Discurso durante a 141ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do escritor Érico Veríssimo.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do escritor Érico Veríssimo.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2005 - Página 28895
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ERICO VERISSIMO, ESCRITOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ANALISE, OBRA LITERARIA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA BRASILEIRA, DIVULGAÇÃO, MEMORIA NACIONAL, REGISTRO, BIOGRAFIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros; Exmºs Srªs e Srs. Embaixadores; Exmº Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim; Exmº Sr. Vice-Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. Antônio Hohlfeldt; Exmº Sr. Ministro do Tribunal de Contas da União, representando a Presidência da Academia de Letras, Marcos Vinícios Villaça; Exmº Sr. Luis Fernando Veríssimo; Exmº Sr. Evandro Krul, Presidente da Fundação Erico Verissimo; Exmª Srª Elisabete Teresini, Curadora do Centro Cultural Erico Verissimo; Exmº Sr. Michel Minnig, Diretor-Geral do Comitê Internacional da Cruz Vermelha; Exmº Sr. Reitor da Universidade de Cruz Alta; Srªs e Srs. Deputados; Srªs e Srs. Senadores; minhas senhoras e meus senhores.

É com grande alegria que a representação do Rio Grande do Sul - composta pelos Senadores Paulo Paim, Sérgio Zambiasi e eu - teve a satisfação de ver aprovado, por unanimidade, nesta Casa, o requerimento solicitando a realização desta sessão especial em homenagem a Erico Verissimo, um dos mais destacados intelectuais brasileiros e um cidadão que honra, sobremaneira, o Rio Grande do Sul e o Brasil.

Trata-se de uma homenagem mais do que merecida no transcurso do centenário do nascimento daquele que realizou uma das mais notáveis obras literárias da Língua Portuguesa.

Mesmo sendo um dos maiores escritores da Língua Portuguesa, Erico Verissimo sempre se apresentou, modestamente, como um contador de histórias. Acho que, com essa definição, o nosso Erico queria fazer uma homenagem aos homens e mulheres que, no Rio Grande do Sul, ao longo dos tempos, contam e ouvem histórias ao redor de uma fogueira, numa roda de chimarrão, num galpão campeiro ou mesmo na sala de uma residência urbana.

Como ficcionista, Erico Verissimo colocou-se um enorme desafio, que era o de romancear a história do Rio Grande do Sul. Foi um trabalho sobre-humano do qual se saiu amplamente vencedor.

Entre 1947 e 1960, ele escreveu as milhares de páginas de O Tempo e O Vento. Nessa obra monumental, ele conseguiu descrever, com uma prosa envolvente, límpida e empolgante, a formação do nosso Estado e da sua gente, representada na saga da família Terra-Cambará.

O romance traça um amplo painel histórico, que começa com as Missões Jesuíticas e chega até a Era Vargas, em meados no século XX. Nele, assistimos às batalhas entre portugueses e espanhóis pela posse da terra nos tempos coloniais. Acompanhamos, depois, o surgimento e o desenvolvimento das atividades econômicas que fizeram a riqueza do nosso Estado. Também temos o desfile dos muitos conflitos armados que mancharam de sangue os nossos campos, como a Guerra dos Farrapos e a Revolução Federalista. Nas histórias de Erico podemos acompanhar o processo que levou à formação do patriarcado rural e proporcionou a ascensão da burguesia nas cidades então nascentes. Assistimos, ainda, à chegada dos primeiros imigrantes.

Na verdade, nos volumes que compõem O Tempo e o Vento, sob o olhar arguto de Erico, desfilam os gaúchos de todas as faixas sociais: os ricos, a classe média urbana, que aos poucos se formava, e os pobres, divididos entre os agregados e os escravos.

Disse que Erico pretendia registrar ficcionalmente a história do Rio Grande do Sul, mas, na verdade, acredito que realizou algo muito mais complexo do que faria o mais experimentado historiador: ele conseguiu um registro perfeito da alma do povo gaúcho.

Em vários diálogos memoráveis, travados em importantes momentos históricos, os personagens de Erico Verissimo apresentam a evolução do pensamento dos homens e mulheres do Rio Grande. Ao registrar as mudanças no interior dos lares, o autor termina por lançar luz sobre os eternos conflitos familiares. Coloca diante do homem pacífico e caseiro o homem afeito às aventuras. Ao lado das mulheres fortes, mas que aceitam o papel que a sociedade da época lhes reserva dentro apenas do lar, Erico Verissimo mostra também, com Luzia, a mulher que se rebela e anseia por liberdade.

É comum dizer-se que Erico Verissimo é dos escritores brasileiros aquele que melhor soube interpretar a alma feminina, em especial com a construção de suas personagens de O Tempo e o Vento: Ana Terra, Luzia, Bibiana e Maria Valéria. É verdade. Ao centrar boa parte das narrativas no interior dos lares rio-grandenses, ele dá às personagens femininas um papel de destaque que elas raramente desfrutavam na literatura da época.

Do mesmo modo, são inesquecíveis os marcantes personagens masculinos, a começar pelo turbulento capitão Rodrigo. Eu destacaria ainda Pedro Terra, Juvenal Terra, Licurgo, Bolívar, Toríbio e Floriano Cambará. Pode-se dizer que, nesses homens, o nosso escritor exemplifica todos os temperamentos masculinos.

Fiz aqui referência ao fato de Erico Verissimo ter transposto a história do Rio Grande do Sul para a literatura. Mas a verdade é que ele sempre insistiu que não escrevia romances históricos. Dizia que seu objetivo era, sempre, criar personagens e elaborar tramas em que elas se manifestassem. “Sou apenas um contador de histórias”, disse ele em certa entrevista. E acrescentou: “O importante é o personagem. Onde o homem sofre e luta, aí está o assunto do escritor”.

Quero aqui recordar, brevemente, uma história contada por Erico Verissimo. Disse ele que, numa noite de 1916, em Cruz Alta, aos 11 anos, foi chamado à sala de curativos da farmácia de seu pai. Pediram-lhe que segurasse uma lâmpada enquanto tratavam os graves ferimentos de um homem que fora espancado violentamente pela polícia. Mesmo nauseado e horrorizado, o menino empunhou a lâmpada até o final. Mais tarde, Erico diria que “naquela noite nasceu em mim o sentimento de justiça, de repugnância pela violência, que me domina até hoje”. Com base nessa história, ele dizia que os que escrevem devem manter firme uma lâmpada para iluminar o mundo, “evitando que sobre ele caia a escuridão”.

Desde muito jovem, Erico teve pesados encargos sobre seus ombros. Aos 17 anos, assumiu o papel de chefe de família, trabalhando em um armazém. Transferiu-se, depois, para uma agência bancária. Por essa época, sua vocação literária ainda não se firmara. Tinha também inclinação para as artes plásticas, pensava em ser pintor. A seguir, tornou-se sócio de uma farmácia. Dá início, então, ao namoro com Mafalda, com quem iria casar-se em 1931, e com quem teve dois filhos, Clarissa e Luis Fernando.

Em 1928, estreou com o conto Ladrões de Gado, publicado na Revista do Globo. Em 1930, transferiu-se para a capital e ingressou como redator naquela revista. Pouco depois, assumiu o cargo de Secretário do Departamento Editorial da Livraria do Globo, a convite do editor Henrique Bertaso.

Sua carreira literária se inicia, em 1932, com a edição de Fantoches, coletânea de contos. No ano seguinte publica Clarissa. Em 1934, conquista com o romance Música ao Longe o Prêmio Machado de Assis. No ano seguinte, publica seu livro Caminhos Cruzados. Mas, foi com Olhai os Lírios do Campo, em 1938, que seu nome tornou-se verdadeiramente popular em todo o Brasil.

Erico Verissimo dizia que, no começo da carreira, teve que tomar “sopa de pedra”. Já casado, trabalhava muito. Foi tradutor da Editora Globo, tendo vertido para o português mais de 50 títulos de autores que escreviam em inglês, francês, italiano ou espanhol. Além das traduções, escrevia programas infantis para o rádio e textos para as páginas femininas dos jornais, sem descuidar da sua própria produção.

Mas a verdade é que, ainda bastante jovem, Erico Verissimo conseguiu viver apenas de literatura. Ao lado de Jorge Amado, ele foi dos raros escritores brasileiros que desfrutaram de grande público, tanto no Brasil quanto no exterior.

            Desde 1943, ano em que viajou pela primeira vez aos Estados Unidos, Erico esforçou-se em divulgar a literatura e a cultura brasileira no exterior. Fez palestras e ministrou cursos no México, Equador, Peru, Uruguai, França, Espanha, Portugal e Alemanha. Em 1953, por indicação do Ministério das Relações Exteriores, assumiu a direção do Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos, cargo que exerceu por três anos, em Washington.

No Brasil, recebeu, entre outros, os prêmios Jabuti (1966), Juca Pato (1967), Personalidade Literária do Ano (PEN Club, 1972) e o Prêmio Literário da Fundação Moinhos Santista (1973), para o conjunto de sua obra.

Seus livros foram traduzidos e publicados em quase todo o mundo: Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Áustria, México, União Soviética, Noruega, Holanda, Hungria, Romênia, Argentina e outros países.

Os críticos viam na obra de Erico Verissimo três ciclos distintos. O primeiro, que vai de 1932 a 1940, de Fantoches à Saga, seria caracterizado por um certo intimismo e pela crônica da vida gaúcha. O segundo ciclo seria o do painel histórico do Rio Grande do Sul, com os tomos de O Tempo e O Vento. O terceiro ciclo - com obras como O Prisioneiro, Incidente em Antares e O Senhor Embaixador - seria marcado pela reflexão política e pela sua tomada de posição para os momentos que o Brasil vivia.

Em seu último romance, de 1971, Incidente em Antares, Erico Verissimo incorporou à literatura brasileira o “realismo fantástico”, traço marcante da literatura que se fazia nos países de língua espanhola da América. Publicado nos anos mais duros do regime militar, esse excepcional romance mostra um quadro sem retoques daquela época sombria.

Antares, uma típica cidade brasileira, de uma hora para outra, transforma-se em palco para um fato extraordinário: sete mortos - insepultos em função de uma greve de coveiros - saem às ruas. A arma dos mortos para atacar os figurões da cidade é a franqueza: sem temer represálias, eles podem falar a inteira verdade.

Senhoras e senhores, já que estamos no Senado da República, gostaria de falar brevemente de política. Reproduzirei aqui trechos de pronunciamentos de Erico Verissimo.

            Numa entrevista concedida a uma emissora de rádio, ele falou sobre o que julgava ser a responsabilidade política dos escritores. Disse Erico:

            Acho que o escritor antes de tudo deve fazer o que entende para fazê-lo bem. Mas eu não vejo como um escritor, escrevendo sobre o mundo de hoje, pode se omitir da política. Porque todos esses problemas nos saltam a cara desde o jornal que você folheia no jornal da manhã até que o dia em que vê a gente pobre na rua, deitada na calçada, pedindo esmola. Mas o escritor não pode esquecer que ele é um artista e que, depois que os problemas sociais estiverem resolvidos ainda haverá necessidade de ler, de escrever livros, de pintar, de ouvir música.

Em 1968, quando recebeu da União Brasileira de Escritores o Troféu Juca Pato, como intelectual do ano, Erico declarou:

Nunca pertenci a nenhum partido político, mas jamais fui indiferente à política. Não vejo os problemas do mundo como uma luta entre o branco e o preto, o Bem e o Mal. Isso tem levado muita gente a achar incoerente ou contraditória a minha linha política. Uma coisa, porém, me parece fora de dúvida. É que tenho estado sempre ao lado dos oprimidos contra os opressores.

Quero relembrar ainda um importante fato histórico do Rio Grande do Sul, que teve a presença marcante de Erico Verissimo. Nas eleições de 1974, uma carta do escritor praticamente decidiu a eleição à favor do candidato do MDB, Paulo Brossard*. Era uma disputa renhida, difícil. O MDB tinha vindo de uma derrota fragorosa nas urnas de 1970, em que, em primeiro lugar, chegara a Arena, em segundo, o voto em branco e, em terceiro, o MDB. Ficamos reduzidos a sete Senadores nesta Casa. Ainda havia a interrogação sobre qual seria o destino, sobre o que aconteceria, quando Erico Verissimo resolveu dar seu apoio ao nosso candidato. Mandou-lhe, então, uma carta que logo ganhou as ruas de Porto Alegre, do Rio Grande e do Brasil inteiro. Todos os candidatos do MDB reliam e repetiam aquela carta por todo o Brasil.

Estou certo de que aquele documento, datado de 5 de novembro de 1074, teve um papel decisivo na nossa vitória.

No início de sua carta, Erico diz que Brossard será no Senado “o defensor da nossa classe média, que se está proletarizando assustadoramente; do nosso proletariado que afunda cada vez mais na marginalização e dessas multidões de marginais que vivem num plano mais animal do que humano”.

Mais adiante diz que, eleito, Brossard não esquecerá de lutar pela juventude do Brasil, “que em conseqüência das leis vigentes se vai apagando na mais deplorável das alienações políticas”.

E acrescenta Erico Verissimo estar certo de que Paulo Brossard vai levantar sua voz no Senado Federal, para “atacar a Censura e essa vergonhosa lei 477, bem como para lembrar que o Brasil é signatário da Carta dos Direitos Humanos da ONU”.

As esperanças expressas por Erico Verissimo naquela carta se concretizaram, porque Paulo Brossard foi, aqui no Senado - num tempo de medo e opressão! -, um dos poucos a se rebelar contra o arbítrio do Governo de então.

Meus irmãos, por fim, como homem de fé que sou, gostaria de transcrever aqui um pequeno trecho de uma fala de um personagem de O Tempo e o Vento sobre religiosidade.

Diz o Irmão Toríbio em “Reunião de Família”: “Nossa obrigação de cristão é a de estar presentes em todos os esforços do mundo no sentido de construir uma sociedade mais humana. O verdadeiro cristão não terá de ser necessariamente contemplativo, mas militante”.

Acrescento ainda que o próprio Erico Verissimo, que se definia como agnóstico, disse certa vez: “Sinto grande afeição e admiração pela figura histórica de Cristo e acredito sinceramente que, se a ética cristã fosse realmente posta em prática, as criaturas humanas poderiam resolver os seus problemas de convivência num mundo que cada vez se complica mais e mais”.

Antes de encerrar, meus irmãos, destaco a presença entre nós do igualmente notável escritor Luis Fernando Verissimo*, filho de Erico. Luis Fernando dispensa apresentações, mas, mesmo assim, gostaria de dizer algo sobre o excepcional trabalho que ele vem realizando, há mais de três décadas, na literatura e nos jornais brasileiros.

Luis Fernando Verissimo é, hoje, um dos maiores cronistas brasileiros. Seu nome certamente se equipara aos dos maiores cronistas que este País já teve, como Machado de Assis, Rubem Braga e Nelson Rodrigues. Luis Fernando Verissimo tem uma vasta produção, reunida em dezenas de volumes. Eu gostaria de destacar a obra intitulada Comédia da Vida Privada. Nesse livro, Luis Fernando Verissimo faz uma análise acurada da vida das famílias brasileiras.

Presentes nas páginas das publicações mais prestigiadas do Brasil, os textos de Luis Fernando gozam de um notável reconhecimento popular. Seus livros são caracterizados por grandes tiragens. Esse reconhecimento se deve, é claro, ao notável talento literário de Luis Fernando Verissimo. Mas eu diria que são também um resultado do seu caráter, da sua integridade como escritor e da sua lucidez como analista da vida pública e privada deste País.

Meus amigos, o Rio Grande do Sul e o Brasil têm muito a agradecer à família Verissimo, pelos relevantes serviços prestados à cultura gaúcha e brasileira.

Gostaria de deixar aqui os meus calorosos agradecimentos a S. Exª o Sr. Presidente Renan Calheiros, às pessoas que no Senado deram seu apoio mais entusiasmado para a realização da exposição sobre a vida e a obra do nosso Erico Verissimo. Agradeço, realmente, Sr. Presidente. V. Exª não poupou esforços. Agradeço aos titulares das diretorias que trabalharam para a concretização deste evento, bem como aos funcionários envolvidos. Por fim, agradeço a presença dos estudantes brasileiros, lembrando-lhes que Erico Verissimo foi também autor de vários livros infantis e didáticos de altíssima qualidade.

É com muita alegria que trago o meu abraço muito fraterno a Erico Verissimo, a sua obra e a sua História. O Rio Grande do Sul tem muita honra de ver a sua História lembrada por Erico Verissimo. Feliz o Estado que tem um homem de projeção mundial e que leva os seus feitos à credibilidade nacional e internacional.

Erico era um homem simples, singelo, tímido e modesto; a sua obra é uma obra extraordinária, monumental, realmente uma obra internacional.

Muito obrigado, Senhores!

(Muito bem! Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2005 - Página 28895