08/08/2019 - 39ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Bom dia! Quero saudar a todos e a todas.
Já há número regimental. Declaro aberta a 39ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
Esta reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o PL nº 1.864, de 2019, que altera o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal e outras normas legais, a fim de estabelecer medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa, conforme os Requerimentos nºs 11, 43 e 44, de 2019, de iniciativa do Senador Humberto Costa, e de nº 45, de autoria do Senador Oriovisto Guimarães.
Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, além da intervenção dos nossos convidados, haverá interatividade não só com os que estão presentes, mas com o nosso sistema de comunicação on-line, por meio do Portal e-Cidadania, no endereço: www.senado.leg.br/ecidadania, ou ligando para o número 0800-612211.
Já há convidados para a gente iniciar o debate. Outros convidados estão chegando, mas nós vamos iniciar aqui com uma bateria de cinco, seis convidados, enquanto outros estão chegando. E a gente vai, à medida que alguns convidados vão cumprindo o horário de seu debate, transferindo-os da mesa. Vem aqui, volta para lá... Aí todos ficam ao final para o debate, conforme a intervenção dos Parlamentares, dos nossos ouvintes ou dos que estão presentes também.
Eu sou o Senador Paulo Rocha, estou substituindo o Senador Humberto Costa. Faço parte também da Comissão, sou suplente e estou substituindo o meu Líder, que é Líder da Bancada do PT.
Vamos começar então.
Sr. Victor Hugo Palmeiro - tome assento aqui à nossa mesa -, Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Seja bem-vindo, doutor!
Domingos Sávio, Subprocurador da República e Coordenador da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
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Silvia Virginia Silva de Souza, assessora de advocacy da Conectas Direitos Humanos.
Seja bem-vinda!
Deise Benedito, advogada e ex-membro do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura.
Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, representante do Sr. Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz.
Márcio Gaspar Barandier, Presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Seja bem-vindo!
Cada convidado palestrante terá o tempo de 10 minutos para expor as suas posições e, depois, ficará à disposição para o debate desta nossa reunião.
Com a palavra, inicialmente, o Dr. Victor Hugo.
A Mesa é bastante democrática. Assim, se precisar de um ou dois minutos a mais, nós seremos benevolentes.
O SR. VICTOR HUGO PALMEIRO DE AZEVEDO NETO (Para exposição de convidado.) - Muito obrigado, Senador.
Permita-me, inicialmente, saudá-lo, cumprimentando a CCJ do Senado Federal por mais essa iniciativa de trazer um tema de tanto interesse da sociedade brasileira para esta discussão aberta em audiência pública, com participação, inclusive, do público que assiste a esta reunião.
Ao mesmo tempo, Senador Paulo, eu gostaria de agradecer o convite e a deferência que faz esta Casa à Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, oportunizando que eu aqui compareça em representação aos cerca de 16 mil membros do Ministério Público dos Estados, do Distrito Federal e do Ministério Público Militar brasileiro.
A nossa entidade, Senador, acompanha com muita atenção todas essas alterações legislativas que impactam, direta ou indiretamente, na vida funcional, na carreira e na atividade dos membros do Ministério Público. E não nos importa, exclusivamente, acompanhar questões ligadas à discussão de prerrogativas, garantias, direitos, mas também e especialmente aqueles instrumentos que são postos à disposição do Ministério Público para alcançar e exercer a sua atividade-fim.
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E é nesse ambiente que se coloca esse pacote anticrime proposto pelo Governo Federal, que tem objetivos muito claros de trazer uma maior eficiência para o Sistema de Justiça Criminal, aliás o desmoralizado Sistema de Justiça Criminal vigente no País, e de criar alguns instrumentos para que se dê efetividade, celeridade, sem o que não é possível reconhecer dignidade para o Direito Penal do País.
Antes de entrar, eu gostaria de pinçar dois temas para abordar do projeto.
Antes de entrar nesses dois temas, eu gostaria de fazer um registro, porque uma das críticas que se tem feito ao projeto e a outros projetos que buscam modificar pontualmente algumas questões fundamentais do Sistema de Justiça Criminal é de que o Brasil tem uma tradição de muito pouco êxito nas reformas pontuais. Essas reformas pontuais geralmente, dizem os críticos - com alguma certa dose de razão -, desformam o sistema, tornam a Justiça Criminal assistêmica, com resultados negativos na sua efetividade.
Mas, embora isso tenha um certo fundo de razão, nós não podemos reconhecer que, numa tentativa de alterar alguns pontos, como a introdução da videoconferência, que é um do temas sugeridos pelo Ministro Moro na reforma que ele propõe nesse pacote anticrime, de medidas que dificultem a concessão de liberdade para criminosos habituais, criminosos profissionais, como a alteração nas regras da prescrição, que aliás foram extremamente tímidas -, o projeto simplesmente modifica ou introduz novos casos de interrupção ou suspensão da prescrição; nós temos é de acabar com alguns itens que estão ainda no Código Penal Brasileiro relativos à prescrição como a prescrição retroativa. Não há sentido. Não há país no mundo que reconheça essa forma de cálculo da prescrição, e ela é um instrumento gerador de impunidade reconhecido por todos que operam no Sistema de Justiça Criminal -, ou as sugestões de aprimoramento de investigação ou as sugestões de adotar princípios do direito negocial no Sistema de Justiça Criminal brasileiro ou ampliar a incidência da justiça negocial no Sistema Justiça Criminal, de todas essas proposições, me parece nenhuma delas teria o condão de desformatar o Sistema de Justiça Criminal, de criar empecilhos para que ele continuasse funcionando de forma sistêmica.
Portanto, aquela crítica que aparentemente poderia ser precedente nos parece, esse é o exame que foi feito no âmbito da Conamp, não procede.
E eu registro, desde logo, que a Conamp é praticamente favorável a todo o projeto. É claro que ele precisa de aprimoramento em alguns pontos. É claro que há pontos que são extremamente discutíveis. E quem sabe seria melhor recuar na adoção para que se pudesse construir uma alternativa mais consistente.
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Mas há dois pontos que me parecem fundamentais para resgatar, repito, a dignidade do Direito Penal no País, a capacidade de o Direito Penal exercer o seu papel fundamental de intimidação. Todos nós sabemos que o Direito Penal não existe para colocar as pessoas na cadeia. Essa é uma consequência da disfuncionalidade do sistema. Quando ele não se revela capaz de intimidar os predispostos, quando a ameaça que ele reproduz não é suficiente e as pessoas continuam praticando crimes... E, no Brasil, nós todos sabemos que a ameaça tem sido absolutamente insuficiente, porque as pessoas continuam, por inúmeras razões, cometendo cada vez mais crimes no País. E não é à toa que os presídios estão cheios. Estão cheios, agora estão cheios de pessoas que cometeram crimes.
Então, eu acho que há dois pontos que são fundamentais: um deles é a manutenção do entendimento que tem sido manifestado pelo Supremo Tribunal Federal 90% dos últimos 50 anos, isto é, que é possível executar a pena decorrente de uma condenação criminal após o esgotamento do conhecimento fático daquela controvérsia.
Aquilo que foi batizado pela mídia brasileira como prisão após segunda instância - esse foi o nome que a mídia deu -, na verdade, revela-se uma decorrência natural do sistema. O nosso sistema prevê que a discussão de fato se estabelece no primeiro grau e pode ser rediscutida em grau de recurso. Esgotadas essas duas fases da tramitação do processo criminal, não se discute mais fato. O fato ocorreu: a materialidade de um crime. O sujeito apontado, acusado pelo Ministério Público como autor do fato foi, reconhecidamente, autor do fato. E isso não se discute mais nas fases subsequentes.
Então, reconhecer que é possível efetivar uma condenação decorrente de um conhecimento judicial que se deu com a garantia do devido processo leal, com reconhecimento da disponibilidade do contraditório e da ampla defesa, vencidas essas duas etapas, é nós querermos ordinarizar o extraordinário, porque os recursos posteriores só justificam a existência do sistema, eles não discutem mais fato, eles não discutem mais a imputação. Isso é definitivamente decidido pelo juízo coletivo a que se dirigiram os recursos interpostos eventualmente...
(Soa a campainha.)
O SR. VICTOR HUGO PALMEIRO DE AZEVEDO NETO - ... pelas partes.
Eu já estou no meu limite, Presidente?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. VICTOR HUGO PALMEIRO DE AZEVEDO NETO - E o outro tema é o do acordo penal.
Nós temos dois tipos de acordos penais que foram sugeridos na proposta. O primeiro deles, o acordo de não persecução penal, que modifica o art. 28, criando o art. 28-A, que diz respeito a crimes de menor potencialidade ofensiva. No grupo de trabalho da Câmara, esse acordo foi acolhido, só adotada uma sugestão de limites de pena sugerida pelo Ministro Alexandre de Moraes no seu projeto. A nós nos parece que essa matéria seria melhor tratada no âmbito da Lei nº 9.099
E, por último, o último tema, o acordo penal de aplicação de pena, é absolutamente necessário. Todas as críticas que se faz à adoção desse instrumento no Direito Penal internacional foram cuidadosamente tratadas pela proposta do Ministro Moro. Não há nenhum risco de inocentes serem constrangidos a praticar negociação penal com reconhecimento de culpa pelo sistema proposto, que prevê que tenha que primeiro ter sido oferecida a denúncia, que tenha se submetido essa denúncia a um juízo de admissibilidade. Portanto, o juiz vai verificar se há prova da materialidade do crime, se há indícios concretos de autoria, para só aí fazer reconhecer, homologar um eventual acordo penal que tenha sido proposto pelo Ministério Público e aceito pelo acusado e seu defensor. Então, esses dois pontos, meu caro Presidente, parece-me que são indispensáveis para que essa reforma...
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(Soa a campainha.)
O SR. VICTOR HUGO PALMEIRO DE AZEVEDO NETO - ... que está sendo tentada, efetivamente consiga trazer para o Direito Penal brasileiro um pouco mais de efetividade, um pouco mais de celeridade aos processos criminais e, portanto, que o Sistema de Justiça Criminal brasileiro efetivamente funcione.
Muito obrigado e desculpe-me por ter excedido o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Dr. Victor.
Vamos dar prosseguimento. Vou começar pelas pontas da mesa.
Dr. Márcio Gaspar, o senhor dispõe de dez minutos.
O SR. MÁRCIO GASPAR BARANDIER (Para exposição de convidado.) - Exmo. Sr. Senador Paulo Rocha, na pessoa de quem cumprimento os eminentes Senadores e eminentes Senadoras presentes, os demais companheiros e companheiras de Mesa, senhoras e senhores. Agradeço muito a oportunidade de participar hoje da audiência pública representando o Instituto dos Advogados Brasileiros.
E devo dizer que o IAB, como é uma audiência pública, é a instituição de estudo do Direito mais antiga das Américas. E, no âmbito da Comissão de Direito Penal do IAB, que eu presido, elaboramos lá - 23 membros - um trabalho muito minucioso de estudo do projeto de lei denominado anticrime. Mas como o tempo aqui é restrito para uma exposição detalhada desse assunto, eu abordarei, na minha fala, rapidamente alguns aspectos que entendo, especialmente, relevantes, mais globais.
Mas adianto que a posição do IAB é bastante crítica em relação ao projeto e contrária a quase todas as propostas que são formuladas. E, numa visão mais global, praticamente todas as medidas apresentadas, propostas são de alterações para aumentar a privação da liberdade, elevação de penas, endurecimento de regimes prisionais, antecipação de execução de condenação não definitiva, até ressuscitando hipótese de prisão preventiva obrigatória - o que é totalmente incompatível com a Constituição Federal. E, além disso, reduz direitos e oportunidades de defesa, limitando recursos, invertendo o ônus da prova, largando a discricionariedade judicial para a decretação de medidas constritivas e até mesmo dificultando a assistência de advogado ao réu preso. Tudo isso - com todo o respeito às opiniões divergentes e todo o respeito ao Governo Federal, que propôs o projeto - atende a uma lógica, há muito superada, de que seria preciso aumentar o rigor penal e o poder punitivo para se enfrentar, em segurança pública, e superar ou reduzir, pelo menos, a criminalidade violenta, notadamente a criminalidade urbana.
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Essa é uma fórmula fracassada desde sempre. Aliás, essa iniciativa agora, Senador, praticamente repete o que se buscou fazer com a lei de crimes hediondos, anunciada na época como um grande freio à criminalidade e que teve resultado diametralmente oposto, porque contribuiu decisivamente para a delicada situação que temos hoje e que estamos discutindo agora. O encarceramento em massa provocado pela Lei dos Crimes Hediondos e algumas outras posteriores não diminuiu a insegurança pública, não reduziu a criminalidade, mas favoreceu muito as inúmeras facções criminosas que surgiram no interior das unidades prisionais.
É curiosa e insuperável a contradição, porque o que se alega para a ampliação do sistema penal e do seu rigor punitivo é exatamente o fracasso e os efeitos indesejáveis dessa mesma medida adotada anteriormente. Como o remédio piorou o paciente, então, vamos aumentar a dose. É isso que se pretende. Até as pessoas comuns costumam repetir, de uma forma simplista, essa contradição quando dizem simultaneamente que é preciso aumentar as penas para combater a criminalidade e, ao mesmo tempo, essas mesmas pessoas dizem que a prisão é a escola do crime, que o sujeito entra e sai pior.
Bom, mas parece incontestável, Senador, que o projeto vai resultar numa elevação ainda maior, numa escalada do superencarceramento e os efeitos colaterais serão terríveis. Primeiro, o agravamento da situação carcerária brasileira, que já é considerado pelo Supremo Tribunal Federal como um estado de coisas inconstitucional. A taxa de ocupação das vagas nas prisões hoje é de cerca de 200%. Em alguns Estados supera os 300%. Vai piorar, com o risco, que já existe, grande de perda de controle das unidades prisionais, com gravíssimos reflexos externos, porque a situação interna prisional transborda para a sociedade aqui fora. Mas, ainda que se fechem os olhos para a situação, para a condição dramática dos presos e se ignorem os reflexos externos do superencarceramento, o projeto de lei, contrariando exatamente o que ele anuncia como objetivo, tende a reforçar as facções criminosas violentas, surgidas dentro dos presídios, exatamente pela degradação que se percebe neles. Mais do que isso, o projeto pretende a citação nominal de várias dessas facções criminosas, quando propõe a alteração do conceito de organização criminosa. Então, isso além de conspirar, com todo o respeito à boa técnica legislativa, é uma medida que fortalecerá as facções criminosas, porque reconhecidas oficialmente como perigosas em lei. Isso as fortalece, não as intimida.
Outro ponto relevante é a ausência de qualquer estudo de impacto econômico do projeto, porque as medidas que são propostas gerarão superencarceramento ainda maior e ainda há previsão de implementação de medidas relacionadas a presídios federais...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO GASPAR BARANDIER - ... aprimoramento de investigação de crimes e que demandarão grande investimento financeiro num sistema já em situação crítica. E os cofres públicos têm capacidade para isso? Vale a pena, diante da experiência do Brasil e do mundo nessa linha, das constatações empíricas, da realidade palpável do fracasso desse tipo de política criminal? Essa, na minha modesta opinião, é uma reflexão necessária em relação a esse projeto. Mas há muitas questões específicas, uma enormidade de alterações, a nosso ver muitas inconstitucionais, algumas lacunosas, tecnicamente questionáveis que são, é bom que se registre, já se falou aqui anteriormente, na audiência passada, que se aplicam a todos os crimes praticamente, não são apenas para os crimes violentos e de corrupção.
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Por exemplo, o projeto prevê ressuscitar regime prisional inicial obrigatoriamente fechado em prisões preventivas obrigatórias. Isso já foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal há muito tempo pacificamente, inclusive quando se tratou da lei de crimes hediondos, que continha disposição semelhante.
Também considero gravíssima a previsão de possibilidade de gravação de conversas de advogados com o seu cliente preso em presídio federal. É uma medida inconstitucional que viola sigilo profissional e agride o mais elementar talvez dos direitos do cidadão acusado criminalmente, que é o de se entrevistar com o seu advogado reservadamente.
Finalmente, entre os muitos temas que eu gostaria de abordar e, obviamente, o tempo não permitiria, quero destacar que o projeto constantemente invoca as organizações criminosas como aparente fator limitador ou justificador das duríssimas medidas invasivas e restritivas que elenca, no entanto, nós já temos vivenciado a transformação daquilo que seria exceção em relação às organizações criminosas, no combate às organizações criminosas, independentemente da eficiência ou não dessas disposições legais, mas nós temos vivenciado a banalização, mediante interpretação muitas vezes elástica, por vezes casuística, do conceito de organização criminosa. E isso significa que, em circunstâncias...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO GASPAR BARANDIER - Eu estou concluindo, Sr. Presidente.
... em circunstâncias de mero concurso de agentes ou de associação eventual para a prática de determinado crime, quando se deseja implementar determinadas medidas, dependendo da situação, facilmente se transforma um grupo de quatro pessoas suspeitas da prática de infração penal em organização criminosa. Então, parece fundamental que se reflita também em relação ao alcance da flexibilização dos freios ao exercício do poder político do Estado, que pode levar a consequências muito drásticas para todos os cidadãos, não só àqueles que são os vilões do momento.
Sr. Presidente, eu vou encerrar fazendo uma saudação. Para concluir, eu quero dizer que o Instituto dos Advogados Brasileiros, mais uma vez, elaborou e aprovou na sua plenária um estudo minucioso, que inclusive será editado agora, será transformado em livro este mês, será encaminhado à Comissão com um estudo detalhado de todo o projeto, com fundamentação sólida para as conclusões a que nós chegamos, que são majoritariamente contrárias à aprovação do projeto nos termos em que ele foi concebido.
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Então, eu agradeço muito a oportunidade, Sr. Presidente, cumprimento novamente todos os presentes e parabenizo a Comissão pelo excelente trabalho. Aliás, ressalto inclusive que um projeto dessa magnitude, com a extensão das reformas...
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO GASPAR BARANDIER - ... que ele pretende, mereceria previamente uma comissão de juristas para formatá-lo.
Mas, de qualquer maneira, eu encerro minha participação ficando à disposição de V. Exa. e dos demais.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Dr. Márcio Gaspar.
Aqueles que trouxeram as suas intervenções por escrito podem, depois, deixar uma cópia para os nossos arquivos e para dar informação aos outros Senadores que não estão presentes.
Sobre as duas provocações aí falaram sobre exatamente a questão dos presídios e da população carcerária eu vou dar um último dado desse acontecimento lá de Altamira, no meu Estado. Foram 58 mortos, dentre esses, 28 decapitados e, depois, 4 foram assassinados dentro da viatura que estava fazendo já a transferência.
Mas o que me chama a atenção dos números lá, viu, Dr. Victor e Dr. Márcio, é que um terço dos que morreram eram jovens que ainda não tinham sido julgados, condenados. Eram presos provisórios, que ainda estavam esperando que a Justiça julgasse essa questão. E todos jovens, que já são presa fácil nas ruas por causa do vício e da ausência de políticas públicas, quando vão para o presídio recolhidos, são presa fácil das facções.
Com a palavra o Dr. Domingos Sávio.
O SR. DOMINGOS SÁVIO DRESCH DA SILVEIRA (Para exposição de convidado.) - Muito bom dia a todas, a todos. Saúdo de uma forma muito especial o Senador Paulo Rocha, que preside os trabalhos. Dizer da alegria da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável pelo controle externo da atividade policial e do sistema prisional, em estar aqui para participar deste debate, aprender com certeza, muito mais do que contribuir, enfim.
E ressaltar a importância da transparência e da publicidade que debates como este conferem às proposições legislativas, o que é próprio da democracia. A democracia, como vai nos lembrar Bobbio, é marcada pelo poder que se exerce, se realiza publicamente e de forma transparente. Portanto, este é um momento de afirmação desse processo.
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O pintor Miguel Velásquez, num dos seus quadros mais célebres, que está lá no Museu do Prado, e que se chama Las Meninas, que eram as infantas da Corte portuguesa, faz um jogo que é inteiramente aplicável ao debate que estamos travando. O que há nesse quadro? Num primeiro plano, quando nós olhamos para ele, achamos que o pintor está retratando as meninas. E é apenas através do jogo de espelhos, é através de um olhar mais atento que percebemos que na verdade quem estava sendo retratado não eram as meninas, no primeiro plano, mas eram os pais, os reis de Espanha que estavam ao fundo.
Para onde esse debate que se intitula, o apelido do projeto é pacote anticrime, para onde ele conduz o nosso olhar? Eu acho que essa é a questão que se propõe neste debate neste momento. Eu acho que falar de lei anticrime, de medidas legislativas para combater a criminalidade e o crime exige que a gente olhe num primeiro momento, o nosso olhar precisa, num primeiro momento, se dirigir ao nosso sistema prisional. Não é possível travar esse debate sem pensar que neste País, segundo dados velhos do Infopen, de 2016, 726 mil seres humanos habitam presídios neste Pais e se administram em 324 mil vagas. Um pouco mais vagas já temos hoje, mas certamente muito mais presos possuímos. Portanto, esse é o primeiro quadro em que é preciso lançar o olhar.
E quando lançamos o olhar sobre esse sistema prisional brasileiro, nós chegamos à triste conclusão de que ele é na verdade a parceria público-privada que melhor funciona neste País, porque o Estado entra com os recursos para manter de uma forma débil as estruturas que são sub-humanas, que são degradadoras dos presídios brasileiros, entra com todo o esforço da máquina judicial, os promotores pelo País inteiro, antes deles a polícia, os juízes criminais condenando e mandando para os presídios. Portanto, todo um esforço estatal em estruturas materiais, em condenação e obtenção de seres humanos para habitar esses espaços. E, por outro lado, dentro desses presídios, as facções criminosas agradecendo o recrutamento estatal para as suas hostes. É isso que está acontecendo.
E esse projeto que tramita na Câmara e aqui ao mesmo tempo - não sei em que momento eles vão se encontrar, em cada um da sua forma - é um projeto que recrudesce, torna mais grave as sanções. Portanto, é um projeto que tem tudo, se for aprovado. Não precisa nem ser aprovado na sua totalidade: se metade desse projeto for aprovado, ele tem tudo para que nós consigamos, em 5 anos, ter uma população carcerária de pelo menos 1 milhão de pessoas, talvez em segundo lugar já nas estatísticas mundiais. Ou seja, é esse o resultado concreto, e a um custo que segundo o CNJ é assombroso. Para o CNJ, cada preso custa ao mês R$2,4 mil. Eu acho que esses valores são subvalorizados: é mais. Se colocarmos os aposentados e todo sistema, ele custa muito mais do que isso. Mas vamos deixar por isto, R$2,4 mil. E, a cada vaga que se cria, ela custa em média R$42,5 mil.
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Além dos 726 mil presos - hoje muito mais -, além das, em torno de, 400 mil vagas que possuímos, nós temos, segundo o CNJ, 500 mil mandados de prisão em aberto. Ora, nós não podemos debater uma lei penal mais dura e dizermos que isso é uma ação anticrime quando temos essa realidade que, por um lado, recruta para uma estrutura em que o Estado pouco controle tem. E o trágico exemplo trazido pelo Senador Paulo Rocha é apenas uma das tantas expressões desse descontrole total promovido e pago pelo Erário. E para que resultado? Para manter a parceria público-privada vigente, ou seja, para que mais soldados para o exército das facções criminosas sejam recrutados e, por sua vez, produzindo e fomentando mais violência dentro da sociedade. E a isto, ampliar o encarceramento, chamamos de política de segurança, chamamos de medidas de combate ao crime. O certo é que temos um modelo que não deu certo. Nós prendemos muito e prendemos mal.
É curioso que, no ano que vem, a Lei dos Crimes Hediondos completa 30 anos. Esse processo não começou com ela, mas teve uma espetacularização com a Lei dos Crimes Hediondos. Era preciso que as penas ficassem mais duras, os regimes de cumprimento das penas fossem mais severos, para que nós tivéssemos menos violência e mais segurança. Trinta anos depois, o que nós temos? Uma população carcerária que cresceu oito vezes e um nível de mortes por 100 mil habitantes que mais que dobrou. E eu pergunto: essa é a receita? Essa é a solução? É isso que devemos continuar fazendo?
(Soa a campainha.)
O SR. DOMINGOS SÁVIO DRESCH DA SILVEIRA - E, se pensarmos quem são os presos, nós veremos que nós seguimos prendendo mal: 15% é furto e receptação, 24% é roubo, 28% é tráfico. E, quando se trata de roubo - e aí eu quero pensar só nesse aspecto -, uma das tantas medidas propostas de alteração do art. 33 é que no roubo para o reincidente e no roubo qualificado, eu tenha obrigatoriamente o sistema, o regime fechado.
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É curioso que nós tenhamos um dado absolutamente pornográfico, que é a taxa de resolução de homicídios, que, neste País, é de 5% a 8%. Em apenas 5% a 8% dos homicídios, apura-se a autoria, descobre-se quem é que matou. Não é quem bateu a carteira, não é quem furtou um saco de pipoca, é quem matou. No mais grave dos crimes, nós temos esse pornográfico índice de apuração, que é de 8%. Nos Estados Unidos, é de quase 60%, segundo o FBI; na França, 90%; no Reino Unido, 80%; na América como um todo, ele é de 24 para cada 100.
Portanto, falar em combate ao crime passa necessariamente por combatermos a impunidade, a certeza de impunidade. Matar me dá um risco apenas de ser, no máximo, em 8% apanhado. Isso é um grande estímulo.
Portanto, em vez de tornar as penas mais graves, como se isso fosse...
(Soa a campainha.)
O SR. DOMINGOS SÁVIO DRESCH DA SILVEIRA - ... reduzir a criminalidade, é preciso pensar que nós temos que ter... E aí a discussão... Essa é a discussão anticrime que tem que ser feita.
Nós temos que ter um sistema prisional que seja compatível com a dignidade da pessoa humana e com os fins a que ele se presta. Nós temos que ter investimento em inteligência policial, em articulação entre polícias, em dignidade salarial e condições de trabalho para os profissionais da área de segurança pública. Temos que ter dados confiáveis, porque nem isso nós temos, para que possamos ter um planejamento. Temos que ter, apenas lembrando uma das tantas propostas que existiam num programa de tempos atrás, que era o Pronasci, uma política habitacional que permita que os agentes de segurança não sejam vizinhos dos agentes das práticas delituosas.
E concluo lembrando que a proteção aos profissionais de segurança pública não se dá pela ampliação da excludente de ilicitude e por aí afora. Nós convivemos com um dado que é também obsceno, que são os índices de letalidade policial. No ano passado, 6.180, subiu 18%. Por sorte - e aí é um bom dado que tem que ser saudado -, os índices de mortalidade de policiais caíram 18% e foram, no País, 374. Vejam só, desses 374, 75% foram fora do serviço, o momento da morte se deu quando não estavam em serviço.
Portanto, se a ideia é proteger os agentes de segurança pública, se a ideia é reduzir os índices de letalidade, é preciso que nós tenhamos... Não temos que flexibilizar regras que digam da legítima defesa da forma vaga que está sendo proposta no projeto, mas nós temos que pensar em meios de garantir a eficiência e condições de trabalho a esses profissionais.
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Termino lembrando apenas os tristes dados que decorrem, a meu ver, do discurso oficial implantado neste País, especialmente no Estado do Rio de Janeiro. O ISP informou que, de janeiro a maio, aconteceram 434 mortes decorrentes de civis em conflitos com a polícia, um aumento de mais de 18%. E, dos dezoito policiais mortos, concluindo, apenas dois se encontravam em serviço.
Portanto, falar em regras, em pacote anticrime não pode delirar das obrigações que o País assumiu no plano internacional de proteção aos direitos humanos e não pode delirar de uma realidade que já vivemos há tanto tempo - tomemos apenas a Lei dos Crime Hediondos, há 30 anos - de que não adianta ampliar as penas, porque isso não resulta em mais segurança.
Eu concluo apenas lembrando que este País tem um triste hábito, que é tentar resolver problemas sérios de forma mágica. Esse projeto, a meu ver, tem muito mais de magia do que de possibilidade de combate efetivo e de mais segurança para a população.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Dr. Domingos.
Passamos a palavra imediatamente ao Dr. Felippe Angeli.
No entanto, eu queria já anunciar algumas participações, via on-line, de algumas pessoas que estão nos assistindo e participando da nossa audiência, caros ouvintes.
Luíza Inês, do Acre: "Essa lei já deveria ser aprovada de imediato, pois o povo já não aguenta mais tantas imoralidades".
Suelen da Dalt, de São Paulo: "Eu apoio o pacote anticrime! O povo sofre com a corrupção, violência e impunidade [no Brasil]. Muda Brasil!".
Andressa, do Distrito Federal: "Os nossos códigos são completamente antigos e ultrapassados. Acho que devemos nos atualizar, os tempos são outros".
Com a palavra o Dr. Felippe, por dez minutos.
O SR. FELIPPE ANGELI (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todas e todos.
Eu queria agradecer o convite. Mais uma vez, a gente está aqui presente para discutir esses temas tão importantes para o País. Agradeço ao Senador Paulo Rocha pela condução dos trabalhos aqui hoje.
Eu também queria fazer um reconhecimento um pouco fora do tema a esta Casa, ao Congresso Nacional, na verdade, porque ontem, no Senado Federal - já tinha sido aprovado na Câmara -, foi aprovado o Projeto de Lei 17, de 2019, um projeto de lei que contou com o apoio o Instituto Sou da Paz desde o início e que, neste momento em que diversas lideranças políticas nossas demonstram uma verdadeira tara por armas de fogo, é um projeto muito importante que estabelece uma medida de cautela de que mulheres, pessoas acusadas, na verdade, de infringir a Lei Maria da Penha, acusadas de violência domésticas que tenham uma arma registrada em seu nome, seja uma arma corporativa, seja uma arma particular, tenham determinada cautela para o juízo de recolhimento dessa arma enquanto for realizada a investigação. Se ao fim e ao cabo a pessoa for inocentada das suas acusações, a arma é devolvida, mas, caso, obviamente, ela seja condenada, essa arma é recolhida para impedir e prevenir qualquer tipo de violência e também a condição mais normal que costuma acontecer, que é o feminicídio dessas mulheres. Muitas dessas mulheres acabam sendo assassinadas por arma de fogo que eram de propriedade dos seus parceiros, seus cônjuges.
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Então, neste momento de tantas dificuldades que a gente enfrenta no País, acredito que é uma medida salutar. Agora vai à sanção Presidencial e a gente espera que ela seja realizada.
Então, parabenizo o Senado Federal.
Em relação ao projeto dito anticrime, acompanho muito do que foi dito aqui pelos meus dois colegas antecessores e vou fazer uma análise, obviamente o tempo é curto, o projeto é muito vasto, mas vou fazer uma análise, em primeiro lugar, dessa questão que já foi abordada pelos meus colegas anteriormente, da questão mais associada ao aumento do encarceramento, que naturalmente decorre da análise desse projeto de lei, e, em segundo, dois pontos específicos, um ponto específico na verdade, que é a questão do excludente de ilicitude, da ampliação da questão da legítima defesa, que é algo que dialoga diretamente com os trabalhos que o Instituto Sou da Paz desenvolve há 20 anos e que certamente representa um retrocesso civilizatório e também certamente vai representar um aumento nos já impossíveis de se conviver números da letalidade policial nosso País, como o Dr. Domingos apresentou há pouco.
Em primeiro lugar, em relação à questão prisional, é importante que se diga, e aí a respeito dos comentários feitos pelos internautas que nos acompanham, eu acho que neste País tão polarizado, como se encontra hoje, existe talvez um consenso entre todos que é o problema da violência, é o problema da segurança pública. Acho que ninguém, não importa em que local do espectro político esteja localizado, não importa em que situação socioeconômica esteja, está satisfeito com a situação da segurança pública no País. Eu acho que isso é um consenso, isso é um dado de realidade, isso é uma premissa para qualquer discussão. E é natural que a população, como o Dr. Domingos até colocou, de alguma forma busque até soluções imediatas, mágicas talvez, porque, de fato, são vitimados, somos todos vitimados, cada um em proporções diferentes, mas somos todos vitimados no nosso dia a dia.
Entretanto, à República, às instituições da República, às instituições do Estado democrático de direito cabem análise de conceitos de eficiência, de conceitos de impessoalidade, de conceitos civilizatórios, que devem ser analisados, porque, senão, para a população, muitos dos crimes seriam resolvidos com linchamento, muitos dos crimes seriam resolvidos com apedrejamento.
Isso acontece muitas vezes. O Estado foi criado para impedir justamente que esse desejo natural de vingança, de agressividade da sociedade possa se produzir, que a gente consiga organizar o modelo de punição que é necessário numa sociedade a partir de conceitos de respeito à pessoa humana, de respeito ao devido processo legal, de respeito ao direito de defesa e de outros princípios garantidos pela Constituição e direitos fundamentais da pessoa humana.
Dito isso, eu acho que, em primeiro lugar, partindo de uma outra premissa, não há como não ter clareza de que esse projeto de lei tem como consequência um aumento do encarceramento no Brasil. Acho que isso não há como se negar, como disseram agora há pouco meus dois antecessores.
Temos na ordem de dados desatualizados, do Infopen 2016, 700 mil presos no País, cumprindo pena privativa de liberdade. O déficit que a gente tem hoje de vagas prisionais são 322 mil vagas, de acordo com esse mesmo relatório do Infopen.
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Agora, uma questão muito importante que foi trazida aqui pelo meu colega, Dr. Márcio, anteriormente, é justamente em relação ao custo e à capacidade de exequibilidade do aumento dessa população prisional. Há um relatório muito interessante que foi publicado este ano pelo Tribunal de Contas da União, um relatório de auditoria do sistema prisional brasileiro que identifica que o déficit no sistema é superior a 322 mil vagas e que, para o período 2020-2037, com o ordenamento jurídico que há hoje, não considerando outras alterações legislativas que podem acarretar o aumento do encarceramento, como é o caso desse projeto...
Antes disso, diga-se de passagem, o Instituto Sou da Paz realiza uma pesquisa anual sobre a produção legislativa do Congresso Nacional, ambas as Casas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, e o que a gente identificou ao longo da 55º Legislatura, que foi essa que terminou agora em 2018, é que o Congresso Nacional, o Senado e a Câmara dos Deputados, legisla sobre segurança pública a partir da esfera eminentemente penal, pois, em média, 20% de todos os projetos de lei apresentados na Câmara e no Senado são para criminalizar uma nova conduta. É uma conduta que hoje não é crime e que o Congresso Nacional quer tornar crime. Os outros 20% dos projetos de lei apresentados são para aumentar a pena de um crime já existente; 40% dos projetos de lei apresentados na Câmara e no Senado durante a 55ª Legislatura tinham o objetivo de ou criminalizar uma nova conduta ou aumentar uma pena de uma conduta já criminalizada. Obviamente, nem todos os projetos são aprovados, mas é essa a maneira, a natureza do tratamento que o Estado brasileiro tem dado ao problema, que é real, da violência no País, com os resultados que todos nós observamos.
Este projeto é mais do mesmo, é disso exatamente que a gente está falando: levar as pessoas ao aprisionamento, imaginando, como foi dito sobre a Lei dos Crimes Hediondos, que, tomando as mesmas atitudes, a gente vai ter resultados diferentes. Não parece que é muito lógico.
Voltando à questão do relatório do Tribunal de Contas da União, ele fez uma projeção, porque é possível fazer esse tipo de projeção. O Ministro Sergio Moro, em diversas audiências, foi cobrado para que fosse apresentado algum tipo de análise de projeção humana e financeira, sócio-financeira, desse tipo de encarceramento. Ele muitas vezes disse que era impossível fazer esse tipo de análise, mas o Tribunal de Contas da União apresenta essa análise nesse relatório que eu menciono e diz que, com o ordenamento jurídico atual, entre 2020 e 2037, seria necessária a construção de novas 386 mil vagas, mantendo o déficit que existe hoje, a um custo de R$19,42 bilhões só para obras de engenharia. Para custeio do sistema, seriam necessários outros R$4,3 bilhões anuais. A pergunta simples é de onde vai sair esse dinheiro. É impossível, é impossível, se esses números do Tribunal de Contas estiverem corretos, é insustentável a situação atual, pudera o aumento desse nível de encarceramento.
A gente advoga há muitos anos que o Congresso Nacional adote um conceito chamado de responsabilidade político-criminal. Existem projetos de lei na Câmara dos Deputados propostos nesse sentido, que se inspiram, na verdade, de uma lei que é comemorada por diversos setores da sociedade brasileira, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz que, para qualquer alteração na lei penal que acarrete encarceramento é necessário um estudo de impacto de consequências humanas, sociais e consequências financeiras desse tipo, porque, na verdade, aqui se trata daquela situação de fazer milagre com o chapéu dos outros.
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É Brasília que legisla os crimes, a criminalização de condutas. É Brasília que legisla...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPPE ANGELI - ... a questão carcerária, o aumento de penas, só que isso é executado pelos Estados. É a administração penitenciária, são as polícias que vão ter que perseguir esses crimes, ao fim e ao cabo. Na hora em que você aumenta uma nova conduta ou um crime, você está sobrecarregando a polícia, que aumenta o rol de situações criminalizadas que ela tem que perseguir. Isso impacta diretamente nos Estados, que, ao que todos sabem, enfrentam hoje problemas fiscais quase que intransponíveis, estão quebrados. Como é que numa situação atual a gente vai lidar só com normas de engenharia, com obras de engenharia, ao acréscimo da ordem de 19 bilhões?
O nosso pleito, que defendemos há muito tempo, é que em toda alteração - e veja que não são poucas, 40% de todos os projetos de lei apresentados nestas Casas têm como consequência o aumento de encarceramento - haja uma análise. E é possível fazer isso. O próprio Tribunal de Contas, que é órgão auxiliar do Poder Legislativo, demonstrou com esse relatório que ele tem condições de fazer esse tipo de análise.
Então, que isso seja incorporado para que a gente comece a falar sério sobre segurança pública e não imagine que simplesmente aumentando penas, concordando com o que o Dr. Domingos colocou, muitas vezes penas de crimes dos mais violentos que a gente nem consegue investigar e punir, mas, sim, a partir de uma política de segurança pública que é exclusivamente orientada à ostensividade e que acaba conseguindo pegar, prender e identificar criminosos que são aqueles que cometem crimes de baixo potencial ofensivo e que são passível de serem presos em flagrante, como pequenos traficantes de drogas, pequenos roubos, pequenos furtos... E aqueles crimes mais graves, estupros, homicídios, o grande tráfico transnacional de drogas, que dependem de investigação, de polícia técnico-científica, de perícia, ficam ao abrigo da punição.
Para concluir - o tempo está terminando -, só dois comentários específicos em relação à questão da excludente de ilicitude.
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPPE ANGELI - Especificamente, na proposta no projeto do ministro, dito anticrime, o novo §2º do art. 23, que trata do Código Penal, trata da questão da excludente de ilicitude, autoriza o juiz a analisar, se presentes requisitos da legítima defesa, que ele poderá deixar de aplicar a lei e a pena prevista caso o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
Bom, além da naturalidade que, enfim... Ninguém se envolve numa situação de conflito armado sem que estejam presentes, a meu ver, escusável medo, surpresa ou violenta emoção. Não acredito que exista qualquer situação em que o resultado seja a morte de alguém e que não estejam presentes quaisquer elementos de medo, surpresa ou emoção. Então, a partir da redundância desses elementos, causa espanto que a lei autorize o juiz a aplicar ou não a lei. Ao que eu saiba, na ordem constitucional brasileira, o juiz tem o dever de aplicar a lei, mas a liberdade de interpretá-la, segundo o caso concreto. Ele tem que observar aquilo que está nos autos, as provas constituídas, o direito de defesa, o direito de acusação e, a partir dali, interpretar a lei conforme o seu livre convencimento. Agora, abrir uma determinação legal para que o juiz, caso decida, nem aplique a lei... Ele nem aplica a lei. Se ele acha que há medo, surpresa e emoção, ele pode não aplicar a lei. Eu não consigo entender qual é a organização racional de uma autorização que, a meu ver, é absolutamente inconstitucional.
Continuando, na proposta dita anticrime, o novo art. 309-A do Código de Processo Penal também diz que pode a autoridade policial, para o caso de prisão em flagrante, afastar a necessidade de prisão nos casos considerados como legítima defesa ou outra razão de excludente de ilicitude, ou seja, você nem dá a possibilidade de aquela situação ser analisada pelo poder jurisdicional.
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O policial, de pronto, pode descaracterizar completamente ao seu livre julgamento, à sua convicção e não apresentar o caso em juízo, que poderia fazer a análise se presentes aqueles elementos que possibilitariam as possibilidades previstas do excludente de ilicitude ou legítima defesa.
Concluindo, o Brasil já é um país que enfrenta um nível de letalidade policial inimaginável. É o maior nível de letalidade policial de que se tem notícia no mundo. Em São Paulo, no primeiro semestre, dados do Instituto Sou da Paz, o número de pessoas mortas por policiais teve um aumento da ordem de 12% nos primeiros seis meses. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 15% nos primeiros seis meses. Felizmente, como disse o Dr. Domingos também, o número de policiais mortos em serviço diminuiu consideravelmente.
Para concluir, não se trata aqui de forma alguma de querer dizer da impossibilidade que o policial, caso necessário, possa fazer o uso da força, inclusive o uso da força letal. Isso faz parte das suas atribuições. Agora, é muito importante que o Estado se organize para coibir qualquer tipo de abuso do uso dessa força, como nós temos indícios muito concretos nesse sentido, e que possa se fazer um processo de análise e convencimento a partir do juízo de que aquela conduta policial foi correta.
E me parece que somente ao mau policial interessa que não seja analisada a licitude da conduta dele. Aquele policial que trabalha de acordo com os preceitos legais, aquele policial que age de forma legítima tem todo o interesse que a Justiça, ao fim e ao cabo, comprove a legalidade da sua atuação. A mim parece que o único interessado em que não haja uma análise jurisdicional da licitude e da legitimidade da sua ação é o mau policial.
Isso vai de encontro, e aí concluo minha fala, à infeliz fala do Sr. Presidente da República que, caso aumentasse as possibilidades de excludente de ilicitude, que ele recentemente fez, as pessoas morreriam que nem baratas nas ruas e isso seria bom. Essas são as frases do Presidente da República. Eu concluo dizendo que esse é o raciocínio que levou à criação de milícias no Rio de Janeiro.
Obrigado. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Próxima a Dra. Deise Benedito, que vai fazer uma apresentação.
Antes, porém, quero anunciar ainda a participação de mais dois acompanhando a nossa audiência:
Luciana Souza, do Rio Grande do Norte: "Qual será o impacto do pacote anticrime na legislação penal para sociedade?".
Bruno Camboim, do Paraná: "Qual é a opinião dos entes internacionais com relação ao pacote?".
Com a palavra V. Exa. Quero dizer que a Mesa está sendo bem complacente. Todos falaram 12 minutos, os dois últimos é que ganharam mais de 2 minutos. Dr. Domingos Sávio falou 14 e o Felippe falou 15.
A SRA. DEISE BENEDITO (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos e a todas. Eu agradeço o convite pelo Senado e vou fazer a apresentação de alguns pontos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Senador Maranhão, seja bem-vindo.
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A SRA. DEISE BENEDITO - Eu vou fazer a apresentação de alguns pontos que eu considero importantes.
Dentro da questão do pacote Moro, eu coloco que é um pacote que não trata da questão da prevenção do crime. Muito pelo contrário, é um pacote totalmente penal. É um pacote que trabalha na esfera da execução da pena e da prisão, um pacote que visa apenas à punição e também não mostra, em momento algum, nenhum impacto sobre esse pacote anticrime, quais são os crimes que realmente serão punidos através da legislação da sanção desse pacote? E a gente sabe, já foram aqui esgotadas por todos os companheiros juristas que me antecederam as questões que atingem principalmente no que se refere aos gastos públicos. Esse pacote não apresentou, em momento algum, o custo de sua implementação, que vai desde a contratação de juízes, promotores, delegados, investigadores, policiais civis e militares, técnicos que vão atuar nesse pacote. Então, a gente não tem o desenho claro de quantos milhões e bilhões serão realmente utilizados para combater com esse pacote, principalmente quando a gente está com um Governo que está com contenção de gastos nas áreas da saúde e da educação, e, de repente, a gente tem um pacote que vem, mas não se apresenta quanto vai ser gasto. Se eu falo de economia de gasto, por que vou ter um pacote que, com certeza, vai gerar mais gastos e não vai atingir o objetivo necessário, que é o fim da criminalidade neste País?
Então, vou fazer minha breve apresentação e, dentro dela, vou trabalhar em cima da proposta 9-A da Lei nº 7.210, a Lei de Execução Penal.
O pacote, nessa questão, o pacote anticrime vem falar justamente do banco de perfil genético, que pouco está sendo abordado, que é a obrigatoriedade de os condenados por crimes praticados com dolo, mesmo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, serem submetidos, obrigatoriamente, à doação do perfil genético mediante a extração de DNA, o ácido desoxirribonucleico, por técnico, de forma técnica e adequada, quando do ingresso no estabelecimento penal.
§3º Os condenados por crimes dolosos que não tiverem submetidos à identificação do perfil genético, quando do ingresso no estabelecimento prisional, poderão ser submetidos ao procedimento durante o cumprimento da pena.
§4º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
Tudo isso está no pacote Moro, no que se refere à Lei de Execução Penal, ferindo diretamente os princípios constitucionais da não autoincriminação previstos no art. 5º da Constituição.
Essa é uma das partes. Vamos para a segunda parte. Já existe a Lei n°12.654, de 2012, que introduziu o art. 9º-A da Lei da Execução Penal prevendo um banco de perfil genético por meio de extração do DNA de condenados por crimes dolosos com violência e de natureza grave contra a pessoa, aqueles rotulados legalmente como crimes hediondos, questionado também no STF como recurso extraordinário da constitucionalidade da doação compulsória de material genético, DNA.
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Aí os aspectos negativos dessa proposta, que estão no pacote Moro: implica uma doação obrigatória, estende-se a presos provisórios, sem condenação, estende-se aos presos condenados, fere o princípio da presunção da inocência, passa a constituir falta grave para aqueles que estão em cumprimento de pena e que terão, obrigatoriamente, de fazer a doação de seu perfil genético, retroage - a lei sempre retroage - à coleta do perfil genético e há um caráter obrigatório, intimidador, punitivista, lombrosiano, eugenista, totalmente em desacordo com os princípios constitucionais do art. 5º.
Quem serão as pessoas que terão, obrigatoriamente, que doar o seu perfil genético? Serão os jovens, negros, homens, mulheres e indígenas. Mais uma vez, o mapeamento genético de 1930. Na 1ª Conferência Nacional sobre Eugenia, que aconteceu em São Paulo, já se discorria sobre a questão de um mapeamento genético dessas pessoas consideradas inadequadas, incluindo os gays, lésbicas, incluindo mulheres prostitutas e, mais uma vez, a população negra.
E aí, no texto original da Lei de Execução, o art. 9º, mais uma vez, frisa:
Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, [que é a Lei dos Crimes Hediondos] serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante a extração de DNA.
Isto é para crimes hediondos e elucidação de crimes.
Aí, eu pergunto: qual é o impacto da doação do DNA compulsório de presos provisórios e condenados para o fim da criminalidade? Qual é o impacto que se terá quando eu colher mostra genética de qualquer preso, qual é o impacto que isso vai ter para o fim da criminalidade?
E aí a autoridade. Quem tem o direito de fazer essa solicitação da aplicação da identificação do perfil genético nesse banco de dados é a solicitação da autoridade policial federal ou estadual, que poderá requerer ao juiz competente no caso do inquérito instaurado.
E aí essa lei introduzida já foi dizendo que os condenados por crimes dolosos é que deverão fazer essa doação quando solicitado. E essa questão ainda está em discussão no STF como recurso extraordinário, da constitucionalidade da aplicação dessa lei.
Outro ponto também importante... Não vai ser possível passar tudo, mas a primeira discussão sobre a questão da criação dessa lei do banco de perfil genético surge em 2012, e ela é o Decreto nº 7.950, de 12 de março de 2013, que institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. E ela foi criada por um comitê gestor com a finalidade de promover a condenação de ações dos órgãos gerenciadores dos perfis genéticos e de bancos genéticos.
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Houve uma alteração nesse decreto agora em 2019 e o Comitê vai constar com representantes do Ministério da Justiça, um representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e essa redação também foi modificada.
As resoluções do Ministério da Justiça, desde 2018, sobre o Comitê Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, incluíam a padronização de procedimentos relativos à coleta compulsória, armazenamento e manutenção de perfil genético.
Então, isso já estava previsto em 2018. Aí, em abril...
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - ... mais uma vez, fala para que serviria esse banco, esse Comitê. Quer dizer a resolução é de que os dados seriam enviados e seriam - está - sob a custódia do Ministério da Justiça.
E aí, mais uma vez, a última resolução, que eu acho que é a mais macabra das resoluções do banco de perfil genético, é o seguinte: uma resolução de 11 de junho de 2019 dispõe sobre a inserção, manutenção e exclusão de restos mortais de identidade conhecida. E aí o que diz o art. 2º dessa resolução:
Art. 2º Os perfis genéticos de restos mortais de indivíduos identificados poderão ser incluídos em bancos de dados de perfis genéticos, mediante solicitação da autoridade policial ou por determinação judicial. [Mais um detalhe, esse que é o mais macabro:]
I- quando o falecido estiver sendo investigado em inquérito policial, previamente instaurado, para apurar a autoria de crimes praticados mediante violência [...]
Quer dizer, a pessoa morreu, eu vou colher o DNA dessa pessoa que já está morta e vou continuar a investigação.
Aí temos:
II-   quando houver ação penal proposta contra o falecido;
III - quando o óbito ocorrer em decorrência de confronto armado.
...................................................................................
§6º Caso o indivíduo possua condenação por um dos crimes previstos no artigo 9º-A da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 [...]
Art. 4º A exclusão dos perfis "RMI" dos bancos de perfis genéticos ocorrerá no prazo de 20 anos após a sua inserção.
A grande preocupação de tudo isso é o custo disso, a ineficácia disso e qual é o objetivo disso, porque, nos Estados Unidos, os bancos de perfis genéticos na esfera criminal surgiram nos anos 1990, instalando-se em 1994.
(Soa a campainha.)
A SRA. DEISE BENEDITO - E aí a gente tem, com todo o respeito ao povo brasileiro, mas alguns setores têm um complexo de vira-latisse de imitar tudo que se faz nos Estados Unidos. Se o banco do perfil genético dos Estados Unidos para elucidação de crimes tivesse sucesso, não haveria mais ninguém preso nos Estados Unidos e hoje há na faixa de mais de 2,5 milhões de pessoas presas.
Então, qual a eficácia na investigação, na resolução de crimes através do perfil genético? A gente sabe das dificuldades que existem nos institutos médicos legais, a ausência de técnicos, a ausência de médicos, a ausência de material, a ausência de estrutura e a ausência de concurso público para preencher as vagas nos institutos médicos legais. O mesmo ocorre para o pessoal da Polícia Civil, da Polícia Militar, as dificuldades no trabalho e no cotidiano. E aí eu pergunto: Mais um trabalho? O que será feito da coleta de mais de 700 mil perfis genéticos? A quem vão servir as informações de jovens negros, pobres, periféricos, mulheres nas prisões? Para que eu preciso desse perfil? Será que a gente vai instalar um chip no lugar de uma tornozeleira eletrônica para o controle dessas pessoas quando atingirem o direito ao sistema aberto ou semiaberto?
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E aí, fora isso, a gente tem os fatores negativos também. Com todo o respeito aos peritos que vão fazer essa análise, mas pode ocorrer, numa análise genética, também ao se comparar com outro DNA de algum suspeito, e aí pode haver cruzamento, o risco de contaminação de amostras, erros em laboratórios, criação de perfis parciais... E esse exame está sujeito à contaminação, antes ou mesmo durante o processo da análise. E a questão de quem vai fazer essa interpretação do DNA.
E, aí, há essa questão séria, que inclui execução provisória, matéria pendente no STF, a constitucionalidade desse procedimento da coleta dentro dos números, nos arts. 43 e 44. E essa questão está nas mãos do Ministro Marco Aurélio.
Uma outra coisa é a questão dos custos, e a gente, hoje, está enfrentando uma crise neste País. Por isso que o nosso Governo está fazendo todo o esforço, hercúleo, para economizar. E, aí, nós temos setores da segurança pública que sangram, com a ausência de recursos na estrutura, principalmente nos institutos médicos legais, com a falta de recurso, de médico, de técnico de necrópsia, de datiloscopista... Nós temos a questão de técnicos de análises laboratoriais, técnicos legistas voltados para espectros científicos da corporação, que fazem a elaboração de trabalhos fotográficos, peças e instrumentos, cuidam dos acidentes de trânsito... Quer dizer: nós temos uma série de problemas da hora e da esfera no que se refere à segurança pública e, aí, a gente vai agora criar um banco de perfil genético! É uma coisa lombrosiana, simplesmente para poder monitorar o ir e vir de pessoas que já cumpriram sua pena.
Quer dizer, aquele que der o seu perfil genético e for considerado inocente, como é que vai ficar? Quem é que me garante o armazenamento, o sigilo e o cuidado dessas informações genéticas? E a pergunta que não quer calar: qual é o impacto da coleta de perfil genético na redução da criminalidade deste País?
Quando a gente sabe que o efeito mais importante seria trabalho, seria educação, seria investimento nas pesquisas científicas, onde os orçamentos foram cortados - vários pesquisadores da área da saúde estão sendo prejudicados, das universidades; várias pesquisas poderiam estar sendo feitas para salvar vidas, cuidar de vidas, gerar emprego, gerar renda... E, aí, a gente está preocupado com a criação de um banco de perfil genético, mais uma vez um complexo de "vira-latice", porque é feito nos Estados Unidos. E por que não copiamos o que têm os Estados Unidos de bom para se implementar no País? Não se implementar coisas que vão provocar mais ainda a segregação, a estigmatização, o racismo e o não controle do seu próprio DNA.
E eu gostaria, já encerrando - desculpe, porque eu me alastrei, mas esse tema me deixa profundamente preocupada, porque a gente já sabe no que vai dar e quem vão ser as pessoas atingidas -, de lembrar aqui uma das questões mais graves que têm acontecido quando a gente fala da questão da segurança pública: a situação, infelizmente, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, do qual, durante quatro anos, eu fui perita. Tive a oportunidade de conhecer vários presídios, manicômios, asilos e unidades socioeducativas, e a gente sabe o que representa a questão da tortura neste País, as condições em que estão milhares de jovens, mulheres, dentro desses locais de privação de liberdade, e a ausência, o fim, o aniquilamento, a partir da última manifestação, em que os peritos não estão mais podendo... Nem recebem salário e não estão podendo mais acessar os locais onde eles trabalhavam, infelizmente. Então, foi um decreto, foi criado por lei, uma lei que fere a dignidade da pessoa humana.
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Eu quero agradecer a todos vocês.
Muito obrigada, Senador. Desculpe-me ter esgotado, mas eu peço apenas que esta Casa se debruce na questão do pacote crime, que ainda não chegou aqui, mas que analise, com muita seriedade, a questão da inclusão do banco de perfil genético, por favor.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - A última desta primeira Mesa é a nossa Silvia Virginia.
V. Sa. dispõe de dez minutos.
No entanto, vou ler ainda mais três participações do nosso público.
Ricardo Will, do Paraná: "Necessitamos de uma legislação mais dura e eficaz contra o crime organizado e contra a corrupção. Apoio o pacote anticrime".
Giovanni Nascimento, da Paraíba: "O Estado Brasileiro só alcançará respeito e eficiência mediante o esforço mútuo dos Poderes em combater a corrupção arraigada no nosso País".
Arcesio Guimarães, do Paraná: "Combater a corrupção é essencial para o crescimento do País. A corrupção deve ser coibida de forma extremamente dura".
E, ao se falar em copiar - e isso não é do e-Cidadania, é um comentário meu - coisas dos Estados Unidos, o nosso Presidente está cada vez mais apaixonado pelo Trump...
Com a palavra V. Sa.
A SRA. SILVIA VIRGINIA SILVA DE SOUZA (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador Paulo Rocha.
Bom dia a todos e a todas presentes aqui.
Agradeço a esta Casa pela iniciativa da realização desta audiência pública para a gente debater este tema tão importante.
O Projeto 1.864, que é o que está tramitando aqui nesta Casa e que tem os mesmos termos do projeto que tramita na Câmara, ficou conhecido como pacote anticrime. No entanto, nós rejeitamos essa denominação, porque nós entendemos que ele não foi feito para combater o crime.
Eu gostaria de comentar algumas falas que me antecederam - comentários pequenos.
O Dr. Domingos citou os números que representam por Estado o custo de um preso. São R$2,4 mil por mês, segundo os dados do CNJ, enquanto a mesma pesquisa do CNJ também demonstra que um estudante do ensino médio representa um custo de R$2,2 mil por ano. Isso demonstra qual é o caminho que esta Legislatura, este Governo escolheu para o Brasil: um caminho de punitivismo, de encarceramento, e que não apresenta até agora nenhum projeto que tangencia temas como saúde, educação, empregabilidade, que é o que realmente o Brasil necessita também neste momento.
A Conectas participa de uma coalização, uma campanha de que fazem parte mais de 60 organizações da sociedade civil. Entre elas estão Mães de Maio, Mães de Manguinhos, IBCCRIM, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania... São 60 organizações. Além disso, eu participo de uma organização chamada Educafro, que compõe a Coalização Negra por Direitos, que reúne quase cem organizações do movimento negro de todo o Brasil. E essas organizações se juntaram para rejeitar esse pacote.
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Portanto, quando eu escuto a justificativa de que esse é um pedido do povo brasileiro, eu rejeito essa justificativa, porque ela não é verdade. O povo brasileiro, pelo menos parte dele, não aceita esse pacote como uma solução para a segurança pública. Não aceita esse pacote; rejeita-o como uma solução para encarceramento.
Já foram ditos os dados aqui do Depen, eu não vou ser repetitiva, mas eu acho muito importante aqui ressaltar também o que o Senador Paulo Rocha falou sobre o que aconteceu em Altamira: 58 presos foram mortos, um terço deles não tinha condenação, e o dado do Depen de 2016 diz que 45% dos presos, hoje, estão em prisão provisória. Ou seja, não têm condenação - 45% da população carcerária.
Eu gostaria de abordar vários pontos que já foram abordados aqui na Mesa. Eu me sinto muito contemplada pela fala da minha colega Deise, do Dr. Domingos, do Dr. Márcio, do Felippe, e eu gostaria de abordar um ponto específico, que é a alteração no art. 33 do Código Penal. Entre tantos outros pontos, eu vou falar um pouquinho da conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, a conduta do criminoso habitual, que esse projeto tenta reinserir no Código Penal e em demais legislações que trazem essa terminologia que também tem a proposta de alteração.
Essa terminologia, na verdade, nos remonta aos tempos da eugenia, muito bem colocada aqui pela Deise. O que que foi a eugenia? A eugenia tentou justificar o injustificável, que é a segregação e a escravização, no passado, de pessoas tidas como inferiores, pela sua condição racial ou étnica.
Essa alteração da conduta criminal habitual reiterada se funda num determinismo, que já é um conceito rejeitado há décadas pela criminologia. Esse conceito foi criado pelo Criminólogo Enrique Ferrari, aproximadamente em 1930, e há décadas o Brasil já rejeitou esse conceito.
Esse projeto, quando fala do criminoso habitual, além de todas as atrocidades, como obrigar o regime inicial fechado, baseado em elementos probatórios que podem ser de processos que nem dizem respeito ao processo-crime em andamento, nada mais é do que uma forma, uma arma, para tentar colocar novamente, dar continuidade a esse projeto de encarceramento de pessoas negras, pessoas pobres e periféricas, porque aquilo que o Estado Brasileiro vai ler, aqueles que estão ali, administrando a justiça, como criminosos habituais, reiterados ou profissionais, são as pessoas negras, são as pessoas pobres. Baseado num conceito racista do determinismo, ele tenta inserir isso na nossa legislação, com o objetivo-fim de encarcerar pessoas negras e pobres, dando uma solução para a pobreza.
Como não há um projeto de Governo que solucione a pobreza no nosso País, cria-se, então, um instituto jurídico para colocar essas pessoas na cadeia; criam-se decretos que liberam o uso de armas, para que essas pessoas possam ser mortas como baratas.
Pois aqui a gente diz não! Nós dizemos não! Toda vida tem o mesmo valor. Ninguém merece ser morto como barata.
Nós, da sociedade civil, rejeitamos esse projeto. Nós rejeitamos principalmente a conduta do criminoso habitual, excludente de licitude e tantas outras coisas, como a Deise muito bem colocou aqui também, o perfil genético, que é um conjunto de normativas criadas para encarcerar pessoas pretas, pobres, periféricas, para dar fim a problemas que o Governo não consegue resolver, como a pobreza, a miséria, a fome, e a falta de educação.
Pois bem...
Outro ponto que eu gostaria muito de ressaltar aqui também é a forma como esse projeto está tramitando aqui, nesta Casa.
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Lá, na Câmara, o projeto enviado pelo Governo Federal, na pessoa do Ministro Sergio Moro, está tramitando no GT Penal. Nós já tivemos audiências, desde audiências para debates, no entanto, aqui nesta Casa, esse Projeto 1.864, de 2019, apresentado em fevereiro, vem para esta Comissão com caráter terminativo. Qual é o objetivo de se aprovar um projeto numa Casa como o Senado sem chamar para o debate? Realizar duas audiências, gente, para debater alterações em mais de três institutos legais, sem que a sociedade civil possa participar efetivamente? Isso é um absurdo!
Portanto, eu quero aqui, neste momento, entregar na mão do Senador Paulo Rocha, para que ele encaminhe à Presidente Simone Tebet, um requerimento feito pela sociedade civil, assinado por mais de 60 organizações, pedindo que se façam pelo menos dez audiências, com os pontos divididos conforme está aqui no requerimento. É a tramitação que houve na Câmara dos Deputados e é o mínimo que se deve fazer nesta Casa aqui também.
O projeto não pode passar aqui pela CCJ apenas com caráter terminativo. Caráter terminativo significa que nem no Plenário ele vai passar. Eu entrego na mão do Senador Paulo Rocha, para que ele possa fazer esse encaminhamento também.
Outra deficiência também na tramitação desse projeto é a falta de um estudo de impacto econômico.
A consultoria legislativa desta Casa pode realizar um estudo de impacto econômico. O Felippe trouxe os dados do TCU, dados alarmantes: R$19 bilhões seriam necessários para investir nesse projeto. Exatamente.
Na justificativa enviada pelo Ministro Moro, ele disse que - na justificativa, viu, gente? Está lá - não necessita de estudo de impacto econômico, porque não vai impactar tanto assim na economia do País.
Por favor, senhoras e senhores... Ninguém aqui é estúpido! Quantas prisões serão necessárias construir para comportar todas essas pessoas aqui? Por exemplo, na conduta do criminoso habitual, elas vão ser encarceradas sem o direito ao contraditório e à ampla defesa, violando, inclusive, institutos constitucionais.
Nós pedimos também, nesse ofício, Sr. Presidente, que a consultoria desta Casa realize um estudo de impacto econômico. O povo pede que se estude, que se analise, que se façam as modificações necessárias, porque não é possível que o Governo ache que nós somos pessoas que entendam que há uma emergência que dispense um estudo necessário. Isso vai impactar nos Municípios e, principalmente, como já foi muito bem mencionado aqui, nos Estados.
Então, eu agradeço ao Sr. Presidente e peço o encaminhamento.
Eu agradeço também a oportunidade de estar participando desta audiência. Eu acho que este debate é muito importante, é muito, muito marcante...
(Soa a campainha.)
A SRA. SILVIA VIRGINIA SILVA DE SOUZA - ... porque esse projeto aqui não trata só de alterações simples na legislação penal; ele diz lá, na justificativa, inclusive no relatório do Relator, que é uma escolha de uma política criminal. Isso é muito emblemático. É escolher matar pessoas, é escolher encarcerar pessoas, em vez de cuidar de educação e de saúde, é escolher eliminar uma parcela da sociedade que é tida como inferior e como desnecessária.
Quero registrar aqui o nosso repúdio ao projeto, o repúdio a essas justificativas. A sociedade brasileira não aceita isso, o projeto não atende às questões de segurança pública.
Já foram ditos aqui vários dados de morte. Eu quero também relembrar os dados do Atlas da Violência publicado este ano.
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No ano de 2017, foram mortas 65 mil pessoas por letalidade - 65 mil pessoas; 75% dessas pessoas eram pessoas negras - 75% negras. Desse número, na faixa de 55, 56, eram jovens entre 15 e 29 anos - jovens entre 15 e 29 anos. Quais são as políticas que serão feitas para reverter esse cenário? Com certeza, não é esse projeto.
Eu agradeço a oportunidade de falar e agradeço ao Presidente. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado.
Estou com um problema aqui: nós temos que mudar agora a Mesa, para que estes não se sintam aí como convidados que vieram só para, como a gente chama aqui, a planície, não vieram aqui para a Mesa principal. Então, a gente pede que haja essa transição aqui.
A secretaria organiza as placas. Enquanto isso, eu aproveito para dar uma parada técnica. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Retomando a nossa audiência pública...
Desculpem os nossos outros convidados... Já foram?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - É que, como foram muitos convidados, por isso essa divisão de Mesa, mas nenhuma desconsideração com ninguém.
Foram convidados e justificaram a ausência: o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes; Juliano Breda, advogado e membro do Conselho Federal da OAB; e Marcos de Almeida Camargo, Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.
Alguém ali, um defensor público, me perguntou se a Defensoria Pública foi convidada. Ele estava reclamando, e com razão.
Bom, estão na Mesa Dr. André Prado de Vasconcelos, representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); Rafael de Sá Sampaio, Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária; Eleonora Nacif, Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Max Maciel ainda não está aqui.
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Logo em seguida, virá para a Mesa o consultor da Rede Urbana de Ações Sociais; Eronilde Nascimento, fundadora do Mães de Maio do Cerrado; Haydée Caruso, professora de Sociologia da Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança; Maria Clara D´Ávila, que ainda está na planície, mas vem para cá, representante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania; e Maíra Fernandes, advogada.
Eu, pessoalmente, tenho um limite de até 13h, viu, Rafael? Às 13h, alguém tem que vir me substituir, porque eu tenho outro... Se ultrapassar o tempo aqui.
A ordem vai ser a pedidos, porque o Dr. André Prado, parece-me, está com passagem de retorno marcada para o seu Estado, e Haydée, por questões familiares, tem que buscar sua filha no colégio. Portanto, nós também vamos dar prioridade.
O SR. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS (Para exposição de convidado.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Rocha, por meio de quem cumprimento os demais componentes, colegas que vão aqui se manifestar...
Quero dizer primeiro, Senador, que, para mim, hoje é uma honra dupla estar aqui, primeiro porque capitaneada esta audiência pública por V. Exa., um Senador do Estado do Pará, onde tive a honra de servir como juiz federal, no longínquo 1999, no século passado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Foi a primeira nomeação?
O SR. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS - Foi a segunda nomeação, mas a primeira como juiz federal titular.
Recebi, então, a missão de falar pela Ajufe, que representa os juízes federais do Brasil, a respeito das medidas propostas para dar cumprimento ao programa vencedor da última eleição... Juiz, via de regra, não gosta muito de tomar lado. E esse chamado pacote anticrime também é de autoria da Senadora Eliziane.
Por tudo o que ouvi aqui, ouvi diversas questões extraordinárias pelos palestrantes que me antecederam. A Dra. Deise, por exemplo, nos deu uma aula aqui a respeito do banco de DNA. Mas eu acho que o tema é por demais vasto, e, em razão de estar eu a representar os juízes federais do Brasil, eu queria trazer o tema, trazer à elucidação, dois aspectos. Um deles já foi tratado pelo Dr. Victor Hugo, que é a questão envolvendo a possibilidade da transação, do plea bargaining ser utilizado no Direito brasileiro. Esse é o primeiro aspecto. Eu acho que nós temos de começar a ver as coisas como elas são, com realidade.
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A gente poderia continuar citando, e eu tenho também a felicidade de ser professor de Sociologia Jurídica... Uma das primeiras questões que tem que ser postas é que as pessoas ou que a eficácia das normas se dá em razão do preceito. As pessoas cumprem o que está acordado porque elas acham que é o certo; elas cumprem a lei porque elas acham que é o certo, na maior parte das vezes. Se nós tivéssemos a eficácia da sanção como primordial para o cumprimento de uma norma, nós não daríamos conta. Nós teríamos que ter mais agentes investigando as pessoas do que a vida na realidade.
Então, nesse panorama, um dos aspectos importantes a ser colocado é que o requisito ou que o acordo previsto pelo art. 395-A tem duas vantagens muito grandes. Primeiro, ele possibilita, no País, a gente passar a ter uma discussão maior a respeito de um aspecto: a gente se preocupa... O brasileiro, o Brasil, os profissionais do Direito se preocupam por demais em procurar um culpado, mas, depois que esse culpado é encontrado, a gente se preocupa - desculpem o erro de português. É proposital - por de menos com o que fazer com esse preso.
Se nós observarmos os valores que são colocados à disposição dos agentes do Estado para a persecução criminal e aqueles que são colocados para a execução de pena, a diferença é gritante. E é óbvio: essa diferença é gritante, porque se entende que o fundamental seria a correta apuração, e, depois, essa punição viria num segundo momento.
Bem, o texto proposto traz avanços, no sentido de não... Porque todas as proposições anteriores de plea bargaining exigiam que a pena fosse sempre fixada no mínimo legal. Esse texto já não traz mais essa realidade.
E vejam: é muito importante que isso aconteça, porque, a partir do momento em que você possibilita um acordo em que uma das partes tem que partir do zero, qualquer acordo que vá ser feito vai ser sempre... Ou seja: uma das partes - levando-se em consideração o princípio da paridade das armas - terá de fazer concessões abaixo do mínimo. Isso significa o quê, ao fim e ao cabo? Retirar do Congresso Nacional a prerrogativa de estabelecer penas mínimas e máximas.
Quando a legislação penal estabelece qualquer alteração que se faça na pena para abaixo do mínimo legal, ela exige um tipo, ela exige uma cláusula especial, que só pode ser aqui votada, no Congresso. Então, esse é um dos aspectos que eu acho que foi extremamente importante.
E mais do que isso: se nós podemos ter acordos, nós podemos diminuir a atividade de investigação.
Eu achei extremamente importante também, nesse choque de realidade, colocar o volume de jovens que estão presos aguardando apuração, aguardando exame de culpabilidade.
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Será que não é melhor, será que não é mais pragmático, será que não traduz mais para o País em vantagem para a nossa sociedade uma apuração sumária, com penas menores, e que a essas pessoas sejam aplicadas penas restritivas de direitos? Porque vejam: a grande questão a ser pensada - e eu acho que todo mundo está de acordo quanto a isso -, a despeito de nós termos 713 mil presos - hoje já deve ser mais. Todas as vezes que se conta, esse volume cresce de maneira assustadora -, não é aumentar o número de pessoas presas, mas, ao contrário, esvaziar. Mas a segunda grande questão é como fazê-lo.
As duas medidas, a descriminalização ou, em alguns aspectos também, o aumento das penas, não têm se mostrado eficazes. Quem sabe um maior direcionamento de recursos do Estado para a execução, com a retirada desse volume imenso de processos que demandam investigação, nos quais o réu já é confesso, por exemplo. Aliás, o projeto exige a confissão anterior do réu. Esse é um aspecto.
O tempo é curto, mas é importante ser dito: essas organizações criminosas - isso não está aqui, Senador - não estão nascendo por causa do delito em si; elas estão nascendo em razão do lucro. Este Senado Federal aqui - e nós temos que parabenizar esta CCJ, e, aí, eu vou puxar um pouquinho a sardinha para as Minas Gerais, Senador, com todo o respeito ao Pará -, com um substitutivo do Senador Rodrigo Pacheco, repristinou a extinção civil do domínio, que cuida da tomada de bens das organizações criminosas, de forma a diminuir a sua potencialidade. Vejam: se nós não extrairmos da atividade ilícita o lucro, nada que nós fizermos vai fazer muito efeito. É hora, então, de gastar mais energia processual, para melhor executar.
Eu li um desses dias, e confesso que li como cidadão, não como profissional do Direito que se interessa pelo tema, que, no presídio de Porto Alegre, a polícia não entra.
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS - Vejam... Como é que nós podemos ter isso? O que que adianta também a gente falar em melhores condições, se nem condições de entrar lá nós temos?
O segundo aspecto, e esse eu queria falar, porque a mim, como Diretor do Foro de Minas Gerais, tem doído bastante: eu estou tentando fazer um acordo com a OAB, com a Defensoria Pública, para que nós não tiremos mais os nossos acusados presos para poder fazer as audiências. Os senhores sabem por quê? Porque, na realidade, o dia em que a gente tira um preso da cadeia, para ele ir ao fórum prestar um depoimento, ele não come, porque ele sai às 6 da manhã, antes do café da manhã, e ele chega às 8 da noite, depois que já passou. Ora, nós podemos usar a tecnologia, e, nisso, a proposta andou bem no art. 185. Vamos fazer videoconferência! Está previsto aqui. Será que é mais humano ter o preso ao lado do advogado numa audiência presencial perante o juiz ou será que é mais humano não retirar o preso, com todas as dificuldades que isso gera, dando à OAB a possibilidade de acompanhá-lo presencialmente no presídio, se assim for?
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E a terceira e última questão, que eu acho que precisa ser posta também, é que nós precisamos parar de ter medo do nosso juiz.
Vejam: a proposta inicial da Ajufe era prisão, se necessários os casos, após o primeiro grau. Observar ou deixar de considerar uma produção de prova que já foi feita duas vezes, para a gente iniciar o cumprimento da pena, é algo que em nenhum dos países de primeiro mundo - e a gente não gosta...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS - Falaram aqui em complexo de vira-lata, eu não gosto de colocar a questão nesse tom, mas aqui, eu, como juiz com mais de 20 anos de atuação, enxergo.
O Deputado, antigo professor, Luiz Flávio Gomes, em suas palestras, gostava de mencionar que o sistema acusatório penal brasileiro era como se fosse um grande paquiderme: pegava pouca gente, mas, quando pegava - e a criminalidade era como ratinhos -, ele esmagava. Essa é a grande realidade.
Nós precisamos transformar esse sistema de persecução penal em algo que seja efetivo, eficiente e que se preocupe, mais do que com a sentença penal condenatória, com a execução dessa sentença. Sabe por quê? Porque, como disse a Dra. Silvia, a maioria das nossas cadeias é composta, para a nossa infelicidade, de jovens, negros e pobres.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Dr. André, você fique à disposição para sair na hora em que necessitar.
O SR. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS (Fora do microfone.) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Com a palavra, Dra. Haydée Caruso.
A SRA. HAYDÉE CARUSO (Para exposição de convidado.) - Bom, ainda é bom dia? Boa tarde.
Boa tarde a todos e todas.
Quero agradecer imensamente a oportunidade de compartilhar este momento com os colegas, alguns que eu já conhecia, mas a possibilidade de ouvi-los e ouvi-las na primeira etapa ajuda, no sentido de reforçar algumas questões que eu já gostaria de trazer, e tentar abordar alguns outros aspectos que me parecem centrais.
A primeira questão que eu quero trazer para o nosso debate, coadunando com várias das opiniões já colocadas, é que não se trata... Quando se apresenta para a sociedade brasileira, e eu gostaria de chamar a atenção para esse aspecto, considerando a importância das falas de todos os participantes que o nobre Senador leu, nós precisamos ouvir as pessoas, o povo, que têm sinalizado, e é um consenso no Brasil, como o Felipe bem colocou, que a violência, a criminalidade, é algo central, é algo que está posto em nossas mesas e que precisa ter o enfrentamento necessário.
Então, a despeito de termos visões diferentes sobre determinados aspectos, há um consenso entre nós, e eu queria valorizar a fala dos que participaram, das pessoas que estão participando, porque o que orienta essas falas, a meu ver - e, aí, a partir de uma perspectiva sociológica -, é que nós estamos sendo reiteradamente orientados pelo medo. É o medo que tem definido a tomada de decisões. E o medo não é o nosso melhor conselheiro.
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Nesse sentido, a gente tem uma proposta, um pacote anticrime que se apresenta à sociedade brasileira como uma solução ou como soluções possíveis que tratam de uma dimensão, que é de endurecimento penal, mas não trata de algo que é central, que são as políticas públicas de segurança pública no Brasil.
Não é um pacote - e vários dos meus colegas sinalizaram, e eu queria reforçar esse ponto - por quê? Por que que não é um pacote que se destina à segurança pública? Porque segurança pública não trata somente do pós-fato; não trata somente do crime. E, aproveitando o gancho do nobre juiz, que também é professor de Sociologia Jurídica, como eu, a gente sabe que não se trata somente do crime, mas há conflitualidades, violências e uma série de distúrbios sociais que precisam estar no rol, no raio de ação de qualquer gestor público que, neste momento, esteja no Ministério da Justiça e Segurança Pública.
No Brasil, a despeito dos números alarmantes e horrorosos que nós temos, há acúmulos na segurança pública. Existem acúmulos importantes que não estão discutidos nesse pacote. E o que que eu estou chamando a atenção de acúmulos importantes na segurança pública? Se a gente tomar do período de redemocratização do Brasil até o presente momento, várias iniciativas importantes, iniciativas estatais - e, aí, eu não estou me referindo a Governo A ou B, porque eu estou tentando pegar um lastro muito maior -, desenvolveram questões importantes, desde a criação da própria Senasp, que ainda não foi citada aqui e que eu queria pontuar, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 1997, assim como, antes dela, a Secretaria Especial de Direitos Humanos e uma série de ações, programas, políticas, que foram desenvolvidos e que não podem simplesmente serem negados ou não serem potencializados.
Um dos exemplos que a Deise muito bem traz é o próprio banco genético, que já foi criado em 2012 e que aparece no pacote anticrime como uma grande novidade. Então, a gente precisa dar crédito ao que foi criado.
A questão é que, nessa nova proposição, ele amplia para qualquer tipo de crime, quando, em 2012, foi criado para os crimes violentos.
Então, eu queria chamar a atenção para o fato de que, na área de segurança pública, que é onde eu posso contribuir, onde eu me localizo na minha produção de pesquisa, não é possível fazer política pública de segurança pública sem governança, sem gestão compartilhada, considerando que a gente está num País federativo. E isso eu queria também pontuar, porque o pacote não sinaliza, nas suas justificativas, em nenhum momento, que é necessária uma articulação do Governo Federal, Estados e Municípios.
E aí eu trago o tema: se eu comecei a falar que não se pode enfatizar somente no pós-fato, ou seja, somente no crime, porque há uma série de desordens que impedem o meu ir e vir, que me imobilizam no sentido do medo, e, assim, eu me filio a todas as pessoas que estão fazendo os seus comentários, através das redes sociais, etc... Quando as pessoas falam que querem mais, mais e mais, é porque elas estão orientadas pelo medo, e ninguém - ninguém: gestores públicos, governantes do momento - está se preocupando com esse aspecto por si.
Então, o Brasil possui diagnósticos imensos, que já foram citados aqui, mas não há, nesse pacote, uma definição de prioridades clara.
Um dos maiores problemas do Brasil que nos colocam e nos envergonha, em qualquer fórum internacional, é o fato de a gente ter um número de homicídios absurdo. Qual é, efetivamente, a proposição relacionada à inversão dessa curva, que é ascendente, a despeito de, no último período, ter tido um leve decréscimo? Onde é que está uma agenda de prevenção à violência, sobre o que a gente pouco falou aqui? Quais são as ações de dissuasão propostas?
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Então, a gente está falando de um espectro, quando fala de políticas de segurança pública, que vai desde os programas de prevenção à violência - que são programas intersetoriais, dos quais não se dará conta somente com ação policial... Vai ser preciso a saúde, a educação, o trabalho e renda, lazer, enfim, uma série de questões - até o sistema prisional. Só que a gente tem dedicado todo o nosso esforço à ponta final dessa estrutura. E, aí, quanto mais a gente olha somente para essa ponta, mais a gente perde a possibilidade de pensar esse fluxo de justiça que está sendo posto aí.
Eu queria ainda chamar a atenção - e aí me causa espécie e, para mim, é o ponto central. Já foi falado, mas eu quero reforçar - para a discussão sobre legítima defesa, porque há uma noção, posta no documento, que minimiza a ideia de excesso, algo que a gente deveria ter vergonha de falar nesses termos. Por quê? Porque qual é a diferença de uma polícia profissional para um grupo armado qualquer? Qual é a diferença? A diferença é que a polícia tem superioridade de métodos, de técnica, e está constrangida pelo regime legal que rege um país. Então, eu não posso simplesmente colocar para a polícia, exclusivamente, essa responsabilidade de definir vida e morte, de esvaziar a ideia de excesso, porque, em vez de - como eu vou poder colocar isso? - dar mais poder para polícia, o que acontece é que eu vitimizo muito mais a polícia. Então, eu queria chamar a atenção, primeiro, para esse aspecto da ideia de excesso, que coloca de modo muito banal a nossa vida, já que não somos baratas, e esse é um ponto que tanto nos coloca num desafio para a sociedade com que a polícia lida cotidianamente, mas para ela também. Ela não pode ser somente mais um grupo armado qualquer; ela tem um papel a cumprir. E, nesse papel a cumprir, em qualquer país sério, há controles rigorosos internos e externos; há um papel do Ministério Público a ser cumprido, mas é um papel também das corregedorias internas das polícias...
(Soa a campainha.)
A SRA. HAYDÉE CARUSO - ... e o que a gente vê é que nenhum desses aspectos tem sido trabalhado com propriedade.
Então, o meu ponto sobre a minimização, em relação ao excesso, coloca uma discussão de pano de fundo que tem a ver com o nosso contexto de desigualdade social política e jurídica. Eu não posso fugir disso, de um País que é construído e calcado na desigualdade, na desigualdade de oportunidades e na desigualdade jurídica. O maior expediente de desigualdade jurídica que a gente tem é, por exemplo, a prisão especial. Então, importa menos o que se cumpriu e importa mais quem fez o quê, porque a gente vai seguir fluxos distintos no Sistema de Justiça Criminal brasileiro.
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Então, essa é uma discussão fundamental, a meu ver, porque não se trata de tecnicidade da lei, de mudanças de artigos, etc. Trata de algo anterior, que é compreender que qualquer lei que a gente vá propor, qualquer mudança, qualquer, enfim, investimento nesse campo precisa considerar a cultura institucional brasileira, precisa considerar que o Brasil é pautado, sim, em lógicas e práticas jurídicas que são discriminatórias, que são violadoras de direitos. E, se eu não considero isso num diagnóstico e numa proposição que se quer para a segurança pública, eu continuarei usando, para parafrasear uma expressão que é muito cara aos policiais de todo o Brasil, de norte a sul, a ideia de enxugar gelo. Então, se a gente for verificar, ao fim e ao cabo, a gente tem aqui uma lógica de endurecimento penal que preconiza muito mais a ponta do iceberg do que questões centrais para a nossa sociedade.
E, como o tempo está acabando, eu queria chamar a atenção desta Comissão...
(Soa a campainha.)
A SRA. HAYDÉE CARUSO - ... para os enormes e importantes esforços que já foram feitos no campo da segurança pública deste País. A gente precisa parar de partir do zero, para achar que está criando algo extremamente novo. Eu queria chamar a atenção aos acúmulos existentes, para que a gente, a partir deles, dos nossos erros e acertos enquanto sociedade, Estado, possa efetivamente construir uma política de segurança pública democrática.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Dra. Haydée.
Vamos continuar lá para a ponta.
Dr. Rafael.
O SR. RAFAEL DE SÁ SAMPAIO (Para exposição de convidado.) - Bom dia, Senador Paulo Rocha, na pessoa de quem agradeço o convite e parabenizo pela iniciativa da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Percebemos que todo o debate travado hoje em torno do pacote anticrime se ampliou para as bases, os fundamentos, realmente, que devem ser enfrentados, para que o País tenha sucesso nesse combate à criminalidade. Eu até abandonei aqui, com sua permissão, Senador, qualquer apontamento, para fazer algumas reflexões que creio que nos cabem, porque nós estamos na ponta. Nós somos as primeiras autoridades que recebem as informações dos crimes, quando eles acontecem em todos os rincões do Brasil.
E a realidade é que se falou muito em custo - custo do encarceramento, custo da segurança pública -, que o pacote, ao endurecer penas, vai aumentar o custo da criminalidade no Brasil...
Eu achei importante trazer a lume um documento produzido pela Câmara dos Deputados, em 2018, em que foi feito um cálculo do custo da violência no Brasil. E o custo da violência no Brasil, considerando o ano de 2016 e estudos do BID, foi de R$372 bilhões, quando nós temos um PIB de aproximadamente de R$1,3 bilhões. Ou seja, nós tivemos um custo de violência no Brasil de mais de 20%. É o custo da criminalidade Brasil.
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Nesse custo, são feitos vários cálculos. Entre eles, o valor da vida, os gastos com segurança pública, os processos, sistema de saúde, sistema prisional, gastos com seguro, perdas patrimoniais, vários custos que foram agregados a esse valor final. E nós observamos que o custo da segurança pública, propriamente dito, é de 88 bilhões. Ou seja: fazendo um cálculo muito simples e apenas admitindo os custos privados, que foram de R$261 bilhões, nós temos que admitir que o investimento em segurança pública não é um gasto para a sociedade; é um investimento, para diminuir o custo da violência no Brasil. Enquanto a sociedade brasileira não tiver essa compreensão, o Parlamento não tiver essa compreensão, o Estado brasileiro não fizer esses investimentos necessários, compreendendo que esse investimento vai fazer com que se diminuam custos em outras áreas, especialmente na área privada...
Nós vemos, nas cidades... Eu sou delegado de polícia aqui no Distrito Federal. Talvez seja uma das áreas menos, um dos entes federados menos violentos do Brasil, com a Polícia Civil mais bem estruturada. Mas nós ouvimos de comerciantes, todos os dias, um desestímulo absoluto para fazer um investimento, por falta de segurança, porque, se abre uma farmácia em uma periferia, ela vai ser assaltada até ele desistir. Por que aquele comércio não dá lucro? Por conta da quantidade de crime a que ele está submetido. Postos de gasolina estão sendo fechados e tantos outros empreendimentos.
Então, o País, na nossa avaliação, tem que fazer realmente uma opção; ele tem que se reestruturar, ressignificar o que é considerado gasto e o que é considerado investimento relacionado à segurança pública.
Eu acho que o Ministro Moro tem um grande mérito: ele tem defendido com unhas e dentes... E nos afastando de qualquer disputa ideológica, de qualquer erro eventual sobre alguma matéria em ponto específico, mas ele tem chamado a atenção para que ou o País descobre que o sufocamento das organizações criminosas é que vai fazer a violência diminuir neste País ou nós vamos continuar vítimas desse sistema que alimenta a maior indústria de homicídios e de tantos outros crimes que os cercam, na possa Pátria e nas nossas grandes cidades. Então, o País precisa ter essa ressignificação.
Nós vemos já alguns setores... A Enccla estabeleceu uma meta 11, que diz que se deve investir nas polícias de investigação, mudando os critérios adotados, não buscando apenas a penalização do criminoso, mas o alcance patrimonial daquela organização criminosa. Então, o País precisa despertar para isso e realmente compreender: onde é que nós estamos?
Eu ouço, particularmente, política de desencarceramento desde que eu entrei na faculdade, Senador. O País vive uma política de desencarceramento desde a década de 70. Teve-se uma nova Lei de Execução Penal, em 1984; foi criada a Lei dos Juizados Especiais, em que são feitas as transações; o rito sumário, em que o indivíduo não é preso imediatamente; nós vimos recentemente as audiências de custódia... E o que se aproveitou à segurança do País isso, se as organizações criminosas continuam aí atuando, sem um combate efetivo?
Nossa mentalidade é o homicídio. O homicídio é importantíssimo, porque trata de vidas humanas, mas o homicídio é decorrente de uma atividade criminosa que visa ao lucro. Ou nós combatemos com seriedade essas atividades criminosas, do tráfico de entorpecente, crime de colarinho branco, lavagem de dinheiro, roubo de carga, tráfico de pessoas, ou nós vamos continuar tendo esses homicídios, que são consequências dessas outras atividades que são lucrativas. Então, nós precisamos ter essa compreensão.
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Honestamente, o que nós vemos, na ponta, é um sentimento muito grande de abandono pelo Estado dos seus agentes públicos. Nós vemos, hoje, uma polícia, sinceramente - falo aqui sem pudores -, cujos agentes caminham cada vez mais para omissão. Eles acreditam que não vale a pena você ir para um confronto direto, porque eles entendem que, havendo qualquer situação mais drástica de confronto, ele vai ser condenado pelo próprio Estado a quem ele representa. Esse é o sentimento da ponta dos policiais, e nós temos o dever de trazer esse sentimento.
Nós observamos um sentimento, como a nossa colega Haydée bem explanou, de que se está enxugando gelo. Nós prendemos indivíduos que praticaram crimes e, rapidamente, eles voltam às ruas e, muitas vezes, até brincam com os policiais.
Então, hoje, o tráfico de entorpecentes é um desafio, porque os criminosos dividem a droga em pequenas porções, para a realização do tráfico, e eles, muitas vezes, são considerados usuários.
Então, nós vivemos vários problemas no entorno da existência de uma política realmente anticrime que não estão sendo devidamente enfrentados.
Então, diante desse cenário de falta de investimentos, eu queria apenas fazer algumas pontuações sobre o pacote anticrime.
Nós consideramos que alguns pontos são elogiosos, sim. Há pontos que nós devemos elogiar, porque, via de regra, ele atende a um clamor social. Eu acho que o Estado e os representantes políticos não podem se afastar do desejo social de que haja uma repressão mais dura.
Eu falo porque, particularmente, eu vivi isso. No final de 2017, eu prendi um indivíduo por roubo de veículo numa terça-feira e, na sexta-feira, eu prendi o mesmo indivíduo pelo roubo de uma bicicleta. Ele foi solto na audiência de custódia. Roubo de veículo praticado com arma de fogo. Então, nós vemos isso cotidianamente. É extremamente desestimulante para os operadores de segurança pública viver dentro de um cenário como esse.
E eu acho curioso, porque todos nós admitimos - e eu admito isso também - que é imperioso nós recrudescermos o combate ao crime...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL DE SÁ SAMPAIO - ... de feminicídio, de racismo... Nessas frentes onde se atacam minorias, todo mundo admite que devemos ter penas recrudescidas, mas, em relação aos crimes gerais, há um clamor de alguns setores da sociedade de que vai aumentar o número de encarceramento, e isso, por si só, seria uma justificativa para que não houvesse esse recrudescimento. Eu acho que o Estado precisa mostrar sinais claros do que ele pretende, de qual o caminho que ele vai trilhar, o que que se busca. E é o que a sociedade, hoje, realmente quer.
Causa-nos preocupação o art. 21-B, a alteração que se está propondo, na lei anticrime, onde há a criminalização da realização de captação ambiental de sinais eletromagnéticos óticos ou acústicos para investigação criminal. Eu queria dizer que esse dispositivo, especificamente, nos causa muita preocupação. Hoje, o combate ao tráfico de entorpecentes é feito basicamente com filmagens.
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É impensável, hoje, nos nossos rincões, nas periferias, onde muitas vezes nós recebemos denúncias anônimas e ficamos campanando aquela boca de fumo e conseguimos filmar a atividade criminosa, termos que, antes de fazer essa filmagem e observar um flagrante delito, pedir autorização judicial para filmar aquela ação e utilizar essas imagens como prova.
Nós vivemos, hoje, em todo o mundo, um momento em que é corriqueiro, onde domina o videomonitoramento. A segurança pública é pautada no videomonitoramento - e no Brasil não é diferente.
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL DE SÁ SAMPAIO - E como é que nós vamos exigir que esse videomonitoramento, todas essas câmeras que foram instaladas em Brasília inteira, durante os períodos de Copa do Mundo, de grandes eventos, que as suas imagens só possam ser utilizadas para a investigação criminal, se forem relacionadas a uma atividade de organização criminosa, se houver uma autorização judicial prévia? Então, é uma redação que deixa dúbia essa possibilidade, o que nos causa preocupação.
Eu queria dizer à Dra. Deise - e observei atentamente todas as explanações - que nós consideramos que a finalidade do banco genético é a investigação criminal. Nós trabalhamos com informação. Quanto mais informações nós tivermos, melhor será para a persecução penal, já que, muitas vezes, nós colhemos materiais biológicos em cenas de crimes e é necessário um paradigma para identificar de quem é aquele material biológico. Então, quanto maior o banco de dados... E eu vou além: bom seria que todo mundo... Assim como nós temos a identidade civil datiloscópica, hoje a gente está no tempo da identidade de DNA. Nós saímos já da esfera das digitais. Nós podemos identificar os indivíduos através de DNA. Por que não permitir esse banco de dados de material genético? Isso é fundamental para a investigação policial.
Então, Senador, eu gostaria de agradecer a esta Casa, gostaria de agradecer a cada um dos integrantes da Mesa e dizer que, via de regra, nós consideramos o pacote anticrime um avanço, salvo alguns pontos específicos, que realmente precisam ser aperfeiçoados. Mas nós cremos que, durante esse processo legislativo, nós vamos ter a oportunidade de trazer sugestões para os Parlamentares, para que os aperfeiçoamentos devidos sejam feitos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Passamos a palavra a Eronilde Nascimento.
A SRA. ERONILDE NASCIMENTO (Para exposição de convidado.) - Bom dia a todos e a todas.
Eu quero cumprimentar a Mesa, na pessoa de uma mãe que está aqui assistindo a esta audiência, a D. Marilene, que teve o seu filho devolvido pelo Estado de Goiás, que estava no socioeducativo, juntamente com mais nove mães, queimado dentro de um caixão.
Hoje, aqui, eu estou representando as Mães de Maio do Cerrado, de Goiás, e a Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas da Violência de Estado.
Eu vim dizer que nós somos contrários a esse pacote, porque nós entendemos que ele só vai fortalecer os crimes que já acontecem todos os dias, e a gente sabe muito bem: esses crimes são de policiais, e a gente sabe muito bem contra quem eles praticam esses crimes. Nós sabemos que são contra os pobres e negros da periferia do nosso País.
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O nosso País precisa urgentemente de políticas públicas que não violem os nossos direitos, de políticas públicas de segurança que não nos matem e que não nos encarcerem.
Ontem, eu vinha de mais um velório de um jovem assassinado, cuja mãe, em cinco meses, perdeu três filhos. Eu muito me perguntava, voltando para casa, tendo ficado, na noite anterior, sem dormir, conversando com essa mãe: quantos corpos a gente vai ter que aceitar, em nome dessa tal segurança?
A gente precisa, sim, de políticas efetivas, urgentes, que acolham as nossas crianças, que deem esperança aos nossos jovens, às nossas famílias, para que as mães da periferia, quando saírem para trabalhar, tenham um colégio de tempo integral, porque isso elas pedem muito. Mas deve ser um colégio de tempo integral onde a criança, o jovem, gostem de estar, onde vai haver cultura, lazer, uma piscina... E, no final da tarde, aquele jovem, aquela criança, vai voltar para casa, para encontrar com sua mãe em segurança.
Não é essa política de segurança pública que está aí que nos representa, que nós queremos.
Nós queremos ter direito à cultura, queremos ter direito à educação...
Eu sou mãe de dois jovens, de um jovem e de uma criança de dez anos. Há 13 anos eu moro num bairro, em Goiânia... Eu sou assentada urbana. O meu filho nasceu ali. E, quando eu saio para ir a outro bairro, que não é o meu bairro, que não é na periferia, quando ele vê uma área de lazer, ele fala: "Mãe, eu queria tanto uma dessa perto da minha casa...". A gente não tem uma praça.
Quantas mães precisando de um Cmei para deixar a sua criança, para ela ir trabalhar, enquanto ela ainda é pequena. Não existe.
Mas o Estado manda para nós, todos os dias - isso eu falo -, droga. É uma forma de nos exterminar. Porque o crack, antes de a gente ser assentada, quando a gente chega lá, já está.
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E gente vê um Senador, aqui, desta Casa, cujo helicóptero foi encontrado com toneladas de cocaína, e ele não foi ouvido como traficante. Mas este País, quando ele mata os que eles dizem "traficantes", são os da periferia.
E quem fabrica essa droga? Quem a manda para nós? A meu ver, para mim, é claro: uma política de extermínio da juventude pobre, da juventude negra, o extermínio da pobreza deste País.
Todos os dias, quando eu converso com mães, quando eu ando na minha rua e encontro uma mãe que está com o filho encarcerado ou com filhos que foram assassinados, eu sempre falo a elas: nós não somos vítimas desse sistema; ele precisa nos matar, para poder se manter. E quando nós falamos isto para o nosso filho: "Não usem a droga que o Estado manda para cá. Não vendam. A mamãe tem que sair para trabalhar. Você vai ficar sozinho, para você não passar fome, mas a mamãe precisa de você vivo. Você precisa sobreviver, porque eles tentam nos matar, e nos matam todos os dias".
E hoje eu vim aqui dizer isso, eu tinha que falar isso.
Aqui é uma Casa de Leis. A gente precisa sentar em uma plenária desta e fazer uma audiência pública com projeto de lei que obrigue este País a criar projetos sérios, coerentes, projetos em que se obriguem os Estados a investir em educação, a investir em cultura, investir em lazer, porque vocês podem ter certeza de que, no dia em que este País investir em educação de fato, investir em cultura, em lazer, no dia em que este País parar de fazer apologia ao crime e de nos tratar, a nós, que moramos na periferia, que somos excluídos do direito à cidade, que somos excluídos no direito à saúde, do direito à educação, vocês podem ter certeza que não haverá mais cárcere. Disso eu não tenho dúvida.
Para resolver o problema de segurança pública do nosso País é preciso começar por aí. Esse é o caminho. É garantir o direito à moradia, é garantir a vida a esses jovens.
Não é de vez em quando que um jovem cai na periferia; é todo dia. Todo dia uma mãe chora em cima do corpo de seu filho. O que esperar de um socioeducativo em que a mãe leva o filho, espera ele voltar ressocializado para sua casa, e o Estado devolve ele queimado, dentro de um caixão? O Ministério Público não aceita a denúncia, o caso é arquivado antes de um ano, e nem os familiares são informados de que o caso já foi arquivado.
(Soa a campainha.)
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A SRA. ERONILDE NASCIMENTO - Para finalizar a minha fala, muito foi falado aqui nos valores que são gastos com cada preso.
Será? Para onde será que está indo esse dinheiro? Porque não é isso que a gente vê. O que eu vejo, todo dia, são mães tendo que se virar para poder levar, lá em Goiás... Chama "cobal". Para o seu filho ter direito pelo menos a uma comida com dignidade.
O que eu vejo todo dia são mães negociarem a vida do filho que está encarcerado. Que País que é este, que leva a droga para exterminar os jovens na periferia, encarcera e manda droga para lá também, para eles continuarem viciados?
Então, está tudo errado. A gente precisa amar um ao outro, cuidar da gente, colocar-se no lugar de uma mãe que perdeu seu filho assassinado. Se queremos um País seguro, o caminho é esse. Não é aprovando um projeto anticrime que vai continuar nos encarcerando.
E, para finalizar minha fala, eu gostaria de deixar uma frase aqui - duas frases - de Paulo Freire.
(Soa a campainha.)
Estou finalizando.
"Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor".
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Obrigado, Eronilde.
Chegou o nosso Senador Rogério, que é titular aqui.
Rogério, estamos no segundo momento da Mesa aqui, porque são tantos convidados de valores tão importantes aqui, de diversos... E a gente tem que ouvir todos. Infelizmente, eu já tinha uma agenda marcada com a Embaixadora da Nicarágua, às 13 h, e, com certeza, eu vou ser substituído por um Senador mais preparado aqui, que é o Rogério, lá do Espírito Santo.
Mas, antes de eu sair, houve intervenções muito importante para este debate aqui. Alguém reclamou aqui que um tipo de legislação dessa deveria ter tantas audiências públicas quantas forem necessárias, para ouvir todos os setores. Não só os estudiosos, que têm muito a contribuir, mas principalmente os setores da sociedade, com a experiência e a realidade que vive nosso povo. Afinal, política pública ou política carcerária para quem?
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Então, eu queria, ao final, deixar aqui, dando um depoimento, com a licença de todos, porque é um depoimento pessoal, porque eu acho que envolve este debate. E eu sou obrigado a fazer este depoimento, principalmente depois da intervenção da Eronilde.
Eu sou do interior do Pará, de uma família em que a minha mãe teve 17 filhos, e eles não tinham condição de sustentar um, porque são do interior, pobres, da roça, e viviam no interior.
Naquele tempo não tinham nem estudo. Lá, no meu lugar, só havia até a terceira série primária. Para fazer a quarta e a quinta, tinha que ir para a cidade, como eu te disse, a sede do Município.
Tive a oportunidade de ir, mas, depois de dez anos, tive que voltar para a roça, porque lá, nesse lugar, não havia nem ginásio. E, para fazer ginásio, tinha que ir para a capital ou para uma cidade mais desenvolvida, e as famílias não têm condições de manter o filho para estudar. A única saída é voltar para a roça.
Mas, como eu tinha feito amizade com um padre, lá na sede do Município, quando passou por lá e me viu trabalhando na roça, ele me disse: "O que você está fazendo aqui?" "Estou aqui. Eu voltei". Aí, ele me deu a oportunidade de eu ir para a capital, estudar em uma escola salesiana que estava surgindo em um bairro, lá em Belém, chamado Sacramento.
O juiz que passou por lá conhece esse bairro, mas conhece neste momento agora. Mas, na época, era conhecido como "Sacrabala". Vocês já entenderam o porquê. Porque, como era um bairro mais distante do centro da cidade, ali se conhecia o crime, a bandidagem, etc. Por isso que era conhecido como "Sacrabala".
Pois bem.
A escola começou a ser implantada, os salesianos, e era uma escola profissional. Embora religiosa, mas profissional, de formação de operário. Por isso que eu sou gráfico.
Só que a escola, lá, tinha uma dessas propostas - ela falou do Paulo Freire - de educação em tempo integral. Então, lá, além de estudar o ginásio, a profissão, também estudava música, esporte, enfim... E a escola dos salesianos abria, aos sábados e domingos, para a comunidade, que ia para lá jogar bola, ouvir música, etc, etc.
Pois bem: foi a presença desse tipo de educação, de escola e de oportunidade que me fez agora ser Senador da República. Por quê? Porque dali, com a profissão, eu fui para a fábrica. Lá, na fábrica, via a exploração também que se fazia na fábrica, virei sindicalista, virei dirigente sindical, fundador da CUT, fundador do PT, e hoje estou aqui, Senador da República. Entendeu?
Essa juventude, esses que estão levando para o crime é exatamente o que alguém falou aqui: é a indústria da droga, que é para fazer cada vez mais consumidores, para aumentar o mercado, para vender para aquele que vive lá não sei onde. É como ela perguntou: "Quem é que manda droga para cá?" Entendeu? Então, existe conivência também com os Poderes.
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Então, quanto ao depoimento da Eronilde, eu acho que é preciso que mais pesquisadores populares, que vêm de dentro das universidades e etc., vão lá, onde acontece o problema, para trazer informação para os nossos estudiosos e, depois, trazer as sugestões para os nossos Parlamentares fazerem, realmente, leis que resolvam o problema do nosso povo e da nossa gente.
Prender mais. Legislação mais dura. Prender mais.
Um Presidente da República ser eleito com a imagem da arma e com o nome de Deus? Isso não é retrocesso na democracia; isso é retrocesso na humanidade. (Palmas.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Nós temos a Eleonora, que vai ser agora.
Dando sequência aqui à nossa audiência pública, quero cumprimentar a todos e a todas e passo a palavra para Eleonora Nacif, Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).
A SRA. ELEONORA NACIF (Para exposição de convidado.) - Exmo. Senador Rogério Carvalho, Presidente em exercício desta Comissão de Constituição e Justiça, receba os meus cumprimentos, bem como todas as pessoas aqui presentes nesta audiência pública.
Eu represento aqui o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCrim, um instituto que tem 27 anos de existência e, desde 1992, se debruça sobre as questões que são trazidas aqui hoje, nesta audiência pública, questões trazidas justamente nesse pacote, que é o Projeto de Lei 1.864, de 2019.
Já há muito, o IBCCrim, através das suas publicações e através das suas pesquisas, concluiu que o endurecimento de penas e a criação de dificuldades para que as pessoas em situação de prisão saiam das penitenciárias, dos presídios, efetivamente não resolvem e não colaboram com o combate à corrupção, aos crimes violentos e ao crime organizado, como pretende o projeto do pacote anticrime. Muito pelo contrário.
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Eu peço uma atenção especial àquelas pessoas que nos assistem virtualmente que têm aqui enviado comentários, que foram lidos aqui, para o fato de que, desde a década de 90, nós temos, aqui no Brasil, o que se chama de inflação legislativa penal. Ou seja: existe um aumento excessivo na produção legislativa em matéria penal e processual penal, e esse aumento de leis, de novos tipos penais, de aumento de pena, de incremento de penas, não tem efetivamente resolvido a questão da violência e da criminalidade aqui no nosso País.
Nos últimos 30 anos, a nossa população prisional octuplicou. Isso não é pouca coisa. Nós vivemos uma situação de colapso. O nosso sistema prisional está colapsado há tempos. A ONU diz que nós vivemos uma epidemia de violência. E essa nossa situação de encarceramento em massa... Basta entrar numa penitenciária, colocar os pés dentro de uma penitenciária, passar pela grade, entrar efetivamente dentro de uma unidade prisional, para perceber quem é que está lá dentro. Não precisa ser um grande expert ou um pesquisador para saber quem é encarcerado, hoje, no Brasil: é visível e é estreme de dúvidas o encarceramento massivo de pessoas negras. Portanto, nós temos um sistema prisional absolutamente seletivo, e a questão racial, a questão do racismo estrutural, está umbilicalmente ligada ao que está hoje aqui sendo discutido.
Eu cheguei ontem, mas assisti virtualmente à audiência pública do dia 6, quando o Juiz da Execução Penal lá em Manaus, Luiz Carlos Valois, que inclusive é membro da diretoria do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que aqui eu represento... Valois me emocionou quando ele disse que, quando ele foi ao presídio, lá em Manaus, após a chacina lá ocorrida, ele viu cabeças de pessoas no chão; cabeças de pessoas que ele conhecia; e que ele conhecia porque ele é um juiz que vai ao presídio toda a semana, porque ele cumpre a lei. E ele comentou aqui - aqui! -, naquela audiência pública, que muitas pessoas falam para ele: "Mas por que que você vai ao presídio todas as semanas?". Ele falou: "Porque a lei manda". Então, causa estranheza um juiz de execução penal que vai ao presídio e que conhece as pessoas que ali estão.
E é exatamente este o ponto que eu quero destacar aqui, para quem nos assiste virtualmente e que trazem essas questões tão favoráveis a esse projeto, que é uma grande enganação, e para todos os Parlamentares que aqui estão presentes, todas as pessoas que aqui estão hoje: conhecer a realidade prisional é fundamental para a gente poder discutir, de uma forma séria, o que hoje aqui está sendo debatido.
Conhecer quem está lá dentro, conhecer a realidade, a origem, a semente dessa problemática é absolutamente fundamental. E não é porque a lei diz que os juízes precisam ir que se limita ao Poder Judiciário a importância desse conhecimento empírico.
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Qualquer pessoa, e aqui eu incluo, sem medo de errar, todos os Parlamentares, Senadores aqui presentes e que nos assistem da importância de conhecer efetivamente a realidade do sistema prisional. Eu sei que já houve a CPI do Sistema Prisional, que muita gente já de fato conheceu, mas ainda de forma insuficiente, porque existe uma responsabilidade de todos aqueles que têm a tomada de decisão de quem vai poder entrar ou não dentro de um sistema carcerário. Isso não se limita ao Poder Judiciário. O Poder Legislativo também tem essa responsabilidade e tem que conhecer o sistema prisional a fundo, porque as decisões tomadas nesta Casa causam um impacto na vida de pessoas que estão vivas, que têm família, que são de carne e osso, que respiram e que estão sendo massacradas e torturadas dentro do sistema prisional. Não basta apenas discutir, tem que ir lá, tem que sentir o cheiro da penitenciária, tem que ver as pessoas doentes, sangrando com tumores expostos, para poder entender o que é essa realidade efetivamente. Então, isso é humanidade, isso é compromisso, isso é responsabilidade na tomada de decisão, para além do Poder Judiciário.
Sobre o pacote, há alguns pontos que eu acho que merecem aqui destaque.
O primeiro deles, que é o mais sensível, em que rapidamente eu vou tocar, porque já foi tratado, é a questão da legítima defesa antecipada, presumida. Existe um contrassenso, existem situações absolutamente teratológicas em relação a essa nova excludente incluída ali no art. 23, §2º, do projeto que visa reduzir a pena até metade ou deixar de aplicá-la, se o excesso praticado decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção. Isso é muito perigoso, porque é muito fácil nós nos depararmos com situações nas quais as pessoas inevitavelmente sentirão medo, surpresa ou violenta emoção.
Isso, inclusive, é uma coisa que tem passado despercebida ou desapercebida nos casos de violência doméstica, nos casos de feminicídio. Ontem, o Ministério da Justiça se comprometeu a criar mecanismos para coibir violência contra a mulher, porém existe um contrassenso no próprio Ministério da Justiça, na própria conduta do atual Ministro da Justiça, ex-juiz federal, quando ele se compromete a criar mecanismos para coibir a violência contra mulher e coloca no projeto anticrime - o nome é de uma falta de técnica impressionante, mas enfim... - o fato de que qualquer pessoa que sentir medo, surpresa ou violenta emoção terá sua pena que pode até deixar de ser aplicada. Os agressores no âmbito da violência doméstica se enquadrariam aqui nesse §2º. Isso não tem sido observado. E é um contrassenso um Governo ou um Ministério da Justiça se comprometer com esses mecanismos de coibir a violência doméstica e advogar por um projeto que prevê essa nova excludente nesse mesmo sentido, que excluiria a culpabilidade do agressor nesses termos.
Continuando...
(Soa a campainha.)
A SRA. ELEONORA NACIF - Continuando, também o art. 25 traz especificamente excludente em relação ao agente policial. E aqui Eronilde já nos emocionou a todos, contando como é a verdade, o que é a realidade, o que é uma mãe ou várias mães por dia chorando em cima dos corpos dos seus filhos. Então, nós vamos criar ainda mais uma excludente específica para o agente policial, que, toda vez que estiver em conflito armado iminente - vejam só a falta de técnica sobre o que é iminente ou conflito armado, não é qualquer confronto, como isso se enquadra -, ele teria também essa nova excludente. Então, nós teríamos aí uma espécie de estímulo à ocorrência de mortes de civis praticada por agentes de segurança pública. Isso causa profunda preocupação para qualquer pessoa que se debruce seriamente no estudo deste projeto.
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Eu quero só observar que existe uma nota técnica do IBCCrim, que está no site do IBCCrim, sobre todos os dispositivos previstos no pacote, que nós costumamos, inclusive, chamar de embrulho. Também os nossos dois boletins mensais de abril e maio estão disponíveis em pdf, abertos, são temáticos sobre essa problemática, para quem quiser se debruçar de uma forma séria no estudo deste projeto.
Pois muito bem. Outros pontos, antes de encerrar. O tempo aqui é muito pequeno.
Voltando à questão de sentir o cheiro das pessoas, a ideia trazida pelo projeto de audiência de custódia por videoconferência é absolutamente absurda para dizer o mínimo, porque a existência da audiência de custódia tem exatamente esse escopo, esse sentido, o espírito de colocar frente a frente, em 24 horas, aquela pessoa que foi encarcerada e uma autoridade judiciária, para que aquela autoridade possa averiguar as circunstâncias da prisão ou até eventual tortura, para que possa ou não dar a liberdade provisória para aquela pessoa, para que ela possa responder ao processo em liberdade.
Pois bem, a partir do momento em que essa audiência de custódia passa a ser realizada por videoconferência, esvazia-se a ideia que foi justamente a ideia que fez com que existisse a audiência de custódia. Como alguém vai poder dizer, de dentro da penitenciária, com os agentes que muitas vezes são os mesmos que o encarceraram, que foi torturado, sem estar olho no olho com o magistrado?
(Soa a campainha.)
A SRA. ELEONORA NACIF - Isso esvazia por completo o sentido da própria audiência de custódia.
Caminhando para o final, nobre Senador.
Pois bem, existe um fetiche em relação a essa questão do preso digital. A gente tem de parar com isso. A gente tem de começar a se colocar no lugar do réu ou da ré. Quem vai querer ser julgado por alguém que não olha no olho, que não vê essa situação? Basta ver o filme Justiça, de Maria Augusta Ramos, em que ela mostra a situação de um interrogatório em que o juiz insistia que aquele réu havia pulado o muro para roubar uma residência, e o réu estava numa cadeira de rodas. Se nem frente a frente os juízes, a magistratura consegue enxergar e sentir o cheiro de quem ali está, imaginem virtualmente.
Com todo respeito, Dr. André, por uma questão de celeridade, se há essa preocupação com a celeridade, que os juízes se desloquem até os presídios, mas não vamos fazer audiências por videoconferência. Isso é o fim dos tempos. Não podemos admitir algo nesse sentido.
Celeridade, nós temos de pensar em órgãos, Ministério Público e Judiciário, que sentam três anos em cima de um processo! Daí vem este projeto querer cercear a defesa nas mais diversas formas como, por exemplo, o monitoramento eletrônico da conversa entre a pessoa que está presa com o seu constituinte. Como o Márcio Barandier, que hoje aqui representa o IAB, brilhantemente colocou, é sagrada essa conversa. Isso se compara a um divã de psicanálise. Ninguém pode monitorar conversas deste patamar de intimidade, agasalhadas pelo sigilo profissional inclusive. Então, são várias as inconstitucionalidades deste projeto.
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Questões ligadas à prescrição - vou falar bem rapidamente, para encerrar, dos aspectos processuais - também ligadas à questão da celeridade, vamos trazer mais celeridade. Mas não é efetivamente tornando a sentença confirmatória declaratória como uma causa que não será mais interruptiva da prescrição que nós vamos trazer celeridade. Essa, efetivamente, não é a solução.
Júri também, parece-me que o nobre Ministro e seus assessores não sabem que tribunal do júri se trata de órgão de primeira instância, embora a terminologia "tribunal" seja utilizada para definir o tribunal do júri. E se prevê, portanto, a expedição do mandado de prisão logo após o júri, na primeira instância, júri é primeira instância.
Pois bem, para finalizar, nós não estamos mais diante do Direito Penal do inimigo, nós estamos diante do Direito Penal do ódio, é um projeto autoritário, é um projeto populista - e mais -, é um projeto irresponsável que busca oprimir ainda mais a população historicamente vulnerabilizada. Consiste em um pacote... E nós chamamos de embrulho, no editorial mesmo de um dos boletins, pelo seguinte: embrulho porque é uma mentira, porque é uma fraude, porque é uma tentativa de enganar a população. Essa população que está nos assistindo e que manda esses comentários que agora há pouco foram lidos. Muito cuidado! Muito cuidado! Estudem! Então, consiste nesse embrulho que visa ao endurecimento penal e dificulta a saída do cárcere, sem que os impactos humanos, políticos, criminais e orçamentários tenham sido estudados devidamente.
Portanto, para finalizar, de acordo com uma poesia do Cazuza, que, no próprio editorial de um dos nossos boletins temáticos sobre o tema, é trazida, na verdade, o que nós temos, ao estudar esse pacote anticrime ou embrulho anticrime, é ver o futuro repetir o passado. E esse projeto não passa de um museu de grandes novidades, porque ele não resolve e ele é uma solução fake, ele é enganador. E de mentiras nós estamos fartos. Moro mente, isso não é nenhuma novidade.
Agradeço a atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Eleonora, por sua participação e contribuição.
Eu queria passar a palavra para a Maria Clara D’Ávila, representante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania.
A SRA. MARIA CLARA D’ÁVILA (Para exposição de convidado.) - Boa tarde! Eu estou aqui representando o ITTC, que é uma organização que trabalha há 20 anos com direitos de mulheres encarceradas. Atendemos mulheres migrantes privadas de liberdade há mais de 15 anos em São Paulo, que é o Estado responsável pelo aprisionamento de 63% de toda a população estrangeira feminina no País.
Por isso, a gente entende que o impacto que as medidas podem ter de muitas pessoas já inseridas em contexto de vulnerabilidade social, a gente consegue mensurar já a partir do que a gente tem de experiência, de expertise, não só nesse processo de tramitação, que a gente sabe que não tem nenhum estudo de impacto social, econômico, não está sendo ouvida a sociedade civil, não estão sendo ouvidos os movimentos sociais, e a gente está aqui nessa pressa para, enfim, fazer com que a gente consiga ser ouvida.
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Nós apresentamos um ofício para a Senadora Simone Tebet, e o estamos reapresentando aqui novamente, para fazer com que seja feita uma audiência pública específica sobre os impactos do pacote na população carcerária feminina.
A gente queria ressaltar especificamente alguns pontos: a gente queria falar sobre a execução provisória da pena, a proibição da liberdade provisória, a obrigatoriedade do regime inicial fechado, a generalização do uso da videoconferência e sobre o aumento do tempo de cumprimento de pena para o alcance da progressão de regime. Eu não vou me adentrar aqui nos artigos específicos, mas a gente consegue mensurar, por todas essas tentativas, que a ideia inicial é: fazer com que as pessoas que estão lá dentro só passem mais tempo presas, e as pessoas que ainda não estão lá e sequer foram julgadas entrem mais rápido. Fora todas as outras medidas de, enfim, garantir que as pessoas também possam ser mortas em ação policial. Então, você realmente tem um projeto político por trás disso muito bem estabelecido.
Por conta disso, eu queria trazer alguns dados falando sobre a realidade do encarceramento de mulheres, que é sempre uma realidade muito invisibilizada, e quando a gente traz um projeto de lei sobre isso, a gente vê que as pessoas realmente não têm conhecimento dessa realidade. O encarceramento feminino cresceu quase 700% nos últimos dez anos, e a gente vive uma taxa de encarceramento de cerca de 40%. A gente cresceu muito mais do que a população masculina. Então, o que a gente queria ressaltar aqui é que há, sim, uma situação de superlotação e um projeto de encarceramento em massa. Eu não sei quem falou aqui que há políticas de desencarceramento vigendo, eu não sei onde elas estão acontecendo. A gente tem aumento de violência policial, aumento de letalidade policial, ao mesmo tempo que há mais gente sendo presa e muitas mulheres, e não são por crimes graves, não são por crimes violentos, são mulheres que estão envolvidas no pequeno varejo, pequenas quantidades de drogas. São mulheres que precisam sustentar suas casas, sustentam filhos, sobrinhos, netos, suas famílias e não há políticas para elas para isso.
A Eronilde falou que a gente precisa de políticas de saúde, a gente precisa de políticas de educação, a gente precisa de política de moradia, uma série de outras coisas que a gente poderia estar fazendo e a gente só está encarcerando essas pessoas e desconstituindo essas famílias e as pessoas que são responsáveis pelo seu sustento.
O ITTC produziu algumas pesquisas sobre encarceramento provisório. A gente acompanhou uma série de audiência de custódia em São Paulo, então, a gente viu o que realmente é importante neste momento e o que interfere ou não na decretação de uma liberdade provisória ou de uma prisão preventiva. A gente viu que a maior parte das mulheres são presas em flagrante por crimes de furto, então, são de menor potencial ofensivo, mas elas permanecem presas por um segundo crime, que mais prende em flagrante, que é o tráfico de pequeno varejo também. Se a gente garante que entre na legislação essa possibilidade de obrigatoriedade de prisão preventiva a partir desse conceito de criminoso habitual - como a Silvia já ressaltou aqui, a Deise -, que é baseado nesse conceito racista de eugenia, se a gente permitir isso, a gente tem um grande aumento de prisões também por furto, prisões preventivas, ou seja, prisões para as quais as pessoas estão aguardando ainda o seu julgamento. E não precisa... Alguém aqui mencionou também que, essas prisões, a gente poderia antecipar esse julgamento, e isso seria muito melhor para poder antecipar e garantir logo que a pessoa cumpra a sua pena. Só que não tem como a gente fazer isso sem averiguar as provas, sem a gente fazer uma investigação a que toda pessoa tem direito, sem valer da presunção de inocência a que todo cidadão brasileiro tem direito. E a gente tem, sim, outros meios para garantir que as pessoas respondam ao processo sem que isso implique esse conceito de impunidade que as pessoas gostam muito de usar, não é? Existe uma série de medidas que o próprio Código de Processo Penal já garante que é para fazer com que as pessoas simplesmente continuem comparecendo a todos os atos processuais sem precisar aumentar o número de pessoas encarceradas, que estão constantemente submetidas a situações de violações de direitos. Principalmente em relação às mulheres, a gente até hoje não tem - ou não existem - dados oficiais do Governo sobre a quantidade de mulheres mães e gestantes no sistema prisional, por pura falta de interesse mesmo e de responsabilidade com as violações que ocorrem nesses espaços. A gente tem uns valores aproximados de que em torno de 74% das mulheres presas atualmente são mães.
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Então, quando a gente inclui, pereniza esse uso da prisão provisória, que atualmente já é de 45%, a gente garante que não há mesmo nada vigendo, não existe nenhuma lei protegendo. A gente pode simplesmente prender quem a gente quer - e a gente sabe quem são essas pessoas: são mulheres negras, são mulheres jovens, são mulheres que vivem na periferia e sofrem violência.
Falando sobre violência, outra ponta do projeto é esse uso indiscriminado da videoconferência. Isso é um completo absurdo, e acho que já foi falado aqui diversas vezes. Por que para mulheres isso seria especialmente importante? É importante o uso da videoconferência para identificar mulheres que estejam grávidas, porque a gravidez dentro do sistema carcerário implica gravidez de risco, implica uma série de doenças para as mulheres, para as crianças. Então, quando a gente assistiu às audiências de custódia lá em São Paulo, a gente identificou que, mais ou menos, 22, de 203 mulheres, estavam grávidas, e isso só foi possível constatar por conta daquele contato pessoal. As mulheres mesmas falaram na hora, e isso não lhes era perguntado porque não é interesse do Poder Judiciário tomar conta de condições de saúde. Então, é absolutamente imprescindível que esse contato pessoal exista. E também é importante para identificação de torturas, maus-tratos ou qualquer tipo de abuso ou violência durante a prisão. As mulheres também sofrem violações no momento de prisão em flagrante: cerca de 20% da nossa amostra teve identificação de algum tipo de violência. Então, é importante, sim, que haja esse contato pessoal, inclusive porque as violências a que as mulheres estão sujeitas têm outros tipos de minúcias, têm cunho sexual, têm outros tipos de procedimentos que precisam ter isso em consideração no momento da apresentação pessoal.
Outro fator é que, quando a gente usa... A Silvia falou um pouco sobre esse conceito do criminoso habitual: a gente também identificou que fatores de discriminação racial estão inseridos nesse tipo de julgamento que acontece na audiência de custódia. Então, a gente identificou que mulheres negras em situações de vulnerabilidade, como moradia vulnerável, situação de rua ou qualquer outro tipo de indicador de vulnerabilidade têm muito mais tendência a permanecer presas preventivamente pelo Poder Judiciário do que outras mulheres nessa situação - mulheres brancas que não possuem as mesmas condições de empregabilidade ou de moradia. São os dados que a gente identificou nesse acompanhamento de audiência de custódia.
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(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA CLARA D’ÁVILA - Para finalizar, queria dizer que, quando a gente traz olhar de gênero para o sistema prisional, não é só também para as mulheres que estão presas. Quando a gente tem um projeto em que a função claramente é aumentar a população carcerária, a gente atinge também as mulheres que estão do lado de fora. A gente sabe que o sistema prisional é carregado nas costas pelas mulheres porque são elas que sustentam as pessoas que estão lá dentro, são elas que são responsáveis pela alimentação, são elas que são responsáveis para correr atrás de atendimento de saúde, porque as pessoas que estão lá sofrendo e gritando de dor não são ouvidas. As mulheres se sujeitam a revistas vexatórias constantemente, em todas as partes do País, para poder manter os seus laços familiares e fazer com que as pessoas que estão lá dentro não adoeçam psicologicamente por todas as circunstâncias por que passam lá. Então, elas realmente vão sentir, na pele e nas suas famílias, esse aumento da população carcerária como um todo.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA CLARA D’ÁVILA - Eu agradeço a oportunidade de estar aqui. Reitero que esse é um projeto político. Se a gente tem um aumento de população carcerária que pode ou matar mais mulheres ou prender mais mulheres... E as mulheres não estão do lado de fora, elas também não estão protegidas da violência letal: o perfil das mulheres que estão encarceradas é o mesmo perfil das que estão sofrendo com a violência letal - são mulheres negras e jovens. Então, a gente não tem proteção de nenhum lado. É um projeto ou de matar ou de prender mulheres, e a gente é absolutamente contra isso.
E a gente reitera que a gente não está sendo escutada nesse processo. A gente está tendo portas fechadas o tempo todo, inclusive aqui. A gente está pedindo mais uma audiência para se falar só sobre isso - eu tive que falar super-rápido. Mas há muita gente que está assinando junto esse ofício e que sabe desses efeitos. É muito importante que a gente tenha mais oportunidade, para uma participação democrática, em um projeto dessa dimensão.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Obrigado, Maria Clara.
O Dr. André pediu um minuto, e eu vou dar um minuto para ele fazer a consideração.
O SR. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS (Para exposição de convidado.) - Senador, muito obrigado.
Eu queria só... Eu acho que a experiência da audiência pública é sensacional porque a gente ouve várias experiências e várias visões a respeito do mesmo tema. Nós vamos voltar, e eu queria somente dimensionar dois aspectos, porque eu fui mencionado. Então, eu gostaria só de colocar dois aspectos da minha fala.
Existe muito mais juiz para apurar do que juiz para olhar para o executado. Na fala da Dra. Eleonora, ela mencionou: "Dr. André, só tem... Ele é um juiz do Amazonas muito importante porque ele vai ao presídio". Você sabe por quê? Porque eu procurei os dados lá: o TJ do Amazonas em Manaus tem 11 juízes para apuração, 3 juízes para conduzir júri, 1 juiz para auditoria militar, e 1 juiz de execução penal. Só vai ele na cadeia porque só existe ele! Toda a nossa estruturação é feita para apurar e não para executar os delitos, não para se fazer a execução penal.
E o segundo aspecto é que, de fato, eu também acho a presença do juiz... E podemos até pensar em avançar neste sentido de os juízes irem aos presídios, mas é fundamental de se entender que essa movimentação que está sendo feita em Minas Gerais e que conta com o apoio da OAB - isto é importante de ser dito: a OAB está participando do processo - porque só vão ter vez de enxergar ou ir até o juiz e poder comer no meio desse provimento os mais abastados. Os mais pobres, como eu disse - isso não é dado que eu estou inventando, mas é a realidade -, passam o dia inteiro andando em carro, porque não existem recursos para trazer eles um a um, fazendo meio que um coletivo das audiências, e, ao final do dia, eles também não podem comer porque, na hora em que chegam ao presídio, já passou o horário da alimentação.
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Era só isso. Desculpe-me. Era só para complementar.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - De nada.
Eu queria passar agora da Dra. Maria Clara para a Dra. Maíra Fernandes, advogada, que é Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
A SRA. MAÍRA FERNANDES - Não, não. Da Abracrim.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. Desculpe-me, Maíra.
A SRA. MAÍRA FERNANDES (Para exposição de convidado.) - Não há problema nenhum.
Obrigada, Senador Rogério, no exercício da Presidência. É uma honra estar aqui nesta audiência pública tão importante sobre esse projeto de lei, que, como disse Eleonora, tem um nome absolutamente infeliz, porque é um projeto anticrime que, como acabamos de ver, não evitará crime algum, ao contrário. Eu fiquei muito emocionada na fala da Eronilde porque sei que o projeto não traz uma única linha para mudar essa política de segurança pública que mata negros e pobres no País.
Nós chegamos... A pesquisa do Atlas da Violência mostra que 75% das vítimas de homicídio são negras, e o projeto de lei não muda absolutamente nada em relação a isso. Traz, contudo, uma série de propostas sobre, por exemplo, alterações do tribunal do júri, mas não são propostas para apurar este tipo de crime, porque este tipo de crime que mata negros, jovens, pobres, que compara o Brasil aos dados de países em guerra, em situação de guerra em termos de número de mortes de jovens e especialmente como disse negros e pobres, estes crimes não são sequer investigados. Essas mães de que a Eronilde tanto falou e nos tocou o coração muitas vezes não sabem nas mãos de quem o seu filho foi morto, porque esses crimes não são sequer investigados e apurados. E o projeto não traz uma única linha para mudar isso. Ele só enxerga toda a política de segurança num viés altamente punitivista. Mas é uma punição também - aí nesse ponto - altamente seletiva.
E aí, então, tentando diversificar os temas, ao longo da Mesa fui cortando, cortando, cortando, porque já foi dito, já foi dito, já foi dito e já foi dito, e escolhi aqui um que é o do tribunal do júri - do qual acho que ainda não foi falado hoje -, para poder trazer as duas principais propostas de alteração do tribunal do júri que serão extremamente danosas para o sistema penitenciário, porque vão aumentar sensivelmente o encarceramento.
A primeira é o dado assustador de - nós estamos muito focados na decisão do STF sobre prisão em segunda instância, mas o projeto de lei traz uma proposta - prisão após decisão de primeira instância, que é absolutamente assustadora, que viola o princípio da presunção de inocência, em altíssimo grau, que é o de prender após a decisão do tribunal do júri, cuja decisão, como nós sabemos, inclusive não precisa de uma fundamentação como uma decisão judicial, e a ela cabe recurso evidentemente.
O que a proposta traz eu vou ler para vocês - eu vou pedir licença para ler para vocês. Ela traz como proposta de redação... Preciso esclarecer que atualmente o argumento é de se dizer assim: "Ah, mas acontece que o sujeito vai sair do julgamento, ele que matou, esquartejou [sempre botam um crime horroroso], vai sair dali solto". Na maior parte das vezes não, se ele já estiver preso preventivamente. E, na maior parte das vezes, essa pessoa já respondeu ao processo encarcerada, porque um dos dados também muito assustadores do País é o altíssimo número de presos provisórios. Então, as pessoas, na verdade, já começam a responder ao processo encarceradas e ficam encarceradas durante todo o processo, e não raras vezes, ao final, são absolvidas ou são mesmo condenadas a uma pena não privativa de liberdade, mas já ficaram esse tempo todo presas, um tempo que não se devolve, que não volta atrás, e o dano é absolutamente irreparável.
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Então, se for realmente um caso de um crime que permita essa prisão preventiva, ele já vai estar preso. O que o projeto traz é o seguinte: é a possibilidade e essa banalização da prisão, porque diz que o juiz pode determinar "a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direito e pecuniárias, com expedição de mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos". Então, significa que, se depois esse recurso reconhecer uma nulidade, por exemplo, no julgamento, essa pessoa vai ter sido encarcerada imediatamente, depois de uma decisão de primeira instância, sem se respeitar, de modo algum, o princípio da presunção de inocência, o que é muito grave.
Há ainda uma outra proposta, que é a retirada do efeito suspensivo do recurso de pronúncia. Para quem não sabe, o julgamento no tribunal do júri é dividido em duas fases: numa primeira fase, decide-se se aquele caso vai ser julgado no tribunal do júri - e essa é a decisão de pronúncia. Depois, começa a segunda fase, que é essa que a gente conhece, do júri mesmo, em si. O que a proposta diz? Que, a partir do momento dessa decisão de pronúncia, mesmo que seja feito um recurso contra essa decisão, ela já vai poder valer a partir de todos os seus efeitos. Isso tem a ver com uma lógica de que o problema é o processo, que é uma lógica do Moro, ele tem um artigo com este nome. Ele considera que o problema é o processo, o problema é o contraditório, é a presunção de inocência, é tudo isso, são todas as nossas garantias constitucionais, e ele considera que esse tipo de demora é uma demora que favorece a impunidade. Mas aí eu trago para vocês um dado muito importante, que diz o seguinte: que, na verdade, a demora num processo no tribunal do júri - que é enorme, realmente, os processos no tribunal de júri demoram muito tempo - não é causada por conta do recurso à decisão de pronúncia. Ela é causada da data da sentença, da decisão de pronúncia até a designação da data do julgamento no tribunal do júri; às vezes, passam três anos - e quem está dizendo não sou eu, não; é o próprio Ministério da Justiça, e eu vou pedir licença para ler para vocês. Pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça analisou o tempo médio da duração dos processos e chegou à seguinte conclusão:
O quarto e mais expressivo gargalo de todos ocorre entre a sentença de pronúncia e o julgamento pelo júri. Mesmo em situações em que inexiste qualquer tipo de recurso, o tempo entre essas duas fases chega a alcançar a marca de três anos, sem que o processo tenha passado por qualquer movimentação. O motivo dessa estação prolongada é a agenda dos presidentes dos Tribunais do Júri, que contam com poucas vagas para a realização dessa modalidade de julgamento.
Porque eles ficam realmente... Eles têm que agendar, têm que dividir o tempo entre essa primeira fase, essa segunda fase. Julgamentos de tribunal do júri são normalmente longos, então a pauta fica, na maior parte das vezes, mesmo, num gargalo. Isso não tem nada, nada a ver com o recurso de pronúncia, porque a nossa lei atual já determina que, uma vez apresentado o recurso de pronúncia, ele tem o efeito suspensivo só para a data do julgamento propriamente, mas não para outra tramitação.
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Então, todas as outras tramitações burocráticas, processuais, para agendamento, vai para o Ministério Público, volta... Tudo isso acontece. Qual é a consequência gravíssima dessa proposta do Moro? É uma pessoa que apresenta um recurso contra uma decisão de pronúncia ser julgada e depois ter uma decisão que diz que ela não poderia ser sequer pronunciada. Isso é surreal, com todo o respeito. Isso não tem lógica e não favorece essa lógica da celeridade; ao contrário, vai aumentar essa pauta significativamente de casos que vão precisar serem refeitos, porque, se chega ao tribunal e o recurso é julgado e se diz que não tinha, isso volta e tem que se começar do zero. Então, isso não ajuda. Isso é uma simplificação de problemas que você tenta resolver da forma mais fácil, problemas que são muito mais complexos de serem resolvidos. É sempre essa coisa do caminho mais fácil. O caminho mais fácil, nesse caso, não é o melhor caminho. Isso mostra, com toda a honestidade, até um certo desconhecimento, com todo o respeito, do funcionamento mesmo de um julgamento do tribunal do júri, o que mostra absoluta falta de técnica, o que a Eleonora já mencionou aqui, desse projeto de lei, o que é muito impressionante, pela proporção que ele pretende tomar de mudar significativamente toda a nossa legislação para ser só penal, de execução penal, com um impacto gigantesco, sem ter uma preocupação técnica com isso.
Outro exemplo dessa falta de preocupação técnica está na proposta que já foi mencionada aqui de fixar...
(Soa a campainha.)
A SRA. MAÍRA FERNANDES - ... um regime inicial fechado. E a proposta também determina também que o juiz pode fixar a pena, o período, impedir a progressão de regime, o tempo em que ele vai ficar em regime fechado já no momento da prolação da sentença. Esses dois dispositivos trazem expressões extremamente vagas e imprecisas completamente do tipo: "Na hipótese de reincidência, se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual [não sei o que é], reiterada ou profissional [não sei o que é também], o regime inicial de pena será o fechado, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas ou reduzido o potencial ofensivo". O que é "conduta criminosa habitual, reiterada e profissional?" Isso não é um termo técnico. Nós temos já na nossa lei a previsão de o que é um reincidente. Então, ele não precisa trazer essas expressões vagas e imprecisas. Ele pode usar os conceitos que já existem na lei. Então, até tecnicamente esse projeto é ruim.
Essa proposta, quando a Eleonora diz que é um museu de grandes novidades, é perfeita a expressão, porque essa proposta está requentando algo que já foi apresentado via projeto de lei e que já foi decidido pelo Supremo. Isso aqui foi decidido na época da lei dos crimes hediondos, gente. E o STF entendeu que essa fixação do regime inicialmente fechado viola a individualização da pena. Decidiu em 2012 e, em 2018, fevereiro de 2018, houve outro recurso especial que também manteve a mesmíssima decisão, com repercussão geral.
Então, o que esse projeto tenta, via projeto de lei, apresentado com essa coisa de pacotão, é mudar uma série de questões que já foram pacificadas no nosso Supremo Tribunal Federal ou de projetos de lei que já foram rechaçados por essas Casas Legislativas. Ele volta nessa tentativa de colocar isso num bolo em que muita coisa vai passar despercebida, mas o impacto é gigantesco no super encarceramento. A gente já não tem mais onde colocar os nossos presos. As nossas unidades prisionais são barris de pólvora prontos a explodir. É uma situação extremamente grave e absolutamente desconhecida por esse projeto. O Moro, quando apresentou o projeto, falou que somente o regime fechado era prisão, que regime semiaberto não era prisão de verdade. Ele usou essa expressão. Uma pessoa que fala isso não conhece o sistema semiaberto do Rio de Janeiro, de onde eu venho, porque as unidades do Rio de Janeiro já foram condenadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por absoluta violação dos direitos humanos. Houve uma decisão da Corte de que o tempo de pena naquela unidade deveria valer em dobro...
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O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Mais um minuto, por favor.
A SRA. MAÍRA FERNANDES - Já vou terminar.
... de tão grave. São presos que ficam soltos na unidade, mas dentro de uma unidade prisional. À noite, precisam se amontoarem uns em cima dos outros, dormindo no corredor, em situações absolutamente insalubres e perigosas para todos que estão ali, inclusive os agentes penitenciários - acho importante falar deles aqui também - que sofrem com esse super encarceramento.
Eu teria realmente muito a dizer. Acho que esse tema, que esse projeto tem muitas falhas. Nessa questão da videoconferência, a relação da tortura, é preciso perceber que nós ainda temos tortura no País. Enquanto estamos aqui conversando, alguém ou alguns estão sendo torturados no País. Não podemos fechar os olhos para isso. Todas as vezes em que o Subcomitê de Prevenção e Combate vem ao País ele traz, em seu relatório, que o País precisa resolver o problema da tortura. É uma chaga da qual nós não cuidamos. Há uma frase de Shakespeare que diz que nós jogamos o passado no abismo, "mas não nos inclinamos para ver se está bem morto." Essa chaga da tortura não está morta, está absolutamente aberta e acontecendo no País.
Por fim, peço que realmente os Senadores levem em consideração o pedido de que nós tratemos de cada um desses temas separadamente, com muito cuidado, a questão das mulheres encarceradas também, para não termos uma situação de caos carcerário ainda maior, com mais mortes. Quantos mais precisarão morrer? Em todo ano há morte em sistema penitenciário.
Por fim, cito Mandela quando disse: "Ninguém conhece verdadeiramente o que é uma Nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma Nação não deve ser julgada pela forma como trata seus cidadãos mais elevados, mas [seus mais simplórios] [...]".
Digo a vocês que a forma como nós estamos tratando os nossos presos é uma forma não só desumana, mas mostra um problema gravíssimo de civilidade e de nós todos como uma civilização que se pretende minimamente democrática, respeitando os mais humanos princípios.
Muito obrigada pela atenção de vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Muito obrigado, Dra. Maíra.
Eu queria agora passar a palavra ao consultor da Rede Urbana de Ações Socioculturais, Max Maciel.
O SR. MAX MACIEL (Para exposição de convidado.) - Quero saudar todas e todos, agradecer à CCJ o convite de estar aqui com tantos companheiros e companheiras de luta aguerrida. Quero saudar todos os que estão nos acompanhando pela Internet e aqui presencialmente.
Sou Max Maciel, sou da Ceilândia. É difícil falar depois de tantas falas. Fico, na verdade, tentado a dizer algumas coisas sobre as perspectivas do pacote. Não é possível que o Senado Federal, que a Câmara Federal coloquem em votação um pacote quando se tem um arcabouço legal de várias organizações nacionais, de institutos nacionais, de movimentos sociais, do Tribunal de Contas dizendo absolutamente que esse pacote é inviável e que não se propõe a nenhum processo de resolução de conflitos. O projeto não traz só a ausência do impacto financeiro, ele é ausente, inclusive, dos impactos sociais. Ele é ausente, inclusive, de dados!
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Em que se está baseando o pacote anticrime que foi apresentado pelo Ministro Moro? Ele tirou de onde a premissa de que o que está lá reduziria crimes? Outra: qual é a perspectiva de monitoramento futuro de um projeto como esse? Nos cinco anos? Nos dez anos? Nos quinze anos até ser um pacote anticrime?
Eu vou fazer uma coisa ousada aqui. Um pacote anticrime neste País seria a gente conseguir regulamentar, descriminalizar e legalizar as drogas. (Palmas.)
O SR. MAX MACIEL - Por quê? Nenhum processo nas varas de execuções penais está tratando do que o pacote anticrime traz. Por exemplo, 80% das mulheres presas é pelo chamado tráfico de drogas. Da maioria dos nossos homens jovens negros da periferia que estão presos 40% sequer foram julgados, já foi dito aqui, sequer passaram por uma segunda instância. Quem dera chegassem a uma juntada de provas para ir a uma segunda instância para dizer: "Olha, ainda cabe mais recurso". Eles estão aguardando um julgamento que não virá, porque ele já está pagando pena.
Eu estive em Natal no sábado passado, estive com mães de jovens que estiveram também naquele incidente que aconteceu no seu presídio. Uma mãe me disse assim: "Meu filho não fazia parte de um crime organizado". Ele fez parte porque o Estado disse que ele iria fazer parte! E foi assim, ele foi preso por furto de um celular, encaminharam-no ao presídio; ao chegar ao presídio, o agente disse assim: "A qual facção você pertence?" E ele disse: "Eu não pertenço a nenhuma facção". O agente olha para ele e fala: "Pois agora você vai pertencer a uma. Escolha o lado do presídio em que você vai ficar". Porque os nossos presídios... Esse pacote, quando faz um encarceramento em massa, nada mais é do que para fortalecer crimes organizados. Onde os crimes organizados se fortalecem, se articulam, se interagem, se não são nos presídios? Para esses jovens viverem no presídio, para ele conseguir ter uma cama, para fazer com que a alimentação chegue até ele, para que ele não fique em pé, para que ele possa, inclusive, usar o banheiro no processo regular, ele tem que se associar a algum crime organizado.
Quando a gente fala da perspectiva da droga, no próprio pacote anticrime, ele diz, inclusive... Agora inventaram uma coisa chamada flagrante preparado. Vocês leram isso? O flagrante preparado, não é, João? Quem vai fazer é o policial... Aqui estava um companheiro, um delegado... Foi isto que a sociedade criou: uma polícia que está baseada em proteger drogarias. Foi o que ele disse. O cara não quer abrir uma farmácia porque tem medo de que a polícia... Não, a polícia tem que ser feita para garantir a segurança de todos. Nós não temos uma política pública de segurança com cidadania, com proximidade, com diálogo. A maioria dos que estão acompanhando a internet, que inclusive acha que esse pacote vai favorecer, é porque está cansada de sofrer assaltos em paradas, mas sabe por que ela sofre assaltos em paradas? Porque o ônibus atrasa, porque não tem direito à mobilidade urbana, porque eu moro longe do meu local de trabalho, eu passo quatro horas dentro de um transporte público, eu passo mais tempo no transporte público do que com minha filha.
É um absurdo o Estado criar um pacote anticrime que seja pautado na tese do Estado penal. Nós estamos vivendo a lógica do Estado penal, que é justificar que nós vamos reduzir violência. Nós vamos justificar que nós vamos reduzir problemas nos nossos territórios com polícia e com encarceramento. E a gente não faz um debate do Estado democrático de direito. A maioria das mães sai das nossas periferias e deixa o filho delas sem ninguém para cuidar do filho de alguém. Isso é um absurdo!
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O Estado não consegue garantir creche na ponta, o Estado não consegue garantir saúde, o Estado não consegue garantir transporte público de qualidade, o Estado não consegue garantir educação de qualidade. Por quê? E a fala da Eronilde nos emocionou muito, porque a maioria de quem está cumprindo medida, por exemplo, de internação nas unidades de jovens foi por furto ou pelo, de novo, chamado tráfico de drogas - vamos chegar à questão do tráfico de drogas. Só que existe um agravante: a maioria se evadiu da escola dois anos antes. Ninguém perguntou, ninguém foi atrás dos nossos jovens que se evadiram da escola dois anos antes a não ser o Estado penal, porque é a polícia que vai pegar aquele jovem. O que a gente podia fazer, como fazem nos mundos que inclusive, a Deise até disse do complexo de vira-latas, mas ninguém quer pegar os positivos, não é? Reparação de dano, multa, outras penalidades sem ser a do encarceramento.
Quando eu vejo um policial dizer que fica fazendo campana para ver quem está vendendo droga, há um linguajar nas periferias que chama esses policiais de colecionadores de ponta - ponta é o que chamam do baseado. O cara só vai pegar o cara que está com a ponta, porque até hoje, eu não sei se alguém aqui viu quem estava com 39kg dentro de um avião da FAB. Ninguém sabe o rosto.
Acontece uma mágica na imprensa, a mesma imprensa por que nossos pais, nossos vizinhos estão nos assistindo agora, que pede que um projeto desse encarcere mesmo, que fica assistindo a um programa policialesco que só passa no Brasil em horário da tarde, porque em qualquer país do mundo esse programa é proibido de passar, passa de madrugada, que fica colocando os nossos rostos negros, as nossas identidades como os padrões suspeitos de abordagem, como os padrões de cometerem violência o tempo todo, e, quando eles saem na rua, chamam "olha, lá, o bandido ali", porque é ao que eles assistem na televisão o tempo todo. Então, eles já saem para a rua com medo. E aí a Eleonora disse: "É a política excessivamente do medo". E o colecionador de ponta, em vez de cometer o crime letal contra a vida, porque a polícia legitima as guerras no território, porque só são 5% dos homicídios investigados, porque a maioria do conjunto do Estado penal acha que quem está morrendo é bandido com bandido e que vai, são eles mesmos que têm que morrer.
Uma política para reduzir crime tem que ser pautada em sobreposições de lógica, ela não é única, tem que ser pautada num Estado garantidor de direito, tem que ser pautada na cidadania, tem que ser pautada, inclusive, no uso seletivo da força.
É constitucional que minha casa é inviolável. Polícia na periferia invade barraco sem mandato. Aí, depois, pede desculpa porque invadiu a casa errada. Doutor, há uma precariedade do conhecimento legal até para recorrer ao Estado por uma indenização. E, quando eu disse que acontece um fenômeno interessante na imprensa, é porque, quando alguém é pego na elite, como acontece muito aqui em Brasília, aconteceu recentemente... Foi preso um traficante com grande quantidade, numa festa de classe média alta. O cara é chamado de - foi pego, vendendo droga - empresário. Já legalizaram o processo, já chamaram o cara de empresário. Mas, quando um delegado pega um jovem numa praça, portando um baseado de maconha, por exemplo, a cara dele é estampada no jornal, acusado de tráfico de drogas. E já foi condenado por todo mundo, absolutamente por todo mundo.
Então, a gente precisa resgatar alguns processos históricos. Eu não vou falar de governo, vou falar de processo histórico. Não tem dez anos que o Brasil viveu uma Conferência Nacional de Segurança Pública, onde eu tive o prazer de fazer parte da comissão...
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(Soa a campainha.)
O SR. MAX MACIEL - ... e nós sentamos com a Associação de Delegados Policiais Federais, nós sentamos com os policiais civis, nós sentamos com as associações nacionais da Defesa Civil, dos guardas municipais, com as Mães de Maio, com os movimentos sociais... Nós fizemos um pacote, um pacto de cidadania para redução de violência.
E o que foi implementado? Nós temos uma polícia - e eu queria encerrar dizendo isso - no Distrito Federal. Eu vejo, às vezes, discurso da polícia dizendo que falta recurso. No Distrito Federal, o orçamento da Secretaria de Segurança Pública é de R$7 bilhões. Eu fiz essa fala na Câmara, na audiência, eu vou repeti-la sempre. O orçamento da cidade de Recife é de R$6 bilhões. Eu tenho uma secretaria na Capital do País que tem mais recurso do que uma cidade para gestar. Eu pergunto a qualquer um que mora no Distrito Federal se se sente seguro. Uma polícia que anda de Corolla...
(Soa a campainha.)
O SR. MAX MACIEL - ... anda de Hilux, sendo que o que a comunidade queria é uma polícia de proximidade, que desse bom dia, que soubesse o meu rosto, que eu não sou o padrão suspeito de abordagem dele, que eu soubesse o nome do comandante-geral, que eu soubesse inclusive qual é o procedimento operacional de abordagem para eu determinar se ele é ou não um cometedor de abuso. Porque o que o delegado disse aqui é que ele faz o vídeo e que o vídeo vale. Mas o vídeo que eu faço de uma agressão policial não vale.
Nós só vamos reduzir violência e crime neste País se a gente conseguir reduzir desigualdade, se a gente conseguir fazer um processo de distribuição de renda e se a gente parar com a hipocrisia de que a droga é o maior problema deste País. O maior problema deste País é fome, é desemprego, é as pessoas não conseguirem acessar os espaços institucionais dados.
E encerro: a primeira vez que eu vi uma arma de fogo apontada para a minha cara foi pelo Estado penal brasileiro. A primeira vez e única - depois disso nunca mais ninguém apontou a arma para mim - que alguém me chamou de vagabundo foi alguém que servia o Estado penal, que é a polícia. Eu não quero criar uma força, eu não quero criar um embate com policiais, mas não pode ser essa a corporação que nós estamos treinando, pagando, armando para chamar aquele cidadão que ajuda no processo de contribuição, que ele vai distribuir força. Porque eu nunca vi ninguém ser chamado de vagabundo no Plano Piloto de Brasília, me desculpa, e nem na Zona Sul.
E eu encerro de verdade, Senador. Essa política é que submete, por exemplo, o Governador do Rio de Janeiro achar que a maior ação dele - que não reconhece milícia porque ele não faz nenhum processo de falar em milícia, nesse projeto não diz milícia em nenhum canto - e que a solução do Rio de Janeiro para o problema da segurança pública é pegar usuário de droga na praia. Não é sério esse processo.
Então, fica aqui o debate, nós nos colocamos à disposição para outras ações. E o mais importante é: política de segurança pública se faz com cidadania. Fora disso, é barbárie.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) - Em função da hora, eu queria, primeiro, parabenizar todos os expositores. Se eu tomar a medida dos que eu ouvi, todos foram muito bem e colocaram questões de grande relevância e foram complementares nas suas respectivas abordagens. Mas eu tenho que concordar - e não é que tenha que concordar porque sou obrigado a concordar - e reforço que a hipocrisia é a base de grande parte do que se propõe como política de Estado neste Governo.
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A gente acabou de aprovar aqui, com voto contrário meu e de mais alguns poucos Parlamentares, o projeto antidrogas que veio do Ministro Osmar Terra quando era Deputado Federal, que não define sequer a quantidade de drogas para caracterizar se é tráfico ou não. Então, dependendo da circunstância... Para alguém com 10 toneladas de cocaína ou 500 quilos de cocaína num helicóptero, as circunstâncias não definem aquilo como tráfico, mas, se é preto, pobre, está na periferia e está com a ponta, as circunstâncias, porque ele está sempre com uma ponta, e a repetição do fato o transformam num criminoso de alta periculosidade, que certamente vai ser preso, encarcerado, recrutado para uma organização criminosa e vai ter sua vida, o seu futuro totalmente destruído.
Esse projeto reflete a clara determinação do Governo de destruir. Ele já disse que ele não veio para construir; ele veio para destruir. Então, a gente leva décadas num processo permanente de construção de uma determinada institucionalidade, e aí aparece um indivíduo, agora Ministro, que, como já está claro, agiu de forma intencional e com alguma finalidade, que será revelada naquela operação chamada Lava Jato, que todo mundo transformou num patrimônio nacional do combate à corrupção, mas que vai, um dia, deixar claro que foi a estratégia de domínio econômico de uma nação poderosa sobre uma nação que estava em processo de ascensão, porque quem viu o documentário do Snowden sabe que a NSA, que foi criada com o argumento de que era para combater e evitar ataques terroristas, na prática, bisbilhotava todos os governos e todas as corporações econômicas de interesse dos Estados Unidos para garantir a hegemonia dos Estados Unidos do ponto de vista econômico. Isso não sou eu que estou dizendo; isso foi denunciado por um militar que trabalhava na NSA e que divulgou para o mundo o modus operacional como eles trabalham. O argumento político, a justificativa da existência dela, de bisbilhotar a vida de todos os cidadãos ou de qualquer cidadão do mundo, de qualquer corporação e de qualquer governo era estar protegendo o mundo de atos terroristas, mas, na prática, ela tinha a finalidade de produzir informações para agir em países contra corporações privadas, contra indivíduos, para tirar proveito próprio.
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Isso está num documentário conhecido no mundo inteiro. Por sinal, o Glenn hoje é o jornalista que divulga as conversas de procuradores e juízes, que não podiam ter esse conluio. Até isso a gente tem que ouvir e achar que é tudo normal, que o conluio é algo normal, que a atuação do Ministério Público com o Judiciário, sendo conduzido pelo juiz que vai julgar é normal. Por isso, eu ouvi a sua indignação, você falando e se indignando e eu me indignando também.
A gente está diante de uma ação de Governo que está assentada sobre a tarefa de destruir uma institucionalidade, construir uma visão populista e moralista, por isso é hipócrita, e com grande ojeriza aos pobres. Todas as políticas desse Governo são contra os pobres. Se é reforma da previdência, é contra os pobres. Se é política antidrogas, é contra os pobres. Se é o pacote arrogantemente chamado de anticrime, é contra os pobres. Se é a política de segurança, que é armar a população, é contra, mais uma vez, as mulheres e os pobres da periferia deste País. Então, nós estamos diante de uma situação muito grave, e vocês aqui tecnicamente colocaram o sofrimento.
Quando eu estava na minha formação profissional, tive a oportunidade, havia um manicômio judiciário em Franco da Rocha, São Paulo, de, por algumas vezes, ir a esse manicômio judiciário como residente de saúde pública e depois como médico fiscal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Não há nada mais duro, mais difícil de enfrentar do que a realidade de um presídio, seja ele qual for. E ver que o Governo tem como política de segurança, de justiça, prender e matar pessoas, porque a Dra. Eleonora falou aqui, sob forte emoção, é autorização legal para matar e prender qualquer um antes mesmo do julgamento, antes mesmo de concluir. Ou seja, nós estamos institucionalizando ou em fase ou em processo de institucionalizar não a civilidade, mas a barbárie, que foi anunciada, diga-se de passagem. Foi anunciado durante o processo eleitoral que o Governo agiria de forma a produzir barbárie, porque dizia que iria eliminar, que iria matar; ele estimulou o ódio, o preconceito, o racismo.
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Então, esta audiência pública vem em boa hora e deixa aqui um registro importante. A nossa assessoria do Senado deve fazer uma sistematização para organizar as nossas falas e o que temos a fazer nos próximos debates e nos embates, agora lastreado pela vivência de quem faz das suas vidas a militância em torno da busca da justiça, da igualdade, da solidariedade, que é o que vocês fazem ao longo de suas vidas. E nós estamos aqui para representar esse sentimento.
Portanto, eu queria agradecer ao Márcio Gaspar Barandier, Presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros; Domingos Sávio Dresch da Silveira, Subprocurador-Geral da República e Coordenador da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que ainda está aqui, muito obrigado pela presença; Felippe Angeli, Gerente de Advocacy do Instituto Sou da Paz e representante do Sr. Ivan Marques, Diretor Executivo do Instituto Sou da Paz; Deise Benedito, advogada e ex-membro do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura - vejam que o maior homenageado do Presidente, a pessoa que ele tem como referência e como ídolo é o Gen. Ustra, torturador confesso; Silvia Virginia Silva de Souza, assessora de Advocacy da Conectas Direitos Humanos; André Prado de Vasconcelos, que também já foi, representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil; Rafael de Sá Sampaio, Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária; Dra. Eleonora Nacif, que fez uma intervenção com bastante sentimento e indignação, em função até dos absurdos técnicos na construção do projeto; Max Maciel, foi uma honra tê-lo aqui, na sua fala, na sua consistência; Eronilde Nascimento, eu peguei o final da sua fala, parabéns!; Haydée Caruso, Professora de Sociologia da Universidade de Brasília e Pesquisadora do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança; Maria Clara D’Ávila, representante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania; e Maíra Fernandes, que é da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas. Eu queria agradecer a todos e a todas pela contribuição. Com certeza, as contribuições que vocês deixaram aqui servirão bastante para nortear o trabalho de várias bancadas que se interessarem pelo material que será produzido. Muito obrigado, e muito obrigado aos espectadores da TV Senado. Pelo menos uns dois milhões de pessoas ouviram e viram vocês aqui ao longo desta audiência.
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Muito obrigado!
(Iniciada às 10 horas e 12 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas.)