemplos de várias pessoas que fizeram seus testemunhos hoje de manhã. Eu não estive presente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De fato, hoje de manhã, diversos deram testemunho e disseram que, regulamentado ou não, eles vão continuar, porque entendem que aquilo está salvando os filhos, só para situar.
O SR. RÉGIS BARROS - Claro, e não é que entende não, eles devem ter mostrado. Eles provaram e mostraram materialmente aos senhores que há melhora.
Mas a questão é: "Régis, a questão do uso do extrato, nós não temos controle a riscos". Bem, precisamos ser muito honestos nisso. Os riscos são muito trabalhados e ponderados. Quando você tem uma maconha de péssima qualidade, e aí não é a seara desta audiência, que seria o uso recreativo, você vai ter problemas. Mas se você tem um controle, uma participação do Estado, você tem menos problema, muito menos problema. E aí nos cabe defender se nós vamos ficar presos a essa questão proibicionista sem pé nem cabeça, sem argumentação lógica nenhuma, por rótulos de outrora.
Depois posso passar as fontes para os senhores, mas citarei algumas doenças, está certo? Ansiedade, depressão, inflamação, síndrome do colo irritável, migrânea (enxaqueca), náusea, dor, psicose, crises convulsivas, glaucoma, insônia, pouco apetite, espasticidade muscular, câncer, epilepsia, esclerose múltipla, injúria na medula espinhal, síndrome de Tourette, esclerose lateral amiotrófica, doença de Huntington, doença de Parkinson, demência, adicção, transtorno de estresse pós-traumático, entre tantos outros usos da maconha medicinal inclusive já testados, já trabalhados, já construídos com projeto de pesquisa no Canadá, e a gente está preso anos-luz atrás numa discussão em que o olhar conservador ainda vem prevalecendo.
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O sonho que nós temos aqui, Exmo. Sr. Senador, demais Senadores e colegas que estão neste plenário, é que nós avancemos. E por que nós devemos avançar? Porque é o certo. O certo é poder ter o seu tratamento em casa, o certo é ter o seu direito de se tratar. Pensar o contrário disso é algo perverso. Isso não pode partir desta Casa, isso não pode partir do Legislativo, isso não pode partir de nós médicos, isso não pode partir das nossas instituições médicas.
A gente não defende que tudo seja feito de forma tresloucada; a gente defende que seja feito de forma organizada, mas quem tem alguém querido que melhorou com o extrato artesanal da maconha, da cânabis, entende muito bem o que estou falando. Ficar preso em construções deveras bizarras ou deveras conservadoras só mostra o quanto nós deixamos de ser humanos. Repito: ciência sem humanismo não serve de nada. Entendo a preocupação das agências reguladoras, entendo a preocupação desta Casa, aceito, concordo. Contudo, abram os ouvidos e permitam que a verdade entre no parênquima cerebral de vocês, visto que a maconha não é somente CBD e não é essa coisa tão temível e tão maléfica como às vezes é colocado para a sociedade.
Quando eu uso algo empobrecido como: "maconha cria psicóticos", eu deixo com que a reflexão deixe de imperar, embora a gente possa discutir as relações entre maconha e psicose, a gente precisa entender também que ela é terapêutica e que eu tenho como controlar sim a proporção dos canabinoides, e que, além de canabinoide e canabidiol, nós temos outras coisas a oferecer.
Nós precisamos ser justos, Sr. Presidente, nós precisamos ser claros para a sociedade, a discussão precisa ser clara, nós precisamos jogar holofotes onde tenha a escuridão do obscurantismo. Sem isso, nós não temos nenhum papel social de mudança. O momento é de mudança, o momento é de entendimento. Nós estamos precisando mudar. A mudança é para a sociedade.
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Eu tenho certeza de que grandes companhias farmacêuticas olham para a cânabis com olhos muito grandiosos, extremamente gananciosos, extremamente inteligentes em termos de mercado. E aí eu quero pensar junto com os senhores por que aquela pessoa, com uma patologia que responde ao extrato artesanal de cânabis, não pode se beneficiar lá no Sertão do Piauí, lá no centro do Mato Grosso, lá nos locais mais longínquos do norte. Qual é o papel da gente nisso? Qual é o papel desta Casa? Os senhores precisam perceber o que está sendo feito fora do Brasil. É uma questão de humanidade, de humanismo. Tanto é que a discussão se empobrece quando há um aceite da resposta positiva da cânabis medicinal num reducionismo de isolar os seus alcaloides. Não é possível pensar em perder também o efeito combinado dos alcaloides, dos canabinoides, dos terpenos.
Então, Sr. Presidente, fica aqui o meu alerta para toda esta situação. Eu acho que nós precisamos ser justos, humanos. Reitero que isto não é uma pauta ideológica, reitero que isto não é uma pauta de partido. Eu acho que todos nós podemos ajustar as nossas diferenças e aquilo que nós achamos opostos na questão da cânabis medicinal. Eu acho que é o papel desta Casa legislar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto.
O SR. RÉGIS BARROS - Sim, já vou para minha conclusão.
... como também é o papel desta Casa acolher.
Como eu falei no começo da minha apresentação, é inevitável, não há mais freio. Pode haver qualquer vetor conservador, podem encontrar qualquer caminho conservador, é uma questão de tempo, é uma questão fácil de perceber que não há volta, é real, é absoluto. As pessoas estão fazendo pelas cooperativas, em casa e estão ficando bem. Como eu disse há pouco, se esta Casa não legislar o Judiciário legisla. E nós vamos perceber o acovardamento do Legislativo, não é o fato. E eu entendo que, ao concluir, nós podemos ofertar a todos, com grana ou sem grana, o melhor, nós estaremos fazendo o certo.
Termino minha apresentação, Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, mandando um abraço e deixando todo o meu carinho à Fiocruz, que recentemente teve olhares negativos. É uma instituição extremamente importante no cenário mundial da pesquisa, que recentemente teve olhares críticos de entidades que não poderiam ter esse olhar para a Fiocruz. Então, deixo o meu carinho expresso.
Novamente agradeço o seu convite para participação nesta audiência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos ao psiquiatra Regis.
De imediato, fala agora o Dr. Ronaldo Laranjeira, Presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, por dez minutos com mais cinco.
O SR. RONALDO LARANJEIRA (Para exposição de convidado.) - Boa tarde.
Muito obrigado a todos.
Pode passar o eslaide.
Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a oportunidade. Para mim, é um prazer e uma honra estar aqui nesta Casa Legislativa, para mim é sempre realmente com uma grande honradez que eu venho para este debate.
Eu queria começar o debate público. Sinto que foi muito questionada a pesquisa no dia de hoje aqui, o que é uma pena, eu acho, para o Senado, sair do que as pesquisas dizem e caminhar no que as pessoas acham que possa andar.
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Há um exemplo muito claro recente. As pessoas juravam por Deus que o João de Deus era um cara maravilhoso que curava um monte de gente em situações dramáticas. E a gente viu o que aconteceu com o João de Deus em termos de algo que não foi pesquisado e que foi por relato de pessoas sofridas que recorreram a uma estratégia sem muita ou sem nenhuma evidência científica.
Mas quando a gente vai se basear em pesquisa científica, você não precisa ir muito longe: duas ou três semanas atrás, numa nota técnica do FDA (Food and Drug Administration) - se vocês não acreditarem no PubMed, que é o lugar onde os pesquisadores, onde os clínicos buscam informações de qualidade, vocês têm que pelo menos levar em conta o que o FDA, um órgão absolutamente técnico, leva em conta na maior parte das pesquisas -, o FDA, numa nota técnica muito simples, muito claramente falou...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Todos os painelistas podem... Por favor.
Desculpe-me interromper.
Por favor, aqui. Todos os painelistas adentrem para o lado de cá, porque eles vão falar de novo. Podem se sentar na primeira ou na segunda fila. Na primeira ou na segunda fila, porque vão usar a palavra novamente.
Eu vou lhe dar um minuto porque eu lhe interrompi.
O SR. RONALDO LARANJEIRA - Obrigado, Senador.
Mas eu estava falando que o FDA, numa nota técnica, deixou muito claro que não existem evidências do uso médico de canabidiol - ponto final. Essa é a nota técnica do FDA. Naquelas situações raras - raras! - de epilepsia resistentes, você pode ter o uso compassivo. Essa é a nota técnica. Não fui eu que falei, e qualquer um pode ir buscar na internet e ver maiores detalhes dessa nota técnica.
Não por coincidência, duas semanas depois, o maior congresso de câncer do mundo, que ocorreu nos Estados Unidos, com pessoas que lidam com situações extremas na parte técnica, falaram que a boa prática do tratamento do câncer, mesmo nas situações de extrema vulnerabilidade e de casos que não têm protocolos, não tem o uso medicinal para maconha em câncer. São dois atores científicos, pessoas que levam em conta os extremos de áreas nunca muito desenvolvidas... O melhor tratamento para o câncer, você quer o que existe de melhor, a gente quer o padrão-ouro para a pessoa que está com câncer, em sofrimento, a gente quer o padrão-ouro em todas as doenças raras, por exemplo.
Não tenho dúvida de que, para todo mundo, se fosse só para discutir o efeito do canabidiol em algumas situações raras, a reunião não faria nem muito sentido, porque todo mundo é favorável, a medicina é favorável de que possa alguma substância, desde que passe por todos os estágios por que todas as substâncias passam, aprovar com evidência científica.
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Se eu falasse para o senhor, Senador, que o veneno da jararaca está sendo usado principalmente por pessoas desta Casa aqui? Há 30 anos, professores da USP estavam estudando o veneno da jararaca. Se se falasse isso há 30 anos, alguém diria que iria sair alguma coisa boa de uma jararaca? E saiu: saiu um medicamento anti-hipertensivo, que é o captopril. Duvido que não haja ninguém nesta sala usando captopril. O captopril, nesse sentido, não é diferente de nenhuma outra substância: passou por testes de animais, passou por testes como qualquer substância passa e hoje é um produto internacional vendido e usado com segurança, porque não é destilar veneno da jararaca, colocar água e dar para alguém. Não é isso. Seria um absurdo fazer isso. Você destila e, dentro do veneno, você isola a substância que possa ter efeito anti-hipertensivo, e aí faz teste com animais, faz teste com humanos. É toda uma sequência.
E a gente já está cheio de medicações que foram testadas... O Estado de São Paulo gastou uma fortuna num novo medicamento contra o câncer e se viu, depois de alguns mínimos testes, que o medicamento não tinha efeito anticâncer. Bastou sair dos relatos dos pacientes para ir ao teste frio da Medicina e se viu que o Estado de São Paulo gastou uma fortuna indevidamente numa medicação - não me lembro o nome da medicação, mas está em todos os relatos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou interromper o senhor de novo, mas o nosso querido Senador Alessandro teve um problema de voo, chegou agora e ele é o Relator, tanto que, em seguida, eu vou chamá-lo para presidir. Eu queria uma salva de palmas para ele. (Palmas.)
Esse tema foi para alguns Senadores e voltou, e ele disse: "Não, pode deixar comigo que eu relato".
Senador Alessandro, já assuma agora aqui.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - SE) - Senhores e senhoras, boa tarde. Desculpem-me pelo atraso - enfim, um tumulto de voos muito grande.
Sem mais delongas, devolvo a palavra ao Prof. Ronaldo Laranjeira.
O SR. RONALDO LARANJEIRA - Obrigado, Senador. É um prazer tê-lo aqui conosco. É uma grande responsabilidade da sua parte.
Eu estava falando de como é complicado. Se a gente estivesse falando só de um efeito do canabidiol e do seu uso, o canabidiol deveria seguir os procedimentos que qualquer medicamento segue. Você faz estudos em animais, em humanos, você vê o estudo de toxicidade e o estudo terapêutico.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RONALDO LARANJEIRA - Obrigado, Senador.
Então, eu acho que a gente tem que tomar cuidado de não dar um selo de aprovação a um medicamento que não recebeu esse selo de aprovação em nenhum lugar.
Eu estava falando de uma nota técnica do FDA de duas semanas atrás que fala que não existe evidência de uso dessas medicações pelo FDA. O próprio congresso americano de cancerologia falou exatamente a mesma coisa: não existe papel para esse medicamento do ponto de vista científico.
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Então, dar o benefício da dúvida de um medicamento que está sendo usado em doenças raras, você pode ficar só com a palavra emocional e com todo o componente de as pessoas acreditarem que aquela substância causa um benefício, mas não é assim que a Medicina progride. Ela se baseia em relato de casos, com certeza, sempre foi assim, mas submete a medicação ao teste científico da frieza científica. Eu acho que o canabidiol não pode ser diferente de qualquer outra substância, porque senão estaríamos dando um ponto de entrada.
No meu modo de ver, foi isto que aconteceu nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, a narrativa da Open Society, que é financiada pelo Dr. George Soros, foi de transformar a erva do diabo, que é a maconha, em uma medicação que possa ser usada pela vovozinha. Foi essa a narrativa de 15, 20 anos feita nos Estados Unidos para incluir - como o cigarro vinha caindo em termos de prevalência - o aumento da maconha. É isso que está acontecendo nos Estados Unidos, e foi por isso que vários Estados legalizaram o consumo; sob influência e determinação do George Soros.
E hoje de manhã a gente viu várias empresas, microempresas, com absoluto conflito de interesse: Dr. Cannabis, Dr. Isso, o pessoal da indústria farmacêutica, que, no meu de ver, têm interesse, sim, em fazer com que a maconha não seja vendida como medicamento, mas seja vendida como fitoterápico.
Eu fui a uma reunião, há poucas semanas, em São Paulo, em que dezenas de pessoas ligadas à indústria dos fitoterápicos tinham uma estratégia muito clara de transformar a maconha e o canabidiol num fitoterápico, em que os controles da Anvisa são muito mais frouxos. Então, eles querem transformar maconha como se fosse Maracugina. Essa é a estratégia de mercado dessas pessoas que vêm aqui defender os interesses das empresas, que não têm vergonha de se defender atrás das crianças sofrendo. Eu me sinto envergonhado, nesta sala, de ter que presenciar a indústria defendendo os seus interesses pecuniários atrás das crianças que estão sofrendo com doenças raras.
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO LARANJEIRA - E foi isso que aconteceu e está acontecendo nos Estados Unidos. As pessoas criaram um mercado de maconha.
Esta é a capa de uma revista que mostra o que está acontecendo em termos de mercado de maconha. Estas são as lojas que estão vendendo maconha nos Estados Unidos. É um mercado da maconha. Isso não se constrói de um dia para o outro, e é isso que estão querendo implementar aqui no Brasil. Você usar essas lojas, como se fosse uma loja da Apple, para vender maconha. É isso. Aqui a grandmother stoner, quer dizer, a vovozinha usando maconha. Isso é o que está por trás desse discurso aparentemente suave da indústria farmacêutica, que quer vender fitoterápico na forma de maconha e canabidiol. Esse é o futuro que essas pessoas querem implementar aqui no Brasil. Isso são fotos desta revista mostrando o desenvolvimento empresarial da indústria da maconha, que são os representantes que vieram aqui hoje de manhã.
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O que aconteceu nesta foto disso vendendo maconha? É a mesma coisa de quando se vendia cigarro na década de 60. Estão querendo transformar a maconha, no Brasil, como quando se vendia cigarro nas décadas de 50 e 60. Nós pagamos, o Brasil pagou milhares de mortes devido ao uso de cigarro. E é isso que está acontecendo no caso da maconha nos Estados Unidos. Isso tudo é mercado, é propaganda de maconha nos Estados Unidos, principalmente naqueles Estados...
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - SE) - Professor, para concluir.
O SR. RONALDO LARANJEIRA - Está acabando?
Então, só mais um minuto, para acabar, por favor, até chegar a uma parte que eu quero mostrar.
Você tem Nutella com o uso de maconha, bala com o uso de maconha, sucrilhos com o uso de maconha, chocolate com uso de maconha. Mas o que eu quero mostrar mesmo - esta é a grande fronteira, do meu modo de ver, no caso da maconha - são os vaporizadores. A indústria do cigarro criou os vaporizadores como meio não para cigarro, mas como meio para vender maconha. Não tenho a menor dúvida, quer seja maconha, quer seja canabidiol, de que essa é a nova fronteira com a qual os representantes dessa indústria estavam aqui nesta Mesa de manhã. Isto é o que vai acontecer. Você pode colocar a maconha não com 0,5%, 5%, que era a maconha usada na época da geração hippie, mas maconha com 100% de THC. Esta é uma outra fronteira: é a mesma droga, mas com uma nova tecnologia que vai arrasar a geração de americanos e de canadenses.
E, do meu modo de ver, não é verdade que o mundo todo está embarcando nessa furada. Na semana que vem, eu tenho uma reunião em Singapura com mais de 30 países, representando o Brasil... Na verdade, representando a mim mesmo, porque eu sou acadêmico, não represento o Governo, não represento ninguém; represento a mim mesmo como professor titular da Escola Paulista de Medicina. Mas, nessa reunião, ninguém nem chega perto desse debate legalizador, pelas portas dos fundos, da maconha. É uma vergonha que o País esteja sendo influenciado por esse equivalente dos traficantes de drogas travestidos de agentes da indústria farmacêutica.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - SE) - Agradeço ao Prof. Ronaldo pela contribuição.
Passo, sem demora, a palavra para Andrea Galassi... (Pausa.)
Ela está?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - SE) - Então, vamos passar aqui para o Leonardo Sérvio para dar andamento...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - SE) - Sra. Andrea, se puder, venha para Mesa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Senado Independente/CIDADANIA - SE) - Não há nenhum problema, estamos aguardando.
A SRA. ANDREA GALLASSI (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todas e a todos.
Desculpem-me, gente. Eu estava ali atendendo a um telefonema.
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Para mim é um prazer estar aqui dialogando com vocês sobre esse tema tão urgente que está na pauta do dia. Então, eu queria agradecer ao Senador Alessandro Vieira por conduzir esses trabalhos e por esse tema estar aqui nesta Casa, que é a Casa que tem que debater, de fato, o avanço sobre essa discussão no nosso País.
Bom, eu tenho dez minutos, então, eu fiz uma apresentação para caber nesses dez minutos. Eu coloquei algumas das representações que eu faço aqui nesta audiência: eu represento a Plataforma Brasileira de Política de Drogas; o Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, que é um centro de pesquisa da UnB que eu coordeno, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; e a Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos, que é inclusive a propulsora dessa sugestão. Eu represento essas instituições, essas organizações, melhor dizendo, e sou professora da Universidade de Brasília.
De alguma forma, nesses dez minutos, eu dividi a minha fala em quatro pontos, que vão ser breves, para que a gente pudesse tentar contemplar essa discussão considerando que, de manhã, a gente já teve contribuições excepcionais - eu acompanhei pela internet. A gente teve a fala das mães que fazem uso - a Cidinha está aqui representada, enfim, e outras pessoas, Margarete, que puderam trazer a experiência sobre o tema. Eu vou tentar, então, trazer uma contribuição a respeito da ciência, o que ela tem para dizer para a gente sobre o uso terapêutico da Cannabis para diversos problemas de saúde, o uso terapêutico da Cannabis para o tratamento da dependência química em si.
Por que eu destaquei esse ponto? Porque é uma das pesquisas que eu estou justamente conduzindo lá no nosso centro de pesquisa, que é o uso do canabidiol com pessoas que têm dependência de crack. E queria fazer um agradecimento público à Anvisa, inclusive, porque foi um processo superdemorado para conseguir autorização para importar o canabidiol para esse fim de pesquisa. E eu descobri que o nosso projeto era o primeiro projeto de pesquisa no País que estava usando o canabidiol para fins de pesquisa. Então, como a própria agência disse, eles estavam aprendendo conosco, o processo foi muito cuidadoso, foi superdemorado, mas eles entenderam que era importante e que a gente cumpria com todos os requisitos e que a ciência tinha que avançar. Portanto, a gente teve autorização e o produto já está conosco. Então, queria fazer esse agradecimento público à nossa agência.
E vou falar um pouquinho sobre comunicação responsável sobre drogas, que eu acho que é uma questão que impacta o debate, e sobre a urgência na regulação da produção nacional, que é, eu diria, o ponto central desta audiência.
Acho que, de uma maneira geral, o que eu queria destacar... Eu não vou ficar aqui falando de dados científicos de uma maneira dura e de uma forma que pouco comunica com o público; minha ideia nesta fala é sustentar minha colocação nas evidências científicas, mas trazê-las para o contato das pessoas que devem se beneficiar por elas. Não adianta falar só para cientistas e professores; a gente tem que dialogar e as pessoas têm que entender o que a ciência vem produzindo e de que forma ela pode melhorar a vida das pessoas. Esse é o grande objetivo, não é?
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Acho que o Dr. Régis, que me antecedeu, trouxe... E ali, então, a gente usou talvez das mesmas referências ou das várias referências que temos na ciência a respeito das propriedades terapêuticas da Cannabis. E não é só o CBD; isso está ali em vermelho não à toa. Não é só o canabidiol. Não temos um canabinoide do bem e um canabinoide do mal: "Ah, o THC é do mal, a gente não pode usar". Isso é tão irônico que o único medicamento que a gente tem hoje aprovado, que vende em farmácia, tem quase metade do percentual de THC, que é o Mevatyl - eu falo Metavyl e Mevatyl; acertei! Eu me confundo com as letras, com as sílabas. Enfim, não existe isso. Acho que esse é um ponto que a gente tem que deixar claro.
E, aí, as evidências estão ali. Eu destaco as evidências substanciais, ou seja, pelas quais a literatura científica já tem consistência para afirmar, sim, que os canabinoides, que a Cannabis, têm efeitos terapêuticos comprovados para epilepsia, câncer, dor neuropática e sintomas de esclerose múltipla.
Acho que a Senadora Mara Gabrilli, de manhã, fez uma fala excepcional, ela que teve um acidente e que se beneficia do uso terapêutico da Cannabis. Então, ela tem, enfim, os próximos potenciais terapêuticos pelos problemas que ela teve. Ela é tetraplégica e tem espasticidade; e a Cannabis, para ela, de fato, teve efeitos que ela sentiu, comprovados, e que a ciência, de fato, também reforça, esses efeitos.
Então, a gente tem evidências que são substanciais, como essas que eu disse agora. A gente tem evidências que estão sendo ampliadas, ou seja, a gente identifica que existe um potencial terapêutico, como, por exemplo, para lesão medular, que é o caso da Senadora, doença de Crohn, síndrome do intestino irritável, glaucoma e diversos distúrbios psiquiátricos, como ansiedade, psicose e depressão, além de propriedades neuroprotetoras.
Então, é tão interessante quando é possível desinterditar, quando a gente deixa a ciência investigar substâncias que são proscritas e a gente tem a possibilidade de então evidenciar coisas que a proibição não nos permitia. Então, aquela ideia de que a Cannabis pode, de fato, há situações em que, sim, ela traz prejuízos, do ponto de vista do desenvolvimento do sistema nervoso central; por outro lado, de fato, a gente tem que a Cannabis, sim, tem propriedades neuroprotetoras. Então, é assim que a gente vai avançando.
A gente tem evidências que são limitadas ainda, ou seja, que precisam ser, de alguma forma, investigadas de maneira mais consistente, e tem um último elemento que eu acho superimportante destacar, que são os canabinoides sintéticos.
Muito se falou recentemente disto: "Ah, se a gente consegue produzir canabinoides em laboratório, por que a gente precisa usar a planta?" E é muito interessante que essa publicação é deste ano, 2019, pela Revista Brasileira de Psiquiatria, que é o veículo científico mais importante na área de psiquiatria do nosso País, que é da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). E esse estudo demonstrou que os canabinoides sintéticos indicam efeitos adversos à saúde acentuadamente mais graves e agudos relacionados ao uso desses produtos, inclusive casos de morte. Então, canabinoides sintéticos não parecem ser uma coisa muito adequada, até considerando que a gente tem uma planta que provê isso e a gente não precisa, então, demonizá-la, como o Prof. Ronaldo disse anteriormente.
E aqui a gente tem mais evidências...
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Gente, eu estou ofegante, a gravidez está... Eu estou nos finalmentes da gravidez, já não estou conseguindo respirar. Minha barriga está para cima, embora não tenha crescido muito. Eu estou correndo ali... Um minuto.
A gente tem outras evidências. E destaco, como eu disse, a questão do uso da Cannabis terapêutica para outras dependências, especificamente o crack. Acho que vem sendo bastante investigado pela ciência, que a Cannabis, de fato, como a gente costuma usar uma expressão para fazer uma analogia com a tal da porta de entrada, é uma porta de saída para as outras drogas que são mais pesadas, como o crack, a heroína, por exemplo, que têm estudos já bem consistentes na literatura. Eu destaco alguns, que são esses que vêm a seguir aqui...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDREA GALLASSI - Eu vou passar rapidamente, considerando a questão do tempo.
Só numa cronologia, a gente tem um estudo de 1999 feito pelo Prof. Dartiu, foi um estudo bem pequeninho em que as evidências foram demonstrando que as pessoas passavam a usar maconha para diminuir o uso de crack. É quase uma coisa empírica, elas percebiam que, quando usavam maconha, elas usavam menos crack e, consequentemente, tinham menos efeitos ruins ocasionados por conta do crack, como inapetência, ansiedade, paranoia.
E aí há uma cronologia, um estudo feito na Jamaica, em 2002; a gente tem, em 2015, outro estudo brasileiro que também fala um pouquinho do uso da Cannabis para usuários de crack; a gente tem esse de 2017, que é muito interessante. Esse gráfico é só para demonstrar que, quando as pessoas passaram a intencionalmente usar Cannabis para diminuir o uso de crack, de fato elas diminuíam o uso de crack e passavam a usar Cannabis, que é uma droga sabidamente menos lesiva, menos problemática.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Andrea, por favor, só para concluir.
A SRA. ANDREA GALLASSI - Vou concluir.
Eu vou finalizar com esses dois últimos pontos, que são sobre a questão da comunicação responsável sobre drogas. Eu acho que passou da hora de a gente falar de uma maneira mais clara, de uma maneira menos temerosa, no sentido de tentar usar o amedrontamento como recurso para convencer as pessoas de que usar drogas é ruim. A gente tem que ter papo reto, como eu coloquei ali, que é o nome de um coletivo do Rio de Janeiro, que justamente trabalha com essa discussão, ou seja, eu tenho que parar de falar que droga mata, tenho que parar de falar que usou uma vez e já se viciou ou campanhas midiáticas do tipo dessas que a gente está tendo atualmente: "Você nunca é livre se escolher usar drogas", coisas que não têm impacto nenhum no sentido de promover mudança. Por quê? Porque o jovem vai lá, usa, não morre, vê que é prazeroso e fala: "Pô, estão mentindo para mim, estão me enganando". Então, é uma bobagem isso. A gente tem que urgentemente discutir pragmaticamente de que forma nós vamos trabalhar esse tema com a juventude.
Por fim, a gente tem que incluir essa discussão justamente no marco regulatório que nós vamos fazer. Como disse o Dr. Régis, estamos discutindo aqui justamente como vamos fazer essa regulação, porque, de fato, ela já está sendo usada no nosso País. Então, eu penso que a regulação responsável, associada a campanhas informativas, pragmáticas e menos temerosas como essas que a gente observa, tem por objetivo proteger os mais vulneráveis, como os adolescentes, e beneficiar as pessoas que necessitam do medicamento.
Eu finalizo, deixo os contatos e depois a gente tem outro momento para outras inserções.
Obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado, Dra. Andrea.
Uma salva de palmas para ela. (Palmas.)
Eu queria, neste momento, registrar que já está aqui conosco, nesta audiência pública, e, daqui a pouco, formará a última Mesa do dia - desde cedo, desde 9h, estamos debatendo esse assunto -, já chegou aqui o Diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dr. William Dib.
Neste exato momento, nós vamos passar a palavra, para fazer a sua palestra - você tem dez minutos -, ao Dr. Leonardo Sérvio Luz, que é Conselheiro Federal, representante do Conselho Federal de Medicina, por dez minutos e o tempo para conclusão depois.
Obrigado.
O SR. LEONARDO SÉRVIO LUZ (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador.
Boa tarde a todos.
Eu trago aqui o meu abraço e meu cumprimento em nome do Presidente Carlos Vital, que não pôde comparecer porque, inclusive, nós estamos discutindo, hoje e amanhã, no Conselho Federal de Medicina, dando sequência à discussão sobre as drogas no País, um fórum sobre alcoolismo, que está acontecendo neste momento no Conselho Federal de Medicina.
Eu tenho uma apresentação que é um pouco extensa e vou tentar correr. Ainda bem que o Prof. Ronaldo já me ajudou, temos até algumas fotos em comum da revista. Vou tentar fazer en passant. Eu acho que vocês já estão discutindo isso desde a manhã, e muitos de vocês já sabem, tão bem ou melhor do que os psiquiatras, pediatras, outros profissionais de saúde, do que se trata a maconha.
A primeira questão que eu queria pontuar é que este é um tema muito antigo, na verdade. Este tema vai e volta. Já se tentou, há muito tempo, no século XIX, no começo do século XX, fazer extratos da planta, tentaram algumas terapêuticas e depois, por conta dos efeitos colaterais, voltou-se atrás. Então, esse não é um tema novo. Talvez para muitas pessoas esse é um tema revolucionário, atual, mas, de fato, na verdade, ele não é tão novo assim. Aqui são registros próprios dessa época.
E aí sim, de 1964 para cá, foram se isolando as substâncias, identificando os receptores. Não vou me alongar nessa temática com vocês, porque eu imagino que, desde a manhã, o Prof. Ronaldo já trouxe a questão da indústria que está colocando... Eu vou passar isso aqui, Nugtella, M-Cigarretes, a Marlboro negociando comprar a produtora canadense de maconha. Então, a questão da indústria, de fato, está muito claro o interesse financeiro da indústria por trás disso.
Como o professor falou, há um declínio da venda de cigarros, principalmente no nosso País, depois da bem-sucedida Lei Antitabágica, mas agora, de fato, há um novo nicho talvez nesse mercado. E, quando eu tenho essa fala, por favor, quem defende a outra visão, eu torço até para que evidências possam ser encontradas, o que será um novo recurso para a gente tratar os pacientes, mas, enquanto isso não ocorrer, infelizmente a nossa posição será contrária.
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Porém, eu também não me sinto muito à vontade, às vezes, de fazer colocações e dar os motivos de cada um. Eu acho que este debate, esta audiência pública, de fato, serve para que nós, democraticamente, possamos chegar a uma conclusão. Porém, assim como o Prof. Ronaldo falou, as evidências são simplesmente fortes e estão aí para qualquer um ver. O PubMed - ou qualquer buscador que a gente procure - vai trazer as evidências, e algumas eu quero colocar para vocês.
O número de quem consome álcool diminuiu um pouquinho, por exemplo, aqui num estudo da Universidade de Michigan, o de cigarros também diminuiu, porém, o de marijuana tem aumentado.
Aqui é um levantamento da própria Uniad, foi um estudo, uma comparação de 2006 a 2012. Eu vou passando, mas é para vocês terem uma ideia do aumento do consumo. E aqui um dado que é bem alarmante: o início desse uso é por volta de 15 a 16 anos. Inclusive, o Conselho Federal de Medicina tem estimulado a Sociedade de Pediatria, junto com a Associação Brasileira de Psiquiatria, porque ela é extremamente válida no sentido de colaborar com essa realidade do início de uso nessa faixa dos adolescentes. Aqui, situando o pico, 62% experimentaram maconha pela primeira vez antes dos 18 anos.
Aqui mais dados que foram colocados por alguns professores no nosso fórum que realizamos sobre maconha há mais ou menos dois meses. E aqui mostra que, em um odds ratio ajustado, o uso de Cannabis aumentou a violência urbana, assim como cocaína e outras drogas, o bebê compulsivo também. Esses são dados do levantamento.
Eu vou passando, porque não vou ficar também cansando vocês.
Isto aqui é um dado extremamente simples: 70% dos usuários de cocaína também usaram maconha no último ano - seja para diminuir ou para aumentar, é um achado descritivo; 41% dos usuários de maconha também usaram cocaína no último ano; 2 milhões de pessoas usaram maconha e cocaína concomitantemente.
Aqui são outros níveis sobre o prejuízo na saúde e no bem-estar do indivíduo.
E aqui, ao passo que a Profa. Andrea colocou a questão da redução, por exemplo, desde a legalização pós-uso no Colorado, houve, na verdade, um aumento desse consumo em idade de 12 anos e mais e em 18 e 25 anos e mais. Então, essa é uma realidade preocupante também para a gente.
E aqui é um outro estudo falando da legalização, de 2008 a 2015, e uma revisão internacional de 2018 mostrando os declínios neuropsicológicos desde a infância à meia vida, inclusive com uma alteração no QI das pessoas. Quanto mais precoce o uso, maior seria a redução do QI das pessoas que utilizavam a substância. Então, é outra preocupação do ponto de vista médico propriamente dito.
Aqui é só uma cadeia do que acontece com a maconha, com a neuropsicologia.
E aqui a vulnerabilidade dos adolescentes, em que, em um, dois ou três diagnósticos, essa utilização também foi reduzindo o QI dessas pessoas.
E aqui - entre nós psiquiatras isso já é muito bem consolidado - o aumento do risco de psicose entre as pessoas que utilizaram a maconha e também o aumento da incidência de transtorno de personalidade esquizotípica. A associação entre Cannabis e psicose está aqui, é de 3.69, e entre o uso e Transtorno de Personalidade Esquizotípica é de 7.32, o que é muito elevado. E é uma relação dose-resposta: quanto mais você usa, maior risco você tem.
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Mais estudos, metanálise, com 83 estudos, mostram que, na relação entre psicose e Cannabis, a psicose ocorre 2,7 anos mais precocemente em usuários.
Aqui há mais outros trabalhos.
E em março, finalmente, que eu creio que era o estudo a que o professor estava se referindo, com mais de 23 mil usuários de maconha, nos 11 estudos de metanálise, um risco de 37% de depressão na fase adulta e um risco - gente! - de 50% de pensamentos suicidas. Não sei se vocês lembram, mas, há alguns anos, foi tentado, inclusive, um medicamento que atuava nos receptores e que era utilizado para perder peso, mas, na verdade, ele foi retirado do mercado por conta das ideações suicidas que estavam ocorrendo em larga escala...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LEONARDO SÉRVIO LUZ - Não! Era o rimonabanto, se não me engano.
... e o risco de tentativa de suicídio três vezes maior.
Então, de fato, a gente precisa estudar mais ainda. Como a própria professora falou, com toda a dificuldade que ela teve com a questão da importação da matéria-prima, os projetos são muito incipientes ainda; é tudo muito inicial. É preciso, se for decidido assim, que mais estudos possam embasar que isso seja chamado de medicamento ou que, de fato, seja chamado de maconha medicinal. Eu acho até um pouco de contrassenso essa expressão.
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO SÉRVIO LUZ - E aqui é um exemplo da Islândia, de como você combate a questão das drogas: promovendo atividades recreativas, laços familiares, autoeficácia, competências sociais e ampliando experiências culturais.
Eu acho que eu estou terminando.
Aqui é só para vocês verificaram o quanto, de fato, houve de diminuição na famosa Terra do Gelo quanto ao índice de dependência química.
E aqui é a nossa cartilha do Conselho Federal de Medicina, com a contribuição de outras sociedades, de especialidades, de alguns professores. Nós temos uma comissão no conselho, Senador, que é sobre drogas lícitas e ilícitas, e nós estamos fazendo uma série de levantamentos sobre essa questão.
Eu sei que meu tempo está acabando, mas eu queria fazer inclusive só uma sugestão. É que eu tenho participado de alguns temas, mas ainda há uma dificuldade, eu acho que...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Só para concluir.
O SR. LEONARDO SÉRVIO LUZ - Já estou concluindo.
Eu acho que há uma dificuldade muitas vezes, justamente pela pobreza até da literatura, de ser tudo muito incipiente, de se diferenciar a maconha recreacional da medicamentosa. Então, como sugestão, eu acho que, de fato, a gente precisa separar um pouco mais para a gente ter um denominador comum e, de fato, pensar em fazer ciência. Há evidência? O.k. Não há? Não há.
Então, eu acho que é basicamente isso.
Muito obrigado! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Quero agradecer aqui a palestra também do Dr. Leonardo Sérvio Luz, que é Conselheiro Federal, representante do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Eu queria agradecer a todos os palestrantes a oportunidade de aqui, de forma serena, tranquila, colocarem os seus pontos de vista. É um assunto extremamente delicado, tem que ter muita serenidade mesmo, porque é algo que impacta as vidas das pessoas.
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Quanto a esses dados de suicídio, eu fui o Relator, em abril deste ano, na CAS, de um projeto sobre o novo Plano Nacional de Prevenção à Automutilação e ao Suicídio. E durante os debates que nós tivemos na CAS essa questão da droga ficou muito evidenciada, do impacto que ela causa, infelizmente, nessa pandemia que está acontecendo no mundo, em que, a cada 45 minutos, um tempo de futebol - 45 minutos -, uma pessoa se suicida no Brasil. No Brasil, a cada 45 minutos, uma pessoa se suicida. E nos números, nos dados científicos que foram mostrados, apresentados lá, havia envolvimento de maconha. Então, realmente a gente tem que ter cautela com relação a esse assunto.
Eu queria chamar a próxima Mesa neste momento e agradecer a todos vocês que fizeram apresentação.
Chamo à próxima Mesa o nosso Presidente, o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, William Dib. (Pausa.)
Quero chamar também, Raul Thame, filho de paciente do mais recente habeas corpus do Brasil, com relação à Cannabis, ao óleo. (Pausa.)
Chamo Andreia Salles, que é representante do Movimento Brasil sem Drogas. (Pausa.)
Chamo Inês Gandolfo, Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). (Pausa.)
O Dr. Fábio Gomes de Matos, que é Médico Psiquiatra, da Universidade de Edimburgo. O senhor fez pós-graduação lá na Universidade de Edimburgo e estuda esse assunto há algum tempo também. (Pausa.)
Então, nós vamos neste momento aqui...
O senhor pode começar, Presidente?
É Presidente ou é Diretor?
O SR. WILLIAM DIB (Fora do microfone.) - Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Presidente! Informaram-me equivocadamente. Peço desculpas aqui.
O SR. WILLIAM DIB - Pode ser Diretor também.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - É Diretor também; Diretor-Presidente.
O SR. WILLIAM DIB (Fora do microfone.) - Isso!
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Então pronto!
Então, William Dib fica aberto para usar os seus dez minutos de tempo inicial, depois mais dois minutos para concluir.
Agradeço.
O SR. WILLIAM DIB (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todos!
Queria cumprimentar o Senador Girão por esta iniciativa junto com o Senador Alessandro Vieira, e agradecer o convite à nossa agência pela oportunidade de poder explicarmos o que estamos fazendo, visto que abrimos duas consultas públicas que estão correndo simultaneamente: uma sobre cultivo; e outra sobre produção, registro, monitoramento e fiscalização do medicamento.
Eu espero não estar na reunião errada, mas a sensação que eu tive - eu cheguei há muito pouco tempo; eu estava na Câmara, para onde também fui convocado para falar sobre Cannabis - é de que só ouvi falar sobre droga; eu não ouvi falar sobre medicamento.
A Anvisa não tem condições éticas, técnicas de discutir droga, nem mandato para discutir droga. Nós temos condição de discutir medicamento. A Anvisa não prescreve, não indica, não faz proselitismo terapêutico. A Anvisa tem que garantir a saúde que o Ministério da Saúde leva pelo SUS, que a iniciativa privada leva; tem que garantir segurança, qualidade e eficácia nos tratamentos de saúde. Nós temos que proteger o nosso cidadão. Mas, mais do que isso, nós temos que dar acesso a esse cidadão às terapias que a classe médica opta por fazer ou não. Não foi a Anvisa que prescreveu para milhares de pessoas a Cannabis, foi a classe médica, que fez estudos, tem comprovações, não tem comprovações, mas isso é um processo que se judicializou.
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O Brasil, desde 1961, é signatário de uma convenção internacional sobre plantio para pesquisa e medicamento, não só de Cannabis, mas de qualquer outra planta. Ratificou esse acordo internacional, em 1971, e esta Casa, o Congresso brasileiro, o Senado e a Câmara, em 2006, fez uma lei que autorizou e determinou que a Anvisa regulamentasse o plantio para pesquisa e utilização em medicamento. Mais do que isso, o Ministério Público entrou com uma ação contra a Anvisa pedindo para acelerar esse processo de regulamentação. Além disso, o Ministério Público ganhou uma ação, que está suspensa, determinando que o Ministério da Saúde coloque na sua bagagem terapêutica a Cannabis - e ganharam a ação.
Então, a Anvisa precisa criar condições, entre a classe médica, que prescreve, e o doente, que precisa do remédio, para se fazer essa intermediação, criando segurança, qualidade e eficácia. Só isso. Nós não discutimos se deve liberar Cannabis recreativa, qualquer outra droga, nós não temos condição de fazê-lo; isso é papel do Senado, do Congresso Nacional. É política de Estado, não é política da Anvisa. A Anvisa é saúde.
E, quando a gente faz isso e propõe, a gente quer propor com segurança, segurança para que as pessoas tenham um produto em que elas possam confiar. É possível confiar no plantio num vaso no fundo do quintal de Cannabis para acabar com a crise de epilepsia para criança? Pode ser que seja possível, nós não temos essa garantia. Então, nós estamos criando condições de exigir garantia, segurança e eficácia. Então, as melhores práticas do mundo para plantio nós colocamos na nossa proposta de consulta pública, que é indoor, de uso restrito. Aí alguém fala assim: "Mas se alguém assaltar essa coisa?". Ele não precisa gastar tanto, ele vai à esquina e compra. A Cannabis não precisa ser assaltada, ninguém precisa roubar a Cannabis - vai à esquina e compra muito mais barato.
Então, o uso recreativo não existe.
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Depois a gente determinou na nossa consulta que a posologia, que a apresentação terapêutica, só poderá ser em comprimido, cápsula, gota ou suspensão. Como que vai se fazer uso recreativo dessa substância? Qual é o risco sanitário disso? É zero, tende a zero.
Apesar de velhinho, eu não tenho idade de lembrar como foi a liberação dos opiáceos, mas deve ter sido uma discussão deste tipo. Alguém conhece - com certeza quem trabalha na área da saúde - quantos são os dependentes físicos, químicos das nossas morfinas, das nossas dolantinas? Quantos suicídios? Quantas mortes? Ninguém liga para isso. O importante é a Cannabis, que não causa absolutamente nada na forma oral.
"Mas não é eficaz". Eu não discuto só isso. Quem disse que é eficaz é a classe médica. Quem se responsabiliza pelo paciente é a classe médica. Eu tenho que me responsabilizar pela qualidade com que a Cannabis vai chegar ao consumidor. É essa a minha função. Eu não tenho função de prescrever nem para doença A, nem para doença B. A Anvisa tem que dar qualidade, segurança e eficácia. Mais do que isso, tem que deixar as pessoas terem isso, porque há famílias hoje que fazem contrabando, quer dizer, entram para o tráfico para poder dar o remédio para a sua família. E isso pode - e isso pode.
Agora, ao fazermos o que é correto, parece que nós estamos propondo liberar droga. Nós não estamos falando nem de droga; nós estamos falando de medicamento - só medicamento. (Palmas.)
Se há país que faz suplemento alimentar, se há país que libera o cigarro, se há país que tem goma de mascar, tem xampu, tem creme, o Brasil não terá. O que no Brasil pode são só essas apresentações de que eu falei, que não podem ser usadas para recreação. É essa a segurança. É dessa segurança que a sociedade precisa.
Agora, não é a Anvisa que vai combater a droga; a droga quem combate é a polícia, quem combate são as leis, as descriminações. Não é a Agência de Vigilância Sanitária. A Agência de Vigilância Sanitária não pode ser corresponsável pelo abandono dos doentes deste País. Nós temos a responsabilidade, todos nós - Senado, Câmara, sociedade civil - somos responsáveis por dar acesso.
É isso que nós estamos discutindo. Nós não estamos discutindo nada além disso, nada além de publicidade, nada disso. Nós estamos só discutindo que existem evidências clínicas em vários países. E não são países atrasados do mundo: são países extremamente desenvolvidos do mundo; e, a cada dia, há patologias novas sendo propostas. A Anvisa não tem capacidade de argumentar sobre isso. A academia pode ter...
(Soa a campainha.)
O SR. WILLIAM DIB - ... pode levantar essas questões. A consulta pública é para a academia se pronunciar. Vamos melhorar? Vamos restringir? Vamos abrir? Estamos abertos à população.
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Hoje nós aprovamos a data da audiência pública: 31 de julho. Todos os senhores estão convidados a fazer participação física, presencial ou por meio eletrônico. Nós seremos os ouvidos, teremos os ouvidos todos abertos, mas com responsabilidade, e responsabilidade não é conosco, é com os pacientes. Eles é que nós temos que atender.
Então, eu quero, mais uma vez, Senador, agradecer este importante papel que o Senado nunca se furtou a fazer, de trabalhar, de fazer, e parabenizar cada um de vocês.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Eu queria, neste momento, agradecer a participação do Dr. William Dib, que é Diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que fez aqui o seu pronunciamento, utilizando do tempo. Eu lhe agradeço a utilização dentro do prazo, embora aqui eu tenha pedido até uma alteração neste momento aqui, para equilibrar. Eu gosto de ser justo - justiça é uma coisa que a gente tem que buscar sempre nas nossas vidas. Equilíbrio: ouvir um lado, ouvir o outro.
Eu tinha colocado aqui - conversei com a Secretaria - o senhor como neutro. Eu achava que o senhor tinha uma neutralidade nessa questão, mas, pelo que eu entendi, é um direito que lhe acolhe, embora aqui eu ache que a Anvisa tem que realmente fazer um debate com a maior neutralidade possível. Mas o senhor já tem um ponto de vista, uma convicção formada sobre esse assunto e deixou claro na sua exposição.
Então, para equilibrar - nós estamos com um a favor, um contra, um a favor, um contra -, eu vou chamar mais uma pessoa, está certo, que é a Dra. Sandra Peu, do Ministério da Cidadania, para fazer esse contraponto, para ficar uma coisa equilibrada, serena e justa também. Está bom?
Mas, neste momento, eu quero passar agora a palavra para a Dra. Andreia Salles, que é do Movimento Brasil sem Drogas, para ela fazer a exposição. Tem dez minutos, mais dois para complemento, que é a regra que a gente adotou aqui.
Muito obrigado.
A SRA. ANDREIA SALLES (Para exposição de convidado.) - Obrigada pela oportunidade de estar aqui.
A primeira vez que eu sentei neste lugar foi na SUG 8, em 2014, 2015, quando começou, pela primeira vez, a discussão com relação à maconha no Brasil, de uma forma muito intensa, digamos assim. E foi quando eu e mais um grupo de pessoas decidimos montar o Movimento Brasil sem Drogas. Tantos anos depois, uma coisa é um alento para mim: a gente, lá atrás, quando montou o movimento, durante a discussão da SUG 8, discutia a liberação inclusive recreacional, que foi o que mais me assustou naquela época e o que me motivou a encarar essa empreitada de lutar para que isso não acontecesse.
Eu estou feliz de estar aqui e ver que isso está aparentemente dividido. Não se discute recreacional; estamos discutindo remédio, estamos discutindo crianças e jovens precisando ter acesso à medicação.
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A minha experiência, ainda paralela e muito anterior ao Movimento Brasil sem Drogas, é com os usuários de droga. O meu trabalho sempre foi de ajudar as pessoas a saírem das drogas. E isso eu já faço há 18 anos, seja participando de grupos de autoajuda, seja nas ruas, no Setor Comercial Sul principalmente, mas também nas cracolândias de Taguatinga e Ceilândia, tentando ajudar aquelas pessoas a encontrar uma outra forma de viver.
Quando eu vou para a rua - aí eu quero aproveitar essa experiência para falar aqui para vocês -, o que eu encontro? Eu encontro pessoas extremamente sofridas, a grande maioria já afastada de casa, a grande maioria em situação de quase morte, já cadavéricos, e todos eles dizem basicamente a mesma coisa: começaram nas drogas com o uso de maconha na pré-adolescência, o que é muito mais grave, porque a gente costuma falar de adolescente, e, na verdade, é o pré-adolescente que já está tendo acesso à maconha.
Eu hoje lido com um caso que eu digo que é o mais grave na rua, que é um menino... Eu vou chamá-lo de C., porque eu não posso falar o nome dele. Agora, ele tem 13 anos; quando eu comecei a lidar com ele na cracolândia do Setor Comercial Sul, ele tinha 11 anos. Tinha sido expulso de casa já porque estava roubando dentro de casa, já aos 11 anos de idade. Ele, hoje, já está bem avançado no uso do crack, com 13 anos, e com poucas perspectivas de qualquer tipo de ajuda, porque, infelizmente, o Governo também se omite na questão da criança. A gente tem muita dificuldade de tratar a criança, porque, na maioria das vezes, a família nem está por perto - pelo menos nos casos com que eu lido.
Então, eu também estou falando aqui de crianças que estão sendo impactadas pela falta de controle, que já existe, da circulação de maconha. E isso, infelizmente, é o nosso Brasil. Isso, infelizmente, é o que a gente vive todos os dias, nas ruas. O que a gente não acredita, do Movimento Brasil sem Drogas, é que seja possível liberar plantio no Brasil sem controle. A gente não acredita que o Governo seja capaz de fazer isso, porque o Governo já não é capaz de controlar o que está acontecendo. Já existe criança na rua e com praticamente nenhuma expectativa de sair disso. Já existe adolescente na rua cujos neurônios já estão totalmente comprometidos. Quando eu falo "totalmente", é totalmente mesmo. Infelizmente, eles são o futuro do Brasil. Infelizmente, a gente não vai ter muito o que fazer por eles, porque, além de tudo, a gente não tem onde assistir essas crianças e esses adolescentes que já estão em uso avançado.
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Quando eu olho para outros países, eu vejo outros exemplos bem ruins. Eu não gosto de usar muito o exemplo dos Estados Unidos, porque acho que é um país muito diferente do nosso; mas existem algumas questões do Colorado que eu olho, e olho com um pouquinho mais de atenção, relacionadas aos adolescentes depois da liberação. O Colorado é um Estado que eu acompanho com mais frequência desde o começo. Na verdade, desde antes da legalização.
O que aconteceu no Colorado? Os índices apresentados pelo Governo - são índices oficiais - mostram que aumentou a prisão de adolescentes negros, 58%, e hispânicos, 37%, se não me engano. Aumentou a prisão de adolescentes. E são eles negros e hispânicos. Quer dizer, existe algo errado acontecendo aí. Existe algo errado acontecendo lá também. Por quê? Porque ficou mais fácil ter o acesso à droga lá no Colorado.
O que as pessoas de instituições com as quais eu mantenho contato lá no Colorado falam é que acontece muito: quem vende a maconha legal, no Colorado, vende a maconha que eles chamam de porta dos fundos. Não é um nome oficial, é um nome que eles costumam usar. O que é? O cara tem a loja para vender a droga legal, em que você apresenta o seu documento, você faz tudo direitinho, e pela porta dos fundos - e é dos fundos mesmo - ele vende a droga para quem ele não pode vender, que é sabe Deus para quem. E, no caso, provavelmente, para esses adolescentes negros e hispânicos.
Essa questão do adolescente me assustou ainda mais quando me apresentaram dado de que diminuiu em 8% o número de adolescentes brancos apreendidos. Não existe algo errado acontecendo? Como aumenta a prisão de negro e hispânico e diminui a prisão do adolescente branco? Existe algo muito errado acontecendo!
Aí, quando você vai olhar os dados mais detalhadamente, você descobre que nos bairros onde estão os brancos, no Colorado, as comarcas têm o direito de impedir que as lojas de maconha sejam abertas. Juntam-se ali os moradores e dizem: "Aqui não vai poder abrir". Então, o que está acontecendo? As lojas de venda de maconha estão abrindo primordialmente nos bairros negros e hispânicos, que não têm a organização dos brancos, nos Estados Unidos, porque o negro e o hispânico precisam trabalhar muito, lá. Eles são a grande mão de obra dos Estados Unidos. E o que acontece? Hoje, o índice de lojas no Colorado nos bairros negros e hispânicos é de 1 loja para cada 44 moradores. É muito alto.
Então, não tem... Eu não consigo ver acontecer justiça social em nenhuma instância. Não se faz justiça social liberando nenhum tipo de plantio de droga, de algo que vá virar um psicotrópico; de algo que vá fazer com que a pessoa crie dependência e precise de cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais.
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Então, nós do Movimento Brasil Sem Drogas acreditamos sim que precisa haver medicamento. O medicamento é coisa séria! Medicamento é algo controlado pela Anvisa. Precisa chegar ao Brasil, chegar de forma certeira e rápida. Agora, plantio nós não acreditamos que o Brasil seja capaz de administrar, porque ele já não é capaz.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado, Andreia Salles, representante do Movimento Brasil Sem Drogas.
A gente vai, nesse exato momento, já partir aqui para as considerações de Raul Thame, que é filho de paciente do mais recente habeas corpus do Brasil com relação ao tema. Por favor, o senhor tem dez minutos, e mais dois para concluir.
O SR. RAUL THAME (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador.
Boa tarde para todos aqui presentes, para os que estão acompanhando a transmissão pela TV Senado e pelo YouTube, participando desse amplo debate sobre a maconha medicinal e o cânhamo industrial.
Meu nome é Raul Thame. Sou professor de Educação Física, recentemente concluí o primeiro Curso Livre de Cannabis Medicinal, realizado pelo Padre Ticão, na Paróquia São Francisco de Assis, em parceria com Unifesp e Cebrid. Também faço parte da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (Sbec), e da Cultive, que é associação de pacientes e familiares, que ajuda muita gente. E não posso deixar de enaltecer a importância das associações que acolhem e capacitam os pacientes a produzirem seu próprio medicamento fitoterápico, artesanal, caseiro, com maconha orgânica cultivada no quintal, livre de agrotóxicos.
É preciso compreender que não é possível isolar um canabinoide, a não ser pela produção sintética. Nenhum óleo é composto apenas por um único canabinoide. E uma coisa é certa, comer frutas reais, legumes e outros vegetais proporciona uma nutrição muito mais saudável e eficaz do que tomar pílulas de vitaminas isoladas. A ciência vem mostrando que, com a maconha, pode funcionar da mesma forma. A comitiva de canabinoides tem um efeito medicinal muito melhor do que um único composto isolado.
Minha mãe é paciente. Ela é biomédica, está para completar 61 anos. Em janeiro de 2017, ela foi diagnosticada com um tumor cerebral, adenoma de hipófise não hormonal, cujo tratamento é somente cirúrgico, combinado ou não com radioterapia. Esse tipo não hormonal não é detectado em exames, pois não tem alterações nos níveis dos hormônios, só sendo detectado com ressonância magnética, que faz com que muitas vezes demore para a pessoa conseguir o diagnóstico; e, com a demora, todo tumor cresce e às vezes quando descobre, já está num tamanho avançado.
Um dia, minha mãe estava na casa dela, caiu, bateu a cabeça acidentalmente no chão e, por precaução, foi para o hospital fazer os exames e descobriu que tinha um tumor no cérebro. Ela ficou muito estressada ao saber das consequências da cirurgia e não aceitou, com medo das possíveis sequelas irreversíveis e da dependência de remédios para controlar os hormônios para o resto da vida. Todos os médicos pelos quais minha mãe passou, por consulta, indicaram que ela teria de fazer cirurgia o mais rápido possível, porque já era um macroadenoma hipofisário maior do que um centímetro; e todo tumor cresce, comprime os tecidos cerebrais, comprometendo algumas funções, gerando dor de cabeça, comprometimento da visão e dos movimentos, disfunção hipofisária, podendo causar apoplexia, que é o rompimento do tumor e hemorragia cerebral.
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Após o diagnóstico, minha mãe mudou completamente a pessoa que ela é, o jeito dela. Ela ficou muito deprimida e ficou durante nove meses sem nenhum tratamento, até que, em outubro de 2017, iniciou o tratamento com o extrato caseiro de Cannabis e rapidamente sentiu melhora na qualidade de vida: redução do estresse, redução das dores, fim da insônia e da má qualidade de vida. O sono ficou excelente.
Durante um ano e meio foi feito acompanhamento do tamanho do tumor, a cada seis meses, e não houve nenhum crescimento, o que já era ótimo, permanecendo com 1cm por 0,8cm e 0,8cm - comprimento, largura e espessura. Até que em agosto de 2018 houve uma considerável redução do tumor, que passou para 0,7cm, 0,4cm e 0,8cm, chegando uma das medidas a se reduzir pela metade.
Considerando-se que nenhum outro tratamento foi realizado, mas apenas a utilização do extrato artesanal de Cannabis, atribuiu-se a ela a melhora dos sintomas desagradáveis, como dores no corpo, comprometimento dos membros inferiores, insônia, tontura, humor, quadro depressivo, além da redução da massa celular do tumor.
Isso posto, é evidente que há anos produzimos o remédio para minha mãe na clandestinidade, correndo todos os riscos que a prática acarretava. E, finalmente, depois de muita luta e aprendizado, conseguimos, em primeira instância, o 37º habeas corpus do Brasil, preventivo, exclusivamente para conceder ordem de salvo conduto em favor da minha mãe, a fim de que as Polícias Civil, Militar e Federal sejam impedidas de proceder sua prisão em flagrante, bem como para que ela possa ter autorização para importar sementes necessárias ao cultivo da planta, produção e porte, para fins exclusivamente terapêuticos, do óleo artesanal de Cannabis.
Estou aqui hoje porque nós seguimos na luta pelo direito de cultivar a cura, para que outras pessoas que também precisam, que também correm os mesmos riscos que corremos, tenham o mesmo direito que nos foi garantido.
Eu fico muito emocionado e grato de estar aqui na frente da Cidinha e da Liane. Para quem está... Sabe, como a Mara Gabrilli falou, a gente não tem dúvida. A Margarete também falou. Funciona! Não existem dúvidas para quem faz uso. Pode perguntar para qualquer pessoa.
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Quero compartilhar uma observação da juíza, em seu fundamento e conclusão do habeas corpus: "Eventuais efeitos deletérios capazes de prejudicar a saúde, resultantes do consumo de derivados da Cannabis, não ultrapassam, em extensão e gravidade, aqueles decorrentes da própria doença grave que acomete a paciente".
E, pelas informações que eu tenho, divulgadas pela reforma, a rede jurídica pela reforma da lei de drogas, até hoje são 46 pedidos de habeas corpus, sendo 37 concedidos, e 19 com a participação da reforma. São 12 em São Paulo, 11 no Rio de Janeiro, 3 no Rio Grande do Norte, 3 em Minas Gerais, 2 no Ceará, 2 no Paraná, 2 em Roraima, 1 no Distrito Federal, 1 na Bahia, 1 no Rio Grande do Sul e 1 no Acre.
E, além disso, acho que vale destacar que, cada vez mais, atletas profissionais de diversas modalidades esportivas estão procurando um substituto menos invasivo, mais natural e com menos efeitos colaterais do que os analgésicos opioides, que vêm sendo utilizados há décadas para tratar a dor.
Independentemente da discussão sobre o uso social da maconha, que está atrelada a uma série de questões seculares, que precisam ser debatidas em várias esferas, o acesso ao uso terapêutico é uma questão de saúde pública. Não podemos misturar.
Regular o autocultivo para o uso terapêutico vai garantir aos pacientes o uso contínuo desse medicamento fitoterápico, com diversos benefícios para a saúde que são reconhecidos internacionalmente.
No Brasil já é autorizada pela Anvisa a importação dos extratos de maconha ricos em CBD. Contudo, devido ao alto custo, fica inacessível para a maioria.
O CBD é o segundo canabinoide mais abundante na planta da maconha...
(Soa a campainha.)
O SR. RAUL THAME - ... e tem chamado muito mais atenção pelo fato de não ser psicoativo e ter muitas propriedades medicinais, inclusive anticancerígenas.
Essa abordagem ao CBD feita por alguns canais de comunicação de forma individualizada, preconceituosa e desinformada busca segregar o CBD do THC, que é o principal componente da maconha, para destacar apenas o composto CBD como agente tratador de doenças e recriminar o THC e manter a proibição da maconha, sem esclarecer sobre os outros canabinoides. Essa divisão entre psicoativo imoral e não psicoativo permitido colabora para a manutenção do preconceito contra o usuário social, além de prejudicar milhares de pacientes que necessitam de outros canabinoides além do canabidiol.
O poder medicinal da maconha não está apenas em outro canabinoide. CBD e THC, ambos compostos juntamente com dezenas de outros canabinoides, desempenham efeitos medicinais muito melhores quando trabalham em conjunto, a fim de proporcionar a cura e o alívio terapêutico, do que a administração de canabinoides isolados. É o chamado de efeito comitiva ou efeito entourage.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Por favor, Sr. Raul, só para complementar, porque já passou o tempo. Eu lhe agradeço se o senhor puder complementar.
O SR. RAUL THAME - Está joia. Eu vou concluir.
Esse efeito entourage foi descrito pela primeira vez em 1998 pelos cientistas israelenses Raphael Mechoulam e Simon Ben-Shabat.
Por fim, o efeito comitiva permite que certos canabinoides modulem os efeitos colaterais negativos de outros canabinoides. Exemplo mais cabal disso é a capacidade de o CBD modular os efeitos psicoativos do THC. E, no caso, minha mãe e outras pacientes com câncer devem ter o direito de ter plantas ricas em THC, porque são elas que fazem o efeito com o câncer.
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O paciente tem que ter o direito de escolher o seu tratamento.
Então, eu agradeço por me permitido participar e espero ter esclarecido...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RAUL THAME - Eu é que agradeço.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Agradecemos ao Sr. Raul Thame, filho de paciente do mais recente - na verdade, sua mãe, não é? - habeas corpus no Brasil.
Eu queria, neste exato momento, já passar direto a palavra para Sandra Peu, que é Diretora do Departamento de Articulação e Projetos Estratégicos do Ministério da Cidadania.
Você tem dez minutos, Sandra, e mais dois para as considerações finais.
Obrigado.
A SRA. SANDRA PEU (Para exposição de convidado.) - Senador Eduardo Girão, em seu nome é que eu agradeço a esta Casa a oportunidade deste debate tão rico, que é tão importante e que traz tantas dúvidas, tantas dificuldades de compreensão do que está sendo debatido de fato.
Eu estou agora como diretora no Ministério da Cidadania, mas eu sou, antes de tudo, uma médica psiquiatra, e eu não sou uma grande pesquisadora. Eu sou aquela médica psiquiatra que trabalhava em Caps, que ia à porta da casa das pessoas, batia na porta, entrava e levava um atendimento médico. Então, eu conheço a população, eu conheço cheiro de gente. Eu conheço de perto o que é ter uma doença mental, o que é ter uma família com uma pessoa que tem uma doença mental. Eu conheço.
E eu compreendo, pelas dificuldades das pessoas que eu conheci na minha prática médica, pelas dificuldades dessas famílias de terem acesso ao atendimento médico, eu compreendo a dor dessas pessoas que estiveram aqui de manhã. Eu compreendo a fala dessas mães, essa angústia, esse sentimento, essa busca pela terapia, pela qualidade de vida, pela qualidade de saúde, pela estabilidade de uma família que se destrói quando alguém está doente. É muito duro. E eu digo isso de um lugar que vai além de ser médica, que vai além de estar trabalhando com políticas de saúde no Ministério da Cidadania. Eu falo isso do lugar de mãe. Eu falo isso do lugar... De ter um menino maravilhoso em casa. Um menino incrível. E esse menino incrível, maravilhoso, poderia ter a mesma doença para a qual outras crianças chegaram aqui buscando soluções. Graças a Deus meu filho não tem isso. E eu entendo a angústia, o desespero pela busca de uma resposta. Compreendo de todo o meu coração.
Ao mesmo tempo, enquanto médica, eu não tenho o direito de ter a ignorância. Então, a hora em que eu levo o meu filho ao médico, porque ele está com pneumonia, se o médico chegar para mim e falar: "Olha, a senhora pega esse frasquinho de pozinho de amoxicilina e mistura com um tanto de água e dá para seu filho". E eu falo: "Tá. Mas quanto?".
Há muito paciente e muita família que chega com o seu filhinho lá, ao posto de saúde - eu também já fui médica do Programa Saúde da Família -, que precisa de orientação. Mas se o médico fala "Olha, a senhora bota um pouquinho do pó e bota um pouquinho da água. Vai mais ou menos assim, no olho", essa mãe vai achar o quê? Não tem medida? Não tem dose? Não tem horário para tomar direitinho? É para fazer isso com antibiótico? Está certo? Então tá? Isso não pode ser levado para nenhum outro tipo de medicação. Isso não pode ser extrapolado.
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O Governo Federal, o Estado, não pode tomar para si o lugar de não determinar uma estratégia de atendimento de doenças raras. Tem de haver uma estratégia de atendimento de doenças raras. E me traz um bocado de conforto quando o Presidente William chega para a gente e fala: "Não, nós vamos tratar aqui, o nosso problema é resolver a saúde. Nós vamos tratar com remédio. Nós não estamos falando de drogas recreativas". Ótimo. Isso é excelente, porque traz realidade ao discurso. Nós não estamos tratando de drogas recreativas.
Mas, ao mesmo tempo, acende uma preocupação na minha mente, porque, na Mesa, eu tenho visto aqui, conversando conosco, muitas pessoas que já estiveram em outras Mesas, em vários outros discursos e outras várias discussões, na defesa da maconha recreativa! E aí eu fico pensando: qual é o interesse que existe em estar em uma Mesa e estar em outra Mesa? Em uma Mesa que discute exclusivamente remédio, o tratamento de uma doença rara... E venhamos e convenhamos: ciência a gente deturpa o quanto a gente quiser. A gente está aqui com um bocado de cientistas. E ciência a gente distorce para ela falar... A gente faz um coelhinho dizer que... Que é o Papai Noel, se precisar. Depende de como a gente coloca isso. Por que as mesmas pessoas que estão em Mesa de legalização de maconha recreativa estão em Mesa de medicação? Não sei. Eu acho que vale a reflexão.
Além disso, voltando à situação de como a gente vai falar de ciência, todo mundo aqui chega e fala: "Olha, maconha é remédio; maconha não é remédio; maconha é remédio...". Qual o embasamento científico? Quem está fazendo essa mensuração científica? Talvez a Casa precise de uma orientação técnica, realmente científica, para entender de que lugar fala cada cientista que se coloca aqui para falar.
"Ah, porque fizeram uma pesquisa..." Qual o impacto dessa pesquisa? Quantas pessoas foram analisadas? Ao longo de quanto tempo foi analisada essa pesquisa?
E, quanto a uma verdade que aqui foi rebatida, é fato: não existe nenhuma agência controladora de medicamentos no mundo que entende maconha como medicinal, que entende maconha como remédio. Maconha não é remédio. Não adianta. Vamos ter que aceitar o fato. Não é. Existem substâncias dentro da maconha, moléculas, que são terapêuticas? Outro fato irredutível. Acabou-se. Tem. Existe.
Eu vou dar para o meu filho, se ele tiver uma doença rara, por conta do meu desespero, qualquer coisa se eu sou uma mãe que não tem discernimento - qualquer coisa, se alguém fala. Mas existem estudos que mostram: o desespero leva a gente a ter ações absurdamente inadequadas.
Mas a gente não está aqui para lidar com o desespero; a gente está para lidar com uma postura do Estado, e o Estado brasileiro tem responsabilidade sobre as pessoas. E, aí, a hora em que a gente fala que está tudo bem, que o Estado brasileiro determinou que cada um vai usar a sua maconha terapêutica na dose que bem entender, porque, afinal de contas, algumas concentrações... Um pé de planta tem uma concentração, outro pé de planta tem outra concentração, e, aí, na hora de fazer o óleo, não há ajuste técnico para isso, não há pureza da substância que realmente é terapêutica, está misturada com coisas que não são terapêuticas... Mas, tudo bem, a gente vai assumir isso. E aí o meu vizinho que tem um filho com uma doença grave vai começar a plantar maconha em casa. Você que está assistindo em casa, que está acompanhando a gente, vocês que estão aqui, está tudo bem ter um vizinho que planta maconha em casa? Está tudo legal? Pois é, talvez não esteja para todo mundo. E a economicidade disso? Se há uma família que tem dificuldade de cuidar de um indivíduo que tem uma doença grave, ela vai ter tempo de ficar plantando maconha em casa? É meio complicado isso. É um pouco mais difícil. Além disso, e a economicidade? Todo custo legal para manter a organização dessa substância em casa, todo o custo de gerenciamento da estrutura... Será que não vale importar? Não sei, mas acho que vale fazer a conta. Vamos fazer a conta se não vale importar isso? "Ah, mas a gente vai ter agora..." Eu não sei se é certo ou se é errado. Eu tenho que fazer a conta. Eu não fiz a conta. Eu não sei quantas pessoas realmente sofrem de epilepsia no Brasil, que são resistentes a outros tratamentos e que não foram submetidas, por exemplo, à cingulectomia, que é outra alternativa, inclusive. Elas falam: "Mas pode escolher o tratamento". Como escolher o tratamento? Espere aí. Na hora em que você está na UTI, quem vai escolher o tratamento é o infectologista; é ele que vai dizer qual é o antibiótico adequado. E, se há médico prescrevendo, ele tem que estar submetido às legislações do Conselho Federal de Medicina, que vai dizer no que ele pode atuar como médico e no que ele não pode. Então...
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(Soa a campainha.)
A SRA. SANDRA PEU - Um segundo, só para terminar.
Então, a nossa preocupação é: será que a gente está realmente discutindo aqui o tratamento dessas pessoas que têm doenças de exceção ou a gente está querendo abrir o discurso para falar de droga recreativa?
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Eu quero agradecer à Sandra Peu, que é Diretora do Departamento de Articulação e Projetos Estratégicos do Ministério da Cidadania.
E queria aproveitar para dizer que eu acho que este debate não precisa de uma audiência pública, ele precisa de dez audiências públicas. Ouvir! Eu falei isso pela manhã e acredito que é importante ouvir.
Eu agradeço o seu depoimento, Thame, e o depoimento de outras mães que vieram. Isso toca profundamente a alma e o coração, sim! Eu tenho uma filha que teve problemas na sua pré-adolescência com relação à epilepsia e eu sei o que um pai é capaz de fazer. A gente sabe e é legítimo. A gente tem que compreender a dor e tentar se esforçar para buscar alternativas.
Ao mesmo tempo, existe uma questão chamada responsabilidade. O Dr. Laranjeira colocou há pouco tempo, fez até uma comparação um pouco forte com a tragédia que aconteceu aqui que foi o caso do João de Deus, aqui perto de Brasília. Há outros efeitos que você, fazendo tentativas, e tudo... Há a questão da fé. Há o efeito placebo também, não é verdade? Eu não sou da área da Medicina, mas há o efeito placebo. Da mesma forma que tiveram...
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Eu fico feliz com o resultado da sua mãe - fico muito feliz - e com o de outras mães. Eu acredito mesmo na regressão da doença e tudo. Mas quantas outras utilizaram a Cannabis, não tiveram o efeito e morreram também? A gente tem que avaliar. A gente precisa ouvir, a gente precisa ouvir quem não foi curado. Qual o efeito para a segurança do País da fiscalização das pessoas? Espero que não cheguemos a esse ponto. Mas, cultivando em casa, qual é o efeito de fiscalização disso para o País? Porque isso tem que ter uma forte fiscalização, um controle efetivo, porque é uma droga também.
Então, eu acredito que esse debate precisa ser trilhado aqui na Casa com muita seriedade e responsabilidade acima de tudo. Você não pode dar qualquer coisa para o seu filho, para o seu parente, achando que é a solução. Tem que ver o efeito comprovado. E há estudos científicos de um lado e de outro. A gente sabe que um lado mostra que há efeitos práticos, outro lado mostra que não há comprovação, e a gente tem que pegar isso e buscar a verdade.
Eu queria, nesse momento, passar a palavra à Inês Gandolfo, que tem dez minutos para a sua exposição e mais dois para complementar. Inês é Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
Obrigado pela presença.
A SRA. INÊS GANDOLFO (Para exposição de convidado.) - Obrigada, eu que agradeço o convite.
Parabenizo, na figura do Senador Girão, esta iniciativa desta Casa. Realmente, é um assunto que precisa ser discutido com essa seriedade e concordo com o senhor com relação a que isso não se deve esgotar nessa discussão aqui. A gente tem que realmente debater profundamente e seriamente essas questões que atingem frontalmente e diretamente a vida de várias pessoas.
Eu começo a minha fala indagando quais seriam os fatores, quais seriam os argumentos desfavoráveis e que ignoram os benefícios do uso medicinal da maconha, no sentido de entender qual é o medo que se tem em relação a essa liberação, tendo em vista que, de fato, se o medo é de que a maconha passe a ser uma droga mais utilizada, principalmente pelas populações mais vulneráveis como são os adolescentes... Eu acho que esta é a grande preocupação: se já estamos observando o aumento, nos últimos anos, do uso da maconha, será que, com a liberação da maconha, a gente vai observar isso? Essa minha pergunta me fez estudar a fundo, e eu quero relatar um pouquinho aqui um estudo que eu desenvolvi junto a dez países da América Latina com uma população de adolescentes entre 15 e 17 anos - foram 2.717 adolescentes.
Mas, antes de falar disso, eu também acredito que o fato de essa questão estar em jogo não significa que a gente deva impedir que pessoas que estão tendo benefício com esse tratamento tenham acesso a essa substância.
E, por mais que eu também esteja utilizando aqui um estudo dentro da perspectiva estatística no paradigma de relações mais quantitativas, para mim, essa discussão das evidências, como muito foi colocado aqui... Às vezes, a gente puxa para os lados as evidências que mais nos convêm, mas uma evidência que não deixa realmente nenhuma dúvida são as falas e os depoimentos de pessoas que vivem diretamente com esse drama. Isso, para mim, é a maior evidência e a incontestável. Não existe nenhum dado estatístico que fale mais alto do que essa experiência relatada. A gente tem inúmeros depoimentos! E falar em quantidade é covardia. Dizer: "Ah! Mas são poucas as pessoas, então, não devemos lançar um olhar cuidadoso para essa população". Se existe alguém sofrendo e se beneficiando, acrescentando mais vida nos anos que ela vive, acho que a gente tem que pensar nessa possibilidade, de fato, sim, de fazer isso acessível a essas pessoas.
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A gente pode discutir que talvez a Medicina seja mais eficaz nisso? Eu não questiono isso. Mas a gente também abandonou, muitas vezes, o nosso conhecimento, as nossas tradições - aqui, no Brasil, isso é muito comum - de tratamentos de Medicina que são passados pelos familiares, enfim... É claro que isso tem de ser avaliado em relação às consequências e ao impacto na saúde, mas eu acho que, de fato, se isso está sendo observado a olhos nus, com essa clareza, com essa evidência que a gente assiste na fala da Cidinha, que trouxe muito bem documentada a experiência da filha dela, e de tantas outras, eu acho que isso é o que deve nos inspirar a realmente pensar em não jogar por terra uma possibilidade de felicidade e de funcionalidade para essas pessoas. Também muito bem ilustrado pelo caso do Raul, da mãe dele, enfim...
Mas, vindo, então, ao estudo quantitativo a que eu me referia, ele foi desenvolvido em dez cidades e ouviu uma população, em uma amostra, de 2.117 adolescentes entre 15 e 17 anos de idade. O estudo vai ser publicado - já está aceito para publicação - na revista Texto & Contexto, uma revista de enfermagem de Santa Catarina, e fala sobre a percepção de danos e benefícios da maconha entre adolescentes de dez cidades latino-americanas.
Nesse estudo, o que a gente procurou ver? De fato, no início, o que motivou esse estudo foi acreditar... Esse estudo foi patrocinado, pago pela Organização dos Estados Americanos, Cicad, e pela Universidade de Toronto, onde eu tive a oportunidade de fazer dois pós-doutorados. E assisti, inclusive, à virada da legalização da maconha lá. Eu me lembro de que, na primeira página da revista que se chama Métro, de circulação gratuita, o argumento maior que eles tinham e que me chamou atenção para essa legalização é que eles precisavam legalizar porque o número de presos hispânicos e negros era enorme. Eles não podiam continuar mantendo essa injustiça social e, portanto, teriam que reverter isso. Esse era o grande argumento do Trudeau na primeira página, logicamente, aqui, sendo bastante rasa em relação a essa avaliação. Mas isso que inspirou, primeiramente, o Governo canadense a rever as suas políticas em relação à legalização das drogas.
Mas, voltando ao nosso estudo, eu só vou passar, claro, preliminarmente, dados que me surpreenderam. Foram feitas várias perguntas em relação ao que o adolescente considerava da maconha, e, de fato, temos que ter muito cuidado com os nossos adolescentes porque aqueles que percebem que a maconha não oferece risco são os mais propensos a fazerem o uso da maconha. Então, ao invés de atacar, na perspectiva de condenar, ou sequer de pensar em não propiciar um favorecimento do uso da maconha medicinal para pessoas que precisam com esse pretexto, é preciso investir em prevenção e proteger nossas crianças e adolescentes desse consumo, porque a droga que mais mata - a gente sabe, estamos todos aqui, pelo menos, com um mínimo conhecimento sobre essa área - é o tabaco. E foram colocadas várias analogias em relação ao uso do tabaco e da maconha, mas o tabaco é vendido, e nem por isso as pessoas fazem campanha sobre o proibicionismo do tabaco. E, por outro lado, no nosso País, a cerveja é vendida como refrigerante. E a gente assiste, no horário nobre, e principalmente quando há futebol, quase todo dia, a propagandas de cerveja. Então, é uma hipocrisia que a gente precisa rever também: até onde a gente está, de fato, preocupado com a saúde do ser humano, quando a gente vê que a saúde pode realmente ter benefícios, e quando a gente está preocupado com outras questões, que não estão aí postas e que, de fato, devem ser preocupantes, em relação à indústria e quem vai se favorecer com todo esse mercado. Precisamos colocar todas as cartas na mesa para realmente não proceder a leituras rasas.
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Bom, falando um pouco dos resultados desse estudo, que foi feito, então, entre países, como Chile, México, Jamaica, São Cristóvão - Saint Kitts and Nevis -, Belize, Nicarágua, Brasil, Colômbia, a gente teve uma prevalência, uma amostra de 30,6% do uso na vida, 25,8% do uso no último ano e 15,8% nos últimos 30 dias nessa população de adolescentes entre 15 e 17 anos. Pois bem, a opinião dos adolescentes em relação ao uso medicinal mostra que 42% deles eram a favor, 28% eram a favor de ambos, tanto do uso medicinal quanto do uso pessoal, e 19% deles acreditavam que nenhum dos dois usos deveria ser legalizado. Agora, o que foi surpreendente do estudo é que 55% da amostra total afirmou que não usaria maconha caso ela fosse legalizada no cenário regulatório nos seus respectivos países - porque todos esses países tinham diferentes status regulatórios. Mas, colocando essa questão hipotética, 55% deles disseram que não usariam.
(Soa a campainha.)
A SRA. INÊS GANDOLFO - Concluindo, então.
Vinte e um por cento deles disseram que usariam, sendo que 15% desses 21% já faziam uso. Então, o que surpreende é que haveria um aumento de 6% dentro dessa questão hipotética, o que não representa, de fato, uma ameaça no sentido de pensar que: "Nossa! Se legalizarem a maconha, para esse estudo...". Não foi esse o resultado que a gente encontrou, mas a gente sabe que, para proteger nossos adolescentes desse tipo de prática, é preciso também cuidar para fazer mais campanhas preventivas para estimulá-los, como muito bem foi apresentado aqui em outras palestras, oferecer atividades recreativas, oferecer outras coisas que possam entrar em competição com relação a essa questão que, muitas vezes, passa por uma ausência total de projeto, uma ausência total de atividades que possam ser interessantes para que eles se engajem.
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E, por outro lado, uma das questões também que precisa, merece estudo - já concluindo - é investir mais no estudo. E, para investir mais, é preciso ter, de fato, uma maior tolerância, uma maior abertura para que a gente possa estar trabalhando nessa direção, porque há muitos mitos. O fato de a maconha estar associada a episódios de esquizofrenia, de surtos: a gente não sabe se é a maconha, inclusive, sintética, porque no Brasil, por exemplo - a gente vê que nos Estados Unidos isso é muito mais comum -, é muito comum encontrar casos que chegam aos prontos-socorros...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Para concluir, Inês, por favor.
A SRA. INÊS GANDOLFO - Sim.
Então, também nessa direção do suicídio, que foi falado aqui: a gente não sabe se quem cometeu suicídio foi por que estava usando maconha ou se a maconha foi um recurso utilizado até para poder se encontrar algum sentido ou alguma vontade de... Enfim, é preciso muito investimento antes de se afirmar qualquer relação de causa e efeito e de se trabalhar dentro dessa perspectiva, com regulação, responsabilidade e protegendo os mais vulneráveis.
Era isso que eu tinha para falar.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muitíssimo obrigado, Inês Gandolfo, Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
Ressaltando aqui a participação das pessoas que têm mandado mensagem desde o período da manhã, a Secretaria está nos informando aqui - aliás, parabéns à Secretaria da CDH, sempre com muita dedicação, muito carinho, tratando desse assuntos importantes -: Viviane Silva, do Paraná; Andrea Mazzoni; Marine Lauschner, de Santa Catarina; Tatiane Lange, do Rio Grande do Sul; Cristine Faria, do Distrito Federal; Flavio Bruno, de Minas Gerais; Kinhos Santos, do Rio Grande do Sul; Tiago Brasil, do Paraná; Constança Barahona, do Rio de Janeiro; Marcos Lins, do Rio de Janeiro; Gizele Thame, de São Paulo... Será que é parente?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - É sua mãe, olha aí! Um abraço para a Dona Gizele. Fico feliz aí com as notícias boas sobre a saúde da senhora.
Andrea Mazzoni, do Rio de Janeiro; e Adones Araujo, do Maranhão.
Eu vou passar essas mensagens para os palestrantes. Algumas são endereçadas aqui.
Daqui a pouco, estamos entrando na Ordem do Dia. A gente vai até o limite, até o sino tocar lá no Plenário, quando a gente vai ter que correr para as votações.
Nós vamos ter agora a palestra do Dr. Fábio Gomes de Matos, que é médico psiquiatra, encerrando a Mesa. Depois, nós vamos para as considerações finais. Inclusive, o Carlos Penna pediu para ser o primeiro - eu peço a compreensão de vocês -, porque ele tem uma situação pessoal pela qual vai ter que já sair. Mas, antes, vamos para a palestra do Dr. Fábio Gomes de Matos, que fez o doutorado também lá na Universidade de Edimburgo, na Escócia.
O senhor tem dez minutos, mais dois para complemento, Dr. Fábio. Obrigado pela presença.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Bom dia a todos e a todas.
Obrigado ao Senador Girão pela oportunidade de estar aqui e debater com vocês sobre esse tema tão relevante.
Durante todo o dia, a gente viu uma certa falácia, como se houvesse a experiência das pessoas e houvesse a evidência científica. A evidência científica é exatamente para dar segurança a que todos possam usar daquela medicação, daquela modalidade na dose correta, no tempo adequado, com intervalo de tempo bem definido, etc. Então, não existe a menor diferença entre a experiência pessoal e a evidência científica. A evidência científica está a serviço das pessoas, e não contra as pessoas.
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Eu achei também muito importante os conflitos de interesses que estão colocando. Pessoas disseram que eram representantes de indústria que favorece a maconha; pessoas disseram que montaram uma empresa para exatamente intermediar essa questão da maconha; pessoas disseram que tinham formado cursos específicos para dar em diversos países sobre isso. E eu acho que todos vocês e os Senadores têm que levar isto em consideração: os conflitos de interesses inerentes a essa situação.
A gente vê que a maconha é a droga ilícita mais usada e está se tornando também aqui no Brasil. E a rota mais comum é por inalação e já foi bem definido que remédios não são inalação. Esta é a grande questão: não é que exista um canabinoide bom e um ruim, mas existem muito mais evidências para o canabidiol sendo usado de uma forma científica do que para o THC; existem muito mais evidências do canabidiol usado como elemento isolado, como uma medicação específica do que a planta.
E eu vejo aqui uma mudança. Têm toda a nossa simpatia as mães que sofrem com seus filhos e procuram o melhor para os seus filhos. A medicina, a ciência está a serviço dessas mães e dessas famílias, e é exatamente por isso que a gente quer garantir que essas mães tenham o melhor tratamento possível. E aí vem o Dr. Dib com muita propriedade e diz isso. A gente tem que ver. Aí muda a situação: "Não, agora já não é mais uma medicação, agora é fitoterápico". Duas ou três pessoas enveredaram por esse caminho, e aí a Anvisa não tem nada a ver. "Ah! Não interessa realmente que o meu filho use a medicação adequada; interessa que eu cultive a planta como um todo." Então, qual é o interesse? É ver o meu filho bem? Que seja por solução, que drágea, comprimido, pelo que for; eu quero ver o meu filho bem, ponto. Esta eu acho que é a questão fundamental: a gente garantir a todos a qualidade de uma medicação que pode ser prescrita de uma forma prudente e cautelosa.
A gente sabe que há mais de 400 compostos, e só há um que tem uma boa definição. E esse THC tem sido associado com "n" coisas. Entre o número de pessoas recebendo tratamentos por uso de drogas, a maconha é a principal.
Lá na Universidade Federal do Ceará, a gente desenvolveu esse conceito de gravidez mental. Então, vou ler aqui com vocês: há o princípio equivocado de que o cérebro está pronto aos 18 anos; não está. O cérebro só se forma aos 21, 23, às vezes, 25 anos. Se é um absurdo uma mãe grávida usar drogas por estar grávida do coração, pulmão e estômago, que estão prontos na hora da gravidez, é um absurdo permitirmos que adolescentes usem drogas lícitas ou ilícitas durante esse período, porque eles estão grávidos do cérebro deles. Simples como dois e dois são quatro.
A gente tem que evitar drogas. Por que tem que evitar drogas? Aí, como academia, como ciência, eu tenho que trazer isto para vocês de casa e para os Senadores. Por uma razão muito simples: o núcleo de prazer que nós chamamos de núcleo accumbens, área tegmental ventral, se matura muito mais cedo do que o córtex pré-frontal. Então, aquela área de prazer é amadurecida com 11, 12, 13 anos, enquanto o córtex pré-frontal - que é a área que diz: "Rapaz, reflita, pense, vá com calma!" - só amadurece aos 23, 25 anos. Então, há uma janela de oportunidade aí, de vulnerabilidade, de 12, 13 anos para cada pessoa. E é preciso que os pais, os educadores estejam absolutamente atentos a isso. Esqueçam tudo que vou falar hoje, mas não esqueçam esse gráfico. Esse gráfico é fundamental para a gente entender como a maconha e como qualquer droga pode ser deletéria nesse período. O sistema de recompensa, pelo tempo, nós não vamos fazer; mas, obviamente, todas as drogas estão influenciando esse sistema de recompensa cerebral.
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Dopamina é considera a substância do prazer. Comida eleva a dopamina no núcleo accumbens? Sim. Sexo aumenta também? Dobra o prazer. A comida vai a 150%. E as drogas? Como é feito? Então, vocês vão ter, por exemplo, um aumento de mil vezes com anfetamina, de 200 vezes com morfina, de 250 vezes com a nicotina e de 150 vezes com a maconha. Então, o adolescente usa droga porque dá prazer, mas não tem ainda essa questão fundamental que é o amadurecimento cerebral.
Então, você vê diferenças em imagens, quando se faz o estudo de imagens cerebrais, entre adultos e adolescentes. Esse cérebro é muito imaturo, obviamente, quanto mais nova é a pessoa. E o que acontece? Quanto mais nova é a pessoa que usa maconha maior é a probabilidade de dependência. É um risco enorme. Mas não é só a maconha; também a nicotina, o álcool, qualquer uma dessas drogas.
O sistema canabinérgico tem vários receptores - pelo tempo nós não vamos poder aprofundar aqui - de THC por todo o cérebro, que influenciam todas as funções. E são essas funções que ficam muito complicadas. Por exemplo, esse volume do hipocampo, que é uma parte importante da memória, e a amígdala, que é uma parte importante emocional, encontram uma redução nos volumes fundamentais, e isso implica rendimento escolar diminuído.
Agora, vejam bem - vou passar esse eslaide e volto -, até a Primeira Guerra Mundial fumar era um hábito absolutamente masculino. Como a indústria de cigarro pensou? "Vou deixar a metade da população do mundo sem fumar? Não! Não vou fazer isso!" Então, o Edward Bernays, que entendia muita coisa de psicologia - porque ele sobrinho do Freud, a mãe dele era irmã do Freud e o pai dele era irmão da esposa do Freud -, propôs e contratou mulheres para fazer a tocha da liberdade. Tocha da liberdade! Fumar era a tocha da liberdade! "Como assim vocês homens fumam e nós, mulheres, não fumamos? Nós temos que ter a nossa tocha de liberdade!" Ele colocou um cigarro desse tamanho, e a indústria passou a ser muito mais.
Quem é o Edward Bernays hoje? É esse cara aí, que coloca US$10 bilhões em projetos para financiar maconha no mundo inteiro. Por quê? Porque a nicotina está caindo, todo mundo sabe disso. Então, as indústrias estão muito mais interessadas nisso. Se você vai ao site da Open Society, só há argumento pró-maconha. É impressionante como é enviesado isso.
E todas essas empresas - e há "n" dados na tela; eu só peguei um - estão interessadas em fazer maconha. Por que elas interessadas em fazer maconha agora e não há 50 anos? Interessante isso, não é?
Há essa senhora: a Nora Volkow, que é Diretora do National Institute on Drug Abuse (NIDA), nos Estados Unidos. Essa mulher fez um trabalho absolutamente maravilhoso e que foi publicado talvez na melhor revista de medicina do mundo, que é a New England Journal of Medicine, em 2014, mostrando todos os efeitos que causa a questão da maconha.
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Comparar os estudos da década de 80 com os de hoje é válido? Não, porque o número, o teor de THC hoje é muito maior do que naquela época. "Ah, naquela época não fazia efeito?" Sim, o THC era 3%, 4%. Hoje tem 30% de THC. Então, não dá para comparar isso.
Dependência de Cannabis existe? Existem "n" estudos demonstrando claramente, sem a menor sombra de dúvida, que causa dependência em muita gente; menos do que a cocaína e a heroína, mas 9% é um bom percentual. Se ao usar uma droga 10% daquela população vai ficar dependente, isso é bastante. E aumenta muito mais quando se usa na adolescência e quando se fuma diariamente.
Esse vou passar.
Desempenho da memória executiva em adolescentes. Vejam quem não fuma, quem fuma tabaco e quem fuma maconha: o gráfico fala por si só. Há uma queda de 8% do QI. Isso em um grupo acompanhado durante muitos anos, mais de duas décadas seguidas. E o Fergusson demonstra isso claramente: 8% é a diferença entre você entrar ou não naquele curso que você quer, entre você conseguir ou não aquela promoção, entre você conseguir fazer alguma coisa de útil na sua vida.
Causa esquizofrenia? Causa. Quem demonstrou isso? O coorte sueco, "n" coortes demonstraram isso claramente. Não há a menor sombra de dúvidas que maconha está associada à causa de psicose.
Eu ouvi asneiras aqui, como a de que maconha é usada é para tratar psicose. Pelo amor de Deus! Você tem um filho e vai dar maconha para ele porque está esquizofrênico? Isso não tem a menor lógica do mundo.
(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Ouvimos sobre autistas também.
Eu tenho mais dois minutos, não é?
Esse estudo nós publicamos algum tempo atrás e trata do uso da Cannabis como preditor de início de transtorno bipolar e tentativa de suicídio. Isto é que fundamental também a gente perceber: esses adolescentes se suicidam mais. Então, quanto mais cedo a maconha é usada, pior é para aquela pessoa. Não há como escapar disso, e a tentativa de suicídio está ali ao redor.
E depressão e ansiedade? "Ah, também causa?" Claro que causa. E, usando todos os dias, a pessoa fica cinco vezes mais propensa a sofrer de depressão do que tratar a depressão.
"Ah, não posso dirigir tranquilo?" Pode não! Você causa um monte de mortes no trânsito. Hoje, no Colorado, está mais associado o uso de maconha do que o de álcool como questão fundamental.
A mesma coisa de sempre: para você que está em casa, se alguém disser que existe maconha medicinal, isso é um tremendo equívoco, é uma tremenda falácia. Não existe maconha medicinal. Existem alguns componentes da maconha que podem, sim, ser úteis. Mas não existe maconha medicinal, como não existe papoula medicinal, como não existe tronco de árvore que dá aspirina. Não existe nada disso.
A gente tem que entender: se o debate é dar o melhor tratamento para aquelas crianças que precisam de um tratamento eficaz, contem com a gente para...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Para concluir, Dr. Fábio, por favor.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Para concluir, eu só quero dizer a seguinte coisa: a academia está sempre a serviço da comunidade; a academia não é distante da comunidade; a academia é sensível às demandas da sociedade e ao que a comunidade quer. E o que a gente quer como academia? Proporcionar a melhor ciência, o melhor embasamento científico para que as pessoas possam usar os medicamentos de uma forma adequada, com segurança e sabendo de todos os seus efeitos.
No mais, agradeço a todos pela atenção.
Muito obrigado. (Palmas.)
R
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Quero agradecer ao Dr. Fábio Gomes de Matos, que é médico psiquiatra e tem pós-doutorado na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e também - fui informado aqui - um especialista nesta causa que é uma pandemia hoje no Brasil e no mundo, o suicídio.
Queria registar a presença do Senador Flávio Arns. Para quem não o conhece, é um Senador extremamente sensível às causas sociais, um homem de bem e uma pessoa que tem colaborado muito em debates importantes.
Nós estamos debatendo aqui, Senador Flávio Arns, a questão do uso da Cannabis para fins medicinais, com o objetivo de instruir a SUG nº 6, de 2016, que propõe um padrão regulamentar abrangente para a maconha medicinal e o cânhamo industrial no Brasil. Desde às 9h estamos aqui debatendo. Foram quatro Mesas no total, com palestrantes de várias áreas aqui.
Existe uma confusão muito grande hoje no País, que é a questão da maconha recreativa, do uso recreativo da maconha e do uso medicinal. Então, existe uma confusão nesse aspecto que tem deixado as pessoas sem entender... Estamos tentando ir ao cerne da questão.
O senhor fique à vontade, se quiser fazer alguma colocação.
Nós encerramos esta última Mesa e vamos partir para as considerações finais tanto dos palestrantes desta Mesa quanto de outros que participaram das Mesas anteriores.
Eu queria pedir neste momento para o Carlos Penna, que vai ter de sair. Ele fez a solicitação para...
Vamos combinar o seguinte, pessoal: como já está próximo da Ordem do Dia, vamos combinar um minuto mais um, porque são muitas as pessoas que vão participar aqui ainda para fazer suas considerações finais. Eu peço que, se possível, fiquem dentro do tempo, um minuto mais um.
Carlos Penna, você é o primeiro.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI (Para exposição de convidado.) - Senador, muito obrigado.
Ainda sem contar o meu tempo, eu recebi o recado de que meu enteado vai ter de fazer uma cirurgia de emergência. Então, pedi licença ao Senador, perguntei se ele abria a possibilidade de eu ser o primeiro a falar e, por isso, eu agradeço.
Agora vamos lá, vou correr, Senador.
Eu gostaria de fazer a seguinte avaliação: eu acho que a gente está em um momento muito semelhante ao do século XIX, quando se começou a falar da teoria da evolução, que despertou grandes paixões, grandes ódios, ligados a todo tipo de opiniões. Eu acho que a gente está no momento de virada.
Dito isso, a primeira coisa que eu gostaria de dizer, já que foi perguntado, é: eu não tenho conflito de interesses. Eu sou professor pesquisador de ciência política e mestre nesta área. Não faço parte de nenhuma associação, não sou ligado a qualquer entidade que luta pela legalização da Cannabis, qualquer que seja. Eu apoio as iniciativas porque eu concordo que estão certas no sentido de defender a vida e o direito à saúde, e as pessoas têm o direito a buscar a felicidade e a saúde.
Eu gostaria agora de dizer rapidamente o seguinte contra alguns argumentos que foram colocados aqui: o consumo aumenta com a legalização? Sim, porque as pessoas saem do armário. Isso no caso do uso recreativo ou mesmo no medicinal. O que é proibido, se for tornado permitido, as pessoas vão poder fazer claramente, não vão mais esconder. Então, é óbvio que vai aparecer. Isso não quer dizer nada.
R
"Ah, o Uruguai..." O Uruguai está em crise econômica, tem 3 milhões de habitantes e tem grande dependência econômica do Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Mais um minuto.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - O que acontece no Brasil, qualquer espirro do Brasil é uma pneumonia no Uruguai. Então, se citarem coisas do Uruguai porque tem relação com a maconha, sinto muito: não tem a ver.
Eu vou tentar reduzir, tentar dizer uma coisa bem interessante. Os discursos aqui têm sido assim, na primeira parte: "Maconha não tem utilidade medicinal"; "não, tudo bem, já que tem utilidade medicinal, é só o CBD"; "não, está bem, já que não é só o CBD, tem o THC, mas então se tem CBD e THC, vai ser só quimicamente tratado, não vai ser a planta natural"; "não, mas já que precisa a planta natural, não pode ser cultivada em casa, tem de botar um sistema de cofres, proteções e hiperseguranças para isso". Pessoal, maconha é um mato. Se a gente criar dificuldades, as pessoas vão procurar facilidades. Então, em vez de deixar todos na ilegalidade, o que eu peço é que, por favor... A gente sabe que tem gente contrária, como a gente tem gente contrária ao fumo, ao álcool, ao aborto, enfim, são opiniões, mas a gente tem de pensar que a gente está trabalhando para um país no sentido de que a gente tem de fazer não uma ditadura da maioria, mas um entendimento para a totalidade do País.
Por último, eu não vou citar o caso - o Norberto, se quiser, pode citar -, mas nós temos casos de pessoas que eram do Governo...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Dr. Penna, o tempo já acabou. Só para encerrar mesmo.
O SR. CARLOS PENNA BRESCIANINI - ... eram do Governo e eram contrárias, e agora, quando tiveram um parente que precisou, ligaram, pedindo, pelo amor de Deus, o canabidiol para poder ajudar a essa família. Então, eu peço que tenham um pouquinho de carinho com as pessoas que precisam.
Muito obrigado a todos. Parabéns, Senador, e a todos que participaram. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado.
Vou passar a palavra agora, porque também fez a solicitação porque vai ter que viajar, à Viviane Sedola, que é fundadora da empresa Dr. Cannabis. É esse o nome da empresa?
A SRA. VIVIANE SEDOLA - Obrigada. É isso mesmo, Dr. Cannabis. Viviane Sedola.
Duas considerações rápidas, uma concordando muito com o que William Dib disse assim que ele chegou, que existe uma discussão aqui de drogas, quando eu também, particularmente, esperava falar de medicamentos. É a isso que eu me dedico, é a isso que a minha empresa se dedica. Entendo que, em próximas reuniões, se a gente falar exclusivamente sobre medicamentos, e não do impacto de fumo, de adolescentes - eu não tenho como discordar de nada do que foi exposto aqui nesse sentido -, eu acho que a gente conseguiria ser mais objetivo, evoluir mais.
Um segundo ponto: foi dito também, na Mesa, que não existe nenhuma nação que reconhece Cannabis como medicinal, sendo que a gente tem aqui no Brasil reconhecido pela própria Anvisa, o Mevatyl, que tem tanto CBD quanto THC, e ele também existe em outros 28 países, registrado como Sativex.
Com isso, encerro e agradeço o convite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Obrigado, Viviane. Espero que você volte bem. É de São Paulo? Boa viagem de retorno.
Vou passar a palavra agora, porque também fez a solicitação, ao Norberto Fischer, que é pai de paciente autorizado judicialmente a importar Cannabis para uso medicinal.
Norberto tem um minuto e mais um de limite.
O SR. NOBERTO FISCHER (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador. Eu vou falar bem rápido. Eu gostaria de reforçar meu pedido feito de manhã cedo de que a equipe técnica da Anvisa possa trabalhar (Fora do microfone.) com liberdade, que ela possa fazer os estudos, apresentar as propostas e que a equipe não seja influenciada politicamente...
(Interrupção do som.)
R
O SR. NOBERTO FISCHER - Alô? Alô?
Eu vou repetir porque não estava pegando o microfone: eu gostaria de reforçar o pedido que eu fiz de manhã cedo para que a equipe técnica da Anvisa possa trabalhar de maneira livre, sem influências políticas, sem influências partidárias, sem ideologias, para que a gente possa chegar de fato a uma solução, a uma regulamentação que atenda às necessidades do Brasil e de forma inclusiva, que possa beneficiar a todos. Esse é o nosso pedido.
A gente sabe, quando a gente vê os números, que os números têm uma certa tendência de acordo com aquilo em que a pessoa acredita: se a pessoa é favorável, ela vai enxergar nos números a comprovação daquilo que acredita, se ela é contrária, ela vai mostrar nos números a comprovação também do que ela acredita. Então, o que a gente pede é que as pessoas, que os técnicos possam fazer esse trabalho, possam evoluir, e que essa regulamentação que a Anvisa venha a fazer não seja permeada por esses valores que estão contaminados. Isso é um fato.
Se eu comentar, por exemplo, que o lúpulo pode também prover CBD e que o hemp é um primo da Cannabis que provê alto volume de CBD com praticamente nada de THC, essas duas outras plantas também não têm autorizado o plantio no Brasil, e elas não são psicoativas e não são consideradas como drogas. Então isso mostra uma tendência muitas vezes dos nossos posicionamentos.
Agradeço, dou parabéns pelo evento e reforço o meu apoio ao Dib, ao trabalho que ele está fazendo na Avisa. Que a gente consiga de fato fazer uma regulamentação que vá atender à necessidade da sociedade do Brasil. Estou de pé e às ordens se precisarem de alguma coisa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado, Fischer, mais uma vez agradecemos a sua participação.
Vou passar a palavra agora, para tentar equilibrar as posições a favor e contra, pensando na questão de ser justo, ao Dr. Ronaldo Laranjeira, que tem um minuto mais um, para suas considerações finais.
O SR. RONALDO LARANJEIRA (Para exposição de convidado.) - Eu gostaria de dar um alerta à Anvisa no sentido de que, do meu ponto de vista, o maior problema que pode estar acontecendo no Brasil é que esses fitoterápicos vão substituir toda a rede de tráfico que existe no Brasil. Não é à toa que na Câmara agora estava havendo uma reunião com representantes do Canadá, dos Estados Unidos, da indústria farmacêutica, que querem transformar, quer seja a maconha, quer seja o canabidiol, em fitoterápicos, em que o poder da Anvisa é bem menor para controlar do que nos medicamentos. Para mim, essa é a próxima onda de tráfico de drogas que existe no Brasil, agora regulado pela indústria farmacêutica internacional.
Espero que a Anvisa esteja à altura desse momento histórico aqui no Brasil para não deixar que a nova geração de brasileiros não vá ser contaminada pelo traficante da esquina, mas sim pelo farmacêutico da esquina, vendendo várias formas de maconha com o nome de fitoterápicos. Espero que realmente a Anvisa esteja à altura de entender esse processo, e não ficar num componente melodramático; a medicina não deveria caminhar na melodramaticidade, e sim em evidências. A própria FDA demonstrou, numa nota técnica que o Dr. Dib deve conhecer, que não tem evidências de que a maconha tem efeito terapêutico. Se a Anvisa vier com alguma coisa melhor do que isso vou ficar muito satisfeito.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado, Dr. Ronaldo Laranjeira, por ter vindo aqui também a esta audiência pública.
R
Dou os parabéns a todos que palestraram.
Vamos passar a palavra ainda para os que faltam falar, mas, só para contextualizar o Senador Flávio Arns: nós tivemos muito respeito aqui, de ambos os lados, desde o início desses trabalhos. É um assunto que mexe com emoções, é um assunto que eu já conheço há algum tempo; desde 2014 eu participo de debates, buscando a verdade, buscando o equilíbrio, mas eu vejo que há uma evolução. Em 2014 a coisa era mais tensa, agora está mais... Eu parabenizo a todos por essa postura, porque é assim que a gente vai conseguir encontrar um caminho, é na base do diálogo, na tolerância com quem pensa diferente. Parabéns, mesmo, a todos que se manifestaram e que ainda vão se manifestar.
Eu vou passar a palavra agora para a Maria Aparecida Felício de Carvalho, Presidente da Cultive - Associação de Cannabis e Saúde.
A SRA. MARIA APARECIDA FELÍCIO DE CARVALHO (Para exposição de convidado.) - E sou mãe. Primeiramente, eu sou mãe. Eu expus o caso da minha filha, que foi surpreendente. E, assim como foi citado aqui que é a erva do diabo, eu posso dizer que o diabo levou o alívio para milhares de pessoas no mundo, inclusive para minha filha e para minha família, porque se um filho não está bem, isso desestrutura toda a família.
Eu quero dizer que eu vi vários profissionais de saúde aqui dizerem que não existem evidências científicas sobre o efeito terapêutico da Cannabis. É claro que vocês sabem, é claro que vocês são inteligentes, senão vocês não teriam o diploma que têm, e vocês sabem realmente que no mundo o que mais existe são pesquisas científicas e evidências científicas, inclusive começando na década de 1970, com Dr. Elisaldo Carlini, que também já foi Diretor da Anvisa, e ele comprova todos os efeitos terapêuticos da Cannabis desde então. Portanto, só não vê quem não quer. É muito fácil dizer que não existe porque simplesmente não quer, enxerga mas não quer, porque é mais fácil manipular.
Inclusive já foi dito aqui que o Epidiolex é 100% CBD. Ele não é 100% CBD, ele também tem THC; mesmo que seja menos de 1%, existe THC no Epidiolex. Sobre o canabidiol: já foi feita uma metanálise com o Fabricio Pamplona, dizendo que o CBD isolado tem menos eficácia do que a planta completa, mais efeitos colaterais e a dosagem é maior; então a planta completa tem maior eficácia, menos efeitos colaterais e a dosagem é bem menor. Minha filha usa o óleo há cinco anos, e há cinco anos eu faço exames periódicos sem nenhum efeito negativo na minha filha, somente efeitos positivos.
Quanto ao tabaco, só foi permitida a redução do consumo porque houve campanhas informativas, campanhas educativas, e para haver as campanhas educativas, foi necessário haver a regulamentação. Se não houvesse regulamentação do tabaco, não poderia haver campanhas educativas. E para haver campanhas educativas da Cannabis é necessária uma regulamentação, e é necessário e urgente haver essas campanhas educativas.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Para encerrar, por favor.
A SRA. MARIA APARECIDA FELÍCIO DE CARVALHO - Sra. Sandra, a senhora falou com tanto carinho do seu filho. Eu tenho certeza de que a senhora, com tanto amor, faria a mesma coisa pelo seu filho. Se a dor apertasse em você, com certeza iria fazer a mesma coisa, porque nós mães não nos aventuramos e não colocamos nossos filhos como cobaias. Nós lemos, e eu leio desde 2013, para poder administrar o óleo na minha filha, e com sucesso.
Obrigada. (Palmas.)
R
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado.
Vamos agora, neste exato momento, passar para as considerações finais do Dr. Leonardo Sérvio Luz, que é Conselheiro Federal do Conselho Federal de Medicina.
Por favor, o senhor tem um minuto mais um.
O SR. LEONARDO SÉRVIO LUZ (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Senador.
Quero parabenizar pela audiência pública. De fato, como o senhor mesmo colocou, foi uma audiência de um nível muito interessante, com respeitabilidade, como deve ser qualquer espaço democrático em que a gente vive num país democraticamente estabelecido.
A minha mensagem, representando os 450 mil médicos do País e, principalmente, o nosso Presidente, Dr. Carlos Vital, é que, de fato, em 2014, nós aprovamos a resolução do uso compassivo. Como a própria palavra fala, compassivo vem da questão da compaixão. Então, nós entendemos o sofrimento e a dor desses pacientes que precisam de uma alternativa terapêutica. Porém, nós temos que, como conselho, como casa de ética, respaldar também a sociedade e os profissionais na segurança da prescrição da boa prática da boa medicina. Então, se houver uma comprovação, houver uma maior eficácia e, principalmente, uma evidência do não dano - um dos princípios hipocráticos é o do primum non nocere, não causar dano a princípio -, isso ficando estabelecido, o Conselho Federal de Medicina tem toda boa vontade de dialogar, está aberto às boas práticas.
Como o Presidente, Dr. Dib - o senhor foi bastante citado hoje, não é, Dr. Dib? -, colocou, o médico é quem tem o papel de prescrever, e foi muito bom ouvir isso do senhor. Eu espero que a Anvisa possa dialogar bastante com o Conselho Federal de Medicina para que a gente encontre sempre este objetivo único, que é a boa prática, que é a boa assistência a quem precisar com o nível de evidência e segurança de que as pessoas, de que todo mundo precisa, porque esse é, sim, o norte da Medicina.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado.
Vamos agora ouvir o Dr. Rafael Evangelista, que é Presidente do Instituto de Pesquisas Científicas das Plantas Aliança Verde. Tem um minuto e mais um.
O SR. RAFAEL EVANGELISTA (Para exposição de convidado.) - O.k.
Retirado do site da própria Anvisa:
São considerados medicamentos fitoterápicos os obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais. [...]
Os medicamentos fitoterápicos, assim como todos os medicamentos, são caracterizados pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. A eficácia e a segurança devem ser validadas através de levantamentos etnofarmacológicos, de utilização, documentações técnicocientíficas em bibliografia e/ou e publicações indexadas [...].
Ou seja, muito se fala aqui como se o fitoterápico não fosse um medicamento que tivesse controle, o que demonstra um total desconhecimento da área de fitoterapia, que é defendida por tantos médicos - e estou falando aqui em nome de alguns médicos também da nossa associação. Inclusive, a Organização Mundial de Saúde tem destacado a necessidade de valorizar a utilização de plantas medicinais desde a Declaração de Alma-Ata, de 1978, quando eu não era nem nascido.
R
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos constitui uma parte fundamental das políticas públicas do Brasil e foi elaborada visando ao uso sustentável da biodiversidade e ao fortalecimento da agricultura familiar.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Para concluir.
O SR. RAFAEL EVANGELISTA - Para concluir, o que está rolando aqui é uma briga de medicamentos isolados e sintéticos versus algo que não se pode patentear e que, sim, é possível ter controle de eficácia e segurança, inclusive com as universidades que estão apoiando essa iniciativa.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado.
Vamos agora, imediatamente, passar para Andrea Gallassi, representante da Universidade de Brasília. Andrea, por favor, um minuto mais um.
A SRA. ANDREA GALLASSI (Para exposição de convidado.) - Bom, muito se falou que a gente tem que assegurar evidências, que a gente tem que se sustentar pelas evidências científicas, que ciência é ciência e que a gente não pode muitas vezes usar exemplos internacionais. Só que, enquanto não elevarmos esse tema à complexidade dele, trazendo-o para o debate nacional para desinterditá-lo, não conseguiremos avançar na ciência.
Aí a gente fica, então, valendo-se de referenciais de outros países que não nos representam. A gente pode se inspirar. Ninguém vai ficar criando, reinventando a roda. A gente pode se inspirar nos modelos internacionais, mas a gente tem, sim, que ter segurança, que ter autorização, que ter suporte, apoio, financiamento para poder fazer pesquisa nacional e entender que, para além do canabidiol, para além do THC, nós temos outros canabinoides que, sim, compõem o efeito terapêutico.
Então, mais uma vez, já fiz uma parabenização pública à Anvisa, mas, mais uma vez vou parabenizá-la por estar levando com seriedade a responsabilidade que lhe cabe, que é discutir isso em benefício da população.
E quero dizer que nós temos que avançar na ciência. Nós temos que permitir que a ciência avance. E é nesta Casa, com iniciativas como esta, Senador, que nós vamos avançar.
Uma última observação, duas coisas foram ditas. Por exemplo, o estudo que eu estou conduzindo, que tem, inclusive, financiamento público - a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal é regulamentada pela Anvisa -, é um estudo de visibilidade, como a gente chama, ou seja, a gente expõe poucas pessoas. Falarão: "É um estudo pequeno, que a gente não pode comprovar". Claro. Eu estou fazendo um estudo pequeno justamente para ter a visibilidade dos efeitos. Eu não vou expor a população inteira a uma substância que eu não sei... E é assim que a gente caminha na ciência. Então, ter possibilidade de fazer um estudo assim é justamente o caminho que a gente tem que seguir.
Por último, para concluir, lembro que foi dito que o FDA americano não autoriza o uso da maconha, da Cannabis medicinal nos Estados Unidos. Isso está absolutamente disponível no Google. A gente pode achar que, sim, o FDA aprova o uso da Cannabis medicinal prescrita e comprada em lugares regulados. Então, ninguém aqui está proferindo bobagens. Enfim, a gente está usando a ciência a nosso favor, a favor da saúde pública.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado.
Vamos agora, imediatamente, passar para Liane Maria Pereira, que é mãe de paciente que obteve o primeiro habeas corpus, do Rio Grande do Sul.
A SRA. LIANE MARIA PEREIRA (Para exposição de convidado.) - Nós debatemos muito, neste dia, sobre as drogas. (Fora do microfone.)
E hoje eu quero dizer que a minha filha toma quatro drogas. Uma delas é a maconha. A outra é o topiramato; a outra, o clobazam; e a outra, o ácido valproico.
E quero dizer que, se hoje eu tenho habeas corpus, é porque o Estado foi falho, não deu medicamento quando tinha que dar e eu tive, sim, que buscar, com o apoio da médica, uma alternativa.
R
Quero dizer que, dos nove anos da minha filha, é a primeira vez que os exames de fígado estão nos níveis normais. Quando ela usava outras drogas, isso não acontecia. E quero dizer a frase que sempre digo: não esperem precisar para apoiar. E se fosse o seu filho, o seu pai, a sua mãe ou alguém que o seu coração ama?
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado.
Passo imediatamente para Carolina Nocetti, médica e consultora técnica em terapia canabinoide da Academia Internacional de Cannabis.
A SRA. CAROLINA NOCETTI (Para exposição de convidado.) - Eu queria agradecer ao Senador e parabenizar pela audiência também e ao Dib, que está fazendo um trabalho fantástico. A gente escuta isso dos pacientes. É um alívio saber que a gente não está sozinho nessa. O pessoal do seu time é sempre muito solícito com todos nós. Agradecemos.
Com relação ao CFM, menciona-se que é uma casa de ética, mas não faz muito sentido quando se tem uma regra de que, aos 18 anos, tem que parar o uso e voltar a ter 1,2 mil crises convulsivas por mês. É uma pena o colega não estar aqui para escutar. Porque há esta regra: se faz 18 anos, tem que voltar a ter as 1,2 mil crises. Que ética é essa?
Com relação a ser uma planta, é óbvio que a Cannabis é uma planta, está na forma cup em diversos países, então, não entendo a dúvida de isso não ser um fitoterápico, é óbvio e evidente.
O FDA aprovou o Epidiolex, que é uma droga de Cannabis medicinal. Não é feita em laboratório, em um monte de pipeta. Vem de planta. Existe uma patente do Governo americano, a 507, para quem tem dúvida de se o Governo americano aprova isso ou não, mencionando o uso em Alzheimer, Parkinson e doenças degenerativas. O site cancer.gov fala que canabinoides têm potencial de efeito antitumoral por diferentes mecanismos. O site é o cancer.gov, para quem quiser saber.
Para quem não conhece o potencial antipsicótico da Cannabis medicinal, principalmente de óleos ricos em CBD, não só a Profa. Andrea, mas também diversos professores de outras universidades pesquisam isso, eu tenho dezenas de pacientes dependentes químicos que vêm de comunidades terapêuticas em que suas necessidades não são atendidas. Não resolvem lá, e chegam ao meu consultório com esquizofrenia, dependência química, Alzheimer, Parkinson e dezenas de outras doenças. Ninguém resolve, e a gente está resolvendo.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Para concluir, por favor.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - A segurança é comprovada. Como a Cidinha falou, já existem diferentes estudos mostrando que o uso de compostos da planta inteira são mais efetivos do que de compostos isolados.
Então, a informação está aí para todo mundo ver. Só não vê quem não quer. A intenção aqui é qualidade de vida.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muitíssimo obrigado pela participação.
Agora nós vamos ter as considerações finais dos palestrantes que estão aqui à Mesa.
Eu queria registrar a presença, e estava pela manhã também, do Senador Styvenson Valentim, do Rio Grande do Norte.
Eu falei de um vídeo mais cedo aqui, pela manhã, de uma matéria jornalística que muito me deixou intrigado com este debate. Por isso, eu acho sempre importante a gente deixar clara essa questão de que uma coisa não tem nada a ver com a outra: o uso recreativo e o uso medicinal. Temos que deixar claro. Mas essa confusão está sendo gerada, Senador Flávio Arns, desde 2014. Eu participei de várias audiências públicas como esta aqui do outro lado, tentando entender essa situação. E a coisa foi ficando clara com relação a isso.
R
Eu queria passar esse vídeo. Há outro vídeo que está circulando na internet, com oito minutos, e que mostra toda a estratégia internacional; pelo menos no Hangouts, isso ficou claro. Eu não vou passá-lo, porque oito minutos é muito tempo. Esse é curtinho, são dois minutos ou três minutos. É uma síntese de uma matéria que foi ao ar - eu queria passar para vocês -, se não me engano, na TV Diário.
Por gentileza, pode passá-lo.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
R
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Esse vídeo...
Muito obrigado, pessoal da Secretaria.
Eu não sei o que levou a Polícia Federal, se ela chegou a alguma solução nesse caso. Mas eu, que estava nessa audiência pública aqui, vou pedir isso, para saber o que isso deu, porque a verdade precisa vir. A gente precisa entender quais são os interesses que estão por trás disso. Há dor de crianças, há dor de mães, e isso tem que ser acolhido, isso é legítimo. Agora, usar isso dentro de uma estratégia, como ficou claro aí, para liberar a maconha recreativa, nós não podemos aceitar, porque isso leva à destruição a nossa juventude.
Em países que liberaram a maconha, os números estão aí: há um resultado terrível de evasão escolar, problema de psiquiatria e tudo que o fumo acarreta. A gente tem restringido isso, sim, dentro do Congresso Nacional, tanto é que está fazendo isso cada vez mais o consumo. A maconha causa oito vezes mais tipos de câncer e muitas outras coisas e pode até levar a problemas de segurança pública também, porque a criminalidade aumenta. Quanto a isso, é bom a gente fazer outras audiências públicas nesse sentido.
O Senador Flávio Arns gostaria de usar a palavra.
O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) - Quero só falar em relação a esse vídeo, Senador Eduardo Girão. A pessoa tem a liberdade de falar o que quiser. Alguém pode falar uma bobagem, outro pode falar outra bobagem, e aqui o que a gente viu, na minha opinião, nada tem a ver com aquilo que está sendo debatido nessas reuniões de hoje. (Palmas.)
Então, alguém está pensando: "Eu vou fazer isso para uma situação industrial ou depois por uma situação recreacional". Pode-se querer o que quiser, mas qualquer debate desses tem que passar por toda a sociedade, pelo Congresso, enfim por tudo.
O que está sendo discutido hoje é o uso medicinal, só isso: é bom ou não é? (Palmas.)
Eu até diria com muita tranquilidade que não vejo nenhuma mistura entre o recreativo e o medicinal. O uso recreativo é uma coisa, e o uso medicinal é outra coisa completamente diferente.
Eu até perguntei para as mães que estão aqui ao meu lado qual era a dificuldade, qual era o desafio dos filhos e das filhas. Colocaram, no caso delas, a epilepsia resistente. A gente sabe como é. Eu também tenho um filho com deficiência. Ele tinha inúmeras convulsões por dia, e foi um drama! Não foi necessária a Cannabis porque está controlado até certo ponto. Mas eu falei com mães que tinham filhos... Eu me lembro de um caso particular em que o filho tinha cem crises por dia. Imaginem cem crises por dia! Era uma crise atrás da outra. Tomando o medicamento, isso baixou para uma crise, para duas ou três crises. A criança passou a ter vida. A mãe passou a viver. A família, os pais se preocupam, é lógico! E, em 30% ou 40% dos casos, às vezes, há episódios muito resistentes a medicações tradicionais.
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Agora, eu queria sugerir o seguinte. Acho que esse debate tem que ser feito, que essa regulamentação tem que acontecer, bem como os estudos, mas eu sugeriria à Anvisa e ao Ministério da Saúde também que tivessem uma linha de pesquisa que pudesse incentivar as nossas instituições de ensino superior a fazer pesquisas nessa área, para ter o dinheiro para fazer pesquisa, para se aprofundar. Há tanta sugestão de outras áreas, além da epilepsia, que eu sei que está sendo estudada.
Podem dizer: "Ah, mas amanhã vai surgir uma notícia. Eles discutiram lá para ver como vender maconha". A pessoa fala o que quiser, não há problema. Não foi isso que foi debatido. O negócio aqui hoje é sério, a favor e contra, com todo o respeito em relação aos argumentos. Agora a gente precisa se aprofundar na pesquisa.
Eu queria sugerir ao Dr. William Dib isso, em função, inclusive, da fala da UnB. Nas nossas universidades, há pesquisadores muito bons; o que falta às vezes é uma linha de pesquisa, um incentivo em relação a custos, a gastos. Isso tem que progredir, nós temos que progredir nesse sentido.
Até quero enaltecer o Fábio Gomes, que fez pós-doutorado em Edimburgo, na Escócia. Eu conheço lá também, é um local maravilhoso. Que bom!
Enfim, agora, eu acho o vídeo totalmente tresloucado. Então, eu não daria mínima, nem perguntaria para a Polícia Federal. Eu acho o seguinte. Alguém vai dizer: "Não, poxa, isso vai abrir o caminho para eu poder fumar maconha depois". Deixem que pense assim! Eu vou me preocupar com o que a pessoa pensa? Deixem que pense e continue pensando. Eu penso que, naturalmente, a gente vai aceitar uma estratégia ou não. "Ah, este aqui é um caminho para a abertura para o uso de entorpecentes!" Eu não consigo ver relação alguma entre as coisas.
Então, a gente deve ficar calmo, tranquilo, seguro, pesquisando, aprofundando-se e ajudando as famílias. Se esse é um caminho, vamos por esse caminho com segurança. Como várias pessoas falaram, eu acho que temos de continuar estudando, pesquisando e achando soluções. Se alguém tem epilepsia ou outra doença mental, como foi apontado, esse é um desafio enorme.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito bem! Senador Flávio Arns, quero só falar para V. Exa. que essa reportagem pega um trecho do material de oito minutos do Hangouts que foi feito entre um brasileiro e uma pessoa que estava nos Estados Unidos, em outro país, e que mostrava, inclusive, na fala... Isso é que me preocupou! A gente sabe que tem legitimidade a busca pela cura; a gente tem que acolher isso. Mas esse vídeo me deixou intrigado, porque ele fala que vamos fazer a mesma estratégia dos Estados Unidos. Envolve médicos, a parte financeira. Eles receitam, eles recebem da indústria. E se diz que isso vai emocionar a população do Brasil - com as crianças, as pessoas vão se emocionar -, para, a partir daí, conseguir o objetivo. O vídeo tem oito minutos, e eu vou passá-lo para V. Exa. Inclusive, o Senador Magno Malta o encaminhou à Polícia Federal por esse motivo.
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Eu acredito, particularmente, que o Governo tem a obrigação de dar, para essas famílias que estão com essas necessidades, de graça, porque a Cannabis tem 500 substâncias, e uma delas trabalhada em laboratório tem, vamos dizer, evidências - algumas questionadas, mas eu gosto de ter muito pensamento positivo de que tem resultado, sim, até pelos depoimentos que a gente ouviu aqui. Uma delas trabalhada em laboratório tem efeitos. Então, eu acredito que o Brasil tem que dar gratuitamente. Sendo produzida aqui, com controle, fiscalização, em algum departamento, em alguma área definida e regulada, ou sendo importada, essas famílias têm que receber.
Agora, o que se está discutindo aqui e que me preocupa, particularmente, é a questão de liberar o cultivo em casa. Como é o controle disso? O que vai ser feito de uma demanda que pode ultrapassar... Como é que... Então, nisso a gente precisa ter muita responsabilidade. Eu espero que a Anvisa tenha muita serenidade com relação a esse assunto.
Já que falei na Anvisa, eu queria partir agora para as últimas falas, porque já fui informado de que começou a Ordem do Dia. Cada um vai ter um minuto mais um, para gente encerrar esta reunião.
O SR. WILLIAM DIB (Para exposição de convidado.) - Bem, eu queria agradecer a fala de todos e queria esclarecer alguns itens que, aparentemente, passaram desapercebidos na proposta da Anvisa de RDCs.
Primeiro: apesar de ser uma erva, ela será controlada pela Portaria 344, quer dizer, será só com receita controlada, não terá o tratamento de fitoterápico. Então, não sei por que compararam a Cannabis ao manuseio de fitoterápico, que, na sua grande maioria, é isento de prescrição. É a Portaria 344. O Brasil...
O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) - Permita-me interromper. Eles estão chamando porque há votação nominal, então não é falta de consideração. Por favor...
O SR. WILLIAM DIB - Eu entendo.
A segunda questão é que o registro que vai ser mais ágil exige da empresa que produza estudo científico em três ou em cinco anos - cada caso será um caso. A Anvisa vai estimular a pesquisa.
Terceiro, não há, dentro dessa portaria que nós estamos fazendo, nenhum favorecimento à indústria estrangeira. Eu não sei por que alguém está colocando esse tipo de coisa. Imagine, na D1, publicadas as duas resoluções, a indústria nacional que está estabelecida poderá importar o produto e produzir no dia seguinte. A questão do cultivo, da regulamentação do cultivo, é para regulamentação. Ninguém está obrigando a sociedade brasileira a cultivar. Agora, tem que cultivar de um jeito que Anvisa possa se certificar de controlar isso. É simples assim.
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Então, o que está escrito na proposta é isso. Não há possibilidade de a gente liberar o cultivo domiciliar. Não é papel da Anvisa! Isso é papel do Governo do Estado, é papel do Senado discutir isso.
E, por último, eu gostaria que, quando a gente fosse discutir da próxima vez, houvesse pareceres sobre medicamento, porque todo mundo que aparece com demonstração da droga Cannabis mostra o efeito deletério sobre as pessoas, sobre o cérebro, mas isso é quando se usa como droga, e não como medicamento. Então, não dá para comparar, estatisticamente, projetos de Governo, propostas científicas com o uso indiscriminado de droga. Senão, nós vamos falar de cocaína, vamos falar de crack, vamos falar de tudo. Isso não é papel da Anvisa! O papel da Anvisa é autorizar a regulamentação da produção de medicamento, certo? Eu vou ficar insistindo. Então, a gente pode discutir o efeito...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Para concluir, Presidente.
O SR. WILLIAM DIB - ... positivo ou negativo que o medicamento tem, que o produto tem sobre as pessoas, e não o consumo recreativo e as lesões que causam à nossa sociedade, o que precisa ser combatido.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado, William Dib, Diretor-Presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Agora, seguindo a mesma ordem, Andreia Salles, do Movimento Brasil sem Drogas. Um mais um.
A SRA. ANDREIA SALLES (Para exposição de convidado.) - Eu quero aproveitar a deixa do Diretor Dib e dizer que é exatamente nisso que a gente acredita. A gente acredita em medicamento regulamentado pela Anvisa, porque essas crianças e adolescentes têm necessidade de acesso, e gratuito. É muito sério. Então, precisa ser regulamentado medicamento de verdade e fornecido pelo SUS. É nisso que o Movimento Brasil sem Drogas acredita. Na discussão aqui, que é o plantio individual para fins medicinais, nós não acreditamos, porque o Brasil não é capaz de fiscalizar uma planta dentro da casa das pessoas, infelizmente. Eu queria morar num outro país, eu queria morar num país em que isso fosse possível, mas não é assim. Então, eu quero aproveitar e dizer que a gente está 100% alinhada com o que o senhor falou.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito bem, Andreia Salles, do Movimento Brasil sem Drogas. Muito obrigado pela participação.
Agora, o Raul Thame.
O nome da sua mãe?
O SR. RAUL THAME - Gizele.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Gizele. Foi o mais recente habeas corpus do Brasil nesse caso.
Um mais um.
O SR. RAUL THAME (Para exposição de convidado.) - Obrigado.
Eu me esqueci de dizer uma coisa importante. Minha mãe sempre foi avessa ao uso da maconha, só que, por ela ser biomédica, foi mais fácil para ela pesquisar, aceitar fazer a pesquisa e ver as evidências, ver os relatos de outras mães, outras pacientes. E, lógico, tendo um tumor na cabeça, as pessoas também começam a pensar de forma diferente, não é?
E outra informação para completar. Na questão da fiscalização, para se garantir a incolumidade pública, foi uma condição que a juíza estabeleceu a verificação periódica do cumprimento das condições do cultivo do produto, a cada seis meses, por oficial de justiça.
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E pode haver a visita da polícia também, sem aviso prévio, para fiscalizar, devendo ser interrompido e destruído se estiver em desacordo com as referidas quantidades.
Então, eu acredito que a função da Anvisa é a de autorizar os medicamentos, o comércio, mas não a de fiscalizar o plantio. Eu acho que tem que ser repensado a quem cabe isso, pensando no autocultivo.
Para finalizar, eu gostaria de agradecer pela oportunidade de estar aqui hoje com os senhores. Fico muito honrado de estar aqui.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito obrigado, Raul Thame. Leve o nosso abraço para a Dona Gizele.
Vamos agora passar a palavra, seguindo a mesma ordem, para a Sandra Peu, que é Diretora do Departamento de Articulação e Projetos Estratégicos do Ministério da Cidadania. Um minuto mais um.
A SRA. SANDRA PEU (Para exposição de convidado.) - Trago uma reflexão aqui de o quanto nós temos nos remetido a uma substância única para o tratamento, debruçando-nos sobre ela, deixando para lá o indivíduo, a pessoa, quem sofre do adoecimento em si. Por que será que a gente está focado no tratamento, e no único e específico tratamento, enquanto que uma doença rara como essa mereceria, talvez, a preocupação muito maior com o indivíduo em si?
E a minha preocupação, além de eu ser mãe de alguém que também tem uma doença com risco iminente de morte - que não é essa, é outra -, é com a técnica. O que eu quero para o meu filho eu quero para o outro. E, como médica, a gente tem que ter primeiro o dever de não causar o mal e, depois, de fazer o melhor possível para o nosso paciente. Imagine para o filho, não é?
E uma outra reflexão - aqui eu tenho pouco tempo - é que, em geral, eu tenho visto Netflix, e em todos os seriados que eu assisto na Netflix, tirando os de época...
(Soa a campainha.)
A SRA. SANDRA PEU - Desculpe, só um instantinho.
Acaba que todo mundo está fumando maconha como se fosse a coisa mais normal do mundo. E eu me lembrei disso justamente por causa do vídeo que o senhor apresentou, Senador. Inclusive, um dos seriados é todo voltado para uma loja medicinal, em que as pessoas chegam para comprar maconha, porque têm transtorno do estresse pós-traumático, têm dores, têm alguma coisa, chegam com uma receita médica e fazem uso recreativo, inclusive de docinhos, inclusive de bombons; todo um seriado da Netflix voltado só para esse tema. E há outros vários só sobre esse tema.
Então, é importante demais não perder o nosso foco no que é tratamento específico, no que é tratamento de doença; o que é doença que se trata com recursos de substâncias que vêm da maconha, mas que não são maconha - são recursos, substâncias que vêm da maconha -, e o que é tentar levar isso para o uso recreativo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Está bem. Muito obrigado, Sandra Peu. Muito obrigado pela sua participação aqui nesta Casa.
Vamos agora, de imediato, passar a palavra para a Inês Gandolfo, Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Um minuto e mais um para concluir.
A SRA. INÊS GANDOLFO (Para exposição de convidado.) - O.k.
Foi um debate bastante instigante. Realmente há posições bem claras em relação a ser pró ou contra essa perspectiva, e a gente sabe que a ciência não é neutra, por mais que se queira a neutralidade.
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Uma coisa que poderia ajudar nesses debates seria a gente talvez tentar se distanciar um pouco dos nossos preconceitos, porque o estigma que recai sobre quem defende é de que é maconheiro, e nem sempre é o caso - enfim, posso falar numa perspectiva de várias pessoas que eu conheço que defendem essa perspectiva. Mas eu queria que fosse levada a sério a possibilidade desses estudos nas universidades, porque, se não há evidências robustas, é porque não existem investimentos em pesquisa por conta da clandestinidade, que é comum, inclusive, às próprias mães de crianças e de familiares que estão nessa condição.
Então, campanhas sérias, comunicação responsável. A pedagogia do terror não funciona, não é por aí, porque instiga ainda mais as diferenças e leva, de fato, a que essa questão fique na clandestinidade, fique no preconceito, a que a gente continue separando este mundo em duas partes, os que são de um lado e de outro, mas sempre com uma questão muito estereotipada.
Era isso o que eu tinha para dizer.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muito bem, muito obrigado, Inês Gandolfo, Doutora do Instituto de Psicologia da UnB.
Para encerrar, Dr. Fábio Gomes de Matos, por um minuto e mais um, ele que é médico psiquiatra.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS (Para exposição de convidado.) - Bem, como dizia Galileu Galilei, a verdade é a filha do tempo. Então, com o tempo de hoje, a gente foi cristalizando verdades. E uma das verdades que eu acho mais interessante foi isso que foi claramente definido do que nós estamos discutindo aqui: nós estamos discutindo aqui medicamentos e nós estamos discutindo aqui drogas no sentido recreativo. Então, que bom que a gente possa ter esse incentivo da Anvisa para que nós possamos pesquisar quais são, realmente, as melhores alternativas para essas crianças que sofrem tanto. E este é o objetivo: colher a melhor evidência para melhor tratar as pessoas com segurança, com prudência, com um mínimo de efeitos colaterais.
E obrigado por tudo, hoje foi um dia muito bom, muito rico. Valeu. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. PODEMOS - CE) - Muitíssimo obrigado a todos que participaram, que estão nos assistindo pela TV Senado e pela Rádio Senado.
Declaro encerrada esta reunião. Muita paz!
(Iniciada às 9 horas, a reunião é encerrada às 17 horas e 43 minutos.)