Discurso durante a 190ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o impacto da reforma da previdência nos direitos das mulheres, em referência à comemoração do Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher.

Críticas à reforma da previdência, que será apreciada em segundo turno no Senado Federal.

Autor
Fabiano Contarato (REDE - Rede Sustentabilidade/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexão sobre o impacto da reforma da previdência nos direitos das mulheres, em referência à comemoração do Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher.
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Críticas à reforma da previdência, que será apreciada em segundo turno no Senado Federal.
Aparteantes
Jean-Paul Prates.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2019 - Página 41
Assuntos
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, VIDA, MULHER, RELAÇÃO, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, CONTEXTO, DIA NACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA.
  • CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES. Para discursar.) – Obrigado, Sr. Presidente, senhoras e senhores brasileiros e brasileiras, hoje se comemora o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, mas nós não temos nada para comemorar, a começar pela reforma da previdência – uma reforma da previdência perversa, uma reforma da previdência que tem um destinatário: a camada menos favorecida.

    É preciso que você brasileiro preste bastante atenção: foi vendido um produto para a população brasileira de que a reforma da previdência é necessária. Ela é necessária, mas não da forma como está sendo aprovada aqui neste Senado.

    Por que ela não é a ideal reforma da previdência? Porque ela não alcança todos os funcionários públicos federais, não alcança os funcionários públicos municipais, não alcança os funcionários públicos estaduais, mas ela alcança, sim, você motorista, você caixa de supermercado, você que com muita dificuldade ingressa no mercado de trabalho, quando consegue um trabalho formal com carteira assinada e que não ganha sequer dois salários mínimos.

    Por que iniciei falando do combate à violência contra a mulher? Mais de 86% das pensões por morte no Brasil têm como destinatário as mulheres, porque, infelizmente, no Brasil, nós temos preconceito de raça, cor, etnia, religião, nós temos um Brasil sexista, misógino, em que a mulher é discriminada no local de trabalho, que por muitos anos não conseguiu igualdade e ainda não tem igualdade salarial e nem acesso ao trabalho, ganha menos do que o homem.

    Por que 86% dessas pensões por morte têm como destinatário a mulher? Porque ela renuncia sua vida para cuidar de casa, tem três jornadas de trabalho – três jornadas de trabalho – e, no final da vida, quando perde seu esposo ou companheiro, hoje recebe 100% da pensão por morte, agora vai receber 60%.

    Essa reforma da previdência é perversa. Ela vem com o discurso de que está acabando com o privilégio, mas o Poder Público não faz o seu dever de casa. Dinheiro nós temos de onde tirar: só 50 empresas do agronegócio devem mais de R$200 bilhões em impostos para a União. Por que não executa essas empresas? Refinanciamento de dívidas: R$376 bilhões só o ano passado. Por que está refinanciando dívida para quem já deveria ter pago essas dívidas?

    Ora, nós temos aí imposto sobre grandes fortunas. O art. 145, §1º, da Constituição Federal é claro quando estabelece que a União tem que instituir o imposto de acordo com a capacidade contributiva da pessoa. E nós temos aí pessoas ganhando R$200, R$300 mil e nós não temos uma declaração de Imposto de Renda, uma tributação do Imposto de Renda em cima dessas fortunas, em cima dos juros e dividendos.

    Por que sempre quem tem que pagar a conta é aquele que mais tem dificuldade? É o pobre, aquele que não tem saúde pública. É você, que tem um problema de saúde, que procura o SUS e é subjugado, é humilhado, é constrangido, pernoitando nos corredores dos hospitais públicos, quando a saúde pública é um direito de todos.

    A reforma da previdência vai atingir você, pobre, que sonha que seu filho entre numa universidade federal e, se não for o sistema de cotas, ele não vai entrar nunca porque a educação pública, tirando as universidades federais e os institutos federais, na educação básica, é deplorável. Ontem, nós aprovamos aí retirada de R$1,1 bilhão da educação. Sabe para quê? Para uma relação de prostituição, de promiscuidade. Pagar essa famigerada reforma da previdência através de emenda parlamentar.

    É vergonhoso isso. Eu sinto vergonha como Senador de primeiro mandato. Nunca fui político. Sou professor de Direito, com muito orgulho. Sou delegado de polícia há 27 anos, com muito orgulho, e estou Senador da República, mas, enquanto Deus me der vida e saúde, eu não vou me calar diante dessa violência. Essa violência que está sendo feita contra a mulher, contra os negros, contra os pobres, contra os índios, contra a comunidade quilombola, contra os deficientes físicos.

    Essa reforma só tem este destinatário: atingir as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, atingir aqueles que mais têm dificuldade, aqueles que não têm emprego, aqueles que só pagam a famigerada carga tributária. É preciso que os Srs. e as Sras. Senadores tenham a compreensão e dimensão de que V. Exas. estarão colocando a digital de vocês nesse crime contra a população brasileira, porque o trabalhador dificilmente vai conseguir a carteira assinada pela CLT. Os estudos apontam que ele não fica um ano com a carteira assinada, ele fica de cinco a sete meses. E, para alcançar 40 anos de contribuição, ele vai morrer, mas não vai se aposentar.

    Então, vêm com esse discurso. Por que nós não começamos aqui por nós? Acaba com os privilégios dos políticos, de nós, Senadores, da previdência especial. Eu renunciei à minha previdência especial aqui do Senado. É preciso acabar com esses privilégios. Esses apartamentos funcionais, que são verdadeiros latifúndios, carros, luxos, rubricas, plano de saúde vitalício. E a população brasileira, que tem direito à saúde – está no art. 6º da Constituição Federal: "A saúde pública é direito de todos e dever do Estado"–, sofre com a violência, com o furto, o roubo, o estupro, o homicídio. E está lá no art. 144, que a segurança pública é direito de todos e dever do Estado.

    Aí vem o Governo Federal e fala: "Mas nenhum país da Europa tem uma previdência como a nossa". Claro! Os europeus não estão morrendo nos corredores dos hospitais públicos, os europeus têm educação pública de qualidade, os europeus têm um transporte público eficiente e nem precisam usar carro, os europeus têm dignidade, e nós estamos tirando o mínimo de dignidade da população brasileira. Nós não podemos ser utilizados como chicote, apenas para atuar de forma incisiva contra o pobre, afrodescendente, semianalfabeto, com relação àquele que menos ganha no Brasil.

    Por que nós vamos fazer isso? Eu fico muito triste, muito triste quando eu vejo o pobre defendendo a reforma da previdência. Porque quando eu vejo o rico... Essa reforma da previdência tem três beneficiários: os banqueiros, os empresários e a União Federal. E ela atinge justamente a você que está nos assistindo, você, trabalhador; você, que, com muita dificuldade, consegue ingressar no mercado de trabalho.

    Como é que eu vou conceber que 459 Municípios no Brasil estão em situação de extrema pobreza e que 70 milhões de brasileiros, minha gente, estão em situação de pobreza ou extrema pobreza; 15 milhões de brasileiros estão desempregados ou subutilizados. E nós estamos aqui aprovando mais esse ato de covardia contra a população que mais sofre, que menos ganha.

    O funcionário público, com todo o respeito – e eu sou funcionário público –, tem estabilidade, paridade, integralidade. O trabalhador, não. Eu fico me colocando na dor do outro. Eu acho que este é o grande objetivo – a sensibilidade de você se colocar na dor do outro. Eu fico me colocando no lugar de um homem de 50 anos de idade que ficar desempregado agora no Brasil. A probabilidade de ele voltar para o mercado de trabalho vai ser remota. Eu fico me colocando no lugar dessas viúvas que da noite para o dia vão perder a rentabilidade da sua pensão de 100% para 60%. E vão sofrer pela dor da perda do companheiro e agora pelo Estado subjugá-la a um estado de miserabilidade. Eu fico me colocando no lugar daquelas famílias em que um filho fora acometido com um AVC e ficou paralítico e tetraplégico e vai receber apenas 60% do benefício e não mais 100%. Ela vai ter que renunciar e viver exclusivamente para aquela pessoa ali. Eu fico me colocando... Porque esta é a essência do ser humano: ter a sensibilidade de se colocar na dor do outro, de se colocar no momento por que o outro está passando.

    E com relação a isso, eu vejo que este Senado Federal se acovarda. Ele se subjuga. Ele se humilha. Ele é subserviente. Ele se vende, vende-se a troco de reforma, de pagar; vende o voto, mas não é o voto dele. Eu tenho orgulho de dizer que fui eleito com 1.117.000 votos. Eu tenho vergonha na cara. Onde quer que eu vá no Espírito Santo, eu posso olhar para a população capixaba, porque eu estou aqui com um mandato. Todo poder emana do povo é exercido pelos seus representantes.

    Eu queria muito que os Senadores não colocassem as suas digitais nessa famigerada reforma da previdência, queria muito. Quando se fala que nós temos que tirar para investir nas crianças, na educação, é mentira! Ontem tiramos R$1,1 bilhão – tiramos não, o Governo tirou, porque votei contra – da educação para pagar emendas a Parlamentares.

    "Ah! Temos que investir na saúde". O Governo Federal agora cortou a fabricação de 19 medicamentos distribuídos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para o tratamento do câncer, transplantados, diabéticos. Isso vai atingir 30 milhões de brasileiros.

    Olha, minha gente, por que não exigimos que o Poder Público efetive o imposto sobre grandes fortunas? Que cobre dessas empresas, que pare de refinanciar dívidas, que faça dar luz e vez ao art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal, que diz que a União tem que instituir um salário mínimo digno, capaz de suprir as suas necessidades e as da família com saúde, educação, habitação, moradia, lazer, vestuário. Nós temos esse mísero salário de R$998, enquanto, com todo o respeito, existem garçons aqui no Senado Federal, motoristas aqui no Senado Federal, que ganham mais de R$15 mil. Com todo o respeito! Segundo o Dieese, para suprir o art. 7º, inciso IV, o valor do salário mínimo tinha de ser R$4.143.

    É cômodo falar que estamos combatendo privilégios se só estamos tirando daquele que mais sofre, daquele que não tem nada, daquele que não tem educação de qualidade, que não tem saúde, que não tem oportunidade de emprego, daquele que sofre com a violência.

    O Estado, o mesmo Estado que criminaliza a pobreza... E falo isso com convicção, porque fui utilizado pelo Estado, como delegado de polícia, por 27 anos, só para agir contra o pobre. E aqui eu não faço apologia a crime nenhum. Mas quando ocorre um furto aqui em Brasília, você tem uma vítima determinada. Quando o Governo Federal desvia a verba da saúde, está matando milhões de brasileiros. Quando o Governo Federal ou o Governo estadual ou um político qualquer desviam a verba da educação, estão matando o sonho de milhões de jovens. Quando eles desmantelam o meio ambiente, estão matando as vidas que ainda estão por vir.

    Não consigo me calar diante de tamanha atrocidade, de tamanha perversidade, mas fico triste e envergonhado quando vejo nos meus pares a coragem de botar a digital num ato de tamanha violência como é a reforma da previdência. Essa reforma da previdência não tem a minha digital. Não que eu seja contra, por ser contra, é necessária uma reforma da previdência, mas que ela seja justa, igualitária e que cobre efetivamente de quem mais prejuízos ocasiona ao País: os crimes praticados por políticos, os crimes contra o sistema financeiro, os crimes contra a ordem tributária, os crimes de sonegação fiscal, os crimes do colarinho branco; não dos pobres, desdentados, desvalidos, sem vez, sem voz, sem dignidade, sem saúde, sem educação, sem habitação, sem nada, minha gente.

    Por favor, pensem bem. Brasileiros e brasileiras que estão nos assistindo, cobrem isso, cobrem isso de seus representantes, porque vocês foram iludidos com uma falsa promessa de que essa reforma da previdência vai salvar o Brasil.

    Esse canto da sereia já foi aplicado em 2017, com a reforma trabalhista, quando foi estabelecido o trabalho intermitente. Com o trabalho intermitente, você vai, efetivamente, receber apenas pela hora trabalhada. Foi ali que se estabeleceu que grávidas e lactantes podem trabalhar em ambiente insalubre. Se não fosse o Supremo, nós estaríamos aqui. Foi ali que se estabeleceu que a homologação de rescisão de contrato de trabalho pode ser feita pelo empregador. É entregar a galinha na mão da raposa.

    Eu queria muito que os Senadores e as Senadoras tivessem a plena convicção de que estão tendo nas mãos o sangue que vai matar milhões de brasileiros, deixando-os em completo estado de miséria. Eu quero muito que todos tenham a plena convicção de que essa reforma da previdência está longe, muito longe de ser aquilo que, efetivamente, vai fazer o Brasil crescer, gerar emprego e renda, fortalecer a economia e garantir, quem sabe um dia, que eu possa aqui subir e falar que tenho o orgulho de dizer que vivemos num verdadeiro Estado democrático de direito, em que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse dia ainda não chegou.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    O Sr. Jean Paul Prates (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para apartear.) – Senador Contarato, permite-me um rápido aparte, mesmo já tendo encerrado, apenas para, se pudéssemos, aplaudir de pé com minha voz o seu discurso, o seu pronunciamento?

    Eu também cheguei a esta Casa neste ano e também não pretendo ter minha digital nessa reforma da previdência.

    V. Exa. colocou aí todos os pontos que nos levam, que levam qualquer pessoa de caráter mínimo a estar contra isso, não contra a reforma da previdência pela reforma, mas contra essa reforma advinda do mercado financeiro, um pacote pronto, preparado, com vários artigos elaborados fora desta Casa, praticamente um prato feito, que não teve, praticamente, defensores.

    O Senador Paulo Paim, que é quem mais promove encontros aqui, teve dificuldade de encontrar pessoas. Eu o vi aqui várias vezes clamando por pessoas que viessem defender a reforma da previdência. Como é que, no Senado, para um novato como nós, se explica que algo passe por aqui, por duas Casas, absolutamente sem defensores, apenas com os votos colocados lá?

    Uma reforma equivocada, sub-reptícia, baseada em fatos e números duvidosos, já contestados, a maior parte dele secretos, confidenciais, dados confidenciais... Como é que se decide sobre uma coisa desse tamanho com dados confidenciais, fechados pelo próprio Governo, que é o proponente, e isso já denunciado publicamente?

    Uma reforma preguiçosa, leniente, que não foi buscar soluções complexas. Problemas complexos exigem soluções complexas, multifacetadas, que cortem, mas cortem em todos, não apenas no mais fácil, na base da pirâmide, que não tem como se manifestar, só daqui a quatro ou, quem sabe, oito anos. Então, é uma reforma preguiçosa, leniente, mais ainda, mal-intencionada, enganosa. É mal-intencionada porque transfere poupança para os bancos privados. Olha, eles já não têm o suficiente no Brasil? Querem ainda tomar a poupança de quem vai se aposentar?

    Enganosa, porque vende a ideia da fadinha da confiança. Eu já disse várias vezes aqui, se tem uma coisa que eu entendo é de investimento externo, investimento privado nas atividades econômicas reguladas ou não. Eu garanto que não há absolutamente nenhuma vantagem, aprovando a reforma da previdência em aumentar o investimento, atrativo de investimentos para o Brasil.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Jean Paul Prates (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Não é aí, não é esse caso, são outras coisas, são outros fatores. Não esse. Isso se agregou como argumento enganoso, como eu disse.

    Por fim, V. Exa. chamou atenção do que ontem também me feriu muito, de estar até presente ali naquela sessão, de remanejamento orçamentário. O orçamento é uma peça feita a várias mãos, com negociações políticas, sim, econômicas, sim, mas reajustada basicamente ontem – e nós não colocamos nossa digital nisso, votamos contra – realocando, por exemplo, quase R$1 bilhão da educação para organizar emendas paroquiais para quem votou a favor. Então, uma reforma tão antipática que precisa ser comprada, realmente comprada.

    Parabéns a V. Exa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2019 - Página 41