10/05/2021 - 3ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, em atenção ao Requerimento nº 8/2021-CMA, do Senador Fabiano Contarato, com o objetivo de debater as autorizações pretendidas pelo Projeto de Lei nº 510, de 2021, que, nos termos da explicação da ementa, dispõe sobre a regularização fundiária, por alienação ou concessão de direito real de uso, das ocupações de áreas de domínio da União; estabelece como marco temporal de ocupação a data de 25 de maio de 2012, quando foi editado o Código Florestal; amplia a área passível de regularização para até 2.500 hectares; dispensa vistoria prévia da área a ser regularizada, podendo ser substituída por declaração do próprio ocupante; e dá outras providências.
Comunico que, dada a importância do tema, faz-se necessário promover toda a pluralidade possível neste debate. Foi nesse sentido que, apesar de já termos uma audiência pública na Comissão de Agricultura, esta Presidência estendeu o convite a mais expositores além dos excelentes nomes já propostos pelo autor do requerimento.
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Assim, estão conosco no dia de hoje, em ordem alfabética: a Sra. Ana Carolina Haliuc Bragança, Coordenadora da Força-Tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal; a Sra. Eliane Cristina Pinto Moreira, Promotora de Justiça no Estado do Pará e Professora da Universidade Federal do Pará; o ilustre Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça; a Sra. Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental; o Sr. Julio José Araujo Junior, Procurador da República no Rio de Janeiro e Coordenador do GT Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão; o Sr. Marcello Brito, Presidente da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura; o Sr. Raoni Guerra Lucas Rajão, Professor da Universidade Federal de Minas Gerais; o Sr. Raul Silva Telles do Valle, Diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil; e o Sr. Richard Martins Torsiano, especialista internacional em governança e administração de terras.
Em atenção à situação gravíssima na qual lamentavelmente ainda nos encontramos em relação à pandemia da Covid-19, esta reunião ocorre de modo exclusivamente remoto, por meio do sistema de videoconferências adotado pelo Senado da República.
Após as exposições iniciais, será dada a palavra ao autor do requerimento e, em seguida, aos Senadores inscritos. Aqueles que desejarem fazer uso da palavra devem solicitar sua inscrição por meio da função "levantar a mão" no aplicativo ou registrando seu pedido no bate-papo da mesma ferramenta.
Solicito à secretaria que, neste momento, abaixe todas as mãos, silencie os microfones e monitore as inscrições.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação de interessados por meio do portal e-Cidadania na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800-61-2211.
O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada orador usará da palavra por até 15 minutos. Caso opte por usar material de apoio já enviado à secretaria, a progressão deve ser solicitada ao final de cada tela.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Senadores inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários, em até cinco minutos.
Bom, aqui, atendendo a pedido dos próprios palestrantes, nós fizemos uma organização. Então, o primeiro a fazer uso da palavra seria o Sr. Raoni Guerra Lucas Rajão.
Eu peço à equipe que abra o microfone do Sr. Raoni.
Raoni, você vai ter alguma apresentação? (Pausa.)
Já está na mão da equipe?
O SR. HERMAN BENJAMIN - Senador, se V. Exa. me permite, é Herman Benjamin.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Pois não.
O SR. HERMAN BENJAMIN - Eu terei que sair às 10h30.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Espere aí só um minutinho, Raoni.
O SR. RAONI GUERRA LUCAS RAJÃO - Perfeito. Eu posso...
O SR. HERMAN BENJAMIN - Não, não há necessidade de inverter a ordem. É apenas para informar a V. Exa. que, às 10h30, infelizmente, eu tenho que sair, por conta de compromisso no STJ.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - O.k. Então eu pediria só que os nossos expositores se ativessem, se possível, aos 15 minutos, e eu vou realocar, Ministro Herman Benjamin, de forma que o senhor esteja liberado até 10h30. Obrigado.
Raoni.
O SR. RAONI GUERRA LUCAS RAJÃO (Para expor.) - Perfeito. Obrigado, Senador.
Poderia habilitar a minha apresentação, por gentileza? Porque eu tenho alguns eslaides aqui para ilustrar.
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Pronto. Já foi.
Especificamente nessa apresentação, os colegas vão poder analisar de maneira mais detalhada o PL 510, assim também como foi feito dentro da Comissão de Agricultura. O objetivo aqui, especificamente, é um recorte que eu dei para essa apresentação, olhando essa relação entre regularização fundiária de um lado e meio ambiente do outro, enfatizando a importância de buscar um equilíbrio. A base dessa apresentação são duas notas técnicas: uma feita juntamente com o grupo da USP e com o Richard Torsiano, que também participa aqui desse evento; a outra, uma mais recente, é do nosso grupo de pesquisa aqui na Universidade Federal de Minas Gerais.
Para começar, é importante, até conceitualmente, diferenciar o que é regularização e o que é grilagem, porque existem diferenças jurídicas e também conceituais. Em primeiro lugar, a regularização é algo permitido pela legislação, que é a posse mansa e pacífica, e é um direito do produtor também obter isso. Para ser possível, é necessário que a atividade seja anterior a 2001 e que ele respeite as regras, inclusive as regras ambientais. Por quê? A legislação atual exige, por exemplo, que, no caso, o produtor obedeça à legislação ambiental após ter o título. Caso ele não obedeça e continue naquela área, ele já passa de produtor em processo de regularização para grileiro. Por quê? O que é grilagem? É a posse com algum tipo de fraude, é a posse com uso de violência, é invasão de terra pública após 2012. São produtores, majoritariamente grandes, que buscam essa terra para regularização fundiária. Inclusive, é punível, no caso, pela Lei 4.947, com até 3 anos de prisão. Então, é importante que se coloque claramente que grilagem é diferente de regularização e que grilagem é crime.
E qual é o alvo, no caso aqui desse resultado da regularização, no âmbito federal? São cerca de 123 milhões de hectares de terras, porém 50 milhões ainda não destinadas. E mesmo aquelas destinadas, por exemplo, como assentamentos, caso estejam... (Falha no áudio.)
O SR. RAONI GUERRA LUCAS RAJÃO - ... que permite a aplicação da regularização fundiária em cima de áreas de assentamentos, você vai ter uma expansão substancial também entre esses hectares. São principalmente essas áreas aqui, marcadas de rosa, que inclusive estão, por exemplo, em torno da BR-319, agora com uma pressão política muito grande para ser pavimentada. Também são regiões aqui, principalmente, do Pará, sendo que boa parte dessas áreas, inclusive, já estão ocupadas com o CAR, no caso das áreas declaradas, autodeclaradas. São essas aqui em azul.
É importante também ter em mente que regularização fundiária, que o problema fundiário não se traduz simplesmente em passar terras públicas para entidades privadas. Sim, a legislação permite isso, inclusive está na Constituição. Porém, significa também avançar na questão da demarcação de terras indígenas. O Brasil ainda possui 177 terras indígenas não regularizadas ou homologadas, inclusive algumas delas, como Ituna-Itatá, no Pará, que é a terra indígena com maior número de desmatamento, com a maior quantidade de desmatamento nos últimos anos.
Unidades de conservação. A Constituição deixa muito claro que essas terras públicas devem ser também voltadas para a conservação ambiental e assentamentos rurais também voltados para a reforma agrária, ou seja, não é simplesmente você privatizar algo que é público, que são as terras públicas, inclusive, a um custo muito abaixo do custo de mercado. É importante pensar no contexto geral.
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E aí existe um ponto crucial, porque, historicamente, há esse debate, inclusive, um discurso muito forte do órgão público, do Incra atualmente, de que titulação reduz o desmatamento ilegal. E é importante dizer que, de fato, houve ali uma intenção e que, da forma como foi desenhado, inicialmente, o Terra Legal, que é o principal marco jurídico que está sendo atualizado e discutido agora, existia essa intenção. Tanto é que o Terra Legal fez parte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e foi financiado esse processo de regularização ambiental e fundiária pelo Fundo Amazônia, por exemplo, que é claramente um fundo voltado para a conservação ambiental.
E qual era o ponto de partida? Que titulação significa maior visibilidade e significa certeza da punição. Ou seja, parte do pressuposto de que teremos aí institutos fortes, que o Incra vai estar agindo de maneira tempestiva, que o Ibama vai estar agindo de maneira tempestiva e aqueles que receberam um título ou que estão em terras públicas e que não estão obedecendo às regras vão ser, imediatamente, punidos. Porém, infelizmente, não é isso o que nós estamos vendo.
O Tribunal de Contas da União, desde 2014, tem uma série de auditorias realizadas especificamente sobre o Terra Legal, levantando uma série de irregularidades. Para começar, por exemplo, da amostragem que foi analisada, tivemos que 11% não atenderam aos requisitos e foram titulados e 38% com indícios de não estarem se enquadrando dentro da regularização fundiária. Recentemente, nós fizemos a análise, inclusive, temos uma colaboração do Ministério Público nesse sentido, e não é difícil encontrar casos em que terras foram tituladas recentemente em cima de áreas embargadas, em cima de áreas sem evidência de uso agrícola, quando você coloca uma imagem de satélite. Ou seja, existe ali, realmente, um problema crônico de irregularidades mesmo no processo da ação do Incra.
E não só isso. Uma das coisas que preocupa muito é o pós-titulação, ou seja, o que acontece a partir do momento em que aquela área é regularizada. Nós temos aqui, por exemplo, duas auditorias recentes, uma feita no Mato Grosso, especificamente, outra feita num conjunto de Municípios. Encontramos, por exemplo, que 87% das áreas tituladas em Mato Grosso que deveriam conservar 80% da sua reserva legal, ou seja, só poderiam estar utilizando 20%, estão utilizando mais que 20%; e 12%, no Cerrado, estão utilizando mais que 65% da área, porque lá a reserva legal, no Cerrado, é de 35%. No caso, nós temos aqui todos com ocupação irregular de reservas legais e APPs e, no caso (Falha no áudio.)
... dos processos com desmatamento indevido após 2008. Ou seja, há um desmatamento que é claramente ilegal e, mesmo assim, essas áreas foram regularizadas e o Incra não tomou as providências devidas.
A mesma coisa com relação a uma auditoria feita de maneira mais ampla, em que foram analisadas 208 parcelas, das quais 198 estavam com evidências de irregularidades e mais da metade, no caso, 118, com desmatamento após 2008. No caso aqui, não só Rondônia, mas Pará e outros Estados foram envolvidos também nessa análise.
E quais são as conclusões principais do TCU? Que efetivamente, hoje, da maneira como é feito o processo de regularização pelo Incra, nós temos:
1) Facilitação da grilagem de terras públicas por meio da ação estatal. Isso é muito preocupante, porque nós, não só não temos o controle, mas nós temos atuação do órgão e o próprio uso da legislação atual para facilitar uma ação criminosa, que é o roubo de terras públicas. 2) Ocupação de áreas excedentes aos limites legais estabelecidos, principalmente pela legislação ambiental - isso é uma constante - e permanência irregular dos posseiros que não cumprem essa legislação, que não cumprem os critérios pós-titulação.
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Por quê? Porque existe uma ausência do acompanhamento e do monitoramento das cláusulas resolutivas e um jogo de empurra. Mesmo, efetivamente, o Incra tendo assinado... Ou seja, o produtor assina junto ao Incra um compromisso de manter a área conservada e não desmatar ilegalmente, mas, na hora de dar o título definitivo, na hora de verificar isso, de certa forma, o Incra terceiriza, dizendo: "Isso é de responsabilidade do Ibama, não é responsabilidade do Incra".
Ora, se o produtor assina um contrato com o Incra, o Incra tem de fazer uma articulação institucional necessária para poder conseguir fazer valer aquele contrato. É como se o Ministério da Economia dissesse: "Não, eu não vou investigar casos de evasão de divisas porque isso é de responsabilidade da Polícia Federal". É claro que a responsabilidade é também do órgão responsável por aquela agenda!
E também, além de tudo, o baixo cumprimento das metas estabelecidas. Isso foi até objeto da outra apresentação feita na Comissão de Agricultura, onde se pode ver que, enquanto o Incra, em alguns anos, chegou a titular 10 mil imóveis, nos últimos dois anos, ele não passou de 600 imóveis. Ou seja, existe aí também um problema de lentidão interna ao órgão, que está ligado, inclusive, à falta de capacidade e ao desmonte do órgão nos últimos anos.
Tendo em vista esse contexto, não é de assustar que as análises mais recentes, que olham para o que acontece com os imóveis após a titulação, demonstram que existe uma tendência de os produtores, assim que registram e pedem a regularização, diminuírem um pouco o desmatamento, de certa forma até para poder buscar ali serem discretos, evitar que o desmatamento crescente possa interferir na titulação, mas, a partir do momento que são titulados, o que se vê é uma aceleração do desmatamento.
Bem; isso tem uma explicação econômica muito simples. A partir do momento que a terra é da pessoa, que existe uma segurança jurídica sobre ela, ela vai... (Falha no áudio.)
... cerca de R$1 mil por hectare. E, se você incentiva a pessoa a investir naquela área, desmatando, e não controla para que ela respeite a legislação ambiental, obviamente, nós temos uma receita para o desastre, uma receita para o aumento do desmatamento.
É por isso que, por exemplo, as áreas públicas destinadas, que em 1999 possuíam 95% de cobertura vegetal, hoje ainda possuem cerca de 90%; já as áreas privadas destinadas, que tinham 70% de cobertura vegetal na Amazônia, em 1999, hoje não passam de 55%. Ou seja, você teve uma perda de quase 20% da cobertura vegetal nesse período de cerca de 20 anos, o que é extremamente preocupante.
Então, sobre esse discurso de que, "para conservar, dê a terra para o produtor rural", não existe evidência nenhuma que o subscreva. É claro que, teoricamente, poderia funcionar, mas, na prática, não funciona, pelo menos não funcionou nos últimos 20 anos.
E até mesmo com relação à evidência que o Incra mostra para poder dizer que há uma redução no desmatamento a partir da regularização - e, no caso, é um estudo até um pouco mais específico do que isso -, o que eles fizeram? Eles analisaram os imóveis no CAR, que estão em cima de assentamentos, ou seja, que não são nem objeto inicial do PL nº 510, e observaram que a quantidade de área desmatada dos assentados cujos nomes estão na lista do sistema de reforma agrária, que lista basicamente os produtores que estão registrados para estarem naquele assentamento, no caso, é inferior - a área total desmatada ano a ano - àquela daqueles que não estão na lista.
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Só que, se você verifica a área em que estão as pessoas da lista - ou seja, a área regular -, percebe-se que a área regular é muito inferior à área irregular. Então, percentualmente, nós temos aqui, em alguns anos, um desmatamento nas áreas regulares - dos assentados regulares - que corresponde a quase o dobro das irregulares.
Então, o próprio estudo do Incra mostra o oposto da mensagem, da informação e da conclusão, apesar de que no artigo eles esquecem de dividir a quantidade de desmatamento pela área regular e irregular para poder ter o percentual de desmatamento realizado ano a ano de cada um dos imóveis, o que daria, nesse caso, uma imagem mais precisa da situação.
E qual é o problema ligado a isso? Nós temos um processo de grilagem de terras que é extremamente lucrativo, e o próprio processo de regularização fundiária serve como meio para acelerar isso. Por quê? Porque, enquanto nós temos o valor de terra... Por exemplo, no Anualpec, no Município de Senador Porfírio, onde a área de pastagem chega a R$2,7 mil por hectare, o Incra cobra, inclusive, para áreas regulares de até 2,5 mil hectares, um valor R$46 por hectare na regularização. Ele pode dar 90% de desconto em uma tabela que já é muito inferior ao valor real de mercado.
Isso significa que, se você considera o custo de desmatamento de R$800 por hectare e pega uma área de 6 hectares, inclusive anunciada publicamente, senhoras e senhores... Tem gente publicando venda de terras de 6 mil hectares - inclusive acima do limite constitucional -, dizendo que são áreas em regularização no Incra. Em uma operação como essa, essa pessoa, mesmo conservando 80% de reserva legal, teria um lucro de R$4 milhões a R$5 milhões, já considerando o que ela vai pagar para o Incra e já considerando o custo de desmatamento. Ou seja, desmatar com grilagem de terra é um negócio milionário. E temos, realmente, que nos capacitar para evitar que esse roubo do patrimônio público continue acontecendo.
E não é difícil encontrar situações como essa. Você tem aqui, por exemplo, um bloco com indícios de que é um imóvel único, fracionado em blocos de 15 módulos fiscais, que coincidentemente é o limite inicial da MP 910, para poder fazer a titulação automática, sem verificação de situações de campo.
Nós vemos, por exemplo, grandes imóveis sobrepostos a vários pequenos imóveis, ou seja, essa área aqui, em vermelho, é um grande requerimento ao Incra e com vários pequenos imóveis do cara aqui, inclusive, mostrando que poderia ao acelerar... (Falha no áudio.)
...ação de terras médias e grandes... (Falha no áudio.)
.... de campo até estar aumentando problemas de conflito no campo, porque esses pequenos produtores aqui poderão, eventualmente, ser expulsos das suas casas - muitos deles, às vezes, estando ali por décadas -, porque um grande obtém o título no Incra, chama a polícia e pede reintegração de posse, a partir do momento em que ele tem o título da terra.
Então, realmente é muito delicado e é preciso fazer com muito cuidado essa discussão.
E nós fizemos aqui uma análise, olhando os requerimentos do Incra, e verificamos que existem cerca de 5,7 mil parcelas que foram ocupadas entre 2012 e 2018, que hoje são invasões ilegais e que vão ser legalizadas caso o PL 510, na forma atual, seja aprovado. E isso, juntamente com outros imóveis que poderiam ser desmatados no futuro, porque há a modalidade também licitação, geraria um lucro superior a R$2 bilhões para essas pessoas.
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E aqui, de certa forma, mostrando esse estoque de grilagem dentro da própria base do Incra... Na base do Incra, você tem 107 mil imóveis, dos quais 48 mil já foram ocupados até 1985. São, de fato, essas pessoas que estão lá desde a década de 80 que não foram tituladas ainda e que merecem muito ter atenção do Estado nesse sentido. Em 2012 foram, aqui, 86 mil. O interessante, porém, é que existem, ainda, 22 mil imóveis, 21% da base, sem evidência de uso agrícola substancial, ou seja, com menos de 5% da área total para conversão de uso agrícola, o que indica que as pessoas estão mudando a lei com a intenção de, futuramente, manter essa possibilidade de grilar áreas.
É importantíssimo avançar na regularização fundiária, sim, mas, para isso, precisamos fortalecer o Incra, tornar obrigatória a verificação automática das cláusulas resolutivas ambientais, dando transparência para isso, inclusive, formar força-tarefa com Incra, Ibama, Ministério Público, Polícia Federal, Abin, que, inclusive, tem um trabalho de inteligência importante na área de grilagem de terras, para combater a grilagem, e também uma ação conjunta para reintegração de posse das terras públicas invadidas ilegalmente após 2011, que se consolidam e que, aí, geram uma demanda política, que, de fato, é algo, hoje, ilegal, algo criminoso, e o Estado tem que agir para poder defender o patrimônio que é de todos nós.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Professor Raoni.
Eu queria, imediatamente, passar a palavra, então - peço escusas à Ana Carolina -, ao Ministro Herman Benjamin.
Ministro, a palavra está com o senhor.
O SR. HERMAN BENJAMIN (Para expor.) - Bom dia, Senador!
Bom dia a todos e a todas que estão conosco aqui!
Eu queria saudar, em especial, as Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que integram esta Comissão. Meus cumprimentos, em particular, ao Senador Fabiano Contarato, autor do requerimento desta audiência pública; ao Senador Irajá, autor do projeto aqui sob análise; e ao Senador Carlos Fávaro, atual Relator do PL 510.
Eu começo dizendo, Presidente, que V. Exa., como ex-Governador, tem grande experiência nessas questões todas que estão sendo tratadas aqui, tanto na perspectiva fundiária como na perspectiva ambiental e na perspectiva social. Eu vou me concentrar apenas nos aspectos fundiários, porque talvez esses sejam os mais complexos diante das dificuldades mesmo que nós que trabalhamos com o Direito temos de enxergar, e enxergar bem: o cipoal da nossa história fundiária e também da nossa legislação atual. Esse projeto vem de uma proposição - todos nós sabemos - do Senador Irajá e conta com a relatoria competente do Senador Carlos Fávaro, ambos Senadores extremamente respeitados entre seus pares.
Presidente, eu não vou fazer observações pontuais acerca de dispositivos específicos porque isso não é possível em 15 minutos. Talvez eu mencione dois ou três dispositivos a título de exemplo, mas eu preparei uma análise de duas ou três páginas, que encaminharei a V. Exa. e também aos eminentes Senadores Carlos Fávaro e Irajá, este o autor do PL.
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Eu queria começar com algumas observações de caráter bem geral mesmo para que nós possamos entender - não é bem entender -, possamos nos lembrar de como está organizado, na Constituição e na legislação, o sistema fundiário brasileiro.
O primeiro ponto a ser realçado - eu vou começar pelo óbvio mesmo - é que a nossa Constituição reconhece, simultaneamente, como fazem outros textos constitucionais, a propriedade privada e a propriedade pública. Num país em que historicamente a grilagem não entrava pela porta dos fundos, mas, muitas vezes, pela porta da frente no processo de ocupação da terra, a impressão que nós temos é que a propriedade privada é mais protegida do que a propriedade pública. Mas, se nós formos à Constituição, ao Código Civil e às normas especiais, vamos verificar que o intuito do legislador - e esta é uma Casa de Legisladores - sempre foi o de dar maior proteção à propriedade pública do que à propriedade privada. Isso parece meio contraditório diante da mentalidade que nós temos e da prática fundiária no nosso País.
Eu cito alguns exemplos.
No caso específico da propriedade pública, para ela vale a proibição de usucapião. Já a propriedade privada é passível de usucapião. A própria Constituição se encarrega, pelo menos em dois dispositivos, de proibir o usucapião de terras públicas - arts. 183, §3º, e 191 -, e, depois, o Código Civil, no art. 102.
No que se refere à possibilidade de alienação, a propriedade privada é de livre alienação. Na propriedade pública, em alguns casos, terras ou imóveis acima de 2,5 mil hectares exigem até autorização expressa do Congresso Nacional, sem falar dos requisitos da Lei de Licitações para esses processos de alienação de terras públicas.
Então, esse é o ponto de partida que certamente há que direcionar as soluções legislativas que sejam desenhadas para o enfrentamento da crise fundiária no nosso País.
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Em suma, a propriedade pública é mais protegida pela Constituição e pela legislação do que a propriedade privada, mas ambas recebem a incumbência de uma destinação social. Por isso, é possível a despropriação da propriedade privada para fins de reforma agrária e é possível a regularização de ocupação de terras públicas nessa perspectiva social, como está sendo discutido aqui. Eu não estou dizendo que é esse o caráter da totalidade do texto em debate, mas a filosofia é essa.
Feita essa introdução de caráter muito geral, a nossa legislação traz algumas preocupações que eu queria aqui realçar, já olhando, aqui e acolá, para o texto do PL 510.
No passado, nós tínhamos - e temos ainda - uma preocupação, própria da República, do Estado de direito, com o combate à ilicitude. E o combate à ilicitude, no campo específico dos conflitos fundiários, tem a ver com a criação da chamada - eu chamo - "cultura da legalidade fundiária", que se baseia, em outros aspectos, mas em uma palavra, na regularização para trás e na rigorosidade para a frente. Qualquer projeto de lei deve levar em consideração estes aspectos: eu vou regularizar para trás, e aí vem a questão do marco temporal, mas o que eu posso melhorar para a frente, inclusive com mais rigor legal, para facilitar essa cultura da legalidade? Então, de um lado, trata-se de criar mecanismos de regularização fundiária e, em segundo lugar, criar mecanismos ou ampliar mecanismos que desestimulem a ilegalidade no campo e, portanto, a própria insegurança jurídica.
Não há algo que crie maior insegurança jurídica e nos deixe, nós juízes, sem saber realmente como trabalhar do que anistias que se sucedem. O destinatário da norma acaba por não regularizar o seu comportamento para frente, porque está sempre na expectativa da próxima regularização. Isso não é bom para a segurança jurídica, não é bom para a cultura de legalidade fundiária e não é bom para o Poder Judiciário, porque os processos nunca terminam. Eles têm começo e, depois, dão filhotes, e isso, evidentemente, drena as forças do Poder Judiciário, que poderiam ser dedicadas a conflitos de outra natureza.
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Especificamente no que tange à regularização fundiária, nós podemos identificar duas perguntas: o "como fazer" e o "quando fazer". O "como fazer" tem a ver, por exemplo, com os requisitos estabelecidos na lei, as modalidades de vistoria. Aqui eu, pessoalmente, sou adepto do uso da tecnologia, do sensoriamento remoto, do georreferenciamento, é claro, tudo na perspectiva, se há o direito, de facilitar a implementação do direito, mas facilitar com segurança, e de impedir fraudes que eventualmente possam ser praticadas. Daí, tanto quanto na fiscalização ambiental, também na fiscalização e regularização fundiária, o uso da tecnologia é de rigor. Não há necessidade de enviar um perito ao local se as imagens de satélite, o georreferenciamento e outras tecnologias podem, com custos muito menores, inclusive, para aquele que será regularizado, demonstrar os aspectos que são exigidos pela própria legislação.
A legislação em si... Aqui eu disse que não iria tratar de dispositivos específicos, mas esse é um que eu quero mencionar como espaço aberto para o Senador Carlos Fávaro também olhar para frente e, com seu grande conhecimento da temática, ampliar os mecanismos de controle sobretudo da ética do sistema de regularização fundiária. Entre esses requisitos, eu chamo a atenção para o art. 5º. Salvo engano, é o art. 5º. É o §1º do art. 5º - eu já havia feito essa observação lá atrás, quando ainda se discutia a última alteração -, em que se veda, por exemplo, a regularização das ocupações em que o ocupante ou o seu cônjuge ou companheiro exerçam cargo ou emprego público nos seguintes órgãos: Ministério da Economia, Agricultura, Incra, Secretaria do Patrimônio da União, órgãos de terras estaduais ou do Distrito Federal. Aparentemente, é uma lista em numerus clausus, ou seja, uma lista fechada. Então, juiz pode grilar terra no Brasil, ocupar ilegalmente, como também promotor de Justiça e Procurador da República! O delegado de polícia da cidade não está nessa lista.
Então aqui está um dos exemplos em que, certamente, o Senador Carlos Fávaro, com seu grande conhecimento, e também o Senador Irajá poderão, juntos, melhorar o que já existe no sentido de fechar e, realmente, estabelecer uma cultura de legalidade fundiária no nosso País.
Já me encaminhando para o final, evidentemente, nós... Nesse texto, há muitos dispositivos que são absolutamente técnicos e muito bem elaborados, e há outros que, talvez não intencionalmente, precisem de um ajuste ou outro. Aqui, evidentemente, eu não estou ingressando no debate político acerca da oportunidade ou não de uma lei dessa natureza - isso eu deixo para os outros expositores desse painel. Estou me limitando aos aspectos técnicos do que está diante de mim.
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Minha última observação, aliás, as duas últimas têm a ver com a ementa da lei. Eu não sei se foi intencional ou se foi um descuido, mas, na ementa da lei, o campo de aplicação da lei está sendo mudado. Essa lei, na sua redação atual, tem como campo de aplicação a Amazônia Legal, e a ementa e também o art. 1º retiram essa aplicação ou campo de aplicação limitado e deixa a lei aberta para o País como um todo. Penso que o debate até hoje foi feito olhando para a Amazônia. Nós não sabemos o impacto dessa lei, com os requisitos que tem, para todos os biomas brasileiros, como, por exemplo, na Bahia, em Minas Gerais, em São Paulo e em todos os biomas brasileiros. Esse é um aspecto que eu não vi tratado ainda pelos estudos que foram feitos. Mas eu repito: não sei se foi intencional ou se ocorreu por descuido. Eu suponho que foi por descuido, porque, certamente, isso altera a ótica do debate no País como um todo acerca dessa lei. Ela vem sendo discutida, e o PL 510 também, como sendo algo destinado à Amazônia, não às praias, aos terrenos de Marinha, às ilhas, à Mata Atlântica, ao Pantanal. Nós não fizemos esse estudo.
Eu deixo, Senador Jaques Wagner, essa última observação, também de caráter geral, agradecendo, mais uma vez, o convite que me foi feito.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Muito obrigado, Ministro Herman Benjamin, pela sua contribuição e participação. Agradeço-lhe muito.
Passo a palavra agora à Sra. Ana Carolina Bragança, do Ministério Público Federal e Coordenadora da Força-Tarefa da Amazônia Legal.
A SRA. ANA CAROLINA HALIUC BRAGANÇA (Para expor.) - Obrigada, Excelência. Bom dia, Exmo. Senador da República Jaques Wagner!
Eu gostaria de deixar aqui meus cumprimentos e agradecimentos ao Senador da República Fabiano Contarato, que me endereçou gentilmente esse convite, e também meus cumprimentos ao Senador Relator, Carlos Fávaro, e ao Senador propositor desse projeto de lei, o Senador Irajá.
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Muito meditei, antes desta audiência pública, a respeito da contribuição que eu poderia trazer como Procuradora da República e ex-Coordenadora da Força-Tarefa Amazônia, e me pareceu, até pela expectativa de que o tema fosse tratado de maneira geral, com apontamentos a respeito de impactos sobre políticas públicas e sobre a situação em campo, muito em tese, que a minha grande contribuição seria apresentar como esse tema da política fundiária reverbera hoje casos concretos trazidos ao conhecimento do Poder Judiciário e do Ministério Público e como essa política fundiária se estrutura e se projeta à luz do Direito, principalmente dos objetivos da República Federativa do Brasil.
Aqui lembro, observo, a título introdutório, que, como qualquer política pública, essa política pública de natureza fundiária deve também se pautar, ter por norte os objetivos que são dados pelo art. 3º da nossa Constituição, os de construir uma sociedade livre, justa, solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e de promover o bem de todos sem quaisquer preconceitos.
Dados esses objetivos, eu observo que a política fundiária, mais do que uma política de regularização fundiária, é uma política de ordenamento territorial de terras públicas. Qual é o papel do Estado ao promover esse ordenamento territorial? O papel do Estado é observar onde estão essas terras públicas e quais finalidades podem ser dadas a essas terras públicas. E essas finalidades são variadas: elas podem ser destinadas à implementação da Política Nacional de Reforma Agrária; podem ser destinadas à criação de unidades de conservação e de terras indígenas e à demarcação de territórios tradicionais; podem ser destinadas à concessão florestal - é uma atividade econômica importantíssima dentro do bioma amazônico -; e podem ser destinadas também ao uso agropecuário. Dentro dessa multiplicidade de usos possíveis, cabe ao Estado definir qual vai ser o uso a ser dado a cada uma de suas glebas ou a cada porção de suas glebas.
Então, a política de ordenamento territorial não se aplica apenas a regularizar ou a legitimar quem esteja em campo, mas também a ordenar efetivamente o território. Já obtivemos sucesso no passado, por exemplo, com o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal). Logramos obter uma redução sensível do desmatamento no passado aplicando políticas de ordenamento territorial que consideravam esses diversos usos possíveis. O Professor Raoni aqui mostrou, por exemplo, que houve nessa época grande incidência de titulações, mas também a criação de unidades de conservação e a demarcação de terras indígenas, e isso esteve entre os fatores que contribuíram para a queda do desmatamento.
Mas, hoje, atualmente, estamos tendo sucesso nessa política de ordenamento territorial, em especial na Amazônia? A minha resposta é não. No momento, não estamos tendo sucesso, e não por falta de uma legislação aplicável, porque temos a Lei 11.952, já com mais de dez anos de vigência, mas, sim, por falta de capacidade dos órgãos competentes de implementação dessa política pública, por falta de capacidade do Incra em promover a regularização fundiária e em promover a implementação e a gestão efetiva dos projetos de assentamento e também por falta de capacidade operacional dos nossos órgãos ambientais, a fim de assegurar que as áreas tituladas, por exemplo, de fato, não incidam em ilícitos ambientais. Para exemplificar essa incapacidade de ordenar, eu gostaria de trazer à luz aqui dois casos concretos, duas circunstâncias ou dois feixes de fatos concretos que vêm se repetindo, de certa maneira, no Poder Judiciário local, aqui, no Amazonas, mas também, em outras medidas, em outros Estados. O primeiro deles enfrenta diretamente um dos objetivos que é invocado pela Lei nº 11.952, desde a sua gestão, e que é reiteradamente repetido a cada vez em que se busca uma modificação da legislação fundiária e dos marcos temporais, em especial, que propiciam a emissão de títulos agrários na Amazônia. Trata-se do objetivo de preservação ambiental e do argumento no sentido de que titular significa identificar quem seja o responsável por aquela área e, portanto, ter a quem cobrar no momento de buscar na composição de um passivo ambiental.
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Bom, o Ministério Público Federal, justamente embasado nesse mote da legislação, busca, por meio de um projeto, que é o projeto Amazônia Protege, chamar à responsabilização por passivos ambientais as pessoas que se autodeclaram possuidoras de imóveis em áreas públicas na Amazônia Legal, que se autodeclaram possuidoras no âmbito de procedimentos administrativos em curso, deflagrados perante o Incra, e, portanto, formalmente se declaram possuidoras perante o Estado.
E, Excelências, em muitas dessas hipóteses, ajuizadas ações civis públicas com esse objetivo, temos enfrentado a estranha circunstância de o requerido, o réu na ação civil pública, comparecer perante o juiz para afirmar que se tratava de um laranja. Então, veja, um réu, em audiência, declarando perante o Poder Judiciário - então, um Poder cuja função é fazer garantir a aplicação do estado de legalidade, como disse o Ministro Herman Benjamin -, diz: "Esta terra não me pertence. Eu fui usado apenas como um laranja por meu pai, por meu tio, por meu empregador, por meu irmão. Na verdade, nunca tive a posse desta terra e fui declarado como possuidor porque não era possível a regularização fundiária de áreas, antigamente, maiores que 1,5 mil hectares e, hoje, maiores que 2,5 mil hectares". Então, são circunstâncias de fraude que são levantadas perante o Poder Judiciário como argumento de defesa para que a composição do passivo ambiental não aconteça.
E para além de todos os problemas que se implicam, inclusive, em relação à usurpação de competência do Congresso Nacional para titulação de áreas superiores a 2,5 mil hectares - a minha pergunta simples é: onde estava o Incra, que não viu, não observou, não foi capaz de notar a existência da utilização de um laranja, não foi capaz de, efetivamente, verificar que não havia ali um efetivo fracionamento, mas, sim, um fracionamento fraudulento, apenas para fins de obtenção de titulação. Esses casos têm sido muito comuns e evidenciam uma dificuldade forte do órgão em complementação efetiva, já com os instrumentos de hoje que serão aprofundados, conforme o previsto no PL 510, no sentido de, com segurança, promover a atividade de regularização e principalmente de ordenamento territorial. O segundo exemplo que eu gostaria de trazer à baila diz respeito a uma recente reunião que tive envolvendo um caso concreto local aqui no Estado do Amazonas, tratando de um projeto de assentamento - e lembrando que há projetos de lei em curso também para que essa legislação, o PL 510, a projetos de assentamento - em que havia a identificação, em supervisão ocupacional pelo Incra, feito em 2016, de que 148 lotes, num dado projeto de assentamento, estavam concentrados nas mãos de duas pessoas.
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Então, uma área destinada à política de reforma agrária estava tomada ali por duas pessoas, pessoas que também eram titulares da posse de diversos outros imóveis rurais incidentes em glebas públicas federais, no mesmo Município em que situava esse projeto de assentamento.
Em função da atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público, o Incra passou, então, a adotar mais recentemente medidas mais incisivas visando à extrusão da posse dessas pessoas de lotes em projetos de assentamento.
E sua atividade administrativa trouxe a conhecimento do Ministério Público que não havia mais 148 lotes em posse dessas duas pessoas, mas 55, e quanto aos demais haveria dúvida. Independentemente dos motivos de dúvida, minha colocação do Incra, indo ao local, foi a seguinte: "Bom, são cerca de 90 lotes de diferença em relação aos quais pesa alguma dúvida. Por que não vão a campo fazer, então, a supervisão ocupacional? Ir a campo é algo que está sendo, aqui friso, deixado de lado, para áreas de até 2,5 mil hectares no PL 510, salvo hipóteses de conflito, dano ambiental e algumas outras hipóteses. E a resposta do Incra foi: "Não podemos ir a campo, porque não há conflito registrado e não há dano ambiental registrado".
Excelências, este é um projeto de assentamento reiteradamente listado dentre os projetos mais desmatados da Amazônia, em um Município em cima do arco do desmatamento da Amazônia, com conflitos fundiários seriíssimos, inclusive envolvendo assassinatos, tentativas de homicídios, casos muito graves, dentro e fora do projeto de assentamento.
E a despeito de todo o contexto de gravidade, de todo o conflito social, fundiário e ambiental presente do Município, a resposta do Incra, formalmente, trazida perante o Ministério Público Federal foi: "Não podemos ir, porque não há conflito". Não há conflito e não há dano ambiental, em uma circunstância na qual o conflito e o dano ambiental, para o Ministério Público, são evidentes.
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E aí a pergunta que eu faço ao Incra é: e quando não houver o sistema de justiça debruçado sobre o caso concreto, tal como se está nesta especifica hipótese? Porque é uma área onde estamos atuando muito intensamente. Agora, a Amazônia é enorme, o Brasil é enorme. Então, não é possível ao sistema de justiça que esteja presente, conhecendo, se dando por conhecedor de todas as circunstâncias individuais.
Se onde o conflito é patente o Incra o nega, o que se dirá das hipóteses em que essa situação de muita clareza não existe? A titulação se dará a despeito dos conflitos existentes em campo e a despeito do dano ambiental que efetivamente esteja ali se produzindo? Quem efetivamente será beneficiado por essa situação, possivelmente de cegueira deliberada ou de incapacidade mesmo institucional do órgão que é responsável pela implementação dessa política pública? Então, longe dos olhos da Justiça, quem será beneficiado? Os objetivos da República Federativa do Brasil, que mencionei a princípio, serão efetivamente implementados nos casos concretos? Haverá o Estado ordenando o território, compondo conflitos ou apenas acirrando conflitos?
Essas indagações, Excelências, deixo-as para mostrar que no campo do ordenamento territorial e da política fundiária há um problema de implementação muito mais grave do que o problema legislativo.
A nossa legislação atual já atende, como mostrado pelo Professor Raoni, grande parte dos pequenos agricultores e produtores rurais na Amazônia e poucas pessoas, médios e grandes proprietários, serão efetivamente beneficiadas pelos dispositivos trazidos pelo PL 510.
A tendência deste PL é de aprofundar injustiças e não de promover a ordem, a justiça e o estado de legalidade nas zonas rurais de nossa Amazônia.
Com isso, agradeço pela oportunidade de fala, em especial, novamente, ao Exmo. Senador Fabiano Contarato, que me endereçou o convite, e fico à disposição.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Agradeço muito à Sra. Ana Carolina a sua participação e a sua fala.
Passo, imediatamente, a palavra ao Sr. Júlio José Araújo Júnior, Procurador da República do Rio de Janeiro e coordenador do GT de Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
A palavra está com o Sr. Júlio José.
O SR. JÚLIO JOSÉ ARAÚJO JÚNIOR (Para expor.) - Muito obrigado, bom dia a todos e a todas.
Inicialmente, eu quero transmitir ao Senador Jaques Wagner, Presidente da Comissão, os cumprimentos do Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena, que me incumbiu dessa tarefa de fazer, de contribuir no debate aqui na Comissão. Gostaria também de saudar o Senador Contarato, o Senador Irajá, que propôs esse projeto de lei, e o Senador Carlos Fávaro, ilustre Relator. Quero agradecer essa oportunidade e dizer que esse é um tema extremamente importante e relevante para o debate. Sem debate, sem aprofundamento das discussões, certamente a gente tem muito a perder; então, é muito importante que a gente discuta.
Há projetos de lei, houve a Medida Provisória 910, há projetos de lei na Câmara, há esse projeto no Senado, e nós, na PFDC, temos nos debruçado sobre esse tema, já fizemos algumas notas técnicas em relação a outros projetos de lei.
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E estamos também preparando um material em relação a esse PL, inclusive vamos realizar um evento na próxima sexta-feira. Aproveito aqui para convidar a todos. E quero tentar um pouco abordar algumas preocupações que a gente vem sentindo nessas iniciativas e de que forma talvez a gente mereça fazer outras abordagens.
E isso eu coloco também dialogando um pouco com os expositores que me antecederam, o Prof. Raoni, o Ministro Herman Benjamin e a minha colega Ana Carolina, para ressaltar algumas preocupações que nós temos no debate sobre regularização fundiária num contexto de omissão muitas vezes dos órgãos de Estado na concretização de políticas públicas fundamentais e previstas na Constituição e na legislação a respeito da destinação e organização e ordenação das terras públicas.
Na minha exposição, eu vou tentar organizar um pouco, abordando inicialmente essa questão da Constituição, ressaltar alguns aspectos importantes que colocam a regularização fundiária ao lado de debates importantíssimos, como a proteção socioambiental, a política de reforma agrária, a demarcação de territórios de populações tradicionais e a proteção do patrimônio público.
Eu quero, em seguida, falar um pouco do acórdão do TCU, Acórdão nº 727, de 2020. E como de certa forma a gente vem acompanhando nos debates que a gente vem assistindo uma certa distorção ou uma não compreensão totalmente adequada dos rumos que ele nos coloca e nos apresenta e a necessidade de, em vez de aprofundarmos os problemas que o TCU aponta, a necessidade de a gente mudar o rumo. E acho que esse é um aspecto fundamental.
E, por fim, quero abordar alguns aspectos que estão na lei, que de certa forma eu abordarei ao longo aqui da exposição, mas que considero essenciais para a nossa compreensão.
Bom, em relação à questão constitucional, eu queria acrescentar de certa forma, na linha do Ministro Herman Benjamin, que, quando a gente fala em regularização fundiária, obviamente estamos falando de uma questão muito importante. Há produtores que ocupam, produzem e que, muitas vezes, necessitam de algum tipo de reconhecimento do Estado desse espaço e dessa necessidade de estarem nesses locais. Não há dúvida de que esse é um tema que a gente pode discutir e deve discutir.
A gente deve pensar isso do ponto de vista constitucional à luz do princípio republicano, no sentido de que, quando a gente fala em regularização fundiária, e a distinção do Prof. Raoni é importante entre regularização e grilagem, mas, mesmo assim, quando a gente fala em regularização, a gente está diante de uma lógica de exceção. Uma exceção em que, a partir de critérios constitucionais e legais, nós vamos olhar para a ocupação e a presença numa terra pública, num espaço público com um olhar bem criterioso e bem limitador desse tipo de chancela.
Sob pena de, ao facilitar e ao estimular que esse tipo de postura aconteça, nós vamos sempre estar correndo atrás de uma situação que vai se consolidando. E aí, a gente não estaria num campo de construção e de preocupação com outras políticas públicas fundamentais e que estão indicadas na própria Constituição.
Então, a gente tem que olhar para esse cenário da regularização fundiária de uma forma a garantir que certas situações sejam de fato regularizadas, mas nunca pensando em estimular e impulsionar essa realidade como algo recorrente.
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Ao contrário, é necessário que o Estado articule o seu planejamento e as suas políticas de outra forma. E, aí, o primeiro aspecto essencial é a gente entender qual é o estoque das terras públicas, qual é o cenário das terras públicas, tanto federais, como estaduais, a gente entender de que universo está tratando. É fundamental que o Estado brasileiro entenda essa realidade para incidir nela com planejamento e organização da sua destinação. É necessário também que haja controle social e participação efetiva, algo que não vem acontecendo à luz da Lei 11.952, e que, do ponto de vista constitucional, é essencial para que a gente pense essa realidade, a forma de debater a destinação. E é necessário também que haja a proteção suficiente e constitucionalmente adequada de bens jurídicos fundamentais eleitos pela Constituição.
E, aí, o art. 188 fala da reforma agrária, da compatibilização com a política agrícola. Hoje nós vemos um cenário em que não há plano de reforma agrária, não há política de obtenção de terras, não há observância e atuação firme do Estado na fiscalização da função social da terra. E a ADPF 769, que tramita no Supremo, é um exemplo claro em relação a isso, à necessidade de discutir, num contexto em que se alega falta de orçamento, que haja a destinação de terras públicas também para a reforma agrária. Então, tudo isso acaba caminhando junto, e a regularização fundiária tem que ser vista dessa forma.
Por fim, claro, em relação ao ponto de vista constitucional, a necessidade de compatibilização com a proteção socioambiental, com a preservação de espaços e com a demarcação e a garantia de segurança jurídica a povos e comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombolas e outros povos de comunidades tradicionais que, muitas vezes, vão viver uma realidade de não formalização dos seus territórios e, ao mesmo tempo, vão sofrer e vão viver os impactos de uma atuação do Estado que quer restringir conceitos, como o conceito de terra indígena, que a Funai tentou com a Instrução Normativa nº 9, ou uma omissão plena na efetivação desses direitos, como acontece na política em relação à demarcação de territórios quilombolas. Então, por mais que a Lei 11.952 faça esse tipo de abertura e de respeito aos territórios, se eles não são formalizados, se os órgãos de Estado agem para que eles não sejam formalizados e tentam restringir o conceito dos territórios não formalizados, eles estão expostos, e é importantíssimo que qualquer política pública destinada à regularização fundiária esteja dentro dessa realidade.
Eu passo em seguida para a gente discutir a questão do TCU. O TCU foi mencionado aqui pelo Prof. Raoni nas várias questões que ele abordou sobre a renúncia de patrimônio público, a não fiscalização de condições resolutivas durante o programa Terra Legal, que é um programa que surge da Lei 11.952, os impactos ambientais que a grilagem, que a titulação ou a não fiscalização e o mercado ilegal de terras geram, os impactos ambientais disso, a preocupação com essa questão. E isso é importante para a gente pensar o pós TCU, não é?
Nós, na PFDC, temos discutido muito com o TCU, fizemos discussões com o Incra também e com a CGU sobre como atender as recomendações do TCU de uma forma eficaz e que efetivamente inverta esse cenário, no sentido de que a regularização tenha esse olhar criterioso, constitucionalmente adequado, que haja uma estruturação dos órgãos para enfrentar esse cenário - e o Incra assumiu o Terra Legal com a MP 870, de 2019 - e que haja compatibilização com outras políticas, que os órgãos se organizem para fazer, no caso do Incra, a política de reforma agrária, que haja o respeito à demarcação dos territórios e que haja efetivamente uma organização, regulamentação, adequação e estruturação dos órgãos para enfrentar as questões socioambientais.
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O que é que a gente vê? A gente vê, na verdade, o contrário, a gente vê uma movimentação na contramão disso. E aí há uma preocupação de que o projeto de lei possa também, de certa forma, dialogar com certos problemas a que a gente vem assistindo. A gente vê hoje, por exemplo, que o Incra, por meio do Decreto 10.592, de 2020, e com o Programa Titula Brasil - e inclusive em falas que a gente acompanhou em outras reuniões - vem reforçando e usando a discussão sobre o acórdão do TCU como se ele devesse impulsionar e atuar acelerando e desburocratizando o processo de regularização, como se o acórdão tivesse falado só disso. Na verdade, o acórdão fala da necessidade da compatibilização das políticas com indicações e diretrizes constitucionais e do fortalecimento e da estruturação de capacidades institucionais por parte dos órgãos competentes para a sua organização.
Com o Programa Titula Brasil, por exemplo, o que o Incra pretende? Fomentar acordos com os Municípios, descentralizar certas atividades de instrução nessa regularização. Mas você não lê, por exemplo, na Instrução Normativa 105, do Incra, qualquer perspectiva de amarrar com questões socioambientais, de amarrar com a efetiva capacitação e estruturação dos órgãos para o enfrentamento das realidades, a adoção de mecanismos de impessoalidade na condução pelos agentes públicos locais, o que pode vir a ser um problema muito grande na hora de você identificar a destinação desse território. E há o risco grande de essa aceleração, uma aceleração um pouco açodada, representar ainda mais grilagem, impulsionar ainda mais desmatamento, impulsionar uma grande renúncia ao estoque de terras públicas federais, sem a observância de critérios e sem a observância desse cenário que o TCU propõe e indica.
Então, essa movimentação infralegal... Inclusive, o Incra costuma apresentar uma linha do tempo em que a adoção do decreto, da Lei 11.952, surge por conta do decurso do prazo da MP 910. De certa forma, com o PL, com os projetos de lei de regularização fundiária, imagino que se pretenda criar um diálogo em relação a essas medidas e essas organizações que vêm sendo feitas no âmbito do Poder Executivo e que podem representar aquilo que já foi falado aqui por alguns colegas e geralmente é repetido: a sinalização por parte dos órgãos de Estado de que vale a pena, de fato, invadir as terras públicas, avançar sobre elas, porque em algum momento a legislação vai ser sempre alterada e você cria situações de fato consumado, inclusive desmatando essas áreas para forçar, muitas vezes, a sua privatização.
Entrando um pouco na análise da legislação, um pouco naquilo que a gente já consegue ver - embora a gente esteja aprofundando, como eu disse, para o debate que a gente vai fazer na sexta-feira -, há a retomada de pontos muitos claros da MP 910 que nos preocupam. E nos preocupam porque eles não mostram, não indicam um aprendizado que a gente precisa realizar e precisa aprofundar em relação a esse diálogo que o TCU nos provoca a fazer. A questão do marco temporal, por exemplo, é um tema que nos preocupa - não só o marco temporal de 25 de maio de 2012, mas outros marcos temporais que aparecem no PL - e o risco, muitas vezes também, em processos licitatórios, de haver a possibilidade de destinação dessas terras públicas, a questão dos procedimentos simplificados para imóveis de até 2,5 mil hectares, de certa forma, gerando uma contradição em relação ao discurso de que há uma necessidade de beneficiar os pequenos. Aí, também reforço falas que já foram feitas em outros espaços, e aqui também, de que a legislação existente pode muito bem atender - e muitas vezes atende -, em percentuais altíssimos, os pequenos que demandam a regularização fundiária. Não é mudando essa legislação, aprofundando ou aumentando, que a gente vai conseguir adequar a proteção de todos esses bens jurídicos. Ao contrário. O que a gente percebe é que, para resolver, supostamente, um problema, a gente aprofunda um estado de coisas e torna a regularização fundiária uma regra.
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E aí existem as flexibilizações e a compreensão, a necessidade de compreensão da vistoria, à luz do entendimento do Supremo, na ADI 4269, e não só em relação a isso, mas em relação a todo esse debate que a gente vem travando. E o exemplo que a colega Ana Carolina coloca é extremamente relevante, de que, muitas vezes, o sensoriamento remoto não vai dar conta de resolver certos problemas, inclusive a questão da posse mansa e pacífica, as discussões sobre conflitos. É muito necessário que haja, de fato, um fortalecimento das instituições, mas um fortalecimento à luz das políticas que elas têm que conduzir. E, por fim, há muita preocupação também com alguns sinais, como a previsão da possibilidade de pessoas regularizarem mais de um imóvel, poderem regularizá-los, sendo proprietárias de outros imóveis. Isso tudo gera um cenário de muita insegurança, e insegurança em que se transforma e se inverte a lógica em relação à regularização fundiária.
Então, esses são alguns pontos que nós consideramos importantes para contribuir aqui para o diálogo.
Gostaria de agradecer, mais uma vez, ao Senador Jaques Wagner, à Comissão e colocar a PFDC à disposição neste debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Sr. Júlio José, pela sua contribuição, pelos esclarecimentos.
Eu passo, agora, a palavra à Sra. Eliane Cristina Pinto Moreira, Promotora de Justiça do Estado do Pará e Professora da Universidade Federal do Pará.
A palavra está com a senhora.
A SRA. ELIANE CRISTINA PINTO MOREIRA (Para expor.) - Bom dia, Srs. Senadores.
Cumprimento todos e todas na pessoa do Senador Jaques Wagner. Agradeço muitíssimo pelo convite.
Espero que estejam me ouvindo bem. Vou aqui me organizar para cumprir fielmente os meus 15 minutos.
Trago algumas reflexões a partir da perspectiva prática de atuação como Promotora de Justiça no Estado do Pará e também como pesquisadora na área agroambiental e de direitos humanos, algumas reflexões e alertas.
Poderia passar, por favor.
Acho que um ponto sobre o qual, como cidadã, como brasileira, vale a pena refletir é a oportunidade desse reavivamento da Medida Provisória 910, que, ao final, é a essência desse projeto de lei. Na minha perspectiva como cidadã, eu gostaria muito de conclamar os Srs. Congressistas a concentrarem todos os esforços, neste momento, no elemento urgente que nós temos, que é o combate à pandemia, as respostas efetivas à pandemia de Covid-19 e, principalmente, a necessidade de que nós tenhamos o enfrentamento perante essa situação de mais de 400 mil mortos no Brasil. Lamentavelmente, hoje, a realidade é que a maior parte dos brasileiros está tendo acesso é a esse tipo de pedaço de terra, o que é uma tristeza. E aqui vai toda a minha solidariedade às vítimas do Covid. Eu não tenho como passar por cima disso neste debate, embora pareça fora do campo do que estamos discutindo hoje, mas passa pela discussão da real necessidade de esforços do Congresso Nacional em torno dessa questão.
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Poderia passar, por gentileza?
Outro ponto também é que trago umas três reflexões, três eslaides sobre como a ação antrópica tem rumado em direção à Amazônia nos últimos anos. A gente vê, no primeiro mapa do quadro Mapa e Biomas, a situação em 1985 e, no segundo, em 2019. Com isso, eu quero demonstrar que o avanço da ação antrópica, das atividades de uso da terra, seja pela agropecuária, seja pelos monocultivos ou por qualquer outro tipo de atividade hoje desempenhada representa também um rumo em direção à floresta. Então, a relação terra, floresta e desmatamento, por via de consequência, não é uma relação que a gente pode esquecer; ela é intrínseca à essência deste debate que nós estamos fazendo hoje aqui.
Poderia passar, por favor?
E essa relação, esse avanço sobre a Amazônia, esse avanço sobre a terra, essas novas fronteiras que a Amazônia representa, lamentavelmente, resultam em conflitos graves - não é à toa que o Estado do Pará é um dos que mais tem registrado graves conflitos agrários em seu território -, mas também representa um avanço em relação ao aumento do desmatamento.
Poderiam passar, por gentileza? Eu não estou aqui com o controle da apresentação.
Relembro que, agora, recentemente, já neste mês de maio, a gente tem novamente alertas de desmatamento crescente. Isso não se dá ao acaso e talvez seja essa a essência do que eu quero aqui discutir. Todas as vezes que novas sentinelas, que novas notícias de flexibilização dos critérios para regularização fundiária, para o acesso à terra privada na Amazônia são alardeadas também existe uma relação de aumento do desmatamento. Por quê? Porque, lamentavelmente, ainda é presente a estratégia de buscar desmatar para se mostrar dono, como diz o Maurício Torres, absorvendo, trazendo a fala que muito se faz no interior da Amazônia de que o dono é quem desmata. Lamentavelmente, essa visão ainda é muito presente. Então, o uso do desmatamento como uma forma de demonstrar a existência de algum tipo de ocupação sobre a terra é uma das medidas mais nocivas para a floresta e para a Amazônia que nós temos hoje.
Pode passar, por favor.
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Efetivamente, este é o grande ponto em que eu quero persistir: a demanda por terra na Amazônia é enorme, mas é enorme principalmente para povos e comunidades tradicionais. A titulação de terras indígenas tem andado a passos muito lentos e também assim a titulação de territórios de povos e comunidades tradicionais - e esse é o grande caminho para o combate ao desmatamento, não é a privatização das terras.
As medidas necessárias para a regularização fundiária estão já postas nas leis anteriores que nós temos, mas há que se avançar neste momento sobre a execução das políticas públicas, principalmente priorizando as prioridades constitucionais, que são a titulação de terras indígenas e de povos e comunidades tradicionais.
Pode passar, por favor. Pode passar para o próximo eslaide.
Nesse estudo do Imazon, de que eu acho que todos os senhores e senhoras já têm conhecimento, alguns fatos sobre a regularização fundiária na Amazônia Legal são trazidos, mas eu gostaria de destacar esse terceiro fato em que se identifica que 43% do território da Amazônia, que não têm ainda uma definição fundiária, possuem uma prioridade para conservação, para conservação do bioma amazônico. Mas os procedimentos atuais não estão garantindo que essa destinação desse território seja feita para essa finalidade, e esse projeto de lei também não avança, ao contrário, ele desestimula que essas áreas venham a ser destinadas para a efetiva proteção e conservação do bioma.
Pode passar, por favor.
Aqui, já indo diretamente para uma reflexão sobre o projeto de lei. A princípio, esse primeiro eslaide é sobre as justificativas do autor do projeto de lei, por quem temos o maior respeito, mas é necessário que a gente faça uma reflexão sobre elas.
Primeiro, elas trazem um resgate... Lendo somente as justificativas apresentadas com o projeto de lei, qual seria o sentido, então, dessa proposta? Traz-se, nessa justificativa, o resgate da Medida Provisória 910 - como o Dr. Júlio já mencionou, esse resgate não é alvissareiro, não é animador - e traz um resgate que desconsidera a necessidade de que a gente tenha estabilidade nas regras de regularização fundiária.
Este talvez seja um dos maiores valores que a gente precisa adensar: é preciso que as regras de regularização fundiária sejam estáveis, para que se alcance uma estabilidade do ponto de vista da pacificação da terra, dos conflitos sociais, e também do não avanço sobre a floresta, do não desmatamento.
O segundo ponto é que ela avança sobre o marco temporal, mexendo nesse marco temporal para 2012, quando a gente já teve alteração de 2004 para 2008. A MP tentou alterar para 2014. Felizmente, caducou e não logrou êxito, mas o fato é que o PL, agora, traz uma tentativa de avançar nesse marco temporal para 2012 e, com isso, se cria um ambiente de expectativa para futuras ampliações do marco temporal. Não só se cria uma expectativa de que as pessoas que ocuparam após 2012 venham a ter essa regularização, incentivando, portanto, essa estratégia, que não é uma estratégia boa, saudável para a gestão adequada do patrimônio público fundiário, mas também se cria expectativas de que no futuro novas normativas vão flexibilizar. E, com isso, a gente sempre vai ter esse avanço constante sobre as terras na Amazônia.
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Um terceiro ponto é que na justificativa se fala da ampliação da área passiva de regularização, mas, de fato, isso não é algo que realmente seja uma justificativa a esse novo PL porque essa ampliação já existe desde 2017, esse ir até o limite máximo constitucional. Então, essa justificativa não seria tão apropriada.
O quarto ponto é a dispensa da vistoria prévia na área a ser regularizada, com a possibilidade de ser realizada a regularização fundiária mediante um procedimento de autodeclaração. Então, aqui, isso realmente é um dos pontos mais graves desse projeto de lei. Primeiro, porque ele, na realidade, transforma a regularização fundiária no procedimento que já existe hoje no Cadastro Ambiental Rural, que é tudo para o que o CAR não foi criado. Esse é um ponto importante. Segundo, essa aceitação da autodeclaração sem a vistoria retira dos órgãos públicos, retira do Estado a obrigação de aferir se aquela área realmente tem uma ocupação e uma exploração direta e mansa e pacífica.
E outro ponto que é muito grave nesse contexto, nessa justificativa apresentada para esse projeto de lei, é que essa dispensa da vistoria desconsidera o que já foi assentado na ADI 4.269, já julgada no STF, que prevê essa observância dos quatro módulos rurais.
O quinto ponto que é utilizado como justificativa é uma ampliação... O autor do projeto de lei apresenta como necessidade uma ampliação dos legitimados para requerer a regularização fundiária. De fato, não é absolutamente correta essa afirmação, porque eles são retirados de um determinado procedimento, que é o procedimento, vamos dizer assim, puro da regularização fundiária, mas a eles é dado o acesso por outras formas de alienação. A única diferença é o valor a ser pago por essa alienação.
Então, o que eu quero destacar é que os elementos que fundamentam a apresentação desse projeto de lei são, basicamente, o marco temporal e a dispensa de vistoria. Os dois, esses dois fundamentos não militam em favor da proteção da floresta e não militam em favor de assegurar uma verdadeira justiça social no acesso às terras públicas, ao patrimônio público fundiário, como eu já mencionei. Então, é necessário ver para que, realmente, esse projeto de lei se serve. Se é, ao final, apenas para essas duas justificativas, a gente realmente precisa repensar muito seriamente se isso está de acordo com a conveniência do País, com os ditames constitucionais de justiça social e também de prioridades de acesso à terra.
Pode passar, por favor.
Alguns pontos que não estão na justificativa do autor do projeto de lei, mas que a gente consegue vislumbrar e que, já caminhando aqui para o encerramento das minhas considerações, eu gostaria de ressaltar.
Um é o avanço sobre os assentamentos da reforma agrária, porque, a meu entender, existe um incentivo da ocupação ilegal das áreas de assentamento de reforma agrária, principalmente ao prever a desafetação, a possibilidade clara de desafetação, com regras pouco definidas nesse projeto de lei. O segundo ponto é a ruptura da ordem de preferência da destinação da terra púbica.
Pela nossa Constituição existe uma ordem de destinação da terra pública. Ela não pode ser livremente... Ela não é um patrimônio privado que pode ser livremente disposto. Essa ordem é: titulação de terra indígena, povos e comunidades tradicionais, reforma agrária e conservação de biomas. Somente após se identificar que essas terras não se destinam a nenhuma dessas finalidades é que, constitucionalmente, se podem destinar essas áreas ao setor privado.
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E, concluindo, ela ressuscita um incentivo ao desmatamento, trazendo uma anistia e uma possibilidade de titulação por meio da adesão ao PRA ou TAC, o que também é algo que incentiva fortemente o desmatamento; e distorce o conceito de infração ambiental. Isso é muito grave, porque isso repercute em todas as esferas de responsabilidade ambiental para além da questão de regularização fundiária. Ela prevê que só é infração ambiental após o esgotamento das vias administrativas, o que realmente é uma situação bastante delicada. E ela, como já dito pelo Ministro Herman Benjamin, revê essa limitação da Amazônia, embora a lei anterior de 2017 já deixasse isso um pouco em aberto, e cria claramente uma demanda de que não se sabe qual é a capacidade institucional de conclusão.
Por favor, pode ir para o próximo. Já é a minha conclusão.
Com isso, o que eu queria dizer... Esse é um mapa elaborado pelo Dr. Rajão, com a identificação das áreas que realmente seriam beneficiadas, as áreas para as quais esse projeto de lei seria aplicado, e elas só são essas áreas em vermelho. Só que a gente olha e acha até que é pouco, mas essas áreas na Amazônia representam áreas muito expressivas.
A minha questão é: qual é realmente a necessidade, do ponto de vista do interesse público social de mobilização dessa política pública, quando já existem normativas que buscaram atentar para essa resposta?
E, agora, o último, para eu realmente encerrar.
Alguns alertas. Quem é que realmente se beneficia? Quem ocupou ilegalmente terra pública após 2008. É assim, ela premia a grilagem. Ela cria mecanismos que oportunizam a regularização fundiária para o desmatador, e com isso ela premia quem desmatou para grilar. E ela fecha os olhos à realidade da terra e à existência de conflitos no campo ao não vistoriar e, com isso, incentiva conflitos agrários.
Então, realmente é uma normativa com a qual a gente deve ter muita cautela.
Eu vou deixar o meu contato já no último eslaide.
Agradeço imensamente a oportunidade de falar com os senhores e com as senhoras e me coloco em total disposição para o debate.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Nós é que agradecemos a participação da Sra. Eliane Cristina Pinto Moreira, com todos os esclarecimentos prestados.
Agora, eu passo a palavra para a Sra. Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Sociombiental.
A palavra está com a Sra. Juliana.
A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor.) - Exmas. Sras. e Srs. Senadores; Exmo. Sr. Senador Jaques Wagner, na presença de quem cumprimento os demais presentes; colegas que também fazem parte desta Mesa e os que nos acompanham na audiência pública, bom dia!
Diversos pontos do PL 510 vêm nos causando preocupação. De início, eu gostaria de mencionar que essas mudanças que serão introduzidas na lei do Terra Legal permitirão a destinação de cerca de 40 milhões de hectares de terras públicas da União em todo o Brasil. Todas as vezes em que eu falou desse tema, eu repito este número, porque é um patrimônio público muito considerável: são 40 milhões de hectares de terras públicas da União não destinadas no País. E a gente precisa fazer uma reflexão mais estratégica sobre que tipo de governança o País vai dar para este patrimônio, que é um patrimônio público, que é um patrimônio do povo brasileiro.
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O Programa Terra Legal foi instituído, inicialmente, por uma medida provisória, que foi a Medida Provisória 458, de 2009, e foi alterado, não há muito tempo, pela Medida Provisória 759, de 2016.
Ao longo de seus mais de 12 anos de vigência, o programa vem sendo reiteradamente alterado e vem sendo alterado por medida provisória ou por projetos de lei, como este agora, que é o Projeto de Lei 510, que, geralmente, passam por discussões muito rápidas. A medida provisória é um expediente que permite muito pouca discussão, justamente porque ela tem um prazo curto de tramitação. Também nos preocupa, como disse a Dra. Eliane Moreira, antes de mim, que isto está sendo discutido em plena pandemia, quando a prioridade do País deveria estar sendo salvar vidas, quando a gente tem mais de 400 mil mortos no País.
Então, a primeira preocupação que a gente tem com a tramitação deste PL são essas tramitações muito rápidas, sem que seja passível de uma discussão mais estratégica entre os diversos setores da sociedade e de uma discussão mais aprofundada sobre que tipo de governança o País e a sociedade de modo geral pretendem dar a este imenso patrimônio público.
Neste momento, a gente tem a tramitação de dois projetos, um na Câmara e um no Senado.
Sobre os pontos específicos do Projeto de Lei 510, existem diversos pontos que a gente poderia falar aqui, mas eu vou focar minha análise em três pontos. Dois deles já foram falados pelos colegas que me antecederam.
O primeiro se refere à alteração no marco temporal da regularização fundiária, que, hoje, é 22 de julho de 2008, com possibilidade de regularização, na compra à vista, até 2012. E esse prazo vai ser alterado. Desculpem-me. O prazo, hoje, da regularização fundiária de 2008 vai ser alterado para 2012, com possibilidade de compra à vista de regularização até 10 de dezembro de 2019.
Por que isso nos preocupa? Porque, se a gente for olhar, o desmatamento de 2008 a 2018, que está registrado no sistema Prodes, é de 298.381 hectares. A gente tem um registro de 298.381 hectares de florestas públicas não destinadas, que foram desmatadas entre 2008 e 2018. É este o tamanho do passivo e dos desmatamentos ilegais que poderão ser regularizados se esta lei for aprovada: 298.381, repetindo, campos de futebol de desmatamentos ilegais, que poderão ser regularizados.
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Isso é bastante preocupante. Por quê? Todas as vezes que o Congresso Nacional muda esse marco legal, que já foi alterado com a MP 759, de 2016, infelizmente, a mensagem que se passa à sociedade brasileira é: "Invadam mais, desmatem mais, que, daqui a alguns anos, a gente muda de novo a lei para novamente premiar e regularizar quem invadiu e quem desmatou essas áreas". É equivocada a ideia de que, localizando esses invasores, localizando esses CPFs, nós vamos fazer com que essas pessoas regularizem o patrimônio ambiental, porque elas estão desmatando e invadindo justamente porque elas sabem que a lei vai ser alterada e que elas vão ser regularizadas.
A mensagem que o Congresso Nacional precisa passar é que essas invasões vão ser punidas, que esses infratores vão responder pelos crimes de invasão de terras públicas e pelos crimes de desmatamento ilegal que estão sendo praticados. É assim que a gente vai combater o desmatamento ilegal na Amazônia, e não favorecendo quem está cometendo esse tipo de ilícito.
Imaginem, Srs. Senadores, que todos os incêndios florestais que aconteceram nos anos de 2018 e de 2019, que escandalizaram o mundo, que escureceram uma tarde na cidade de São Paulo, passarão a ser passíveis de regularização!
Então, esse é um ponto que, infelizmente, nos preocupa muito, porque a lei não tem um efeito pedagógico. Quem comete o ilícito sabe que não será punido, que não será fiscalizado, que, muito pelo contrário, vai ser premiado, podendo adquirir essa terra a um preço, inclusive, subsidiado, porque é o preço que é praticado para a reforma agrária, que é uma política pública destinada aos hipossuficientes, à população rural hipossuficiente. Não é que a população da regularização fundiária também não seja hipossuficiente, porque a gente sabe que os pequenos também são hipossuficientes, mas a regularização fundiária não se destina apenas ao pequeno ocupante, já que áreas com até 2,5 mil hectares também podem ser regularizadas, e essas áreas são consideradas grandes propriedades. Quem ocupa uma área com mais de 1,2 mil hectares é considerado um médio proprietário, e quem ocupa uma área de 2,5 mil hectares é considerado um grande proprietário no nosso País.
O segundo ponto que nos preocupa, que também já foi mencionado, se refere à dispensa de vistoria presencial em áreas com até 2,5 mil hectares. Nas excepcionais hipóteses em que a vistoria acontecer, ela vai poder ser realizada por agentes privados, não pelo Estado. Isso permite conflito de interesses, porque, muitas vezes, a pessoa que está ali no território, na cidade, que pode estar envolvida com grilagem de terras, vai poder se credenciar para fazer a vistoria, e isso também é uma coisa bastante preocupante.
Outra coisa que eu queria mencionar é que a dispensa de vistoria já foi considerada inconstitucional pelo STF, no julgamento da ADI 4.269. O julgamento ressalvou que apenas as pequenas propriedades rurais, ou seja, aquelas com até quatro módulos fiscais, poderiam ter a vistoria presencial dispensada. Então é um equívoco o argumento de que essa dispensa de vistoria estaria sendo autorizada para propriedades com mais de quatro módulos fiscais para adequação ao precedente do STF, porque o precedente diz justamente o contrário disso. Excepcionalmente, eles estavam ressalvando a dispensa de vistoria para até quatro módulos fiscais para facilitar a vida do pequeno agricultor, tendo em vista toda a sua hipossuficiência e vulnerabilidade, e para que esse processo de regularização pudesse ser facilitado.
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A lei atual já facilita a vida do pequeno agricultor. Ela não precisa ser alterada para facilitar a vida do agricultor. Além disso, regularizar uma propriedade com 2,5 mil hectares sem vistoria presencial é um risco imenso de geração de conflito. Você não sabe se ali dentro existe um pequeno agricultor que não sabe que há outro regularizando uma área maior com ele dentro. O Estado não vai ali para verificar, como disse a Dra. Eliane, que me antecedeu, se a posse realmente é pacífica. E quem vai sair prejudicado é justamente o pequeno, que muitas vezes não tem condição financeira para contratar um advogado, um topógrafo, que vai conseguir dar agilidade ao processo de regularização fundiária dele.
Então, eu peço a atenção e a sensibilidade de todos os Deputados e Senadores que dizem que essa lei é para defender o pequeno agricultor, porque a dispensa de vistoria para quem tem 2,5 mil hectares vai violar direitos dos pequenos agricultores, porque os grandes vão correr para a regularização, podendo regularizar áreas onde diversos pequenos estão ocupando a área, e o Estado não vai ter condição de aferir esses conflitos. Isso vai gerar inúmeros conflitos. A gente vai voltar a ter grandes conflitos e massacres, como aqueles a que a gente já assistiu no passado, como aqueles a que a gente, infelizmente, ainda assiste. Isso vai trazer para o País novos conflitos por terra graves, conflitos de direitos humanos, que vinham sendo mediados. A gente vai assistir a um cenário, infelizmente, de retrocesso. Isso é bastante preocupante.
O terceiro aspecto que nos preocupa muitíssimo é uma alteração que está passando despercebida no PL 510, que é o art. 6º, §6º. Esse artigo autoriza a validação de registros imobiliários que foram concedidos pelos Estados da Federação em cima de terras da União. Esse artigo diz o seguinte: todos os registros imobiliários que os Estados fizeram até dezembro de 2019 sobre terras da União estariam automaticamente validados. Na prática, esse artigo está permitindo que todas as áreas da União que foram ilegalmente tituladas pelos Estados passem automaticamente para o domínio dos Estados e também para o domínio de particulares para quem os Estados venderam irregularmente essas áreas. O artigo está validando o que a gente chama, em Direito, de vendas a non domino. Isso é extremamente preocupante, primeiro porque a Constituição é expressa ao dizer que toda alienação de terra pública com mais de 2,5 mil hectares necessita de autorização do Congresso Nacional. E essa autorização se dá por decreto legislativo, área a área. O artigo permite que uma quantidade incalculável de áreas seja transferida. Apesar de ele dizer que cada registro vai validar apenas 2,5 mil hectares, a gente não sabe quantos registros de 2,5 mil hectares passarão a ser validados com esse art. 6º, §6º, que simplesmente está passando dentro do PL, sem nenhum tipo de discussão e de reflexão mais profunda sobre o que isso significa.
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O que nos preocupa ainda mais? É que essa transferência automática do patrimônio da União para os Estados vai ser feita sem qualquer contrapartida financeira para a União e sem previsão de qual vai ser o impacto orçamentário dessa medida para o patrimônio da União.
Existem inúmeras outras medidas que a gente poderia mencionar, mas, em linhas gerais, a gente gostaria de dizer que, quando estamos falando de regularização fundiária, a gente está falando de vastíssimas extensões de terras públicas, e a governança dessas áreas precisa ser refletida no âmbito de graves conflitos e problemas fundiários que afetam o País.
A bancada ruralista, por exemplo, se insurge, reiteradamente, contra a demarcação de terras indígenas. Por que não pensar a governança das terras públicas não destinadas como espaços prioritários para o reassentamento de pessoas que têm posses ou propriedades sobrepostas às terras indígenas? Seria uma forma de resolver os conflitos, garantindo segurança jurídica para ambas as partes, mas não é, infelizmente, o que tem sido proposto. A bancada poderia buscar resolver os conflitos dos seus clientes em vez de abandoná-los à própria sorte, principalmente quando há soluções mais viáveis do que atacar os direitos indígenas, previstos como cláusula pétrea na Constituição.
A discussão sobre regularização fundiária nos mostra que há terras disponíveis e possibilidades de solução para os diversos problemas e conflitos de terras que assolam o País, mas é preciso, Srs. Senadores, vontade política para deixar de fomentar conflitos que geram votos sem gerar soluções reais que atendam às necessidades da população brasileira. Enquanto isso, sofrem indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, e, de outro lado, também sofrem homens e mulheres empobrecidos que vivem no campo.
É por isso, senhores e senhoras, que o tema merece uma discussão mais estratégica que não se limite a destinar terras para desmatadores e invasores. Aqueles que esperam títulos desde a década de 70 precisam de um órgão fundiário eficiente e operante porque, como eu já disse, a lei atual permite a regularização facilitada para os pequenos agricultores.
A mudança na lei do Terra Legal tem gerado consequências diretas no aumento do desmatamento e, consequentemente, na emissão de gases de efeito estufa. Tudo isso agrava a emergência climática global e ameaça os compromissos assumidos pelo Brasil em foros internacionais sobre o tema.
Na recente Cúpula do Clima, ficou muito evidente a atenção do mundo às políticas públicas brasileiras para conter o avanço da devastação ambiental. A aprovação de uma medida que amplie as possibilidades legais de desmatamento sinaliza de forma muito negativa para a comunidade internacional e para os potenciais investidores, assim como para os acordos que poderão ser assinados com a União Europeia.
A gente tem certeza de que, para atrair investimentos e bons acordos, nós temos que demonstrar um compromisso real com a agenda ambiental e também com a agenda de direitos humanos. Infelizmente, não é essa a mensagem do PL 510. Nós esperamos que as terras públicas da União, esse enorme patrimônio do povo brasileiro, possam, sim, ser destinadas e regularizadas, mas que tudo isso possa ser pensado dentro de uma perspectiva mais estratégica e de governança e, em especial, reflita a possibilidade de resolver conflitos e de conservar o nosso imenso patrimônio ambiental.
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Para finalizar, eu gostaria de dizer que nós precisamos de inteligência e de planejamento para aliar conservação ambiental, demarcação de terras indígenas, desenvolvimento econômico e crescimento do País. São mais - repito o que eu disse no começo - de 40 milhões de hectares de terras públicas não destinadas, ou seja, há terras. Então, não precisamos fomentar conflitos, não precisamos atacar a demarcação de terras indígenas. Precisamos de uma governança fundiária e de uma discussão aprofundada sobre que tipo de regularização fundiária queremos para o País.
Era isso que eu tinha a dizer hoje, Sras. e Srs. Senadores.
Muito obrigada pelo convite.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Dra. Juliana, pela sua participação.
Eu passo agora a palavra... Não sei se já está na sala o Marcello Brito. (Pausa.)
Alô!
O SR. MARCELLO BRITO - Perfeitamente, Senador!
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Então, só para...
O Raul se preparou.
Raul, você também está com horário? (Pausa.)
Então, vou chamar o Marcello; depois, você, Raul; e, por último, o Richard. O.k.?
Marcello Brito, Copresidente da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, a palavra está contigo.
O SR. MARCELLO BRITO (Para expor.) - Obrigado, Senador Jaques Wagner.
Eu queria cumprimentar aqui também S. Exa. o Senador Carlos Fávaro, Relator desse projeto; o Senador Irajá, propositor; o Senador Contarato, pelo convite; as demais Excelências presentes; as senhoras e os senhores.
Senador, eu sou engenheiro e sou uma pessoa do agronegócio. Então, eu vou me ater a questões práticas.
Eu queria concentrar a minha fala no que eu chamo de oportunidades e prioridades. E por que isso, Senador? Porque, na administração e na gestão pública e privada, ao se compor uma lei, ao se fazer uma lei, o foco são todos os cidadãos brasileiros, mas a inteligência na gestão e na administração demonstra que a escolha das prioridades é que demonstra a efetividade e a justiça de cada lei.
Eu gostaria de começar lembrando aqui um livro que se chama O Mistério do Capital, escrito pelo economista peruano Hernando de Soto, em que ele fala sobre o capital morto. Ele faz uma pergunta nesse livro, Senador, muito interessante, que é a seguinte - abro aspas: "Por que o capitalismo dá certo em países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo?". Fecho aspas. Trazendo para esta realidade, a tese do economista Hernando de Soto - abrem-se aspas novamente - diz: "[...] nos países desenvolvidos, toda parcela de terra, [...] construção, todo equipamento ou estoque é representado por um documento de propriedade, e que este é um sinal visível de um vasto processo oculto, conectando todos esses ativos ao restante da economia".
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Ou seja, uma propriedade não titulada é considerada, dentro dessa teoria, como um capital morto. É uma propriedade em que você não consegue os financiamentos adequados; se você os consegue é a juros superiores. Enfim, você não tem condições de desenvolvê-la na sua totalidade, em benefício do seu proprietário, em benefício do Estado, ao qual está inserida, neste caso aqui, o Brasil.
Nós temos aqui esse emaranhado, no Brasil, conhecido aqui como posse. E nesse mesmo livro ele chama a atenção da posse como apenas a ponta do iceberg, porque o restante desse iceberg é todo um processo construído pelo homem, que pode transformar seus ativos em seu trabalho e também em capital.
Sabe o que nós vemos hoje, Senadores, no nosso País? Milhões e milhões de hectares em capital morto. São bilhões de reais que não são inseridos pelo bem do Brasil, infelizmente pela nossa inoperância, nos últimos 520 anos, no tratamento do uso da terra, lembrando que todos os ciclos econômicos brasileiros passaram pelo uso da terra. É uma questão histórica.
Mas agora a gente entra na discussão dessa questão da regularização. E eu gostaria de chamar de regularização privada e pública, porque a gente entra somente olhando esse aspecto do desmatamento. Isso não é totalmente verdade. Eu prefiro até dizer que é falsa a afirmação que, para conter o desmatamento, é necessário que ocorra a regularização fundiária. Isso já foi provado, em diversos países, que não é necessário, e já foi provado aqui, no Brasil, que não é necessário. Contribui haver regularização fundiária para o combate ao desmatamento? É claro que contribui, mas uma coisa não é obrigatória e intrínseca à outra. Mas o que é verdadeiro, e é muito verdadeiro, Senadores, é dizer que o desenvolvimento socioeconômico e a inclusão social dessas áreas dependem prioritariamente de um processo de regularização fundiária, no campo e na cidade. Então, se para o desmatamento não é totalmente verdadeira a afirmação, para o desenvolvimento da região, para o desenvolvimento do País e para a inclusão social, é necessário que desse processo se dê conta.
Senador, por que estou reafirmando esse processo? Eu sou bisneto de agropecuarista, ou seu neto de agropecuarista, meu pai quis ir para a agroindústria, e eu também segui na agroindústria. A minha vida profissional foi toda ela voltada para a agroindústria, e 25 anos dela na Região Amazônica. A nossa empresa, em 2010, fez um compromisso de fazer parceria com mil pequenos produtores. E começamos a trabalhar sobre isso - isso foi em 2005. Lamentavelmente, 15 anos depois, desses mil prometidos, nós só conseguimos 186, porque não passa na lista de compliance, principalmente por uma questão de regularização fundiária.
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A associação dos proprietários, a Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma, fez um compromisso, em 2010, logo depois da instalação do Programa Terra Legal, de fazer parcerias com 10 mil pequenos produtores somente no Pará. Concluído o ano de 2020, mil famílias entraram nessa parceria. A média é esta: entre 10% e 15%, é o que você consegue, na compliance, para você ser parceiro, porque se você não tiver a compliance bem-feita você passa a ser corresponsável por disso aí depois.
Isso é muito triste, Senador, pelo seguinte, o agronegócio tem sido, há séculos, indutor de desenvolvimento em diversas regiões deste País. Se o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste, hoje, são industrializados é porque eles começaram o seu trabalho no agronegócio, se desenvolveram pelo agro, foi criada a agroindústria e todo esse processo se desenvolveu. O Norte e o Nordeste ficaram aquém desse processo de desenvolvimento porque não foram inseridos nesse processo de desenvolvimento.
E, para isso, agora, eu me volto aqui ao senso agropecuário do IBGE, que mostra essa estruturação do agronegócio brasileiro. Vamos falar em números oficiais: 5,07 milhões de propriedades rurais neste País, que correspondem a 351 milhões de hectares. Desses, 18% são pastagens; 18% são lavouras; 29% são matas e florestas - não há nenhum outro país no Mundo onde o setor privado tenha tanta mata e floresta sob sua responsabilidade -; e outros 8%. Que fantástico - que fantástico! É muita gente envolvida no processo do campo.
Agora vamos à realidade nua e crua do agro como um todo: 44% desses proprietários não usam tratores; 80% não usam semeadeiras e plantadeiras; 90% não usam colhedeiras; 84% não usam adubadeiras; 58% não fazem adubação ou fertilização; 65% não fazem uso dos mais modernos defensivos agrícolas; 45% ainda utilizam o modelo tradicional de cultivo; e 85% desses não obtêm acesso a financiamento.
Então, nós vemos aqui o que significa capital morto, o que significa. E a grande maioria desses aí não está nas regiões mais desenvolvidas no Brasil; estão no Norte e no Nordeste.
Outro número importante do senso agropecuário é o seguinte: 70% das propriedades rurais do Brasil tem entre 1 e 50 hectares - 70% tem entre 1 e 50 hectares! O que significa que a atual lei, conforme dito pelo Presidente do Incra em audiência pública na semana passada, já prevê a regularização do sensoriamento remoto de todos esses produtores, de 1 a 50, que correspondem a 70% dos produtores rurais da Região Norte e do Nordeste.
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Agora eu entro em outro número, senhores, outro número mais preocupante: 2% dessas propriedades, dessas 5,1 milhões de propriedade, respondem por 71% do valor bruto da produção do agronegócio brasileiro: 2%, 71%.
O que nós estamos dizendo aqui é o seguinte. O que não dá para entender é por que, após a decretação ou efetivação do Decreto nº 10.592, de 24/12 do ano passo, liderado pela nossa líder maior, Ministra Tereza Cristina, por que no dia 25 de dezembro os Senadores, Deputados e Governadores dos Estados do Norte e do Nordeste do Brasil não estavam à porta do Incra, batendo e vendo como fariam a regularização desses que nessas regiões sobem de 70 para cerca de 90% dos proprietários de terra?
Regularizado esse pessoal pela atual lei que já permite, nós estaríamos fazendo nesse Governo o maior projeto de inclusão socioeconômica do campo já feito na história do País. Então, eu não consigo entender como, tendo essa oportunidade na mão, nós estamos aqui, torrando uma energia violenta de tanta gente importante no Brasil, para criar algo novo, enquanto, na verdade, o que nós precisamos é facilitar o processo já existente através da infraestrutura necessária do Incra, que, em 2017, conseguiu executar somente 45% do seu orçamento; em 2018, novamente 45%; em 2019, 31%; em 2020, 34%; em 2021, números até hoje, 9,2% - números da plataforma do portal da transparência.
Mas, se achamos, senhores, que nós precisamos, sim, modernizar através de uma nova lei, nós temos a nº 2.633 lá no Congresso, que foi amplamente discutida por meses, pelo MAPA, através das pessoas colocadas pela ministra, pelo Incra, por Deputados, ou seja, já foi pacificada basicamente por uma boa parte da sociedade.
Senhores, regularizando esses até quatro módulos fiscais nessas regiões menos favorecidas no Brasil, nós daremos acesso ao cooperativismo. Vejam que o cooperativismo brasileiro é forte em todas as regiões do País, à exceção do Norte e do Nordeste. E, sem a inclusão desses pequenos produtores, desses pequenos proprietários dentro de um projeto maior cooperativista, não há acesso à tecnologia, não há acesso a desenvolvimento, não há acesso a pagamentos de serviço ambiental, não há acesso a mercado de carbono porque isso se dá por volume, e esses pequenos só terão acesso via um sistema cooperativista, que só existirá quando esses pequenos proprietários tiverem o seu documento de terra, o que já é possível de ser feito através da lei atual.
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O nº 2.633 na Câmara foi relatado pelo Zé Silva, depois passou pelas mãos do Marcelo Ramos e, por último, agora, do Bosco Saraiva. A sugestão que eu gostaria de deixar aqui, em nome da Associação Brasileira do Agronegócio, em nome da Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma, em nome da Indústria Brasileira de Árvores e em nome da CropLife Brasil, que no ano passado, escreveram uma carta aberta ao Presidente da Câmara e ao Relator, pedindo a votação e a aprovação do nº 2.633, é que ele, por ter sido amplamente discutido, venha a sobrepor esse... Com todo o respeito que eu tenho ao Senador Irajá, aliás, eu apoio outros projetos que ele tem aí, de forma maciça, e ele sabe disso, mas infelizmente a nº 510 não tem o timing necessário, vem num momento ruim para o Brasil, não manda a mensagem tão positiva que um agronegócio decente, honesto, moderno, que tanto tem contribuído para este Brasil oferece neste momento.
É isso que eu tenho. Muito obrigado a todos e obrigado pela oportunidade de aqui falar.
O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Bom, eu agradeço a contribuição do Marcello Brito, bastante esclarecedora.
E antes de passar a palavra ao próximo convidado nosso, Raul Silva Telles do Valle, diretor de políticas públicas do WWF-Brasil, eu vou passar a condução dos trabalhos ao estimado Senador Fabiano Contarato, o que é de praxe, como ele é o autor do requerimento, e também por uma necessidade minha, porque neste momento, eu estou em Salvador e vou embarcar agora para Brasília. Então, eu já tinha combinado com o Senador Fabiano Contarato.
Eu passo a palavra ao Sr. Raul, e a partir deste momento, o Senador Fabiano Contarato dirigirá a reunião.
Não sei se conseguirei voltar à reunião, provavelmente não. Eu quero, de antemão, agradecer a participação de todos os Senadores e Senadoras, a toda a equipe da CMA e principalmente a todos que se dispuseram a participar conosco desta audiência pública bastante esclarecedora, para que os Senadores e Senadoras, particularmente para que o Relator da matéria, o nosso querido Senador Carlos Fávaro, possa ter o maior volume de informações, de tal forma que possamos ter algo que sirva efetivamente à sociedade.
E houve já esse alerta do Marcello Brito, de que há um projeto praticamente... Praticamente, não, tratando exatamente do mesmo tema, com uma abordagem, eu diria, já fruto de um debate bastante grande na Câmara dos Deputados.
Então, Raul Silva Telles do Valle com a palavra. Senador Contarato, V. Exa., a partir de agora, pode conduzir, porque eu vou sair correndo para o aeroporto. Eu lhe agradeço então.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Senador Wagner.
Agradeço a todos. Para mim, muito me honra estar aqui, se é que eu posso falar, substituindo o meu querido Senador Jaques Wagner.
E tenho muito orgulho também de dizer que nos meus primeiros dois anos de mandato à frente do Senado, como político ingressante, estreante na política, eu estive aqui presidindo esta Comissão, que para mim, eu reputo uma das principais Comissões do Senado da República. Infelizmente muitos políticos talvez subestimem ou não deem a importância que ela merece. Mas, independente de onde eu esteja, em qual Comissão eu esteja, quero deixar claro que hoje eu continuo sendo membro titular desta tão dignificante Comissão de Meio Ambiente. Mas independente de onde eu esteja, em qual Comissão eu esteja, quero deixar claro que hoje eu continuo sendo membro titular desta tão dignificante Comissão de Meio Ambiente.
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Em seguida, passo a palavra ao Sr. Raul Silva Telles do Valle, que é Diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil, e, na pessoa dele e de todos os aqui presentes, agradeço o comparecimento e peço desculpas pelo meu atraso. Foi porque eu cheguei a Brasília e tinha outros compromissos também. Mas aqui estou como um bom soldado na defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Podem contar comigo.
Com a palavra o Sr. Raul Silva.
O SR. RAUL SILVA TELLES DO VALLE (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Contarato. Bom dia a todos! Agradeço o convite que o senhor me fez para participar desta audiência pública. Na pessoa do senhor, eu aqui também cumprimento todos os outros Senadores e Senadoras presentes, o Senador Carlos Fávaro, que é o Relator desse projeto e que está aqui escutando todo mundo atentamente. Agradeço a audiência.
Eu queria começar aqui fazendo uma afirmação que pode parecer óbvia, mas, hoje em dia, mesmo o óbvio tem que ser reafirmado: nós do WWF-Brasil e, eu diria, sem sombra de dúvida, praticamente todo o movimento socioambiental brasileiro somos favoráveis à regularização fundiária. Nós acreditamos que é, sim, uma medida de justiça social, que é sim uma medida necessária.
Aqui, o Marcello Brito foi muito feliz colocando a necessidade de que aquele produtor que está há 30, há 40 anos aguardando um título de terra possa ter o seu título de propriedade para poder pegar crédito, enfim, todas as benesses necessárias para que ele possa ser um produtor economicamente ativo, que a aquela terra tenha valor, que ele possa produzir riqueza. É isso o que nós queremos no País.
No entanto, eu tenho a dizer que o Projeto de Lei 510, infelizmente, na nossa visão, não é um projeto de regularização fundiária. E vou tentar explicar o porquê. Acho que aqui vários que me antecederam já falaram, e não vou repetir o que foi falado - houve outras audiências públicas também na semana passada, há duas semanas atrás, em que também trouxeram ponto a ponto os dispositivos do projeto -, mas, o Projeto de Lei 510... Muitos que o defendem alegam: "Vamos aprovar o projeto porque ele é necessário para fazer justiça àqueles que estão há 20, 30, 40 anos na Amazônia, sobretudo, que foram levados para a Amazônia, ocupam uma terra - o Governo os levou - e até hoje não conseguem um título". Não é verdade; é mentira. Esse projeto não é para resolver o problema desse que está há 20, 30, 40 anos na Amazônia. Ele está justamente beneficiando quem entrou na terra depois de 2008 - e 2008 não faz 20 anos, faz menos do que 20 anos, não faz 30. Então, não é esse o público do Projeto de Lei 510.
Outra alegação muito comum é esta: "Ah, precisamos mudar a lei porque é necessário usar tecnologia para simplificar e facilitar o trabalho de regularização para que a gente possa dar escala a esse trabalho". Também não é verdade. Por que não é verdade? Porque o uso da tecnologia já é possível hoje. Inclusive, está regulamentado por um decreto que saiu ano passado, por exemplo, o uso de imagens de satélite. Toda e qualquer tecnologia que facilite a regularização já é possível ser utilizada, já vem sendo utilizada, e não há necessidade nenhuma de lei para isso. O que o projeto faz - e foi muito bem pontuado aqui - é dispensar de vistoria presencial áreas imensas que vão ser regularizadas. Com isso, abre-se um espaço para fraude e violência, porque você vai poder legalizar e titular terras que têm terceiros ocupando e, na verdade, você dá para aquele que não é o ocupante. Isso foi extensamente colocado aqui. O que queremos dizer é que para aqueles todos, os mais de 90% de pequenos produtores na Amazônia que não precisam de vistoria, não muda nada essa lei. E o uso de tecnologia é perfeitamente possível.
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Terceira alegação que se coloca: "Ah, esse projeto não vai causar nenhum problema para o meio ambiente, não vai causar desmatamento, não tem nada nele que traga prejuízo ambiental". Também não é verdade. Como um projeto que premia aquele que invade uma terra pública, desmata e ganha um título de propriedade, que premia esse sujeito com um título de propriedade não vai estar causando um incentivo para que isso continue acontecendo? É claro que é um incentivo para que isso aconteça. Inclusive, há pouco tempo, em 2017, o Congresso Nacional aprovou uma medida provisória que, justamente, mexia na Lei 11.952, que alterou o marco temporal, trouxe, de 2004 para 2008, a data limite para se poder reconhecer a ocupação de terra pública e, desde 2017, desde que essa lei foi aprovada, o desmatamento no País, sobretudo na Amazônia, começou a crescer de forma descontrolada. Em 2019, o Brasil alcançou o maior nível de desmatamento desde 2008 e, em 2020, nós repetimos isso, aumentamos para 11 mil quilômetros quadrados o desmatamento no País, quando a nossa meta, a nossa própria meta, nós temos uma lei nacional sobre mudança climática que estabelecia uma meta para o ano de 2020, era de 3 mil quilômetros quadrados. Nós mais do que triplicamos o tamanho do desmatamento. E isso foi muito induzido pela mudança que este Congresso Nacional fez em 2017, alterando essa data limite, passando a mensagem para a sociedade de que, se invadir uma terra, desmatar a terra, aquele que o fez, mesmo fora do que a lei exige, vai conseguir o título de propriedade.
Então, Sras. e Srs. Senadores, nós não estamos tratando de uma lei de regularização fundiária. Nós estamos tratando, na verdade, de uma lei de colonização, mas o pior tipo de colonização que existe, a colonização que existia na legislação brasileira do século XIX, a colonização que existia na legislação norte-americana do século XIX, que é a legislação do velho oeste, que é a legislação que fala: "Bom, aquele que chegar na terra, aquele que for mais forte, aquele que invadir, aquele que desmatar, aquele que expulsar aqueles que estão lá vai conseguir o título de propriedade". Então, é uma legislação que está conseguindo trazer um benefício para aquele que é mais forte, aquele que é o mais esperto, aquele que tem mais acesso a informação. E, obviamente, essa não é a legislação de que nós precisamos. Essa é uma legislação do século XIX. Só que nós hoje estamos no século XXI. E, no século XXI, nós todos aqui sabemos que esse processo não é só moralmente equivocado, porque favorece o esperto, favorece o valentão que toma, na mão grande, a terra e consegue passar para frente com mais de 500% de lucro, que é a média, isso foi colocado aqui, de quem consegue uma terra invadida, titular, e a vende no mercado formal de terras.
Ela não é só moralmente equivocada. Ela é economicamente estúpida. E por que ela é economicamente estúpida? Porque, no século XXI, nós todos já sabemos que, na Floresta Amazônica, a que, concentradamente, essa lei se aplica, porque é onde nós temos o maior estoque de terras públicas disponíveis no País - e, frise-se, a maior parte desse estoque de terras públicas que podem vir a ser regularizadas estão com floresta hoje em dia -, na Floresta Amazônica, nós temos a reciclagem de umidade que vem do Oceano Atlântico e que, basicamente, garante a chuva em quase todo o País. Sem a Floresta Amazônica conservada, sem ela preservada, bem utilizada, que é como nós, na legislação atual brasileira, pressupomos... Nós temos uma lei de gestão de florestas públicas, aprovada em 2006 por este Congresso Nacional, que tentou ser um marco divisor desse processo de colonização pelo desmatamento da Amazônia para tentar induzir a uma ocupação pelo uso sustentável, garantindo que toda floresta pública permanecesse pública e permanecesse como floresta por via de concessão florestal. Essa lei está sendo descumprida, mas ela tem um pressuposto que é: precisamos conservar a Amazônia, porque a Amazônia é boa não só porque é o lugar com a maior diversidade de vida do Planeta; ela é a fonte de água para a agricultura do Brasil.
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A tão festejada agricultura tropical brasileira, em que nós somos um sucesso mundial - e somos mesmo -, só funciona porque nós temos chuvas suficientes. Se nós continuarmos desmatando a Amazônia - e essa lei é um incentivo direto para que se continue desmatando, porque ela incentiva a invasão, incentiva o desmatamento para conseguir ganhar com a especulação imobiliária e não com produção agrícola ou com produção florestal -, se nós continuarmos fazendo isso, nós estaremos cometendo o que já hoje vários pesquisadores chamam de "agrossuicídio".
Como estou vendo que o Senador Nelsinho Trad está aqui, eu queria chamar a sua atenção, Senador, para o fato de que, se nós continuarmos no caminho que nós estamos, nós não teremos mais a produção de safrinha no Mato Grosso do Sul, nós não teremos mais a produção de safrinha em Goiás, em São Paulo, no Paraná, no Rio Grande do Sul, porque isso depende diretamente da saúde da Floresta Amazônica.
A legislação que nós temos hoje, que foi alterada em 2017, que está produzindo esse aumento do desmatamento, porque passa a mensagem de que é invadindo e desmatando que se consegue o título de propriedade, que esse é o normal - e se a fizermos isso novamente agora com essa lei, estaremos reforçando essa ideia de que descumprir a lei é premiado no País -, se nós continuarmos fazendo isso, nós estamos fazendo algo que está gerando o quê? Gerando terra destruída para trás.
Os últimos dados do TerraClass mostram que, em 2014, nós tínhamos, só na Amazônia, 20% das áreas já desmatadas em degradação, em regeneração. Elas foram ocupadas, foram desmatadas e foram abandonadas, porque não havia a produção agrícola necessária ali. Ou seja, nós temos hoje um processo em que a gente não só está largando terra destruída para trás, como nós estamos, neste momento, avançando para conseguir acabar com a capacidade de produção agrícola recorde que o Brasil tem, uma altíssima produtividade em grande parte do País, e não só na Amazônia.
É importante dizer, inclusive, que hoje foi publicado um paper na Nature que justamente avalia o impacto que o avanço do desmatamento na Amazônia causa sobre a produção de chuvas no sul da Amazônia - e está focando só o sul da Amazônia. E esse paper, que está disponível para qualquer um, mostra que já se diminuiu, em alguns lugares do sul da Amazônia, em 48%, ou seja, à metade o volume anual de chuvas em função do desmatamento e que isso - os dados estão publicados na Nature e qualquer um pode ver - vai causar, até 2050, considerando só os Estados de Mato Grosso, Rondônia, parte do Tocantins, sul do Pará e Acre, R$32 bilhões em perdas só na produção de soja, uma soja que já existe nessas regiões, e, na produção de carne, até 2050, esse prejuízo será de R$1 trilhão - R$1 trilhão! - em função da queda no regime de chuvas e da impossibilidade de continuar com a safra e a safrinha no regime de sequeiro que nós temos hoje. O coordenador desse estudo, o Dr. Argemiro Teixeira Leite - um estudo feito pela Universidade Federal de Minas e de Viçosa -, afirmou que nós estamos caminhando para um "agrossuicídio".
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Então, Srs. Senadores e Sras. Senadoras, esse projeto de lei não é, infelizmente, um projeto de lei de regularização fundiária. Regularizar fundiariamente é olhar para o passado, para um passado remoto, entender o que foi feito de equivocado e falar: "Bom, vamos resolver essa situação, mas daqui para frente é totalmente diferente", e não é isso que nós estamos fazendo. Pelo contrário, estamos permanecendo num regime espúrio de colonização da pior forma possível.
Há muitos aqui - e eu reconheço que é legítimo esse pensamento - que entendem: "Bom, mas será que nós temos que ficar com tanta terra pública na Amazônia? Será que esse é o melhor caminho para o País, a forma mais eficiente de utilizar bem essas terras?". Eu acho que essa é uma questão super-relevante, mas o que eu posso afirmar, com certeza, é que não é a partir desse processo que nós vamos utilizar melhor; esse é um processo que desperdiça a terra, desperdiça recurso, desperdiça o futuro do País.
Se quisermos, sim, fazer um processo de privatização em massa das terras da Amazônia, que façamos uma conversa adequada, façamos um debate adequado e utilizemos o instrumento adequado. O instrumento não pode ser invadir, desmatar e conseguir forçar que a lei seja modificada para legalizar situações que são ilegais. Isso é algo que, não tenho nenhuma dúvida, não faz nenhum bem ao País, não faz nenhum bem à sociedade brasileira e, pior, nos denigre frente à comunidade internacional, que entende que este País, fazendo isso, não é um país sério, é um país onde a lei não vale, onde tudo pode acontecer desde que se crie o fato consumado; e o fato consumado é o pior inimigo da segurança jurídica. Não existe segurança jurídica onde o fato consumado vale mais do que a lei aprovada pelo Congresso e chancelada pelo Poder Judiciário.
Então, Sras. e Srs. Senadores, eu queria dizer aqui com toda transparência que essa lei, do jeito que está, se aprovada com esses pontos que já foram fartamente demonstrados, é uma lei que sabota o nosso objetivo, fartamente colocado por todos, por vários aqui - eu tenho certeza que todos os Senadores aqui concordam com esse pressuposto -, de que o Brasil pode, sim, produzir sem desmatar nada. Sim, é verdade! Temos mais do que uma Alemanha já desmatada e subutilizada em várias partes do Brasil, inclusive, na Amazônia. Nós podemos utilizar essa área toda, e estamos utilizando em larga medida, para conseguir crescer a produção agropecuária sem ter que desmatar mais nada.
Mas enquanto nós tivermos uma legislação que incentiva, com altíssimos lucros, a invasão de terra pública e o desmatamento para aprovar uma suposta posse, nós nunca conseguiremos chegar ao desmatamento zero que tanto prometemos, que tanto sabemos que é necessário e que os nossos compradores cada vez mais exigem. Nós estaremos, pelo contrário, continuando, avançando desnecessariamente, e, mais, de forma prejudicial ao interesse da agricultura brasileira, sobre a floresta, destruindo a nossa galinha dos ovos de ouro.
Então, eu queria deixar aqui a minha mensagem de que nós não precisamos dessa lei. Não precisamos dessa lei; nós precisamos, sim, de uma lei que proíba a invasão de terra pública, aumente a penalidade sobre a invasão de terra pública, que crie formas inteligentes e mais facilitadas de gestão florestal em terra pública, de outros usos sustentáveis das terras públicas e florestas públicas na Amazônia. Mas essa lei, infelizmente, da forma como está, não é do interesse do Brasil.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Muito obrigado, Raul Silva, você sempre muito didático, objetivo, transparente.
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Eu, particularmente, quero deixar claro aqui um depoimento, sem nenhum radicalismo, porque nós já sabemos - e ele muito bem disse - que é necessário, sim, fazer uma reforma, uma regularização fundiária, talvez com a plena convicção - e eu particularmente já formei a minha, tendo em vista os debates, os estudos, as conversas que já tive, sobre os quais eu me debrucei - de que, efetivamente, quando se fala que isso vai regularizar a situação de pessoas que estão ali há décadas, há 30 anos, nós sabemos que isso não é... E aí eu posso pontuar, em cada artigo desse PL, como muito bem disse o Raul.
Então, eu acho que nós temos que ter a serenidade, a sobriedade de tentar pautar, como nós fizemos com o PL, com o PSA, o Pagamento por Serviços Ambientais. Nós construímos, a várias mãos, um texto que chegasse a uma solução razoável para todos os lados e protegendo o meio ambiente como uma das principais motivações que nos levam aqui, porque eu não tenho dúvida de que proteger o meio ambiente é proteger toda e qualquer vida que ainda está por vir.
Agradeço ao Raul, se me permite, carinhosamente, chamá-lo assim, porque você sabe, que na Comissão de Meio Ambiente, a Casa é da comunidade científica, é da ciência, é da tecnologia, é da comunidade acadêmica, é das organizações não governamentais, é da sociedade civil, para nós debatermos de forma responsável, conjunta, deixando de lado qualquer ideologia partidária.
Passo, agora, a palavra ao Sr. Richard Martins Torsiano, especialista internacional em governança e administração de terras, que, salvo engano, também teve uma brilhante atuação no Incra...
Se eu estiver equivocado, pode me corrigir.
Sr.Richard Martins Torsiano, com a palavra o senhor, para proferir as suas colocações de forma didática, objetiva, naquilo que... Porque nós temos que fazer o seguinte: não só apontar erros, mas também tentar buscar uma solução. "Esse projeto é ruim nesse aspecto." E o que pode ser feito para tirar? Suprimir ou não? E aí nós vamos caminhar para a construção de um projeto que seja melhor, claro que com o aval do autor e do Relator, com a aquiescência dos Senadores.
Eu vejo aqui o meu querido Izalci, que sempre está aí nos debates, o querido Senador Fávaro, mas, neste momento, eu passo a palavra para o Sr. Richard Martins Torsiano.
O SR. RICHARD MARTINS TORSIANO (Para expor.) - Senador Fabiano Contarato, bom dia!
Bom dia a todos e todas!
Agradeço o convite ao Senador Jaques Wagner, cumprimento aqui o Senador Carlos Fávaro, o Senador Relator Irajá Abreu, o Senador Izalci, que vive com esse problema fundiário, assim como nós, aqui, em Brasília, também conhecemos bem esse problema nas áreas urbanas, e quero dizer, Senador Contarato, que, sim, eu estive bastante tempo na direção do Incra e coordenei a formulação do Programa Terra Legal em 2009. E voltamos à discussão depois de ter passado por ela novamente ali em 2017, com a alteração da lei pela Medida Provisória 759, que alterou novamente o marco temporal, e agora no Projeto de Lei 510.
Eu começo pela fala do senhor, Senador, de que é importante que apontemos, sim, os problemas, mas também que busquemos aqui algumas alternativas para melhorar, porque, de fato, a lei é feita para ser cumprida, e, quando ela não está adequada, ela deve ser melhorada, mas nós temos consenso aqui, pelas falas apresentadas, de que existem elementos, nesse projeto de lei, que são problemáticos e que não trazem solução para enfrentar o problema fundiário no Amazonas. Ao contrário, trazem alguns elementos que, certamente, vão piorar esse processo de debilidade na gestão das terras da Amazônia.
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Participando das discussões anteriores, especialmente na Comissão de Agricultura, na semana passada, e ouvindo a fala do Presidente do Incra, o Sr. Geraldo Melo, é possível observar que a fala do Presidente do Incra, apresentando todas as iniciativas recentes que o Incra tem aplicado, já esvazia uma boa parte da discussão desse projeto de lei. O Incra está demonstrando, claramente, especialmente depois da aprovação do Decreto 10.592, que é possível regularizar as terras, que é possível aplicar as medidas que estão na Lei 11.952, usando as tecnologias que estão disponíveis. Então, nós temos, na discussão desse projeto de lei aqui, que, de fato, afastar aquilo que é problemático e nefasto, para que a Amazônia tenha uma governança responsável sobre esse território.
E uma coisa fundamental, uma premissa básica para a governança no território é que nós temos que nos juntar - todos os atores que estão aqui, como já foi dito pelo Ministro Herman Benjamin e pelo próprio Marcello Brito, especialistas, intelectuais e pessoas que operam essa política - na busca de resolver o problema da governança territorial lá, para equilibrar o acesso aos direitos na Amazônia e para aplicar aquilo que a lei efetivamente já determina que se deve aplicar, que é a regularização fundiária daqueles que estão devidamente enquadrados na Lei 11.952, já inclusive com a previsão de dispensa de vistoria para os imóveis até quatro módulos fiscais.
Para sintetizar um pouco esse raciocínio aqui, eu vou compartilhar com vocês, se me permitem, uma apresentação.
Pela apresentação, é possível observar... Aqui eu também estou representando o Laboratório de Geoprocessamento da Universidade de São Paulo e o Grupo de Políticas Públicas da Esalq da Universidade de São Paulo. Em 2019, nós fizemos, com o Professor Raoni também, uma nota técnica analisando os efeitos da Medida Provisória 910, e, por incrível que pareça, agora o Projeto de Lei 510 traz elementos que foram combatidos naquele momento, devidamente justificados, discutidos por vários atores que estão aqui, e vários Parlamentares na Câmara dos Deputados e, inclusive, alguns Senadores que participaram da discussão se convenceram dos problemas que aquela medida provisória apresentava naquele momento. Então, o contexto já está bem delineado, o universo que nós estamos tratando na Amazônia, mas é importante sempre a gente ponderar do que efetivamente nós estamos falando neste momento, que seria, em tese, o objeto da regularização fundiária lá na Amazônia.
Nós fizemos uma análise, naturalmente, no Laboratório de Geoprocessamento, sobre as informações que são informações geoespaciais dispostas em várias bases de dados oficiais e de acesso público. E foi possível identificar que nós temos aí 17 milhões de hectares com Cadastro Ambiental Rural autodeclarado nessas áreas remanescentes de terras públicas federais; áreas privadas, 20 milhões de hectares de áreas já destinadas para algum fim - no caso do Sigef, são informações georreferenciadas de imóveis privados -; as áreas públicas que foram destinadas ao longo do tempo na Amazônia - assentamento, unidade de conservação e outros territórios -; e as áreas não destinadas.
Aqui concentra a nossa preocupação e uma pergunta, Srs. Senadores: por que nós não estamos - este momento difícil, como disse a Dra. Eliane, não é oportuno debater esse tema, especialmente trazendo esses elementos que não inovam em absolutamente nada o marco legislativo nacional -, no momento oportuno, discutindo o que fazer e como qualificar a gestão deste território gigantesco de terras públicas que nós temos ainda na Amazônia, que soma cerca de 43 milhões, quase 50 milhões de hectares de terras públicas federais.
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Aqui, sob o meu ponto de vista, nós temos de concentrar os esforços de todos esses atores, para construir uma plataforma de gestão territorial para essas terras. E construir de forma transparente, inclusiva, participativa, especialmente envolvendo os atores locais, para decidir qual é a destinação efetiva que nós temos de dar para estas terras.
O que é fato é que aqueles que ocuparam as terras até 2008 devem ser devidamente regularizados. E nós estamos defendendo essa regularização a partir dos instrumentos previstos na Lei 11.952.
Quando nós observamos o universo que deve ser objeto, que deveria ser objeto da medida provisória - e, agora, naturalmente, esse universo não alterou muito para este Projeto de Lei 510 -, a gente observa que continua ninguém tratando desses 25%. Não há nada no projeto de lei que trata desses 25 milhões de hectares aqui, nenhuma proposta de governança efetiva para qualificar a gestão do território de 25 milhões de hectares, mas há uma indicação para alterar o marco temporal, novamente, para agasalhar, na regularização, um número muito baixo de ocupantes que ocuparam de forma ilegal essas terras na Amazônia.
Aqui, para justificar o número, é importante a gente também reforçar que, quando questionados sobre qual é a fonte da informação, há uma coerência, Senador Contarato, entre os dados que nós levantamos no laboratório e os dados que estão presentes na base de dados do Incra, de demanda para regularização especialmente dos médios e grandes imóveis. Cerca de 11 mil imóveis, nós identificamos nessa análise. E esse é o número médio que há de demanda por regularização na plataforma do Incra. Então, há uma convergência aqui dos dados.
E há uma posição novamente injustificada para mudar o marco temporal, trazendo sérios riscos para o ordenamento territorial brasileiro, além dos aspectos ambientais que já foram apresentados, e riscos, inclusive, para esses 99% dos agricultores que estão, de alguma maneira, enquadrados da Lei 11.952. Risco para eles porque esse 1%, que - e agora, já vou tratar - entrou nessas áreas depois de 2008, com uma prática que nós não sabemos qual foi, mas com uma prática geralmente nesta lógica do "entra, desmata".
Como já foi colocado aqui, essa prática, certamente, é nefasta e traz um risco para aqueles que devem ser regularizados, que são aqueles 99% de ocupantes, que estão no objeto da 11.952, mas, naturalmente, desde que cumpridas as regras e os requisitos previstos na Lei 11.952.
O número de área também está aqui demonstrado neste gráfico e não é uma área que justifique. Quanto maior, naturalmente seria pior para a própria proposta, e seria injustificado, de fato.
Qual seria o risco da mudança no marco temporal?
Aqui eu vou me ater a dois temas, que são os mais graves e mais problemáticos, no meu ponto de vista: a mudança do marco temporal e a dispensa de vistoria, até o momento pelo menos, para imóveis superiores à área de quatro módulos fiscais.
Bom, como eu coloquei, o universo analisado, que estaria abarcado por este projeto de lei, é um universo muito pequeno - um universo muito pequeno -, cerca de 1%. Um por cento! Então, nós estamos aqui, há vários dias, fazendo um debate, com vários atores, com várias autoridades, para aprovar um projeto de lei para atender 1% de ocupantes ilegais na Amazônia.
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Então, a alteração do marco temporal é um risco e não se justifica pela demanda, não se justifica por qualquer benefício que, hipoteticamente, poderia trazer para o agronegócio ou para as comunidades locais. E estaremos sinalizando a permanente anistia, com ocupações de terras públicas, por aqueles que não cumpriram a lei, ou seja, aqueles invasores que entraram na terra, sabendo que não deveriam e não poderiam; e não estava permitida a entrada na terra após o ano de 2008.
Reforço novamente, Srs. Senadores: nós temos lei e defesa para regularizar os 99% da demanda que se enquadrarem nos requisitos da Lei 11.952. Não é razoável essa mobilização e esse risco de alteração do marco temporal para agasalhar cerca de 1% dessa demanda, sinalizando a porteira aberta mesmo, para a ocupação de terras remanescentes na área da União, no momento em que nós não temos uma plataforma construída, estruturada, para a gestão das terras públicas na Amazônia, com indicadores de governança, com informações qualificadas sobre o território, com espaços adequados para discutir a destinação dessas terras e tudo mais.
Estaremos assumindo, Srs. Senadores, infelizmente, com esse processo, que o fato consumado, como disse aqui o Raul, para 1%, desses invasores, vale a pena. E, aqui, eu separo agricultor que está lá, que é objeto da regularização fundiária, de invasores. Essa separação é importante.
Então, estamos falando de 1% das ocupações por conta da alteração do marco temporal. Essa sinalização de que esse fato consumado vale a pena, de que eu entro, de que eu sou beneficiado economicamente por essa entrada ilegal, depois de a lei dizer que eu não posso entrar, inclusive com a valorização da terra, ao invés de ter algum tipo de punição, receber o título de propriedade, é muito perigoso. E, nos estudos que nós temos feito, Senadores - eu tenho coordenado o estudo agora em sete países da América Latina, pelas Nações Unidas -, eu não tenho encontrado nenhum processo, nenhum método ou proposta de alteração legal para a regularização das terras que preveja essa mudança de marcos temporais permanente e muito menos dispensa de análise em campo para a regularização das terras.
Bom, o Senador Contarato coloca a necessidade de nós apontarmos melhor o que fazer para que isso não ocorra, para que o fato consumado não valha a pena. Primeiro, não alterar o marco temporal da lei. Não é necessário correr esse risco por conta de 1% da demanda. E qual é a referência que nós temos no País, hoje, de mudança de lei de regularização fundiária, sem alterar o marco temporal, Senadores?
Na Lei 7.292, cuja formulação em 2019 eu tive a satisfação de coordenar, porque era necessária uma nova lei para a regularização fundiária no Estado do Piauí, não foi alterado o marco temporal - o marco temporal foi mantido, o marco temporal da lei anterior. E não houve pressão dos produtores rurais, da Aprosoja... Nós construímos essa lei - a única referência no País atualmente, reconhecida pelas Nações Unidas -, ainda na minuta, com todas as instituições envolvidas no tema: produtores rurais, OAB, Aprosoja, Comissão Pastoral da Terra, Federação das Comunidades Quilombolas, e saímos com a aprovação da lei sem alteração do marco temporal e sem pressão para isso. Nós precisamos, para não valer a pena o fato consumado, aplicar também as medidas previstas no Decreto 6.321 e na Resolução 3.545 do Banco Central. Nós não podemos, além de não regularizar, também permitir que esses usurpadores tenham benefícios de políticas públicas do Governo, como ter os seus dados em base de dados oficiais, por exemplo - não é possível, né? - e precisamos investir na retomada das terras públicas irregularmente. Nós estamos falando de 1%. Então, é um universo pequeno, com o qual é possível dialogar, buscar um ambiente de conciliação. Não estamos falando aqui em atropelar processo, expulsar pessoas, mas de ir lá, e dialogar, e construir esse processo de retomada, a partir de processos também participativos.
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Aqui no gráfico se demonstra que os mecanismos, as fases do Programa de Prevenção e Controle de Desmatamento indicam que... Quando essas fases foram aplicadas, o gráfico demonstra que há uma redução do desmatamento. Então, nós precisamos investir nessas medidas.
Agora, para ir encerrando, já nos últimos eslaides, a dispensa de vistoria para imóveis superiores a quatro módulos fiscais. Quando dizem que é o uso da tecnologia - e muitos colocaram aqui o porquê de nos últimos anos não ter avançado a regularização fundiária -, mesmo com instrumentos, é que nós precisamos manter uma continuidade na gestão daquilo que devidamente está funcionando. Então, há uma descontinuidade de 2017 para cá, infelizmente, Srs. Senadores. Nós tivemos nessa área responsável hoje pela regularização fundiária, de 2017 para cá, um diretor que foi envolvido em inquérito da Polícia Federal, foi afastado; outro também foi afastado. Houve a assunção depois do atual Governo, que implodiu o programa que existia de regularização fundiária sem nenhum planejamento de transição para esse processo. Agora, com o Decreto 10.592 e com a atuação do Presidente Geraldo, lá no Incra, é que se constroem políticas focadas mais no avanço desse processo de regularização fundiária.
Então, o uso de geotecnologias já é aplicado no Incra e deve continuar sendo aplicado para todos os imóveis rurais, pequenos, médios e grandes. Deve ser aplicado. Agora, é necessário, Senadores, que neste momento a gente teste as metodologias, que a gente faça e aplique uma metodologia combinada para os imóveis médios e grandes, combinada entre sensoriamento remoto e uma vistoria de confirmação dos dados declarados por esse cidadão ou agricultor que está enquadrado na lei. Então, é possível construir uma metodologia combinada aí para ser aplicada em campo.
É necessário enfrentar o problema dos títulos antigos expedidos pelo Incra. Esses títulos antigos impedem, trazem problemas às vezes de segurança, inclusive, para o servidor do Incra expedir novos títulos em glebas públicas federais, por conta do receio de estar sobrepondo áreas nessas glebas. Nós precisamos buscar alternativas. Nós podemos contribuir com isso que nós estamos propondo e buscar soluções adequadas.
Outro elemento, Senadores, é que a regularização fundiária não é e não deve ser uma política permanente e continuada. Ela tem um fim. O fim é a regularização de todos aqueles que ocuparam a terra até o ano de 2008. E o que nós estamos dizendo aqui é que, para a regularização daqueles que entraram até 2008, são 5% a 6% dessa demanda que exigem essa vistoria em campo. Eu estou propondo a metodologia combinada entre sensoriamento remoto e uma confirmação em campos para 5% ou 6%. Se nós assumirmos que o Estado brasileiro não tem capacidade de fazer esse trabalho em 5% ou 6%, é a falência do Estado.
Eu fiz umas cotas aqui. Para vocês terem uma ideia, se nós dividirmos isso em um ano, seriam 500 vistorias da demanda real que existe lá no Incra - por ano. Se se dividir isso por nove Estados, seriam 55 vistorias, no ano, para cada Estado. Isso significa quatro imóveis, por mês, vistoriados. Então, é razoável construir um plano.
E reforço aqui - já indo para o último eslaide, Senador -, o Senador Irajá Abreu foi um parceiro do Governo em buscar a solução, por exemplo, para a certificação de georreferenciamento, quando existiam milhares de processos parados e travados no Incra. Ele buscou uma solução, não foi mudando o marco temporal para a exigência do georreferenciamento. O Senador Irajá Abreu foi um parceiro buscando fortalecimento da capacidade institucional do Incra junto ao Ministério do Planejamento. Eu fui com ele em reuniões no Ministério do Planejamento para construir, empoderar e melhorar a capacidade operacional do Incra em parcerias com o Exército para resolver o problema, que foi resolvido; depois, nós aplicamos uma tecnologia de análise automatizada.
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Então, o que eu estou dizendo é que é necessário, Senadores, a gente passar por essa transição. Penso eu que, durante um ano, é razoável a gente ir testando essas metodologias e ali na frente - todo mundo concluiu, através das instâncias de participação, que é possível adotar essa metodologia de forma segura - a gente vai embora e muda essa metodologia prevista na 11.952.
E aqui eu coloco um risco. Por exemplo: nós tivemos uma decisão judicial recente sobre a apreensão das madeiras no Amazonas. A perícia da Polícia Federal está dizendo que o crime foi indicado a partir de um trabalho de sensoriamento remoto e de análise de imagem de satélite. A decisão judicial diz o seguinte: "Essas imagens por si sós não são suficientes para nos conduzir à constatação de crime específico". Então, dá para ver que... Não estou julgando se a Polícia Federal e a juíza estão corretos aqui, estou dizendo que essa metodologia, essa forma de análise ainda tem alguns riscos. Se há dúvida entre a perícia e a decisão judicial, para a regularização fundiária também creio que seja necessária essa transição para 5%. Nós estamos defendendo a regularização e que ela seja feita de forma também por ganho de escala e com serenidade para a maior parte das pessoas.
E aqui são alguns encaminhamentos, Senador Contarato, de propostas de melhorias, como o senhor mesmo colocou no início da minha fala.
Nós precisamos construir uma plataforma de governança das terras na Amazônia. Essa plataforma precisa, naturalmente, ter um plano de gestão e arrecadar as terras devolutas, cujo estoque ainda é gigantesco - ali concentra um grande volume tanto de pobreza como de conflitos. O Estado precisa arrecadar essas terras para destiná-las. Não é possível regularizar essas terras se elas ainda são devolutas. Estamos dizendo aqui: o Governo Federal e o Governo do Estado...
Concluindo: o Governo Federal tem histórico de apoiar os Governos estaduais e precisa continuar apoiando os Governos estatuais e o instituto de terras para enfrentar esse problema e arrecadar as terras devolutas. Precisamos de um diagnóstico territorial preciso sobre a Amazônia. Há várias instituições de pesquisa que podem apoiar o Estado e trazer informações precisas sobre o uso e a ocupação para que todos nós tenhamos e saibamos qual é o nível de uso e de ocupação das terras na Amazônia atualmente, onde estão riscos, onde estão os conflitos, onde estão as comunidades e as posses que devem ser regularizadas.
Precisamos, Senador, da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, para que as terras públicas a serem destinadas passem também por uma análise, e essa câmara com participação social, especialmente dos atores locais da região, com participação dos produtores rurais, enfim, das instituições e das entidades que representam as comunidades tradicionais na região; também constituir, como o Governo já indicou a participação dos Municípios, conselhos municipais de gestão territorial com essa participação social - nos Municípios, que conhecem a realidade de fato, que haja uma triangulação entre esses conselhos e a câmara de destinação.
Rastreabilidade. Nós não podemos permitir que produtos oriundos dessa ocupação ilegal sejam recepcionados no mercado. Nós não podemos manter essa lógica de que o fato consumado vale a pena. Então, nós não podemos permitir que essa ocupação ilegal de 1% dessa demanda toda seja beneficiada.
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Uma solução para os títulos antigos, como eu já disse. Aqui, Senador, se há uma proposta do Governo, do Senador Irajá e de outros de que é possível fazer, através de uma declaração, a regularização fundiária, eu estou sugerindo que seja no método combinado. Eu sugiro o mesmo método, se há uma boa vontade para regularizar, o mesmo método através do mapeamento das comunidades tradicionais na Amazônia. O Ipam desenvolveu uma grande ferramenta, que é o automapeamento das comunidades tradicionais. O Ministério Público Federal recebeu recursos do Governo alemão agora, da GIZ, mais de 2 milhões de euros, salvo engano, para desenvolver a plataforma das comunidades tradicionais. Então, por que não, no princípio de isonomia, as comunidades também fazerem o trabalho de mapeamento, com o acompanhamento do Governo, e, através dessa metodologia e de sensoriamento remoto, trazerem para regularização?
Deve haver a retomada das terras necessárias, para ter medidas exemplares de que não vale a pena ocupar irregularmente essas terras, e desenvolver com urgência, Senador, um sistema dinâmico de identificação e monitoramento de conflitos. Quando a gente fala de conflitos, além dos relatórios da Comissão Pastoral da Terra, nós não temos uma base de dados e um instrumento que indique, momentaneamente, naquele momento, que o conflito está ocorrendo ali. Então, uma plataforma de monitoramento desses conflitos é fundamental.
E, para encerrar de fato - peço escusas e desculpas, Senador Contarato -, eu quero colocar uma problemática aqui para pensarmos: se há uma proposta para destinação de terra pública, para destinação de área acima de quatro módulos fiscais, cinco, e de áreas médias e grandes, se a proposta é dispensar a vistoria e fazer essa destinação através de uma autodeclaração, isso abre um precedente para que a incorporação do patrimônio privado ou patrimônio público também seja feita dessa forma. Que a desapropriação de terras para a reforma agrária seja feita através da análise da declaração no ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e da declaração do cadastro do Incra e a análise em campo seja feita por sensoriamento remoto. Assim, os produtores rurais querem e desejam isso, que abra esse precedente de que a destinação do patrimônio público pode ser feita, mas a incorporação também pode e deve ser feita dessa forma. E, mais, existe o risco, Senador, de haver uma pressão por mudança e dispensa de cadastro e trabalho de campo para a regularização urbana. Não há pressão dos Prefeitos, por exemplo, para mudar nem o marco temporal, nem dispensar de fazer vistoria para regularizar os imóveis na área urbana, que são milhões, milhões. Só em São Paulo, seriam mais de 1 milhão de imóveis. Então, esse risco do marco temporal... problemas para nós.
E perdão pelo tempo.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado pela participação do Sr. Richard Martins. Só peço a compreensão porque nós temos que cumprir um tempo, até mesmo com relação aos demais convidados.
Imediatamente, eu passo a palavra ao meu querido e colega Senador Izalci Lucas, aqui do Distrito Federal, para, em cinco minutos, fazer o uso da palavra e suas considerações.
Com a palavra o Senador Izalci Lucas.
O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar PODEMOS/PSDB/PSL/PSDB - DF. Para interpelar.) - Presidente, primeiro, quero parabenizar pela iniciativa desta audiência.
Eu vou fazer rapidamente uma questão para o Raoni Rajão e comentários dos outros convidados. Na sua opinião, é possível melhorar a proposição para garantir a regularização fundiária e, ao mesmo tempo, evitar grilagem e desmatamento? É viável combater efetivamente o desmatamento sem promover a regularização fundiária? A legislação vigente é suficiente para resolver o impasse entre as ocupações das terras públicas da Amazônia e a necessidade de redução do desmatamento?
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Pergunto para o Ministro Herman Benjamin: V. Exa. vislumbra conflito de direitos com a regularização fundiária do PL 510, de 2021, que pretende implementar outros direitos fundamentais constitucionais positivados? O PL em questão se harmoniza com os fundamentos do nosso ordenamento jurídico e da nossa democracia, que são orientados à vida e à solidariedade intra e intergeracional?
Pergunto aos demais convidados: considerando a realização, nos últimos dias 22 e 23, da Cúpula do Clima, organizada pelo Presidente dos Estados Unidos, na qual o Presidente Jair Bolsonaro prometeu a neutralidade de emissões de gases de efeito estufa no Brasil até 2050, como se encaixa o PL 510 nesse contexto? A aprovação da proposição poderia afetar, de alguma forma, o compromisso assumido pelo Governo? Considerando as metas previstas na Contribuição Nacionalmente Determinada - NDC é a sigla em inglês - brasileira ao Acordo de Paris, quais são as implicações da aprovação do PL 510, de 2021? A última pergunta é: a aprovação da proposição poderia inviabilizar o alcance dessas metas? Como?
É isso, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Muito obrigado, Senador Izalci.
Eu quero esclarecer a V. Exa. que tanto o Professor Raoni, como o Ministro Herman Benjamin, por questões de agenda, já se ausentaram, mas a equipe da Comissão de Meio Ambiente vai encaminhar todos esses questionamentos direcionados a esses dois participantes, para que eles respondam por escrito a V. Exa., em um período curto, para que V. Exa. tenha as respostas de acordo com o seu brilhante posicionamento.
Eu me senti até contemplado com os seus questionamentos, confesso a V. Exa., como sempre muito bem atuante, atuante na educação, atuante aqui com a responsabilização com o meio ambiente. Eu tenho certeza de que V. Exa. também é um defensor de que é possível, sim, caminhar, gerando economia, alavancando economia, mas tendo a economia verde, uma tributação verde, preservando o meio ambiente. O próprio agronegócio sabe da responsabilidade que nós temos. Nós temos a possibilidade de perder R$57 bilhões por ano, como consequência do desmatamento que está acontecendo na Amazônia.
Então, quanto às perguntas que foram direcionadas ao Professor Raoni e ao Ministro Herman Benjamin, o senhor terá, em curto espaço de tempo, a resposta por escrito.
Aos demais participantes que se sentirem contemplados, eu pediria...
Antes de passar para a resposta, Senador Izalci, para não tomar muito tempo, eu queria prestigiar e dar a palavra ao meu querido Senador Wellington Fagundes, por quem eu também tenho admiração e apreço e que tem sensibilidade.
Nós aprovamos, junto com o Senado, projetos de autoria do Senador Wellington Fagundes, projetos de extrema importância. O Senador Wellington sabe o quanto eu fiz para pautar aquele PL com relação ao trânsito. Eu pediria a V. Exa. e ao Senador Izalci para que empenhassem esforços para que ele fosse aprovado na Câmara, porque nada mais justo, se um motorista bêbado mata no trânsito, que o custo do SUS seja pago por ele, e não por nós, não pelo trabalhador.
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Eu quero aqui publicamente... Sempre que tenho oportunidade, faço isso, Senador Wellington, porque as coisas boas têm que ser ditas e repetidas. Às vezes, os políticos sofrem tantos ataques, só críticas, críticas, críticas, críticas, mas esse reforço positivo é necessário para que nós possamos sempre entender que nós estamos lutando pela redução da desigualdade, pela redução da pobreza, pela manutenção do meio ambiente.
Passo a palavra ao meu querido Senador Wellington Fagundes para, em cinco minutos, fazer as suas considerações.
Posteriormente, Senador Izalci, os convidados darão suas respostas para os dois Senadores que aqui se manifestaram.
Muito obrigado.
Com a palavra o Senador Wellington.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT. Para interpelar.) - Sr. Presidente, eu tenho aqui algumas perguntas.
Nós, eu e o Senador Izalci - eu sou o Relator na Comissão da Covid -, tivemos que nos dividir para participar das duas Comissões. Então, eu não consegui acompanhar toda a reunião. Pode ser que alguma pergunta aqui já tenha sido até respondida.
Eu quero cumprimentar o Senador Carlos Fávaro também, em nome de toda a Comissão, e o Senador Fabiano e trazer também o meu abraço, o meu agradecimento a V. Exa. É Contarato! Prometi que nunca mais erraria.
Quero agradecer principalmente por esse relatório, realmente, porque acho que quem pega um volante de veículo não pode transformar aquilo em arma. Penso que tem que ter responsabilidade. Realmente, o Brasil ainda é recordista em acidentes de trânsito no mundo. Então, nós temos que humanizar mesmo. Esse projeto de lei, com certeza, traz responsabilização a todos aqueles que pegarem um volante de um carro. Não pode beber. Se beber, não dirija! Agora, se alguém transgride a legislação e comete um acidente e se isso leva a mais despesas para o Estado... O Brasil hoje tem um custo de investimento em hospital fruto de acidentes de trânsito muito grande. Então, esse motorista que esteja sob efeito de álcool ou qualquer droga teria que restituir as despesas ao SUS, porque, hoje, em grande parte, mais de 80%, 90% das pessoas são atendidas pelo SUS.
Eu vou aqui falar rapidamente, Sr. Presidente.
A ampliação do prazo de regularização de projetos de assentamentos trará algum inconveniente ao Poder Público?
É possível ao pequeno produtor obter crédito e investimento para a produção agrícola ou para a pecuária, e não apenas crédito de custeio, para que consiga desenvolver em sua área, sem ter o título de propriedade?
Existem 9.426 projetos de regularização fundiária criados e reconhecidos pelo Incra até 14 de dezembro de 2020. Esses dados constam do cadastramento do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária. Entretanto, ao mesmo tempo, esse sistema informa que os projetos de colonização deixaram de ser criados a partir da década de 1990. Indaga-se: como será possível atender às demandas dos projetos de colonizações mais antigos? Até quando deverão ser eles tutelados pelo Estado?
O Programa Terra Legal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apoia a titulação dos ocupantes de áreas públicas rurais da União e do Incra por meio de parcerias com os Municípios. Indaga-se: como são regidas essas parcerias? Existe algum documento ou convênio entre eles para que se possa subsidiar a regularização fundiária a ser realizada por esse meio?
Em se tratando da desafetação acima referida, a consulta à Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais seria conveniente e suficiente para instruir a presente questão?
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Considerando as dimensões das parcelas nos antigos projetos de colonização e o tempo decorrido de suas implantações, não seria justa e necessária a competente titularização para a segurança jurídica e a garantia do livre arbítrio dos assentamentos?
Os ocupantes nunca puderam licitamente vender seus lotes advindos, é claro, da reforma agrária. Entretanto, como é do saber de todos, essas transferências ocorrem e ficam guardadas nas gavetas. A falta da regularização fundiária dessas terras não cria e oficializa a ilegalidade no País?
E, ainda, Sr. Presidente, nós temos, aqui em Mato Grosso, eu diria, mais de 80 mil famílias que vieram para cá, chamadas, principalmente na época do Governo militar, para ocupar a Amazônia, para não entregar a Amazônia. E a grande maioria dessas pessoas não tem até hoje o título. Temos como exemplo a cidade de Nobres, que tem o mesmo potencial de Bonito, em Mato Grosso do Sul - a gente fala que é mais do que Bonito; é Nobres -, mas que não tem como fazer investimento porque está exatamente em cima de um assentamento do Incra, e as pessoas sem documento não têm como contrair os financiamentos.
Eu quero ainda, Sr. Presidente, ao finalizar, dizer que amanhã eu terei o prazer de receber, na minha cidade natal, Rondonópolis, em Mato Grosso, o Ministro das Comunicações, Fábio Faria, bem como a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Eles vão estar lá, Sr. Presidente, exatamente junto com a FPA, com Deputados e Senadores. O objetivo dessa visita é mostrar aplicações de tecnologia do 5G no agronegócio. A demonstração acontecerá na fazenda-modelo Instituto Mato-Grossense do Algodão (IMAmt), na cidade de Rondonópolis, em parceria com a fabricante da rede Nokia e também da operadora TIM, com drones com vídeos em 4k, tratores autônomos e hologramas. É a conectividade rural com potencial para ampliar ainda mais a produtividade no campo.
Todos sabem - não é, Sr. Presidente? - que hoje o Brasil tem uma tecnologia da produção agropecuária e agricultura com tecnologia de ponta. Nós estamos no centro do Brasil, longe dos portos. Portanto, a nossa logística é o grande desafio. Mesmo assim, conseguimos uma alta produção e uma alta produtividade, concorrendo com países como os Estados Unidos.
Por isso, a implantação do 5G é emergencial, é importantíssima para o País, principalmente neste momento da pandemia, não só para a produção de alimentos, mas também para as pesquisas que podem ser desenvolvidas, principalmente se a gente tiver toda essa implantação... Além disso, atende toda a população brasileira. Estar hoje em uma cidade - às vezes, isto ocorre em Mato Grosso - a mais de mil quilômetros da capital, sem ter conectividade... Isso significa praticamente deixar essas pessoas isoladas, sem exercerem o papel da cidadania.
Então, eu agradeço imensamente esta audiência. Eu cumprimento, mais uma vez, o Senador Carlos Fávaro. Tenho certeza de que esta audiência está sendo mais uma das tão importantes que esta Comissão está fazendo.
Um grande abraço, Presidente! Muito obrigado pela generosidade de me conceder o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Senador Wellington Fagundes. Mais uma vez, fico aqui lisonjeado com seu comparecimento, com sua preocupação.
Externo aqui meu abraço fraterno a Mato Grosso do Sul, a Mato Grosso, enfim, a todo o País e a todos aqueles que estão preocupados com a preservação ambiental e com a geração de emprego e renda.
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Eu queria indagar ao Senador Carlos Fávaro, se ele se encontrar na sala, se ele gostaria de fazer uso da palavra, de fazer alguma consideração sobre o que foi dito e alguma manifestação, enfim, quero oportunizar a ele ter qualquer esclarecimento ou fazer qualquer abordagem que ele sentir necessário fazer. E aí, desde já, mais uma vez, agradeço ao Senador Carlos Fávaro por estar aqui, gentilmente, como Relator desse projeto, por estar participando da Comissão, ele que é preocupado com o tema e sabe da sensibilidade do tema. Eu não tenho dúvida da preocupação dele com esse tema. Eu quero passar a palavra ao Senador Carlos Fávaro, externando, desde já, o meu fraternal abraço.
Um abraço, Senador Carlos Fávaro! Fique à vontade.
O SR. CARLOS FÁVARO (PSD - MT. Para discursar.) - Bom dia, colega Senador Fabiano Contarato! É um prazer vê-lo - muito obrigado pela oportunidade -, assim como todos os demais Senadores que já passaram por esta audiência pública, o Presidente da nossa Comissão, Senador Jaques Wagner, que precisou sair, e todos os outros, Plínio Valério; Rose de Freitas; Wellington Fagundes, meu colega mato-grossense; Nelsinho Trad, colega, amigo de bancada do meu partido, o PSD; Izalci Lucas e Jean Paul Prates, que também vi; e os demais que posso não ter visto durante a audiência.
Também quero cumprimentar o Ministro Herman Benjamin, pessoa magnífica, que eu tive a oportunidade de conhecer, talvez, há dez anos, num fórum aqui no meu Estado, num grande evento em que nós tratávamos do agronegócio com sustentabilidade, lá no Município de Sorriso. Depois ele voltou para discutir os sistemas produtivos aqui, com respeito ao meio ambiente. Nós tivemos oportunidade de ganhar conhecimentos ao debater com ele, aprendi muito também. Ao cumprimentar, então, o Ministro Herman Benjamin, que esteve nesta audiência pública, cumprimento todos os outros palestrantes e demais membros deste evento.
Sr. Presidente, eu queria, antes de mais nada, fazer um breve relato. Agradeço todas as participações, todas as sugestões e críticas ao projeto de lei, para que nós possamos fazer dele, sim, um projeto de lei que venha a trazer efetividade na regularização fundiária deste País. É muito importante nós deixarmos claros os posicionamentos. A democracia e o crescimento das políticas públicas, o amadurecimento das políticas públicas se faz através do debate franco, verdadeiro, leal, com olho no olho. Eu gostaria de, antes de mais nada, fazer aos colegas que participaram desta audiência pública um pequeno relato da minha história, para saberem da minha sensibilidade com esse assunto.
Eu cheguei aqui no Estado de Mato Grosso há quase 40 anos, ainda um jovem, menino, junto com os meus pais, em um assentamento de reforma agrária. Naquele momento, depois do entusiasmo de um recomeço na vida, na busca de prosperidade e de oportunidade, descobri muito rapidamente a ausência do Poder Público, a falta do Poder Público com políticas públicas que visam a dar dignidade às pessoas, e não só o título da terra, o principal de todos - acredito que essa é a alavanca, a carta de alforria para que você possa ter desenvolvimento social e econômico na sua vida -, mas também a falta de estrada, de posto de saúde, de escola. Vivi na pele isso, e isso me fez, com o passar dos anos, trabalhar políticas públicas, ser líder de classe, trabalhar para que nós pudéssemos fazer um lugar melhor para se viver aqui no Estado do Mato Grosso, e, graças a Deus, isso aconteceu. Esta cidade, onde cheguei num assentamento de reforma agrária, é hoje uma próspera cidade chamada Lucas do Rio Verde, polo da agroindústria, polo do desenvolvimento equilibrado, socialmente e ambientalmente correto do nosso Estado de Mato Grosso. Por isso, eu me sinto muito, muito, muito lisonjeado em ter sido designado para ser o Relator desta matéria.
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Eu não encontrei até agora ninguém que fosse contra a regularização fundiária; todo mundo, apesar de divergências quanto ao projeto de lei e a forma, encontrei todos a favor desse instrumento de desenvolvimento do nosso País, desenvolvimento social e com preservação ambiental.
Também, Sr. Presidente, é importante eu relatar aqui algo que é muito latente na minha vida pregressa e que talvez se confunda com a minha história de vida, que é a questão de comprometimento com a preservação ambiental deste País. Alguns acham, por eu ser produtor, ser pecuarista, que eu viso somente ao lucro, que não estamos preocupados, que eu não tenho, na minha essência, a preocupação com a questão ambiental, o que é um erro muito grande.
Eu digo que, neste País, nós poderíamos dizer que este País, que é rico na produção de alimentos, de fibras, de carnes, que ele tem grandes ativos que fazem essa grandeza e este País grande produtor de alimentos. Um deles poderia ser terras propícias, que são um grande ativo, sim. Gente vocacionada é um outro grande ativo. Máquinas e tecnologias de última geração são um grande ativo usado aqui no Estado, no Brasil, especialmente no Estado de Mato Grosso, para ser esse recordista em produção. Mas nenhum, nenhum desses grandes ativos se compara ao meio ambiente, o meio ambiente sustentável, equilibrado. Chuva é o que faz nós sermos grandes produtores de alimentos. Portanto, destruir o meio ambiente é destruir o maior ativo que nós temos para produzir alimento. De nada adiantaria os outros se nós estivéssemos num deserto. E, por isso, nós temos que ter a consciência e o compromisso com a preservação ambiental, para que ela seja um indutor do desenvolvimento. Não podemos também excluir uma coisa contra da outra, preservar o meio ambiente e não gerar o desenvolvimento. Também não considero que seja o ideal; tem de fazer as duas coisas caminharem juntas.
E, nesse aspecto, Sr. Presidente, o Projeto de Lei 510 visa, sim, com toda a certeza... E o Senador Irajá, com muita competência, com muita dedicação, procurou fazer um projeto inovador, moderno, que traga um aspecto muito maior de gente a ser ampliado na regularização fundiária. Quero dizer aqui que tenho dialogado muito com ele, com todos os outros colegas, participando de audiências públicas. Este assunto está, sim, sendo bem debatido. Como disseram os colegas: "Ah, mas há um projeto de lei na Câmara dos Deputados que já tem poucos meses a mais de tramitação, que estava bem debatido". Ótimo! Esse é o sistema bicameral do nosso Parlamento, que permite a ampliação ainda mais do debate e da convergência de ideias, para que nós possamos fazer o melhor texto.
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E, aí, eu só tenho uma crítica a fazer em todo o debate de hoje. Primeiro, eu não pactuo com imoralidade. O uso de termos como esse, dizer que o projeto é imoral, não contribui em nada para o projeto, não contribui em nada para a democracia. As pessoas que não conhecem minha índole, que não conhecem minha postura, a postura do Senador Irajá, não deveriam usar esse tipo de termo. Nós queremos fazer o melhor para o Brasil e para os brasileiros.
Eu não quero, Sr. Presidente, e não vou avançar, passar a mão na cabeça de grileiros de terras. Quanto à questão de mudança do marco temporal para a regularização fundiária, eu concordo que é um sinal ao mercado de que pode continuar invadindo, pode continuar grilando, e daqui a alguns anos vão mudar a lei de novo, e com isso vira um indutor do crime, um indutor do desmatamento. Por isso, eu já tenho um compromisso, uma convicção, de não mexer no marco legal que está vigente, mas precisamos estar atentos.
Não se trata só de um projeto de lei que trata para grandes, como estão dizendo. Eu tive a oportunidade, nesta relatoria, de conhecer casos muito graves, na região de Rurópolis, no Pará, parcelas de um módulo rural, pequenos produtores que, em 2008, data do marco legal atual, não estavam sobre a terra. Em 2010, tinham antropizado 5% do território da área de um módulo fiscal, 5%, tendo o direito, pela Constituição e pelo Código Florestal, de avançar até 20% sem cometer crime. Ele abriu 5%. É passível que ele faça a ocupação naqueles outros 15% do módulo fiscal, mas ele não pode ser regularizado, porque ele está depois do marco legal de 2008. Ele está em 2010. Eu posso comprovar isso com imagens.
É esse o aspecto que o Projeto de Lei 510 está dando na mudança do marco temporal, e já em um debate em uma outra audiência pública como esta, com o Senador Jean Prates, nós já combinamos, entramos em um entendimento, então que se trate a exceção como exceção. Não precisa mudar o marco temporal, mas que abranja esses pequenos, muito pequenos produtores, com direito à regularização fundiária, caso tenha ocorrido a sua entrada na terra depois de 2008. É a exceção ser tratada como exceção.
Outro assunto muito relevante de dizer: a regularização fundiária é um ativo a favor do meio ambiente, porque, ao identificar o proprietário, ele não vai conseguir produzir se não fizer o seu Cadastro Ambiental Rural. E, ao fazer o seu Cadastro Ambiental Rural, nós vamos poder detectar se ele tem passivo ambiental e, ao ter passivo ambiental, só há uma coisa a fazer: regularizar, recompor a floresta, recompor os crismes ambientais. Senão, ele fica embargado, não consegue produzir, nem captar recursos, financiamentos, custeios, e muito menos vender a sua produção. Ao regularizar, nós estamos fazendo um grande serviço ao meio ambiente também, Sr. Presidente.
E, por último, quero dizer com relação à ideia mal aventada de dizer que nós seremos favoráveis a grandes grileiros de terras. Já está no meu conceito, preparando para apresentar no relatório, que o projeto atenderá tão somente a pequenos e médios produtores deste País. Pequenos e médios produtores. Esse será o conceito que estará no texto, que quero apresentar como relatório para apreciação dos colegas Senadores.
No mais, tenho gratidão pelas contribuições, pelas relevantes oportunidades de aprender mais sobre o assunto. Vamos continuar debatendo.
Nos próximos dois ou três dias, teremos uma reunião com o autor do projeto na Câmara dos Deputados, também com o atual Relator, para que, juntos, consigamos aprimorar ainda mais o texto, apresentá-lo aos colegas Parlamentares das duas Casas e, enfim, muito em breve, colocá-lo na pauta do Congresso Nacional, Senado e Câmara, e, aí, teremos um instrumento de melhora das condições da regularização fundiária neste País, para o bem dos brasileiros e para o bem do meio ambiente.
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Muito obrigado, Sr. Presidente, pela oportunidade de estar falando e ouvindo tudo o que ouvimos hoje em relação a este projeto.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Senador Carlos Fávaro, mais uma vez, pelos seus esclarecimentos.
Por questão de tempo, passo imediatamente a palavra ao Senador Jean Paul Prates, caso queira fazer uso da palavra, para mais uma vez contribuir e prestigiar esta tão valorosa Comissão de Meio Ambiente do Senado.
O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Presidente Contarato. Mais uma vez é um prazer vê-lo aqui conduzindo audiência, lembrando que tivemos em 2019 uma atividade bastante intensa na CMA.
Agradeço também ao Senador Jaques Wagner pela oportunidade, a todos, e ao Relator Carlos Fávaro, por estar aqui nos ouvindo. Aliás, acho que este é um agradecimento que todos devemos, todos que estamos aqui, os que palestraram, os que falaram também, que tivemos a oportunidade de sermos ouvidos pelo Relator. Acho que esse é o espírito deste tipo de audiência pública.
Este é um projeto, pessoal - para quem ainda está nos ouvindo a esta altura -, cuja existência e este discutir todo derivam, reputo, um pouco da confusão a que o próprio Plenário remoto e todo esse funcionamento nosso acabaram nos obrigando. Vocês vejam que temos um projeto um pouco conflitante ou até concomitante com outro, temos tido várias iniciativas, não só nessa área como em várias outras áreas que aparecem no nosso radar aqui do Colégio de Líderes para colocar em pauta. Quando você vai ver, acha outro projeto, e outro, e outro...
A questão da dinâmica do remoto também tem provocado um pouco esse overlapping, essa superposição de projetos às vezes, o que significa um desafio enorme, Carlos, para o trabalho do Relator. É que a intenção do autor às vezes é justamente cobrir uma demanda que surgiu inicialmente, que não existia, ou acelerar um ponto de um projeto mais complexo, como talvez tenha sido o caso da intenção do Senador Irajá ao propor este projeto. O fato é que, quando ele foi divulgado inicialmente, ele realmente passou a impressão que alguns que aqui palestraram mencionaram: parece que foi para beneficiar quem ultrapassou o marco temporal; parece que foi para quem já foi beneficiado por legalizações e quer ser de novo - quer dizer, criaria uma certa indústria, um mercado disso aí -; parece que ele é destinado apenas a grandes áreas, uma vez que as pequenas áreas já estariam cobertas e o Incra só não está fazendo porque não tem recursos suficientes ou não conseguiu chegar a esse contingente todo; parece que é feito para quem cometeu infrações ambientais etc.
Então, cabe ao Relator - e foi o que disse ao Carlos na última vez em que nós nos reunimos - tirar-lhe o rótulo, fazer o grande papel de retirar-lhe o rótulo que não foi o Senador Irajá que lhe impingiu. Apenas, talvez, no desejo de resolver problemas muito pontuais, muito específicos, tenha passado essa impressão e colocado na mesa um projeto que acabou sendo apelidado de PL da Grilagem. Então, ao Relator cabe retirar esse rótulo, o que é um grande desafio para o Senador Fávaro, mas ele vai conseguir, porque é o Relator mais apropriado, a pessoa que veio exatamente da situação que se quer ajudar e hoje vive uma situação que se quer desenvolver, que é o negócio, o desenvolvimento agrícola organizado e sustentável dessas áreas. Então, você é o próprio fruto desse processo. Não há nada mais adequado do que uma pessoa que conhece todos os lados da situação, conhece a Amazônia Legal, enfim, e está nessa difícil missão de retirar o apelido extremamente assustador que esse projeto acabou gerando.
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Eu queria apenas lembrar... Pedi a palavra apenas para isso, não só para saudar a todos que estão nos ajudando a fazer esse projeto, eu achei muito rico que o Marcelo, o Richard, a Eliane, o Júlio, o Raul, enfim, todos, o Ministro, que estão nos ajudando a fazer a legislação. Isso é importante, mesmo em tempo de pandemia, mesmo com a questão remota. Eu diria que até é mais fácil hoje, com a questão remota, porque a gente tem oportunidade de ouvir muita gente que às vezes não conseguia viajar para Brasília, os especialistas estrangeiros a gente está conseguindo ouvir agora remotamente, então, mal ou bem, a gente está conseguindo evoluir.
No caso, acho que foi a Eliane que falou, e eu quero reforçar esse ponto com o Relator, porque nós falamos dele também... A questão da definição de infração ambiental me preocupa muito. Eu queria que a gente revisasse isso lá, porque a gente já tinha acertado esse acordo. É muito perigoso quando a gente redefine coisas que estão numa lei específica. Existe uma lei de infração ambiental bem específica para todo o Brasil, ela trata em detalhes o que acontece, o que é infração ambiental, para onde vai etc. Quando a gente muda um conceito para apenas um setor, abre um precedente para vários outros setores começarem a fazer a mesma coisa. É aquele exemplo que eu dei: infração ambiental para fins de mineração agora é outra coisa; para fins de colonização e reforma agrária, etc., é tal... Então, você começa a ter vários tipos de infração ambiental e não é saudável para ninguém.
Eu quis só enfatizar isso para que a gente, como é Comissão de Meio Ambiente, justamente o conceito mais perigoso de mudar que essa lei fazia era mudar o conceito de infração ambiental. Não pode fazer isso de jeito nenhum. A questão de o processo ir até o fim, é óbvio que qualquer processo tem que ir até o fim para fazer os seus efeitos, mas poderia ser utilizado para entender o seguinte: só vai ser considerado desmatamento a partir do momento em que o cara foi julgado até a última instância, digamos assim. E isso não é o caso, não é o que a lei ambiental quer. Então, esse conceito é importante.
No mais, eu acho que o Relator ouviu e acolheu muitas das nossas sugestões, a maior parte delas conciliatoriamente. Essa questão da exceção para os casos, como Rurópolis, esses casos, eu acho que a gente vai ter que redigir bem. Não vi a redação final ainda, mas a intenção é excepcionalizar e não criar isso como regra. Então, isso é muito bom, muito saudável, e vamos manter um marco temporal, vamos manter uma metragem ou hectaragem, como se chama, uma área mínima razoável, para não falar que a gente está ajudando só os grandes, enfim, toda essa rotulação que foi feita o Carlos vai saber fazer, nosso querido Senador Carlos Fávaro vai conseguir fazer e tirar o apelido do projeto de lei, para que ele tramite tranquilamente.
E vai se juntar com outro projeto, eventualmente, na Câmara. Nós temos vários casos desse. Eu mesmo sou autor do projeto de energia eólica offshore e tem outro lá na Câmara, e a gente está correndo aqui para ver se chega lá e junta, apensa e faz um trabalho de revisão, traz de volta para o Senado e finaliza o processo. Acho que esse é o trabalho bicameral, como foi dito também.
Muito obrigado a todos. Parabéns a vocês todos e a nós pelo trabalho coletivo que é esse projeto, cujo Relator, Carlos Fávaro, vai nos brindar, ao final, com uma solução de consenso.
Um abraço.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Senador Jean Paul.
Eu não quero me alongar, porque quero imediatamente, após a minha fala, passar para os expositores fazerem os agradecimentos e suas considerações, dentro daquilo que já foi questionado a cada um dos senhores. Mas, como diria Platão, a sabedoria está na repetição e nunca é demais reforçar os pontos que me preocupam, particularmente, como Senador.
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Eu já ouvi, por exemplo, durante tudo o que foi dito aqui e até mesmo na tramitação deste PL, frases do tipo: "Esta proposta corrige uma injustiça histórica com mais de 300 mil famílias de pequenos produtores rurais que aguardam há décadas esse título, por 20, 30, 40, 50 anos.". Olha, isso não é verdade, porque ele modifica uma data-limite para regularizar a invasão de terras públicas. Pelo novo texto, quem ocupou e desmatou até 2014, pode se regularizar; isso está no art. 38, §1º, inciso I - então, ele vai obter o título de propriedade. Pela lei atual, isso não seria possível. Então, se o objetivo é resolver o problema de quem está há 30 anos, como se justifica a alteração desse marco temporal? Então, eu acho que, quanto a isso, o Relator já está sensível a esse tema.
Outro ponto que se suscitou aqui é que foi dito que nós não vamos abrir oportunidades para latifundiários, mas nós vamos, sim, dar oportunidade de regularização efetiva mais rápida, mais justa, a pequenos e médios produtores. Olhem, o projeto dispensa de vistoria presencial o processo de titulação de médios e grandes ocupantes, permitindo a utilização exclusiva de sensoriamento remoto para comprovar a ocupação de áreas imensas, de até 2,5 mil hectares; isso está lá no art. 13, inciso IV. Então, é um ponto sensível, e nós temos que ver isso. A legislação atual já dispensa a vistoria em 93% dos casos, que são justamente os pequenos produtores, o que está no art. 13. Então, nós vamos alterar a legislação para beneficiar um percentual mínimo? Não! A legislação tem que ser feita para atender a uma maioria, e não é esse o objetivo deste PL. Com toda humildade, é essa a consideração que eu faço, e faço questão de reafirmar.
Outra frase que foi muito dita ou no Plenário ou por Senadores é que "não encontrei, nesse projeto, uma única frase que precarize ou que ataque o meio ambiente.". Ao anistiar invasão de terras públicas feita após 2011 - isso está lá no art. 38, §1º, inciso I -, esse projeto vai premiar quem atuou contra a lei, algo que já está ocorrendo desde 2017. Então, esse projeto é um conflito, ele está mandando essa mensagem para a população: se você desmatar, não se preocupe, nós vamos regularizar.
Então, são esses pontos sobre os quais eu só queria falar aqui. Tomei a liberdade de falar mais uma vez, porque eu já sei que sobre eles já se debateu, mas para trazer também a minha preocupação com relação a esse PL, que acho sensível, acho problemático, acho que tem pontos sobre os quais nós temos que nos debruçar. E temos que ter a sensibilidade ambiental, a seriedade, a responsabilidade com a comunidade internacional e com a garantia constitucional expressa no art. 225, que diz que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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Bom, muito obrigado a todos. E quero agora passar a palavra para os convidados, para fazerem suas considerações e responderem os questionamentos que lhes forem feitos.
Algum expositor que queira já se manifestar? Eu concedo a palavra. O Júlio José, não é isso? Com a palavra, Júlio, por favor.
O SR. JÚLIO JOSÉ ARAÚJO JÚNIOR (Para expor.) - Isso, isso. Muito obrigado, Senador. Dado o adiantado da hora, eu tenho um outro compromisso, eu gostaria então de só fazer rápidas considerações.
Primeiramente, agradecer mais uma vez em nome do Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena, pelo convite; coloco a PFDC à disposição desse debate. Quero dizer que é importante que a gente discuta e que a gente leve em consideração toda essa gama de argumentos e de pontos de vista que foram trazidos aqui e que têm sido um problema neste debate.
Este debate, no ano passado, nós vimos como isso foi complicado ao ter tido início a partir de uma medida provisória, que produziu efeitos. E aí, nós começamos a fazer essa discussão num contexto em que havia a medida provisória, e ela poderia ser convertida em lei, e aí, por falta de acordo, por várias questões, no meio da pandemia, houve o seu decurso de prazo.
E, desde então, tem um pouco essa questão aparecendo, os projetos de lei que surgem, que são trazidos. E nesse ponto eu acho importante, não vou conseguir responder especificamente as questões, mas me coloco à disposição para oportunamente fazê-lo. Eu acho que é muito importante a gente não perder de vista essa dimensão macro e constitucional desse debate sobre a ordenação territorial das terras públicas.
Há a necessidade de que a gente pense a política de regularização fundiária dentro de um espectro bem específico, que não comporta esse tipo de abertura para futuras chancelas e novas mudanças de legislação, seja por conta do marco temporal, seja por conta dos sinais que, muitas vezes, a lei pode oferecer em relação a formas de abertura, de ocupação, de permanência e garantia de ocupação em determinados lugares ou mesmo de formas de atuação de fiscalização que não sejam suficientes, que indiquem e não deem conta desse problema e façam com que esse cenário se perpetue.
E outra forma importante, outro aspecto fundamental é a gente pensar num contexto em que as instituições, muitas vezes, sofrem erosão, que elas passam por um processo de desestruturação, o que atinge, muitas vezes, as próprias políticas. E que a gente pense, desde já - e sugiro isso, tomo a liberdade de sugerir essa discussão -, a questão ambiental, a questão socioambiental, a destinação dos territórios, das terras públicas para políticas de reforma agrária, para políticas de demarcação de territórios estejam extremamente atreladas a esse debate. É fundamental, é imprescindível que essa questão seja vista dessa forma.
E essa é a contribuição que o Ministério Público Federal, por meio PFDC, gostaria de fazer. Agradecendo mais uma vez, desejando a todos uma boa tarde e uma boa semana.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Júlio. E, mais uma vez, eu quero aqui publicamente agradecer sempre a atuação do Ministério Público Federal.
Eu lembro que todas vezes em que eu fiz uma vistoria... Por exemplo, eu estive visitando os guaranis kaiowás em Mato Grosso do Sul, eu fui em Foz do Iguaçu, e a atuação do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União foi a de instituições que eu reputo assim de extrema importância dentro do fortalecimento do Estado democrático de direito. E eu quero aqui transmitir o meu agradecimento e a minha admiração ao Ministério Público Federal. Mais uma vez, obrigado por sua participação.
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Nesse contexto, eu passo imediatamente, de forma objetiva, devido ao adiantado da hora, a palavra para a expositora Eliane.
A SRA. ELIANE CRISTINA PINTO MOREIRA (Para expor.) - Boa tarde já a todos e a todas.
Eu queria só passar por alguns pontos que eu acho que são necessários responder. Perdoe-me, Senador Fabiano Contarato, talvez pela repetição de alguns pontos, mas, como foram questionados a nós, eu acho que é importante ressaltá-los.
Esse projeto de lei beneficia essas pessoas atraídas, há trinta anos, para Amazônia, que foram levadas a ocupar a Amazônia naquele contexto, década de 60, década de 70? Não! Essas pessoas, o tema dessas pessoas já foi tratado pela legislação vigente hoje acerca de regularização fundiária. Esse projeto de lei efetivamente só se volta aos que, após a vigência do marco legal, deram continuidade. Então, ele não vai corrigir distorções, ele não vai incidir sobre, efetivamente, justiça social. Esse é um ponto que eu acho fundamental que a gente trate. Por isso, eu respondo ao Senador Izalci, que nos perguntou se é realmente necessário: eu realmente, com todo o respeito e sem querer aqui me fazer mal compreendida, gostaria de ressaltar que não há necessidade. Nós temos hoje uma normativa que dá conta dessas demandas que existem.
Qual é o grande problema? Eu acho que é a esse equívoco que todos nós somos levados na realidade. Eu fui, durante oito anos, Promotora Agrária no Estado do Pará. Eu tive sob a minha atribuição 51% dos Municípios do Pará. Eu realmente conheço mais, talvez, do que eu gostaria de conhecer dessa realidade fundiária daqui, do Estado. E eu posso lhes afirmar: a grande questão é que existe, sim, como já mencionado aqui, uma falha de atuação dos órgãos públicos fundiários, o que nos leva a acreditar que existe uma demanda por alteração de lei. Não; a demanda é de uma boa gestão. Quando eu digo uma falha de atuação dos órgãos fundiários, eu não estou apontando o Governo A, B ou C. O que eu estou apontando é: os órgãos fundiários precisam ser bem estruturados e adequadamente estruturados para a demanda hoje existente. Não há norma que, ampliando tolerâncias, vá fazer com que eles atuem melhor se eles não têm orçamento, se eles não têm servidores. Eu, ao longo desses anos, vi diversos dos melhores servidores do Incra se aposentarem - e sem uma substituição adequada desse quadro. Então, a resposta ao problema tratado não está nessa ampliação de tolerância, por isso esse projeto de lei não responde à demanda que V. Exas., com justiça, percebem que existe no campo, do ponto de vista concreto.
Só mais um último ponto que eu gostaria de ressaltar, referente ao Relator: eu também compreendo, também tive a oportunidade de ver diversos produtores e produtoras rurais que têm um compromisso real com a questão ambiental. Não existe mais... Acho que que o quadro, a cara desse setor mudou bastante. E a gente ultrapassa já esse debate de confronto entre a questão agrária e a questão ambiental, porque ela está definitivamente unida para quem quer sobreviver nesse mercado, vamos dizer assim.
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Mas o que eu gostaria de ressaltar é: muito provavelmente, esse projeto de lei não vai atender essas pessoas, esse grupo de trabalhadores e trabalhadoras, os quais o Relator citou, preocupado, justamente preocupado com a situação deles, de que eles tenham um devido tratamento.
E digo-lhes mais: esse projeto de lei atinge 1%, beneficia 1%. Ele atua, como bem disse o Richard, beneficiando 1%, mas por outro lado, impactando 99% da questão ambiental da Amazônia e do Brasil, não é? Então ele atende a 1%, do ponto de vista fundiário, mas impacta 99%, do ponto de vista ambiental. É tão reduzido o número de beneficiários, que talvez, se V. Exas. solicitarem aos técnicos, como o Dr. Rajão, como técnicos do Inpe, que identifiquem nominalmente quem são, talvez vocês consigam identificar até, na realidade, grandes produtores que já são proprietários de áreas, empresas. Muito provavelmente, esse manto de proteção não vai recair sobre esses pequenos agricultores.
E quero ressaltar ainda só uma última coisa: a lei vigente já prevê alternativas na impossibilidade de privatização do imóvel, que é a concessão de direito real de uso. Ela tem condições de ser utilizada? Sim, mas ela tem critérios para ser utilizada. Então, só quero ressaltar, só estou citando um exemplo. Não é que a concessão de direito real de uso vai resolver todas as situações, vai acomodar todas as situações. Eu só quero dizer que o caminho desse procedimento de regularização fundiária é muito voltado a um público específico.
Já estou encerrando, perdão.
A um público específico. Mas existem outras modalidades. E, muito provavelmente, é possível atingir, de uma forma mais eficaz, essas demandas que ainda socialmente persistem com as normativas existentes.
Então são esses pontos que eu gostaria de ressaltar, agradecendo muitíssimo a todos e todas, na pessoa do Senador Contarato, que aqui nos coordena nesta Mesa. Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Eliane. Transmito meus agradecimentos ao Ministério Público Estadual, à UFPA.
E neste momento, eu passo imediatamente a palavra ao Marcello Brito.
O SR. MARCELLO BRITO (Para expor.) - Senador Contarato, em sua pessoa, eu agradeço ao Senado pelo convite.
Fechando da forma que eu abri, em cima das oportunidades que temos aqui. No ano passado, conversando com um Senador, eu falei, eu fiz um comentário com ele, falei: "Por que é que o senhor insiste em levar essa lei adiante, se a entidade tal, aquela parte do Executivo não tem a menor estrutura para colocar essa proposta em ação?". E, na época, ele me respondeu que "cada macaco no seu galho"; a função dele era fazer a lei, e a do Executivo, de cumpri-la.
Eu concordo que a independência dos Poderes é constitucional, mas a interdependência dos Poderes é o que faz o funcionamento da Nação. E como já dizia Einstein, a gente tentar resultados diferentes fazendo a mesma coisa é insanidade. E nós estamos caminhando, num espaço de onze anos, para a terceira lei ambiental, esperando resultados diferentes, não é? Não deu certo nas duas anteriores, porque infelizmente o Incra, que é o órgão responsável por isso, não está preparado adequadamente para isso.
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A quem nunca teve oportunidade de entrar numa unidade do Incra na Amazônia brasileira eu sugiro que o faça e veja como esses bravos funcionários públicos estão trabalhando e que estrutura eles têm lá dentro.
Nós estamos no momento ideal, o momento em que o mundo quer investir na Amazônia, quer participar. Nós temos dinheiro para colocar na Amazônia, nós temos dinheiro para incluir a pequena propriedade da Amazônia através de um novo agro moderno, em LPF, em sistemas agroflorestais, com pagamento de serviço ambiental, com projetos de carbono. O momento é ideal para que a gente faça a inclusão social na Amazônia. Então, eu espero que a gente não gaste muito tempo para fazer o que nós já temos condição de fazer neste momento, brindando centenas de milhares de pequenos produtores na Região Amazônica.
Muito obrigado e nos colocamos à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Marcelo, que é Copresidente da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. É sempre muito bom ouvi-los.
Desde quando eu fui Presidente da Comissão de Meio Ambiente, eu quero aqui externar a minha gratidão pelo comprometimento que vocês têm, pela responsabilidade, por esse olhar humanizador, por essa empatia. E é isto mesmo: você ter a sensibilidade de se colocar na dor do outro, de estar lá. E aqui eu quero externar também os meus agradecimentos a todos os servidores do Incra, que, em situações assim deploráveis, estão tentando desempenhar sua função diante de um momento tão delicado pelo qual nós passamos.
Passo a palavra ao meu querido Raul Valle para suas considerações de forma objetiva e clara, tendo em vista o adiantado da hora.
O SR. RAUL SILVA TELLES DO VALLE (Para expor.) - Obrigado, Senador Contarato.
Eu queria agradecer a participação aqui e o debate, que foi muito rico.
Eu queria só reforçar essa última mensagem do Marcelo Brito de que, se nós queremos, de fato, resolver a regularização fundiária no País, na Amazônia - e nós queremos -, é necessário fortalecer o Incra, é necessário dar condições físicas, materiais, financeiras. O Incra está com um orçamento baixíssimo, que tem caído nos últimos anos. Então, nós precisamos ter condições de fazer isso, o que é a parte mais difícil. No Brasil, nós temos a terrível mania de tentar resolver problemas com lei, e não resolvemos os problemas com lei. Nós temos que resolver os problemas com a prática, e infelizmente eu entendo, assim como os outros palestrantes aqui, que essa lei não vai resolver esse problema da forma como ela está.
O Senador Izalci fez uma pergunta sobre o que pode ser aprimorado e se essa lei, se aprovada, pode afetar os compromissos que o Governo brasileiro assumiu na Cúpula do Clima, ocorrida agora no mês passado e convocada pelo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. E a resposta, Senador Izalci, é que sim, pode comprometer. Veja bem, atualmente, 40%, mais ou menos, do desmatamento na Amazônia é em função de grilagem, ou seja, em função de alguém que está invadindo a terra e a desmatando para dizer que é sua, mesmo sem necessidade, como aqui já foi falado. Esse processo especulativo, que é o processo da grilagem, que tem como objetivo lucrar com a venda da terra é que vem sendo o motor do desmatamento na Amazônia.
Se essa lei for aprovada do jeito que está, esse processo não vai parar; pelo contrário, ele vai continuar, ele vai aumentar, porque aqui o próprio Relator foi muito claro em dizer que vai passar a mensagem errada para a sociedade de que isso é fato consumado, de que a lei vem te abrigar e vem aqui passar a mão na cabeça de quem está errado, misturando os bons e os maus produtores. Então, não tenho nenhuma dúvida de que esse processo, se aprovada essa lei do jeito que está, vai, sim, vai aumentar o desmatamento. A gente não chega a 2025 com as metas que nós queríamos de acabar com o desmatamento ilegal, zero em 2030, e a gente não vai chegar à neutralidade até 2050.
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Eu queria aqui, só para finalizar, dizer que, ouvindo atentamente o Senador Carlos Fávaro, concordo integralmente com os pressupostos da fala dele de que a chuva, o meio ambiente, são os principais ativos, sendo que os outros todos são fundamentais. A gente tem que ter tecnologia, a gente tem que ter produtor com vontade de produzir, a gente tem que ter outras condições para que se possa ter a produção que nós temos hoje. O Brasil é, sim, destaque mundial do agronegócio. Isso se deve a tudo isso, incluindo a chuva.
Senador Carlos Fávaro, essa lei, junto com algumas outras que hoje estão no Parlamento e que induzem a mais desmatamento, vai ser o que vai quebrar esse ciclo virtuoso que nós temos hoje. A sua cidade, Lucas do Rio Verde, já está sendo afetada por isso. Pode não se perceber muito, porque está começando a acontecer, mas isso vai aumentar. Todas as pesquisas indicam isto: se a gente não parar esse ciclo, agora, sim, vicioso de desmatamento especulativo na Amazônia, sendo que nós não temos necessidade como País, nós estaremos, sim, afetando a produção econômica hoje. E a sua história, de alguém que conseguiu se criar, vindo da reforma agrária, e pôde ser um grande produtor numa região que hoje tem bonança econômica, pode não se repetir nas próximas gerações. Então, é isso o que nós estamos trabalhando neste momento.
Gostaria, aqui, de reforçar o pedido de vários de que revisemos esse projeto. Esse projeto, do jeito que está, é um projeto que não interessa ao País, que não interessa à agricultura do País, não interessa aos pequenos, aos médios nem aos grandes produtores do País. Nós estamos misturando alhos com bugalhos e isso não nos interessa. Façamos uma lei que possa, sim, separar o joio do trigo, que possa, sim, penalizar quem está entrando em área nova.
Então, o caso desse pequeno produtor que o senhor citou que entrou depois que o marco atual, que o marco temporal, permite... Por que isso está acontecendo? Porque hoje é muito mais barato e muito mais simples entrar em terra nova, invadir floresta, desmatar área nova. Não é isso o que nós queremos. Senador Carlos Fávaro, o que nós queremos é induzir a melhor ocupação das áreas que já estão abertas. A gente precisa de política pública para isso, precisa de recursos para isso, a gente já tem tecnologia para isso.
A gente precisa de legislação para isso. A nossa legislação tem que ser intransigente com novos desmatamentos especulativos e tem que ser muito favorável a quem quiser ocupar a terra já aberta. E por que esse pequeno produtor está entrando na floresta e não está entrando numa área de tantas pastagens degradadas, com tanta área já aberta que nós temos neste País?
Então, esse é o recado que deixo aqui. Eu tenho certeza de que a gente comunga, Senador Carlos Fávaro, dos mesmos princípios. Nós temos aqui, o que o senhor explicitou... São os mesmos princípios que eu tenho, que grande parte do movimento socioambiental brasileiro tem. O que a gente precisa é conseguir resolver agora as consequências desse projeto.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Raul.
Imediatamente passo a palavra para o colega Richard Martins.
O SR. RICHARD MARTINS TORSIANO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Contarato. Quero agradecer o convite e reforçar o que foi colocado por todos os colegas pesquisadores, aqui.
Quero aproveitar o momento e prestar uma homenagem aos servidores do Incra que estão aí há muitos anos e, em que pesem as dificuldades, fizeram e desenvolveram o que o Incra tem disponível para operar a regularização fundiária. Faço aqui um destaque especialmente ao sistema. Numa das discussões, em que observei a fala do Presidente Geraldo, ele dizia que recebeu uma herança complicada de sistemas precários. Enfim, sim, porque houve uma descontinuidade enorme, especialmente de 2016 a 2020, na aplicação de recursos, especialmente para a melhora e manutenção das plataformas desses sistemas, inclusive da força de trabalho e do orçamento do Incra.
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Mas é importante registrar que o Incra recebeu os dois principais prêmios de inovação na gestão pública com o desenvolvimento do Sigef. Essa é a herança que vem para a gestão do Incra e isso é o que está possibilitando, inclusive, o Presidente do Incra estar estimulando essa integração de base de dados e o desenvolvimento de novas plataformas.
Indo para a questão colaborativa, Senador Contarato, primeiro, quero reforçar de novo: eu li, reli, analisei, conversei com várias pessoas sobre o projeto e não consegui identificar até o momento qual, de fato, é o instrumento que esse projeto traz que inova, que apresenta, de fato, que é possível fazer uma regularização fundiária diferente do que está sendo previsto na Lei 11.952, além daquilo que é problemático.
Ela traz dois elementos que são negativos, que é alteração do marco temporal e a dispensa de vistoria para imóveis superiores a quatro módulos fiscais. Além desses dois instrumentos, não há, eu não consigo enxergar na lei, lendo-a e relendo-a, a outra parte do discurso, de que essa lei, de fato, vai fazer avançar a regularização fundiária. Não vi, para além dos elementos que, inclusive, estão no Decreto 10.592, de 2020, que já indicam como fazer esse processo.
No debate com o Senador Irajá Abreu, com quem sempre tive... Fiz questão de discutir esses temas lá atrás e agora, recentemente, nós fizemos uma discussão sobre esse projeto de lei, e ele usou uma afirmação interessante. Ele disse o seguinte: se, em uma sala de aula, há 40 alunos e 39 estão indo mal, é porque o professor é o problema, e não os alunos, ou seja, o problema está na lei. Eu digo que não é isso, primeiro, porque essa não é uma comparação possível; segundo, que não é a lei. Está claro para todo mundo aqui que não é a lei, e nós temos uma demonstração clara disso, Senador.
Anos atrás, o Senador Sarney e o nosso Senador Romero Jucá, os dois Senadores, um do Amapá e outro de Roraima, construíram uma argumentação e pressionaram muito o Governo para transferir as terras públicas federais para os Governos do Estados de Roraima e do Amapá. Depois, pressionaram, e o discurso era de que essa transferência resolveria o problema fundiário nos dois Estados. Nós apontávamos, já naquela época, que a lei, por si, não resolveria o problema. Havia uma série de outros elementos que precisavam ser considerados, e mão na massa, trabalho dos órgãos fundiários, reforçar os órgãos fundiários para respeitar os requisitos para a regularização.
Qual o resultado hoje? Além de inquéritos policiais que envolvem, infelizmente, essa questão fundiária nos dois Estados, não há resultado, e a situação da regularização fundiária não foi resolvida. Então, a lei, por si, e a alteração da lei não resolvem isso.
Ainda na linha colaborativa, nós precisamos, rapidamente, desenvolver e, se possível, para a melhora do projeto de lei do Senador Irajá, incorporar a necessidade de desenvolvimento de uma plataforma para identificação e monitoramento dos conflitos fundiários pelo Estado, com participação do Ministério Público. Enfim, que seja dinâmico. E que seja, obviamente, construída, junto com isso, uma plataforma de gestão territorial das terras públicas. Plataforma não é tecnologia - não estou falando de sistema -, mas uma plataforma que seja um sistema de administração de terras que envolva ambientes de participação, ambientes de gestão e que, naturalmente, seja transparente e participativa, sobre, especialmente, além das áreas que vão ser regularizadas, aquelas ainda remanescentes.
O que fazer? Nós não podemos, daqui a dois ou três anos, estar discutindo o restante da área que não está ocupada porque foi ocupada novamente! O que, efetivamente, nós temos de proposta para destinação dessas terras ainda remanescentes na Amazônia? Precisamos construir aqui, através desse projeto - é uma oportunidade - uma plataforma de gestão. E estamos à disposição, Senador, para contribuir nesta construção.
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Ao mesmo tempo, para ir encerrando, o projeto pode... Se está prevendo esta regularização fundiária dos agricultores individuais, que traga a necessidade de priorizar a regularização das comunidades tradicionais através de métodos, também, que sejam céleres, porque nós precisamos tirar essas comunidades da invisibilidade no País. Já existe uma tecnologia que se chama Tô no Mapa, desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. E o Ministério Público Federal, agora, com recurso do Governo alemão, está atuando na plataforma de comunidades tradicionais do Ministério Público Federal.
Então, colocar isso no projeto de lei, que se aplique essa ferramenta e que, pelo método combinado de automapeamento, sensoriamento remoto e vistoria, se possibilite a regularização, também, dessas comunidades de forma mais rápida.
Queria dizer que, para fortalecimento do Incra, o Fundo Amazônia prevê recursos para a regularização fundiária para órgãos públicos. Do que precisamos é adequar e fazer rodar o Fundo Amazônia, que está paralisado há muito tempo, e isso é possível para fortalecer essa força de trabalho.
E, para encerrar, de fato, sobre o risco do precedente, Senador, nós não podemos correr esse risco. Não é pelo imóvel que tem um hectare, dez hectares, mas é o risco do precedente da mudança do marco temporal, como eu coloquei antes. É possível abrir um precedente aqui, por exemplo, para mudar o marco temporal com a regularização urbana, com base nesses mesmos argumentos? Se isso passa, é possível, mas nós vamos fomentar a ocupação desordenada de milhares de hectares de terras urbanas no País com esse tipo de mudança, além da dispensa...
Concluo, Senador, com essas sugestões aí de possíveis melhoras no projeto de lei.
Obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Desculpe, pela forma indelicada, mas tenho que interromper...
O SR. RICHARD MARTINS TORSIANO - Claro, claro.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - ... mas nós já temos três horas de audiência pública, eu tenho outros compromissos também e quero aqui oportunizar à colega Juliana Batista fazer as suas considerações e sua intervenção.
Desde já, na pessoa dela, prestigiando todas as mulheres, quero agradecer pelo comparecimento de todos vocês, agradecer pela participação de todos aqueles que deram as suas contribuições. Foram quase 300 participações no Portal e-Cidadania, mas, infelizmente, não há como ler aqui as intervenções. Nós temos que buscar desses profissionais, dos Senadores, de todos aqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos nessa temática.
Quero, também, de antes de encerrar, agradecer à Comissão de Meio Ambiente, o que faço na pessoa do Secretário Airton e toda a equipe, porque, sem eles, nada disso seria possível de ser efetivado. Saibam, essa equipe da Comissão de Meio Ambiente, que tenho muito orgulho de vocês. E podem contar comigo como um humilde conselheiro, humilde membro dessa Comissão de Meio Ambiente do Senado.
Quero passar a palavra, imediatamente, para a Juliana, para, logo em seguida, declarar encerrada esta reunião sobre um tema tão importante e tão profundo.
Fico muito triste, porque eu também sou professor de Direito há 22 anos e é ruim quando você limita o raciocínio lógico de uma pessoa para falar, num tema tão delicado, que tem muitas nuances, que mexe com o caráter interdisciplinar, com interfaces num assunto de forma objetiva.
Daí a importância de se retirar esse projeto, para que as audiências fossem feitas, às vezes, com menor número de participantes, mas que o estivessem esmiuçando, e que o período da tarde, como eu sempre fazia, fosse um momento de debate só com os participantes, para dali sair, de uma forma efetiva, o resultado daquela audiência pública.
Então, quero aqui agradecer e pedir perdão por ter que interromper quando vocês estão falando, porque não é do meu agrado. Por mim, eu ouviria vocês o dia todo, porque é um assunto que me motiva, me fascina, me impulsiona.
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Eu acho que, quando a gente se deixa contaminar e entende que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não é só uma garantia constitucional expressa no art. 225, mas um direito humano essencial dentro daquela hierarquização, daquelas gerações de direitos criadas pelo jurista tcheco Karel Vasak, inspirado nos princípios da Revolução Francesa, eu não tenho dúvida de que defender o meio ambiente é defender toda e qualquer forma de vida que ainda está por vir.
Com a palavra a Juliana Batista - e muito obrigado a todos vocês.
A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Eu gostaria de finalizar e encerrar a audiência pública pedindo a sensibilidade de todos os Senadores para os usos coletivos que são dados às terras indígenas na Amazônia, pedindo também o compromisso com a demarcação das terras indígenas, das terras de comunidades quilombolas e tradicionais. Essas terras, como dito muito bem pela Dra. Eliane Moreira, têm prioridade sobre qualquer outro tipo de ocupação.
Essas mudanças nos marcos temporais de 2004 para 2008 e agora com a lei propondo 2012 geram mais invasões dessas áreas, porque existe uma expectativa de que essas demarcações serão anuladas e de que, depois, esses invasores também poderão se regularizar via programa Terra Legal. Isso é um problema. Nós temos visto, durante toda esta audiência pública, que existe uma grande disponibilidade de áreas no País.
Eu peço, em especial, ao Senador Carlos Fávaro, que é de Mato Grosso - um Estado onde morei por muitos anos, conheço também muito bem a realidade, morei vários anos em Alta Floresta -, que a gente possa trazer uma solução para essas pessoas que hoje estão ocupando irregularmente terras indígenas e que a gente possa ser um modelo na solução de conflitos e de respeito aos direitos humanos. Isso só tem a agregar aos produtos e às commodities produzidas pelo País. Isso só tem a melhorar a nossa imagem no exterior. Isso só tem a trazer para o nosso País um exemplo de desenvolvimento, de acomodação de vários interesses e de um desenvolvimento econômico e social mais justo para a Amazônia e para todos que ajudam a construir uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária.
Por fim, agora, nos últimos minutos da audiência pública, nós do Instituto Socioambiental fomos informados da perda de um grande colaborador, vítima do Covid-19, um jovem de 35 anos. E, infelizmente, todos nós estamos passando por um momento em que estamos vendo a vida dos nossos jovens ser ceifada por uma doença para a qual já existe vacina. Isso é muito triste. E também quero pedir, Srs. Senadores, o compromissão de todos vocês para que isso possa ser encerrado o mais rápido possível e nos solidarizar com todas as famílias brasileiras, que, como nós, hoje, estão chorando muito a perda de seus jovens.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) - Obrigado, Juliana.
Eu faço minhas as suas palavras e externo os meus sentimentos a todas as famílias brasileiras que estão enlutadas. Eu perdi uma cunhada de 44 anos, técnica de enfermagem, que estava na linha de frente, sem nenhuma comorbidade. Eu fico muito triste, porque, cada dia, quando eu vejo o noticiário dessas mortes, eu falo assim: "São mortes evitáveis, porque nós já temos vacina". O que falta efetivamente é uma gestão, um comprometimento com o principal bem jurídico, que é a vida humana, o respeito à integridade física e à saúde. Não basta nós temos na Constituição Federal, no seu art. 6°, que é um dos direitos sociais o direito à saúde; não basta estar lá no art. 196 expresso que a saúde pública é direito de todos e dever do Estado, quando, neste momento, infelizmente, o Brasil está dando uma demonstração de péssimo enfrentamento a essa pandemia de Covid.
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Faço aqui minhas as palavras da Juliana para externar os meus sentimentos e me solidarizar com os familiares e amigos da pessoa a que você se referiu e que tão jovem perdeu a vida, e não só com ela, mas com as quase mais de 420 mil pessoas que perderam as suas vidas e com os mais de 15 milhões de contaminados com sequelas irreversíveis.
Eu quero agradecer humildemente a todos vocês, deixando claro a todos vocês que a Comissão de Meio Ambiente... Eu não a estou presidindo, mas tenho muito orgulho da Presidência atual, do meu querido amigo, Senador Jaques Wagner, titular, e do meu querido Senador Otto Alencar, Vice-Presidente.
Eu, atualmente, sou Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Quando eu falo, eu sorrio, porque, quando se fala em direitos humanos, eu estou falando em direito ao meio ambiente, em direitos das minorias, que não são minorias, mas a maioria minorizada. Quando se fala em minorias, temos de ter em conta que 52% da população brasileira é de mulheres, e, infelizmente, homens e mulheres não são tratados de forma igualitária. Nós temos que mais de 85% da população de Salvador é de pretos e pardos, e qual a representatividade dos negros, da população quilombola?
Muito foi dito aqui que nós estamos debatendo um PL tão sensível; contudo, em nenhum momento o Governo quer falar em demarcação de terras indígenas - em nenhum momento! -, em nem mesmo um centímetro quer demarcar uma terra indígena, e que são populações que estão sendo subjugadas e dizimadas.
Perdoem-me o desabafo, mas contem comigo, humildemente, como membro da Comissão de Meio Ambiente e como Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Façam do meu mandato o mandato de vocês em defesa de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, para, quem sabe um dia, todos sejamos iguais perante a lei, independentemente da raça, da cor, da etnia, da religião, da origem, de ser portador de deficiência, do gênero sexual ou de ser uma pessoa idosa.
Agradeço a todos os Senadores que por aqui passaram e que deram a sua contribuição, fazendo um apelo a todos os Senadores e Senadoras para que leiam o projeto, para que não assimilem uma falsa verdade, porque, quando a gente fala que esse projeto não está beneficiando a maioria - e não está... Aliás, eu já fiz essa mesma fala - e aqui faço o desabafo -, porque, quando fui delegado da Delegacia de Trânsito, nós tivemos uma reforma no Código de Trânsito, que foi para beneficiar 2% de todos os maus motoristas. Ou seja, alterou-se a legislação não para beneficiar 98%, mas para beneficiar 2%. Eu tenho muito medo de que o mesmo ocorra com esse projeto, porque o discurso de que se vai corrigir um pleito de 20, 30, 40, 50 anos dos pequenos produtores, dos pequenos agricultores não seduz, pois não é isso que está escrito. Ele vai beneficiar aquele 1% ou 2% que, infelizmente, são aquelas pessoas que usurparam terras públicas, e nós vamos premiar, mais uma vez, a grilagem de terra e comportamentos que violam o direito ao meio ambiente, seja no aspecto administrativo, seja no aspecto civil, seja quanto à responsabilidade criminal, porque nós também temos, inclusive, responsabilidade penal para a pessoa jurídica, que foi uma inovação trazida com a Carta Constitucional de 5 de outubro de 1988. Então, nós temos lá a Lei 9.605, de 1998, que prevê vários tipos penais com responsabilização não só do preposto, mas da pessoa jurídica, como responsabilização criminal. Eu espero que o Senado da República tenha a serenidade, a sobriedade, o equilíbrio emocional para se debruçar sobre o tema e para falar se esse projeto é viável para ser votado ou se não é o momento de amadurecê-lo, se já basta utilizar o que nós já temos ou pegar outros projetos que já estão numa discussão mais consolidada, e aí, sim, caminhar de uma forma mais justa para premiar efetivamente quem merece ter esse prêmio, no bom sentido da palavra, e não utilizar um discurso que vai contra 98% e vai beneficiar apenas 2% de pessoas que, infelizmente, praticaram condutas inadequadas perante a legislação não só ambiental, mas também a legislação penal e toda a legislação extravagante.
R
Quero agradecer, mais uma vez, a todos vocês, me colocar à disposição e colocar, em nome do Senador Jaques Wagner, meu querido Senador Jaques Wagner, a Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal como uma porta de vocês, como uma voz das academias, da ciência, a voz das organizações não governamentais, a voz da população indígena, dos povos originários, das comunidades quilombolas, dos negros, dos índios. É para vocês que esta Comissão de Meio Ambiente estará sempre de portas abertas.
Eu finalizo aqui... Eu amo estar com vocês, mas, quando se fala muito em racismo, eu digo que nós temos racismo em todos os aspectos. Nós temos até um preconceito religioso quando se fala em religiões afro e a gente as discute aí. Eu sou independente: sou católico, mas sempre gosto de falar que a minha religião é o amor e o meu Deus é o outro.
Finalizo aí, quando se fala nesse racismo todo, com Manuel Bandeira, que fala assim:
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão [diz]:
Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
E eu digo para vocês: vocês não precisam pedir licença. A Comissão de Meio Ambiente do Senado é a Casa de vocês.
Muito obrigado e que Deus abençoe a todos.
Declaro encerrada esta reunião da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal.
(Iniciada às 9 horas e 36 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 41 minutos.)