20/11/2019 - 8ª - Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. PROS - RN) - Bom dia a todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 8ª Reunião da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para discutir a violência estrutural sofrida pelas mulheres, em atendimento ao Requerimento de nº 18, de 2019, de autoria da Deputada Luizianne Lins.
Primeiro, eu já quero agradecer e registrar a presença dessa grande Deputada Flávia Morais, não só na defesa das mulheres, mas na parte de saúde e da primeira infância.
Flávia, quero parabenizar o Estado de Goiás por ter uma grande Deputada. Está de parabéns o Estado.
Eu quero convidar aqui, para fazer assento à mesa, já, Talíria Petrone, Deputada Federal, Coordenadora...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Zenaide Maia. PROS - RN) - Ela está num ato na Câmara e não vai estar.
Milena Fernandes Barroso, Professora da Universidade Federal do Amazonas, autora da pesquisa "O começo do fim do mundo: a violência contra as mulheres e a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte". (Palmas.)
Maria Elaene Rodrigues Alves, Professora da Universidade de Brasília, autora da pesquisa "Pequena memória para um tempo sem memória: violências e resistências entre mulheres do serviço social na ditadura civil-militar de 1964-1985". (Palmas.)
E Priscilla Maia de Andrade, Professora da Universidade de Brasília, autora da pesquisa "O que se faz quando há violência? A política de assistência social no combate à violência intrafamiliar". (Palmas.)
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Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar podem enviar comentários pelo endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800-612211.
De acordo com as normas regimentais, a Presidência adotará os seguintes procedimentos: cada convidado fará sua exposição em dez minutos, e, ao final das exposições, abriremos a fase de interpelação pelos Parlamentares inscritos. A palavra aos Parlamentares será concedida na ordem de inscrição.
Eu queria dar boas-vindas a todas aqui é já agradecer a presença.
Hoje, para falar de violência contra a mulher, a gente já tem que falar sobre a violência... Hoje é o dia em homenagem aos negros deste País, e a gente está vivendo um momento que não dá para acreditar. Ontem houve uma violência na Casa do povo.
Eu quero dizer o seguinte: não tem como a gente não falar em violência contra as mulheres, mesmo que hoje não fosse o dia em que a gente está chamando a atenção, o mês todo, para a violência contra as pessoas porque são negras. É quase impossível a gente acreditar que, no século em que a gente está vivendo, a gente ainda presencie isto: você discriminar pela cor das pessoas. Então, eu queria dizer o seguinte: Zumbi dos Palmares é para o que a gente tem que chamar a atenção.
As mulheres negras são a maioria entre as vítimas da violência. Nós temos as Regiões Sul e Sudeste, que reduziram a violência contra as mulheres, mas a violência contra as mulheres negras aumentou. Flávia sabe disso, porque participa de tudo em da defesa das mulheres. A Deputada Flávia Morais é um exemplo disso aí.
De acordo com o Mapa da Violência, na primeira década da vigência da Lei Maria da Penha, entre os anos de 2006 e 2016, a taxa de homicídio de negras cresceu 15,4% e a de mulheres não negras caiu 8%.
As mulheres negras são as principais vítimas da violência obstétrica também, e a gente já vem lutando contra isso. A pesquisa Nascer no Brasil, de 2014, feita pela Escola Nacional de Saúde Pública e pela Fiocruz, mostra que as mulheres negras são as que mais peregrinam na hora do parto, as que esperam mais tempo para serem atendidas e as que mais sofrem com recusa de analgesia, por causa do mito da mulher negra forte - o que mostra o quanto o racismo utiliza até o imaginário coletivo, que se perpetua -, além de 60% da mortalidade materna ocorrer entre as mães negras.
Existem outras violências às mulheres negras: estão na base da pirâmide econômica, ganhando salários menores do que os homens negros, que, por sua vez, já ganham menos do que as mulheres e os homens brancos.
Então, neste Dia da Consciência Negra, em que esta Comissão se reúne para debater a violência estrutural, eu não poderia deixar de iniciar já com esta reflexão: o racismo é também estrutural no Brasil e, por isso, está na raiz de muitas das violências contra a mulher.
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Olha, se é contra os negros...
Ontem nós tivemos um incidente na Câmara dos Deputados, em que um Deputado Federal danificou e retirou algo que era, eu diria, um slogan. Todo mundo apresentou projetos, e a Mesa da Câmara escolheu aquele quadro, que mostrava exatamente o que existe.
Agora, eu queria chamar a atenção: se um Poder, a Câmara Federal ou o Senado, mostra que é normal danificar um quadro porque mostra a real violência, seja policial ou não, contra as negras ou negros neste País, que são os mais assassinados, é muito grave, gente, porque é como se quisessem legalizar essa violência. E essa desculpa de que é porque foi em defesa de policiais ou não... Há muitos policiais são negros! Querem dar o aval, matar? Você assassina uma mulher só porque ela é negra? Você não pode ver um quadro? Daqui a pouco não vai haver uma exposição de negras lindas, como a gente vê, com aqueles turbantes. Quando a gente vai para a Marcha das Margaridas, a gente se encanta com tantas mulheres negras lindas, maravilhosas, que têm coragem de levantar a mão, de ter lado... Mesmo massacrada, ela tem coragem de elevar a mão assim e ter lado, defender as suas colegas... Você não vê mulheres negras, mesmo sendo consideradas minoria, quando tratam como minoria, que não estão em defesa de todos.
Então, eu quero aqui mostrar a minha indignação. Eu só acreditei, Deputada Flávia, porque vi, foi filmado, porque, nos dias de hoje, você ver um representante do povo, do Poder Legislativo, das duas Casas... Claro que não era um Senador, mas era...
E eu não me canso de dizer ao povo brasileiro: o Poder se chama Congresso Nacional. O regime é presidencialista, mas é o Congresso que faz a lei, é o Congresso que aprova a lei, é o Congresso que, mesmo que o Presidente vete essa lei, pode derrubar o veto; é o Congresso que diz o salário do trabalhador, quantas horas ele vai trabalhar e com que idade vai se aposentar. É tanto poder que, com essa aprovação da reforma da previdência...
Ontem, infelizmente, era a PEC paralela 133, que era para tirar a crueldade da PEC 06. Diziam: "Não, nós não podemos voltar para a Câmara; para não voltar, nós vamos criar aqui uma PEC paralela e vamos tentar minimizar a crueldade com que se está tratando mais de 60% da população brasileira", porque, com essa impossibilidade de se aposentar, quem vai pagar o preço mais caro são os mais de 70% que ganham até dois salários mínimos.
Tirou-se recurso da aposentadoria das viúvas, gente. Você ganha um salário mínimo, seu esposo ganha um salário. Se ele for a óbito, você só vai receber 50% do salário dele.
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Em algumas audiências públicas, acreditem... Na Comissão de Direitos Humanos, Flávia, a gente perguntou o porquê de se reduzir, se já é um membro da família a menos. I
Isso só chama a atenção da população brasileira para a indiferença com que este Congresso Nacional está tratando a grande maioria do povo brasileiro. E não adianta ficar "botando o bode na sala", como eles dizem. Eles jogam um bocado de medidas, de PECs, para não chamar atenção para o que estão fazendo.
Eu digo que nada é mais importante neste País do que emprego e renda. Um país onde há 38 milhões - não é Zenaide que está dizendo; isso aqui é o IBGE que mostra - entre desempregados e subempregados... Desses, 13,5 milhões estão na extrema pobreza.
Eu questiono: existe uma pauta mais importante desta Casa, Congresso Nacional, do que cobrar do Governo Federal, do Estado brasileiro, emprego e renda? Investir na construção civil, na agricultura familiar, em tudo? Porque, se não houver emprego e renda, eles podem acabar com todos os direitos dos trabalhadores, o que, aliás, a MP 905...
Começou por nós a MP 905? Ela já tem outra reforma trabalhista. Ela reduz a multa para o patrão que demitir, de 40% para 20%; ela reduz o Fundo de Garantia dos trabalhadores de 8% para 2%; e ela cobra previdência do salário-desemprego. E a periculosidade, quando você tem um acréscimo de 30% quando trabalha com alta periculosidade, vai para 5%, gente! Está aí o que vai chegar.
Quer dizer, fala-se de tudo neste País, mas não se fala dos juros com que os bancos fazem uma extorsão, roubam do brasileiro, cobrando mais de 320% ao ano, quando a taxa Selic é de 5%.
Eu tenho uma PEC, que aliás estava na Câmara e para a qual a Flávia me deu a maior força, a PEC 79, de 2019, que está na Comissão de Constituição e Justiça. Ela limita os juros de cartões de crédito e cheque especial a, no máximo, três vezes a taxa Selic. Ou seja, nós não mexemos com a política monetária do Banco Central, mas não é possível... E é o Congresso, porque PEC o Presidente não pode vetar.
Então, estas Casas, Senado e Câmara, podem sim tirar essa extorsão das famílias brasileiras, porque o cartão de crédito e o cheque especial não são para comprar supérfluo. Hoje faz parte do orçamento das famílias mais pobres, para fazer a feira, para comprar o alimento e botar na mesa. Isso não é uma pauta importante? Reduzir os juros? O que vai gerar até mais emprego!
Eu fico chamando o comércio e a indústria: adotem, unam-se à gente, porque hoje você compra uma geladeira e, se for pelo financiamento do cartão e pagar o mínimo, você paga mais três! Ou seja, se o ladrão roubar, leva uma geladeira, mas o banco leva três. E, por causa dessas três, o consumidor deixa de comprar no comércio outra coisa, porque está endividado pelo resto da vida.
Os países de origem da maioria dos cartões de crédito cobram 2% ao ano, e aqui se acham com direito de extorquir o povo brasileiro, cobrando 320%, e o Congresso não acaba com isso porque não quer - porque não quer -, porque não valoriza.
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Então, deixando claro aqui para as mulheres brasileiras: o maior combate à violência é educação, porque isto é enraizado: você vê, muitas vezes, que o filho, ainda hoje, o filho homem, tem o direito de jogar a toalha no chão, não tira a mesa, joga a roupa onde tira. E a mãe já cria com aquela história de que a mulher, mesmo trabalhando, tem obrigação de fazer o outro trabalho. Mas também o combate aos juros...
A luta pelo emprego e renda com o social é defender as mulheres da violência. A gente sabe que, em termos de punição, nós já avançamos muito, mas a efetivação não está sendo tanta. Se você tiver independência econômica, é claro que você tem mais liberdade - mesmo que a gente não queira dizer que a violência esteja também em quem tem recursos; mas a grande maioria é das mulheres negras e pobres, de periferia. Então, gente, aqui a gente fala sobre violência, e violência é não ter equidade nos salários, mesmo exercendo o mesmo trabalho.
E nós, mulheres, temos que acordar. Por exemplo: eu, como mulher e minoria aqui no Senado - e outras também -, sempre quero fazer parte de discutir orçamento, de discutir tributação, porque isso nos empodera. E nós precisamos ter conhecimento disso tudo, porque tem algo que ninguém tira de você - de nós, mulheres -: conhecimento. É tanto, que, mesmo com mais de cem anos de atraso para a gente conseguir estudar, hoje, nos processos seletivos deste País, na maioria deles, nós somos maioria, mas, nos poderes de decisão, nós somos minoria. E nós precisamos chegar lá.
E finalizaria dizendo o seguinte: mulheres do Brasil, vamos participar da política sim! Eu, como médica, como era, podia ajudar - sempre fui médica do serviço público, nunca cobrei uma consulta... Não que eu não ache que tenha que existir hospital privado. Tem que existir para quem pode pagar. Mas a gente tem o direito de ter uma saúde pública de qualidade, por isso o SUS na defesa da gente. E o que que eu digo? Somente através da política você pode ajudar o seu Município, seu Estado ou seu País, porque, como eu disse, o poder está aqui. E a gente fica lutando.
Então, não existe essa história. Se você acha que pode defender sua categoria, seu Estado, seu Município, participe, sim! Não se intimide! O fato de você reclamar não quer dizer que você é rebelde, mas quer dizer que nós não somos servis. É diferente ser rebelde ou ser servil. Nós não somos servis.
Esta audiência foi solicitada pela minha grande amiga, uma mulher que luta aí e que é um exemplo que convida para vir para a política, não é não? Luizianne. E ela pediu a audiência e, como a gente costuma fazer quando um Parlamentar pede a audiência, ela vem presidir a Mesa.
Mas, desde já, digo que estou aqui feliz, porque a gente trouxe a academia, o saber, o conhecimento, porque eu digo: sem educação, ciência e tecnologia, não existe democracia, porque o ditador, de cara, já acha que é o dono do conhecimento, é o dono da verdade. Aí chega a ciência, a tecnologia, e diz: "Meu amigo - ou minha amiga -, baixe a cabeça um pouquinho aí, porque a ciência prova o contrário".
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Sejam bem-vindas.
Eu vou ali, porque tenho outra audiência, sobre o desenvolvimento do Nordeste, e eu, como boa nordestina, vou estar lá.
E passo aqui a Presidência para minha colega e grande Deputada Luizianne Lins, que é um exemplo de mulher que teve coragem e veio participar da política.
Mulheres brasileiras, participem do comando, dos lugares onde se fazem as leis, para a gente poder proteger a todas.
E, mulheres negras deste País, minha solidariedade! Não consigo entender que alguém queira dizer que é cristão, e discrimine alguém pela cor. Não dá para acreditar nisso.
Muito obrigada a vocês. (Palmas.) (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom dia a todas, bom dia a todos.
Quero dizer da nossa alegria, registrando este momento, pelo fato de nós estarmos fazendo juntas esse debate, por uma série de motivos. Dentre os quais, porque a gente acaba se encontrando, na vida da gente, de uma forma ou de outra, com pessoas que a gente encontra na luta, e depois a gente reencontra na luta, e depois a gente reencontra na luta, que é o caso da Profa. Elaene, da Profa. Priscilla e da Profa. Milena, que - tive esta oportunidade, quando Prefeita - também nos ajudou no nosso projeto. E a Elaene foi nossa secretária, foi a primeira Secretária de Assistência Social de Fortaleza, quando a gente estruturou a nossa secretaria, que, claro, já foi desconstruída pelo atual Governo. Mas a gente tentou.
Bom, outra questão que eu acho que é importante registrar aqui é sobre essa questão da academia, como falou a Senadora Zenaide: de fato, nesses tempos sombrios de terraplanismo, a gente tem que jogar luz, fazer com que a academia jogue luz sobre as questões, os debates políticos.
E a gente também precisa compreender o processo estrutural do Brasil, que até hoje perdura no comportamento de vários setores sociais, em especial como a "casa grande e a senzala" se movimentam na sociedade, para que a gente possa, de fato, ir rompendo com isso, porque não basta só a gente combater pontualmente a violência; é preciso que a gente compreenda estruturalmente como ela se organiza, para que a gente também possa pensar, aqui no Parlamento, mecanismos de desconstrução dessa chamada violência estrutural.
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E eu acho que essas contradições e desigualdades de que a gente fala tanto, principalmente não só de classe social, mas também de gênero - inclusive, agora existe uma história que resolveram nominar de "ideologia de gênero", gente! Não existe ideologia de gênero; existem estudos de gênero, mas não ideologia de gênero, como querem -, são para que o conservadorismo, o retrocesso, passem a ser uma nova visão sobre o nosso Brasil.
E eu estava me lembrando agora - não sei se vocês tiveram a oportunidade de ver os últimos documentários que falam sobre essa questão da privacidade - daquele documentário Privacidade Hackeada. Há um momento em que aquele jovem, muito jovem, tem menos de 30 anos, que resolveu fazer a denúncia sobre o que estava se passando na Cambridge Analytic, que é aquela empresa que estava se apropriando dos dados das pessoas, diz uma frase, num depoimento, que me marcou. Ele diz o seguinte: "O que eu estava vendo... Aquele tipo de sistema funciona como? Ele precisa destruir o que está posto, para ele reconstituir a verdade a partir dos seus próprios valores, dos seus próprios princípios e das suas próprias bases".
Então, a gente está vendo a mesma coisa acontecendo não só aqui no Brasil, mas no mundo inteiro: para que você construa uma nova forma de ver e pensar o mundo, você precisa destruir, literalmente, tudo que está posto, para que as pessoas fiquem sem referência. E eu falo isso exatamente porque, ontem, o que a Senadora Zenaide falou é, de fato, a destruição física, é a impossibilidade emocional inclusive, porque falta muita inteligência emocional nesse povo. É impressionante!
As pessoas que saíram das trevas diretamente para a esfera pública e foram eleitas nesta Legislatura chocam, porque elas têm uma inteligência emocional zero! É impressionante! E a gente se assusta, porque parece que a gente está assistindo àquele programa do Chaves. Sabe? É igual, igual, é idêntico. Existem coisas com as quais você fica perplexa, como as futricas da Candinha, do Candinho, para não ser machista... E você fica muito impressionada como as pessoas entram nessa, como se a política fosse, de fato... Eu até já achava - sempre achei - a política meio teatral; eu sempre fui muito avessa a esse teatro na política. Agora, gente, é um teatro da barbárie, porque virou, assim, um teatro misturado com uma coisa em que você não está entendendo o que está acontecendo.
Eu estava, inclusive, comentando com a Carol, que trabalha com a gente, no mandato, eu estava conversando com ela agora, porque eu participei, recentemente, de um debate com o Deputado que fez ontem aquela... Não vou dizer palhaçada, porque os palhaços merecem respeito, mas que fez aquele tipo de truculência. Eu tive um debate com ele na TV Câmara, sobre fake news, e ele extremamente polido - aparentemente, não é? -, extremamente educado - sabe? -, sempre muito ponderado e tudo o mais. E você vê como, do nada, surge e se mostra, porque você não pode ser o que você não é durante muito tempo, não é? Para a pessoa que está chegando agora, chegar e quebrar uma exposição, não é? É o mesmo comportamento daqueles que proibiram as exposições no Brasil, que acabaram com os centros culturais, que começaram a vetar tudo quanto é coisa que era a própria demonstração da arte e da cultura ligada aos direitos da população LGBTI.
Portanto, antes de a gente começar, eu queria colocar algumas questões que eu acho importantes que a gente saiba.
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Hoje, Dia da Consciência Negra - e é importante que este debate esteja acontecendo nesse momento -, iniciam-se as atividades da campanha "16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres", que encerraremos com o lançamento de uma publicação do nosso Seminário de Avaliação da Lei Maria da Penha, realizado nesse mesmo período do ano passado. Passados já alguns anos, desde 2006, quando a Lei Maria da Penha foi sancionada, a gente sentiu necessidade, principalmente aqui na Comissão, de fazer uma reavaliação e até de ver o que que deu certo, o que que não deu certo, para que a gente possa estar sempre se aprimorando, à luz dos acontecimentos.
Vou dar um exemplo aqui para vocês: logo depois, nós tivemos sancionada pela Presidente Dilma, em 2015, a Lei do Feminicídio, mas não basta... Eu sempre costumo usar aquela expressão, aquela frase do Drummond em que ele diz: "As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra". Significando o quê? Que a lei está aí, mas vira discricionariedade se o delegado vai considerar aquele crime como feminicídio. Então, nós solicitamos estatísticas, para saber se estão caracterizando e qualificando o que aconteceu como feminicídio, porque, simplesmente, o delegado pode dizer que aquilo ali foi um crime comum, e não um crime em que esteja por trás a condição feminina, a condição da mulher, uma situação específica de uma violência de gênero.
Então, hoje, para nós, é um dia de luta e de reflexão sobre as diversas formas como a violência se expressa e se firma em meio às nossas relações, um dia para renovar e unir forças, para ampliar o arcabouço protetivo das mulheres, para dizer um basta.
A violência contra as mulheres está para além da violência doméstica, das agressões físicas, das ameaças e humilhações, dos constrangimentos que nos adoecem psicologicamente, que nos oprimem, e essa opressão se dá de várias formas: na exploração das terras; nas relações de trabalho; nas desigualdades de oportunidade; no acesso aos direitos; na participação política; no controle e dominação dos corpos femininos e das mulheres; nos estupros, inclusive aqueles realizados nas relações conjugais; no assédio moral e sexual; na violência intrafamiliar; na violência digital; e, sobretudo, na naturalização do racismo contra as mulheres de comunidades tradicionais, negras, quilombolas, indígenas, mulheres de terreiro.
Precisamos, portanto, ir mais profundamente e rever o sistema mantenedor dessas relações sociais, sem perder de vista o que é fato e o que se agrava todos os dias, como todas as formas de violência praticadas diretamente contra a mulher, pautadas nas relações de classe e de poder, na divisão sexual do trabalho e desigualdade de gênero, na orientação sexual, em que se culpabiliza a vítima. E tudo se exacerba com o recorte étnico-racial.
Tenho clareza de que, para combater a violência contra a mulher, é preciso enfrentar o racismo, o sexismo, a homofobia, a tortura e todas as formas de agressão e incitação à violência, à intolerância, à misoginia, e, portanto, é necessário um resgate histórico, um repensar sobre o papel do Estado, as políticas públicas capazes de desencarcerar e emancipar a humanidade.
Por isso, temos uma Mesa de militantes, ativistas e professoras capazes de trazer pesquisas, estudos e vivências sobre algumas expressões da violência contra a mulher enquanto violência estrutural.
E eu finalizo essa fala, para passar para a gente começar a nossa Mesa, falando aqui - recitando, digamos assim - o samba-enredo da Mangueira, embora eu seja portelense, certo? Mas a Mangueira nos encantou a todas e a todos, no ano passado, no Brasil em especial.
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
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Brasil, meu dengo
A mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
E é isso.
E, com isso, a gente abre aqui a nossa audiência pública, passando a palavra, em primeiro lugar, para a Profa. Milena Fernandes Barroso, que é professora da Universidade Federal do Amazonas - professora doutora, ressaltando. Recentemente defendeu, com louvor, o seu doutorado. E ela é autora da pesquisa "O Começo do Fim do Mundo: a Violência contra as Mulheres e a Construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte". Esperem aí: a Priscilla e a Milena. Esperem aí, que eu fiz uma confusão.
A gente vai começar com a Milena. A Priscilla é doutora. A Milena também, não é? Aliás, tenho uma Mesa de três doutoras, professoras doutoras. De fato, a Priscilla defendeu, com louvor, a dissertação dela de doutorado, recentemente, mas ela vai falar daqui a pouco. E a Milena vai falar sobre a violência contra as mulheres e a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que foi exatamente sua pesquisa pela Universidade Federal do Amazonas.
Seja bem-vinda. É um prazer estar aqui com você.
A SRA. MILENA FERNANDES BARROSO (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas.
Saúdo minhas companheiras de Mesa, em nome da Deputada Federal Luizianne Lins, com quem tenho a honra de compartilhar este momento e que foi autora do requerimento para a realização desta audiência pública.
Destaco a relevância simbólica e objetiva de estarmos aqui reunidas e realizarmos este debate no dia de hoje, 20 de novembro, um dia emblemático na luta contra as opressões, Dia da Consciência Negra, num país que insiste em negar o racismo e, ao mesmo tempo, o reproduz, cotidianamente, em sua estrutura social.
Então, é um enorme desafio falar sobre violência estrutural neste momento de acelerado conservadorismo e ataque bárbaro aos direitos conquistados pelas trabalhadoras e trabalhadores e aos aparatos institucionais democráticos.
Vivemos um retrocesso sem tamanho em relação à ordem democrática instituída em 88, com destaque para as políticas para as mulheres.
Vivemos, desde 2006, um processo de exacerbação da repressão e de criminalização dos movimentos sociais e de todas as formas de pensamento crítico, por meio daquilo que se intitula Escola sem Partido e do discurso da ideologia de gênero, a que a Deputada Luizianne já fez referência, em que nos querem com medo, caladas, submissas, as velhas formas de exploração e opressão.
Então, dito isso, apresento algumas reflexões aqui que resultaram da minha pesquisa de tese de doutorado, defendida em 2018, na UERJ.
A pesquisa tratou da violência estrutural contra as mulheres, tendo como locus de análise a região que abriga a Hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará. O objetivo do estudo foi ampliar as análises sobre o fenômeno da violência a que as mulheres estão submetidas em contextos diversos, em específico nos territórios afetados por projetos de infraestrutura na Amazônia.
Localizamos nossa análise nas relações produto das contradições fundamentais da sociedade, a partir de uma abordagem da teoria social crítica e feminista de compreensão da violência historicamente determinada e com o horizonte na emancipação humana. Assim, é importante destacar que não consideramos a violência contra as mulheres como uma expressão única da desigualdade de gênero que teria influência ou que, no máximo, seria agravada pelas desigualdades econômicas e raciais.
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Para expor os resultados da pesquisa, eu pensei em trabalhar aqui em três pontos: primeiro, os pressupostos e os fundamentos da violência estrutural; o conceito e um pouco das expressões, que eu imagino que depois vão ser explorados melhor pela Elaene e pela Priscilla; e, por fim, a politização do debate, um pouco das sínteses do estudo.
Então, primeiramente cabe dizer que a violência está em todos os lugares, em todos os espaços: na escola, no metrô, no ônibus, na rua, na floresta, no bar, na festa, em casa, nas leituras, na escrita, inclusive no não lugar. Ninguém está isento, e, além de se fazer presente em todos os lugares, envolve a todos e a todas: amigos, amigas, pais, mães, filhos, filhas, companheiros, companheiras, camaradas, diretores, diretoras, patrões, empregados, desconhecidos e conhecidos. Não há lugar, pessoa e relação livre da certeza que é a violência.
Ao apreender essa complexidade da violência - e aqui a gente faz um diálogo com Waiselfisz, um filósofo -, entendemos que não se tratava de um comportamento arriscado, de uma roupa imprópria, de um lugar inseguro, de uma terra não ocupada ou alguém suspeito; a violência estaria presente, independentemente do esforço, cuidado ou julgamento individual. Não que tudo seja violência, mas o que não passa pela violência, quando não possuímos o alicerce para sermos substantivamente livres. Assim, entendemos que a violência, como constitutiva das relações sociais, é estrutural, histórica e, contraditoriamente, necessária nesta sociabilidade em que a gente vive, até que sejam construídas as condições de sua autoextinção.
Imiscuídas nessa realidade em que a violência tem sido uma mediação central para entendermos as relações sociais, nos debruçamos sobre a violência contra as mulheres como uma manifestação da violência no geral, alicerçada pelas relações de opressão, exploração de sexo, gênero, étnico-raciais e de classe.
Cabe destacar que a violência contra as mulheres não é um fenômeno recente. Isso a gente já vem discutindo há muito tempo e a gente também compreende que seu alicerce primeiro é o patriarcado. Mas, nesta sociedade atual, em que a gente vive, ela apresenta-se fundida ao racismo e ao capitalismo, que passam a caracterizar as relações sociais que estruturam a vida social.
Nesse sentido, entre os debates teóricos, destacamos como central a compreensão desse sistema patriarcal racista capitalista, aqui em diálogo com a Saffioti, como sistema de exploração que produz e é produto dessas relações e, como tal, não pode abrir mão da violência. Isso nos levou a visualizar a dimensão e os efeitos planetários da violência contra as mulheres em suas variadas expressões, que se agravam na medida em que aprofundam seus pressupostos, a sua reprodução ampliada e a expansão em todas as dimensões da vida social.
Nessa direção, a gente tem acordo com Federici, ao dizer que a raiz atual da onda de violência contra as mulheres são as novas formas de acumulação do capital, que envolvem a desapropriação de terras, a destruição das relações comunitárias e uma intensificação na exploração do corpo e da mão de obra das mulheres.
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Ademais, não negamos a existência de mecanismos microssociais como dispositivos a serem considerados nas análises sobre o tema. No entanto, apesar de considerá-los, nossa perspectiva é a de que eventos situacionais são condicionantes, mas não determinantes da ocorrência e persistência da violência contra as mulheres em todas as épocas.
Do ponto de vista da análise, só foi possível constatarmos a multiplicidade das expressões da violência contra as mulheres porque também ousamos ir além das tipologias que comumente restringem a realidade, com o uso de um conceito mais amplo aqui. Então, partimos do pressuposto de que a violência contra as mulheres é o controle sobre os corpos das mulheres e femininos, que reúne o conjunto de diferentes práticas e experiências em intensidade e extensão e manifestações em vários contextos, independentemente de quem a comete.
Então, acreditamos que esse conceito amplia as possibilidades de aproximação ao fenômeno em sua totalidade, com destaque para as negações, as impossibilidades, as expectativas, os julgamentos socialmente desiguais e os não lugares, que são expressões importantes da violência estrutural que atinge, de forma particular, as mulheres, mas são pouco consideradas nos estudos sobre o tema.
Essas preocupações nos permitiram considerar a violência contra as mulheres como condição e resultado das relações sociais, e aí é que se expressa de forma particular e estrutural; estrutural em razão da sua naturalização, banalidade, invisibilidade, alcance e magnitude, ao confundir-se mesmo com o modo de vida de ser dessa sociedade, atingindo, de forma direta e indireta, a todas as mulheres, nos mais variados contextos e de forma particular, em razão das relações de classe, étnico-raciais e de gênero, incluindo a orientação sexual, que promovem hierarquias e complexificam as desigualdades.
Cabe dizermos que, ao considerarmos a violência contra as mulheres como estrutural, não nos referimos a uma...
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA FERNANDES BARROSO - ... forma de violência ou a uma nova forma de violência, mas a uma abordagem diferente sobre o tema, o que significa dizer que a violência contra as mulheres é, em si mesma, estrutural. Então, não significa aqui atribuir uma nova tipologia à violência, mas entender a violência contra as mulheres e a todas as suas expressões como estrutural.
Nessa direção, compreendemos que a violência contra as mulheres é, ao mesmo tempo, resultado das relações sociais patriarcais, racistas e capitalistas e produtora delas.
No caso de Belo Monte e de outros projetos da Região Amazônica, a violência contra as mulheres não figurou ou figura apenas como uma consequência, como muito se fala, como se fosse uma consequência dos projetos, mas ela é condição para que esses projetos possam se constituir como tais. Não existe grande projeto sem a violência contra as mulheres.
No que diz respeito aos dados oficiais coletados na pesquisa, é possível aferir que a apreensão da violência contra as mulheres pela segurança pública se atém ao contexto doméstico. Identificamos um distanciamento entre os dados oficiais e a realidade concreta, visto que os registros não alcançam a multiplicidade de expressões da violência no cotidiano das mulheres.
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No caso de Belo Monte ainda, a comparação entre os registros antes e depois da construção da obra aponta o aumento significativo das denúncias a partir do início da barragem. Entre elas, os registros de estupros assumem destaque, pois, no período do auge da construção de Belo Monte, constatamos a ocorrência de, pelo menos, um estupro a cada três dias na região que abrange a barragem.
É importante lembrar que apenas uma pequena cifra desses casos é registrada, o que eleva esses números e nos possibilita considerar o estupro como uma epidemia nas regiões atingidas por esses grandes projetos na Amazônia.
Além disso, destacamos a dimensão ideológica dessa articulação entre o patriarcado, o racismo e o capitalismo, que apreende a sexualidade masculina como incontrolável e o corpo das mulheres como um objeto disponível a ser consumido e necessário à satisfação do outro, sendo que alguns desses corpos são alvos ainda preferenciais. Daí por que não vinculamos à predominância de homens - porque há um discurso de que o número de trabalhadores na barragem seria o definidor desse aumento da violência. Nós não consideramos e não fazemos essa análise, visto que não vinculamos a predominância de homens a esse aumento.
Não obstante os dados explicitarem que a violência contra as mulheres, na maioria dos casos, de forma direta, é praticada por homens - todas as pesquisas apontam isso -, isso não implica dizer que todos os homens sejam necessariamente ou naturalmente violentos, mas dizer que existe um sistema de dominação, que produz, reproduz e orienta práticas, comportamentos, instituições, normas que garantem privilégios e encontra, na violência, um instrumento de sua manutenção.
Assim sendo, não diferentemente de outros contextos de conflito - aqui em diálogo com a Angela Davis -, a violência sexual em Belo Monte explicita-se como um instrumento de guerra, uma guerra sobre outros meios, sem que esses estupros ocorram sem armas de fogo, sem o controle militar, mas se impõem como uma condição mesma, não apenas do controle dos corpos das mulheres...
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA FERNANDES BARROSO - ... mas dos territórios.
Há predominância e invisibilidade da violência contra as mulheres indígenas, por exemplo, na região, mas não existem dados, registros sobre casos de violência contra as mulheres indígenas.
Não nos deixa dúvida de que a apropriação dos corpos das mulheres é uma estratégia de controle dos territórios. Essa apropriação apresenta-se através do estupro, mas também sobre outras expressões já ditas aqui, como a violência sexual, a violência conjugal, a doméstica, o assédio, mas, principalmente, e para isso a gente quer chamar atenção neste debate, através das formas subsumidas nas relações sociais, que não aparecem nos estudos, nos dados oficiais, como sendo violência contra as mulheres. São elas: o etnocídio contra as mulheres indígenas, a expropriação de terras, a expropriação dos meios de trabalho dessas mulheres, a exploração do trabalho, o trabalho doméstico, que não é considerado um tipo de violência contra as mulheres e é uma violência contra as mulheres, porque é um trabalho que explora as mulheres e é, na maioria das vezes, não remunerado.
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Então, a gente parte do pressuposto de que também essas mulheres e a desproteção que atinge a maioria delas, mas principalmente as mulheres que estão em contextos não urbanos, esse conjunto de situações práticas e comportamentos, de forma direta ou indireta, representa, em espaços e contextos diversos, o controle dos corpos e da vida das mulheres.
A experiência da violência, então, como ameaça ou fato que nos abrange e a que todas nós, mulheres, estamos passíveis de viver, é uma realidade.
Os dados qualitativos, em especial as narrativas das entrevistadas da pesquisa e as observações de campo, nos permitiram identificar também que, embora todas as mulheres sejam impactadas, por exemplo, por Belo Monte, há diferenças quanto a esse nível de exposição em relação ao trabalho, ao contexto no qual estão inseridas e ao pertencimento étnico. Assim, o cruzamento entre condicionantes e determinantes nos possibilita aferir que, a despeito de todas as mulheres "padecerem", entre aspas, da possibilidade da violência por serem mulheres, as trabalhadoras do sexo, as mulheres negras, as indígenas e ribeirinhas são as mais expostas aos riscos, pela desproteção, pela inserção precarizada no mercado de trabalho, pela ausência ou baixa escolaridade, o que confirma a existência de hierarquias e desigualdades entre as próprias mulheres.
Para as mulheres indígenas, as saídas para a violência são não institucionais e, muitas vezes, o próprio silêncio.
Infelizmente, a Lei Maria da Penha, por exemplo... Um dos limites que a gente avalia na pesquisa é justamente não conseguir acessar essas realidades, muitas vezes, não urbanas. Então, quando não há algum tipo de apoio, essas mulheres recorrem a alguém próximo ou, na maioria das vezes, a um parente. Essa é a única saída para essas mulheres.
Ademais, é importante dizer que isso não implica assimilação de um vitimismo, como marca entre as mulheres indígenas ou atingidas. Pelo contrário: Tuíra, símbolo da luta contra a guerra de Belo Monte, ilustra a resistência atrevida e necessária de mulheres indígenas que também encontram, na violência dos brancos, força para defender seus povos, corpos e territórios.
Por fim, as análises da pesquisa nos levaram às seguintes sínteses: 1º) a relação entre a violência contra as mulheres e a ordem social ainda é acessória nos estudos sobre o tema, visto ser comumente considerada como resultado de relações, escolhas e conflitos interpessoais; 2º) a violência contra as mulheres expressa-se na expropriação, opressão e exploração de terras, espaços e corpos das mulheres como territórios apropriados pelo capitalismo, em sua versão mundializada. Essa apropriação é atravessada pelas relações de gênero, étnico-raciais e de classes, confirmando a existência, como já disse, de hierarquia entra as próprias mulheres.
O enfrentamento à violência contra as mulheres nessas regiões dos grandes projetos, quando ocorre, dá-se com foco na violência doméstica, através da responsabilização e culpabilização individual dos sujeitos.
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA FERNANDES BARROSO - Logo, não consegue relacionar o aumento dessa violência a dimensões macroestruturais.
As políticas de proteção às mulheres não conseguem interferir ou penetrar nas políticas macroeconômicas. Esse é um grande limite, o que nos permite apontar a conivência do Estado e do mercado frente aos casos de violência contra as mulheres, como os que ocorreram e ocorrem ainda no contexto de Belo Monte.
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A omissão e a conivência do Estado frente aos casos de violência não é uma externalidade; expõe a contradição que, por meio de suas instituições, o compõe, ora colocando-se como promotor da segurança, ora produzindo a violência, seja de forma direta, pelo uso da força policial, ou indireta, através da omissão e conivência. Apesar disso, as mulheres estão resistindo em Belo Monte e em todos os lugares contra a violência.
Por isso, acreditamos que o fim da violência contra as mulheres - e aí é um debate polêmico - não irá ocorrer pelo fim da impunidade. Por outro lado, essa perspectiva caminha na direção da responsabilização individual ou moralização dos sujeitos.
Esses achados implicam aqui e trazem um desafio que é o da consciência política da violência, os debates sobre sexualidade e gênero nos currículos escolares, o desenvolvimento de campanhas educativas, a importância disso nas escolas sobre os direitos das mulheres... E, da mesma forma, por exemplo, as delegacias, o aumento das penas e a criminalização podem, são importantes e garantem uma segurança imediata e de proteção às mulheres, mas elas não resolvem as questões estruturais que fundamentam essa violência.
Logo, consideramos que o enfrentamento da violência só é possível...
(Soa a campainha.)
A SRA. MILENA FERNANDES BARROSO - ... com medidas e mudanças estruturais.
Dito isso, almejamos contribuir para os debates que tenham como pressuposto o fato de que novos patamares de sociabilidade não são possíveis se continuarmos fragmentando as relações, responsabilizando individualmente os sujeitos e buscando saídas nas grades e prisões.
É isso o que muito as mulheres impactadas pelas grandes obras em Belo Monte têm a nos dizer.
Ao apontarmos essas particularidades da violência em Belo Monte, encontramos mediações que conectam as mulheres impactadas pela guerra das grandes obras no Brasil às mulheres da guerra da Síria, da Índia, da Guatemala, do Haiti e com as indígenas canadenses, colombianas, chilenas, mulheres de todo o Planeta, que caminham em busca do Sol, lutam pelas suas vidas e de seus povos, apesar de o horizonte lhes apontar o começo do fim do mundo.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Eu vou só tentar organizar aqui o nosso tempo.
Eu sei que são anos e anos de pesquisa, e a gente fica com muita, muita vontade de contar tudo aquilo a que a gente chegou, estudou, viu, enfim, mas a Profa. Milena usou em torno de 22 minutos, e já perguntei aqui para a Prof. Priscilla. Nós vamos trabalhar com o tempo mais assim: fique à vontade, que a gente vai conversando, depois a gente pode voltar à Mesa de novo. Está certo?
Então, quero também lembrar que esta audiência pública está sendo realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. As pessoas que tenham interesse em participar tanto podem enviar comentários pelo endereço senado.leg.br/ecidadania ou também podem interagir pelo telefone 0800-612211. Então, senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800-612211.
E agora, sim, nós vamos ouvir a Profa. Priscilla Maia de Andrade, que é professora da Universidade de Brasília, autora da pesquisa "O que se faz quando há violência? A política de assistência social no combate à violência intrafamiliar".
Seja bem-vinda e obrigada pela presença.
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A SRA. PRISCILLA MAIA DE ANDRADE (Para expor.) - Bem, bom dia a todas e a todos.
Primeiramente, eu quero agradecer o convite e parabenizar o trabalho desta Comissão, tão importante e tão relevante nos dias atuais, nos quais, infelizmente, estamos batendo recordes de violência contra a mulher, principalmente feminicídio, e, por um triste dado: estamos aqui representando os dois maiores Estados que cometem feminicídio: Amazonas, em primeiro lugar, e DF, em segundo. O DF pela terceira vez, batendo o recorde de feminicídio este ano.
Eu espero contribuir um pouco com a...
Claro, desculpem-me. Estou meio avessa às formalidades.
Agradeço à Deputada Luizianne Lins e às minhas colegas, Professoras Elaene e Milena.
É um prazer, uma honra estar aqui e é uma honra poder falar um pouco sobre essa pesquisa que eu fiz, que tanto impactou e que tanto mostra o quanto a gente ainda precisa fazer para frente.
A ideia da pesquisa foi entender um pouco como a assistência social atendia, recebia e atendia à questão da violência intrafamiliar, a violência intrafamiliar como um todo, não só as mulheres, mas também crianças, adolescentes, jovens, pessoas com deficiência e idosos.
E uma coisa que chama muito a atenção, como nos achados da pesquisa, é que, olhando para todos os componentes, todos os membros da família, são as mulheres as mais vitimadas em todo o ciclo de vida.
Mesmo quando a gente pega bebês de zero a 11 meses, essas são as crianças que são internadas ou passam pela rede pública de saúde em decorrência de violência intrafamiliar. Eu estou falando que, desde muito cedo, a violência acomete mais as meninas e as mulheres, e essa tendência se acentua em alguns momentos, mas sempre tem a prevalência feminina, desde o zero ano até a idade idosa.
A vida das mulheres, então, é marcada pela violência, e é a violência que, foco da minha pesquisa, acontece com mais veemência em casa, contraditoriamente, o lugar que nos contam que seria o mais seguro, que seria onde as mulheres estariam mais preservadas, onde poderíamos ter um lugar de refúgio. Dados mostram o contrário: somos 70 vezes mais acometidas por violência dentro de casa do que fora de casa.
Isso mexe muito com algumas certezas que a gente tem de que a rua é perigosa, que o estranho é perigoso, quando são nossos familiares, nossos conhecidos, nossos cônjuges e namorados - ou ex-cônjuges e namorados - os nossos principais algozes.
E, aí, eu já inicio apontando aqui um dado de violência contra as mulheres, em que eu vou tentar fazer esse recorte.
Eu não vou conseguir fazer uma fala estruturada como a da Milena, bonitinha, porque eu sempre fujo das coisas que eu escrevo, mas eu vou tentar dar um fechamento.
Dados do Disque 180, que é um disque-denúncia, disque-informação de violência contra as mulheres, apontam que, ao final da minha fala, que pretendo seja de 15 minutos, sete denúncias de violência contra as mulheres serão realizadas. Significa que, a cada dois minutos, uma denúncia é feita, de violência contra a mulher.
Trata-se, na sua maioria, de violência intrafamiliar, violência física, psicológica e sexual, e 48,5% dos agressores são os ex ou atuais companheiros, cônjuges ou namorados.
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Soma-se a esse dado um dado que é retirado do Sinan, que é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde. O Sinan, hoje, é a fonte de dados mais confiáveis para a gente falar de violência cometida no Território nacional, e é ali que a gente bebe de fontes para pensar a violência intrafamiliar.
Eu quero chamar a atenção para o fato de que o Sinan se alimenta de processos de notificação compulsória. Hoje, todos os trabalhadores da saúde têm obrigação legal de preencher uma ficha, que é a Ficha de Notificação de Violência, caso haja suspeita ou certeza de ocorrência de violência, seja contra crianças, jovens, mulheres e idosos. Essa notificação é compulsória. Só que ela é subnotificada.
Eu estou com uma aluna na Rede de Saúde fazendo estágio em Serviço Social na Rede de Saúde, e o projeto de intervenção dela foi exatamente esse. Ela começou a perceber que os números de notificação têm caído muito nos postos de saúde, nos hospitais e nas internações. Médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais têm receio de preencher, porque pensam que está sendo uma denúncia; têm preguiça de preencher, porque é um formulário grande; ou acham que aquilo não vai dar em nada e que não é importante.
Então, os dados que o Sinan mostra são assustadores, mas, se a gente pensar - e isto é muito aterrorizante - que esse dado ainda é subnotificado e que esse dado está tratando das violências mais graves, que são aquelas violências que acabaram por deixar suas vítimas tão machucadas, que elas tiveram que recorrer ao sistema de saúde...
O SUS atende, mais ou menos, a 85% da população brasileira. Então, isso dá um pouco o retrato do que que a gente tem vivenciado e do que que tem sido notificado.
De modo geral, os dados evidenciam que são os atendimentos às mulheres que prevalecem no decorrer de todo o ciclo vital. Somente no período da infância e da velhice nota-se uma diminuição da disparidade encontrada nos atendimentos às adolescentes, jovens e adultas, que somam 65%, 70% e 71%, respectivamente. Eu estou falando que são as mulheres adolescentes, jovens e adultas as mais atendidas por consequência de violência no âmbito da saúde.
Em relatório anterior do Sinan, essa tendência já se apontava. Em todas as faixas etárias, o atendimento por violências é predominantemente do sexo feminino, como eu disse na minha fala inicial.
Essa informação evidencia o quanto a violência dirigida às mulheres tem raízes profundas e é, como a Profa. Milena aqui bem trouxe, predominantemente intrafamiliar. O local da ocorrência da violência por sexo e ciclo de vida encontra-se em casa, que, ao contrário do imaginário social, não constitui lugar seguro.
A residência é o principal local de ocorrência da violência às mulheres adultas, jovens e crianças, alcançando cerca de 71% das situações. Comparativamente, a rua se mostra mais segura. A incidência é de 8,5% para crianças e de 20,2% para mulheres.
Ao analisar o tipo de violência por ciclo de vida, percebe-se a predominância da violência física em cerca de 50% dos atendimentos.
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Ao considerar as mulheres jovens e adultas, o índice alcança quase 60%; a violência psicológica, 23%; em terceiro lugar, a violência sexual, com 11% dos atendimentos.
Só que a incidência da violência sexual para meninas até 11 anos de idade eleva o atendimento para 29%; e as adolescentes, 24%. Já a violência física e psicológica atinge as mais velhas, de 38% a 24%.
Constituem os principais responsáveis pela violência perpetrada contra mulheres jovens e adultas seus parceiros, seus ex-parceiros, em cerca de 50% dos casos. Somente em 8% dos casos, o agressor é desconhecido.
A fotografia da violência intrafamiliar no País vai ficando cada vez mais nítida: são as mulheres em diferentes ciclos de vida em suas casas submetidas a diversos tipos de violência pelos seus familiares.
Quase metade dos atendimentos do público feminino, 49% - especialmente as mulheres adultas, 54%, e idosas, 60% -, são reincidências, o que demonstra a existência de uma violência persistente e recorrente contra as mulheres, o que mais uma vez reafirma o que a Profa. Milena trouxe: a gente está tratando de uma questão estrutural.
O fato de ser do sexo feminino acirra ainda mais o risco potencial, inclusive, de violência letal. Os números e as características dos homicídios femininos que ocorreram em 2013 demonstram isso - e eu trago esse dado antigo, porque é o dado do Sinan. Dentre os 4.762 homicídios de mulheres que ocorreram nesse ano, destaca-se que 50% do total foram perpetrados por um familiar da vítima. São quase sete feminicídios diários de cunho familiar. E 1.583 tiveram como autores parceiros ou ex-parceiros, 33%, totalizando quatro mortes de mulheres por ex-parceiro ou parceiro a cada dia.
Dentre as mulheres assassinadas, 66,9% são negras, o que reafirma a tendência de a população negra ser a mais atingida pela violência homicida no Brasil. Historicamente, as taxas de homicídio da população branca vêm diminuindo, ao passo que as taxas aumentam entre os negros. Em uma década, o número de mulheres brancas vítimas de homicídio foi reduzido em 9,8%, enquanto o número de negras cresceu 54,2%. Nada mais emblemático para o dia de hoje a gente trazer esse dado.
Todavia, dados esses números, o que a gente percebe, em termos de agenda pública e de meios midiáticos, é que a violência interpessoal de cunho comunitário - latrocínio, homicídio, roubo entre outros - ganha maior relevância e maior importância na área de segurança pública. A gente pouco fala de violência intrafamiliar. A gente fala pontualmente, em datas específicas, de exploração sexual contra crianças e adolescentes, de combate à violência contra a mulher; a gente fala em datas específicas de comemoração da questão do Estatuto do Idoso. A gente está falando de uma violência que é recorrente, que é persistente e que é invisível. A gente está falando que a rua é mais perigosa, a gente está reivindicando segurança pública para as ruas, mas a gente não está olhando para dentro das casas, que é onde a gente tem apanhado e morrido.
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As relações de proximidade, de intimidade estabelecidas pelas pessoas também são cerceadas e são mediadas por essa relação estrutural que Milena trouxe, que é hierárquica e que estabelece uma correlação de forças tão forte que determina que a desigualdade entre homens e mulheres no âmbito familiar chegue a causar a morte das pessoas, a morte das mulheres e a internação, desde cedo, de bebês mulheres, meninas.
A lentidão da inclusão da violência intrafamiliar na agenda pública ocorre devido a processos sócio-históricos e culturais da naturalização da forma de violência. O Brasil tem na sua história quase 400 anos de uma violência naturalizada, de uma morte naturalizada. Nós somos marcados pelo nosso processo de colonização e de escravização da nossa população, nós achamos natural que pais batam nos seus filhos, nós achamos que isso educa. Nós fomos acostumados a pensar que a mulher que apanha é porque ela merece ou que ela não sai de uma relação violenta porque ela não quer. A gente tende a achar que os idosos que sofrem violência fizeram por merecer, porque não foram pais bons. Esses foram achados da minha pesquisa conversando com técnicos e gestores da área de assistência social.
A perspectiva da violência intrafamiliar ainda está muito imbuída do valor moral de que a família é um lugar sacrossanto e, mesmo que essa família seja uma família violenta, ela é uma família que é desconsiderada como um lugar que deve ser permanentemente olhado com desconfiança. E aí, claro, eu não estou falando que todas as famílias são horríveis e que todos os lugares são desprotegidos, mas é que o processo de romantização dessa família tem sido muito prejudicial para a gente enxergar os fenômenos que ali ocorrem. A gente tem deixado a cargo da família uma proteção que ela não dá conta de fazer. Ela não dá conta de fazer às vezes por questão socioeconômica: eu não tenho casa, eu não tenho emprego, estou passando por uma situação de miséria, eu moro num lugar que só tem um cômodo, que são coisas que acirram...
(Soa a campainha.)
A SRA. PRISCILLA MAIA DE ANDRADE - ... a violência. Mas o lar é um lugar onde a hierarquização de gênero e o patriarcado fazem ninho. O lar é o lugar onde historicamente a violência se perpetua e ela se retroalimenta: crianças que foram abusadas, adolescentes que sofreram violência dentro de casa possivelmente serão vítimas ou agressores no futuro. Isso tanto por uma questão social de reprodução quanto por uma questão biológica, porque a violência também modifica nossas estruturas neurais. Passamos a responder com violência quando nos sentimos intimidados, quando nos sentimos coagidos.
Urgem políticas públicas que, para além da legislação punitiva, sejam também protetivas e sejam eminentemente preventivas. E que não estejam só no âmbito da saúde, quando as pessoas já chegam machucadas, ou no âmbito da assistência, quando esse dado ainda é nebuloso.
Como a Profa. Milena também trouxe - por isso é sempre bom falar depois -, a gente precisa trabalhar essas questões desde muito cedo. A escola é um lugar fundamental para isso, é na escola que nossas crianças estão, é na escola que a gente vai perceber quais as casas que são perigosas para essas crianças, é na escola que essas crianças vão saber que estão sendo abusadas, é a escola que pode notificar outros serviços com relação à violência e é na escola que a gente vai poder começar a desconstruir esse padrão de desigualdade e de violência que acontece dentro de casa e que muitas vezes é naturalizado.
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Estou passando tudo.
No âmbito da assistência - só para finalizar -, e isso mostra um pouco como que foi o desenho do combate à violência intrafamiliar no Brasil, a assistência não aparece no seu histórico. Pelo menos no âmbito federal, até o ano de 2002 a gente não tinha nada que responsabilizava ou que chamava a assistência para o combate à violência intrafamiliar. Somente em 2002, com o Programa Sentinela, é que o Governo Federal chamou Estados e Municípios para o combate à violência. Isso não significa que a violência não existia antes ou que a assistência não atuava antes: significa que esse dado sempre existiu. Essas pessoas sempre foram violentadas, mas elas estavam escondidas, principalmente nos abrigos da assistência social para pessoas que foram retiradas do lar em decorrência da violência ou que saíram de casa em decorrência da violência - estou falando tanto de mulheres quanto de crianças, adolescentes e idosos. A assistência, somente em 2004, começa a se movimentar e a assumir a violência intrafamiliar como uma das suas frentes de ação, como também uma política responsável por responder a essa situação de risco social. Todavia, a política de assistência, quando chama a família como foco central da sua ação, tende a esconder a violência, porque ela se baseia numa existência de uma família protetiva - uma família que deseja estar junto, uma família que deseja permanecer unida.
Os profissionais e gestores da assistência que eu entrevistei ainda têm uma visão muito romantizada de família, ainda têm uma visão patriarcal de família, do homem provedor e da mulher cuidadora. Isso é um problema por quê? Porque ele alimenta a violência estrutural que a Profa. Milena colocou, ele naturaliza esse padrão hierárquico de estabelecimento de poderes e direitos diferentes no âmbito familiar. E a assistência, ao reiterar isso, acaba não rompendo com ciclos de violência, acaba reiterando ciclos de violência. E, se mesmo essa resposta é assim quando há resposta, imaginem o tamanho do nosso trabalho à frente para ressignificar família, ressignificar estar em família, ressignificar ser protegido por família. Isso significa a gente pensar formas familiares que superem a organização patriarcal baseada na desigualdade de gênero.
Essa era a contribuição que eu queria dar.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Obrigada, Profa. Priscilla. Foi muito interessante, inclusive, buscar isso na assistência social, que talvez seja um espaço onde as mulheres encontrariam bastante abrigo, digamos assim, sob vários pontos de vista.
Mas uma coisa que a Profa. Priscilla falou aí é que, de fato, é preciso que a gente... Eu sempre digo isto aqui na Comissão: apesar de todos os dados alarmantes de violência, apesar de todos os dramas que a gente acompanha no dia a dia desta Comissão, eu ainda sempre digo e insisto que o nosso principal desafio ainda é a primeira denúncia, porque a subnotificação é uma coisa assustadora, pois até as mulheres tomarem a decisão, por uma série de coisas, por medo, muitas vezes porque tem vergonha de dizer que o ser amado - em tese, não é? A gente não sabe até que ponto essa pessoa ainda ama, mas as pessoas acabam dizendo que não querem denunciar porque ele vai mudar, ele vai mudar. Aí tem choros e velas e flores, mas eu acompanho isso desde Vereadora, há muitos anos, é sempre a mesma coisa. Então, eu sempre digo, aproveito a oportunidade em que o Brasil inteiro está nos vendo através da internet: não muda e vai bater no mesmo lugar. Se não mata, deixa sequelas muito profundas. Então, é preciso saber que todos eles têm o mesmo modus operandi, porque eles também são pessoas doentes. Eu digo muito que o agressor é uma pessoa que está doente. Não justifica nada, tem que ter cadeia mesmo, mas é preciso ver que é um processo em que a mulher também vai adoecer. É um ciclo a violência. Há um momento em que você não sabe nem como sair daí, fora as ameaças. Quantas vezes a gente vê: "Se você me denunciar, eu te mato". Muitas vezes ela teme pelos filhos, porque às vezes os filhos são o elo mais frágil desse processo todo, em função de que ele diz que...
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Outra coisa, Priscilla, que a gente vem discutindo aqui e nos surpreendeu muito ano passado, numa audiência que nós fizemos sobre a questão da guarda compartilhada, não é, Carla? Foi uma coisa muito surpreendente para nós, foi a maior interação que nós já tivemos em toda a nossa Comissão, para mais de cem questionamentos, falas ou qualquer outro tipo de observação, porque nós tivemos inclusive mulheres que estavam fugindo com seus filhos aqui na audiência como forma de se proteger, porque não queriam passar a guarda por uma série de coisas. Inclusive nós estamos revendo algumas legislações no Brasil, porque a gente já ouviu vários especialistas que já trabalham com outra forma de legislação no mundo. Se a separação se deu a partir de violência doméstica ou ainda de abuso dos pais em relação aos filhos, isso tem que ser repensado. Não pode simplesmente a mãe ser mais violentada quando entrega o filho sabendo que ele pode ser vítima de abuso pelo próprio pai e vice-versa. Eu estou falando especificamente, porque estamos tratando aqui da violência mais estrutural, que é de fato contra a mulher.
Agora nós vamos passar para a Profa. Maria Elaene Rodrigues Alves, que é professora da Universidade de Brasília, autora da pesquisa "Pequena Memória para um Tempo sem Memória: violências e resistências entre mulheres do Serviço Social na Ditadura Civil-Militar de 1964-1985".
Registro que hoje a Profa. Elaene é Coordenadora do curso de Serviço Social da UnB e, como a Milena e a Priscilla, na prática, usaram 20 minutos, eu já vou dar 20 minutos para você.
A gente vai estruturando o pensamento, como eu disse, são anos de pesquisa, que para sintetizar, não dá certo. Então, já vou passar os 20 minutos da Maria Elaene.
A SRA. MARIA ELAENE RODRIGUES ALVES (Para expor.) - Bom dia. Eu gostaria de agradecer o convite da Deputada Luizianne Lins, falar da importância também de dividir esta Mesa com duas companheiras de profissão e de vida.
Neste momento, quero deixar registrado aqui, antes de começar minha fala - até porque falar desse tema de violência e de resistência entre as mulheres do Serviço Social na ditadura civil-militar -, que eu fiz uma pesquisa que trata de todas as mulheres, depois de abordar as mulheres do Serviço Social, mas é falar de todas as mulheres. Inclusive, no Dia da Consciência Negra, deixar registrada a minha indignação com o ato que aconteceu ontem neste Congresso.
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Nós mulheres negras vivemos num País que, desde seu processo de colonização, é resultado de um estupro colonial, onde sempre essa forma vem sendo tratada com outras roupagens: pessoas que dizem que não são racistas reproduzem esses traços cotidianamente, principalmente no contexto que nós estamos vivendo de neofascismo neste País. Então, quero aqui registrar a minha indignação... (Palmas.)
E também tenho muita emoção em falar isso. Inclusive, a fala da Deputada Benedita ontem deixou essa emoção no País todo, como em todas as mulheres negras que estão aí envolvidas nessa luta, nesse momento, e mulheres brancas também.
Então, o tema da minha tese, como já foi falado, é: "Pequena Memória para um Tempo sem Memória: violências e resistências entre mulheres do Serviço Social na Ditadura Civil-Militar de 1964-1985". A citação de Gonzaguinha, que abre esse título, tem o intuito de relembrar a importância desse período. Hoje, cada vez mais, essa memória é não só necessária, mas urgente.
Já "violências e resistências", quando eu trato assim no plural, que integra o subtítulo dessa tese, tem o objetivo de expressar distintas e múltiplas manifestações, experiências daquele contexto sombrio e aterrorizador da ditadura civil-militar de 1964-1985.
Então, pensar a ditadura civil-militar - e eu, antes de preparar essa fala, estive, em outros momentos, apresentando a minha tese - é pensar o contexto que nós estamos vivendo. Aí, quando eu estava terminando a tese, foi no período em que aconteceu o golpe da Presidenta Dilma. E foi este processo: você vai terminando a tese, fechando uma tese com um tema que não é muito fácil e com vários acontecimentos de violências e mortes que aconteceram no País naquele período, quando eu estava fazendo a introdução e conclusão da minha tese.
Pensar esse processo de violência é fazer um resgate em que eu trato de alguns conceitos. Principalmente quando começa a falar de ditadura, você tem que primeiro pensar a formação da sociedade brasileira, uma sociedade marcada por traços autoritários, de muita violência, desde o nosso processo de estupro colonial com mulheres negras e indígenas, desde o processo da colonização, invasão dos portugueses no Brasil. Essas mulheres sofreram todas essas violências, e esse traço do autoritarismo, do paternalismo, do mandonismo, dessa relação de mando e obediência, por meio da qual muitas mulheres foram caladas durantes anos, no processo da ditadura, vai se acirrando cada vez mais. Traços que estão acontecendo hoje são traços da nossa formação, desse processo de muita violência e autoritarismo, que eu abordo nos meus capítulos.
Vou falar um pouco como começou esse processo. A minha militância e estudo em relação à questão da violência começa desde o movimento estudantil. Também já tive experiências que vão se aprofundando nesse campo, como estágio em presídio feminino, a proximidade de experiência tanto no cunho acadêmico como profissional. Também registro aqui duas experiências que foram importantes na minha vida, que foram no âmbito da Casa Lilás, que é uma ONG lá em Fortaleza, e no Instituto Negra do Ceará, e a experiência também como gestora - que a Deputada Luizianne Lins falou - da Secretaria Municipal de Assistência.
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Mas também eu estive um ano na Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, e essa experiência faz com que você cada vez mais vá estudando e aprofundando, entendendo que esse processo de aprendizagem é cotidiano e que é um momento que cada... Não é o doutorado que se encerra nesse processo. Então, a cada pesquisa, você vai aprofundando e percebendo que o saber é cotidiano e que a gente se desnuda de muitos preconceitos e vai aprendendo cada vez mais.
O meu vínculo com o movimento de mulheres, com essas bandeiras surgiu nesse processo aí, desde o movimento estudantil. E a minha pesquisa, quando eu trabalhava população em situação de rua... A Priscilla traz aí alguns dados que eu também diagnostiquei no meu mestrado em relação à Casa e essa violência que as mulheres em situação de rua colocaram. E aí eu entrei até com meu projeto no doutorado, que era sobre violência contra as mulheres em situação de rua, e eu questionava a ausência de políticas para as mulheres em situação de rua e o próprio debate do movimento feminista. Como Secretária, também fiz algumas políticas, mas, na Secretaria de Assistência, você pensa o todo, e não fizemos uma política específica para as mulheres. Aí eu mudei de tema no doutorado, que eu fiz na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). E, nessa pesquisa depois da tese, você percebe um pouco do complemento. Eu comecei meu estágio no presídio e eu termino - pretendo continuar - o doutorado também trabalhando essa questão das mulheres na ditadura, quando muitas mulheres foram presas.
Pensar, como eu já falei, a ditadura é pensar todo esse processo da nossa formação. E aí você, quando vai falar sobre ditadura - e inclusive eu dou aula de Fundamentos 2, que trabalha esse processo da ditadura civil-militar -, percebe que muitos alunos e alunas não conhecem esse histórico da ditadura e repetem algumas questões que são ditas pela televisão ou por fake news. Aí, você tem que estar desconstruindo e construindo alguns valores. Então, pensar a ditadura civil-militar é pensar que ainda não foi amplamente discutida e analisada, tanto em relação ao momento histórico em si, quanto em suas consequências na contemporaneidade. Mas essa tese ousa tocar em aspecto até recentemente silenciado, que ficava na memória subterrânea de alguns protagonistas daquele doloroso processo histórico.
Assim, trata-se aqui justamente da pesquisa e análise de experiência de mulheres que resistiram à ditadura, que lutaram e sofreram a dor indizível de várias violências exercidas pelos agentes públicos do Estado. O meu recorte privilegia o estudo de mulheres do serviço social, estudantes, assistentes sociais e os docentes em sua inserção naquele momento histórico da sociedade brasileira. Procuramos conhecer e explicitar os processos de violência e resistências experimentais.
E aí, nesse processo da tese, eu fiz uma pesquisa durante mais de quatro meses no Arquivo Nacional, onde nós pesquisamos todos os documentos do SNI e também entrevistas que foram realizadas com essas mulheres, entrevistas que foram muito difíceis, porque muitas mulheres que foram marcadas pela violência na ditadura passaram anos e anos fazendo terapia e queriam deixar essa memória subterrânea, como algumas colocaram, aquela memória de que você não quer falar. No processo, foi feita uma pesquisa no Brasil todo.
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E aqui também eu registrar que uma mulher feminista e que teve uma contribuição muito grande, também e não só como assistente social; quando eu ia entrevistá-la, ela faleceu. Eu quero registrar aqui a presença, foi uma grande militante do PCdoB, a Gilse Cosenza, que contribuiu muito e sofreu as várias violências nesse período da ditadura. Então, é importante registrar, porque ela teve uma contribuição, viveu também o momento da Guerrilha do Araguaia, e não é tão comentada a contribuição que essa mulher deu, tanto na profissão como no movimento de mulheres. (Palmas.)
Nas entrevistas... Como eu já tinha falado, nós entrevistamos dez mulheres, com que, no processo, era difícil agendar, mas também foi um momento em que a gente... Como um achado da nossa pesquisa, eu vou aqui destacar que a maioria dessas mulheres são e foram mulheres brancas, mulheres de classe média. A militância era no movimento estudantil e na AP, que era a Ação Popular. É o resgate do papel da Igreja e do papel das CEBs naquele processo que essas mulheres tiveram antes de chegar ao movimento estudantil e no movimento operário - duas que eu entrevistei vieram do movimento operário.
Então, também a maioria tinha de 18 a 22 anos, jovens que passaram - algumas passaram - seis anos na prisão, sofreram lá várias violências. Dentro da pesquisa, muitas violências. Aqui eu vou estar colocando todos os tipos de violência, da violência psicológica, das torturas de barata, cobras, que deixavam a cela trancada, toda a cela no escuro, e a cobra dentro da própria cela, assim como ratos. Uma das torturas que a maioria, na minha pesquisa - com que, por ser assistente social, ainda tenho uma relação muito forte -, foi uma das questões que eu consegui ter como esse dado da pesquisa, fora vir da Ação Popular, que tem essa relação com a Igreja, elas também diziam que não sofreram violência sexual. Sofreram todos os tipos de violência, mas a sexual elas não sofreram. Aí é um pouco que eu analiso da visão, da concepção que elas não tinham da violência sexual, que elas sofreram a violência sexual desde o primeiro momento, inclusive quando tiravam, rasgavam o sutiã dessas mulheres... Assim que os policiais as prendiam, já rasgavam o sutiã; já era uma chamada de putas comunistas, que é uma forma também tanto de violência sexual como dessa concepção do que a gente acredita, que a Milena traz, que eu abordo também na minha tese, dessa violência estrutural. O corpo da mulher sempre foi a marca de opressão, exploração no mundo e principalmente no nosso País. Essa forma de violência, que elas não percebiam, agora a gente está num processo, depois de ter apresentado a pesquisa para elas - o que inclusive elas já cobraram... Esse dado é muito importante. Como a Milena traz, e a própria Angela Davis, eu parafraseio: a violência sexual é essa questão do corpo melhor usado como arma de poder, de guerra, de perseguição e opressão cotidiana para as mulheres.
Então, muitas mulheres também... Eu destaco duas Deputadas que eu tive também o prazer de entrevistar, que foram a Deputada Erundina e a Deputada Jô Moraes. A Deputada Jô Moraes colocou toda forma de perseguição por que ela passou. Inclusive, não terminou o curso, mas sofreu todas as violências em sair da Paraíba e passar por vários Estados no Brasil, vivendo na clandestinidade. E ela coloca que uma das violências maiores foi quando a mãe dela faleceu e que toda a polícia chegou ao hospital e ela não pôde ir para o enterro da mãe nem participar de todo o processo; que era culpabilizada, inclusive, por amigos e parentes pela morte.
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Como outros assistentes sociais que eu entrevistei... E, no processo da entrevista, eu trabalho com vários conceitos, claro, inclusive com a pesquisa também que eu fiz, fora o Arquivo Nacional, na Comissão da Verdade. E aí também quero deixar que a Comissão da Verdade deixou muito a desejar, principalmente no âmbito da pesquisa e de denúncia em relação a mulheres, negros, indígenas e LGBTI. Então, dentro dessa pesquisa, eu pude constatar essa deficiência e os limites da Comissão da Verdade, o que eu queria aqui também deixar registrado. Então, são vários casos aqui que a gente tem como dado da pesquisa e que não dá aqui para abordar.
A minha tese foi dividida em quatro capítulos, e eu aponto essa questão da participação das mulheres, a organização política dessas mulheres; e que, no mesmo período de 60 a 80, dentro do próprio serviço social, já havia mulheres feministas que lutavam, que estavam na organização nos bairros, nas comunidades; e muitas mulheres que vieram do Nordeste - e eu também quero deixar esse destaque -, que estão aqui, que se destacam em todos os espaços e que contribuíram, inclusive, para a nossa profissão, que é o serviço social, numa mudança que é cotidiana ainda, de uma intenção de ruptura. O diálogo que nós temos hoje com a teoria marxista é resultado da luta e da resistência dessas mulheres.
Também outra questão que eu queria destacar, de que a Milena já fala, que eu abordo na minha tese: a violência como estruturante. Não dá para você trabalhar essa questão da violência sem articular com o patriarcado, com o racismo e o capitalismo, que, na minha opinião, são indissociáveis para fazer uma análise de qualquer fenômeno nessa sociedade. E aí eu uso a Saffioti, quando ela diz: "Na realidade concreta, essas variáveis são inseparáveis, pois se transformaram, através desse processo simbiótico, em um único sistema de dominação-exploração, aqui denominado: patriarcado-racismo-capitalismo".
Eu conceituo a violência contra a mulher, utilizando também algumas autoras, como uma das expressões mais explícitas das desigualdade de poder entre homens e mulheres em geral, legitimada socialmente e assumindo múltiplas formas que englobam todos os atos que, por meio de ameaça, coação ou força, lhe infligem na vida privada ou pública sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos com a finalidade de intimidá-las, puni-las, humilhá-las, atingindo-as na sua integridade física e na sua subjetividade.
Também eu trago alguns depoimentos para ilustrar um pouco a tese e o nosso momento aqui, de algumas entrevistadas. O que elas falaram...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA ELAENE RODRIGUES ALVES - "Passei por todos os tipos de tortura pelos quais passavam os presos políticos. Cheguei a perder 36kg em 50 dias. Lembro de torturas psicológicas que eram piores do que pau de arara. Eu pedia que me matassem, mas eles negavam, dizendo que antes iriam me cortar viva em pedacinhos. Era colocada nua em geladeira, com tudo escuro. Ouvia ruídos assustadores. Era uma sensação de impotência, de solidão".
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Outro depoimento também que eu quero destacar: "Fui vítima de abortamento forçado sob tortura. Depois que souberam que eu poderia estar grávida, me davam murro e pontapé na barriga, até que sangrei. E eles disseram: 'Está vendo? Comunista vai ter filho? Não precisa ter filho. Vai nascer mais um comunista imundo neste País'". Então, casos de torturas e violência sexual familiar e de maternidade, que eu também pesquisei no Arquivo Nacional.
Uma estudante de serviço social de 22 anos...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA ELAENE RODRIGUES ALVES - ... teve choques elétricos, torturas sexuais. Ela foi obrigada a balançar descalça em uma lata de salsicha. Para colocar pressão nela, eles a prenderam e a torturaram na presença de seu noivo e de sua mãe. E, mais tarde, quando estava grávida, sofreu aborto espontâneo como resultado da pressão psicológica a que ela foi submetida. Em meio a gritos e observações vulgares, ela foi obrigada a se despir totalmente. Por aproximadamente uma hora, ela foi brutalmente espancada com cacete, perfurando, no estômago, intestino, rins e nádegas. Também foi chutada violentamente nos tornozelos, onde sofreu outros tipos de tortura. Essa referência é uma fonte do Arquivo Nacional lá do Estado do Rio de Janeiro.
Então, para finalizar, a realidade das mulheres brasileiras nesse período expressa sua grande contribuição para a luta de classes, organização política coletiva contra a ditadura civil-militar, mas também para o feminismo, ao resistir ao patriarcado, que, por sua vez...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA ELAENE RODRIGUES ALVES - ... imprimia repressão e tortura diferenciadas a elas, com destaque para a violência sexual.
Então, a história brasileira é marcada por exploração, opressão e diversas formas de repressão violentas e bárbaras, mas, em meio às contradições, é marcada também por lutas, revoltas, resistências e significativas manifestações de lutas.
Então, para finalizar, deixo aqui essa experiência. Aqui é só algo muito rápido. A nossa ideia é lançar um livro para que várias pessoas possam, realmente, conhecer a história dessas mulheres, que foram marcadas por muitas dores, resistência e violência.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Bom, a gente vai se encaminhando para o final da audiência.
Antes, eu gostaria primeiro de agradecer a presença dos estudantes do oitavo período do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás do campus de Goiás Velho. Sejam muito bem-vindas e bem-vindos! É uma alegria ter vocês aqui. (Palmas.)
Esta audiência pública é uma audiência pública convocada pela Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, exatamente para a gente discutir a questão da violência estrutural no Brasil. E temos aqui como convidadas a Profa. Milena Fernandes Barroso, professora da Universidade Federal do Amazonas; a Profa. Maria Elaene Rodrigues Alves, professora da Universidade de Brasília; e a Profa. Priscilla Maia de Andrade, também da UnB (Universidade de Brasília), que fizeram as suas exposições.
Eu também queria justificar a ausência da Deputada Talíria, que foi convidada para fazer o recorte da violência racial e política como Coordenadora da Frente Nacional Feminista Antirracista, mas ela está exatamente no ato em repúdio ao episódio de ontem em que um Deputado enlouqueceu e quebrou uma parte da exposição aqui da Câmara Federal, o Deputado Tadeu. Ela está protestando agora neste momento. Por isso, não pôde estar aqui presente conosco.
E, como eu falei para vocês, esta audiência é interativa. Através do e-Cidadania, através da internet, nós estamos para todo o Brasil - senado.leg.br/ecidadania ou o telefone 0800-612211. E nós já recebemos algumas contribuições exatamente no e-Cidadania, através da internet.
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Queria saber, antes de passar a palavra, porque aí eu vou colocar as questões que foram feitas, perguntas, enfim, manifestações que vieram da internet para, depois, a Mesa finalizar. Mas eu gostaria de saber, já que temos aqui a presença de estudantes de Direito, de pessoas que estão nos visitando, se há alguém que queira se colocar, que queira falar alguma coisa ou perguntar alguma coisa para as nossas palestrantes para que a gente possa, aí, sim, passar a palavra novamente a elas. (Pausa.)
Enfim, vamos lá. Vou ler aqui.
Larissa Barbosa, do Ceará, o nosso Estado: "O que tem sido feito em relação ao machismo institucionalizado com o qual as servidoras públicas convivem diariamente?".
Vocês anotem. Na finalização, quem quiser se colocar...
Elisângela Muniz, do Rio de Janeiro: "Por que se demora tanto em conceder medida protetiva às mulheres vítimas de violência ou vítimas de abuso?".
Lissandra Samara, de Alagoas, pergunta: "Há regulamentação. No entanto, falta efetividade no que concerne à aplicação das normas e das medidas. Como isso deve ser visto pela sociedade?".
Temos aqui a Monik da Conceição, também do Rio de Janeiro: "Mesmo com a implementação de leis, diariamente mulheres continuam sendo vítimas de agressões. Como dar mais eficácia a essas medidas?".
Cesar Augusto, da Bahia: "Como as instituições legitimam o machismo?".
Luciano Dall Alba, de Mato Grosso do Sul: "A mulher é retratada como dócil, flexível e inferiorizada, em contraposição ao homem. Onde há preconceito há falta de empatia social", ele observa isso.
Rayell Correia, de Tocantins: "Como a medida protetiva pode ser eficaz para as mulheres que foram vítimas de agressão sendo que não há como a Justiça estar presente no local?".
Igor Araujo, de Sergipe: "A Lei Maria da Penha já foi um bom começo contra a violência institucional na luta das mulheres que sofrem com a violência doméstica", essa é a opinião do Igor Araujo, de Sergipe. Obrigada pela participação.
Patrícia Santos, da Bahia, pergunta: "Qual medida a ser adotada para diminuir essa violência?".
Então, a gente observa aqui que em pouco tempo de debate nós tivemos muitas interações e muitas participações, alguns questionamentos, outros posicionamentos. É para a gente ver como isso aí é uma chaga muito latente na nossa sociedade.
Então, para finalizar a audiência, vou passar a palavra, por cinco minutos, a cada uma das nossas debatedoras, que podem escolher um tema específico. Nem tudo é questionamento, algumas são colocações. Vou passar logo a essas que estão pedindo a palavra. Vou quebrar o protocolo, tenho que dizer isso, para que vocês possam se manifestar. Se puderem ficar aqui. Não sei esse microfone daí está funcionando. Está?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Então, você se apresenta, faz o questionamento. Depois, ela se apresenta e faz o questionamento. A gente vem para a mesa para finalizar. Está o.k.?
Obrigada.
A SRA. ROSÂNGELA - Sou Rosângela, do Movimento de Mulheres Camponesas e estou nessa turma de Direito que se chama Fidel Casto. É um curso pelo Pronera. Sou do Movimento de Mulheres Camponeses. Minha origem é Roraima.
Na semana passada acompanhei um caso, em Roraima, em que uma mulher foi atingida pelo seu - se é possível dizer - companheiro, com uma facada na cabeça. Ele cortou toda a cabeça dela. Ela não quer fazer registro e os médicos pontearam, deram, no mínimo, uns 15 pontos no rosto dela, tenho foto dela, e o médico não fez o registro.
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Então, pela legislação, o médico é obrigado. Eu queria deixar registrado que Roraima não está cumprindo isso e que, enfim, eu não posso dizer nomes, porque eu fui proibida de dizer nomes, mas é isso o que está acontecendo, quer dizer, a pessoa foi com a cabeça rachada por um facão e o médico não encaminhou para a polícia isso. Então, eu queria que se fizesse uma intervenção junto a Secretaria de Segurança do Estado para que tenha mais rigorosidade nesses atendimentos.
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Nós vamos encaminhar imediatamente uma solicitação para a Secretaria de Segurança Pública através da Comissão, que é mista, Câmara e Senado, especificamente sobre esse tipo de procedimento adotado pela Secretaria de Segurança Pública.
Outra companheira.
A SRA. DEJANE - Bom dia, eu sou Dejane, também componho a turma Fidel Castro de Direito. Faço parte do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, sou dirigente do coletivo de direitos humanos e ontem uma companheira compartilhou no status dela um homem ensinando como agredir uma mulher sem deixar marcas. Eu já vi alguma coisa a respeito disso ser tratado como crime de ódio, de incitação ao ódio, mas eu acho que é para além disso, isso incide no fato de ser mulher. Eu acho que é para além de incitação ao ódio a um ser humano comum, é pelo fato de ser mulher.
Como têm sido tratados esses crimes contra a mulher, incitação de violência contra a mulher nas redes sociais? Porque eu acho que não tem que ser tratado só como incitação ao ódio, e, sim, especificamente pelo fato delas serem mulheres.
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito obrigada, companheira.
Eu vou aqui passar a palavra para a gente finalizar, esse debate continua, é sempre presente aqui nesta Comissão. A gente aborda diversos aspectos da violência, desde a violência obstétrica, passando pela violência física, pela violência simbólica, tratamos questões relativas... Na última audiência tivemos aqui a questão da violência contra mulheres que estão, por exemplo, em funções públicas, foi feita essa pergunta aqui, mulheres que vão notificar pessoas, principalmente quando vão notificar homens, por exemplo, as chamadas agentes judiciais, que vão lá fazer o registro e também sofrem violência e por aí vai. Então, que sejam acolhidas aqui todas essas formas de violência para que a gente lute contra todas elas.
Queria só também informar para vocês, da área do direito, isso é importante, que eu tive aqui um projeto aprovado pela Câmara Federal, um projeto de minha autoria, que a gente chamou de Lei Lola, que dá exatamente à Polícia Federal a obrigação de investigar os crimes de misoginia na internet. Isso foi uma grande conquista, porque todo dia nós somos destruídas, desconstruídas, somos xingadas, etc. e tal, e muitas vezes a gente não tem como recorrer ou a quem recorrer. Então, hoje, a Polícia Federal, por lei, é obrigada a tocar adiante a investigação sobre os chamados cibernéticos, sobre aquelas pessoas que exatamente fazem o cyberbullying ou que fazem essa mesma coisa que a gente vê na vida real só que na vida virtual, só que sem nenhuma legislação que a amparasse.
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Portanto, a Lei Lola... A gente a chamou assim em homenagem a uma professora da Universidade Federal do Ceará que foi, durante muitos anos, ameaçada, teve sua mãe ameaçada, o marido ameaçado. Chegou ao ponto, inclusive, em um momento, em que o próprio reitor da universidade foi acionado por esse grupo criminoso, dizendo que a professora estaria cometendo atos ilícitos dentro da própria universidade, inclusive chegaram a dizer que a professora estava estimulando um aborto em sala de aula. Uma coisa, assim, absolutamente absurda, mas fazia parte.
Essa quadrilha foi presa. Normalmente, são homens que não conseguiram ter sucesso nem nas suas vidas afetivas nem na sua vida profissional, e têm realmente um sentimento de ódio em tudo que represente o feminino, que represente as relações envolvendo as próprias mulheres. E eles estão presos hoje, graças à Maria da Penha, à lei, e graças também à coragem da Profa. Lola de denunciar. Ela dizia o seguinte:
Enquanto eu era chamada de vaca, de gorda, de feia, tudo bem. Eu até respondia, às vezes levava na brincadeira e tudo [porque ela tem um blogue, e ela disse], mas quando começaram a dizer que iriam estuprar minha mãe de 82 anos, que iriam matar o meu marido [ela disse], eu nunca pensei na minha vida que eu iria achar bom não ter tido filhos, porque eu imagino como é que eu estaria [ela não tem filhos] numa hora dessa com um filho que pudesse estar submetido a essa situação de violência também.
Portanto, finalizando, gente, obrigada pelas presenças, pelas participações. A gente começa aqui, começa nessa ordem aqui, eu acabei me atrapalhando por causa disso, a Profa. Priscilla Maia de Andrade, Professora da UnB, que vai fazer suas considerações finais.
A SRA. PRISCILLA MAIA DE ANDRADE (Para expor.) - Bem, das questões colocadas, me chamou bastante atenção a Rosângela aqui presente. Rosângela, uma coisa que eu pontuei na minha fala, a gente tem um processo de subnotificação da notificação compulsória. Os profissionais da saúde têm uma resistência mesmo a fazerem essa notificação, mas essa notificação que eles fazem não necessariamente gera um encaminhamento. Essa notificação gera um dado. A depender do hospital, a depender da rede de saúde, esse dado é aproveitado para fazer a busca dessa pessoa que sofreu a violência, tá?
A perspectiva é de que não gera uma denúncia à delegacia, ao sistema de justiça. A perspectiva é que as pessoas procurem, principalmente quando é questão de mulher, porque aí já é um ser autônomo, é diferente de criança ou de idoso, em que você aciona o Conselho Tutelar ou você aciona o MP, das mulheres parte-se do suposto que ela tem autonomia para denunciar ou não e se ela quer denunciar ou não.
Eu entendo a sua angústia, eu entendo o que você coloca. Eu acho, aí a gente não sabe se o médico fez a notificação ou não, eu estou entendendo que ele não fez a denúncia para a delegacia. A Deputada Luizianne já falou que vai pegar esse caso e vai encaminhar, mas é uma coisa para que eu queria chamar a atenção. A Lei Maria da Penha permite que a gente faça denúncias anônimas também para falar que determinada pessoa, determinada mulher sofreu situação de violência. Então, você ou outra pessoa também pode fazer essa denúncia.
Às vezes, o profissional, eu não estou falando que é o caso desse médico, mas alguns profissionais com que eu conversei têm uma tendência de não fazerem a denúncia, porque senão a pessoa não retorna. É como se tivesse uma quebra do vínculo de confiança. Eu contei para você, eu falei para você, você me atendeu e eu falei que eu não queria denunciar e, mesmo assim, você denunciou.
Então, isso também é um aspecto que a gente precisa considerar. A violência é um fenômeno muito complexo. Quando a violência está relacionada a pessoas próximas da gente, nossos maridos, ex-maridos, companheiros, pais, irmãos, isso se torna ainda mais complexo, porque você tem medo da retaliação, você não quer prejudicar, você gosta da pessoa. Então, há uma série de coisas envolvidas, e a gente precisa ter um pouco de cuidado no manejo com relação a isso.
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Há duas questões para as quais eu acho que posso contribuir mais, que chegaram pela internet, da Lissandra Samara, da Monik Conceição e da Patrícia Santos, que são, mais ou menos, perguntas similares que falam: a gente tem regulamentação, tem normativas protetivas, mas as mulheres continuam apanhando. A gente tem um processo, a gente tem uma legislação avançada, a gente tem a Lei Maria da Penha, que, inclusive, como outra pessoa colocou, foi um pontapé inicial importante, e foi, pois é uma das legislações protetivas mais avançadas, mas ela não tem efetividade. Por que ela não tem efetividade? Porque uma norma só vai criar efetividade se eu tenho políticas públicas que a materializem.
Eu preciso de mais DEAMs, eu preciso de policiais capacitados, mas eu também preciso de uma rede que faça essa intervenção. Eu preciso de mais serviços de saúde que atendam situações de violência, eu preciso de mais serviços de assistência social que atendam essas mulheres, eu preciso de mais profissionais, eu preciso de mais CRAS, de mais CREAS, de mais lugares que recebam e atendam essas pessoas. Eu também preciso de campanhas e propagandas macro que trabalhem essa questão, que problematizem essa questão. Eu tenho um sistema que é muito grande, é muito forte, que é o do patriarcado. Quebrar a lógica desse sistema é muito difícil, mas isso não significa que seja impossível.
(Soa a campainha.)
A SRA. PRISCILLA MAIA DE ANDRADE - Mas a gente tem que começar, e uma das coisas que a gente trouxe aqui é que a escola é um lugar muito importante, a educação é algo fundamental tanto para as crianças pequenas quanto na formação dos nossos profissionais, para que tenham entendimento e para que se responsabilizem pela violência sofrida pelas mulheres.
Era isto que eu gostaria de deixar, o que foi possível falar, e mais uma vez agradeço a oportunidade. Foi um prazer estar aqui com vocês. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Muito bom!
Agora, vamos passar para a Profa. Milena, também para fazer suas considerações finais.
A SRA. MILENA FERNANDES BARROSO (Para expor.) - São perguntas bem importantes e complexas que exigiriam um tempo bem maior para a gente conseguir debater, mas quero falar um pouco dessa relação da reprodução do machismo, do patriarcado nas instituições. Como a gente falou aqui, o tema desta audiência é a violência estrutural, o que significa dizer que também não existem instituições isentas da violência contra as mulheres. Nós, mulheres, a vivenciamos na política, na economia, nas áreas sociais, em toda a estrutura social somos vítimas ou estamos sujeitas a ser vítimas dessa violência.
Aí, nesse sentido, uma das perguntas é sobre como essas instituições aqui reproduzem, legitimam o machismo. A gente pode citar aqui a exclusão das mulheres de determinados espaços ou da dificuldade das mulheres para acessar este espaço. Estamos no Senado Federal, que é um exemplo disso, pela quantidade de mulheres que, historicamente, ocupam esses espaços. Também do ponto de vista dos privilégios.
Então, quando a gente fala que a violência é estrutural, é porque as mulheres, nós, mulheres, temos medo de andar nas ruas sozinhas em determinados horários. Não é, necessariamente, a violência direta, mas é a possibilidade, é a ameaça de sermos vítimas de violência. E também estamos sujeitas e vivenciamos nas instituições assédios cotidianamente. Então, por exemplo, eu sou professora de universidade federal. Nós temos feito uma campanha no sindicato dos professores, o Andes tem hoje implementada uma campanha contra o assédio, porque uma das principais violências contra as mulheres nas instituições públicas é o assédio, não só o assédio moral, porque a gente não descola; é o assédio sexual.
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E nós mulheres sabemos o que é isso, é o nosso projeto que não é levado a sério, é perguntar sobre filhos, e não sobre o nosso trabalho, é perguntar sobre a roupa que a gente está vestindo, é a cantada que é considerada algo normal. Então, são questões que são naturalizadas, banalizadas no contexto das instituições e que muitas vezes não são ditas, não são faladas. E isso tem sido uma dificuldade, porque a maioria das mulheres não consegue identificar essas violências, porque elas se confundem mesmo com o modo de ser. É tão normal, é tão cotidiano que não aparece como violência. Então, é um amigo, foi só um elogio... São situações dessa natureza.
Então, acho que é muito importante que a gente possa denunciar, levar esses casos para as ouvidorias das instituições. É muito importante que a gente possa pensar campanhas e divulgar que tipos de violência são essas que as mulheres vivenciam nos serviços públicos e também em outros espaços de trabalho. E aí, pensando na efetividade, nessa distância entre as legislações e a realidade concreta dessa efetivação, acho que é importante a gente considerar, como a própria Deputada Luizianne já colocou aqui no início, nenhuma legislação vai alterar a realidade social sozinha. A legislação não tem...
Então, se a gente coloca a violência como estrutural, a gente já parte do pressuposto do limite dessas legislações para acabar com a violência, mas é preciso - e aí eu concordo com Priscilla - a gente pensar na ampliação dos serviços, e aí eu acho que nós temos focado muito nos serviços na área de segurança pública, mas precisamos ampliar as possibilidades de serviços de proteção e prevenção à violência.
Acho que a rede de atenção às mulheres foi um dos feitos na época da então Prefeitura da Deputada Luizianne Lins em Fortaleza, uma ampliação dos serviços na área de proteção às mulheres, que infelizmente não é a realidade do nosso País. Eu vivo num Estado, o Amazonas, onde todos os serviços de proteção às mulheres, a despeito das delegacias que existem no interior, e são poucas, são centralizados na capital. Não existe casa-abrigo, centro de referência, serviços de proteção, a não ser os serviços de assistência social que acabam sendo sobrecarregados por uma demanda e não estão preparados para atender a violência contra as mulheres.
Em pesquisa recente, nós detectamos que muitas vezes as mulheres procuram o conselho tutelar, que é o único serviço que tem no Município para poderem ser atendidas. As distâncias amazônicas são imensas. Para uma mulher chegar de Parintins a Manaus ela demora 24 horas de barco. Isso no segundo maior Município do Estado. Você imagina, em Municípios em que a pessoa demora cinco, sete dias de barco, como é essa realidade? Então, a gente precisa pensar a violência contra as mulheres em contextos diferenciados, em realidades não urbanas, e infelizmente nós não temos hoje políticas públicas pensadas para atender essa diversidade que é o nosso País continental. É isso, gente.
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(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - Vamos agora passar à Profa. Maria Elaene, que também faz suas considerações finais.
A SRA. MARIA ELAENE RODRIGUES ALVES (Para expor.) - Já finalizando e agradecendo, as duas companheiras trazem questões importantíssimas. Pegando todas a questões, eu queria resumir, na concepção de o que realmente nós entendemos como violência estrutural. Essa violência é toda forma de violação também dos direitos humanos das mulheres, que perpassa por todos os espaços públicos e privados e tem essas raízes fundantes, como a gente já colocou, articulando o patriarcado, o racismo e o capitalismo. Então, pensar formas que... A algumas perguntas as meninas já responderam... Eu queria falar que, primeiro, a Lei Maria da Penha foi um avanço, mas ainda o contexto em que nós estamos vivendo é um contexto de retrocesso de muitas políticas sociais. Então, não há como pensar política pública para mulheres sem pensar em orçamentos, não há como pensar política para mulher sem pensar em orçamento, quando nós estamos tendo cortes de orçamento cotidianamente dentro deste Governo.
Nesse sentido, eu acredito em luta, nas mulheres, no movimento feminista e no movimento de mulheres nas ruas. E, nesse período agora do 25 de novembro, há várias atividades e ações.
Não existe política pública só com desejo de Presidente, Governador, Prefeito ou Prefeita. É também o compromisso e a luta do movimento que é uma luta histórica do feminismo.
Eu acredito, nesse momento, em ações que, no contexto em que nós estamos vivendo, você pode dizer, como as meninas já colocaram, que são campanhas, políticas sociais, denúncias, mas só que, no contexto em que nós estamos vivendo, está tudo acabando.
Esse momento é de pensar e provocar Deputadas e Deputados realmente que se comprometam com a política para as mulheres, com o movimento de mulheres, que faz essa pressão. Para mim, não existe realmente nesse momento nenhuma solução que venha em uma caixinha e que a gente possa responder a algumas coisas. Eu chamo, convido todas para que a gente vá para as ruas e que a gente faça o que foi todo processo da nossa história, que é o movimento de mulheres e feministas lutando por políticas realmente e mudanças no contexto em que nós estamos vivendo.
É nesse sentido que eu gostaria de finalizar e dar um exemplo que a Milena trouxe. Para mim, foi muito marcante, quando eu fui Coordenadora de Políticas para as Mulheres na gestão da Deputada Luizianne Lins, uma campanha que a gente fez no estádio de futebol. A Milena traz esse dado de que não é só pensar realmente como foi feito muito no Governo Dilma, em que houve muitas ações no campo da violência, mas pensar um todo. E isso nós construímos pensando tanto no sentido da prevenção do atendimento quanto em campanhas em espaços em que as pessoas que estão lá, na sua maioria, em estádios, são homens. É momento em que a gente tem que pensar nesses espaços estratégicos. Não adianta ficar dialogando a gente com a gente. Então, é pensar em algumas estratégias e, como eu falei, ir para as ruas.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. PT - CE) - A gente termina com muita alegria, apesar de todas as dificuldades e de toda a situação que a gente acaba comentando aqui, entendendo e estudando, mas com a alegria de poder juntar aqui uma mesa que foi brilhante. Eu acho que foi muito importante para quem está assistindo pela internet.
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Agradeço a Profa. Priscilla, a Profa. Milena e a Profa. Elaene. Vocês certamente serão convidadas a estarem aqui conosco em outros momentos para a gente aprofundar o tema.
Muito obrigada.
A gente vai desfazer a Mesa.
Rapidamente aqui eu gostaria de, dando continuidade à reunião da CMCVM, dizer que existem quatro requerimentos sobre a mesa, que eu gostaria de votar em globo.
2ª PARTE
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 19, DE 2019
- Não terminativo -
Requer a realização de Audiência pública nesta comissão para debater casos de violência política contra mulheres e traçar estratégias de enfrentamento e elaboração legislativa que visem à ampliação da ocupação dos espaços de poder e representação pelas mulheres.
Autoria: Deputada Áurea Carolina (PSOL/)
2ª PARTE
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 20, DE 2019
- Não terminativo -
Requer a aprovação de Voto de Solidariedade à Exma. Sra. Prefeita Patricia Arce, do município boliviano de Vinto - Departamento de Cochabamba.
Autoria: Deputada Talíria Petrone (PSOL/)
2ª PARTE
ITEM 3
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 21, DE 2019
- Não terminativo -
Requer nos termos regimentais, a parceria com o Correio Braziliense para desenvolver, com o Jornal, ações de promoção de equidade e participação no “Colóquio sobre violência de gênero e mídias”.
Autoria: Senadora Zenaide Maia (PROS/RN)
2ª PARTE
ITEM 4
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 22, DE 2019
- Não terminativo -
Requer a participação da Promotora Érica Verícia Canuto de Oliveira no lançamento da publicação do Seminário 12 anos da Lei Maria da Penha, atividade de encerramento da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo fim da violência contra as Mulheres 2019.
Autoria: Senadora Zenaide Maia (PROS/RN)
Seria o Requerimento 19, de autoria das Deputadas Áurea Carolina e Talíria Petrone, que requer a realização de audiência pública para debater casos de violência política contra mulheres.
Também o Requerimento nº 20, de 2019, de autoria das Deputadas Áurea Carolina e Talíria Petrone, que requer a aprovação de voto de solidariedade à Sra. Prefeita Patrícia Arce, do Município boliviano de Vinto, em Cochabamba.
Temos também o Requerimento nº 21, de 2019, de autoria da Senadora Zenaide Maia, que requer, em parceria com o jornal Correio Braziliense, a realização de um colóquio sobre violências de gênero e mídias, a ser realizado no dia 28 de novembro de 2019.
E temos também, por fim, o Requerimento nº 22, de 2019, de autoria da Senadora Zenaide Maia, que requer a participação da Promotora Érica Verícia Canuto de Oliveira no Seminário 12 Anos da Lei Maria da Penha.
Gostaria de perguntar se os Deputados e Senadores presentes estão de acordo.
Quem estiver de acordo permaneça como está. (Pausa.)
Os requerimentos estão aprovados.
Agradecemos a presença de todas as nossas convidadas, de todos os convidados aqui.
Gostaria também de aproveitar para aprovar a ata da presente reunião.
Se todos estiverem...
Antes de encerrarmos os trabalhos, proponho a aprovação da ata da presente reunião.
Os Parlamentares que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A ata será encaminhada à publicação, tendo em vista que nós temos o quórum de 15 Deputados e Senadores.
Muito obrigada a todos e até a próxima reunião da nossa Comissão, que será no dia 4 de dezembro. (Palmas.)
(Iniciada às 10 horas e 14 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 18 minutos.)