2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 28 de setembro de 2016
(quarta-feira)
Às 14 horas
144ª SESSÃO
(Sessão Não Deliberativa)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Declaro aberta esta sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.
A Presidência comunica ao Plenário que há expediente sobre a mesa, que, nos termos do art. 241 do Regimento Interno, vai à publicação no Diário do Senado Federal.
Eu passo a palavra, como primeiro orador, ao Senador Alvaro Dias.
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O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Cristovam Buarque, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, há alguns anos tive a oportunidade de presidir a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra, que investigou a violência no campo e as peculiaridades da estrutura fundiária brasileira - uma temeridade! Nós visitamos os Estados mais problemáticos do País, os Estados emergentes, onde o sistema fundiário é uma desorganização, uma incorreção e, sobretudo, uma injustiça flagrante. A lei se instalou em alguns lugares. Em alguns Estados, a lei que se instalou foi a lei da selva - obviamente, existe a insegurança jurídica comprometendo o processo de desenvolvimento do País a partir do campo. Portanto, o uso da invasão da propriedade produtiva como um instrumento de ativistas passou a ser recorrente de Norte a Sul do País, mas, repito, especialmente nos Estados em desenvolvimento.
Todos os anos, notícias de invasões e de decisões judiciais de reintegração de posse não cumpridas estampam as páginas dos jornais. É bom frisar que o estímulo à invasão se dá exatamente pela leniência de alguns governos. Em que pese o fato de o Poder Judiciário determinar reintegração de posse, não há o cumprimento da decisão judicial, exatamente em razão da omissão de Chefes do Executivo em alguns Estados do País. Isso é uma lástima, porque cabe a intervenção do Governo Federal no Estado que não cumprir decisão judicial, mas isso não vem ocorrendo.
Nós estamos hoje na tribuna para focalizar um impasse que perdura no meu Estado, o Estado do Paraná, no Município de Quedas do Iguaçu, envolvendo a Araupel e invasores daquela área. A exemplo de diversas empresas e empresários rurais, a Araupel, empresa que atua na área de reflorestamento nas cidades de Guarapuava e Quedas do Iguaçu, gera recursos, paga impostos e cria postos de trabalho. Em Quedas do Iguaçu, por exemplo, a Araupel gera 1,5 mil empregos diretos e aproximadamente mil indiretos, decorrentes de sua cadeia produtiva.
Em que pese a Araupel já ter contribuído para a reforma agrária, cedendo áreas das fazendas Rio das Cobras e Pinhal Ralo em desapropriações sucessivas, totalizando 51.290 hectares (assentamentos Celso Furtado, Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire), a empresa continua vítima de invasões do MST; a mais recente foi em março passado, antecedida pelas de 2014 e 2015.
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Essas últimas invasões vêm impondo severas dificuldades de produção a Araupel em razão da tomada de suas áreas florestais, que sistematicamente impede a retirada da madeira de reflorestamento pela empresa, inclusive com ações violentas e à margem da lei.
Recorrendo à justiça para reaver seus direitos, a Araupel obteve ordem de reintegração de posse da Fazenda Pinhal Ralo, em decisão do Tribunal de Justiça do Paraná. Essa decisão foi exarada em 16 de maio de 2016. Diz essa decisão:
[...] ao contrário do que afirmou a decisão recorrida, os conflitos armados na região já são reais e gravíssimos a ponto de justificar a intervenção direta e efetiva do estado-polícia de modo a proporcionar à sociedade local o "status quo" de tranquilidade mais perto do possível, de forma que deve ser imperativa a carga executória na reintegração de posse objeto da presente lide.
Essa é a decisão, não cumprida, não respeitada. O Governo do Paraná não cumpre decisão judicial.
Em muitos casos de invasões, algumas empresas arcam com prejuízos, mas continuam operando. Em outros, as pessoas são expulsas de suas estruturas de produção e perdem inclusive suas casas. A falta de cumprimento de uma decisão de reintegração de posse significa a ausência do Poder Público, que pode resultar em barbárie e caos. A insegurança jurídica é a consequência dessa omissão do Poder Público.
Sr. Presidente, é imperioso restabelecer o Estado de direito em Quedas do Iguaçu. É inaceitável submeter a população daquela cidade à violência que lá se pratica por invasores. Em 13 de maio de 2014, eu ocupei esta tribuna para fazer um alerta às autoridades sobre o drama vivido pela população de Quedas do Iguaçu. Infelizmente, as invasões continuaram e o cenário se agravou.
Eu não afirmo irresponsavelmente que não houve nenhuma intervenção do Poder Público, mas, se houve, sem sucesso. Não houve sucesso. Nós criticamos naquele momento que o Incra não adotava as providências necessárias, que o Governo do Estado não intervinha de forma competente para superar o impasse, para negociar uma solução que envolvesse os proprietários e os invasores. A verdade é que solução não houve. Em 13 de maio de 2014, essas autoridades foram alertadas por nós desta tribuna. E, de lá para cá, o cenário se agravou.
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São injustificáveis os ataques sucessivos a uma empresa que, no ano de 2015, injetou mais de R$43 milhões no Município de Quedas do Iguaçu de folha de pagamento e ainda mais R$3 milhões aproximadamente em razão do Programa de Participação nos Resultados - os empregados participam também dos resultados da empresa. A empresa participa com 70% da renda do Município de Quedas do Iguaçu. Veja a importância, portanto, deste empreendimento: 70% da renda do Município de Quedas do Iguaçu tem como origem a Araupel.
Tais dificuldades enfrentadas pela Araupel têm levado a atrasos no pagamento aos fornecedores, aos prestadores de serviços, gerando instabilidade e temor nos funcionários da empresa, que percebem a possibilidade de ocorrerem demissões a curto prazo. Ora, num momento de grave crise, com o desemprego que se alarga no País e gera um caos social em muitas famílias brasileiras, contribuir para que o desemprego se alargue não adotando providências que podem ser adotadas! A autoridade tem o dever de buscar um entendimento entre as partes.
Essas dificuldades levam, portanto, ao desespero as famílias dos trabalhadores que atuam nesta empresa, a Araupel. São trabalhadores tanto quanto aqueles que provavelmente invadem - já que nem todos são ativistas, militantes interessados em criar fatos de natureza política, há os que querem trabalhar, certamente -, mas, seguramente, os trabalhadores que estão empregados na Araupel merecem respeito e, sobretudo, têm o direito à preservação dos seus empregos.
Vale ressaltar que a Araupel tem a força de sua atividade comercial na exploração de madeira certificada pelo Conselho de Manejo Florestal para diversos países europeus, asiáticos e norte-americanos...
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - V. Exª me concede um aparte, Senador Alvaro.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - ...já vou conceder, Senadora - alcançando nessa atividade, no ano de 2015, um faturamento US$100 milhões, trazendo importantes divisas para o Brasil e para o Paraná.
Eu concedo à Senadora Gleisi o aparte que solicita.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador. Eu estou aqui acompanhando V. Exª com atenção nesse pronunciamento, porque esse é um caso que tenho acompanhado desde o início: a ocupação dessas áreas na fazenda de reflorestamento da Araupel e também os desdobramentos em Quedas do Iguaçu. Inclusive quando os dois sem-terra foram mortos numa emboscada feita com jagunços junto com pessoas da Polícia Militar do Paraná, a mando da Casa Civil do Governo do Estado do Paraná, eu estive em Quedas do Iguaçu acompanhando a situação, a tensão, a tristeza das famílias. Eu acho que só é importante, Senador Alvaro, nesse resgate que V. Exª faz, deixar claro o seguinte: as áreas em que a Araupel está colocada, está fazendo reflorestamento, são áreas com questionamento sobre propriedade na Justiça Federal, porque são áreas públicas. Inclusive a primeira parte, onde já existe o assentamento a que V. Exª se referiu, não foi uma colaboração da Araupel a reforma agrária; eram áreas públicas, ficou comprovada a natureza pública das áreas, e essas áreas foram tiradas, portanto, da Araupel e serviram para a reforma agrária.
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Essa outra fazenda que eles ocuparam também é uma área de litígio. Estivemos no Incra diversas vezes e se discute a propriedade da área. O Tribunal de Justiça deu a sentença para fazer a desocupação, mas a área ainda está em litígio. E já estava avançado, porque na primeira instância da Justiça Federal já havia o reconhecimento de que a área era de propriedade da União. E era uma área reivindicada para reforma agrária, até porque lá a área em que se faz reflorestamento de pínus é uma área propícia para produção de alimentos, para produção de outras coisas que não só o pínus. Nós temos mais de 3.500 acampados ali na região e 12 mil famílias também esperando para serem acampadas, e essa é uma área que sempre foi uma área de disputa. Então, eu só queria deixar isso claro para não dizerem que a empresa, única e exclusivamente, é o polo frágil, o sofredor desse processo. Não é verdade. Há um litígio judicial sobre a propriedade da área. E, na primeira instância - quero repetir aqui, isso tem recurso, está se discutindo -, nós já tivemos a decisão de que a área é pública. Eu também queria lamentar o tratamento que a empresa e que o próprio setor de segurança do Estado... E aqui não vou dizer que é a polícia militar, porque essa ação que matou dois sem-terra lá foi uma ação coordenada pela Casa Civil do Governo do Estado, pelo Deputado Federal, que agora está na Casa Civil, Valdir Rossoni. Os sem-terra foram emboscados, todos os tiros pelas costas, não tinham oferecido resistência, foi muito ruim. E as famílias que estão lá acampadas, desculpe-me, Senador Alvaro, não só dessa área em que são mais de mil famílias, e principalmente as outras que já estão há mais tempo, colaboram e muito, sim, para a economia da região, porque deixam os seus recursos na região, no comércio, nos serviços. Isso tem acontecido em quase todos os Municípios onde temos acampamentos e assentamentos da reforma agrária. Para que não pese sobre os sem-terra e sobre o movimento social a pecha de criminosos e bandidos, porque não o são. Por isso eu fiz questão de dizer aqui que são áreas em litígio e que, com certeza, vai haver manifestação final da Justiça, como houve na primeira área. Mas agradeço o aparte a V. Exª.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - Eu que agradeço a V. Exª a intervenção, porque me proporciona a oportunidade para dizer que eu considero polo frágil o trabalhador - esse, sim, é vítima -, o trabalhador da Araupel e o trabalhador que está desempregado. É exatamente com vistas a oferecer a eles a possibilidade de uma vida digna que o Estado tem que intervir rapidamente. O pior dos mundos é a indefinição, é o impasse. E esse impasse perdura já há muito tempo, sem uma presença efetiva do Poder Público, quer federal, quer estadual. Não há providências.
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Essa é uma questão que exige urgência, agilidade, atitude, comportamento rigoroso. Evidentemente nós não podemos criminalizar todos aqueles que atuam sob a égide do MST. Existem, sim, os infiltrados; existem, sim, criminosos infiltrados que atuam politicamente, que nunca foram do campo, que nunca atuaram na lavoura, que nunca tiveram um calo nas mãos em razão do trabalho rural, que se apresentam como se fossem historicamente trabalhadores do campo e invadem propriedades. Essa distinção é que precisa ser feita. É necessário se fazer essa distinção.
Eu fui Governador do Estado e tive, naquele momento, já há 25 anos, um ótimo relacionamento com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Realizamos 35 assentamentos, todos eles produtivos, em razão do apoio na área de extensão rural e de assistência técnica, àquelas famílias, que passaram a ser realmente famílias de agricultores. Portanto, o relacionamento, àquele tempo, foi extraordinário e positivo. Obviamente, de lá para cá, tivemos muitas mudanças. O movimento foi partidarizado, foi politizado, foi financiado pelo Poder Público.
Nós realizamos uma CPI aqui no Congresso Nacional em que identificamos o repasse de recursos com desvio de finalidade. As entidades que eram parceiras do MST - porque o MST não possui CNPJ, não possui configuração jurídica -, entidades como a Anca, a Concrab, o Iterra, foram entidades parceiras do MST que celebraram convênios com o Governo da União e repassaram recursos com desvio de finalidade. Várias alternativas de utilização desses recursos foram investigadas pela CPI, com a condenação inclusive pelo Tribunal de Contas da União. Esses convênios não foram cancelados. À época, existia inclusive uma medida provisória que determinava o cancelamento de convênios em razão de invasão de propriedades produtivas, e essa medida provisória foi ignorada de forma cabal e definitiva. Os convênios continuaram, prosseguiram e tiveram recursos mais significativos, a partir das denúncias que a CPMI proporcionou, obviamente, com as informações transmitidas ao Governo.
Portanto, essas são questões que cabe ao Poder Público solucionar. É possível que a Senadora Gleisi tenha uma posição e eu tenha outra. A nossa posição importa menos; o que importa mais é a solução para o problema, e o Governo não encontra a solução. Reforma agrária no Brasil é uma falácia. Nós pronunciamos a expressão...
(Soa a campainha.)
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - ...o título "reforma agrária", mas ela não acontece. O que há no País é, em alguns casos, distribuição de terras com abandono total das famílias que são assentadas. Elas são desprezadas pelo Poder Público e comprometem a execução do projeto de reforma agrária, inviabilizam a produção e a produtividade.
Portanto, diante da...
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Senador Alvaro...
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - Pois não.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Desculpe, mas, como estamos em poucos aqui, eu gostaria de fazer um contraponto a V. Exª nesse aspecto da reforma agrária. Nós avançamos muito no Brasil em termos de reforma agrária dentro dos parâmetros que a legislação nos fornece.
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Nós temos um limite para as desapropriações de área pelo coeficiente de produtividade dessas áreas. Aliás, há um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional exatamente sobre isto: você não pode fazer desapropriação de áreas se o coeficiente de produtividade não for ultrapassado. Então, esse é um ponto. Não há nenhuma tomada de terra aqui sem haver a respectiva indenização ao proprietário. Tudo o que foi feito, no Brasil, para a reforma agrária foi feito dentro dos marcos legais. E também não é verdade que o Poder Público, pelo menos até ao Governo da Presidenta Dilma, deixava desassistidos os assentamentos e acampamentos da reforma agrária. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, que infelizmente foi fechado pelo Governo de Michel Temer, dava toda a assistência, inclusive com recursos para abertura de estradas, para melhoria das condições de vida dos trabalhadores, maquinários, equipamentos, sementes, dava toda a assistência. Obviamente que havia algumas situações mais difíceis. Por não ter a posse da terra, não se tinha acesso a financiamento. Então, grande parte não conseguiu o Pronaf, mas se mudou muito a relação dos assentamentos e dos acampamentos da reforma agrária. Inclusive, em Arapongas, que é pertinho de Londrina, a sua cidade, há lá um assentamento que é um modelo nacional, que tem um laticínio financiado pelo BNDES, está produzindo, emprega muita gente, tem renda. Nós podemos ir para outras regiões do Estado, como Querência do Norte, onde há um grande assentamento, maior região produtora de arroz, e lá o assentamento do MST é o maior produtor de arroz. Assim, sucessivamente. Eu estive agora lá em Porecatu, que foi muito importante...
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - Senadora, o assentamento de Querência do Norte foi realizado no meu governo. A desapropriação foi por nossa solicitação. O Ministro à época, Jader Barbalho, recusava-se a realizar a desapropriação, afirmando que poderia ser construída uma hidroelétrica nas proximidades e isso inviabilizaria os assentamentos. Eu fui ao Ministro de Minas e Energia, que à época era Aureliano Chaves, que disse: "Olha, não acontecerá essa usina, não será instalada na região, isso vai para as calendas gregas." Eu voltei ao Ministro Jader Barbalho à época - eu não sei se ele tem boa memória, mas deve se lembrar - e ele disse: "Se o governador assinar um termo de responsabilidade, eu desaproprio." Imediatamente eu pedi que redigissem o termo de responsabilidade e assinei. Ele desapropriou, e nós fizemos aquele assentamento, oferecendo assistência técnica e construindo armazém.
Tanto que há, Senadora Gleisi, até um fato curioso, quando eu estive, ao final do governo, visitando esse assentamento, aqueles trabalhadores afirmaram: "O senhor podia ficar pelo menos mais cinco anos no Governo." Porque o Estado oferecia a assistência técnica e oferecia as condições para que o assentamento se tornasse produtivo. Portanto, nós não podemos buscar lá atrás, há tantos anos, um exemplo bem-sucedido e creditar ao atual Governo, porque realmente não seria justo.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu não estou creditando, Senador Alvaro, eu reconheço, não estou creditando, mas V. Exª mesmo reconhece que a reforma agrária tem uma função social importante, que um assentamento feito lá atrás é hoje um assentamento que dá sustentabilidade econômica e social para aquela região. E o que eu estou dizendo é que houve muitos investimentos federais nesse assentamento. Depois que V. Exª saiu do Governo, outros governos sucederam, mas nem todos os governos que estavam no Estado do Paraná deram assistência.
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Hoje, por exemplo, é uma lástima o que nós temos no Paraná. A Emater está sucateada, não consegue atender ao agricultor familiar, não consegue atender os assentamentos. O que nós tínhamos era, através do MDA, a extensão rural e assistência técnica com convênios, porque, senão, a Emater não conseguiria atender. Citei esse assentamento porque realmente ele é um exemplo, como muitos outros no Estado, inclusive outros mais recentes. Nós temos em Porecatu, por exemplo, um acampamento que está na área do Atalla, que nós temos que resolver, Senador Alvaro Dias, porque aquele pessoal não paga imposto para a União, não pode ficar em cima da terra. Eu estive lá, inclusive, e eles produzem, e produzem muito, há mais de 1.200 famílias ali, e há condições de assentar mais famílias. Agora, há sempre uma crise lá; o grupo familiar usa, inclusive, de violência. Então, eu acho que nós tínhamos que nos unir - e quero fazer aqui uma proposta para V. Exª - para que pudéssemos trabalhar no sentido de viabilizar a reforma agrária no Paraná, nessas áreas que têm litígio, tanto essa de Quedas do Iguaçu, que a Justiça tem que definir - mais do que o Governo Federal, mais do que Governo de Estado, a Justiça tem que definir de quem é a propriedade da área, para que se possa regularizar a situação -, e essa do grupo Atalla, que é uma área que tem que ser colocada para reforma agrária. Não pode ficar um grupo devendo, como deve para a União, com a posse da terra em uma terra improdutiva. Eu acho que podemos avançar muito. E eu queria, só para finalizar, voltar a falar sobre o Movimento Sem Terra. Se hoje nós temos reforma agrária, se hoje nós temos avanço nessas áreas mais pobres do campo, é graças ao MST, que tem sido muito criminalizado. Não é verdade que tenhamos pessoas que não tem mãos calejadas que ficam invadindo terras. Se V. Exª conhece um acampamento ou um assentamento - deve conhecer o assentamento que foi esse que V. Exª mencionou -, sabe a dificuldade. Eu vou a muitos acampamentos no interior do Estado do Paraná, Senador Cristovam. A vida não é fácil. Ninguém gosta de ir para um acampamento, ficar em um barraco, com madeiras que têm frestas nos seus barracos, com lona, com situação que não tem banheiro, não tem escola. Nesse acampamento que está na fazenda dos Atalla, que é lá perto de Londrina, por exemplo, que está já desde 1998... Quer dizer, as pessoas... Desde 2008, desculpa. As pessoas estão com escola itinerante. Eles mesmos fizeram a escola, eles mesmos têm professores para que as crianças possam estudar. Não é nada confortável, não é nada bom, ninguém gosta de ficar lá, mas as pessoas precisam sobreviver, as pessoas precisam ter sua terra, elas não têm para onde ir na cidade. Então, eu acho que nós tínhamos que fazer um esforço e nos unir aqui para que pudéssemos viabilizar esses assentamentos, transformar os acampamentos em assentamentos e legalizar essa situação para que as pessoas possam ter qualidade de vida.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - Agradeço a V. Exª e reafirmo que há uma visão diferente.
Eu fui, eu visitei, como Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, vários Estados: o interior de Pernambuco; o interior de Rondônia; fui ao Pará várias vezes, duas ou três vezes ao interior do Pará, nas áreas mais conflitadas; fui a Minas, no Vale do Jequitinhonha; ao interior de São Paulo, na região conflagrada, ali no Vale do Paranapanema; enfim, a várias regiões do País. E constatei que a reforma agrária é, sim, aquilo que afirmei: jogam-se as famílias e elas são abandonadas. Não há, nas proximidades, escola, não há posto de saúde, não há uma estrada para escoamento eventual da produção, e a mata cresce nas áreas destinadas ao plantio. As casas, os casebres ficam abandonados. Nós vimos isso com os nossos próprios olhos. Fomos ao interior do Mato Grosso também. Percorremos as áreas mais conflagradas, em matéria de conflito agrário no País, e constatamos essa realidade. O relatório final da CPI mostrou, com muita clareza, a real situação do sistema fundiário brasileiro.
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E, em relação ao MST, é evidente que ele surgiu com a missão de estimular a realização da reforma agrária no País, com base na legislação, obviamente num clima de paz, mas foi desvirtuado, foi invadido, foi usado politicamente e há razões para a criminalização em determinados momentos. Há líderes do Movimento Sem Terra que não são da área, não são camponeses, não são agricultores, nunca trabalharam na área rural. Isso nós podemos afirmar. E esses tumultuam e esses procuram cooptar trabalhadores urbanos com estímulos que conhecemos...
(Soa a campainha.)
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) - ... para que ingressem também no movimento da área rural, propondo invasões intermináveis.
Eu vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que, diante dessas invasões, o Estado precisa dar respostas rápidas e eficientes às decisões judiciais que se traduzem em segurança jurídica e respeito ao Estado democrático de direito. Há uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná e se impõe a imediata reintegração de posse. Estão em risco 2.500 postos de trabalho. Portanto, há 2.500 famílias ameaçadas, na medida em que as ações buscam inviabilizar a operação da empresa, sem falar na insegurança vivida pela população de Quedas do Iguaçu e da região. Nós temos aqui um resumo do itinerário das ações empreendidas na região de Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu.
Houve, no dia 4 de novembro de 2015, um confronto na região entre funcionários da empresa e integrantes do MST; no dia 23 do mesmo mês, ameaça de invasão; no dia 8 de março de 2016, incêndio e destruição total do viveiro de mudas; no dia 7 de abril, confronto entre integrantes do MST e a Polícia Militar do Paraná, com a morte de dois sem-terra, como se referiu a Senadora; no dia 8 de março, bloqueio de rodovias; no dia 2 de julho, expulsão de patrulha do interior da área; no dia 10 de julho, comemoração de um ano da invasão da área da Araupel; e, no dia 13 de julho, agressão a funcionários da empresa por milícia fortemente armada.
A preservação do Estado de direito e a obediência ao direito de propriedade consagrado na Constituição Federal devem prevalecer sob pena de disseminar a insegurança jurídica.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela concessão do tempo.
Muito obrigado, Senadora Gleisi, pelos apartes.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senador, o senhor ainda teria o tempo que desejasse, diante de tanta tranquilidade que temos hoje, mas agradeço o seu discurso e passo a palavra à Senadora Gleisi Hoffmann.
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A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quem nos acompanha pela TV Senado, pela Rádio Senado, muito especialmente a população do Paraná, meus eleitores e eleitoras do Estado do Paraná, a quem eu quero dirigir-me muito diretamente hoje, embora eu nutra um respeito muito grande pela Justiça do nosso País, é com profunda tristeza que eu recebi a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de acatar a denúncia formulada contra mim e contra o meu marido pela Procuradoria-Geral da República, na data de ontem, conforme já foi bastante noticiado.
Em seu voto, o Ministro Relator, Teori Zavascki, concluiu dizendo que não dá para ter certeza de que os fatos ocorreram, mas que, neste momento, basta uma dúvida razoável para aceitar a denúncia. Agora, pelo menos, eu terei, no julgamento no Supremo Tribunal Federal, o benefício da dúvida, o que eu não tive nas outras instâncias que fizeram as averiguações que acompanharam o inquérito. Aliás, desde outubro de 2014, eu tenho sido acusada por esse caso, já fui julgada e condenada diversas vezes por matérias na imprensa. Então, pelo menos com essa decisão do Ministro Teori Zavascki eu terei o direito à dúvida.
E estou ciente de que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar com profundidade o que foi apresentado nos autos, saberá julgar com serenidade, imparcialidade e isenção esse processo. Tais requisitos, como disse há pouco, faltaram nas outras instâncias, tanto na instância da Polícia Federal quanto na do Ministério Público. Por isso, eu vejo, Senador Cristovam, que preside esta sessão, a decisão desta terça-feira como uma nova oportunidade de provar, sem sombra de dúvida, a nossa inocência, até porque o próprio Ministro Relator colocou que não há certeza de que os fatos ocorreram.
Desde o início desse lamentável episódio, quando injustamente nós fomos indiciados pela Polícia Federal, insistimos, à exaustão, de que não há uma única prova concreta que aponte o recebimento de recursos ilícitos para a minha campanha do Senado, em 2010. Como meu advogado, Rodrigo Mudrovitsch, voltou a enfatizar ontem, na Tribuna do Supremo Tribunal Federal, a denúncia da Procuradoria-Geral da República se baseia, única e exclusivamente, em questionáveis delações do doleiro Alberto Youssef; do ex-Diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa; e do sócio do doleiro, Antônio Carlos Pieruccini, que, em sua delação, disse que transportou a suposta propina, o suposto dinheiro para a minha campanha, de São Paulo para Curitiba, em quatro viagens, e afirmou que entregou essa quantia ao empresário Ernesto Kugler, que sempre negou e continua negando o fato. Se o Sr. Pieruccini esteve realmente quatro vezes com o empresário, por que a Polícia Federal não obteve provas físicas desses encontros?
A bem da verdade, a denúncia nem sequer aponta qualquer ato concreto cometido, baseia-se apenas nas especulações, que não são compatíveis com o que se espera de uma acusação penal. E é importante dizer que o advogado do doleiro Alberto Youssef e o advogado do Pieruccini, que preparou a delação premiada, é o mesmo. Aliás, ele é advogado de vários empresários que estão delatando, de funcionários da Petrobras, ou seja, as delações acabam fechando porque é um advogado só responsável por essas delações. Então, faz-se a fala que se quiser na delação.
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Então, são inúmeras as contradições nos depoimentos dos delatores que embasam a denúncia de ontem, as quais tiram toda a credibilidade das supostas delações. Um deles apresentou nada mais, nada menos do que seis versões diferentes para esses fatos, o que comprova ainda mais que eles não existiram.
Eu tenho certeza de que a verdade prevalecerá e tenho certeza também, Senador Cristovam, de que, em condições de normalidade política e institucional, essa denúncia nunca seria aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, nós não estamos em condições de normalidade política e institucional. Todo mundo está muito pressionado, premido, fazendo as coisas em razão de todo esse processo investigatório que acontece no País, e, muitas vezes, o direito, a juridicidade não é totalmente levada em consideração. Prova disso é uma sentença do Tribunal Regional Federal do sul do País em que um juiz diz que, sim, essa operação da Lava Jato admitia algumas exceções.
Ora, no Direito não se admitem exceções. Exceções, no Direito, criam um Estado que vai, com certeza, provocar a destituição de direitos não só daqueles que estão sendo investigados naquele momento, mas de outros. Então, não dá para ter um Estado de exceção no Direito.
Então, posso afirmar que, com certeza, em condições de normalidade política e institucional, essa denúncia não seria recebida pelo Supremo Tribunal Federal.
Quero dizer a todos que me acompanham, a todos aqueles que manifestaram solidariedade, àqueles que me ligaram, que postaram solidariedade nas redes, que me mandaram força e mesmo aos que me criticaram que eu continuarei firme e de cabeça erguida nessa luta. Eu não devo nada, portanto eu não temo nada. E vou provar isso no Supremo Tribunal Federal.
Quero deixar isso claro aqui, Senador Cristovam, e dizer que a luta daqui para a frente será mais árdua, porque não é só a luta de enfrentar os processos judiciais, mas vai ser a de enfrentar, nesta Casa, um debate muito grande, muito profundo sobre direitos que vão ser retirados do povo brasileiro. E quero aqui repetir: direitos que não vieram só com o Presidente Lula e com a Presidenta Dilma; direitos que vieram a partir da Constituição de 1988. Nós vamos ter que enfrentar aqui uma dura discussão sobre a reforma previdenciária, uma dura discussão sobre a reforma trabalhista, uma dura discussão sobre as mudanças constitucionais do limite de gastos de saúde e de educação. E, como V. Exª discursou ontem - eu pude acompanhar um pouco o seu discurso -, vamos, sim, debater profundamente a reforma do ensino médio que foi proposto a esta Casa.
Quero lamentar que tenha sido proposto como medida provisória, não porque a medida provisória retire a possibilidade de debater no Congresso. Ela tem condições de ser debatida, sim. Temos pelo menos seis meses, o que eu acho curto para uma matéria como essa. Mas a preparação dessa medida provisória, dessa proposta não contou com a participação daqueles que estão em sala de aula, dos alunos, dos professores, dos representantes da educação. Pode ter contado, sim, com a participação de alguns especialistas, mas, na democracia, principalmente em se tratando de educação, nós precisamos ouvir todos aqueles que estão envolvidos.
Uma das características que tinham os governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma era exatamente a de ouvir os envolvidos quando se lançava uma política pública. Isso é muito importante para que ela dê certo. Às vezes demora um pouco mais, Senador Cristovam, mas quando se faz dessa forma ela é efetiva. Se nós não fazemos dessa forma, ela acaba se tornando uma briga constante, tendo pouca eficácia e pouca efetividade.
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Espero que consigamos fazer um debate aprofundado desse tema, que muda consideravelmente as bases do ensino médio em relação ao que nós temos hoje.
Então, eu queria, para terminar, Senador Cristovam, porque hoje vim especificamente para tratar desse assunto da denúncia, reafirmar minha gratidão por aqueles que me acompanham e que manifestaram confiança e solidariedade.
Termino com Cora Coralina, de quem eu gosto muito. Ela diz:
Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar, porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.
E eu sempre decidi por lutar e por enfrentar.
Obrigada, Senador Cristovam.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senadora, poderia presidir?
A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não seria um incômodo?
A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - De jeito nenhum. (Pausa.)
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Para fazer uso da palavra, o Senador Cristovam Buarque.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Gleisi Hoffmann, em primeiro lugar, quero dizer que não devo ser o único que deseja muita sorte para a senhora, para que esse processo todo termine dentro daquilo que é a sua convicção. Espero que, de fato, no final, possamos comemorar que a justiça agiu de uma maneira que reconheceu a sua manifestação.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada. Agradeço.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu torço pela senhora, esperando que a justiça seja feita.
Eu não me meto para dar opiniões se a justiça está errada ou não, mas eu torço pela senhora e por muitos outros. Acho que, em relação aos resultados disso, seria melhor que não fosse como estão falando, dizendo, insistindo. Então, quero que saiba que eu penso assim e creio que há muitos também que pensam assim.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador Cristovam.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Segundo, agarrando o final da sua fala sobre a medida provisória do ensino médio, quero lembrar que fui um dos que, nesta sala, defenderam com muito empenho a medida provisória do Mais Médicos.
Imagine se o Mais Médicos tivesse vindo como um projeto de lei e ainda estivesse rolando nesta Casa tantos anos depois. O Mais Médicos salvou vidas. Se não fosse a ousadia da Presidente Dilma naquele momento, de criar não só um programa do tipo Mais Médicos, mas eu vou mais longe, de trazer médicos do exterior, porque, no Brasil, não estavam querendo ir para aqueles lugares, a saúde pública brasileira estaria em situação bem mais difícil.
Para mim, Senadora, uma pessoa sem atendimento médico é tão grave quanto uma criança sem escola. Sei que isso não é compartido por muita gente. Sei que muita gente diz que não há comparação entre um doente que precisa de médico e uma criança que precisa de escola. Digo que sim, é semelhante. E há uma diferença que agrava a criança sem escola. É que um de nós, eu, doente, eu e minha família, a gente sofre. O Brasil, não. Mas uma criança sem aula, o Brasil do futuro vai sofrer, vai, inclusive, ficar doente, por falta de educação da sociedade. Daí a urgência.
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Não tenho nada a ver com essa medida. Não fui consultado para nada dessa medida. Fui surpreendido quando tomei conhecimento, como também dos Mais Médicos, mas foi bom. Imagine se o Mais Médicos tivesse sido discutido por muitos anos com a Confederação Nacional dos Médicos - é assim que se chama -, que fez aquela violenta reação contra ou com aqueles médicos que foram para a porta do aeroporto, no Ceará, vaiar os cubanos que chegavam aqui para salvar vidas brasileiras. E salvaram!
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Permita-me um aparte, Senador Cristovam?
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Sim.
Um dia desses eu vi uma referência do Ministro da Saúde sobre o Mais Médicos, que felizmente ele prorrogou por mais três anos, e quase que eu vim aqui dar um recado: que ele visitasse os lugares onde há Mais Médicos, para ver o resultado disso.
Pois bem! E vou dar o aparte com muito prazer.
A urgência que vejo em um programa como o Mais Médicos é a urgência que vejo na mudança do ensino médio. Além disso, essas ideias, sobre as quais não fui consultado, vêm sendo debatidas há décadas, eu diria, há 20 anos ou, se eu for lá atrás, no documento dos pioneiros de 80 anos já falam algumas coisas dessas. A Lei de Diretrizes e Bases já toca nisso, aliás é muito baseado em diretrizes e bases. Há projeto de lei na Câmara de muito tempo que foi quase que copiado, então foi incorporado àqueles debates. E ainda vamos ter um debate aqui. Depois de tudo, se for aprovado, poderemos fazer outras leis para melhorar o que vem aí.
Eu passo à senhora o aparte.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Cristovam.
Eu acho que poderia concordar com V. Exª, no caso da Educação, se fosse uma medida provisória para mais professores. Digamos que nós tivéssemos a situação que nós tínhamos na saúde pública, de não ter médicos brasileiros suficientes para atender aos Municípios do interior, principalmente na Região Norte e Nordeste do País, e tivéssemos trabalhado com todos as possibilidades de fazer esses médicos ir para o interior. Muitos não queriam ir e não havia possibilidade, porque nós não tínhamos formação para todos. Se nós tivéssemos um quadro tão grave na educação - e eu sei que nós temos falta de professores em muitos lugares, sei da qualidade dos professores e das dificuldades que temos, mas não é como na saúde - eu poderia concordar com V. Exª, de nós fazermos uma medida provisória e trazermos professores. No caso dos médicos foi emergencial, porque nós tínhamos que trazer médicos para atender as pessoas. E obviamente adequamos a legislação para isso, até porque nós tínhamos tido uma manifestação grande em julho de 2013, quando uma das grandes reivindicações da população era a questão da saúde. Muito mais do que a educação era a saúde, por não ter atendimento básico. E tomamos essa medida que estava sendo estudada.
No caso da educação, a reforma que veio mexe na grade curricular. Eu não me aprofundei totalmente na discussão. Li apenas uma nota técnica, mas não deixa a obrigatoriedade de educação física, de artes, nem de sociologia, nem filosofia, dá foco em português e em matemática. Não acho ruim dar foco em português e matemática, mas a escola não pode preparar só para o mercado de trabalho. Ela também tem que preparar os alunos para pensar o universo em que eles vivem. Preocupa-me muitas vezes não colocar como prioridade matérias que estimulam o pensamento, principalmente nessa situação, nesse rastro da discussão da escola sem partido, que é outra preocupação que eu tenho, porque na realidade não é um combate a questão partidária, mas a discussão política dentro da escola, inclusive de movimentos históricos importantes, de situações importantes que nós vivemos na História e que condicionam o nosso comportamento, a ideologia que domina os fatos.
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Então, acho que essa é a preocupação. E pegou muita gente de surpresa. Ela poderia até estar sendo discutida, mas a forma como foi enviada, a forma como se deu, eu acho que pegou a comunidade escolar, sempre tão acostumada a participar do debate, de forma surpreendente. A reação foi muito grande. Creio que vai nos caber aqui um papel muito importante de proporcionar um debate aprofundado sobre isso, não deixando nenhum setor da sociedade fora desse debate.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Senadora.
Primeiro, quero dizer que a ideia de escola sem partido não conta com o meu apoio de jeito nenhum. Pelo que li das declarações, também não conta com o do Ministério. É um projeto que surgiu em outros lugares e, aqui dentro, do Senador Magno Malta. Eu sou o Relator na Comissão. Vou votar contra.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Vou acompanhá-lo. Vou votar contra também.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Quanto ao resto, veja bem. O que acho que nessa medida provisória está errado é o fato de ela ainda estar atrasada. Aí fora, Senadora, estão acabando com disciplinas. Na Finlândia, os alunos já começam a estudar por temas, não mais por disciplinas. Isso avança a capacidade cognitiva.
As disciplinas que no começo parecia que iam retirar, e não retiraram, como filosofia, educação física e educação artística... Creio que passamos muito mais coisas para as crianças por atividades artísticas do que por aulas de artísticas, muito mais por debates filosóficos do que por aulas filosóficas e muito mais por atividades esportivas do que por aulas esportivas.
Hoje, no curso de educação física, ensinam-se regras de basquete e de futebol. A maioria das crianças não querem aprender as regras, porque não vão ser técnicas. Elas querem bater bola. Elas querem nadar. Elas querem praticar esportes, obviamente com a orientação de um profissional, mas não precisa ser na sala de aula necessariamente.
Tenho a impressão de que, ao invés de uma aula sobre filosofia grega, para um menino de 15 ou 16 anos, seria melhor pegar um tema da atualidade, como sexualidade, e debater, do ponto de vista filosófico, as consequências: o que é o prazer, o que é o erotismo, o que é a procriação. Eles vão se interessar mais. Ou a corrupção. Trazer Aristóteles para debater corrupção, e não levar os meninos para debater Aristóteles. Isso avança. E avança, porque nós precisamos ouvir as crianças.
A senhora falou que não estamos ouvindo os professores, mas eles estão sendo ouvidos há décadas! Agora, não estamos ouvindo as crianças. Não estamos ouvindo os adolescentes. Qual é a escola que vocês querem, meninos? Não dá para nos submetermos ao que eles querem, porque alguns vão dizer: a gente nem quer escola. E sabe por que eles vão dizer isso? Porque a escola é ruim.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Com certeza vão dizer. Isso está que nem a merenda escolar.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É, mas é porque a escola é ruim! Não é porque eles não querem estudar.
Quando uma criança não quer ir para a escola... Eu não digo nos primeiros dias, porque há o apego afetivo com a família. Eu dei muito trabalho para ir à escola - me contam. Mas a partir de uma certa idade as crianças querem ir à escola boa.
A evasão dos filhos dos ricos não é porque são ricos, mas porque a escola é boa. Não é o DNA de rico que faz gostar de escola. É o DNA da escola ruim que faz as crianças, inteligentemente, não gostarem de ficar lá. Tem goteira, cadeira desconfortável, o professor falta, eles vão para a aula sem saber se o professor vai estar ou não.
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Com a escola boa, bonita, agradável, a criança não quer ir para casa. Um dia desses, vi isso em Palmas, em uma escola pública, municipal. O problema da escola é os meninos irem para casa às cinco horas da tarde! Passam o dia inteiro e não querem ir para casa.
Nós precisamos ouvir as crianças, mais do que ouvir a mim Senador ou a mim professor. Mas, mesmo assim, não estamos sendo ouvidos, os professores, há anos. E o Governo nos surpreende - sinceramente, é uma surpresa - com a medida provisória em si e com o conteúdo, porque o conteúdo não está ruim para o que se precisa na escola hoje.
A ideia de a criança preparar a grade, ter menos disciplinas obrigatórias - para a criança; são obrigatórias para o Governo, que tem que oferecer. E eu fiz uma emenda para colocar mais uma disciplina, que é disciplina de ensinar sinais. Há que se ensinar linguagem de sinais. Não se ensina inglês, não se ensina francês, não se ensina português? Ensine-se linguagem de sinais. Deficiente auditivo não aprende português, aprende linguagem de sinais. Eu coloquei. Mas voluntária, não obrigatória.
Aqui a senhora mesma votou a favor de um projeto meu que coloca cinema nas escolas. Está aprovado. O Presidente Lula sancionou, mas não é obrigado o menino a assistir à aula de cinema. A escola é que tem que oferecer.
Essa liberdade é Paulo Freire. Paulo Freire trabalhava a escola não como uma prisão. Para algumas crianças certas disciplinas são como palmatória intelectual. Até os anos 30, havia a palmatória se o menino não aprendesse. Hoje não há mais palmatória. Mas obrigar a aprender certas coisas uma criança que não quer, não tem vocação, e se o professor não é bom, é como uma palmatória intelectual.
Por isso, é positiva a ideia de o aluno poder participar da formulação do seu currículo. Disciplina é ideia antiga. No futuro, não vai haver nem disciplina. Você vai aprender português com temas. Você aprenderá a falar português discutindo temas, e matemática discutindo temas, e tudo discutindo temas. Mas isso ainda vai demorar um pouco no Brasil, porque somos atrasados em educação.
Mas eu vim falar aqui é de um detalhe sobre o qual tenho recebido muita crítica: o chamado reconhecimento do notório saber para o professor sem licenciatura. Coloquei uma emenda também. Sou favorável a isso, aprendi com Darcy Ribeiro. Darcy Ribeiro era radical na defesa do notório saber acima do próprio diploma universitário. Um dos maiores arquitetos do Brasil, José Zanine Caldas, nunca fez arquitetura, e Darcy Ribeiro o contratou como professor de arquitetura. A ditadura o demitiu. Eu, reitor, o trouxe de volta, em uma anistia que tivemos. Não tinha diploma, mas por aí está cheio de grandes prédios dele; não altos, porque ele trabalhava com madeira.
Darcy Ribeiro defendia o notório saber, e eu defendo. Mesmo assim, vou colocar uma emenda: eu vou exigir que, para ter o notório saber - ou seja, dar aula sem licenciatura -, tenha que ter o diploma universitário. Do jeito que veio na medida provisória, esqueceram isso ou não colocaram. Qual é a vantagem?
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Nós precisamos de centenas de milhares de professores na educação de base e temos milhares de "jovens", ainda - entre aspas -, aposentados que são engenheiros e podem dar aula de matemática, de física. Nós temos jornalistas aposentados que podem dar aula de português. Não é abrir a porta da sala e colocá-los. Não; teria de haver um treinamento e um acompanhamento para ver se de fato eles têm condições de dar aula. Mas é possível, pelo menos por algumas décadas. Como fomos buscar médicos em Cuba, vamos buscar professores na Engenharia. Não é preciso sair do Brasil. Vamos buscar professores de matemática nos engenheiros aposentados, vamos buscar professores de português em advogados aposentados ou em pessoas que fizeram Letras, mas não fizeram licenciatura, até que chegue o dia em que o Brasil não precise mais disso, como espero que chegue o dia em que a gente não precise buscar médicos fora do País.
Creio que não será tão rápido quanto este Ministro da Saúde está propondo. Eu não acredito que ele vai conseguir substituir quatro mil em um ano ou dois. Não vai conseguir. E, se não conseguir esses quatro mil, espero que ele não devolva os estrangeiros que estão aqui, porque, como gosto de dizer, os doentes também são brasileiros. Não dá para substituir os doentes, e só podemos substituir os médicos quando tivermos os nossos. Mas professor dá para substituir, mesmo que não tenham ainda licenciatura. Não é bom, mas é melhor do que um aluno sem aula de matemática, sem aula de biologia. Existe gente que pode ensinar. Por isso eu tenho simpatia.
Mas quero concluir dizendo que, por coincidência, hoje faz aniversário a Lei do Ventre Livre. Para mim, essa MP é mais ou menos como a Lei do Ventre Livre: não vai ser ainda a Lei Áurea, está longe disso, mas é um passo adiante. Eu tenho a impressão... Nunca consegui estudar isso, apesar de ter estudado todas as atas da discussão aqui da Lei Áurea. Publiquei um livro com os debates dos Senadores e Deputados. Eu não sei se houve, mas é bem capaz de alguns abolicionistas terem votado contra a Lei do Ventre Livre dizendo que ela não bastava. "Eu quero que os escravos sejam livres, e não os filhos deles apenas." Até pior, porque a gente pensa que o menino nascia livre, mas não; pela Lei do Ventre Livre, ele só seria livre quando chegasse aos 21 anos e se nenhum parente fugisse. Se um parente fugisse, alguém da família, ele continuaria escravo. Então, uma lei muito tímida, de 1871, mas, de qualquer maneira, foi um passo adiante. Mesmo que a mãe tivesse um filho sabendo que ia esperar 21 anos para que ele fosse livre, ela já sabia que o filho não seria um adulto escravo. Eu não sei se eu teria votado a favor, porque eu defenderia a Lei Áurea, mas foram 17 anos de espera até a Lei Áurea. Então, foi uma lei positiva.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Mas, aí, não houve ninguém que conseguiu chegar. Se foram 17 anos e seria com 21. Ela foi de pouco efeito, não é?
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É verdade. No fim, teve pouco efeito.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu votaria contra, Senador Cristovam, com certeza, até para fazer com que a luta pela abolição da escravatura fosse mais forte.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu não tenho dúvidas, eu votaria a favor, mas reconhecendo que era tímido, que era um passo pequeno. Eu quero, insisto e vou ficar aqui até o último dia dizendo que um dia, neste País, como em tantos outros, o filho do mais pobre vai estudar na mesma escola do filho do mais rico; o filho do trabalhador, na mesma escola do filho do patrão, como já acontece em quase todos os lugares do mundo. E não são só os socialistas, não; são os capitalistas.
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Eu li um dia desses, Senadora, já faz algum tempo, uma entrevista do Raí, o jogador de futebol. Na entrevista - eu não lembro se era uma jornalista ou um jornalista - perguntou-se o que mais o tinha impressionado na França, quando ele jogou lá no Paris Saint-Germain. E, para minha surpresa, ele disse: "O que mais me surpreendeu foi que meus filhos iam à mesma escola dos filhos da minha empregada com o meu motorista" - eu acho que ele os levou daqui para lá.
Eu peguei o telefone e liguei para ele. Dei uma de Suplicy. O nosso amigo Suplicy é que faz isso, e eu aprendi com ele. Liguei para o Raí - descobri o telefone -, e ele confirmou: "É isso mesmo; me impressionava muito". Porque aqui, o que a gente vê? Depois de tanto tempo do fim da escravidão, a empregada doméstica acorda cedo para preparar o café, arrumar a farda, ajudar a preparar a mochila, para os filhos dos patrões irem para uma escola de qualidade. E ela, empregada doméstica, que ajudou os filhos dos patrões, sabe que os filhos dela não têm isso.
Sinceramente, quando eu ouço falar que o salário da empregada é baixo comparado ao do patrão, é chato, incomoda; que a casa dela não é igual à casa do patrão, é ruim; mas o que me parece indecente é que a escola do filho dela não é igual à escola do filho do patrão. Isso é indecente, isso não é a desigualdade.
Pois bem, essa vai ser a Lei Áurea, que não é uma lei. Não vai haver princesa para fazer isso. E não vai ser em um dia; é um processo que a gente tem que desenvolver, que eu chamo de federalização. É a substituição do atual sistema por um outro, na linha do Darcy Ribeiro, com os CIEPs. Era isso que ele queria: substituir essas escolas por outras. Eu não acredito que de dentro a gente vai fazer a revolução. Essa MP não vai revolucionar, porque ela vem de dentro. A revolução virá de fora, de outro sistema. Mas isso vai demorar. Enquanto isso não chega, vamos fazer a nossa Lei do Ventre Livre, que nem isso chega a ser. Essa, no máximo, é a Lei dos Sexagenários.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu fiquei preocupada agora, porque, se ela for tão parecida com a Lei do Ventre Livre, então, vai ser mais difícil do que eu estava pensando, Senador Cristovam.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - E olha que eu já falei até que nem é a do Ventre Livre, é a dos Sexagenários.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Pois é, então...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Esse é um passo...
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É mais difícil ainda. Mas eu queria só um...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Só um detalhe: a gente está há tanto tempo esperando por isso, tanto tempo por algo parecido.
O que é parecido? Um, o aluno definir algumas disciplinas; dois, dar mais formação profissional na escola do ensino médio, isso é fundamental. Aliás, há muitos anos eu defendo - essa seria a Lei Áurea para mim - quatro anos, em vez de três no ensino médio, e todo mundo sair com uma profissão. Prossigo: terceiro, horário integral. O Brasil vai ser o último país do mundo - país que não é dos mais pobres da África - a ter horário integral em todas as suas escolas. Para isso, vai ter que ter o professor notório saber. É uma condição momentânea. Se estivéssemos em uma guerra, a gente ia formar enfermeiras em três meses, médicos em dois anos, para resolver o problema da guerra.
Então, é uma lei necessária, como a do Ventre Livre, que hoje faz aniversário: 145 anos. Mas, naquela época, a Lei do Ventre Livre foi muito comemorada. Então, eu espero que este Senado debata - teremos três, quatro meses de debate.
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O Mais Médicos se debateu também - não se debateu tanto -, e, se tivéssemos aceito aquelas pressões de algumas categorias dos médicos, não teria saído a Lei do Ventre Livre não. Foi preciso o Ministro bater, foi preciso a Presidente Dilma também bater e enfrentar muita resistência. E nisso eu estava ao lado deles aqui. Inclusive do Humberto Costa, nosso colega, que é quem mais se bateu aqui.
Pois bem. É nesse sentido que é um avanço, mas não é ainda a revolução que a gente precisa.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Senador, eu esperava sinceramente que a gente então aproveitasse este momento, já que estamos todos com o foco na questão educacional, por conta da MP - e o próprio Governo aí está dizendo que é uma prioridade esse debate -, e já pudesse então encaminhar logo para uma Lei Áurea da Educação. Senão, nós vamos fazer um debate, como V. Exª está colocando, com essa comparação com a Lei do Ventre Livre, que vai ser ineficaz, ou seja, ela vai ter pouca eficácia, pouco resultado em relação àquilo que a gente quer.
Eu acho que nós devíamos fazer um esforço e fazer um grande debate, envolvendo toda a sociedade. Concordo com V. Exª que é preciso envolver os professores, envolver os estudantes, envolver os pais, porque educação envolve a comunidade como um todo. Acho que é fundamental.
E, por último, só queria lembrá-lo - V. Exª estava falando do exemplo do Raí, da empregada doméstica e dele, de levarem os filhos juntos para a escola - que nós tivemos um filme recentemente muito premiado, o "A que horas ela volta", que retrata muito essa realidade. Mostra muito a vida da empregada, da criação do filho da patroa, a dificuldade do filho e da filha da empregada de irem para uma faculdade, que com certeza tiveram menos condições de estudar do que o outro. E mostra um pouco essa abertura que o País teve nos últimos anos exatamente de proporcionar que os filhos dos mais pobres pudessem chegar ao terceiro grau, seja pelo ProUni, seja pela ampliação de vagas nas universidades federais.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Pois é. Isso é pior do que a Lei do Ventre Livre. Porque a verdadeira lei é não precisar de ProUni, é não precisar de cotas - de que eu sou defensor, fui dos primeiros. A verdadeira lei é que aquela filha da empregada, no filme, tivesse tido a mesma chance que o filho do patrão na disputa do vestibular. E isso a gente não conseguiu ainda.
Quer dizer, essa Lei Áurea, que a senhora acha que a gente devia discutir, eu entreguei ao Presidente Lula em 2003. Depois, eu entreguei à Presidente Dilma, no dia em que ela ofereceu um almoço, logo no começo do Governo, para os Senadores do PDT, do PCdoB e do PSB, uma proposta de como federalizar as escolas ao longo do tempo. Até botei um nome: os CIEPs da Dilma. Podia ter feito isso. Se a gente tivesse feito, como naquela época se falava, 200 cidades por ano, em 13 anos já teríamos feito em mais da metade das cidades. E já está aqui, esse projeto está circulando aqui. É um projeto meu. Aliás, há mais de um, mas há um que propõe como fazer isso. Ele não chega nem às Comissões, Senadora! Essa é a prova de que se precisa de uma medida provisória. Não chega às Comissões. As Comissões não debatem. Uma medida provisória agiliza. E, se valeu a pena agilizar para a saúde, vale a pena agilizar para a educação. Não há muita diferença do ponto de vista da urgência - salvo para o indivíduo, porque ele morre. A criança que fica fora da escola parece que não morre, mas está morrendo aqui dentro. E nós não somos feito só de corpo. Isso são os outros bichos. Nós somos feitos de uma coisa e de outra.
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E isto a gente não vê. Por isso, não se cuida da educação. A senhora mesmo falou, há pouco, que, nas prioridades à população, a saúde vem na frente, assim como a segurança e o desemprego também, porque isso é visível. Isto aqui não é visível; ninguém percebe que, por trás do desemprego, estão problemas da economia, mas também está a falta de educação. Por trás de muitos dos casos de saúde, está a falta de educação para não cuidar dela. Por trás do problema da segurança, está a falta de uma educação igual para todos, que termina levando muitos jovens a caírem na violência como forma de sobrevivência - depois, aí não tem mais volta, sobretudo com o sistema prisional que nós temos.
A Lei Áurea está por aí rolando, mas não sai. Vamos pelo menos fazer a do Ventre Livre, em homenagem aos 145 anos que comemoramos hoje.
É isso, Srª Presidenta.
A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Muito bem, Senador Cristovam. Vamos ter muito debate pela frente, mas essa é a função desta Casa. Espero que possamos fazer isso com a sociedade brasileira.
Não havendo mais oradores inscritos e não havendo tema a tratar, declaro encerrada a presente sessão.
(Levanta-se a sessão às 15 horas e 21 minutos.)