Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para as condições precárias oferecidas pelo SUS aos pacientes em tratamento de saúde fora do próprio domicílio.

Críticas à portaria nº 1.129, editada pelo Ministério do Trabalho, que reformula o conceito de trabalho escravo no Brasil.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Alerta para as condições precárias oferecidas pelo SUS aos pacientes em tratamento de saúde fora do próprio domicílio.
TRABALHO:
  • Críticas à portaria nº 1.129, editada pelo Ministério do Trabalho, que reformula o conceito de trabalho escravo no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2017 - Página 97
Assuntos
Outros > SAUDE
Outros > TRABALHO
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REVISÃO, VALORES, TABELA, PROGRAMA, TRATAMENTO, DISTANCIA, DOMICILIO.
  • CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), EDIÇÃO, PORTARIA, REFORMULAÇÃO, CONCEITO, TRABALHO ESCRAVO, BRASIL.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Senhoras e senhores, Senadoras e Senadores, imaginem a condição de uma pessoa sem recursos, doente, em tratamento médico delicado, distante de casa e da família.

    Agora imaginem que esse enfermo disponha de menos de Vinte e Cinco reais (R$25) para cobrir a diária de hospedagem na cidade estranha. E menos de Nove reais (R$ 9) por dia para se alimentar, o que não paga sequer uma quentinha.

    Pois essa é a rotina de milhares de pacientes do Sistema Único de Saúde, que precisam de apoio para pernoite e alimentação durante tratamento médico longe de suas cidades.

    Quem me chamou a atenção para essa situação foi dona Leda Andrade, da cidade de Estância, do meu estado de Sergipe.

    Essa senhora me enviou um e-mail angustiado. Ela e o filho se tratam em São Paulo e sofrem as consequências da falta de reajuste da tabela do programa Tratamento Fora de Domicílio.

    Esse programa é regulado pela portaria 55, de 1999. Como o próprio nome diz, fornece ajuda de custo a portadores de doenças cujo tratamento só está disponível em localidade distante da residência.

    Mas faz cinco anos que não são reajustados os valores do benefício.

    O Tratamento Fora do Domicílio representa uma relevante política pública porque assegura o atendimento quando esgotados todos os meios existentes na localidade da pessoa doente.

    São casos médicos de média e alta complexidade, em geral disponíveis somente nas grandes capitais.

    Ademais, o programa assegura substancial apoio às secretarias de saúde quando necessitam transferir pacientes justamente por não contarem com estrutura adequada.

    É, sem sombra de dúvida, instrumento de redução de desigualdade e de justiça social.

    Os números flutuam, mas, no ano passado, em Sergipe, as estimativas falam em mais de mil atendidos pelo programa Tratamento Fora do Domicílio. Somente no primeiro semestre de 2016, foram 844 sergipanos beneficiados.

    Por essa razão subo à tribuna hoje: fazer um enfático apelo para que o Ministério da Saúde faça a necessária revisão desses valores.

    Para se ter ideia, a ajuda de custo para o pernoite está em Vinte e Quatro Reais e Setenta e Cinco centavos (24,75). Para bancar a alimentação, a ajuda diária se restringe à Oito Reais e quarenta centavos (R$ 8,40).

    Quem se alimenta com tão pouco, ainda mais estando doente e precisando justamente estar nutrido para superar uma doença? A resposta é óbvia.

    Pacientes têm recorrido às secretarias estaduais e municipais de saúde, que têm autonomia para aumentar a cifra. Ou recorrem à Justiça para obter o benefício. Mas é um caminho longo e cansativo para quem já está sofrendo, para quem está doente ou tem um parente enfermo.

    Muitas vezes, o auxílio é contingenciado ou negado aos usuários do SUS, uma vez que a portaria 55 condiciona a concessão da ajuda à disponibilidade orçamentaria dos municípios e dos estados.

    O orçamento do SUS, a exemplo de todo o orçamento da União está, de fato, submetido a duro contingenciamento. Sabemos disso. A conjuntura impõe restrições, mas é preciso ter um sentido de prioridade quando se trata de vidas.

    Por conta disso, faço minha a queixa de dona Leda. Alerto, em nome dela e dos milhares de pacientes distantes dos seus lares, para o imperioso reajuste do benefício.

    Estamos falando de gente humilde. Brasileiros que podem contar apenas com o Sistema Único de Saúde.

    Dona Leda, não temos como estabelecer, no Senado, o reajuste da tabela. Mas, esteja certa de que tornarei oficial essa solicitação. Enviarei ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, ofício acerca da questão do reajuste da ajuda de custo. Manterei o assunto em pauta.

    E exorto os brasileiros que dependem hoje do programa que exerçam também a pressão necessária, em seus estados, em suas cidades e junto ao governo federal. Vamos lutar para reverter esse triste cenário.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - É uma vergonha para o Brasil! Um vexame sem precedente!

    Depois de nos tornamos referência mundial no combate às formas contemporâneas de escravidão, em pleno século 21 assistimos à intolerável tentativa de desmonte do aparato de combate a essa prática execrável.

    É uma vergonha e mais um sinal de desprezo do governo Temer pela dignidade humana e pelo já sofrido trabalhador, em especial o pobre trabalhador do campo.

    Refiro-me à malfadada portaria 1129, do Ministério do Trabalho, publicada no dia 16 de outubro, que reformula o conceito de trabalho escravo e impõe obstáculos às inspeções e operações de resgate.

    A portaria tira da área técnica e transfere ao arbítrio do ministro do Trabalho a divulgação da chamada lista suja, o cadastro de empregadores flagrados submetendo seres humanos a condições degradantes ou análogas à escravidão.

    Essa lista já foi apontada pelas Nações Unidas como exemplo mundial de boa prática de política pública. Agora, ela estará à mercê da conveniência política do governo.

    O ato do executivo cria brechas na fiscalização, acrescentando dificuldades para identificação do trabalho escravo. A começar por condicionar a caracterização do trabalho análogo ao de escravo à restrição de liberdade física de ir e vir.

    Ou seja, o trabalhador do campo pode estar dormindo em pocilgas, se alimentando de restos, estar submetido à servidão por dívida. E essa situação poderá ser considerada, no máximo, condição degradante.

    Além disso, condiciona a caracterização do trabalho escravo ao consentimento ou não do trabalhador, o que vai de encontro a convenções internacionais e à realidade dos que, sem opção ou informação, se submetem a situações degradantes.

    A portaria acaba também com a autonomia dos fiscais do Ministério do Trabalho. Eles terão de atuar acompanhados pela polícia, que deverá fazer boletim de ocorrência.

    Nos relatórios de fiscalização, os técnicos deverão, obrigatoriamente, demonstrar, a existência de segurança armada e a imposição de dificuldades de deslocamento do trabalhador.

    E a cereja do bolo de toda essa insensatez é que o processo de autuação não valerá caso o próprio autuado não assine o recebimento do relatório.

    Senhoras e senhores, estou convencido de que a maioria do empresariado do agronegócio e de outros setores económicos sequer concorda com essa portaria. A maior parte do empresariado é séria e sabe que ligações de suas atividades a esse tipo de prática inviabiliza negócios com países modernos e socialmente conscientes.

    Porém, não é difícil perceber os motivos que levaram o governo a patrocinar tal contrassenso. Basta lembrarmos que estamos às vésperas da votação na Câmara dos Deputados da segunda denúncia contra Temer, desta vez por organização criminosa.

    E, sabemos todos, que essa portaria vem se somar a uma séria de medidas do atraso que estão sendo adotadas pelo governo nos últimos tempos para angariar apoio.

    Haja vista a asfixia de recursos para as operações de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão. A notícia é de que a verba acabou em agosto.

    O estrangulamento das inspeções, conforme o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), é assustador. Enquanto em 2013, o país tinha libertado 2.808 trabalhadores, neste ano de 2017, até setembro, foram apenas 17.

    Senhoras e Senhores, o combate ao trabalho escravo, ainda inexplicavelmente presente no mundo tecnológico e globalizado, deve ser alvo constante de nossa atuação. Precisamos estar alertas para evitar retrocessos.

    Sou autor de uma Proposta de Emenda à Constituição que torna imprescritível o crime de submeter alguém ao trabalho análogo ao de escravo. Pela proposta, o prazo para julgamento não acaba, impedindo a prescrição, forma usual de impunidade de exploradores de mão-de-obra escrava.

    O que me motivou foi justamente a recente e inédita condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, por omissão no caso da fazenda Brasil Verde, no sul do Pará.

    Agora, a PEC já está pronta para ser incluída na pauta da Comissão de Constituição e Justiça, a partir da apresentação do relatório, elaborado pelas capacitadas mãos do senador Randolfe Rodrigues.

    Acredito que votar essa PEC será exemplo de resposta aos desmandos e retrocessos do governo Temer.

    E existem várias outras propostas acerca do tema em tramitação nessa Casa, que deveriam ser prioridade.

    Soube que já existe aqui iniciativa buscando anular as novas regras impostas pela portaria de Temer. Desde já, declaro meu apoio às iniciativas.

    Vamos nos unir às diversas vozes que já estão reagindo com firmeza. Ontem, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho manifestou-se, dizendo que o Brasil deixa de ser referência no combate à escravidão.

    O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho, com o apoio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e de órgãos de Cúpula da Procuradoria-Geral da República, enviaram hoje ao ministro Ronaldo Nogueira recomendação para que seja revogada a portaria.

    A própria Secretaria de Inspeção do Trabalho, vinculada ao Ministério do Trabalho, e que atua diretamente nessa área, também está questionando a portaria.

    Temos, portanto, papel crucial na luta para evitar a destruição da imagem do Brasil, e reforçar o compromisso firme de combate ao trabalho escravo, da qual nos orgulhamos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2017 - Página 97