24/09/2019 - 3ª - Comissão Mista da Medida Provisória n° 893, de 2019

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão Mista destinada a emitir parecer sobre a Medida Provisória 893, de 2019.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater a matéria.
Eu queria convidar, para tomar assento à mesa, os seguintes convidados: Ricardo Liáo... É Liáo ou Lião?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Liáo, Diretor da Unidade de Inteligência Financeira - que, supostamente, se nós não mexermos, é o novo nome do Coaf -; Cristiano de Oliveira Lopes Cozer, Procurador-Geral do Banco Central do Brasil; Luiza Cristina Frischeisen, Subprocuradora da República; e Otávio Allemand Borges, Perito Criminal da Polícia Federal.
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Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar podem enviar comentários pelo endereço: www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone, que me parece mais prático, 0800-612211. Repito o telefone: 0800-612211.
De acordo com as normas regimentais, a Presidência vai adotar os seguintes procedimentos: o convidado fará sua exposição por dez minutos, em seguida abriremos a fase de interpelação pelos Parlamentares inscritos. A palavra dos Parlamentares será concedida na ordem de inscrição.
Para começar, então, concedo a palavra ao Ricardo Liáo, Diretor da Unidade de Inteligência Financeira atual.
O SR. RICARDO LIÁO (Para exposição de convidado.) - Boa tarde a todos. Senador José Serra, Deputado Reinhold Stephanes, agradecemos o convite para participação nesta primeira audiência pública da Medida Provisória nº 893, que, como o senhor colocou, discute a redefinição ou transformação do que tínhamos no Conselho de Controle de Atividades Financeiras na Unidade de Inteligência Financeira do Brasil.
Nossa ideia aqui é colaborar na construção do melhor encaminhamento desse tema, que nos é muito caro. É uma unidade que desde sempre... É um órgão que desde sempre, desde a sua origem, já tinha esse apelido de unidade de inteligência financeira, porque é o que orienta todas as competências e atribuições a ele acometidas. Agora, essa nova medida provisória nos traz de novo à tona a definição como uma unidade de inteligência financeira, que na verdade é a essência do órgão, que até então vinha sendo exercido sob a titulação de Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Então, não teria muito neste momento a expor, e, sim, ficar à completa disposição para que a gente possa encaminhar, da melhor forma possível, tentando ficar o mais alinhado possível ao que realmente uma unidade de inteligência financeira tem como competência não só no Brasil, mas em todos os países onde ela se estabelece, onde ela tem atuação como tal, e poder esclarecer qualquer detalhe, qualquer dúvida, porque, no decorrer desses últimos meses, o Coaf passou a ser, vamos dizer assim, referência em vários ambientes. Nem todos conheciam tão bem, vamos dizer assim, quais eram as competências, atribuições e funcionamento do Conselho. O Conselho às vezes era confundido com a parte que hoje a MP chama de quadro técnico operacional, vamos dizer assim.
Portanto, acredito que esta seja uma das primeiras oportunidades que nós vamos ter para esclarecer, ao máximo possível, a compreensão disso e, ao final, chegar a uma conclusão que seja, como eu disse, o mais alinhada possível com o que a gente tem dentro do conceito de unidade de inteligência financeira.
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É isso.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Passarei a palavra agora ao Cristiano de Oliveira Lopes Cozer, Procurador-Geral do Banco Central do Brasil.
O SR. CRISTIANO DE OLIVEIRA LOPES COZER (Para exposição de convidado.) - Obrigado, Presidente, pela palavra.
Exmo. Sr. Presidente da Comissão Mista destinada a apreciar a Medida Provisória 893, de 2019, Senador José Serra; Exmo. Sr. Relator da Comissão Mista, Deputado Reinhold Stephanes Junior; ilustres Parlamentares aqui presentes; senhoras e senhores, boa tarde.
É uma grande satisfação comparecer a esta Comissão, a esta audiência pública representando o Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Eu espero poder trazer uma contribuição para o debate desta importante medida.
O objetivo dessas palavras iniciais é trazer um pouco de contexto para a medida provisória e tentar expor a lógica, o espírito que a orientou. Eu acho que o que pode resumir o espírito desta medida provisório foi o interesse em trazer um aprimoramento institucional em matéria da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro. Nisso, a medida provisória traz importantes aperfeiçoamentos, e eu vou expor esses aperfeiçoamentos na visão do Banco Central.
Um ponto que eu acho que deve ser mantido em mente e que é muito importante é que o espírito da medida provisória não foi alterar, de alguma maneira, a relação nas atividades finalísticas do então Coaf, agora UIF, não foi alterar a relação que ele mantinha com o Banco Central como regulador setorial. A ideia é que a UIF continue sendo, como sempre foi, o órgão central em matéria de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e que o Banco Central, na condição de um regulador setorial, como há outros na economia, mantenha esse mesmo relacionamento quanto às atividades finalísticas da UIF. Em matéria administrativa, aí sim, há uma alteração. A vinculação da UIF, que até recentemente era com o Ministério da Economia, passa a ser com o Banco Central, mas, mesmo aí, a ideia não é que haja uma alteração substancial nesse tipo de vínculo. O vínculo administrativo que a UIF tinha em relação ao Ministério da Fazenda, da Justiça ou da Economia é o mesmo tipo de vínculo que se espera em relação ao Banco Central. Por que isso é importante? Porque isso permite ao Banco Central atuar no aprimoramento da gestão e da governança da UIF, mas sem interferir nas atividades finalísticas dela, que a medida provisória diz ser um trabalho que deve ser exercido com autonomia técnica e operacional. Então, nas atividades finalísticas, a UIF continua executando o trabalho que sempre executou. Eu resumiria em duas atividades principais.
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A primeira é produzir inteligência financeira, que serve de subsídio para os órgãos de persecução; e a segunda é a atividade de exercer uma regulação e supervisão em matéria de PLD, prevenção à lavagem de dinheiro, daquelas empresas não financeiras designadas, ou seja, aquelas empresas que não têm um regulador específico. O Banco Central é o regulador de um banco, a Susep é uma reguladora e uma seguradora, mas existem empresas - por exemplo, aquelas que vendem artigos de luxo - que não têm um regulador específico, e esse papel é exercido pela UIF, e essa é uma das atividades finalísticas. A lógica da medida provisória é não mexer nesse tipo de competência, continua sendo exercida com toda autonomia que o Coaf sempre teve e que a UIF continuará a ter.
A ideia, portanto, é a de que o Banco Central possa contribuir no aprimoramento da gestão e da governança da UIF. E o Banco Central está numa posição que eu diria que é privilegiada para esse aprimoramento por uma série de razões, primeiro, porque o Banco Central, já desde a sua criação, tem uma larga experiência em lidar com informações e dados sensíveis, tratar informação e lidar com esse tipo de informação. O Banco Central tem quadros técnicos altamente especializados e tem uma cultura organizacional que é caracterizada por um apreço pela autonomia operacional, isso permeia toda a cultura organizacional do Banco Central, e é o que se espera que possa também contribuir para manter e aprimorar esse espírito de autonomia, por assim dizer, também em relação à UIF. Inclusive, essa autonomia operacional do Banco Central hoje, como nós, os homens, nos referimos a ela, é de fato uma autonomia que é exercida no dia a dia do Banco Central, mas esperamos que em breve o Congresso Nacional possa avançar no projeto de autonomia do Banco Central e trazer uma autonomia de direito também para o Banco Central do Brasil.
Gostaria de terminar essas palavras inaugurais listando aquilo que o Banco Central enxerga como os avanços institucionais que a medida provisória trouxe em relação à anterior disciplina do Coaf. Primeiro, a medida provisória consagrou a atuação da UIF não apenas em matéria de prevenção à lavagem de dinheiro, mas também, em linha com as recomendações internacionais, em matéria de prevenção e combate ao financiamento do terrorismo e proliferação das armas de destruição em massa. Então, isso está em pleno alinhamento com as recomendações do grupo de ação financeira, que é o fórum internacional que emite os standards nessa matéria.
Segundo, a medida provisória também caracteriza a UIF como um órgão de interlocução institucional com os demais órgãos e entidades nacionais e estrangeiros e internacionais que lidam com essa matéria. Isso é também uma inovação. Nesse nível de legislação ordinária, não havia esse tipo de previsão, e agora isso está consagrado expressamente na lei. Também, pela primeira vez, um diploma com nível de lei consagra expressamente autonomia técnica e operacional da UIF, uma autonomia de que o Coaf já dispunha, mas nunca esteve consagrada de uma maneira clara e evidente na lei como está hoje.
A lei dispõe também sobre a estrutura organizacional da UIF. Havia, na legislação anterior, uma dubiedade em relação a como essa estrutura se fazia, ela era especificada em decreto, e agora a lei a especifica. Há um conselho deliberativo e há um quadro técnico e operacional e administrativo que dá o suporte operacional necessário e que exerce as atribuições da UIF. A medida provisória, além disso, atribuiu ao conselho deliberativo uma competência para formular orientações de diretrizes estratégicas. Até agora, na verdade, o colegiado tinha muito mais um papel de julgamento de processos administrativos contra aquelas entidades designadas, aquelas entidades não reguladas por reguladores setoriais. Então, agora existe um órgão superior que é responsável por formular orientações estratégicas e por pensar diretrizes em matéria de prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Isso também parece um aprimoramento institucional muito importante.
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Finalmente, o quadro técnico administrativo que já existia no Coaf e foi transplantado para a UIF era composto, fundamentalmente, por servidores cedidos e por ocupantes de cargos em comissão. Pela primeira vez, a lei também traz a previsão da possibilidade de servidores efetivos, e nesse sentido sinaliza a possibilidade de que a UIF venha a ter um quadro próprio de servidores especializados e concursados. Isso, naturalmente, depende da disponibilidade orçamentária, depende da realização de concurso, de previsão em lei...
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTIANO DE OLIVEIRA LOPES COZER - ... mas é um avanço institucional importante para dotar a UIF desses quadros técnicos que continuem mantendo esses trabalhos de qualidade que o Coaf já vinha produzindo, mas dessa vez um quadro que tenha a possibilidade de ser mais permanente, de ser mais perene.
Essa era a mensagem inicial. Gostaria de agradecer pelo convite e me coloco à disposição para perguntas.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Muito obrigado.
Passo a palavra agora a Luiza Cristina Fonseca, Subprocuradora-Geral da República.
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senador. Cumprimento o Senador Serra, o Deputado Reinhold Stephanes Junior, meus colegas de mesa.
Eu vou aqui, neste primeiro momento, Srs. Deputados aqui presentes, assessores e demais que nos assistem, falar um pouco, recuperar um pouco a origem do Coaf, agora UIF, e dizer também que, na verdade, a Unidade de Inteligência Financeira é brasileira, mas nós seguimos os parâmetros internacionais. A nossa lei de lavagem é de 1998. Depois ela foi modificada, mas foi em 1998 que, com a lei de lavagem, a Lei nº 9.613, foi criado o Coaf. A própria lei de lavagem surge no Brasil em função de determinações internacionais, de tratados internacionais. Depois, a nossa adesão a convenções internacionais de combate ao crime organizado e à corrupção também fortalecem a necessidade da Unidade de Inteligência Financeira, que se chamava Coaf e agora houve a modificação do nome.
Também foi falado aqui, muito rapidamente, sobre o Gafi. O Gafi é o Grupo de Ação Financeira, que estabelece exatamente as diretrizes de todas as unidades de inteligência financeira do mundo e dos países que fazem parte do Gafi. Portanto, uma unidade de inteligência financeira, tenha o nome de UIF ou tenha o nome de Coaf, deve produzir os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs).
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E esses RIFs têm que ser compartilhados com aquelas autoridades e com aquelas instituições que têm a obrigação de fazer a investigação e a persecução penal, no caso, as polícias e o Ministério Público - o Ministério Público estadual ou Federal.
Também é importante dizer que esse relatório segue parâmetros internacionais. Nós sabemos que, neste momento, nós temos uma discussão sobre como deve ser esse relatório, em razão da decisão do Ministro Toffoli no RE que é do Ministro Marco Aurélio, que discute matéria tributária e compartilhamento de informações bancárias - cujo Relator é o Ministro Marco Aurélio - e que tem repercussão geral. O Ministro Toffoli, numa petição avulsa, estendeu seus efeitos para essa questão do RIF, do Relatório de Inteligência Financeira.
Então, eu gostaria de pontuar aqui, nesta apresentação, que tanto a Unidade de Inteligência Financeira, quer tenha o nome de Coaf ou de UIF, como os relatórios seguem padrões internacionais. E o Coaf o fez durante 20 anos, e eu posso fazer esse testemunho, porque sou procuradora da área criminal há muito tempo - não vou dizer quanto, mas sou procuradora criminal há muito tempo. Conheço o Liáo ainda quando ele estava no Banco Central e quando tratava de lavagem de dinheiro sem lei de lavagem de dinheiro.
Então, essa questão do que o Coaf fez, nos últimos 20 anos, dentro do Ministério da Fazenda, é muito importante. O Coaf era uma unidade pequena, com uma equipe multidisciplinar, e essa questão da equipe multidisciplinar é essencial. Então, veja, ter quadro ou não ter quadro, o colega do Banco Central mencionou, é importante, mas o quadro do Coaf é formado por uma equipe multidisciplinar que vem de outras carreiras públicas.
Então, o que o Coaf produz? O Coaf produz Relatório de Inteligência Financeira. A partir do quê? A partir de instituições que devem formar o Coaf. Só as instituições financeiras dos bancos, que são regulados pelo Banco Central? Não. O Banco Central inclusive, este ano, abriu uma consulta pública sobre a sua normativa de como as instituições devem informar e quando devem informar, mas existem outras instituições que devem informar, por exemplo, os cartórios devem informar. Os cartórios são fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça e, do ano passado para este ano, nós tivemos uma ação na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, que é a Enccla, para uma resolução exatamente dizendo como os cartórios devem informar ao Coaf operações que podem caracterizar ou não lavagem de dinheiro. No dia 1º de outubro, haverá uma cerimônia no CNJ com presença do Presidente Toffoli. Então, a CVM também regulamenta, outros órgãos, a Susep. Por exemplo, nós temos que ver galerias de arte. Então, essas informações são recebidas pelo Coaf. É óbvio que isso se faz hoje através de programas de informática, por meio dos quais é possível gerar os relatórios, mas a equipe multidisciplinar é fundamental.
Então, se nós vamos ter uma carreira com concurso público em tempos de teto de gastos ou se nós devemos ter uma equipe multidisciplinar, isso evidentemente vai ser discutido aqui na Casa. Mas o que é mais importante é que essa equipe seja formada por pessoas das carreiras públicas, seja uma equipe multidisciplinar, como ela vem sendo, e não tenha ingerências de formação de cargos de comissão ou ingerências de indicações específicas de governo. Que sejam cargos indicados das carreiras de Estado, porque isso que é importante: a autonomia e a independência da Unidade de Investigação Financeira.
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Também é importante lembrar que há muitas emendas, várias emendas. Nós não lemos todas. Nessas emendas é importante analisar, eu acho, a pertinência temática para ver se todas as emendas têm mesmo pertinência temática. Eu vejo que há emendas muito interessantes no sentido de dizer: "Os relatórios devem ser encaminhados ao Ministério Público". São emendas do Senador Flávio Arns, do Senador... (Pausa.)
Temos emendas também de outros Senadores, todos preocupados com essa questão de que fique explícito que o destinatário dos relatórios de investigação de inteligência financeira são o Ministério Público e as polícias, e isso é bem importante.
E por que é importante? Porque o Gafi, na sua Recomendação 29, ao qual nós estamos adstritos... Porque não atender recomendações do Gafi - são 40 - nos faz um lugar onde há dificuldade para os investimentos.
Não é uma coisa que não tenha consequência. Por exemplo, nós temos uma lei sobre o financiamento ao terrorismo, porque se nós não tivéssemos essa lei a nossa nota nos mercados internacionais seria rebaixada. A questão das recomendações é importante, e a Recomendação 29 do Gafi diz explicitamente para que servem os relatórios: os relatórios devem ser compartilhados com aquelas instituições que devem investigar e devem fazer a persecução penal.
É importante dizer que o Conselho Nacional do Ministério Público tem uma recomendação de como esses relatórios entram no Ministério Público, o Ministério Público Federal tem uma portaria: hoje, entra em formato digital, entra por uma secretaria, desce para as nossas unidades. É absolutamente rastreável pelo Coaf ou pela UIF. É evidente que é sigiloso, mas é rastreável, no sentido de que o Coaf e a UIF sabem o que está acontecendo com aquela informação.
Essas são as informações espontâneas. Há informações que são pedidas no bojo dos procedimentos, e o Coaf - eu vi aqui na mão do Ricardo Liáo o relatório de 2018 - produziu um relatório com todas as informações. Ou seja, quantos relatórios foram produzidos e para quem foram encaminhados.
Então, as minhas considerações iniciais, como membro do Ministério Público Federal e Coordenadora da Câmara Criminal, que é justamente a instituição parceira, que representa dentro do Ministério Público Federal o órgão central da instituição parceira, é elogiar o trabalho do Coaf que foi feito nos últimos 20 anos e dizer que, do início do ano para cá tendo passado pelo Ministério da Justiça, voltado para o Ministério da Economia e agora indo para o Banco Central, a importância é, onde quer que ele vá estar, sempre garantir a autonomia e a independência desse órgão para produzir os relatórios fixados na forma da lei e dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco/PSDB - SP) - Muito obrigado.
Passo a palavra agora ao Otávio Allemand Borges, perito criminal da Polícia Federal.
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES (Para exposição de convidado.) - Exmo. Senador José Serra, Exmo. Deputado Federal Stephanes Junior, eu agradeço a oportunidade de discutir esse tema tão caro à sociedade nesta augusta Casa e cumprimento as demais autoridades presentes na pessoa dos senhores.
Bom, eu vou tentar contextualizar bem rapidamente as questões pertinentes à evolução nossa do sistema jurídico e posteriormente vou passar algumas atenções com relação à parte da economia.
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No caso, senhores, eu sou economista, e daí tenho um ponto de vista, digamos, um pouco diferente do dos demais colegas, o.k.? Então eu vou trazer estas reflexões para os senhores.
Primeiramente, o ponto da missão institucional do Banco Central, Gafi e Basileia, arranjos de UIF no mundo, questões de OCDE, reformas que estão sendo feitas e os demais temas. Então eu vou passando pelos eslaides rapidamente para caber dentro do tema, o.k.? Daí eu peço que, se tiverem dúvidas, os senhores deixem o seu rascunho, e eu fico à total disposição para esclarecer sobre esses pontos.
Bom, primeiramente, começando sobre a missão institucional do Banco Central, a gente tem que é assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente. Dentro desse escopo, senhores, o objetivo do Banco Central está principalmente centrado dentro da parte da política monetária do País. Então, basicamente o que o Banco Central faz, a sua função precípua é cuidar da parte da solvência do poder de compra da moeda e tentar controlar, digamos, um pouco da estabilidade da economia, dos preços, tentando controlar a taxa de juros.
Existe, contudo, uma questão, dentro da macroeconomia, inaugurada dentro da formalidade por John Maynard Keynes, uma discussão hoje na academia, nas universidades centrais, de que o Banco Central na verdade não controla a taxa de juros. O que o Banco Central controla é a taxa de juros somente nominal. Vocês vejam naquela função - e eu vou voltar depois a ela, mas não se preocupem com ela - que a taxa de juros nominal é igual à taxa de juros real mais uma expectativa de inflação. Então todo o ambiente econômico depende das expectativas dos agentes econômicos e depende do mercado. O que o Banco Central faz é tentar controlar a taxa de juros nominal, só que a taxa de juros real não controla. E depois eu volto a esse ponto.
Agora, com relação, contextualizando somente umas questões do Gafi, dos tratados do Gafi, das recomendações do Gafi e das recomendações de Basileia, importa dizer que nós começamos, em 1998, assinando alguns tratados internacionais, as Convenções de Palermo, de Mérida e de Viena, e tudo mais, e que houve uma evolução de 20 anos dentro dessas legislações a respeito de PLD, de programa de lavagem de dinheiro e financiamento terrorista. Então, basicamente hoje, no tocante a tal braço de supervisão do Banco Central, nós temos alguns tratados assinados de Basileia, que são Basileia I, II e III.
Basicamente o Banco Central divide as suas supervisões em supervisão prudencial ou de solvência, dividida naquelas diretorias Desup e Desuc, e, digamos, basicamente o que essa supervisão faz é avaliar o risco de crédito das instituições financeiras, por meio dos seus produtos financeiros, e o seu capital de referência para fazer frente a essas exposições de crédito.
E a outra supervisão seria a supervisão de conduta, que analisa, digamos assim, a conduta, quais são os controles de risco de programas de lavagem de dinheiro dentro do Banco Central.
Bom, basicamente a gente tem aqui, digamos assim então, que o foco da prudencial é o foco na solvência das instituições financeiras, porque uma instituição financeira não pode quebrar. Se quebrar, o Banco Central tem que pensar assim: se existe o risco de uma instituição financeira quebrar, o que isso vai refletir dentro das demais instituições, na confiança que as pessoas têm no mercado financeiro?
E a outra, de forma paralela, é a supervisão de conduta. Então, por que é que se faz essa supervisão de conduta? Basicamente o Banco Central adotou, criou esse modelo de supervisão twin peaks. E no caso, ele diz ali que a conduta para o negócio das entidades supervisionadas afeta, impacta e pode gerar: ela afeta os consumidores e investidores, impacta na reputação da entidade supervisionada e pode gerar sanções e limitações nos negócios.
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Dentro dessa questão, a gente pega aí, digamos nessa interação das diretorias da Decon, Desup e tudo, você sempre pensa que o Banco Central sempre pontuou a questão da independência e da articulação entre esses braços dele.
Dentro da questão agora da justificativa do Banco Central sobre um braço de supervisão remota, a gente tem, digamos assim, que existe um risco de imagem ilegal para o Banco Central. O Banco Central, para supervisionar entidades não bancárias, que não geram moeda na economia, não geram multiplicador monetário - há um universo de 2 mil entidades supervisionadas, grande heterogeneidade, grande dispersão territorial -, então escolhe, digamos, essa supervisão remota.
Então basicamente o fluxo que nós tínhamos aqui, o fluxograma de comunicações, a gente tinha... As instituições financeiras têm clientes e elas podiam comunicar ao Coaf por meio daquela seta de número dois - eu não tenho caneta a laser aqui para apontar aqui.
Daí o que acontece? O Banco Central também poderia comunicar aos demais órgãos, ali na seta de cima, e daí existem as interações ali entre as entidades. O Coaf emanava um relatório de inteligência financeira - e emana -, um relatório para o Ministério Público, para a Polícia Federal e para os demais órgãos envolvidos na parte de persecução. E daí o Ministério Público, como titular da opinio delicti, oferece a denúncia e manda para o Poder Judiciário, digamos ali, o seu entendimento, com base nas provas, com base nas evidências que existem ali no inquérito.
Bom, saindo um pouco do Banco Central e entrando dentro do Gafi, no Gafi nós temos 29 recomendações mais onze, num total de 40. E o Gafi é uma entidade intergovernamental, estabelecida em 1989, por iniciativa de vários países membros da OCDE.
Então a OCDE é importante porque hoje em dia, dentro da economia, nós queremos abrir linhas de comércio internacional com países membros da OCDE, membros do G7 e queremos diversificar nossas pautas de comércio entre países. Isso daí pode gerar empregos no País, pode dinamizar o PIB e pode gerar recursos que são tão caros neste momento à sociedade.
Então, basicamente nessas recomendações, no §1º, o Gafi diz que ele não julga a escolha dos países, sobre qual modelo os países irão adotar para suas UIFs. E nem poderia ser diferente, senhores, porque é o direito interno nosso, nós temos a nossa Constituição, outros países têm o seu próprio organograma jurídico, então seria essa ponta, né? E daí a questão é a seguinte: eles recomendam que a UIF seja operacionalmente independente e autônoma, e ela busca digamos disseminar informações que são específicas com relação à parte de prevenção de ataques terroristas ou de crime de lavagem de dinheiro.
No §9º, eles dizem que as funções centrais das UIFs deveriam ser distintas daquela outra entidade se elas fossem estabelecidas dentro de uma autoridade competente já existente, no caso o Banco Central.
Agora, de arranjo na UIF, senhores, vocês vejam que os únicos países que adotam a UIF dentro do Banco Central, que estão em amarelo ali, são Afeganistão, Venezuela, Siri Lanka, Filipinas, Namíbia e tudo mais.
E aqui, no caso, por exemplo, no modelo italiano, da OCDE, que usa a UIF dentro do Banco Central, a UIF está no Banca d'Italia, só que dentro do Departamento do Tesouro italiano, ali em vermelho, nós temos essas diretorias ali. Diretoria V: Prevenção de Utilização do Sistema Financeiro para Fins Ilegais; Diretoria de operação...
Então veja que a Itália, mesmo adotando uma UIF dentro do Banco Central, tem um sistema de check and balances para o Ministério da Economia olhar e interagir junto com essa UIF.
No caso dos Estados Unidos, que hoje nós estamos olhando, a UIF deles está, dentro daquela legislação, dentro do Tesouro americano e tem um Office of Terrorism and Financial Intelligence. Então, não está dentro do Banco Central no modelo americano.
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Bom, dentro das recomendações do Grupo de Egmont do ano passado, no item 38, eles se preocupam com as questões de independência operacional e autonomia quando a UIF está localizada dentro de uma estrutura existente. Daí ele cita as preocupações dele: que a contratação, demissão ou substituição de pessoal exige a aprovação de outro posto dentro da organização; que a equipe da UIF pode ser encarregada de executar outras tarefas diferentes.
(Soa a campainha.)
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - Então, ele cita essas questões, que eu não vou conseguir falar agora.
Bom, senhores, com relação à questão do orçamento de investimentos que nós temos e toda a questão, o que eu quero dizer? O que é o mercado? O mercado, basicamente, senhores...
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Presidente, dá mais um tempinho, porque ele está correndo muito aqui, e está interessante essa apresentação. Se puder dar mais alguns minutos...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Concordo.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Conceder mais alguns minutos ao palestrante.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Concedo mais alguns minutos.
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - Perfeito. Obrigado, Senador.
Bom, basicamente, nós temos aqui uma dicotomia entre Gafi e Basileia. Enquanto, no Basileia, você faz uma exposição no Banco Central analisando o risco de um banco quebrar através de um sistema que se chama value at risk, que, basicamente, é um modelo paramétrico em que eu pego um desvio padrão, dois desvios padrões e falo assim: qual é o risco de essa instituição financeira quebrar e, se ela quebrasse, qual é a perda máxima que o mercado financeiro pode suportar? Então, basicamente, nós deixamos dentro de um processo estocástico para ver qual é o risco que teria durante um tempo. Então, o Banco Central faz uma análise, digamos, técnica, dinheiro: qual é o risco de uma instituição quebrar e, se ela quebrar, vamos fazer uma contenção do risco, dos danos de ela quebrar.
E, no outro lado, o Gafi exige celeridade das comunicações. Por que celeridade? Porque, se nós estamos, como sociedade, diante de uma ameaça de narcoterroristas ou de crime de corrupção, nós devemos ter velocidade na comunicação. Então, fica uma situação curiosa, porque, em parte, o Banco Central é signatário dos acordos de Basileia e, em outro braço, o Coaf é signatário dos acordos do Gafi. Como você consegue conciliar duas coisas sendo que, aparentemente, uma exige contenção e outra exige rapidez? Daí você tem ali, digamos, uma prevenção de solvência e uma prevenção de crimes, de conduta andando de forma um pouco paralela.
Outra questão: transição operacional de sistema. É louvável a iniciativa do Ministério da Economia de colocar a UIF dentro de uma instituição tão notória como o Banco Central, só que, sem ser feita uma transição operacional... Eu sempre pensei que a missão do Banco Central precípua fosse a política monetária do País, e não cuidar da parte criminal. Então, o Banco Central... Como você, digamos, vai criar expertise dentro do Banco Central para tratar aqueles dados de UIF de bancos como vestígios que podem ter validade criminal? Daí nós, na criminalística, peritos criminais federais, temos toda a responsabilidade, diante do processo, de fazer com que o nosso trabalho seja reproduzível, de tratar esses dados com cadeia de custódia, dizendo: olha, eu garanto para você que esse dado que recebi é o dado original. Então nós temos sistemas de algoritmos matemáticos, não temos uma cultura estabelecida dentro da criminalística para fazer o tratamento dessas informações, porque não são apenas dados para nós. Trata-se de vestígios. E, com vestígios, nós preservamos o local de crime, o.k.?
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Então, com relação ao Gafi, virá aqui, em 2020, para fazer uma nova avaliação do Brasil e de sua UIF. E isso pode impactar em algumas exposições de riscos, Parlamentares, que podem usar alguns países que têm uma vertente econômica e política diferente do Brasil, que podem aproveitar a pauta ambiental e da UIF para negar o ingresso do Brasil dentro da OCDE. É um risco de que nós estamos diante. Ele pode acontecer ou pode não se materializar, está o.k.?
Portanto, há riscos de nós não ingressarmos na OCDE por conta dessa medida provisória; vão diminuir as nossas linhas de comércio; vão se taxar os nossos produtos, ou seja, vamos continuar com tarifas altas; vão aumentar spreads de risco. Vai ter um risco porque, se eu aumento 1% o risco Brasil, perante os títulos do Governo americano ou de países membros da OCDE, causa impacto na Bolsa de Valores, causa impacto nos spreads bancários, de empréstimo bancário. Então, o efeito reflexo contamina a economia e contamina as expectativas, lá em cima, que eu tinha mostrado naqueles eslaides. Nós temos que cuidar das expectativas econômicas, com variável exógena na função keynesiana.
Bom, basicamente hoje, então, a gente trata do orçamento de investimentos aqui no País. E os Srs. Parlamentares estão empenhados em fazer, digamos, ajustes na economia, discutindo a carência de investimentos do lado governamental na economia, para dinamizar essa economia.
E aí, só fazendo uma reflexão, o que é o mercado? O mercado, senhores, é uma tese econômica. Um economista ou um grupo de economistas tem uma tese, coloca essa tese a campo, e essa tese vai sofrer contraditório.
(Soa a campainha.)
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - Se essa tese prosperar, ela vira consenso no mercado e vira o próprio mercado.
Então, senhores, rapidamente, só para finalizar, vocês vejam hoje o orçamento, no Relatório Resumido da Execução Orçamentária do terceiro trimestre de 2019. Nós temos um total de orçamento de investimento de R$120 bilhões, sendo que foram executados, até o momento, somente R$16 bilhões. E daí os senhores vejam aqui que basicamente o Ministério de Minas e Energia é o que tem a maior dotação de orçamento de investimentos, com R$110 bilhões. As demais áreas estão distribuídas em ciência e tudo o mais.
Então, só para falar, senhores, digamos, uma pergunta que a gente faz numa plataforma liberal de economia - e como economista me permitam dizer. Existia uma discussão célebre entre dois economistas, em 1945, Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, um liberal e o outro desenvolvimentista keynesiano. A pergunta que nós fazemos, como liberal, é a seguinte: por que que o Estado deve investir na economia? Por que a gente não pode, digamos, usar dinheiro privado para fazer esse investimento na economia? Por que o Estado não se preocupa somente em gerar saúde, educação e segurança pública, porque esse é o tripé do que a população demanda do Estado? E por que para investimento nós não usamos R$80 bilhões na poupança, R$5 trilhões que nós temos em fundos de investimento e US$17 trilhões que nós temos hoje aplicados, no mundo, em papéis que rendem juros negativos aos investidores? Tudo isso, senhores, os idosos ou eu ou os senhores investem em poupança, por quê? Porque os senhores têm confiança na poupança. Os senhores não vão pensar que alguém vai chegar e vai arrestar os bens da poupança, sob algum pretexto.
Então, se o Estado quer investir na economia, ele quer investir de que forma? Ele quer ser dono de estatais? Ele quer ser dono de ferrovias? E por que não faz isso para o setor privado? O setor privado tem esse recurso; o dinheiro existe, está ali, diante dos senhores.
Então, senhores, basicamente, são algumas reflexões de proposições, do ponto de vista propositivo: é importante que essa UIF tenha autonomia financeira e administrativa. Em autonomia financeira, pode-se discutir criação de fundos, como existe no Senad, a secretaria nacional de combate às drogas, e no Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), através de confisco de bens, dado o direito de contraditório às partes e transitada em julgado essa causa, confiscar bens do crime para reinvestir, dentro da questão do combate e da prevenção. E por que reinvestir? Porque a criminalidade reditícia reinveste na sofisticação dos seus estratagemas.
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Então, um modelo adotado que pode ser usado e, eventualmente, ser criado é um modelo de transição para uma agência executiva, declarar essa UIF, eventualmente, no futuro, uma autarquia e depois ser declarado que essa autarquia opera sob uma forma de agência executiva. Daí a questão de autonomia do Banco Central. Entendo a relevância da autonomia do Banco Central, mas - digamos - não se confunde autonomia do Banco Central com colocar a UIF ali dentro, porque basicamente as taxas de juros, que são tão caras ao Banco Central, são decididas no ambiente do Copom (Comitê de Política Monetária) e, até onde eu sei, ninguém influencia na decisão técnica do Copom. Se isso daí acontece, para mim é novo, e eu acho que a principal autonomia que o Banco Central tem que ter é a questão da taxa de juros, de definir a taxa de juros de acordo com critérios técnicos.
Bom, eu agradeço a presença e fico à disposição.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Vamos agora abrir uma outra etapa, que é a de comentários e perguntas por parte dos integrantes desta Comissão.
Permito-me abrir essa nova rodada como Presidente. Mas talvez seria melhor que o Relator começasse.
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR. Como Relator.) - Obrigado, Presidente.
Eu tenho conversado bastante com várias entidades envolvidas no assunto: o Ministério Público, o Banco Central. Já estive visitando fisicamente o Ricardo Liáo, na Unidade de Inteligência Financeira; já estive com o nosso amigo Otávio, em Curitiba, e com a equipe; conversei com alguns Deputados já, que são membros aqui, e Senadores e tenho visto, meu caro Presidente José Serra, que a preocupação de todos é a autonomia e a independência; a dos Deputados, que não se utilize para perseguir ninguém nem que se vazem informações. A questão do Banco Central, do Gafi, para a gente não ser punido internacionalmente é muito importante. A questão do conselho foi o tema mais abordado nas conversas que eu tive com os Deputados, Senadores e com o próprio Presidente.
Eu já tenho até uma avaliação prévia das emendas que foram apresentadas, algumas pertinentes, algumas até que são de outros temas - não vou chamá-las de jabutis, mas não são da matéria que nós estamos analisando. Mas eu diria que o assunto é técnico aqui.
Eu não vejo hoje um problema entre oposição e situação. Não vejo aqui uma discussão muito do funcionamento do Coaf, acho que todos caminham na mesma direção. Eu acho que já posso dizer que é um consenso que o conselho seja formado de forma semelhante ao que existe atualmente, onde serão todos funcionários de carreira da Susep, do Banco Central, do Ministério Público, da Polícia Federal.
Eu escuto alguns questionamentos com relação ao Banco Central ser onde se localiza fisicamente a Unidade de Inteligência Financeira, mas acho que é de bom termo. Mas eu quero dizer, principalmente a meus colegas, que eu estou aberto a sugestões, aberto a que vocês me digam "olha isso daqui, prefiro dessa forma, tenho uma sugestão para dar", porque o assunto é bom para o Brasil. O assunto, quando eu converso, é que todos nós queremos que ele funcione, que ele seja independente, que não persiga ninguém e que tenha alguma coisa perene.
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Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Eu acho que aqui há duas questões que gostaria que fossem respondidas. Eu faria aos três depoentes, mas principalmente ao, no caso, ao nosso Procurador-Geral do Banco Central do Brasil: qual é a motivação para se transferir a Unidade de Inteligência Financeira, ex-Coaf, criada com autonomia técnica e operacional, do Ministério da Economia para o Banco Central do Brasil? Como é que será feita a escolha, pelo Presidente do Banco Central do Brasil, dos membros do Conselho Deliberativo da UIF, cujas condições básicas são de ser brasileiros de reputação ilibada e com reconhecidos conhecimentos sobre prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento ao terrorismo ou à proliferação de armas de destruição em massa? Eu queria entender por que a transferência do Ministério da Economia para o Banco Central do Brasil.
Uma outra questão é sobre os conselheiros ou diretores da UIF, se eles poderiam provir da área privada e não apenas na condição dos servidores públicos, eu me pergunto se isso não abre caminho para a manipulação política, não abre caminho para um funcionamento viciado da estrutura, na medida em que terão que ser indicações políticas, na prática, de regiões, de partidos e de setores do Congresso, etc.? Eu estou perguntando, mas quero dizer que estou contra. Inclusive, apresentei emenda mudando isso. Eu gostaria de saber qual é a justificativa?
A meu ver, a estrutura da UIF, especialmente quanto aos conselheiros indicados politicamente, teria o condão de fragilizar esse relacionamento com outros órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Agora, por outro lado, todos os setores da economia, que devem obrigatoriamente informar ao Coaf - agora UIF - sobre movimentações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo, nem todos são regulados pelo Banco Central do Brasil. Isso nos leva a deduzir que o escopo das atividades desenvolvidas no Coaf é muito mais amplo do que o do Banco Central do Brasil. De que maneira o Coaf vai ficar dentro do Banco Central do Brasil? Eu creio que a vinculação da UIF ao Banco Central pode ser um impeditivo aos trabalhos de inteligência financeira.
Por último, uma pergunta de outra natureza: de onde virá o orçamento da UIF? É preciso que ela tenha independência operacional e orçamentária do órgão. Quais são as sugestões para o nosso Relator no texto que será votado nesta Comissão a respeito do orçamento da UIF, das condições de seu financiamento?
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Quero repetir, para insistir e ficar claro: qual é a motivação para se transferir a UIF, criada com autonomia técnica e operacional, da proteção do Ministério da Economia para o Banco Central? Como se dará a escolha, pelo Presidente do Banco Central, dos membros do conselho deliberativo da UIF, cujas condições básicas são ser brasileiro, reputação ilibada, reconhecidos conhecimentos sobre prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa?
Ainda pergunto qual é a opinião dos depoentes sobre a possibilidade de os escolhidos serem referendados pelo Senado Federal.
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR. Como Relator.) - Para essa, Sr. Presidente, se o senhor me permite, eu tenho até a resposta, porque eu fiz essa pergunta, em uma conversa com vários integrantes. Como o mandato é de um ano, nós teríamos que ter sabatinas mensais aqui no Senado. Tomaria muito tempo isso. Eles acham que, na prática, não é necessário. Foi a resposta que tive, mas eles vão poder responder melhor.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - De toda maneira, é um detalhe, não é o mais importante que eu considero das minhas perguntas.
Quero insistir: a indicação de membros do conselho deliberativo sem vínculo perene com o serviço público federal, sem a proteção das prerrogativas que os servidores públicos detêm, sem a remuneração para o trabalho de vital importância que realizarão os coloca em uma situação de fragilidade frente a possíveis ingerências, seja de que ordem forem. Por que não manter, como é hoje, somente servidores públicos de carreiras de Estado, em uma equipe multidisciplinar e utilizando conhecimento específico para as atividades do seu órgão?
Considero a pergunta feita para os três.
Sobre a questão de participação do Estado na economia, permita-me dizer que achei sua análise muito primitiva, e o fato de não comentá-la é para não investir tempo em algo que não é objeto deste seminário. Considerei extremamente primitiva. Fiquei, na verdade, alarmado, com o primitivismo da sua visão a respeito do papel do Estado na economia. Que isso fique registrado. Podemos, se achar interessante, ter um debate a esse respeito.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP. Fora do microfone.) - Não hoje.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Como? Não entendi.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP. Fora do microfone.) - Não hoje.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Não hoje, mas quero deixar registrado.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Mas poderíamos fazê-lo.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Como?
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Poderíamos fazer essa discussão em outro momento. O senhor fez bem em registrar.
O SR. CRISTIANO DE OLIVEIRA LOPES COZER - Posso começar a responder, Presidente? Posso ser o primeiro a falar, com sua licença?
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Claro.
O SR. CRISTIANO DE OLIVEIRA LOPES COZER (Para exposição de convidado.) - V. Exa. pergunta, primeiro, qual é a motivação para transferir a UIF do Ministério da Economia para o Banco Central. Há uma consideração conexa, que é a consideração de que nem todos os setores são regulados pelo Banco Central, e a UIF tem um âmbito de atuação, em matéria de integridade, que é mais amplo do que os dos setores regulados pelo Banco Central. Então, isso é parte da pergunta: por que o Banco Central?
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Muito bem. Na minha fala inaugural, Excelência, eu mencionei o interesse... Um dos vetores da medida provisória é a manutenção da autonomia técnica e operacional da UIF, e o papel do Banco Central nesse arranjo... Há uma vinculação ao Banco Central que eu considero estruturalmente similar àquela vinculação que existia em relação aos Ministérios. Isso é uma matéria de lei. Não há nenhum princípio constitucional que impeça que um órgão seja vinculado a uma autarquia sem integrar a sua estrutura administrativa. Ao menos esse é o meu entendimento. A lei dispondo nesse sentido, se as Casas do Congresso entenderem que é o caso, eu não vejo um problema.
Então, dentro dessa estrutura de vinculação administrativa ao Banco Central, o papel do Banco Central, à luz da medida provisória, é atuar no sentido do aprimoramento da gestão e da governança corporativa da UIF. O Banco Central está num papel muito grato, eu diria, para fazer esse tipo de atuação, primeiro, porque o Banco Central tem um a expertise de larga data em lidar com informações sensíveis, e informações sensíveis são a matéria-prima por excelência da UIF. Segundo, o Banco Central tem uma cultura organizacional que prestigia a autonomia. E, com relação a essa cultura organizacional, a ideia é que isso, inclusive, possa servir como anteparo para a UIF, para a atuação da UIF. É uma autonomia dentro ou vinculada a um órgão autônomo. A ideia é que isso de fato atue como um aprimoramento institucional, um aprimoramento na estrutura da Unidade de Inteligência Financeira.
Tudo isso, a nossa ver, vem prestigiar e vem melhorar a estrutura de que o Coaf já dispunha. Eu acho que vem no sentido de trazer mais força para a entidade, para o órgão, mas sem violar de forma alguma sua autonomia operacional, que, inclusive, pela primeira vez está consagrada expressamente em lei. É uma medida provisória ainda, mas um ato normativo que tem força de lei pela primeira vez na legislação brasileira consagra a autonomia técnica e operacional da UIF.
A segunda pergunta: como serão escolhidos os membros do conselho deliberativo e se faz sentido ter conselheiros da área privada. De fato, isso é objeto de emendas não apenas de V. Exa., mas inúmeras emendas tocam, abordam esse aspecto. Os conselheiros na verdade já foram escolhidos. Já houve um ato do Presidente do Banco Central que na verdade reconduziu para as funções o grupo de conselheiros que já estavam na UIF. A razão de se prever conselheiros que possam vir da iniciativa privada foi na verdade... Houve um aspecto muito específico, que o nosso Presidente Roberto Campos, inclusive, já mencionou em outras oportunidades, que é o interesse em poder trazer para o conselho deliberativo alguém que tivesse um perfil de especialista em segurança cibernética, em tecnologia da informação. E foi esse o grande inspirador de permitir trazer cidadãos brasileiros para ter assento no conselho. O que acontece com o conselho deliberativo na medida provisória é que ele tem um perfil diferente do conselho do Coaf. Antes, o conselho do Coaf era focado mais em julgar processos administrativos. Agora, a medida provisória traz uma estrutura na qual a estratégia e as diretrizes estratégicas, em matéria de lavagem de dinheiro, passam a ser elaboradas pelo conselho. E aí há o interesse em que esse órgão de deliberação superior possa contar com um especialista nessa matéria. A despeito da qualidade dos quadros do Poder Público nessa matéria - nós temos bons quadros em matéria de tecnologia da informação -, ampliar o escopo em que se pode escolher um bom especialista pareceu salutar. Vem daí o interesse da medida provisória em avançar nesse sentido.
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Naturalmente, as Casas do Congresso são soberanas nessa matéria. Se for do interesse avançar, promover um aprimoramento, há, por exemplo, uma fórmula interessante nas emendas, que é, talvez, reservar um determinado percentual de cargos a servidores públicos e permitir assento a um pequeno grupo de pessoas provenientes da iniciativa privada. Tenho certeza de que o Parlamento adotará a solução que é mais racional e mais eficiente.
Obrigado.
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN (Para exposição de convidado.) - Sobre essa questão do quadro privado, eu e o colega Cristiano já tínhamos até conversado sobre isso, porque essa é uma pergunta que todos têm feito. E foi dito: o atual Presidente do Banco Central entende que poderia haver uma pessoa, da iniciativa privada, de segurança cibernética. Porém, isso não está escrito. Isso não está escrito! Não está escrito que a pessoa da iniciativa privada vai ser da segurança cibernética - nem poderia ser.
Eu acho que, quando a gente trabalha com inteligência financeira, quando a gente trabalha com inteligência em qualquer órgão de Estado - e o Banco Central sabe disso -, nós temos especialistas em todas as carreiras de Estado porque hoje muitos lidamos com... A questão cibernética é o nosso dia a dia. Então, não está escrito, na medida provisória, que esse quadro é o quadro para o especialista em segurança cibernética. E dentro das carreiras de Estado nós temos pessoas altamente qualificadas, até porque todos os órgãos, hoje, têm que ter quadros de pessoas especializadas em segurança cibernética, porque todas as nossas informações são digitais. Tenho certeza de que aqui no Senado e na Câmara também existem especialistas. Por quê? Porque tudo o que a gente faz está em meio digital. Tudo: a partir do celular, nos nossos computadores, nos nossos arquivos, nas nuvens específicas. Nós discutimos hoje, internamente, inclusive, se os nossos dados devem estar numa nuvem de uma empresa privada ou se nós devemos ter isso. Essa é uma discussão mundial de segurança de órgãos públicos.
Então, entendo essa questão, mas não está escrito na medida provisória. Entendo, então, que as emendas que têm sido feitas para restringir aos cargos públicos parecem-me bastante adequadas.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco/PSDB - SP) - Se eu bem entendi, a senhora...
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Concordo com o senhor.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. Bloco/PSDB - SP) - ... concorda comigo?
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A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Sim, concordo com o senhor.
E outra questão que o senhor mencionou e o colega Cristiano comentou é a da autonomia orçamentária.
Veja, quando o órgão está dentro, e ele é uma unidade - não é um departamento, é uma unidade -, a questão da autonomia orçamentária é fundamental, porque nós podemos escrever cem linhas sobre a autonomia, e essa autonomia não existirá se não existir autonomia orçamentária. Isso tem que ficar claro, porque o Banco Central tem o seu orçamento e, por seu turno, o Banco Central também é uma agência vinculada ao Ministério. Então essa questão orçamentária tem que ficar muito clara porque, senão, é uma parte do orçamento do Banco Central que será o orçamento do Coaf, e isso não deve acontecer, no meu ponto de vista.
O SR. CRISTIANO DE OLIVEIRA LOPES COZER (Para exposição de convidado.) - De fato, eu peço desculpas ao Presidente, faltou responder essa questão sobre o aspecto orçamentário da vinculação.
Duas ligeiras considerações. Primeiro, o Coaf, na condição de órgão vinculado aos ministérios, tem o mesmo perfil. Ele já não tinha uma autonomia orçamentária e, vinculado agora ao Banco Central, mantém essa mesma estatura. Tem um pouco mais de autonomia orçamentária, o que se cogitaria, no caso de uma agência, vamos dizer, ou de algum órgão com personalidade autônoma. E um aspecto para o qual eu gostaria de chamar a atenção, e isso está no projeto de autonomia do Banco Central que foi encaminhado pelo Governo Federal a esta Casa, é que o Banco Central está previsto como uma autarquia não vinculada a ministérios. E ele assume, nessa condição, o papel de um órgão setorial, que é exatamente a mesma estatura de um ministério em termos orçamentários.
Então, dentro desse quadro, a UIF, como uma autoridade vinculada, passa a ter mais autonomia, e isso vem, eu entendo, também como um argumento adicional para a própria autonomia do Banco Central.
O SR. RICARDO LIÁO (Para exposição de convidado.) - Tentando também objetivar as respostas, a motivação, ao que me parece, teve como principal orientação, desde o início do ano, na verdade, a saída do Coaf da estrutura do Ministério da Fazenda, na qual foi criado e permaneceu por praticamente 20 ou 21 anos. Houve um movimento, no início deste ano, com a edição do Decreto 9.663, em que houve uma redefinição da estrutura formal mesmo da Unidade de Inteligência Financeira. Houve a partição da Diretoria de Inteligência e Supervisão, que passou a atuar em duas dimensões específicas, uma de inteligência e uma outra de supervisão, porque a parte de supervisão estava, vamos dizer assim, não a do Coaf especificamente, mas a de todos os reguladores que compõem o sistema de prevenção, e boa parte deles compõe ou compunha o conselho, que a gente chamava de plenário... Foi um primeiro movimento em que houve todo um esforço.
E, nesse período de seis meses, nos primeiros seis meses deste ano, houve um fenômeno que nos foi muito caro, que foi a possibilidade de um incremento no qual nós, basicamente, dobramos a questão de recursos humanos dentro da unidade, dentro do conselho. Nós sempre trabalhamos com recursos muito a conta-gotas, era sempre uma dificuldade de obtê-los. Nós não tínhamos o instituto da requisição, que hoje nos foi dado pela legislação.
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Então, a nossa dificuldade histórica, vamos dizer assim, dentro do Ministério da Fazenda, foi a de ter, vamos dizer assim, algum reconhecimento, na medida em que nossa atividade também não se percebia muito na área econômica, ou seja, nós, como UIF, como Coaf - isso desde 1998, na origem da lei que, enfim, tipificou o crime e criou o Coaf -, fomos formados com essas indicações, ou seja, funcionários com a mesma categoria, de ilibada reputação e conhecimento técnico e provenientes, originários de Banco Central, de CVM, de Susep, de Previc, de DPF, de Receita, de Abin, de MRE, de PGFN, ou seja, órgãos que, tanto na sua capacidade reguladora, na sua competência reguladora daquelas pessoas que são as chamadas obrigadas, aquelas que a lei indica no art. 9º, ou seja, todas aquelas que são obrigadas a adotar políticas de identificação de seus clientes, registro de operações, e a novidade que foi trazida na lei, que foi a comunicação de situações de suspeição ou situações em espécie, que depois foram criadas também, ao Coaf, como fonte, como matriz de todo o trabalho de inteligência financeira que passou a ser produzido até então.
Então, nessa transição desses primeiros seis meses, nós tivemos uma capacidade instalada não só de recursos, mas também de alguns programas de tecnologia que vínhamos, ao longo do tempo, tentando implementar nos nossos trabalhos. O nosso suporte, vamos dizer assim, o nosso provedor de tecnologia desde sempre foi o Serpro, que prestava esse tipo de serviço não só ao Ministério da Fazenda ou ao da Economia, mas a alguns ministérios, então, também, sempre com uma dificuldade, uma precariedade tamanha ante a necessidade de avanços, de inovações tecnológicas, que naturalmente são demandadas desses tipos de atividades.
As instituições financeiras, claro, por terem uma facilidade de financiamento, desenvolvem nos seus mecanismos de controle, nos seus sistemas de detecção, ferramentas bastante avançadas, e nós sempre tentando, pela parte do Estado, acompanhar isso aí para poder sempre oferecer um trabalho de excelência como o que sempre orientou os nossos 20 anos de atuação.
Depois, enfim, a não permanência na estrutura da Justiça, o retorno ao Ministério da Economia, provocou, vamos dizer assim, no nosso funcionamento pouca alteração, na medida em que nossas competências, nossas capacidades e autonomia foram, estão sendo e deverão ser preservadas, porque isso é o que nos orienta desde sempre, apesar de, não só pelas recomendações do Gafi...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO LIÁO - ... ou, particularmente, do 29, mas é o que orienta a unidade de inteligência. O corpo já funciona com esse pensamento, com essa dinâmica. Os próprios conselheiros, todos eles até então indicados como representantes de órgãos, não eram qualquer cidadão ou qualquer servidor que pertencesse ou ao Banco Central ou à CVM ou à Susep. Sempre eram e sempre foram, e a ideia é que sempre sejam, servidores que trabalham dentro dos seus órgãos em temas relacionados à prevenção à lavagem de dinheiro. Por exemplo, na Polícia Federal ou no próprio Banco Central, são profissionais que atuam diretamente ou na atividade de supervisão dos órgãos que, vamos dizer assim, atuam nas situações de prevenção ou nas ações de investigação, no caso da própria Receita ou no caso da Polícia Federal ou outros órgãos, mas sempre voltados ao tema.
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A eles era atribuída a competência, até então, de julgar os processos administrativos sobre aqueles sobre os quais o Coaf tem ascendência ou jurisdição, que são as empresas de factoring, as empresas que comercializam joias, pedras e metais preciosos, bens de luxo de alto valor, veículos, aeronaves, embarcações, motocicletas e algumas empresas de assessoria não designadas. Sobre esse complexo, que é onde entra a atividade de supervisão do Coaf, nós baixamos normas, aprovadas pelo conselho, e nós procedemos ao trabalho de fiscalização, aferição de aderência às normas. E, quando não verificada a aderência, há uma ação administrativa com a intenção de punir aquele sujeito obrigado.
E as decisões, essas sim, eram submetidas ao relato - é um sistema de distribuição aleatório, que nós vimos desenvolvendo ao longo do tempo -, e isso passa a ser... Era também uma das competências atribuídas aos membros do conselho. Em reuniões bimestrais, nos últimos anos, a cada dois meses, a gente se reunia para, a partir de uma pauta estabelecida, fazermos o relato, o julgamento dos processos e, na parte de assuntos ordinários, a aprovação de uma resolução do conselho ou alguma deliberação que viesse a ser necessária para o nosso funcionamento, vamos dizer assim.
Então, a manutenção desse status, dessa situação é que nos parece a mais importante porque ela bloqueia, ela veda, ela blinda, vamos dizer assim, como pelo menos nós observamos até hoje, qualquer tipo desse risco de interferência. E eu, como estou lá há um bom tempo, posso garantir aos senhores aqui que não tenho conhecimento de qualquer episódio em que tenha ocorrido essa suspeição nos últimos 21 anos. E não imagino que seja a partir de agora que isso vá acontecer. Acho muito difícil porque a cultura que foi formada, não só no conselho, mas também com o chamado agora quadro técnico administrativo, é de profissionais, há multidisciplinaridade, como destacado aqui pela Luiza e pelo Cristiano, que também convivem com o Coaf há um bom tempo e são testemunhas disso aí.
Então, ficar no ministério, ter uma autonomia futura... Desde que haja esse princípio da autonomia preservado, isso eu acho que é o mais importante para que nós possamos garantir que a nossa unidade de inteligência financeira, como eu falei no início, se alinhe, se veja totalmente enquadrada naquilo que as recomendações internacionais assim sugerem.
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES (Para exposição de convidado.) - Sr. Presidente, eu quero só fazer uma colocação. (Fora do microfone.)
Eu compartilho da visão de V. Exa. com relação à parte de por que a presença de pessoas do setor privado. Como o colega Roberto Liáo disse, existem pessoas dentro do serviço público federal, especialistas em cibersegurança. Dentro da minha instituição se conhecem peritos que desmantelam crimes de "hackeamento" de celulares de autoridades e afins fora.
E, somente com relação à parte da economia, é somente uma discussão entre a escola desenvolvimentista e a liberal. Uma prega o Estado mínimo e a outra prega o Estado pontuando e alavancando a economia por investimentos, que é um multiplicador de consumo de investimento como um agregado da função keynesiana. Eu não manifestei a minha visão pessoal sobre isso, mas eu acho o debate válido dentro das Escolas de Chicago, com Milton Friedman, e, dentro dos keynesianos, os economistas.
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É somente essa observação.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - O debate é válido, mas não é objeto desta reunião.
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - É só para a questão do risco, Sr. Senador, porque, se a OCDE glosa o Brasil, isso impacta em risco, e toda aquela capacidade de investimento da poupança tem um spread...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Realmente, não é...
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - ... parte do tema. Se fosse, levaria a discussão mostrando...
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - ... a meu ver, qual é o lado crítico da sua proposta com relação à ausência do Estado, mas não está em questionamento, não faz parte do objeto da nossa reunião.
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Bem, pergunto se algum dos Parlamentares presentes quer fazer uso da palavra.
Deputado, Chinaglia, Deputado Zarattini...
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP) - Acho que há uma lista aí, Presidente. Deve haver uma lista de inscrição.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Deputado Chinaglia.
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP. Para interpelar convidado.) - Pois não. Obrigado.
Eu também vou me conter, mas o que me chamou a atenção foi aquela figura do pensador associada com a pergunta de o que é o mercado. A resposta piorou, porque falou que é um grupo de economistas que apresentam uma tese, e a partir dali, com choques de posições, se prevalecer, ela segue. É uma equação pobre, na minha opinião, até porque, normalmente, ideia de economista no sistema capitalista tem muito mais a ver com o que forças econômicas defendem, lamentavelmente.
Há também uma ilusão, eu acho, de imaginar que, quando um país cumpre regras como, por exemplo, a Lei do Terrorismo - e eu me penitencio: quando a Presidente Dilma enviou, eu acabei tendo que me envolver na aprovação da matéria -, seria de se imaginar que um país que cumpre as regras, digamos, acaba integrando aquele rol de economias fortes. Não é verdade. Os Estados Unidos fizeram aliança com o Estado Islâmico ao invadir a Síria. Ninguém diz que os Estados Unidos são um Estado terrorista. Mas vamos em frente.
Eu queria fazer perguntas até porque minha formação não me dá condições de entender tudo aquilo que os senhores e a senhora, respeitosamente, falaram. Mas vamos lá.
Com razão, eu creio, vocês fizeram a defesa do Coaf na sua trajetória. Quais são as falhas do Coaf para que essa medida provisória fosse editada com, digamos, o intuito de melhorá-lo? Se não é a partir das suas tarefas anteriores, nós poderíamos interpretar que é por causa das novas tarefas, acrescidas aqui, na medida provisória, no que diz respeito a atuar na gestão de informações para o combate ao financiamento do terrorismo e de armas de destruição em massa.
Aqui, eu tenho uma observação e uma pergunta.
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A pergunta: qual outra estrutura de fiscalização das operações financeiras a estas se soma esse tipo de atividade de combate ao terrorismo, etc.?
Segunda pergunta: o Banco Central teria essa competência? Nada indica. Se não tem, vai ter que encaminhar para outrem.
Outra pergunta: o que muda na constituição do Coaf para Unidade de Inteligência Financeira? Porque eu não creio que o Coaf, quando identificasse na sua estrutura antiga, na sua função antiga, uma movimentação atípica, parasse ali, ou seja, acho que na estrutura anterior se poderia chegar também a uma eventual organização terrorista. Eu não consigo entender por que é que isso se altera. Nada indica. Porque seria uma contradição insanável: o Coaf, psicografando, saberia que aqui não pode continuar porque vai encontrar organização terrorista. Não, ele iria até o final. A polícia poderia identificar se é organização terrorista ou não.
Todos prezam e nós aqui também, obviamente, pela independência e autonomia do órgão. Vocês acham que o presidente do Banco Central indicar o presidente do conselho e escolher os conselheiros, isso fortalece a autonomia de uma ingerência política? Não me parece razoável. Não parece, porque é uma única pessoa subordinada, digamos, a quem o escolhe, que é o presidente do Banco Central. Por quê? Não existe a autonomia do Banco Central. À medida que foi editada essa medida provisória, aquilo que estava tramitando inclusive no Parlamento brasileiro está suspenso e parou antes de o Banco Central - felizmente, na minha opinião - ter conquistado a autonomia. Autonomia frente a quem? O que melhora no desempenho do Banco Central tendo autonomia? Não prestar contas ao Presidente da República eleito, ao Congresso Nacional? É essa a autonomia?
Se isso tem paralelo internacional, eu pediria que vocês nos dessem algum exemplo de país ou da América Latina ou da América ou da Europa, países que acho que têm o mesmo grau de desenvolvimento de proteção do sistema financeiro que o Brasil adquiriu. A crise de 2008 e 2009 provou isto: o sistema é hígido exatamente porque já tem desenvolvimento. Não é que seja perfeito, acho que não, mas, de qualquer maneira, demonstrou.
Então, é verdade que aqui não há governo e oposição, mas que, pelo menos, a gente consiga fazer, a partir da Comissão, um diálogo para poder compreender e, se possível, aperfeiçoar.
Eu não tenho nenhuma dúvida, por exemplo, em tese, da competência do Banco Central em fazer parte da sua atividade aqui. Eu não estou dizendo que os outros órgãos que antigamente estavam envolvidos não tivessem. Eu concordo com a Sra. Procuradora em que a equipe multidisciplinar é fundamental. E, se vai - aí eu queria perguntar diretamente ao Dr. Ricardo Liáo - criar uma equipe própria... Eu vou dar o exemplo da Polícia Federal, em homenagem ao Otávio Borges. A Polícia Federal é um inferno, ninguém consegue controlar aquilo porque é delegado que fez concurso para delegado; é o legista que, quando consegue alguma coisa - e eu vivi essa experiência -, o papiloscopista vem atrás; e aquele que fez concurso para ser técnico quer ter o mesmo salário do delegado. Então, a pergunta direta é: ao se criar esse novo órgão com esse novo apelido, ainda que tivesse as mesmas características desde 1998, que é a Unidade de Inteligência Financeira, vocês vão criar uma carreira única ou não? Porque, se é para ser multidisciplinar, eu antevejo, por experiência aqui do Parlamento... Eu vou brincar com a procuradora: primeiro vêm os procuradores, depois vêm os juízes, depois vem a Polícia Federal, e essa roda nunca para, para o bem ou para o mal.
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Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Obrigado, Deputado Chinaglia.
Deputado Zarattini.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP. Para interpelar convidado.) - Presidente, em primeiro lugar eu queria destacar que essa questão de onde deve ser colocado o Coaf, agora a UIF, já foi discutida no Congresso, já foi objeto de medida provisória, já foi aprovado que deveria ficar no Ministério da Economia, já foi vetado e já foi derrubado o veto. Portanto, nós estamos discutindo pela segunda vez, no mesmo ano, o mesmo assunto. Então, é uma questão que tem até esse problema aí.
De todo jeito, enquanto essa é uma questão de fundo, eu fico aqui preocupado até com o nosso Relator, porque ele tem um problema grande para resolver, na medida em que estamos falando aqui de dar mais autonomia para um novo órgão, aliás, um órgão já antigo ganhando mais autonomia. E tudo que ganha mais autonomia também tem que ter mais controle. Como vai ser exercido esse controle? De onde vem esse controle sobre essa autonomia? Quem vai exercer esse controle? O Senador José Serra colocou aqui a questão da indicação dos membros do conselho e me parece que essa é uma questão importante para se levar em conta.
Outra questão: os procedimentos da UIF. Por exemplo, a questão do sigilo. Nós tivemos semana retrasada a divulgação da movimentação financeira do Deputado David Miranda. De onde saiu isso? Da UIF. Não? Então, nós precisamos saber como é que transita isso, qual a responsabilidade, para onde vai, como vai. Nós vamos votar hoje os vetos à Lei de Abuso de Autoridade. Nós precisamos enquadrar. Não é possível que um órgão... Tudo bem, podemos achar... O Sr. Ricardo falou aqui que não houve problemas nesses 20 anos, mas vamos avaliar concretamente. Pode ser que não tenha havido, mas pode ser que venha a haver. Quais são efetivamente as questões de controle e os procedimentos que devem ser seguidos? Eu acho que seria importante, Dr. Ricardo, que o senhor falasse um pouco sobre essa questão dos procedimentos e daquilo que está regulado, como está regulado, onde está regulado, para que a gente possa eventualmente consagrar em lei algumas questões que me parecem importantes.
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Por fim, essa questão da nomeação de pessoas que não são funcionários é muito estranha mesmo, porque o senhor colocou, Dr. Cristiano, que é uma preocupação específica com especialistas em cyber informações... Poxa, mas, se é tão específico assim, pode ser específico do ponto de vista de haver pessoas indicadas, quer dizer, se molda um cargo para uma determinada pessoa. Eu acho isso complicado.
Então, eu acho que a gente precisaria ter aqui um debate um pouco alongado, Sr. Relator e Sr. Presidente, para que a gente não crie aqui mais um monstrinho na Administração, certo? Eu estou muito preocupado com isso. A gente pode estar... O Coaf viveu... Nós convivemos com o Coaf 20 anos, mas nós estamos entrando agora num novo momento. Então, eu gostaria de que a gente fosse mais fundo aqui na avaliação do funcionamento, dos procedimentos desse órgão que tem tanto poder de verificar na conta de cada um, na movimentação bancária, na movimentação financeira de cada cidadão e cidadã brasileira a sua regularidade ou não regularidade.
Era isso que eu queria falar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Muito obrigado, Deputado Zarattini.
Passo a palavra aos nossos convidados, com o teto de cinco minutos, para eventualmente responderem às questões.
O SR. RICARDO LIÁO (Para exposição de convidado.) - Tentarei respeitar os cinco minutos dados pelo Senador.
Primeiramente, sobre a questão de quais são os supervisores, vamos dizer assim, que o Deputado Arlindo nos levanta. Não sei se no início eu consegui me expressar direito. Hoje, ou desde 1998, a lei criou, no art. 9º, quais são as pessoas obrigadas ou as atividades obrigadas a informar. E, dentre as principais, eu diria estar o sistema financeiro, cuja atividade é regulada pelo Banco Central historicamente - e as regras de prevenção à lavagem de dinheiro passaram a ser atribuição também do Banco Central nesse aspecto -; a CVM, no mercado distribuidor, que regulava a atividade do mercado distribuidor, passou a ter incumbência também de regular matérias relacionadas à prevenção da lavagem de dinheiro; a Susep da mesma forma; e assim por diante. Como comentado, no setor em que não houvesse um órgão cuja atividade fosse regulada por algum desses, entraria a competência que a gente chama residual do Coaf para regular, a partir do que a lei estabelece, as obrigações a serem observadas, fiscalizar o cumprimento e aplicar as penalidades quando for o caso de irregularidades observadas, dentro da disciplina que estabelece o art. 12 da própria lei. Então, isso está tudo mantido, não houve nenhuma alteração nesse aspecto.
É claro que o sistema financeiro é, vamos dizer assim, o principal alimentador dessa base de informações das chamadas comunicações de operações suspeitas, na medida em que hoje nós temos milhões de correntistas. Há um dado até trazido no ano passado, num evento que tivemos na Febraban, de 78 bilhões de registros ao ano de operações bancárias. É um volume astronômico. E uma pequena parte disso é objeto de uma análise, de um sistema de detecção, de um monitoramento desenvolvido pelo sistema financeiro ou pelas instituições que compõem o sistema financeiro - aí entram Banco Central, CVM, Susep. A partir dessa identificação, aplicada a política com esse seu cliente e as situações e as instruções baixadas pelos órgãos dos chamados sinais de alerta, é que se orientam essas instituições a comunicarem as situações à unidade de inteligência financeira. E essas são as informações em que nós nos baseamos para produzir os relatórios de inteligência financeira.
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Diferentemente da observação do Deputado, nós não entramos em conta bancária de ninguém, nós não entramos em conta de investimento de ninguém. Isso só se dá a partir de uma quebra de sigilo bancário. As informações de que o Coaf dispõe e das quais se utiliza para fins de produção de inteligência, quando, a partir dessas informações e de outros dados que ele obtém em fontes abertas, em Infoseg ou outras bases de informação que também são compartilhadas, basicamente de origem cadastral, compartilhadas com a unidade, é que permitem formular a inteligência de que há fortes indícios de determinado crime, independentemente de qual seja o crime, inclusive de uma situação de financiamento ao terrorismo. E, aí sim, compartindo com as autoridades competentes, como a gente chama - aqui entendidos os ministérios públicos estadual e federal, polícias civis ou federal, ou eventualmente um outro órgão que detenha competência para tratar de um crime ali evidenciado ou pelo menos do indício de um crime ali evidenciado -, é que se vai, aí sim, conduzir a ligação daquele procedimento de lavagem ou de ocultação ou de simulação, que é o que define a lavagem, com o chamado crime antecedente. Embora o financiamento ao terrorismo não seja um crime antecedente, porque ele entrou no rol...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO LIÁO - ... do tema lavagem de dinheiro a partir de 2001, é uma atividade que também o Gafi passou a olhar com olhos de muito cuidado na medida em que são mecanismos simples, são mecanismos usuais, e, se você não observar, eles acontecem e, enfim, financiam um monte de coisa, inclusive o terrorismo.
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR. Como Relator.) - Queria que respondesse um pouquinho sobre a questão da marca d'água e do David Miranda.
O SR. RICARDO LIÁO (Para exposição de convidado.) - Sim. Sobre a questão do vazamento, nós temos no sistema desenvolvido internamente que o chamado relatório de inteligência financeira só é idealizado, só é materializado quando a autoridade destinatária desse documento o faz, ou seja, dentro do ambiente Coaf eu não tenho como produzir um relatório de inteligência financeira. Eu tenho partes dele, eu tenho formulados que o compõem, mas o documento final - percebe? - o documento final - e há um sistema eletrônico de intercâmbio Coaf com todas as autoridades, elas são cadastradas, elas são identificadas - não está em papel. Não há relatório em papel hoje em dia. Isso é um processo que a gente veio desenvolvendo ao longo do tempo e, nos dias de hoje, nós não temos mais papel, a menos que alguém vá lá - e, aí sim, esse alguém é a autoridade destinatária ou as autoridades destinatárias daquele documento, porque pode ser mais de uma - "printar" para eventual leitura ou condução, e aí vai no interesse da autoridade. E aquele é único. Se ele fizer uma outra impressão, é uma outra impressão; nunca vai ser igual à anterior. "Ah, então só pode vazar daí?". Bem, o que eu posso afirmar é que, no ambiente do conselho, é praticamente impossível a gente observar qualquer processo de vazamento de relatório, por essas informações que eu compartilho aqui com os senhores.
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP. Para interpelar convidado.) - Presidente, pela oportunidade, a decisão do Ministro Toffoli, aqui já referida, teve a ver com uma utilização de dados, diferentemente daquilo que foi interpretação do próprio ministro. Eu não estou dizendo, portanto, que isso é vazamento. Eu sei perfeitamente que não se trata disso, mas foi noticiado pela imprensa - eu não sei o que tem de verdade ali ou não - que houve uma diminuição acentuada da produção de relatórios, sei lá do quê, do Coaf, por causa da decisão do ministro.
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Não sei se é oportuno ou não, Presidente, mas quero entender um pouco melhor essa dinâmica. Qual foi a minha compreensão? Felizmente, não sou advogado. Que teria havido uma extrapolação daquilo que era competência. Então, não estou falando de vazamento, mas de extrapolação.
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN (Para exposição de convidado.) - Vamos entender. Vou começar... O que existia no Supremo era um recurso extraordinário com repercussão geral, que é, inclusive, do Ministério Público Federal. E a discussão que havia lá não tinha nada a ver com o relatório de inteligência financeira, mas sim se era possível a Receita Federal... É um recurso extraordinário antigo, que veio do interior de São Paulo, relativo a uma sonegação de um posto de gasolina, de donos de postos de gasolina no interior de São Paulo. Essas pessoas estavam denunciadas por sonegação fiscal.
Como a Receita Federal tinha feito esse trabalho? Tinha feito esse trabalho com base na movimentação da antiga CPMF. Com a cobrança na conta, aquela movimentação que se tinha feito, ali se verificava que tinha havido uma movimentação além do posto e que, portanto, aquilo dava sonegação fiscal. Aquilo ali foi feito pela... Os auditores, então, tinham acesso àquelas informações, faziam uma representação para fins criminais e mandavam ao Ministério Público, que denunciou por sonegação.
Quando isso aconteceu, surgiu uma discussão sobre se a Receita poderia usar aqueles dados bancários, o que é previsto na Lei Complementar 105, e se esses dados podiam ser compartilhados com o Ministério Público Federal. A jurisprudência se firmou no sentido de que, sim, era possível a Receita usar esses dados, compartilhar com o Ministério Público Federal, que fazia, então, sua denúncia de sonegação.
Esse recurso extraordinário o Supremo já tinha decidido, tanto que esse recurso extraordinário que veio de São Paulo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, foi recebido no Supremo e deveria, no nosso ponto de vista, ter sido julgado monocraticamente, porque havia precedente. Entendeu-se, contudo, fazer um novo julgamento. Estava lá o recurso extraordinário esperando, com o Ministro Marco Aurélio, para ser pautado e foi afetado como repercussão geral no regime da repercussão geral.
Paralelamente, um Senador, Deputado, que havia sido Deputado Estadual, estava sendo investigado no Rio de Janeiro pelo Ministério Público estadual do Rio de Janeiro, junto com vários Deputados, já na égide da nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que só têm prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal aqueles que respondem a crimes relacionados ao mandato no período do mandato.
Quando esse Deputado Federal foi eleito Senador da República, a defesa disse: "Supremo, o processo deve vir para cá". O Supremo disse: "Não, não deve vir para cá, porque essa investigação tem a ver com atos cometidos no exercício de Deputado Federal que envolviam vários outros Deputados Federais no Estado do Rio de Janeiro". Estava lá a investigação.
Essa investigação passava para o relatório de inteligência financeira pedidos pelo Ministério Público estadual. Esse relatório, segundo o Ministério Público estadual e segundo nós mesmos, porque depois nós vamos atuar nesse processo - não Luiza, mas a Procuradora-Geral -, é um relatório de inteligência financeira que diz: há movimentação atípica. Por quê? Porque, nessa conta, havia "x", "x", "x" depósitos. Aí atipicamente acontecem tais e tais depósitos. Só desse Senador? De várias pessoas. De várias pessoas.
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(Soa a campainha.)
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - O que se discute? Aí a defesa do Senador foi ao Supremo, numa petição independente, e disse: "Olha, Ministro Toffoli [porque estava no recesso], a minha questão aqui tem a ver com esse recurso extraordinário aí, porque teria havido quebra sem autorização judicial".
E o que se discute hoje é a natureza, quais são as informações do relatório de inteligência financeira. Quando o Ministro Toffoli fala que só pode haver valores globais... Valores globais não é a linguagem da lei de lavagem de dinheiro, é a linguagem da Lei Complementar 105, que fala de sonegação fiscal. A linguagem... O que o relatório de inteligência financeira diz é: "Nessa conta, houve movimentação atípica". Por quê? Porque nunca há depósitos de R$10 mil todo mês. Isso é muito comum em questão de laranja das facções criminosas. Aliás, é uma tipologia quando você começa a depositar pequenas quantidades inferiores a R$10 mil, porque a legislação de comunicação é de R$10 mil. Então, essa é a tipologia. Inclusive, se forem verbas federais em contas de prefeitura nem precisa de quebra de sigilo.
O que está se discutindo é se, na natureza desse relatório, quando eu receber aquele relatório, posso continuar as investigações ou tenho que pedir quebra de sigilo bancário. É isso. E, na Recomendação 29, está dito que tem que compartilhar.
Dito isso, o que aconteceu? Como os relatórios tinham uma determinada natureza... E esse relatório não é criação do Coaf. Esse relatório se dá da mesma forma no mundo inteiro, chamam-se Princípios de Egmont, que mostram como prevenir a lavagem de dinheiro. Interessa prevenir a lavagem de dinheiro em todos os crimes, do financiamento ao terrorismo, do tráfico de drogas ao praticado pelas facções criminosas.
O que está se discutindo e o que se vai discutir quando for julgado o recurso extraordinário é isto: a natureza das informações que vêm no relatório de investigação de inteligência financeira necessitam de uma quebra de sigilo bancário imediata ou não? Os embargos de declaração do Ministério Público Federal colocam todas essas questões.
Então, é isto: não houve vazamento; do ponto de vista do Ministério Público, não houve extrapolamento; o relatório foi produzido exatamente da mesma forma como vem sendo produzido há 20 anos. Só que agora está se discutindo se esse relatório tem informações que poderiam caracterizar quebra de sigilo sem autorização, o que não seria possível, ou se são informações gerais que dão indícios para eu pedir uma quebra de sigilo bancário, até porque para eu pedir a quebra de sigilo bancário é preciso haver indícios, porque, senão, o juiz vai dizer, aí sim: "Como você quer quebrar o sigilo da pessoa A, B ou C se não há indícios?". Por isso, eu tenho que ter o relatório de inteligência financeira. Então, é essa discussão que está havendo.
Não há vazamento, não há excesso, o que há é: aquelas informações são compatíveis com o regulamento internacional? Nós dizemos que sim. O Ministério Público estadual do Rio de Janeiro, o Ministério Público - não só nós -, o Tribunal do Rio de Janeiro, o TJ, já havia dito, e o Superior Tribunal de Justiça também já havia dito, tanto que essa discussão está no Supremo agora. O Supremo vai se pronunciar sobre isso.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Obrigado. Parabéns pela visão que nos apresenta.
A sessão do Senado já abriu, vamos encaminhando para o encerramento.
Eu queria registrar aqui comentários ou perguntas vindas de cidadãos do País, por meio do portal e-Cidadania.
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Francisco Nobre, de São Paulo, diz: "Se a expertise do Coaf sempre foi composta por PF, Bacen e Receita, como entes privados podem agregar valor se não têm qualquer experiência?".
Andreza Muller, de Goiás, afirma que: "É de suma importância que, além de poder investigativo, tenha poder de autuação, colaborando ainda mais em investigações de atos ilícitos".
Atila Conceição, da Bahia, observa que: "A quantidade de servidores de que dispõe o Coaf atualmente é suficiente para atender o trabalho realizado?" - na verdade ele coloca uma pergunta, não uma afirmação - "Como os Senadores podem ajudar o Coaf?".
Leandro Souza, do Distrito Federal, considera que: "O Coaf tinha que ser transferido logo para o Ministério Público". Ele diz: "Quem não deve não teme".
Essas são as observações que nos chegaram de todo o País.
Eu queria agradecer aqui...
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Presidente...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Sim.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Eu só queria solicitar... Talvez o Dr. Ricardo Liáo pudesse nos fornecer uma espécie de fluxograma de como funciona toda essa mecânica do Coaf e quem, em cada ponto, em cada atividade, exerce as funções. Eu acho que seria interessante para a gente entender melhor, porque eu vou falar para o senhor: o senhor me fez uma afirmação sobre a pergunta que eu fiz em relação ao Deputado David Miranda, e eu não entendi o que seriam essas partes de um relatório. E depois ele seria concluído exatamente onde? Porque aí já não seria no âmbito do Coaf; seria num outro âmbito. Então, é isso que a gente... Eu achava que havia um relatório do Coaf, e o senhor está me informando que não, que há uma coisa intermediária.
O SR. RICARDO LIÁO - Não, não. Perdão, o relatório é o documento que a gente encaminha à autoridade competente. E a autoridade competente, ao ter acesso a esse relatório ou ao imprimi-lo... A impressão é única, é caracterizada, é hash, enfim, há toda uma terminologia tecnológica que garante que aquele documento só pode ter sido produzido naquele momento por aquela pessoa; e outra impressão daquele documento por aquela pessoa terá uma outra configuração.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Vai para o Ministério Público com uma marca d'água.
O SR. RICARDO LIÁO - É mais do que uma marca d'água na verdade, é um pouquinho mais, mas é essa a ideia.
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR) - O Dr. Cristiano tem, inclusive, acho que um fluxograma para apresentar.
O SR. CRISTIANO DE OLIVEIRA LOPES COZER - Na verdade, a minha sugestão era - talvez, Liáo - encaminhar ao...
O SR. RICARDO LIÁO - Sem dúvidas!
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Olhem, seria importante a gente ter essas informações para a gente poder compreender melhor o funcionamento.
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR) - Vamos fornecer para os membros.
O SR. RICARDO LIÁO - Prometo encaminhar à Comissão.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Perfeito.
O SR. OTÁVIO ALLEMAND BORGES - No eslaide nº 13 da minha apresentação, havia um fluxograma antigo de como funciona essa transmissão das informações.
Somente para fazer um complemento técnico com relação à garantia da cadeia de custódia, existe um algoritmo alfanumérico computacional, e basicamente, quando você transmite, quando nós recebemos na criminalística uma conta bancária, o que garante para o senhor que o valor que o banco transmitiu é de R$100, e não é R$1 mil, e que não houve uma alteração? Basicamente, quando o sistema passa, transmite esses dados, e eu recebo os dados, exige-se um código hash, um código alfanumérico, e aquele código tem que bater no final. Se aquele código tiver um número errado, isso significa que eu não consigo garantir a autenticidade e integralidade daquelas informações bancárias. Então, existe força computacional envolvida para garantir a cadeia de custódia, de que esses dados são autênticos e com integralidade.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Nós ainda teremos audiência pública? (Pausa.)
Amanhã.
Há o requerimento em que proponho para a audiência a presença de alguns convidados, o Requerimento nº 4, que quero pôr em votação.
Os Parlamentares que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
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Antes de encerrarmos os trabalhos, proponho a aprovação da ata da presente reunião.
Os Parlamentares que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 14 horas e 48 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 34 minutos.)