Discurso durante a 18ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com supostos erros de gestão pública que retardam investimentos estatais em saneamento básico com ênfase nas obras previstas pelo Programa de Aceleração de Crescimento, e comentário sobre a relação da precariedade do sistema de coleta e o aumento de casos de doenças congênitas.

Autor
Elmano Férrer (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PI)
Nome completo: Elmano Férrer de Almeida
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Preocupação com supostos erros de gestão pública que retardam investimentos estatais em saneamento básico com ênfase nas obras previstas pelo Programa de Aceleração de Crescimento, e comentário sobre a relação da precariedade do sistema de coleta e o aumento de casos de doenças congênitas.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 01/03/2016 - Página 27
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, PESQUISA, AUTORIA, INSTITUTO NACIONAL, FOCO, SANEAMENTO, ASSUNTO, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, EXECUÇÃO, OBRAS, REFERENCIA, SANEAMENTO BASICO, ORIGEM, PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO (PAC), CRITICA, PRECARIEDADE, SISTEMA NACIONAL, COLETA, ESGOTO, ENFASE, TERESINA (PI), ESTADO DO PIAUI (PI), BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), SÃO LUIS (MA), MARANHÃO (MA), NATAL (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), MACAPA (AP), AMAPA (AP), APREENSÃO, INFLUENCIA, AUMENTO, INCIDENCIA, DOENÇA ENDEMICA.

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, Srªs e Srs. Senadores, conforme foi amplamente noticiado, o Congresso Nacional realizou sessão solene em homenagem à Campanha da Fraternidade do corrente ano, cujo foco trouxe à tona o quadro de saneamento básico do nosso País.

    Meus cumprimentos, portanto, Srª Presidente, à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs que, em tempos de aedes aegypti, proporcionam um debate com a sociedade sobre o saneamento em nosso País.

    A escolha do lema da campanha "Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca", colhido do livro de Amós, capítulo V, versículo 24, não se deu por acaso. Amós fundamenta sua pregação profética numa denúncia social aguda, chamando a atenção para o progresso que não se traduza em igualdade e justiça para todos.

    Sem embargo das valiosas contribuições que Parlamentares outros trouxeram ao melhor entendimento do problema, tomo a liberdade, não apenas como Senador, mas como homem de fé e católico praticante, de trazer também uma modesta contribuição à discussão de tão momentoso tema, com especial destaque ao Estado que honrosamente represento aqui nesta Casa, o Estado do Piauí.

    Srª Presidente, nosso sistema de saneamento e saúde é insuficiente, inadequado e está muito associado à pobreza, afetando, principalmente, as populações de baixa renda, mais vulneráveis por uma série de fatores, como a subnutrição e a falta de informações básicas sobre higiene e cuidados pessoais.

    Ao se fazer uma relação entre os baixos índices de saneamento e a incidência de doenças endêmicas diversas, principalmente as transmitidas por veiculação hídrica, por má distribuição e tratamento inadequado das águas, chega-se à conclusão de que eles respondem por pesados impactos no Sistema Único de Saúde e na saúde geral da população.

    Como reconhece a Organização Mundial de Saúde (OMS) e organismos do porte do Instituto Trata Brasil, que monitora e acompanha os investimentos oficiais na área, ter ou não ter água de qualidade e um sistema de coleta e tratamento de esgoto ou de coleta e tratamento de resíduos sólidos faz toda a diferença para prevenir doenças que sobrecarregam o sistema de saúde e ocupam milhares de leitos hospitalares em nosso País. E, para coroar esse quadro dantesco, afastam milhares de trabalhadores brasileiros de seus postos de trabalho.

    Concordo com as palavras do ilustre e companheiro Senador Cristovam Buarque quando afirma que o saneamento é uma das condições de decência, de fraternidade até, mas tenho que o saneamento é também questão de cidadania, e, como tal, o seu exercício não pode sofrer limitações de ordem temporal, espacial ou econômica sob pena de estarmos consagrando estranha e odiosa divisão entre cidadãos de primeira, segunda e terceira classes.

    Srª Presidente, minhas senhoras e meus companheiros Senadores, apesar dos avanços dos últimos 10 anos, principalmente no que diz respeito ao acesso à água potável, o cenário do saneamento básico no Brasil é alarmante, em que apenas 48,1% da população têm cobertura de esgoto, o que equivale a dizer que mais de 100 milhões de brasileiros ainda não usufruem desse serviço básico, fundamental à saúde.

    O Governo Federal, Srª Presidente, pretende universalizar o saneamento básico do Brasil até 2033, com investimentos para o período de R$302 bilhões, para as obras de saneamento de água e esgoto, fora outro componente importantíssimo para os indicadores de saúde pública, que é a coleta e tratamento de resíduos sólidos, não incluído nesse cálculo de trezentos e poucos bilhões de reais.

    Mas as boas intenções do Governo sofrem ação corrosiva de dois males recorrentes da Administração Pública brasileira de todos os tempos: a incapacidade de executar o que se planeja e a desarticulação entre os três entes da Federação.

    Tomando-se como referência as obras de saneamento previstas pelo PAC para as 100 maiores cidades brasileiras, apenas 14% delas estão prontas após cinco anos de início de trabalho. A maioria, portanto, de 65% das obras - e aqui me valho dos dados do referido Instituto Trata Brasil -, está atrasada, paralisada ou sequer começou.

    O meu estimado e querido professor, que o nosso Senador Garibaldi Alves conhece, o Leonides Filho, dos quadros na Universidade Federal do Pernambuco, economista e, durante muitos anos, Superintendente-Adjunto da Sudene, sob cujo comando tive a honra de trabalhar, diz, com muita propriedade, que os planos, os programas são riquíssimos no que fazer, mas pobres no operacionalizar, no como fazer e quem fazer.

    Os ditos planejadores econômicos, que atuam na área do planejamento substantivo, são grandes especialistas em diagnósticos, prognósticos, fixação de metas e estratégias, fixação de fontes de recursos, mecanismos de acompanhamento e avaliação, mas os responsáveis pela execução são sempre esquecidos no planejamento, que é de cima para baixo. Não participam da elaboração de planos, muito menos de projetos e programas, recebendo-os prontinhos e aprovados.

    O que acontece, o mais das vezes, não é a escassez de recursos, mas, sim, o desperdício, a incapacidade de utilizar esses recursos em tempo hábil e adequadamente na dicotomia entre as etapas de concepção, de elaboração e de aprovação de projetos com a etapa de execução, em que reside a incapacidade operacional de implementá-los, provocando baixos índices de sua execução e consubstanciais prejuízos para a sociedade. Eis o resumo do que colhi com Leonides Filho.

    Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a lenta evolução das obras e dos indicadores de saúde compromete a meta governamental de universalizar o saneamento em duas décadas. No caso do meu Estado, o Piauí, e, em especial, da minha queridíssima Teresina, o caminho a percorrer é longo. Com uma cobertura de esgoto de apenas 18%, Teresina, ao lado da nossa querida capital Belém, de São Luís, da capital do nosso companheiro Senador Garibaldi Alves, Natal, de Macapá, a capital aqui do Estado do meu querido João Capiberibe, apresenta um cenário intolerável e inaceitável. Os serviços de coleta e de tratamento de esgotos são precários e insuficientes. Do manejo dos resíduos sólidos nem devemos falar: usa técnicas já ultrapassadas, quando existem.

    É preocupante a lentidão com que avançam as obras do PAC na minha cidade de Teresina, por meio de dois contratos firmados entre o Governo Federal, o Ministério das Cidades e a Águas e Esgotos do Piauí (Agespisa), que é uma companhia de águas e esgotos, que se arrastam há mais de oito anos. O primeiro, de 2007, para a implantação de estações elevatórias, redes coletoras e ligações à estação de tratamento da água, abrangendo quase 225km, encontra-se paralisado, com menos de 18% de execução. O segundo, de 2008, com a conta de empréstimo via FGTS, Caixa Econômica - não vou citar o valor -, abrangendo quase 100km de rede, está igualmente paralisado, com cerca de 30% de execução.

    Não bastassem os prejuízos que a paralisação de obras traz ao beneficiário final, que é o cidadão, é desolador ver volumosos recursos públicos serem esterilizados pelo aumento do custo das obras em função do recrudescimento da inflação. Tal circunstância exigirá o aporte de novos recursos em tempos de escassez ou a redução de metas, além da reformulação de planos e projetos, o que redundará no alongamento dos cronogramas, novos atrasos e prejuízos para a população e para o Erário.

    Preocupante também, Srª Presidente, é o ritmo das obras de saneamento e esgotamento sanitário em 14 Municípios às margens do Rio Parnaíba. Esses Municípios, juntos, representam em torno de 8% da população do Estado, e a maioria deles, após concluídas as obras, terá 100% de cobertura de esgoto.

    Essa ação iniciou-se em meados de 2007, com recursos PAC, envolvendo o Ministério da Integração e a Codevasf. Falo de um volume de investimento da ordem de R$288 milhões para o esgotamento sanitário e ligações intradomiciliares. Estamos em 2016 com obras ainda em execução e sem a conclusão das ligações da rede de esgoto às residências.

    Volto à minha querida e bela Teresina, cidade mesopotâmica de quase 1 milhão de habitantes, que representa em torno de 26%, Srª Presidente, da população do nosso Estado, com indicadores positivos em várias áreas, como geração de emprego e centralização em prestação de serviços de saúde, que é uma referência regional, com um polo de ensino médio e superior nacionalmente reconhecido, com uma forte vocação para o turismo e para os negócios, inclusive para o abastecimento de bens duráveis e de consumo, que extrapola as fronteiras do Estado. Entre tantos outros impulsos positivos que detém, Teresina, cidade que governei, tem, no entanto, no preocupante quadro sanitário, um persistente entrave ao seu desenvolvimento urbano e ao seu destino de progresso e grandeza.

    Portanto, Srª Presidente, as cidades do Brasil crescem. O processo de urbanização, Srªs e Srs. Senadores, é irreversível.

    Em sintonia com a Encíclica Laudato Si', do nosso querido Papa Francisco, precisamos da união de toda a família humana e, em especial, de toda a família brasileira na busca de um desenvolvimento sustentável e integral. Na perseguição de tal desiderato, nossas responsabilidades são múltiplas, e a primeira delas, sem dúvida, é correr com as obras de saneamento básico, para que a universalização tão sonhada não fique cada vez mais distante, ficando consequentemente em papel, em projetos e em programas.

    O Sr. João Capiberibe (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Senador Elmano, peço um aparte a V. Exª.

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI) - Com a palavra o Senador João Capiberibe.

    O Sr. João Capiberibe (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - V. Exª toca num aspecto preocupante no nosso País que é o saneamento básico. Nós ainda temos um percentual elevadíssimo de pessoas que vivem sem água tratada, sem rede de esgoto. Eu não conheço a situação específica de outros Estados, mas conheço a do meu. Conheço e acompanho a contabilidade pública do Amapá desde que o dinheiro passou a ter memória, desde 1994 até 2014 - em 2015, eu ainda não tive acesso à contabilidade, ao balanço geral do Estado. O que eu posso lhe afirmar é que, ao longo desses 25 anos, instalaram-se algumas quadrilhas em torno do orçamento público que desviaram, pelos meus cálculos, em torno de R$1,5 bilhão a R$2 bilhões. Com esse dinheiro, seria possível atender com água e esgoto 100% da população do Estado. Então, não é a falta de recursos, não foi a falta de dinheiro, mas exatamente o desvio desse dinheiro, a apropriação privada desses valores coletivos, desse valor de dinheiro pago pelo cidadão. Só agora, depois de 25 anos, é que a Justiça começa a dar resposta. Amanhã começa um interrogatório de várias autoridades do Poder Judiciário, desembargadores, procuradores de Justiça, conselheiros do Tribunal de Contas, Deputados estaduais, que passam a responder ao STJ. Amanhã um juiz instrutor, delegado pelo STJ, estará, a partir de amanhã, ouvindo e interrogando essas autoridades sob suspeita de conluio, sob suspeita de terem praticado atitudes criminosas no exercício de suas funções. Também no dia 16 vindouro, vamos ter o julgamento de um grupo de pessoas que desviaram fortunas da Assembleia Legislativa do Amapá. É o primeiro julgamento no primeiro processo da operação, chamada Operação Eclésia, que fez busca e apreensão na Assembleia Legislativa e apreendeu farto material comprobatório, notas fiscais falsificadas, contratos falsos, notas fiscais frias. Isso se transformou em mais de 40 processos criminais e de improbidade administrativa. No dia 16, vai a julgamento o primeiro caso, que envolve o ex-Presidente da Assembleia e o ex-Secretário da Mesa, o ex-Presidente Moisés Souza e o ex-Secretário da Mesa Edinho Duarte. Eles serão julgados no seu primeiro processo. O ex-Presidente da Assembleia tem mais de 20 processos criminais. A expectativa no Amapá é muito grande, porque esses dois eventos podem provocar um transe histórico naquela sociedade, que ficou sem água e sem rede de esgoto...

(Soa a campainha.)

    O Sr. João Capiberibe (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ... porque o dinheiro que deveria ser aplicado ali infelizmente foi desviado. 

    O Sr. Garibaldi Alves Filho (Bloco Maioria/PMDB - RN) - V. Exª me permite um aparte?

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI. Como Líder.) - Pois não, Senador Garibaldi.

    O Sr. Garibaldi Alves Filho (Bloco Maioria/PMDB - RN) - Na mesma linha do Senador Capiberibe, mas não chegando a esses casos deploráveis da administração dos recursos públicos no Estado do Amapá, apenas quero dizer que V. Exª faz um discurso aqui em tom de advertência, porque, na verdade, estamos enfrentando essas epidemias agora com os recursos da medicina curativa, quando, na verdade, deveríamos ter exercido o trabalho preventivo, reclamado por V. Exª nessa tribuna neste momento.

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI) - Exatamente isso.

(Soa a campainha.)

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI) - Na realidade, são dois aspectos interessantes. De uma parte, vimos o Deputado Capiberibe falar em 25 anos decorridos de aplicação de recursos, e só agora estão apurando. De outra parte, V. Exª, Senador Garibaldi, fala da importância do saneamento como prevenção às gravíssimas doenças que erradicamos há mais de 50 anos e que estão voltando com esse processo de urbanização que houve no Brasil, de ocupação urbana sem nenhum planejamento.

    Em saneamento básico, esgoto, poucos governantes no passado quiseram investir, porque as obras não davam inauguração, ninguém via, ficava sob a terra.

    São problemas gravíssimos que temos que enfrentar, principalmente este, que diz respeito, minha estimada Senadora Ana Amélia, à estrutura do Estado brasileiro.

(Soa a campainha.)

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI) - Aqui me referi e me vali de afirmativas do estudioso Leonides Filho, que tem estudado o planejamento do Brasil, o planejamento regional. Ele fala que se planeja, que se estimam recursos, com bons projetos, mas, na hora da execução, há um verdadeiro desastre. Isso ocorre em decorrência da desarticulação, Srª Presidente, entre os níveis de governo: a União, os Estados-membros da Federação e os Municípios. Daí por que - permitam-me defender - a reinvenção do Estado brasileiro. O Estado que temos aí não mais atende às aspirações e aos desejos da população. Essa é que é a triste e lamentável realidade.

(Soa a campainha.)

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI) - Aqui, neste Senado, que é a Casa da União, dos Estados e dos Municípios, consequentemente da Federação brasileira, temos que retomar esse processo de construção de um novo Estado. O Estado que nós temos não mais satisfaz aos desejos e aspirações coletivas. Este Estado que está aí se esgotou. Este Estado não atende e não responde aos grandes problemas nacionais. É sobre isso que temos que nos debruçar.

    Temos uma crise econômica, sobretudo política, ética e moral? Temos, mas temos também uma crise do Estado brasileiro. Daí eu defender que passemos a nos debruçar sobre a reinvenção do nosso Estado.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. ELMANO FÉRRER (Bloco União e Força/PTB - PI) - Era isso que nós tínhamos a fazer no dia de hoje.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/03/2016 - Página 27