02/10/2019 - 6ª - Comissão Mista da Medida Provisória n° 893, de 2019

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Havendo número regimental, declaro aberta a 6ª Reunião da Comissão Mista destinada a emitir parecer sobre a MP 893, de 2019.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para debater a matéria.
Temos hoje gente bastante qualificada para se pronunciar.
Convido para assento à mesa as seguintes pessoas: José Eduardo Cardozo, ex-Ministro de Justiça e advogado; e Antônio Pitombo, advogado.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo. As pessoas que desejarem mandar sua contribuição ou sua participação podem enviar os comentários pelo endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800-612211. Repito o telefone: 0800-612211.
De acordo com as normas regimentais, cada convidado fará sua exposição por no máximo dez minutos - não é obrigação fazer em dez minutos, pode ser menos -, em seguida abriremos a fase de interpelação pelos Parlamentares inscritos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Eu recebi aqui uma sugestão que vou acatar, porque nós estamos tendo votações importantes no Plenário do Senado e pode ser que eu tenha que me ausentar no meio dos nossos trabalhos. Portanto, eu quero adiantar as minhas perguntas aos nossos convidados. São quatro.
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Primeira: como pode ser vista a proposta de transferência do Coaf do Ministério da Economia para o Banco Central? Existe justificativa técnica para tal medida?
Segunda: como o senhor analisa a incorporação e o funcionamento de um órgão estranho às funções de supervisão e fiscalização das instituições financeiras na estrutura do Banco Central?
Terceira: como assegurar o sigilo das informações e das comunicações de operações suspeitas elaboradas pela UIF? Precisamos assegurar o sigilo dos documentos e comunicações e assegurar responsabilização dos agentes públicos que eventualmente facilitem os vazamentos.
Quarta: anteriormente, apenas servidores públicos do quadro de pessoal efetivo de determinadas carreiras correlacionadas ao objeto do Coaf podiam integrar o Coaf. A MP procura mudar isso. Esses servidores têm atribuição de julgar processos administrativos sancionadores, atividade típica e privativa, na minha opinião, de servidores públicos das carreiras de Estado, além de terem acesso a informações protegidas por sigilo. A MP permite que a UIF seja integrada por servidores sem vínculo, ocupantes apenas de cargo em comissão. Seria essa uma medida temerária? Quero dizer, entre parênteses, que eu acho que seria, sim, mas eu gostaria de ter a opinião dos nossos convidados.
Concedo aqui a palavra ao Sr. José Eduardo Cardozo.
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO (Para exposição de convidado.) - Sr. Presidente, Senador José Serra, Sr. Deputado Stephanes, querido amigo e colega Dr. Pitombo, Sr. Deputado Arlindo Chinaglia, demais Parlamentares presentes, senhoras e senhores, primeiro me sinto muito honrado com esse convite e a possibilidade de ser lembrado para debater uma matéria que julgo de grande importância para o País, que diz respeito exatamente à localização estrutural do Coaf e às suas atribuições.
Eu posso dizer aos senhores e às senhoras que eu tive um longo período de permanência no Ministério da Justiça: foram mais de cinco anos. E, naquele período, se estabeleceu uma conexa colaboração entre os órgãos do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda e também da Controladoria-Geral da União. Embora em unidades separadas, em ministérios separados, sempre houve uma colaboração muito estreita e dentro dos estritos limites legais entre a atuação da Polícia Federal, do Coaf e da Controladoria-Geral da União.
Por essa razão, eu fui tomado de grande surpresa quando soube, através da imprensa, da medida provisória que deslocava o Coaf para o Ministério da Justiça num primeiro momento. Eu sinceramente não vi nenhuma racionalidade em que isso pudesse ocorrer; ao contrário, vi uma situação problemática. Qual situação problemática? Eu começo contando um fato.
Recordo que, num dado momento do Ministério da Justiça, quando nós antecedíamos os grandes eventos e discutíamos os planos de segurança, houve um momento de uma proposta de que o Ministério da Justiça recebesse a Abin, um órgão de inteligência, justamente para que pudesse haver um estreitamento da atuação da Abin e da Polícia Federal, tendo em vista maior harmonização de ação nos grandes eventos.
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E, naquele momento, para a surpresa de muitos, eu me postei contrário a isso. E me foi perguntado: "Mas como? Por que você não quer que a Abin integre a estrutura do Ministério da Justiça?". Eu disse: "Porque acho um erro estrutural. Não é possível que as unidades de inteligência fiquem concentradas nas mãos de um único ministério. Esse ministério se transformará no ministério mais poderoso da República, e eu não tenho nenhuma vocação para Edgar Hoover". Ou seja, se há uma premissa básica do Estado de direito, é a premissa de que todo poder tem que ser limitado. E, indiscutivelmente, o fato de submeter órgãos de inteligência distintos mas sob um mesmo comando causa a tentação do abuso de poder. A tentação do abuso de poder é perversa. Ter na sala do lado alguém que examina situações financeiras e, na outra, quem investiga, pode levar a uma promiscuidade interativa ilegal, com ausência de procedimentos, com ausência de regras. Isso é a negação do Estado de direito. Por isso, eu não vi nenhuma justificativa técnica em que o Coaf pudesse ser transferido para o Ministério da Justiça. E via isso como um malefício e não como um benefício, já que a colaboração sempre existiu.
Quando posteriormente, por decisão do Parlamento brasileiro, isto não se confirma, e se decide passar o Coaf para o Banco Central, eu fiquei mais espantado ainda, ou seja, se as coisas vinham bem onde estavam, por que não se aperfeiçoam as coisas ao invés de buscar alternativas mirabolantes? O Banco Central é uma autarquia, tem natureza jurídica autárquica e, nessa perspectiva, colocar um órgão de inteligência numa autarquia, inclusive com possibilidades sancionatórias e procedimentais, parecia-me uma coisa completamente destinada ao esvaziamento do papel do Coaf e não ao seu fortalecimento, ou seja, algo sem noção administrativa.
Então, apenas resumindo a V. Exas. o que é o meu pensamento: eu acho que correto é que o Coaf fique no Ministério da Fazenda, ponto. Não tem que ir para o Ministério da Justiça, nem tem que ir para uma autarquia. Não tem que concentrar poderes no Sr. Ministro da Justiça, porque já os tem demais - eu já os tinha também; embora, Senador José Serra, o poder que o Ministro da Justiça tem é uma faca de dois gumes, porque, se por um lado, você é poderoso e é o primeiro a bater, antes de bater você é o primeiro a apanhar, exatamente pelo poder que você tem ou que as pessoas presumem que você possa ter em certos momentos. Mas o Ministério da Justiça não me parece vocacionado para concentrar órgão de inteligência, já basta a inteligência da Polícia Federal. Que a inteligência das Forças Armadas, respectivas, fique no Ministério da Defesa; que a inteligência financeira fique no Ministério da Fazenda; que a Abin fique submetida ao Gabinete presidencial. E aí os órgãos de inteligência que dialoguem, mas não se concentrem num ser todo poderoso que poderá ter a República a seus pés. Basta que tenhamos no Ministério da Justiça alguém com propensão messiânica para que a virtude imbuída e tomada por um messias sirva como aniquilamento do Estado democrático de direito. Então, por essa razão sou contra.
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Por outro lado, também não sou favorável a uma diminuição estrutural do Coaf. As autarquias têm, pelo princípio da especialização, que é característica dos entes da administração indireta, limites objetivos e, portanto, não me parece próprio, administrativamente, que se desloque isto para uma inteligência do Banco Central, limitando a atuação, atrofiando este órgão, que me parece muito bem posto, repito, no Ministério da Fazenda.
Então, tivesse eu a honra de ser Parlamentar neste momento, coisa que já o fui, eu tenderia a dois movimentos: deixar o Coaf onde se encontra e fortalecê-lo - fortalecê-lo blindando-o de injunções políticas que visem ou à investigação de inimigos ou ao poupar de amigos. É assim no Estado de direito. No Estado de direito não se poupa os amigos, nem se ordena a investigação ilícita de inimigos. Respeita-se o andar das coisas, com procedimentos, com regras, com absoluta imparcialidade e absoluta impessoalidade.
Portanto, em breve síntese, Senador José Serra, é a posição que quero expressar a V. Exas.
Talvez V. Exas. tenham uma grande oportunidade, se acharem que este ponto de vista que expresso é o correto, de aperfeiçoar o Coaf onde ele se encontra, no Ministério da Fazenda. Vamos aperfeiçoá-lo, vamos fortalecê-lo, vamos definir procedimentos para que abusos não voltem a ser cometidos, vamos definir regras - definir regras não é enfraquecer; definir regras é fortalecer a institucionalidade. Portanto, é como eu vejo, em sentido apropriado e característico, a dimensão do Coaf.
Vejo, portanto, que há males que vêm para bem. Achei que o Coaf já estava muito bem onde estava, não deveria ter ido para o Ministério da Justiça; mas a discussão agora de voltar para o Banco Central permite a V. Exas., a Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, definir o futuro desse órgão, que é fundamental para a República. E, como tal, é necessário fortalecê-lo, limitá-lo através de procedimentos criteriosos, legalmente estabelecidos, para que ninguém deixe de exercer o poder, mas também para que ninguém abuse dele. Ou seja, quaisquer das soluções que fujam disso eu vejo com péssimos olhos, diante do trabalho importante que o Coaf presta à República brasileira.
Basicamente era a ponderação que tinha a fazer a V. Exa., Senador.
Eu vou ser obrigado a cometer uma deselegância, mas acredito que oportuna a todos: eu tenho uma audiência no Judiciário e o senhor sabe que advogados são escravos das determinações judiciais. Se eu lá não comparecer, seguramente meu cliente não ficará feliz comigo por essa situação. Mas a vantagem que tenho é que está aqui na Mesa uma pessoa muito mais competente do que eu, muito mais preparada que eu para poder responder às perguntas. Então, usando o jargão de advogado, eu digo, Senador José Serra, Deputado Stephanes, que eu substabeleço ao meu colega que está na ponta a possibilidade de responder em meu nome, sob as penas da lei, àquilo que eventualmente poder-me-ia ser dirigido.
Muito obrigado, Senador. Muito obrigado, Deputado. Perdão pela retirada mais rápido do que eu gostaria de fazer.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Nós é que agradecemos pelo comparecimento, pela qualidade e a síntese da sua exposição.
Agora, posso lhe assegurar que advogado nunca é escravo de ninguém.
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Mas a lei é.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - A lei é.
Em todo caso, o nosso Relator Reinhold Stephanes Junior está fazendo um bom trabalho. Tenho certeza de que recolherá com muito boa vontade suas recomendações. Inclusive, eu lhe pediria que fizesse por escrito.
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O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Posso fazer. Posso fazer.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Falo em nome do Stephanes, mas creio que o Stephanes estará...
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Eu me coloco à disposição também para qualquer outra situação. Nós vivenciamos muito...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Isso é a curto prazo, porque nós temos que ter o relatório...
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Até quando?
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - ... até a semana que vem, pronto.
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Farei com o maior prazer, com um grande prazer.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Já há uma primeira versão, que vai ser apresentada na semana que vem. Portanto, teria que ser logo. Em tese, seria hoje. (Risos.)
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Mas para a semana que vem dá tempo. Eu faço. É bem simples, é só colocar no papel e esquematizar essas ponderações.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Está bem. Obrigado.
O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Passo a palavra ao Dr. Antônio Moraes Pitombo, advogado.
O SR. ANTÔNIO MORAES PITOMBO (Para exposição de convidado.) - Sr. Presidente Senador José Serra, a quem desde o início agradeço a gentileza do convite; Sr. Deputado Reinhold Stephanes Junior, a quem cumprimento; meus cumprimentos também à Dra. Adrienne Jobim, que, sem dúvida nenhuma, é uma das maiores especialistas nesse tema que nós vamos tratar no dia de hoje, já tratou desse tema no âmbito da Administração Pública...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Que é minha assessora.
O SR. ANTÔNIO MORAES PITOMBO - ... e que...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Você não disse que era minha assessora.
O SR. ANTÔNIO MORAES PITOMBO - Ah, e que é assessora do Senador José Serra.
Senhoras e senhores, Sr. Deputado Arlindo Chinaglia, eu vou fazer uma contribuição no sentido de trazer questões com uma visão de como o setor privado vê isso e, particularmente, com uma ideia de transbordar o tema simplesmente numa questão nacional, porque é impossível nós tratarmos de lavagem de dinheiro simplesmente olhando como se isso fosse uma questão, na sua origem, de legislação nacional.
Nós precisamos lembrar que o Brasil fez uma lei de lavagem de dinheiro em razão de uma convenção internacional a que ele se obrigou: a Convenção de Viena de 1988. E exatamente no art. 9º da Convenção de Viena de 1988 é que surge a ideia de que se deveria trocar informações.
O que é curioso na Convenção de Viena de 1988? É a prova, Deputado Arlindo Chinaglia, da força norte-americana em termos de política internacional. A lavagem de dinheiro nasceu porque a ideia do the war on drugs, que era a ideia de perseguir os narcotraficantes, havia falhado como política internacional e era necessário se criar um novo modelo de perseguição aos narcotraficantes.
Quero fazer duas observações. Aí surge a convicção do que é o follow the money, vamos atrás do dinheiro dos narcotraficantes, porque aí vamos conseguir dizimar essa atividade. A primeira ideia, que era uma ideia de simplesmente substituição agrícola, havia falhado na América Latina como política internacional norte-americana. Quando surge isso, é preciso entender muito bem toda essa composição internacional, essa convenção. E a legislação que veio não é uma legislação simplesmente com uma visão persecutória - e muitos erros são cometidos nesse sentido.
Os Estados Unidos da América decidiram criar a pressão sobre a ONU por duas razões fundamentais. A primeira é por uma razão econômica, porque a moeda utilizada pelos narcotraficantes era o dólar, o que exigia certa atenção das autoridades monetárias norte-americanas - há documentos nos Estados Unidos sobre isso. Então, este é o primeiro ponto. O segundo ponto é uma tendência clássica da jurisdição norte-americana de querer abarcar o máximo possível de casos e, portanto, uniformizar, no mundo ocidental, o Direito Penal, o processo penal, para a finalidade de extradição e confisco. Então, esse é o cenário em que surge a perseguição da lavagem de dinheiro em 1988.
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A grande evolução passa quando vêm as 40 recomendações do Gafi, em que surge a ideia de se criarem as ideias de unidade de inteligência financeira, que, a bem da verdade, numa perspectiva contemporânea, não deveria ter esse nome. Deveria ser unidade de inteligência econômico-financeira, porque nós não estamos tratando apenas de questões financeiras, o que já indica claramente que nós não devemos limitar ao Banco Central do Brasil a preocupação com a lavagem de dinheiro.
Feitas essas observações de origem, nós temos que entender que existem quatro modelos internacionais de unidade de inteligência financeira: o modelo judicial, ou seja, quando a unidade atende ao interesse do Judiciário; o modelo law enforcement, que atende aos órgãos da persecução penal; o modelo administrativo; e o modelo híbrido.
Qual é o problema brasileiro? É que as pessoas não reconhecem que o nosso modelo é o modelo administrativo. O Coaf não está para servir ao Judiciário, o Coaf não está para servir à Polícia Federal e ao Ministério Público, o Coaf é um órgão administrativo, que tem funções muito mais importantes do que essa. Faço uma observação a latere: não poderia ser um órgão de inteligência financeira para o Judiciário ou para o Ministério Público ou para a Polícia Federal.
Nós temos que lembrar que temos a Lei Complementar 105. Sigilo bancário é algo importante no Direito brasileiro, é previsão constitucional e é protegido por lei complementar. Então, o legislador constituinte assim quer o Direito brasileiro. Gostem ou não gostem, inclusive as autoridades estrangeiras, é o nosso modelo. E a Convenção de Viena de 1988 é claríssima no sentido de que o Direito constitucional de cada país tem que ser respeitado.
Muito bem, se é um modelo administrativo, o Coaf não tem só que manejar informações, tem algo fundamental, que é inclusive julgar procedimentos administrativos sancionatórios daqueles que não cumprem as regras de prevenção à lavagem de dinheiro. Mas um ponto fundamental que se vê esquecido no Coaf muitas vezes é o de orientação a determinados setores de economia que são sensíveis à lavagem de dinheiro.
Vamos confessar o nosso fracasso, por exemplo, no que se refere ao mercado de arte. Falta uma proximidade maior entre as autoridades da Administração Pública e o setor privado no mercado de arte brasileiro, que tem que prosperar no sentido de mais didática, mais educação, mais convencimento de que as regras formais de proteção à lavagem de dinheiro são boas, sim, para o mercado. Eu quero dizer aos senhores que mercados não regulados são mercados inseguros. Um dos fatores de involução do mercado de arte brasileiro, e em certa medida do mercado imobiliário, é a falta de proteção a um sistema de prevenção à lavagem mais perfeito.
Feitos esses esclarecimentos, é evidente a não pertinência do Coaf ou de uma unidade de inteligência econômico-financeira ao Ministério da Justiça. Nós não vamos criar uma pequena gestapo financeira para uma utilidade de perseguição de A, de B ou de C. Não está aí para servir à Polícia Federal, não está aí para servir a interesses da Administração Pública, mas também me parece claro que não há vínculo nenhum com o Banco Central do Brasil.
E aqui há até um problema muito grave: nós temos que entender que a atribuição do Coaf se entende por exclusão. Quando não é regulado pelo Banco Central, não é regulado pela Susepe, não é regulado pela CVM, por exclusão a atribuição é do Coaf. Isso sempre funcionou muito bem no modelo brasileiro. E não há o menor sentido trazer para o colo do Banco Central mercados que são difíceis de regular. Nós temos agora o problema das moedas virtuais, as criptomoedas. Nós já tínhamos, no passado, o problema de factoring, que o Banco Central não queria, muitas vezes, regular. Por que nós vamos trazer para o Banco Central esses setores da economia?
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O que nós temos que pensar é que, quando nós imaginamos o Coaf como uma unidade de inteligência financeira, como algo relevante para o País, estamos pensando em política pública, Deputado Arlindo Chinaglia, estamos pensando em algo que é trazer, dentro da política econômica, um pensamento no que se refere ao combate à lavagem de dinheiro.
Inclusive, eu quero dizer aos senhores que não foi uma vez, não foram duas, não foram três. Foram variadas vezes que eu vi o Brasil ser criticado no que se refere à perseguição da lavagem de dinheiro, injustamente. Por que o Brasil sempre foi um lugar de interesse para a lavagem de dinheiro? Por duas razões fundamentais. Primeiro, nosso sistema financeiro é extremamente eficiente, a velocidade dos nossos negócios jurídicos bancários é muito maior do que nos outros países - vamos falar o que existe de bom. E velocidade para lavagem de dinheiro é essencial. O Brasil é de interesse, porque é um país que tem extrema capacidade bancária, é a nossa qualidade que leva a isso. Portanto, muitas interpretações e críticas internacionais são injustas. E a segunda razão é porque nós temos vizinhos que, geograficamente, reconhecemos que cultivam a droga. Não há muita alternativa. Portanto, essas críticas internacionais são injustas, porque são as nossas qualidades.
Eu dizia que não há sentido no Ministério da Justiça, não há sentido no Banco Central. Também é muito claro e nós temos que entender: qual é o problema que está acontecendo com o Coaf? Por que esse debate surge no País? Porque - e é bom que se diga - o Ministério Público Federal começou a achar que o Coaf estava à disposição dos Srs. Procuradores da República e dos Srs. Promotores para obter informações.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO MORAES PITOMBO - Permita-me só um segundo?
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR. Fora do microfone.) - Claro.
O SR. ANTÔNIO MORAES PITOMBO - Para obter informações. E não é sem razão que veio uma liminar do Recurso Extraordinário 1.055.941, do Ministro Toffoli, afirmando que as informações do Coaf não servem à persecução penal. É evidente, o sistema brasileiro é de proteção ao sigilo bancário. O Coaf não está aí para sucumbir às vontades do Ministério Público na persecução penal, que fica mandando ofícios e novos ofícios para não ter que passar pelo crivo da jurisdição para obtenção de dado bancário, de dado sigiloso.
Essa é a realidade que levou ao grande debate do País. Não vamos deixar isso de lado. Nós estamos debatendo esse ponto, porque estava se dando ao Coaf um sentido que não lhe é pertinente. Ele não é uma unidade de inteligência financeira para atender aos órgãos persecutórios.
Eram essas minhas singelas observações aos senhores.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Muito obrigado em nome da Comissão pela síntese e pela clareza da exposição do nosso convidado Antônio Moraes Pitombo, que tem um conhecimento profundo de como funciona o sistema financeiro no nosso País.
Eu tenho aqui... Havia um depoimento que tinha sido enviado. (Pausa.)
O Deputado Chinaglia com a palavra.
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O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP. Para interpelar convidado.) - Obrigado, Presidente Senador José Serra.
Cumprimento o Dr. Antônio Pitombo, extensível também ao José Eduardo Cardozo, que precisou se ausentar.
O que eu tenho constatado? Está cada vez mais raro alguém que venha aqui defender a proposta de vincular o Coaf, na forma de unidade de inteligência financeira, ao Banco Central. E há um agravante, que pela complexidade os senhores não comentaram, mas é só para dizer que...
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Poderia falar um pouco mais perto do microfone?
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP) - Eu já estou na ponta da cadeira.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Mais alto.
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP) - O.k. Eu vou então... Deu para ouvir?
É que também acrescentaram como função da própria unidade de inteligência financeira a perseguição ao terrorismo e às armas de destruição em massa.
Eu estou, desde o primeiro dia, falando a mesma coisa. Então, perdoe-me quem já ouviu. Trabalhando com a ideia de que a função do Banco Central especificamente tem a ver com a moeda, tem a ver com a estabilidade, acrescentar à sua função, para além daquela discordância manifestada por ambos de que o Coaf deveria continuar no Ministério da Fazenda e/ou Economia, levar para o Banco Central essa tarefa, digamos assim, explicitada...
Primeiro, eu tenho comentado, vou repetir e gostaria de ouvir a opinião do senhor, o Coaf, no seu modelo anterior, não para uma investigação porque antevê que ali pode estar alguém que trafica armas, por exemplo, ou porque ele antevê que ali poderá encontrar qualquer coisa relacionada ao terrorismo, ou seja, ele faz a investigação, depois outros órgãos, com autorização da Justiça... Eu concordo integralmente com a sua última observação. E aí tem a ver com o processo democrático do País, com a Constituição brasileira. Quando couber, o Judiciário autoriza e segue em frente qualquer tipo de investigação. Também não faz sentido colocar.
A minha interpretação... Eu já perguntei, mas eu percebo que causa um desconforto - e eu entendo. A minha interpretação é exatamente para atender, digamos, o que eu vou chamar, entre aspas, de uma "demanda política", em que a sociedade é trabalhada dia e noite não para que se respeitem valores individuais, garantias individuais, não. É que se faz a apologia de que cada vez mais o Estado tem que estar aparelhado para perseguir, mesmo havendo injustiças.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Mesmo?
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP) - Havendo injustiças, mesmo quando o órgão não está autorizado.
Aí eu estou fazendo um vínculo com o que o Dr. Pitombo falou, que é de onde surge... Esta era uma pergunta que eu fazia não com tanta nitidez: como surge esse debate? O senhor explicou e eu agradeço. Quer dizer, surge, na opinião que o senhor falou, através da tentativa dos órgãos perseguidores. O senhor citou o Ministério Público claramente querendo usar o Coaf para obter informações para fazer o seu trabalho. Que queira fazer o seu trabalho, ótimo. Passar por cima da lei, não mais.
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O The Intercept divulga muita coisa. Todo mundo se ele fala a verdade. É bom registrar.
Está na hora de alguém propor, eu diria, até em legítima defesa. Investiguem para ver se a informação é errada ou não.
E eu encerro, quando o senhor falou que o nosso modelo é administrativo, o senhor fez, na minha compreensão, a defesa do modelo. Não é que outros estejam errados, mas quando o senhor falou "o sistema financeiro brasileiro funciona bem, tem agilidade", eu interpreto como um coroamento, que não se deve mexer. E isso vai na linha do que o José Eduardo Cardozo disse, o ex-Ministro, ou seja, se necessário, pode-se aperfeiçoar. Aliás, foi o que falou ontem aqui o representante da Febraban, ainda que ele fosse cauteloso. Mas eu vou repetir o que já falei aqui também: o Brizola já alertava - ninguém aposta contra o cavalo do comissário. A Febraban não vai afrontar obviamente o Governo. Não é prudente. Eu entendo.
E o senhor deu um exemplo de um setor pelo menos onde há insuficiência. Mas apresentou a solução. Se há insuficiência, então, vamos dar foco, vamos aproximar e chamar o próprio setor, porque, ao melhorar a fiscalização, melhora, digamos, o próprio investimento nessa área. E o senhor acrescentou o segmento imobiliário.
Portanto, cada vez mais, eu faço o registro, eu me convenço de que nós temos que barrar esse processo, rejeitar a medida provisória, mas continuará o problema. Talvez possamos pegar a medida provisória e caminhar em vez de para o Banco Central, caminhar para o Ministério da Fazenda. Em vez de rejeitá-la a gente fazer aqui...
E quero sensibilizar o Relator para essa tese.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Muito bom. Muito obrigado, Deputado Chinaglia.
Bem, não havendo mais inscritos...
Oportunamente, nós vamos marcar a reunião para votarmos o relatório quando estiver pronto. Provavelmente será na semana que vem.
O SR. REINHOLD STEPHANES JUNIOR (PSD - PR) - Se você quiser, terça ou quarta.
O SR. PRESIDENTE (José Serra. PSDB - SP) - Terça ou quarta-feira.
Vou dar a reunião como encerrada.
Até a próxima semana.
Muito obrigado aos nossos convidados, um que já se retirou e outro que terminou de fazer uma intervenção de muito boa qualidade, como era a expectativa.
E agradecer, muito particularmente ao Deputado Chinaglia, que tem sido o mais assíduo e o mais envolvido dos membros desta Comissão, pelo lado do Congresso.
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP) - Presidente, vou falar fora do microfone, mas se a inteligência é curta, tem que ser pelo menos esforçado.
(Iniciada às 14 horas e 40 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 13 minutos.)