06/07/2015 - 11ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 11ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública com os seguintes convidados: Dr. Orlando Zaccone D'Elia Filho, Delegado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes e Doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal Fluminense; e Antônio Teixeira de Lima Júnior, Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Antes de iniciarmos os trabalhos com os convidados presentes aqui, eu quero destacar que houve uma audiência muito produtiva na cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima, com a participação de nove convidados à mesa da Assembleia Legislativa, com a participação de um público de jovens e de pessoas que têm relação com a luta política desenvolvida em torno da questão dos direitos humanos, com a presença do Fórum Estadual de Defesa da Criança e do Adolescentes tanto na mesa quanto no plenário.
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E tivemos a oportunidade de analisar, com a presença também de autoridades religiosas, as circunstâncias específicas regionais daquele Estado, como, por exemplo, no que diz respeito primeiro ao crescimento... Não é o Estado de Roraima um dos Estados que mais se destacam, comparativamente com os demais, na questão da violência, com os índices mais altos; no entanto, ele teve um crescimento nos últimos dez anos acima da média nacional. E, no caso específico, isso é que interessou à CPI analisar no Estado de Roraima. E as circunstâncias culturais próprias, já que lá não há uma maioria de população jovem negra principalmente assassinada, mas, sim, de jovens indígenas. Então, as causas que levam a essa característica muito própria da juventude indígena, vinculando à violência naquele Estado.
Então, nós queremos agradecer à Assembleia Legislativa; ao Presidente daquela Assembleia Legislativa; aos deputados estaduais que estiveram presentes; à Governadora do Estado, que deu todas as condições para que nós realizássemos o nosso trabalho livremente naquela capital; aos Senadores Telmário Mota e Ângela Portela, que estiveram solidariamente acompanhando todo o trabalho e que foram provocadores da nossa ida até aquela capital; e, sem dúvida nenhuma, ao Senador Lindbergh, que ficou até todo o final do trabalho lá, em Boa Vista.
Nós tivemos a oportunidade de interagir com as perguntas e o debate. E as perguntas do Relator foram feitas a todos os que estavam presentes na abertura da audiência, de maneira que, creio, ele terá condições de apresentar um relatório específico daquela audiência, que vai contribuir muito para o conjunto das observações a respeito da realidade da violência no Norte do Brasil, especialmente naquele Estado.
Peço à Secretaria da Mesa que, imediatamente, conduza e acomode à mesa os nossos convidados. Temos apenas dois hoje. Teremos condição, portanto, de dar um tempo maior, se necessário, a cada um para a sua apresentação inicial.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar, com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e pelo Alô Senado, através do número 0800-61 2211.
Para organizar nossos trabalhos, informo que, após a exposição dos convidados, a palavra será concedida aos Senadores e Senadoras, com preferência para os autores do requerimento e o Relator desta Comissão.
Como sugestão, vamos acertar o tempo de fala de cada um, quem fala primeiro também. Há alguma sugestão de ordem? Podíamos começar pelo Ipea, que, se não me engano, tem uma apresentação a ser feita. Quinze minutos daria tempo?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Entre quinze e vinte minutos. Não se preocupe, fique à vontade. Se tocar a campainha é porque é automática a programação.
Então, vou passar a palavra, portanto, inicialmente, ao Sr. Antônio Teixeira de Lima, técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, que falará sobre a situação de subnotificação, se não me engano...
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O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR (Fora do microfone.) - Vou falar sobre a violência, vou falar sobre o racismo como um dos elementos explicativos do processo.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vai falar sobre a violência, vai falar sobre o racismo como um dos elementos que explicam o crescimento dessa violência contra a juventude.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Boa noite a todos e a todas aqui presentes!
Sou Antônio e trabalho na Coordenação de Gênero e Raça do Ipea. Esta apresentação pretende se debruçar sobre a violência, da qual o assassinato de jovens, que é tema desta CPI, é uma das expressões, a partir do ângulo da questão racial no Brasil. Então, pretendo dar ênfase a isso. No início, minha intervenção pode parecer um tanto "principista", mas ela é essencial para compreendermos em que medida podemos interpretar o crescimento da violência no Brasil como uma das expressões de racismo estrutural na nossa sociedade.
Dou um diagnóstico preliminar da violência e de suas representações clássicas no Brasil.
O crime, que, em geral, é o que estudamos e avaliamos para dar expressão à violência, é apenas uma das formas de manifestação do fenômeno violento e, considerado de forma isolada, a nosso ver, tende a nos conduzir, inúmeras vezes, a conclusões um tanto trágicas. Então, ora tendemos a representar a violência como conduta desviante, ora tendemos a representar essa violência como um problema de indivíduos, ora tendemos a representar a violência como uma violação de uma norma. Quero afastar essas representações, para colocar a questão racial como um dos fenômenos, um dos elementos essenciais para compreendermos o que vem acontecendo no Brasil hoje.
No Brasil, a violência foi historicamente representada como uma espécie de desvio de um ponto ótimo, supondo-se a existência, em algum momento do nosso processo histórico, de uma espécie de grau zero de violência. Foi sob esse pano de fundo que se ergueu um dos mitos fundadores da sociedade brasileira, um dos elementos desse mito fundador, que é o mito da cordialidade. O que é o mito da cordialidade na tradição clássica da Sociologia brasileira? A representação do povo brasileiro como gente ordeira e pacífica, a escravidão como um encontro feliz entre as raças, o racismo como um problema dissolvido pela miscigenação ao longo do nosso processo histórico, o crime como uma espécie de desvio individual, resultado da malandragem e da vadiagem, que, inclusive, foram tipificadas ao longo do século XX como crime. Foi um tipo penal criado especificamente para disciplinar o corpo negro na sociedade brasileira.
Esse mito permitiu que a repressão fosse utilizada como uma espécie de forma de restituição dessa paz genuína, dessa normalidade perdida, resultado de um crime praticado por um indivíduo. Então, a repressão ganhou legitimidade como forma de resolução dos nossos conflitos, apoiada também nessas formas de representação. E essas formas de representação instituíram práticas, políticas públicas. Elas construíram instituições públicas no Brasil, entre elas o aparato policial no século XIX.
Há uma pergunta sobre a qual esta CPI se debruça que me parece instigante e que é o fio condutor para pensar a violência a partir da questão racial. Esta CPI se pergunta: o que tem tornado possível a violência letal de jovens, inclusive a policial, na escala em que ocorre no Brasil? Há uma série de outras perguntas, mas me parece que essa é abrangente o suficiente para nos debruçarmos sobre a violência e sobre suas diversas formas de manifestação.
Então, uma das primeiras questões que trazemos no Ipea como uma das interpretações sobre esse fenômeno que vivemos neste momento - isto está atravessado em todo o nosso processo histórico - é que a questão social foi tratada como um problema de segurança pública. Ela, a nosso ver, está no cerne da produção em série de violência letal contra a juventude, contra a juventude negra, contra os negros.
O Estado penal tem sido classicamente convocado para resolver a violência difundida conjuntamente pelo sistema econômico, político e social. A apresentação que elaborei vai se debruçar um pouco sobre essa série de violências. A gente vai poder vislumbrar de que modo o Estado brasileiro responde apenas através do Estado penal como uma forma de resolver essa violência sistêmica.
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Classicamente, a segurança pública foi um elemento central, como forma de conter a violência difundida pelo conjunto do sistema econômico e político. Ela foi estruturada, sobretudo, para debelar aqueles que eram considerados inimigos internos. Então, se formos no cerne da Constituição, do aparato policial, do aparato repressor legislado no Brasil, lá no século XIX, a gente vai poder identificar que foi exatamente nos períodos em que se intensificaram as rebeliões de negros escravizados que surgiram as legislações mais repressivas, tanto na legislação imperial quanto em códigos de posturas municipais adotados em algumas cidades. Essa legislação foi construída para regular uma força de trabalho negra, que estava, paulatinamente, conquistando liberdade e se aglutinando nos centros urbanos que cresciam no século XIX.
Essa política de segurança pública, que é um dispositivo colonial permanente, ao longo da história brasileira, orienta a classificação dos sujeitos a serem eliminados e controlados, a partir de um suposto comportamento desviante. A capoeira já foi considerada, por exemplo, um comportamento desviante, só para a gente lembrar. Adota uma retórica estigmatizante e belicista que associa comunidades negras a um lugar de perigo e desordem, metáfora racista de uma natureza que precisa ser civilizada. Aí é importante invocar essas representações para pensar algumas políticas de segurança pública que estão se consolidando, sobretudo em territórios negros, como territórios que precisam ser civilizados, uma natureza que precisa ser controlada. Civilizar esses territórios negros significa instituir políticas e medidas de controle e de securitização da vida, que têm tido no corpo negro seu alvo preferencial. Vou depois ilustrar com alguns exemplos concretos, para a gente tornar isso mais palpável, além dos dados.
O sistema penal que a gente tem hoje no Brasil não abrange apenas o cárcere - é importante dizer isso. Hoje, basicamente, as favelas são representadas como outra forma de encarceramento. Se a gente pensar , por exemplo, que alguns morros do Rio foram cercados, o que é aquilo se não uma nova forma de encarceramento? A gente tem o desenvolvimento de tecnologias inúmeras de controle e vigilância social que dão configuração a uma espécie de gestão policial da vida. A gente tem uma proliferação de arquiteturas anti-indesejáveis. Aqui deve haver pessoas de inúmeras cidades que sabem que, em algumas cidades, começaram a surgir algumas formas arquitetônicas que impedem que a população de rua ocupe, por exemplo, algumas avenidas, prédios que instituíram sirenes em suas marquises, o próprio fenômeno do "rolezinho" e a repressão aos "rolezinhos" mostram um pouco dessas arquiteturas anti-indesejáveis que têm se proliferado como outra forma de segurança pública, às vezes sustentada pelo Poder Público, às vezes sustentada apenas pela esfera privada. Essa forma de gestão policial da vida tem se tornado a tônica da segurança pública nos grandes centros urbanos.
Leis municipais têm sido constituídas, ao longo dos últimos anos. Há uma lei municipal no Rio de Janeiro que chegou a proibir o uso de bonés, porque os lojistas das ruas do Rio de Janeiro estavam sinalizando que os bonés estavam sendo utilizados pelas pessoas para inibir a identificação pelas câmeras. Ou seja, estamos falando de dispositivos legais, instituídos em diversas cidades brasileiras, que reproduzem estereótipos, assim como a legislação imperial escravista fez com inúmeros outros corpos negros. Aqui em Brasília, a gente tem o famoso "kit peba", composto de boné, bermudão e camiseta. O "kit peba" é utilizado comumente, na abordagem policial, como forma de escolher quem são ou quem não são os suspeitos. Estamos falando de dispositivos e práticas institucionalizadas, que configuram essa gestão policial da vida, o controle policial da totalidade da vida de uma parte da população, não toda ela. A população negra é o cliente preferencial.
Outra coisa que a gente precisa lembrar é que a gente vive sob a égide da manipulação do medo como catalisador desses dispositivos de controle social.
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E disso participa, sobretudo, a mídia, com a sua retórica bélica, com a retórica da conquista dos territórios pelo aparato policial, que dá legitimidade e sustentação a uma série de mortes legalmente consentidas, sobre as quais o Prof. Orlando Zaccone depois vai se debruçar um pouco mais detidamente.
É esse medo como catalisador dos dispositivos de controle social que converte o afastamento desse elemento selvagem, identificado clássica e historicamente no Brasil no corpo negro, como um princípio ordenador de toda a sociedade brasileira e sobretudo das políticas de segurança pública. Porém, os dados recentes têm nos oferecido contrapontos a esse mito de uma gente ordeira e pacífica. E aí eu estou trazendo alguns dados que já são conhecidos do público em geral, mas que nos ajudam a tornar mais concreto esse debate mais principiológico que eu trouxe logo no início da minha intervenção.
Então, temos uma evolução do número de crimes violentos letais intencionais, de forma consistente, ao longo dos últimos anos. Apenas entre 2009 e 2013, saltou de 44.518 para 53.646. Esse dado diz respeito a ocorrências policiais .
Logo abaixo, na tabela, nós vemos as mortes por agressão que contabilizam as vítimas. E das vítimas, é óbvio, o número aparece um pouco maior do que o número de crimes violentos letais institucionais. Isso tem como fonte o Sinesp, são informações públicas, que confirmam a evolução da letalidade. E nós vamos ver depois alguns elementos que precisamos elucidar para tentar compreender de que forma e quais são os mecanismos que permitem que isso venha acontecendo.
Pode passar.
Nacionalmente, esse número elevado de crimes violentos tem algumas diferenças relevantes que precisam ser elucidadas. Os Estados do Norte e do Nordeste têm apresentado, do ponto de vista relativo, taxas superiores de homicídio por 100 mil habitantes. Então, Alagoas aparece no topo desse processo, com altíssimas taxas. Roraima, embora não tenha as mais altas taxas de homicídio calculada por 100 mil habitantes, ela teve uma variação de 46%. Ou seja, nós temos alguns Estados que têm uma taxa baixa, mas uma explosão, um crescimento absurdo de violência letal.
Estados como Bahia, Ceará, Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Pará e Paraíba, aparecem com grande destaque na distribuição estadual dessa violência letal intencional.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Srª Presidente, pela ordem.
Esse caso de Roraima foi de 2012 a 2013 ou de 2012 a 2014?
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Isso.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Só em um ano?
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Em um ano, 46%.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Muito alto.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Então, em resumo, são assassinadas no País, em média, 53 mil pessoas por ano, 9 mil cometem suicídio, 10 mil são vitimadas de forma violenta, por causa indefinida pelo Estado.
A mortalidade violenta vem se agravando nas últimas décadas, e as taxas de homicídio estão se concentrando cada vez mais nos mais novos entre os jovens entre 25 a 29 anos.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fazendo soar a campainha.) - De 15 a 29 anos.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - De 15 a 29 anos.
Então, em 1980, por exemplo, só para ilustrar essa tendência à concentração dos homicídios nos mais novos entre os jovens, a taxa máxima de homicídios era de 27,7 por 100 mil habitantes, com pico aos 25 anos de idade. Era aos 25 anos de idade que nós tínhamos essa taxa. Em 2010, a taxa máxima de homicídios saltou para 70,6 por 100 mil habitantes, com o seu pico aos 21 anos de idade.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Então, a taxa máxima variou 154% em 20 anos.
A relação entre essa taxa e as armas de fogo.
A taxa máxima de homicídios por arma de fogo era 14,4 por 100 mil habitantes em 1980, com pico aos 25 anos de idade. Em 2010, essa taxa máxima de homicídios por arma de fogo era de 59,3 por 100 mil habitantes, com pico aos 20 anos de idade, o que significa dizer que, somente considerando os homicídios por arma de fogo nós tivemos, considerando a taxa máxima, 314,7% de aumento, com uma concentração cada vez maior nos mais novos entre os jovens de 15 a 29 anos.
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Pode passar.
Então, nas mortes por agressão com uso de arma de fogo, 71% das mortes por agressão praticadas no Brasil são oriundas do uso de arma de fogo, 29% sem arma de fogo.
Vou passar rápido por causa do tempo. Pode passar.
Temos uma seletividade sistêmica nesse fenômeno violento e nos homicídios como um dos fenômenos da violência. Então, aí temos, nesse quadro, nesse gráfico, o cálculo da taxa também por 100 mil habitantes. Vocês podem observar que, entre os negros, a taxa é infinitamente maior. Os negros são a coluna em azul e os não negros em vermelho. Basta olhar de imediato que, em quase todos os Estados, a taxa de homicídio de negros é infinitamente maior se comparada com a de não negros.
Pode passar.
O Mapa da Violência 2014 revelou um pouco dessa seletividade sistêmica como uma das marcas do funcionamento da violência no Brasil. Então, no período de 2002 a 2012, houve uma queda da taxa de homicídios da população branca e incremento da vitimização da população negra. Então, se entre os brancos houve queda de 24,8% na taxa de vitimização, entre os negros o aumento foi de 38,7% no mesmo período supracitado.
Como a taxa geral de homicídios não oscilou muito nesse mesmo período, passou de 28,9 para 29 por 100 mil, significa dizer que você teve uma intensificação do caráter seletivo da taxa de vitimização no Brasil e o caráter seletivo em que a questão racial aparece com destaque. Traduzindo isso em outros números, nesse mesmo período, morreram 72% mais negros do que brancos.
Pode passar.
Mas veja, temos um problema hoje no Brasil, e o debate sobre a diminuição da maioridade penal tem nos feito refletir sobre o equívoco que é discutir a situação da juventude no Brasil apenas a partir do ângulo da segurança pública. Existem outras violências sistêmicas praticadas contra a população negra.
É bem verdade que, nos últimos anos, os indicadores sociais melhoraram muito, em geral, para a população negra e para a população branca. Os dados mostram isso e não há o que se discutir. Porém, a desigualdade entre as raças praticamente permaneceu intocada. E nós estamos tratando essas desigualdades raciais como uma das expressões de racismo, como expressão, portanto, de violência sistêmica.
Então, vocês podem observar que, considerada a população por faixa etária e dividida por faixa de salário mínimo, temos, em quase todas as faixas, quase o dobro da presença de negros nas faixas mais precarizadas da população brasileira, compreendidas elas por faixas de salário mínimo, se comparados com os brancos, enfim.
Pode passar.
Isso também ganha expressão, por exemplo, se considerarmos as condições de moradia da população negra, se comparada com a população branca. Então, os indicadores para a população branca são sempre melhores quando comparados com a população negra, independentemente do lugar, do local de residência, se em região metropolitana, se em região urbana não metropolitana ou se em região rural.
Em alguns casos, temos mais do que o dobro da presença de negros nas condições mais precárias se comparados com os brancos. Então, essa é uma desigualdade que diz respeito a elementos estruturais da sociedade brasileira que não foram debelados.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Pode passar.
A taxa de desocupação também expressa isso na população com 10 anos ou mais de idade, considerada por faixa etária. A população branca goza de melhores indicadores quando comparadas com a população negra.
Eu vou passar esses dados, porque isso vai ficar disponível para a CPI. Então, podemos passar direto.
Isso também se repete com relação a rendimento médio mensal, à distribuição percentual da população ocupada, enfim.
Então, só para tentar finalizar - infelizmente não vai dar para falar tudo, mas nas respostas podemos avançar sobre outros elementos que aparecem na apresentação. Nós temos continuidades históricas que precisam ser encaradas.
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Então, o Direito Penal no Brasil foi fundado não no crime, mas no criminoso, e o criminoso é um oponente racializado historicamente, esse sistema penal não foi instituído para conter delitos, ao contrário do que está enraizado no senso comum, mas para perseguir indivíduos. É nesse contexto que surgiu toda a legislação imperial que reprimiu, que visou coibir a vadiagem, reprimir quilombos, instituir açoites em locais públicos, cadastrar capitães do mato, reprimir formas autônomas de produção do espaço pelos negros, tal como os quilombos, os terreiros, os cantos de trabalho, o controle e a circulação dos negros e a permanência dos negros em locais públicos, o controle da atividade profissional exercida pelos negros na rua, o controle da diversão pública dos negros e as medidas higienistas que tiveram como seu principal cliente a população negra.
Como não há mais tempo para falar, eu vou encerrar por aqui e, durante as próximas intervenções nas perguntas, eu posso me debruçar sobre o resto da apresentação.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada pelos dados aqui apresentados e a tese defendida.
Registramos a presença, que está, inclusive, se pronunciando, do Senador pelo Estado de Roraima, Telmário Mota, o nosso companheiro de batalha, tem ajudado muito a sustentação desse trabalho e que assegurou, num nível maior de hospitalidade, a nossa presença em sua terra.
Antes de passar a palavra ao próximo, eu vou ler uma primeira contribuição que chegou aqui, com a nossa audiência interativa, pelo e-Cidadania. Gabriel Eduardo, da União da Juventude de Luziânia, pergunta ao Ipea: "Gostaria de saber se há algum motivo especial para que as regiões metropolitanas sejam as mais afetadas pelos altos índices de assassinatos de jovens e quais ações são exemplo no combate do assassinato de jovens".
Muito bem, Gabriel, muito obrigado por sua participação. Você, que está também nos acompanhando pelo e-Cidadania, contribua como o Gabriel.
Concedo a palavra ao nosso próximo convidado, que é o Dr. Orlando Zaccone D'Elia Filho, delegado de polícia do Rio de Janeiro e que também é um estudioso da questão específica das razões pelas quais a violência ocorre no Brasil.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Boa noite a todos e a todas. Agradeço o convite da CPI do Assassinato de Jovens. Cumprimento a Senadora Lídice da Mata, Presidente da CPI; o Senador Telmário Mota; todos os presentes; meu colega de Mesa Antônio Teixeira de Lima.
Eu, como delegado de polícia no Rio de Janeiro, tenho me dedicado, pelo menos nos últimos oito anos da minha atividade acadêmica, ao estudo da violência. Mas o recorte que eu tenho feito dessa violência é partir da ideia de que existe uma violência conforme o Direito; uma violência que não é contrária ao Direito. Digamos que o grande encarceramento no Brasil pode ser visto como um ato violento, porque os cárceres, principalmente nas condições que eles são mantidos no nosso País, são locais que, podemos dizer, de tortura. Mas é uma violência conforme o Direito.
No que diz respeito à letalidade, especialmente à letalidade da juventude, eu dediquei um estudo recente no doutorado em Ciência Política na UFF, a uma letalidade que é conforme o Direito que se encontra numa forma jurídica chamada autos de resistência. Não sei se vocês já ouviram falar em auto de resistência, mas auto de resistência é uma nomenclatura de que alguns Estados do Brasil se utilizam para se referirem a investigações de quando um policial, no exercício da função policial, elimina, produz um homicídio matando alguém num ambiente social.
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Esses autos de resistência ganham uma forma jurídica, porque são inquéritos policiais. E eu descobri que, no ano de 2005 - essa não era uma pesquisa minha, era uma pesquisa do Prof. Michel Misse, da UFRJ -, no Rio de Janeiro, mais de 99% dos autos de resistência foram arquivados em menos de três anos. O que significa que todos os autos de resistência do Rio de Janeiro instaurados no ano de 2005, até dezembro de 2008 estavam arquivados por uma decisão do Ministério Público. Ou seja, o titular do direito de ação, órgão do Ministério Público, diz que essas mortes não são contrárias à lei, elas são mortes conforme a lei.
Isso até gerou uma curiosidade porque já havia um estudo feito por um desembargador no Rio de Janeiro, Desembargador Sérgio Verani, um trabalho muito bom intitulado Assassinatos em Nome da Lei, em que ele já observava que havia ali uma forma jurídica a contemplar a legitimidade das ações policiais.
Então, quando falamos de assassinatos de jovens, da letalidade da juventude no Brasil, todas as pesquisas que se apresentam passam um pouco distantes de contemplar esse tema importante, que é a violência letal produzida pelo Estado brasileiro contra a juventude brasileira. O que é um problema, porque nós estamos falando de uma violência conforme o Direito e não contrária ao Direito.
E é muito importante estarmos hoje na CPI no momento em que se inverte toda uma pauta. Daqui a pouco, o Senado vai se deparar com a votação da emenda constitucional sobre a redução da maioridade penal.
E por que isso é uma inversão da pauta? Porque o grande problema no Brasil não é a violência praticada pelo adolescente. Existem pesquisas que dizem que, da totalidade dos atos infracionais que chegam ao conhecimento do Estado, menos de 8% são atos infracionais com violência. Se formos falar de homicídios praticados por adolescentes, a cifra é irrisória, é zero vírgula zero não sei o quê.
Então, quando nós formos olhar para o que a CPI está olhando, ou seja, para a violência praticada contra o jovem, contra o adolescente, aí veremos que o Brasil encabeça os piores índices do mundo.
O Brasil, segundo recente pesquisa do Unicef, do trabalho desenvolvido pelo Unicef, está em sexto lugar entre os piores índices de violência contra a criança e o adolescente. Na relação de violência, de letalidade, de morte de criança e adolescente por 100 mil habitantes, nós estamos em sexto lugar entre os piores índices. Em números absolutos, o Brasil só perde para a Nigéria, em números absolutos de violência contra criança e adolescente.
Na verdade, a CPI está resgatando um olhar para aquilo que é realmente o mais importante de ser visto quando o assunto é violência e juventude. Não é o que está se pretendendo colocar em pauta, de que o grande problema é a violência praticada pelo adolescente, mas, sim, a violência praticada contra ele.
Mas voltando: o meu recorte, então, é sobre a violência praticada através de agências policiais, portanto, pelo Estado contra essa juventude. Fui estudar 308 pedidos de arquivamento no Ministério Público para tentar entender como se dá essa legitimidade. Porque, se o Ministério Público pede o arquivamento, ele está dizendo que essas mortes praticadas pelas polícias estão em conformidade com a lei. E, muitas vezes, isso é um paradoxo. Porque o tempo inteiro a sociedade discute essa violência, chamada de violência policial, como uma violência contrária à lei, como execuções. Mas, na verdade, o que nós vemos nas práticas jurídicas é o arquivamento legitimado pelo MP. E aí fiz um recorte de 308 autos de resistência arquivados entre os anos de 2003 e 2009, no Rio de Janeiro.
O meu objetivo era pegar a construção da legitimidade a partir da decisão do promotor de Justiça, mas acabei enxergando alguns números interessantes. Por exemplo, a idade média das 368 vítimas dos autos de resistência arquivados, aos quais eu tive acesso, era de 22 anos, sendo que a menor idade encontrada foi de 11 anos. E 21% das vítimas dos autos de resistência que eu estudei eram menores de 18 anos. Então, por esse recorte da minha pesquisa, que não é um recorte que permite muitas conclusões, porque foi feito na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 2003 e 2009, mas já há indícios de que essa violência no Estado, a partir das agências policiais, tem como alvo a juventude.
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E quando a gente for ver outros dados da pesquisa, do local onde esses autos de resistência ocorrem, 75% foram autos de resistência que ocorreram dentro de comunidades consideradas favelas. Então, podemos concluir que são jovens que moram nas favelas e, conforme o próprio Antônio disse, eu também cheguei aqui a dados de que 61% eram pardos, 17% negros, totalizando 78% que podem ser contemplados como jovens negros e moradores de favela.
Mas como é que esse milagre ocorre? Primeiro, nós temos um problema de Ciência Política. Por quê? A Anistia Internacional, no ano de 2011, estudou 20 países que ainda têm pena de morte no mundo, como a Indonésia. Todo mundo fala que a Indonésia matou dois brasileiros, parece que é muito, mas, desses 20 países que ainda têm pena de morte no mundo, foram executados, no ano de 2011, 676 pessoas. A Anistia Internacional só não tinha os dados da China, porque a China não fornece os dados. Nesse mesmo período de 2011, somente as polícias do Rio e São Paulo, não é a do Brasil, apenas de dois Estados brasileiros, mataram 961 pessoas. Ou seja, no ano de 2011, as polícias do Rio de Janeiro e São Paulo produziram 42% a mais de morte que em todos os países com pena de morte no mundo, em um País em que a pena de morte, em tese, é proibida. Em tese não, ela é proibia pela Constituição. Nós só podemos admitir a pena de morte no Brasil em caso de guerra declarada. A última guerra de que o Brasil participou, salvo engano, foi a Segunda Guerra Mundial.
Aí há alguns argumentos que tentam contrapor, antes de nós entrarmos na análise da construção dessa legitimidade que foi o objeto dessa pesquisa. Divulgando a pesquisa em muitos Estados brasileiros, me deparo com alguns argumentos, como por exemplo: "Ah, mas no mundo inteiro, os marginais, os bandidos não estão tão bem equipados, tão bem armados como no Brasil. Portanto, a reação da polícia brasileira a esses marginais que estão portando armamento militar justifica esses altos índices." Mentira! A última guerra do continente sul-americano foi a Guerra das Malvinas. Foram mortos 649 argentinos e 258 ingleses. Ou seja, nós temos aí 900 pessoas. Só em 2007, o Estado do Rio de Janeiro produziu 1.330 mortes a partir de autos de resistência. O Estado do Rio de Janeiro! Então, se em uma guerra em que há dois grupos, dois exércitos, e não é só com fuzil na mão não, lança-foguetes, navio de guerra, bombardeio aéreo, se uma guerra não produziu mais de mil pessoas mortas - e foi a última guerra no continente - como justificar 1.330 pessoas mortas, em 2007, no Estado do Rio de Janeiro sob o argumento de que existe uma guerra em que de um lado estariam policiais e de outro lado estariam criminosos fortemente armados?
Então, eu acho que esses dados, os números por si só mostram que há essa letalidade altíssima, que não se justifica, e nós temos que entender como ela é contemplada pelo Direito, que é o grande problema. Como que o Direito diz que essas mortes estão legitimadas?
E aí eu fui lá na análise dos pedidos de arquivamentos. Primeiro, é importante a gente salientar que essa letalidade, a partir de ações policiais, se encontra dentro de uma categoria da Ciência Política, que temos que definir, que é o massacre. O que é um massacre? Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni, Ministro da Suprema Corte da Argentina, um grande jurista, um grande criminólogo latino-americano, massacre é, antes de tudo, um homicídio múltiplo, embora na forma de prática, ou seja, de exercício de decisão política e não de ação isolada emergente de algum segmento. Assim não entram em conceito de massacre os casos de assassinatos policiais isolados que não sejam resultado de uma prática sistemática.
Então, quando nós fazemos o recorte dessa pesquisa nos autos de resistência, nós sabemos que isso não contempla a totalidade da letalidade provocada a partir de ações policiais.
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Existem ações policiais que não são contempladas de forma jurídica, grupos de extermínio, por exemplo, mas o que estamos falando aqui é dessa forma sistemática dos autos de resistência, que têm a participação de agências do sistema de justiça criminal, como o Ministério Público e a Magistratura, que contemplam essa legitimidade.
Aí fui dar uma olhada nos pedidos de arquivamento. Há um capítulo - na verdade é um subtítulo de um capítulo - que chamo de "A hora dos mortos-vivos", porque, parece-me, pela análise que fiz, que existe no Brasil uma política pública, não na forma de política de Governo, mas na forma de razões de Estado, que seriam movimentos que são perpetrados pelo Estado para sua própria manutenção, para que República continue. Essas políticas na forma de razão de Estado contemplam a ideia de que existem categorias no ambiente social que estão desprovidas de proteção à vida. O traficante de drogas é uma dessas categorias. Por que estou falando isso? Porque, na quase totalidade dos pedidos de arquivamento que eu encontrei legitimando a ação policial como uma ação dentro da lei, muitas das vezes, mesmo com oito tiros nas costas, com tiro à queima-roupa na cabeça, com autos de exames cadavéricos que poderiam contrariar a hipótese de legítima defesa, a legítima defesa será contemplada na decisão do Promotor de Justiça a partir de dois argumentos fundamentais: um, quem morreu era um traficante de drogas e, portanto, um elemento perigoso para o ambiente social; segundo, que esse traficante de drogas morreu numa comunidade favelada - é o termo usado pelos promotores, no Rio de Janeiro -, onde, constantemente, há troca de tiros entre a polícia e o criminoso. Então, se é dentro da favela e de alguma forma se contempla a construção de que o morto é traficante, está tudo legitimado.
Esse é um grande problema, porque no Brasil, hoje, a discussão...
(Soa a campainha.)
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - ...do meu ponto de vista, não é a violência policial, mas, sim, contra quem essa violência é exercida. O que se está discutindo no Brasil é se essa violência foi exercida contra um pedreiro ou contra um traficante, contra um dançarino ou contra um traficante. A resposta que parece ser a que toda a sociedade busca, e é contemplada pelos operadores do poder jurídico, é exatamente esta: se for de alguém que pertença a uma categoria desprovida de proteção, legitimada está a sua morte. Então, existem vários pedidos de arquivamento. Queria ler alguns para que a gente possa ter a noção de como essa linguagem mortífera, que constrói a legitimidade das mortes, opera dentro do mundo jurídico.
A folha de antecedentes criminais é fundamental nos pedidos de arquivamento. É interessante, pois são três coisas que temos de trabalhar para avançarmos um pouco na violência, principalmente do Estado em relação à juventude, mas não só do Estado, na violência de modo geral à qual essa juventude está exposta. Uma é a questão da proibição das drogas, do proibicionismo. Evidentemente que ninguém está disputando, a tiro de fuzil, o mercado do álcool, o mercado das drogarias. Isso não é disputado a tiro, porque são mercados regulamentados, legais. Mas, a partir do momento em que proibirmos algumas substâncias, essas substâncias vão ser comercializadas no mercado ilícito. Já tivemos a experiência da Lei Seca, nos Estados Unidos. Esse mercado vai ser apropriado por grupos, por facções criminosas, que vão disputar o comércio a partir da violência. Então, já existe uma violência construída, no marco do Direito, pela proibição.
Eu esqueci-me de falar, ao me apresentar, que hoje faço parte, como Secretário Geral, de uma Associação Internacional chamada LEAP (Law Enforcement Against Prohibition), agentes da lei contra a proibição, onde policiais se manifestam pela legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas como um marco de redução da violência, porque a violência não é produto das drogas, a violência é produto da proibição. A juventude, no Brasil, se fizermos uma pesquisa de quantos jovens morreram pelo consumo dessas drogas que são proibidas, como maconha e cocaína, no ano de 2014, e quantas morreram na guerra contra o comércio dessas substâncias, nós vamos concluir, com toda a certeza, que o número de pessoas jovens que morreram na guerra contra essas substâncias é muito maior do que o daqueles que morreram pelo consumo delas.
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Então, a guerra às drogas é um fator que temos que levar em consideração.
Essa guerra às drogas produz sujeitos que são matáveis, porque existem duas construções arbitrárias que são feitas pelo proibicionismo das drogas. Uma, a primeira distinção, que é totalmente arbitrária, é a distinção entre drogas lícitas e ilícitas. As drogas lícitas são consideradas drogas do bem. O meu filho de sete anos, ao ligar a televisão, às 4h da tarde, para assistir o maior time de futebol de todos os tempos, o Fluminense Futebol Clube, ele é bombardeado por uma propaganda de cerveja - às 4h da tarde, porque o álcool não é visto como droga.
Então, nós...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - É patrocinador da Copa.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Exatamente. Nós temos uma política, e, se tramitar no Congresso Nacional um projeto de lei para restringir o horário da propaganda da cerveja na televisão, não passa, e não passa pelos mesmos Congressistas que são contra a legalização das drogas ilícitas. Por quê? Pelo princípio do bem e do mal, pela distinção arbitrária que contempla as drogas proibidas como drogas do mal e as drogas lícitas como do bem.
Hoje...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Geram emprego.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Sim. Eu hoje acabei de ouvir de um delegado recém-concursado no Rio de Janeiro que a fórmula para passar em concurso público é Ritalina para focar e Rivotril para descansar. Então, é disso que nós estamos falando, dessa distinção arbitrária.
Agora, existe uma outra distinção arbitrária que vai construir o sujeito matável, que é a distinção entre usuário e traficante. Sabe como foi feita a construção da distinção entre usuário e traficante? Ela se dá no plano geopolítico internacional. Na declaração de guerra às drogas feita pelos Estados Unidos - aliás, foram duas declarações -, os Estados Unidos se declaram um País consumidor, vítima, porque, nos Estados Unidos, não se produz maconha, cocaína nem heroína, e os países produtores são considerados países traficantes. Essa distinção é arbitrária, porque, do ponto de vista da natureza, não existe distinção entre traficante e usuário. Uma pessoa que tem um cigarro na mão, nesta sala, para fumar, e uma pessoa que tem um cigarro de maconha, nesta sala, para vender, estão, do ponto de vista da natureza, realizando a mesma conduta, portando um cigarro de maconha. Mas a distinção, a construção política que se faz leva a construir o traficante como o grande perigo para a saúde da sociedade.
E, a partir do momento em que ele é construído socialmente com essa periculosidade para o ambiente social, a sua execução passa a ser legitimada, inclusive na sociedade, porque a mídia, volta e meia, coloca: "Polícia não consegue provar - tem uma capa do Extra que é assim - que trabalhador era traficante." Porque, se conseguir provar, está tudo legitimado. O que está em jogo é quem morreu.
E isso tudo está contemplado nas gestões de promotores públicos. Por exemplo, este texto é de um pedido de arquivamento: "Não é, contudo, fato desconhecido a reiterada ocorrência de situações como a presente, em que agentes da lei são forçados a utilizar a força para conter agressões provenientes de indivíduos ligados aos tráficos de entorpecentes, especialmente nos limites territoriais de comunidades carentes, onde exercem grande poder, sempre imposto pela violência. Assim sendo, a prova dos autos confirma a versão trazida pelos agentes autores. O que se coloca, para legitimar a morte é exatamente a condição do morto; a condição de vida do morto é que vai legitimar a sua morte, e não a forma como a ação policial se deu. Concluída a investigação, restou apurado que W. tinha envolvimento com o tráfico, como declarou sua companheira, não havendo, assim, razão para descrer a versão dos policiais."
Como é que se constrói, então? Pela FAC, folha de antecedentes criminais, ou pela declaração do parente que reconhece o morto no IML. Ele é chamado, e todo o questionário que é feito na delegacia e que depois é utilizado pelo promotor de justiça para o arquivamento é a declaração de um familiar de que o morto tinha envolvimento o tráfico. O que significa... Eu não poderia... Eu vou, inclusive... Não sei se a gente pode deixar o trabalho para a Comissão, para que seja juntado para pesquisa de quem tiver interesse. Mas o que está em jogo é que nós estamos autorizando o extermínio de uma parcela da nossa população que é jovem, negra, que mora na favela, no Rio de Janeiro ou nos guetos que têm nomes distintos, no Território Nacional.
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Por quê? Essas pessoas vão estar sempre sendo vinculadas ao varejo das drogas, porque o varejo das drogas se estabelece nos guetos, nas favelas.
Interessante notar que o varejo das drogas é um local onde o mercado das drogas ilícitas é menos lucrativo. Aliás, em qualquer negócio, o dono do botequim que vende cigarro e cerveja tem lucros irrisórios em relação ao mercado do álcool e do tabaco. O varejo é um lugar de menor lucro, mas toda a repressão, inclusive na forma letal, conforme nós estamos tentando contemplar aqui, que atinge a juventude pobre no Brasil tem a grife de legitimidade por ser ali o local do tráfico. O varejo é visto como tráfico.
Mas estamos falando da quarta maior economia do mundo. Não se guarda a quarta maior economia do mundo dentro de um barraco na favela. Não se guarda a maior economia do mundo dentro de um apartamento. Não se guarda a quarta maior economia do mundo numa conta bancária.
(Soa a campainha.)
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Onde se guarda a quarta maior economia do mundo? Só há um local para ser guardada a quarta maior economia do mundo: no sistema financeiro.
Recentemente, faz três anos, o Senado dos Estados Unidos fez uma investigação em que conseguiu provar o envolvimento do banco HSBC na lavagem de trilhões de dólares do tráfico do México; aviões eram carregados com trilhões de dólares sem escrita. E sabe qual foi a conclusão da investigação do Senado americano? Que o HSBC tinha que pagar de multa milhões; lavou trilhões, paga de multa milhões de dólares. E nenhum executivo foi responsabilizado criminalmente porque poderia gerar um problema na operação do sistema financeiro.
Nós sabemos que o ônus da proibição das drogas na construção dos inimigos, conforme foi falado anteriormente, é muito desigual. É de uma injustiça social incrível, porque toda a repressão vai recair em cima daqueles que estão na parte menos lucrativa e mais fragilizada desse negócio ilícito. Enquanto isso, a economia das drogas ilícitas se mantém forte na lavagem do dinheiro dentro do sistema financeiro.
Então, acho que nós não podemos avançar muito no objeto da CPI dos assassinatos da juventude, porque, além dessa violência policial, nós temos a violência do próprio mercado ilícito, que recruta esses jovens nessa economia, quando eles acabam entregando as suas vidas na luta do acesso ao mercado de consumo, o que é muito cruel, o que leva essa juventude para o cárcere. Nós sabemos que, hoje, no Brasil, o grande carro-chefe da criminalização são as condutas relacionadas às drogas. Então, acho que nós não vamos poder avançar muito sem tratarmos de novas políticas para drogas.
O Supremo Tribunal Federal - acho que já está marcado para a primeira semana de agosto - vai votar a descriminalização da conduta do art. 28, que é do usuário. Mas é importante que se diga que isso não vai melhorar muito o quadro da violência no Brasil porque essa violência se estabelece no mercado ilegal das drogas. Enquanto não houver regulamentação desse mercado, essa violência não vai diminuir. Então, simplesmente legalizar ou regulamentar o consumo sem regulamentar a produção e o comércio realmente faz com que fiquemos no meio do caminho, não sei se vamos conseguir avançar muito.
Mas, em suma, tudo isso que estou falando é sobre uma violência que está contemplada pelo Direito, pela proibição que é feita através de uma lei, pela ação de agências policiais que são contempladas por uma legitimidade no pedido de arquivamento dos autos de resistência.
Ou seja, nós também não podemos deixar de ter esse olhar, que acho que seria a grande contribuição que quero trazer aqui para a CPI, de que o Estado brasileiro é fomentador de forma direta, não é de forma indireta, dessa violência contra a juventude dessa grande letalidade.
É isso.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço muito a fala dos senhores e a contribuição que estão dando ao nosso trabalho neste momento.
Algumas das questões que pretendia perguntar já foram, inclusive, abordadas, mas eu quero repeti-las para que nós possamos dar a oportunidade àqueles que nos assistem também de compreender sinteticamente essa questão.
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Quero registrar a presença, já que o Dr. Antônio Teixeira representa a Ipea, do Dr. André Bojikian Calixtre, que é Diretor do Ipea e que acompanha o seu depoimento aqui - espero que sem nenhum tipo de observação maior à sua fala. Estou brincando!
Tudo o que foi dito aqui nos remete à realidade objetiva, Senador Telmário. Na Bahia, temos tido oportunidade de debater muito essa questão.
Quando se trata da discussão da violência, duas teses começam a entrar em conflito. Alguns segmentos levantam o vezo do racismo como fomentador dessa violência. E, de acordo com a opinião pública normal, digamos assim, a mídia revela ou trata da violência tendo o tráfico de drogas como o grande inspirador da violência. Não é uma discussão sobre a política de drogas. É o tráfico de drogas. E a que estamos assistindo? Os governos aderem a essa tese, porque, diante do quadro de quase impotência na abordagem de uma política de segurança para o País e para os Estados regionais, fica mais didático ou "fácil" - entre aspas - assumir a tese de que o tráfico de drogas é o grande responsável pela violência, porque aí se justifica rapidamente também a ação do Estado, a violência do Estado.
Nós estamos debatendo ações que muitas vezes ocorrem, como aqui já destacamos, violências de confronto entre jovens e jovens, caracterizados como violência entre gangues, mas também violência com troca de tiros entre jovens da comunidade e jovens que são policiais, também negros e pobres em geral. Aliás, muitos policiais moram nos mesmos bairros que os jovens que estão sendo assassinados.
Também morre muito policial no Brasil, que é uma outra conclusão desta discussão que nós estamos fazendo. E jovens todos eles.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - E negros.
Na Bahia, recentemente, eu fui candidata, e nós fazíamos um programa que mostrava a mãe de um policial tensa com a possibilidade de o seu filho, jovem, negro e policial, não voltar para casa. E a mãe do jovem dentro de um bairro periférico, de um bairro popular, com o mesmo tipo de comportamento.
Então, uma pergunta que eu ia fazer ao Dr. Zaccone - ele já adiantou: não raro os órgãos de segurança pública fazem uso de força letal contra jovens em suas ações de policiamento. Contudo, justificam os homicídios praticados com base nos chamados autos de resistência, sem que haja a devida investigação do ocorrido pelos órgãos de persecução penal. Diante desse quadro, a polícia tem tomado providências para dar maior transparência às apurações e evitar esse tipo de conduta?
Na sua fala, o senhor já respondeu, mas pode voltar a falar.
Vou lhe fazer uma outra pergunta também, para que possa responder junto com a primeira.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Sim.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Diversos especialistas identificaram a necessidade da desmilitarização da Policia Militar, aqui na CPI do Assassinato de Jovens. Como esse tema é debatido na polícia?
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Em Salvador, ontem, aconteceu um fato muito grave em um confronto de uma ação policial. Um jornalista jovem e negro que fotografava, como essa moça aqui nos fotografa neste momento, foi agredido pela polícia. Então, como se vê, quando há uma ação em que o Estado começa a ficar conivente com a violência, ela vai se enlarguecendo e alcançando outros, digamos assim, segmentos da população com o mesmo tipo de conivência da sociedade com o fato.
Essa situação em que morreu e era traficante, acho que ela só se iguala à situação de violência a que também assistimos quando um dançarino negro muito importante, um coreógrafo na cultura baiana, no ano passado, foi assassinado. Existiu um movimento da sociedade, dos artistas, dos intelectuais pela apuração do assassinato. Apurou-se e concluiu-se que ele foi assassinado porque era homossexual. Isso encerrou o debate na sociedade, na ação policial, e não se sabe se foi preso. Não importa, a partir do momento em que se conclui de um lado que o morto era homossexual e de outra parte que o morto era traficante, não há mais o que se discutir a respeito daquela morte. Estão dadas as causas e está encerrado o inquérito ou encerrada a investigação policial ou mesmo a punição dos responsáveis.
Quero saudar o Senador Lindbergh, que, por motivo de força maior, não pôde chegar mais cedo, e dizer que já tivemos a fala dos nossos convidados e, agora, estamos apresentando perguntas.
Faço estas perguntas ao Dr. Zaconne e, ao mesmo tempo também, gostaria de fazer ao Sr. Antônio Teixeira. Diversos especialistas defendem uma política nacional de redução de homicídios. Gostaria de saber sua opinião sobre a viabilidade dessa política e como implementá-la pensando em termos de policiais, sistema judiciário e Ministério Público. São essas três perguntas.
Se o Senador Telmário tiver alguma pergunta, alguma questão a fazer, passo-lhe a palavra.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Podemos passar a ele. Enquanto isso, o Senador Lindbergh também vai pensando...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Fiz uma pergunta sobre os autos de infração, que, aliás, é a tese central do trabalho que ele apresentou.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Inicialmente, cumprimento o Senador Lindbergh Farias, é um prazer em revê-lo. Tivemos um encontro em um momento muito importante da minha vida profissional, quando o Senador era Prefeito em Nova Iguaçu e eu fui delegado titular da 52ª DP, em Nova Iguaçu, e pude participar de perto das ações que a Prefeitura de Nova Iguaçu teve em relação à juventude para a redução dessa violência em Nova Iguaçu e da ajuda que me foi dada como delegado. Eu tinha uma unidade com 500 presos, e sabemos que a grande maioria dos presos no Brasil é de jovens e que sofrem violência nos cárceres. Era uma carceragem de delegacia, que, hoje, conseguimos, com muito esforço, no Rio de Janeiro, acabar, mas ainda é uma realidade no Brasil. Ainda existem muitas unidades prisionais, às vezes, inclusive dentro de batalhões da Polícia Militar. É uma realidade para a que tivemos que unir forças, e conseguimos muitas vitórias: o voto do preso provisório, coisas muito importantes...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Isso.
Então, aproveito para cumprimentá-lo e agradecer aquele momento que estivemos juntos lá.
Em relação às questões que a Senadora colocou, o auto de resistência depende muito do Estado da Federação, porque a forma como cada Estado se relaciona com os procedimentos do auto de resistência é distinta.
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No Rio de Janeiro, por exemplo, eu posso dizer que os autos de resistência não são vistos pelo Poder Público como homicídio. Por que não? Nós temos uma Delegacia de Homicídios na capital, que tem atribuição para receber todas essas notificações, todos os registros de homicídios na capital do Rio de Janeiro, menos os autos de resistência. Os autos de resistência não vão para a DH. Eles são de responsabilidade das unidades das circunscrições em que o auto de resistência ocorre.
Isso já demonstra um tratamento diferenciado que o Poder Público dá para esse crime, como algo diferente de um homicídio, porque como pode um auto de resistência que seria uma investigação de um homicídio, porque o policial matou alguém, não ser encaminhado à Delegacia de Homicídios?
Então, acho que, de certa forma, a política que eu vejo contemplada, não só dentro do âmbito da Polícia Judiciária, mas também no relacionamento que os próprios promotores, conforme foi a minha pesquisa, têm, é um olhar diferenciado. É um olhar que parte de uma presunção de que essa violência, quando é realizada naquele espaço das favelas, quando é dirigida àquelas pessoas que são consideradas “matáveis”, desprovidas de proteção jurídica, porque isso tudo não requer, sequer, investigação, esses autos de resistência são arquivados sem investigação, porque a única coisa que se busca para a conclusão do auto de resistência é a identificação de quem morreu e onde morreu. Identificado que quem morreu é um traficante e que ele morreu dentro uma favela, isso é suficiente para o arquivamento do auto de resistência. Foi esse o objeto da minha pesquisa.
Então, existe certo descaso e existe uma série de outros problemas que eu pude observar, de decisões contraditórias do Poder Público em relação aos autos de resistência, porque, muitas das vezes, na mesma situação em que a polícia mata alguém, uma outra pessoa é presa num contexto fático, a polícia mata uma pessoa e outra é presa, esses processos são desvinculados, e existe a decisão do arquivamento do auto de resistência, existe uma decisão absolvendo o autor que foi preso.
Em um dos autos de resistência que pesquisei no trabalho, uma das vítimas ressuscita no hospital. O que é que acontece no auto de resistência? O morto é levado para o hospital, porque o local é desfeito, o local não tem perícia. Mas, às vezes, dá o azar de o morto - o azar que eu estou falando é um azar para essa investigação - ressuscitar no hospital. E, aí, o morto que ressuscitou no hospital foi preso, porque ele não está morto e tem que ser preso. Ele vai ser processado por tráfico de drogas e, ao mesmo tempo, nós temos um outro inquérito do auto de resistência do comparsa que morreu.
No processo de tráfico de drogas, o advogado prova que ele não era traficante, que ele era usuário e que ele estava no momento, no local de venda de drogas, comprando, e que ele foi levado junto com o traficante que morreu para um local ermo, conseguiram testemunhas que disseram que eles foram para lá, o traficante toma um tiro na cara, ele toma um tiro no peito, ele não morre. Ele é absolvido pelo Estado, o Estado o considera usuário e o auto de resistência é arquivado. Quer dizer, o Estado diz que houve resistência em relação ao que morreu e aquele que sobreviveu não estava numa ação de resistência, quer dizer, é inocente.
Então, tem toda uma falta, digamos assim, de procedimento para que esses autos de resistências sejam organizados de uma forma, digamos assim, racional. Não existe racionalidade. As decisões são todas feitas na base emocional da identificação do morto como inimigo dessas vidas “matáveis”.
Então, acho que a gente deveria avançar um pouco no debate acerca de como será o fim desses autos de resistência, porque não adianta só mudar o nome, dizer assim: “Olha, a partir de agora, não chama auto de resistência. Agora, chama homicídio”. Mas, se eles continuarem tendo a mesma forma de tratamento, então, acho que deveria ser observada uma certa padronização.
Mas também vamos cair no problema dos homicídios, porque os homicídios também têm pouca investigação no Brasil. Dizem que, em menos de 8% dos homicídios, se consegue chegar à autoria. Então, há um problema de investigação de homicídio também.
Mas eu acho que a rubrica “auto de resistência” realmente é terrível, porque ela parte de um pressuposto de que aquele crime é um crime diferente de homicídio, que tem que ter uma investigação especial, porque quem realizou a ação foi um policial.
Isso começa na ditadura militar. É importante que nós observemos que o auto de resistência é uma criação no Estado da Guanabara, através de uma Portaria, que cria esse procedimento como um procedimento de investigação especial em relação a um homicídio praticado por policial.
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Isso é chamado inclusive numa reportagem, acho que do jornal O Dia, como "Esquadrão da Vida". É interessante, porque o auto de resistência vem como um contraponto para o que existia antes dos anos 1960, quando ele foi instituído, que eram os Esquadrões da Morte. A polícia diz: "Não precisamos esconder mais os corpos daqueles que são vitimizados por ações policiais. Podemos apresentar esses corpos à sociedade, na forma..." A primeira matéria do jornal, no primeiro auto de resistência no Rio de Janeiro, que foi na Lagoa, dizia exatamente isto: "Esquadrão da Vida". O auto de resistência é a maneira como o Estado vai dar legitimidade a essa violência policial. Isso é uma coisa séria, porque nós estamos falando aí de contemplar algo que está numa zona de indistinção entre o legal e o ilegal, porque, se nós não podemos ter uma investigação que consiga todos os elementos a determinar a legítima defesa do policial, nós estamos na dúvida. Mas, na dúvida, o Estado está dizendo que a morte praticada por uma ação policial é legítima se ela ocorre dentro da favela, se ela ocorre em relação a alguém que é identificado como traficante. Então, nós estamos aí com uma política de extermínio. É uma política que produz legitimidade para a morte de determinadas categorias no nosso ambiente social.
Em relação à questão da militarização da segurança pública, eu tenho hoje algumas dúvidas em relação ao discurso que limita o fim da militarização da segurança pública com o fim da Polícia Militar. Por quê? Porque eu tenho observado que pessoas defendem o fim da Polícia Militar e são a favor da intervenção das Forças Armadas na segurança pública. Isso para mim é um grande paradoxo, porque a Polícia Militar é uma força auxiliar. Como vamos acabar com a força auxiliar e manter o discurso de que as Forças Armadas, que são as forças principais, devem intervir na área da segurança? Acho que esse paradoxo vai ter que ser vencido. Acho que a desmilitarização da segurança pública passa, sim, pelo fim da Polícia Militar, mas também pela restrição de que as Forças Armadas possam operar na segurança interna. Isso não é função das Forças Armadas num Estado democrático de direito. As Forças Armadas têm que tomar contas das fronteiras e elas têm que se colocar na defesa do território em relação à agressão de um outro Estado soberano, na alta política. Trazer as Forças Armadas para a baixa política para fazer a segurança de territórios, no Brasil, principalmente nos territórios pobres, não sei se nós vamos estar desmilitarizando a segurança pública somente acabando com a PM.
Então, acho que nós temos que discutir o art. 142 da Constituição Federal que dá às Forças Armadas o poder de garantir os Poderes constituídos da República. Está isso lá no art. 142! Se nós formos estudar a genealogia desse art. 142, está lá o Centrão, na Constituinte, com a presença de um grande lobby das Forças Armadas, que insistiu nessa redação do art. 142. E, hoje, há gente falando por aí em intervenção militar constitucional. É ali que está o problema, no 142! Mas esse problema aumenta quando setores progressistas do campo político admitem - e muitas das vezes fomentam - a intervenção das Forças Armadas na segurança. Temos que acabar com esse paradoxo. Desmilitarizar a segurança pública é formarmos operadores de segurança. Policiais têm que ser operadores de segurança pública e não operadores de guerra. Agora, se colocarmos as Forças Armadas para trabalhar na segurança pública, nós estaremos na contramão da desmilitarização da segurança pública, porque soldado é soldado. Soldado não é operador de segurança pública.
Então, acho que é importante ressaltar que existe ainda uma confusão muito grande no debate sobre a desmilitarização.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada.
Passo a palavra ao Dr. Antônio para que ele possa responder; e depois, imediatamente, ao Senador Telmário.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - O. k. O Gabriel Eduardo perguntou por que as regiões metropolitanas concentram os índices de homicídio e, também, u se existem ações focalizadas.
Bom; as regiões metropolitanas concentram isso porque também é nessas regiões onde se concentra o processo de militarização.
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Hoje, embora você tenha o crescimento da violência em alguns Municípios pequenos - os dados mostram isso -, é nas regiões metropolitanas que você tem o acirramento da violência no Brasil hoje. Acirramento este que se dá em torno da disputa por territórios urbanos, do qual o tráfico de drogas participa... A política antidrogas, na verdade, participa, intensificando os conflitos, separando a sociedade em traficantes e usuários, delimitando territórios onde essas práticas são socialmente consentidas e reprimidas.
E a gente não tem hoje grandes ações focalizadas, em termos de segurança pública, que não seja o modelo das UPPs, que, a meu ver, reproduz a ideia da favela e dos morros como repositório de monstros, como uma natureza que precisa ser civilizada. Para mim, é uma política essencialmente racista e que vem sendo questionada pelas comunidades, vem sendo questionada em diversos Estados, inclusive, por esse estado permanente de gestão policial da vida, que tem sido denunciado por inúmeras organizações negras. Então, não me parece que essas ações focalizadas que estão aí sejam soluções; pelo contrário, elas são também o nosso problema hoje.
Existe um plano, que é o Plano Juventude Viva, mas o Plano Juventude Viva é uma estratégia, não é uma política pública que tem condição, pela sua dimensão, pela sua escala, de dar conta do desafio de uma violência que se expressa como elemento sistêmico da sociedade brasileira. Mas existe um plano que vem sendo discutido, o Plano Nacional de Redução de Homicídios. Eu não tenho uma fórmula pronta para pensar que política nacional seria essa, mas eu posso dizer, com muita segurança, o que é que essa política nacional precisa evitar para poder, pelo menos, dar certo.
Primeira coisa - e concordando plenamente com o Professor Orlando -, uma revisão da política antidrogas. Os dados de encarceramento mostram que, primeiro, você encarcera... Os tipos de crimes que mais encarceram, no Brasil, são os crimes contra a propriedade, em primeiro lugar, e os crimes relacionados ao tráfico de drogas, em segundo lugar. Então, você tem uma política de superencarceramento, que, lembremos, é geradora de mortes políticas e sociais permanentes. Quem é encarcerado no Brasil também morre, mesmo que permaneça vivo. Isso marca a vida de milhares de homens e mulheres negras, e a gente precisa incluir essas mortes, sociais e políticas, no nosso cálculo de mortes no Brasil. A política de encarceramento é uma outra política racista no Brasil.
Há uma espécie de adesão, inclusive, com alguns setores de esquerda, que se posicionam criticamente com relação à violência, à militarização da questão urbana, mesmo que de forma excepcional, o que, para mim também, parece um paradoxo.
Então, não dá para admitir que a solução para a questão social seja, mais uma vez, a política policial de segurança pública, reeditando a gestão policial da vida como a solução para elementos sistêmicos formadores da sociedade brasileira.
É preciso encarar também que, para que uma política nacional de redução de homicídios dê certo, ela precisa se comprometer com a redução da taxa de homicídios para a população negra. É vergonhoso que o Estado brasileiro elabore uma Política Nacional de Redução de Homicídios sem falar na questão racial, porque ela está gritando todos os dias. E eu tenho participado de algumas discussões e tenho ouvido alguns silêncios, e isso, inclusive, é um dos motivos pelos quais toda essa apresentação foi calcinada na relação entre violência e racismo no Brasil. Isso precisa aparecer.
A gente precisa, também, dar um fim nesse consentimento público, do qual o professor muito bem falou, expresso nesses autos de resistência, que é uma pena de morte socialmente consentida e politicamente instituída no Brasil. O auto de resistência é, institucionalmente, hoje, a pena de morte consentida. Ele permite que só o aparato policial fale a respeito da violência que pratica, permite que essa morte, enfim, se estabeleça como uma naturalização da violência no Brasil. "Morreu porque era traficante". Não precisa de justificativa mais. É isso aí. "Morreu porque era negro. Morreu porque era um suspeito em potencial".
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Há pesquisas qualitativas que mostram, inclusive, que o aparato policial tende a abordar prioritariamente os negros se comparados aos brancos. Como a gente não tem dados gerais para ilustrar como a abordagem policial também é reprodutora de racismo, a gente se vale de algumas pesquisas qualitativas.
Um grupo da Universidade Federal de São Carlos fez uma pesquisa sobre abordagem policial, entrevistou inúmeros policias, enfim, se debruçou sobre inquéritos e traz alguns dados muito interessantes. Só para citar. esse grupo de estudos sobre violência e administração de conflitos analisou a abordagem policial, no Estado de São Paulo, entre os anos de 2009 a 2011, e apontou o seguinte - só para a gente compreender de que forma também o racismo se expressa nas práticas cotidianas dessas instituições: 61% das vítimas das mortes provocadas por policiais, no Estado de São Paulo, eram negras e jovens entre 15 e 29 anos de idade. Os policiais autores das mortes eram majoritariamente brancos (79%) - eu até fiquei surpreso com este dado; e, dos inquéritos instaurados, nada menos do que 94% foram concluídos sem nenhum indiciamento. Mais uma demonstração de consentimento social e político com a morte. Entre os argumentos inscritos nos inquéritos feitos por esse grupo de pesquisa, 73% consideravam não haver homicídio cometido por policiais. O mesmo estudo apontava que é sobre a população negra que recaía a maior vigilância policial em consonância com aquilo que eu havia dito antes: a associação do corpo negro à criminalidade, ao sujeito desviante, enfim, ao suspeito.
Outras pesquisas, também de natureza qualitativa, foram feitas com abordagem policial em Recife e reafirmam aquilo que outras pesquisas qualitativas têm apontado: o sujeito negro é o corpo preferencial no processo de abordagem da polícia, mesmo quando existe um branco e um negro considerados suspeitos pelo aparato policial. Eu posso passar depois para a CPI todos esses estudos que acho que ajudam a qualificar um pouco mais o debate para além dos grandes números.
Enfim, sem atacar essas grandes questões, a meu ver, não há nenhuma possibilidade de uma política nacional de redução de homicídios dar certo. Eu não consigo dizer o que precisamos fazer, mas eu sei o que a gente não deve continuar repetindo. Isso eu acho que está bem nítido.
Enfim, é isso.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada.
Tem a palavra o Senador Telmário e, depois, o nosso coordenador, Relator, Senador Lindbergh Farias.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Primeiramente, Senadora Lídice, quero parabenizar a CPI por ter ido até o meu Estado, onde foi feita a primeira audiência fora do Senado.
Para minha surpresa, hoje, Senador Lindbergh, o Antônio traz aí um dado interessante em relação a Roraima: de 2012 a 2014, houve um dos maiores aumentos de criminalidade, passando, inclusive, para um percentual de 46%, ficando, se não me engano, em terceiro colocado em nível nacional, o que justifica a nossa ida lá, além daqueles dados já apresentados.
Mas eu queria, para a gente ter celeridade no processo e também para unificar as perguntas, primeiro, parabenizando os dois palestrantes que, cada um na sua área, contribuíram muito para a formação de juízo da Comissão, perguntar aos universitários aqui. (Risos.)
A primeira vai para o Orlando.
Dr. Orlando, na sua opinião, como delegado, existe alguma proposta concreta de reforma da polícia? Quais são as principais características desse modelo? Em anexo a essa pergunta eu coloco aqui: como o senhor vê a relação do Ministério Público com a polícia relativamente ao efetivo controle externo? Agrego isso aí.
Agora, para somar-se a essas duas perguntas, eu queria fazer uma que eu recebi hoje de um colaborador, do Wagner, que diz o seguinte: "Há três fatores que contribuem para o cometimento do crime. Primeiro [ele diz], é a certeza da impunidade..." E ele mostra a solução.
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Ele fala da certeza da impunidade no sentido de que, por exemplo, se você hoje pega um avião, é porque você tem certeza da garantia da segurança do avião. Se você souber que esses aviões caem 5%, você já fica com certa restrição; se souber que 50% desses aviões caem, a restrição é bem maior; se souber que é 100%, só louco vai lá. Então, ele parte do princípio de que a impunidade contribui muito e mostra as soluções - e, aqui, caímos na pergunta. Ele fala, por exemplo, que a maioria das polícias são ostensivas e preventivas, quando, na ótica dele, deveriam ser investigativas e repressivas. Ele parte do princípio de que ela deveria ser investigativa e repressiva, e não ostensiva e preventiva. Aí mostra os índices: por exemplo, hoje, 30% é investigativa e repressiva e, por isso, os crimes não são elucidados. Ele cita até o exemplo de alguns países onde o índice de elucidação de crimes é bem maior que o do Brasil, que está na faixa de 7%, 8%, enquanto que, no Reino Unido e na França, esse índice chega a 65%, 80%; e 90%, nos Estados Unidos.
Por último, ele cita - ainda ao delegado essas três perguntas - que uma das características é a intensidade da pena. Ele cita que de nada adianta os criminosos terem a certeza da punibilidade se a pena cominada para o crime for insignificante. Ele acha que às vezes é insignificante e dá soluções aqui.
Depois, por último, ele diz que é a personalidade. Aí cita que as pessoas precisam ter mais berço, família, escola integral etc., e que na escola entre uma grade curricular de orientação ao amor, à paz e à solidariedade e cidadania.
Essas são as colocações que ele nos faz para contribuir na formação do nosso juízo.
E, assim, caímos na pergunta da Senadora Lídice, que o Senador Lindbergh defende, que é a questão da militarização. Por exemplo, ele entende que a Polícia Militar deveria fazer essa parte de investigação, que isso ajudaria, tirando da Polícia Militar a questão da hierarquia, do sistema militarizado, dando uma amplitude maior às suas atribuições e colocando mais contingente nessas ações.
Bom, e outra pergunta dos universitários, Antônio, vai para você.
Pergunta para Antônio Teixeira: o senhor afirma que instrumentos normativos não foram instituídos para conter delitos, mas para perseguir indivíduos. Como esse fenômeno se dá na juventude onde o jovem só se torna visível à sociedade quando comete ato infracional, um delito?
Ainda outra pergunta para você, Antônio: o senhor acredita que o aumento das mortes, de 1980 a 2010, tem a ver com a guerra às drogas?
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vou passar a palavra ao Senador, Relator desta CPI, para que possamos ter as respostas todas num só tempo e o nosso Relator siga o seu roteiro.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Lídice, Dr. Antônio Teixeira, Orlando Zaccone, primeiramente, peço desculpas pelo atraso. Na verdade, estava programado para chegar às 16 horas, mas perdi o voo, e o voo que marquei logo depois atrasou muito. De forma que perdi, principalmente, a exposição do Dr. Antônio Teixeira. Ainda peguei a do Zaccone do aeroporto para cá, acompanhando pela Rádio Senado. Esta audiência está sendo transmitida, ao vivo, pela TV Senado e pela Rádio Senado.
Primeiro, gostaria de falar do Zaccone aqui, Senadora Lídice. O Zaccone é um lutador; temos esse trabalho conjunto em Nova Iguaçu, mas devo dizer que, no caso do pedreiro Amarildo, se não fosse a coragem do Delegado Orlando Zaccone, teriam feito uma fraude para encobrir o que houve de fato naquele caso. Foi uma atitude de muita coragem; foi afastado da delegacia da Gávea. E temos que reconhecer que foi uma postura muito altiva. Acho que, só por isso, conseguimos ter o esclarecimento, de fato, de tudo que aconteceu com o pedreiro Amarildo naquela noite, na favela da Rocinha.
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Como os senhores, estamos muito preocupados com o que estamos atravessando no País, essa onda conservadora,; estamos preocupadíssimos com a ofensiva que vem principalmente da Câmara dos Deputados. Tenho dito que o Senado Federal sempre foi a Casa mais conservadora. Por incrível que pareça, Zaccone, o Senado Federal é a chance de tentarmos impedir que absurdos, como o da redução da maioridade penal, aprovada pela Câmara dos Deputados... Um golpe, porque o projeto foi derrotado! Inventaram uma forma de colocar o mesmo projeto em votação no dia seguinte. E vale dizer, um projeto absurdo, porque...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - O que não era possível pela Constituição.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não era possível! Espero que o STF, neste caso, tome uma decisão, porque já é a segunda vez. Com o Deputado Eduardo Cunha não adianta, ele não aceita perder. Se perde, ele coloca em votação novamente.
Mas eu quero ressaltar o seguinte: o que temos constatado nesta CPI é que há mesmo um extermínio da juventude negra no País. Os números são alarmantes. Se formos ver os números de 2013, 56 mil assassinatos no País, mais de 30 mil de jovens, 77% de jovens negros que moram, em geral, nas periferias das grandes metrópoles deste País. É um jovem que morre vitimado pelo tráfico, pela milícia, pela polícia, e, agora, vamos querer encarcerar também esses jovens.
Vale dizer que, nesse projeto de redução da maioridade penal, está lá estabelecido crimes hediondos. Mas quando se fala em crimes hediondos, abriu-se a porta novamente para colocar tudo que está ligado às drogas. É o segundo, como bem falou o Dr. Antônio Teixeira, motivo de prisão no País: drogas. Primeiro, roubos; depois, drogas. Estamos com a terceira população carcerária do mundo! E vamos pegar o garoto de 16, 17 anos, o pequeno varejista de drogas, que está ali, e colocá-lo no presídio. Ou seja, as chances de recuperação desses jovens são praticamente nulas. Muito pelo contrário; sabemos o que significa entrar no presídio, com facções que dominam completamente o sistema prisional.
O que me chama a atenção... Estávamos, no Rio de Janeiro, em um debate sobre os nem-nem; uma parcela gigantesca da nossa juventude que nem estuda, nem trabalha, que está desalentada, digamos assim, sem perspectiva. E falamos muito pouco de políticas públicas dirigidas para estes setores. Tivemos um debate, uma audiência pública em Roraima, na semana passada, na sexta-feira, que foi muito interessante, pois escutamos muitas pessoas que trabalham na ponta, inclusive com medidas com os menores. E, concretamente, esse jovem começa a dar os sinais, primeiro saindo da escola, afastando-se da escola. Esse é o primeiro sinal dado. Sabemos que, hoje, há instrumentos de busca ativa. Podemos fazer um conjunto de estratégias de políticas públicas dirigidas a esses setores mais vulneráveis, para tentar aproximá-los novamente da escola. Mas tem que haver discussão sobre formação profissional, cultura, porque formação profissional para esta nossa juventude, para mim, tem que estar ligada à alta tecnologia, à cultura, tem que ser algo atrativo. Mas acho que há pouquíssimos debates sobre políticas públicas, de fato, que possam apresentar uma perspectiva de futuro para esses jovens.
E aqui é onde entra um debate que temos feito aqui, Zaccone. Eu tinha muito interesse na sua vinda aqui, porque, quando falamos de política de guerra às drogas, vemos claramente - isso no Estado do Rio de Janeiro, mas em vários outros Estados - que se coloca como centro da política de segurança, a estratégia, o combate às drogas, a política de guerra às drogas. E vemos que gastamos bilhões nesses esforços, morrem pessoas inocentes nessa luta, a polícia é a que mais mata, mas é a que mais morre também, pequenos varejistas de drogas são mortos e substituídos no outro dia. Então, estamos enxugando gelo. É uma máquina toda que está posta em funcionamento e nós estamos enxugando gelo. Vale dizer que essa política de guerra às drogas tem uma prática diferenciada, de acordo com o território. A política de guerra às drogas...
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Em Ipanema, vendem-se drogas, mas não vejo casos, em Ipanema, de chegarem com uma operação policial atirando para todo lado. Não; a gente não vê isso. A política de guerra às drogas, no seu extremo, acontece, principalmente, nas regiões mais pobres, mais vulneráveis, nas periferias, e as maiores vítimas são esses jovens.
Quando se fala também - e houve vários depoimentos aqui nesse sentido - sobre a redução da maioridade penal também em relação ao usuário, o que se tem é que, concretamente, quando se pega um jovem negro de periferia com droga, ele é traficante; quando se pega um jovem, no caso do Rio de Janeiro, nas regiões mais ricas, na Zona Sul do Rio de Janeiro, não; ali é usuário. Então, há uma leitura, sempre, na hora, no julgamento, de associar aquele jovem negro da periferia com o traficante.
Eu falo tudo isso, porque eu acho que você está certo - e estou lhe acompanhando sempre, Zaccone - nas suas afirmações. A gente vai ter que ter a coragem de avançar nesse debate aqui, no País, porque não vamos resolver, Senadora Lídice, se não entrar nesse tema com a profundidade que ele merece. E a gente tem visto avanços nessa área - há nos Estados Unidos e há avanços em vários países do mundo. Assim, eu acho que a gente tem que começar, aqui, a dar os primeiros passos.
Em relação às UPPs, eu queria a opinião do Dr. Antônio Teixeira, mas também do Zaccone, que sei que ele acompanha de perto a questão das UPPs no Rio de Janeiro.
Vocês vejam que, em uma lógica inicial, Senadora Lídice, termos uma situação em que você controle o uso de armas em um território, a meu ver, é uma situação correta. A situação que existia no Rio era a seguinte: determinadas áreas onde a polícia não entrava eram tratadas como territórios inimigos. A polícia entrava, fazia uma incursão e saía.
Então, com o fato de você ter polícia também nas comunidades, em tese, eu não tenho nenhum problema, muito pelo contrário. Se a lógica daquele policiamento fosse a de um policiamento comunitário, um policiamento de proximidade, em que fosse exercido o diálogo entre os moradores, era uma coisa. Contudo, eu acho que o que estamos acompanhando na experiência das UPPs é um processo de degeneração daquele projeto inicial, degeneração das UPPs de hoje. Aquilo, as experiências que a gente tem visto, acompanhado algumas, em especial no Alemão, estão virando, Senadora Lídice, infelizmente, forças de contenção e de repressão para os mais pobres, como se fosse uma área a ser contida, com o uso, cada vez maior, de violência policial. E é, aí, onde entra o meu questionamento: se daria para construir um programa como esse sem fazer, de fato, uma reforma na polícia?
A gente sabe que não é fácil fazer reforma na polícia. O Zaccone conhece muito por dentro. Eu sou autor, juntamente com o Luiz Eduardo Soares, da PEC nº 51, que fala desmilitarização, mas fala em ciclo completo também, carreira única. Eu acho que o caso do ciclo completo é gravíssimo, porque é uma jabuticaba, só existe no Brasil. A Polícia Militar faz o trabalho de policiamento preventivo e ostensivo. A única coisa que eles podem fazer é prisão em flagrante. Se pegar, o que ele faz? Leva para a Polícia Civil. As duas polícias...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não se falam.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não se falam. Na verdade, não é só Polícia Civil que não fala com a Polícia Militar. São divididas por dentro também. Há os Delegados da Polícia Civil e os agentes... Nós estamos em um processo... Não funciona!
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - De desagregação.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não funciona!
Isso não significa, automaticamente, que nós estamos defendendo a unificação das polícias, não. Você pode ter uma Polícia Militar, essa ex-polícia militar, que seria uma Polícia Civil de ciclo completo, fazendo um trabalho; e você pode ter uma Polícia Civil que... Na minha avaliação, se eu fosse Governador do Rio de Janeiro e a minha PEC tivesse sido aprovada aqui, eu ia mandar para Assembleia Legislativa do Rio, um projeto, porque, na verdade, essa PEC nº 51 passa para os Estados a sua capacidade de organização esse sistema.
Nós não iríamos fundir as duas polícias. Nós iríamos transformar a Polícia Militar em uma polícia de natureza civil, tendo investigação nela também, porque melhora muito quando a investigação é feita já a partir dos primeiros momentos; e eu transformaria a Polícia Civil em uma polícia também de ciclo completo, ligada ao combate ao crime organizado. Seria uma espécie de uma "polícia federal estadual". Mas esse é um debate que tem que ser feito.
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O que eu acho que está evidente, Zaccone, é que, sem avançarmos na reforma das polícias, nós também não temos futuro em relação a qualquer projeto, como foi de início o das UPPs, mas que acabaram virando esse problema de degeneração da atuação policial lá dentro, levando à desmoralização dos próprios policiais com a comunidade, às velhas práticas que a gente sabe que estão acontecendo novamente. Voltou ao que era antes.
Então, a gente perdeu, em relação às UPPs, aquela coisa do início, que era uma esperança, que não se concretizou. Eu falo isso até provocando, porque eu sei que a posição do Zaccone é até muito mais dura que a minha. Ele, desde o começo, não acreditava no projeto das UPPs, mas, na minha avaliação, houve um processo de degeneração, de burocratização, e um processo que transforma aquelas unidades, hoje, em apenas forças repressoras, em especial contra a juventude.
Os conflitos são enormes, Senadora Lídice. Jovens, para fazer funcionar, para realizar algum evento, alguma festa, enfim, para tudo, têm que pedir autorização da polícia. Isso não é papel do policiamento ali! Porque hoje é isso, uma festa de batizado, baile funk, o que se for fazer tem que ter...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Substitui a autoridade civil, a prefeitura.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro! É isso que está acontecendo ali.
Então, eu fiz um conjunto, abordei vários temas, Zaccone e Dr. Antônio Teixeira, e encerro falando sobre os autos de resistência, porque isso é um projeto tão importante, mas a gente sabe da correlação de forças na Câmara dos Deputados. Infelizmente, as bancadas ali da bala... Por exemplo, agora tenho dito que é um susto por semana: eles passaram a redução da maioridade penal e estão agora com um projeto para mexer no Estatuto do Desarmamento. A Bancada da Bala já está fechando o seu relatório, um projeto que é um absurdo.
Na quarta-feira, nós vamos ter uma reunião com Deputados que estão tratando desse tema com uma visão mais progressista, aqui no Senado, na sala do Presidente do Senado, Renan Calheiros.
E, Senadora Lídice, quero aproveitar para fazer o convite a todos da Bancada Progressista, porque a ideia é ir lá também, e, depois, termos uma reunião sobre esse tema.
Eu só não consigo ver como nós vamos conseguir, numa correlação de forças como essa, aprovar um projeto que é fundamental, que é o projeto do Deputado Paulo Teixeira, sobre os autos de resistência.
Mas queria agradecer muito a presença do Dr. Antônio Teixeira, cuja fala eu vou recuperar, porque fiquei muito interessado também nesses números, nesses novos dados que o senhor citou agora há pouco. Interessam-me muito, porque nós estamos no começo do nosso trabalho desta CPI. A gente espera que, ao final de tudo isso, a gente tenha desdobramentos para uma ação legislativa, mas uma ação também política de concertação aqui, por exemplo, em relação à autoridade policial.
Foi relatada aqui, por vários expositores, a falta que o Ministério Público tem nessa área. É tarefa do Ministério Público fazer o controle externo da atividade policial. E nós já marcamos uma conversa, depois, com o pessoal do Conselho Nacional do Ministério Público, para entrar nesse ponto, porque eu acho que é possível, além de apresentar medidas legislativas, esta CPI fazer a gestão de alguns pontos no sentido de construir uma concertação que resulte em mudanças concretas.
Outro ponto é a discussão desse plano de redução de homicídios. Esta CPI também pode fortalecer os atores que estão participando desse debate e forçar o Governo Federal a entrar nisso com mais força, porque não dá para o Governo Federal fazer de conta que não está acontecendo isso que a gente está vendo pelo País afora.
Então, eu acho que esse é o nosso desafio nesta Comissão Parlamentar de Inquérito: mais do que apresentar projetos legislativos apenas, é tentar forçar uma negociação política para que a gente consiga avançar em algumas áreas e diminuir esses números, que são vergonhosos para o Brasil.
É, de fato, uma política de extermínio da nossa juventude, e, pelo que se vê agora, além do extermínio físico, querem promover essa política de encarceramento, que é outra forma de matar os sonhos dessa juventude.
Muito obrigado.
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Antes de retornar a palavra aos nossos convidados, eu vou ler, aqui, as contribuições do e-Cidadania, das pessoas que nos assistem e nos mandam suas opiniões. Não necessariamente essas contribuições são perguntas, muitas vezes são afirmações e algumas delas poderão ser respondidas pela Secretaria-Geral da nossa Comissão, pela nossa assessoria da Comissão, com base no que aqui foi produzido, porque às vezes é um número grande e não dá para ser respondido um a um.
O cidadão Wagno da Rocha Antunes/MG. "Senhor Orlando Zaccone [...], a pesquisa que está apresentando já foi publicada?" Ao Sr. Delegado.
"O que o senhor acha sobre [o relaxamento - aí, já é outro, Felipe Tomasi, de São Paulo -] sobre a relação de governantes e agentes públicos, especialmente policiais das várias categorias, com o fluxo de drogas e armas ilegais. O Brasil não é produtor de drogas e as armas muitas vezes são exclusivas das Forças Armadas."
Há outros comentários também, uns parabenizando a ação da nossa CPI, é o caso de Lucas Castelão, do Acre.
Jorge da Cruz, da Bahia, Jorge X - Colaborador do Instituto Steve Biko, que também diz: "[...] para além de identificar e combater as diversas violências que o Estado patrocina a esses jovens e suas famílias, quais são os caminhos internos que nós negros podemos lançar mão para combater esses fatos?"
Marcos Luiz de Oliveira faz também suas observações, dizendo que: "Deveria ser feita uma audiência pública para debater sobre o índice de assassinatos de pais de família cometido por menores infratores, pois famílias são destruídas todos os dias e nenhuma punição é aplicada devido o atraso constitucional do nosso país." É também a opinião do Sr. Marcos de Oliveira, de Minas Gerais.
Nós não temos discutido outra coisa senão justamente esses dados, Sr. Marcos, se o senhor analisar bem os depoimentos e todas as pesquisas aqui apresentadas.
Também Wagno novamente diz para Antônio Teixeira: "[Que] as mortes aos jovens negros decorrem exclusivamente da violência policial ou está incluso também mortes advindas da própria juventude negra?"
São algumas opiniões e considerações feitas por aqueles que nos acompanham e nós gostaríamos de agradecer a colaboração, a audiência e estimular para que mais vezes façam isso. Na próxima segunda-feira, 19h30, estaremos novamente aqui para reiniciarmos este trabalho.
Agora, passo a palavra novamente aos nossos convidados, começando pelo Sr. Antônio.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Eu vou tentar, numa única intervenção, dar conta de tudo, tentar fazer um liame entre as perguntas e intervenções.
Sobre esse assenso conservador, eu tenho cada vez mais pensado que a gente precisa ir ao século XIX para compreender o que estamos vivendo no século XXI, sobretudo em matéria de violência e de segurança pública.
Nina Rodrigues, no início do século XX, na primeira década do século XX escreveu um livro em que ele defendia a adoção de dois códigos penais no Brasil, um código penal para os negros e um código penal para os brancos. O código penal para os negros, defendido por Nina Rodrigues, tinha maioridade penal definida em nove anos de idade, esse livro está publicado - está - nove anos de idade. E qual é o argumento de Nina Rodrigues para os nove anos de idade? É que, como o debate sobre a responsabilidade penal estava sustentado na capacidade do sujeito de discernir sobre aquilo que ele fazia, o que Nina Rodrigues, analisando... E Nina Rodrigues foi um dos pesquisadores que mais analisaram a população negra, há livros que são utilizados inclusive por pesquisadores interessados pela questão racial porque ele fez descrições da população negra que ninguém fez.
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Nina Rodrigues considerava que os negros eram precoces porque as crianças negras trabalhavam mais cedo do que as brancas, porque elas saíam direto da infância para o mundo adulto. E como transitavam direto da infância para o mundo adulto, elas tinham pleno discernimento daquilo que faziam, e, por isso, você deveria ter um código penal para os negros diferente do dos brancos e com a maioridade penal aos nove anos de idade.
Há um parecer que foi formulado com um desses projetos que foram feitos propondo a diminuição da maioridade penal que está sustentando em teses não de Nina Rodrigues, mas, salvo melhor juízo, de Tobias Barreto, que também seguia Nina Rodrigues em suas principais teses. A impressão que eu tenho é de que o século XIX está servindo mais para a gente compreender o que a gente está vivendo hoje do que o século XX em si, ou este início de século XXI.
E é por isso, Senador, que eu fui ao século XIX para olhar a legislação penal, a legislação urbana que foi constituída para reprimir os negros, e eu encontrei, infelizmente, mais semelhanças que dessemelhanças com o que a gente vive hoje. Eu trouxe apenas alguns exemplos para ilustrar como esse sistema foi estruturado para reprimir especificamente estereótipos e sujeitos específicos, e o negro é um desses sujeitos, se não o principal suspeito.
Vamos lembrar que é no século XIX que as cidades começam a se constituir, a crescer em termos de população. A população brasileira era predominantemente rural e isso só acabou no século XX, a partir, sobretudo, da década de 40, salvo melhor juízo. Mas as cidades estavam crescendo, e estava crescendo nelas também uma população negra que, paulatinamente, conquistava a liberdade. E um conjunto de regras e legislação repressiva, não só de natureza penal, que regulava o exercício do trabalho na cidade, que regulava a diversão dos negros na cidade, foi instituído no auge das revoltas negras, que começa com Alfaiates, no século XVIII, e vai culminar com a revolta dos Malês, em 1835. É desse período que data uma das piores legislações que este País já viu, e nós temos hoje, infelizmente, muitos elementos similares a essa legislação, e, mais do que isso, nós temos discursos sendo sustentados em teses que deram origem a práticas, a políticas e a programas racistas.
Por isso hoje eu acho imprescindível que qualquer política nacional de segurança, qualquer política educacional, se não se comprometer com a praxis antirracista, ela está fadada ao fracasso; ela está fadada ao fracasso. E os dados de homicídios de violência no Brasil estão apontando para a questão racial como um dos elementos centrais desse fenômeno, ele precisa ser atacado como um dos elementos centrais. Mais do que isso, não me parece que a gente vá conseguir dar conta disso apenas através da repressão, do policial lá na ponta, a arraia miúda.
Há um filme muito bom, À queima roupa, que talvez sirva... E aí, Senador Lindbergh, vou fazer apenas um contraponto, para mim o maior problema da narrativa da UPP é que ela às vezes causa a impressão de que não havia polícia nos morros antes das UPP's. À queima roupa mostra, por exemplo, de forma perfeita, que a polícia retirava a arma do morro e devolvia a ela, só mudava a facção. À queima roupa mostra isso, inclusive através do depoimento de um delator, e toda a narrativa do filme mostra isso. Para mim esse é o maior problema da narrativa da UPP, ela passa a falsa impressão de que a polícia não estava envolvida com tudo o que se denunciava antes de a UPP ser instituída como política pública destinada especificamente para territórios negros.
Enfim, então, não sei.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu estou muito impressionado com a sua fala, Doutor. Você é do IPEA aqui em Brasília, não é?
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Isso.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Nós queríamos muito convidá-lo aqui para nos ajudar de forma mais direta nesse trabalho da Comissão, eu acho que o senhor tem informações que reforçam muito o nosso trabalho. Eu queria até já fazer esse convite, mas tomar a liberdade de marcarmos depois para conversarmos...
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Perfeito.
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O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... porque é dessas alianças que a gente precisa para fazer um bom trabalho nesta CPI.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Estamos à disposição.
Enfim, parece-me fundamental colocar essas... Há algumas coisas, Senador, que me deu vontade de falar, mas, enfim: certeza da impunidade, intensidade da pena... Há uma coisa, por exemplo, que nesse debate sobre a maioridade penal, parece-me, às vezes, até uma postura muito cínica daqueles que defendem a redução da maioridade penal, que é vender a ideia de que o atual sistema previsto no ECA é reprodutor de impunidade. As medidas socioeducativas são medidas restritivas de direitos - é bom lembrar disso. Entra as medidas socioeducativas existe a restrição à liberdade - a internação é uma restrição à liberdade. Ela passa a falsa ideia de que as medidas que já temos hoje não são repressivas; pelo contrário, elas são. Inclusive, está se tornando cada vez mais recorrente, para qualquer tipo de delito ou de ilícito cometido por um menor, a utilização da internação como a medida primeira.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O senhor sabe que aqui tem um projeto do Senador...
Desculpe, Senadora Lídice, eu estou...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - À vontade.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Aqui há um projeto do Senador José Serra que estão querendo tratar como se fosse uma alternativa ao projeto de redução da maioridade penal.
O projeto do Senador Serra aumenta o tempo de internação de três para dez anos, a partir de 12 anos... Porque pouca gente sabe que, hoje, a partir de 12 anos, pelo ECA, você já pode ter restrição da liberdade, privação da liberdade. No caso, ampliam para dez anos. Eu queria saber a opinião.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR. Fora do microfone.) - Para os crimes hediondos.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Não, no...
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR. Fora do microfone.) - Pelo projeto do Senador Serra, sai de três para dez anos, nos chamados crimes hediondos - latrocínio, estupro, essas coisas. E esses presos, nesse período, não ficariam encarcerados com...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Teriam uma cadeia especial.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - É; nem ficariam com os...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nem nas casas de medidas socioeducativas...
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Nem ficariam nos presídios.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... nem nos presídios normais.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Eles iam construir mais presídios que escolas.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O governo...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Agora...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... que não tem dinheiro para construir...
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR. Fora do microfone.) - Escolas.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... os presídios atuais e escolas, teria que criar novos presídios especiais para este tipo.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Quando a gente fala em crime hediondo, é importante dizer que, em crime hediondo, está incluído o tráfico no varejo. Um projeto desses significa dizer o seguinte: se a gente pega um garoto de 12 anos, usado como avião, vendendo drogas ali na Floresta, ele pode ficar até os 22 anos preso.
Aqui, Zaccone, não é brincadeira. Com o populismo penal, aqui, cada dia surge projeto para aumentar a pena. Mais pena, mais pena. É de uma criatividade impressionante. E nós vamos nessa linha: já somos a terceira população carcerária, daqui a pouco vamos ser a segunda.
Então, eu só quero me associar às suas posições e fazer essa pergunta sobre esse projeto do Senador Serra, porque é um tema que nós vamos discutir muito daqui pra frente.
O SR. ANTÔNIO TEIXEIRA DE LIMA JÚNIOR - Só para finalizar, a tese da impunidade, da intensidade da pena como medida para coibir o fenômeno violento ou o crime, para ser mais específico, são questionadas pela Criminologia Crítica há muito tempo. Primeiro, porque o número de crimes cometidos é enorme e o que chega ao conhecimento das instituições responsáveis pela repressão - ou pela regulação desses conflitos - é ínfimo. Portanto, o fenômeno crime, a violência, não tem como ser debelado, não tem como ser combatido por intensificação de pena ou por tipificação de novas condutas. Enfim, a gente já vem de um longo período de inflação legislativa com relação à legislação penal e a violência não para de crescer.
Aliás, há algumas coisas interessantes: a gente viveu um longo período de melhoria das condições sociais da população e, mesmo assim, a violência não cessou, o que, inclusive, colocou em questão as teses clássicas que identificavam a violência apenas à condição social do indivíduo que também era reprodutora de uma espécie de racismo, de preconceito porque identifica o crime com a pobreza.
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E a gente não consegue explicar, inclusive, o crime cometido pela alta esfera da sociedade, que tem um poder de atingir a população muito maior do que um indivíduo que comete um ato delituoso e vai ficar dez anos preso na cadeia.
Enfim, é isso. Eu agradeço profundamente a oportunidade de falar e de poder contribuir com uma CPI sobre um tema que me parece ser absolutamente relevante, para a gente tentar resolver uma das fissuras dessa sociedade.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós agradecemos muito a sua colaboração e queremos que ela continue como já foi aqui explicitada pelo Senador Lindbergh. Vamos intensificar nossa relação com o Ipea, para extrair de vocês o máximo que pudermos.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O Ipea e, em particular, o Dr.Antônio Teixeira. Uma fala que nos animou.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Em especial, o médico, Dr. Antônio Teixeira.
Dr. Orlando.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Então, tem que ser breve. Quase dez horas.
Acho que começar com as questões que foram levantadas pelo Senador Telmário Mota, são questões importantes porque relacionam fatores para cometimento do crime. Isso, hoje, nos estudos de criminologia, a gente tem colocado isso de lado. Não existem causas do crime porque, na verdade, o crime não é um ente natural, o crime não existe como algo da natureza. Matar alguém é crime? Nos autos de resistência que estudei, não. Nem matar alguém, que seria a conduta mais próxima da natureza ao crime, é naturalmente crime.
E aí nós tivemos um grande embate entre duas escolas criminológicas, de um lado, do século XIX, os positivistas tentando aproximar o crime de algo na natureza, na ideia de se buscar as causas do crime no criminoso, no homem delinquente, Lombroso, a ideia da semente do mal, que é como alguns se referem aos adolescentes infratores, daqueles que já nascem com a tendência para delinquir. Isso tudo dentro do século XIX, mas havia um campo...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Lombroso dizia que o criminoso tinha determinadas características físicas.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Físicas porque ele foi estudar o criminoso no cárcere. Hoje, por exemplo, ele poderia concluir que os negros têm mais tendência a delinquir do que os brancos, seria uma conclusão porque temos mais negros presos.
Mas havia outro campo, que era um campo que já tinha se estabelecido antes, na época do Iluminismo, do Direito Penal clássico que dizia que o crime era um ente jurídico. Isso está no Código Penal hoje: não ha crime sem lei anterior que o defina. E a criminologia ficou nesse debate durante um tempão. O crime é um ente natural, o crime é um ente jurídico? Mas, na verdade, o crime não está nem na natureza e nem na lei. Onde está o crime, numa construção política? Portar maconha para fumar no Brasil é crime, mas portar para fumar no Uruguai nunca foi crime. Não é agora. O que Mujica fez foi legalizar a produção e o comércio, mas no Uruguai nunca foi criminalizada a conduta da pessoa que tinha o porte de determinada quantidade de substância entorpecente, considerada entorpecente, droga, para uso próprio.
Então repare como o crime é uma construção que começa no processo de criminalização. Por isso que hoje nós não trabalhamos mais criminalidade, nós trabalhamos com o conceito de criminalização.
Então fatores para o cometimento do crime, o primeiro fator é a lei. Tinha já Lolita Anyiar de Castro, uma grande criminóloga venezuelana, que dizia que para nós reduzirmos a criminalidade bastava rasgar algumas páginas do Código Penal. A criminalidade cai. Porque o grande fator de cometimento para o crime é a própria ideia.
E, aí, tem certos crimes que estão na lei, mas não crimes porque não têm reação social. O crime também não está lei. Você sabe que tem um crime na lei, que diz o seguinte: deixar de fornecer nota na prestação de serviço. É crime contra a ordem tributária. Todos nós já praticamos, no dia em que o dentista perguntou: você quer com nota ou sem nota? E nós falamos assim: quanto é com nota? Com nota é tanto, E sem nota? É tanto. Então, quero sem nota. É crime, mas crime onde? Só no papel. Sonegação fiscal é crime de papel porque, se nós formos montar qualquer negócio e procurarmos um bom contador, um bom, a primeira coisa que o contador tem que informar é como você vai sonegar para manter o seu comércio.
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Aborto é crime de papel, porque nenhum de nós nesta sala olha uma mulher que praticou aborto como criminosa, passiva de sofrer uma pena privativa de liberdade num presídio, não reagimos. Então, existe uma interação na sociedade que vai fazer com que a gente reaja a alguns comportamentos como verdadeiramente criminosos e a outros não, ainda que a lei defina como crime.
E é interessante que, dos 600 mil presos no Brasil, eles não estão presos em mais de meia dúzia de crimes. Vamos contar: roubo, tráfico - o tráfico entre homens é o segundo, mas, entre mulheres, é o primeiro - homicídio, porte de arma, estupro - menos, mas tem, dos 600 mil presos, tem lá uma quantidade. Dizem que, dos 600 mil presos, a gente pode ter um terço dos presos só em três crimes: roubo, homicídio e tráfico.
Reparem que o crime que é crime de verdade, que leva uma pessoa à cadeia, é só meia dúzia de condutas. Eu até brinco com os meus alunos, falo: a gente perde tanto tempo estudando direito penal na faculdade, estuda o Código, tem 300 crimes no Código Penal mais os crimes nas leis extravagantes. Se a gente estudar meia dúzia de crimes, a gente estaria pronto para atuar no sistema prisional.
E aí vem a seletividade. Como se dá a seletividade? Por que o cárcere está cheio de pessoas pobres, negras? Não é porque o negro tem mais tendência à delinquir. Ele tem mais tendência a ser criminalizado. O Augusto Thompson, que é um grande criminólogo já falecido, era advogado no Rio de Janeiro, foi diretor do sistema prisional, há um livro famoso: Quem são os criminosos? Ele diz o seguinte: o primeiro fator de seletividade punitiva é o local onde o crime ocorreu. A polícia atua no espaço público. Evidentemente que os crimes que ocorrem no espaço público têm muito mais chance de serem criminalizados, de serem identificados do que os crimes que ocorrem no espaço privado.
Na pesquisa do mestrado, eu vi como se distribuem os flagrantes de tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro. Teve um ano em que a Barra da Tijuca não fez um flagrante de tráfico, nenhum. Se você for ver os registros de tráfico no Rio, você vai ver que regiões na Zona Sul somando num ano todas as ocorrências de tráfico, de flagrante de tráfico na Zona Sul do Rio, davam o mesmo número que a delegacia de São Cristóvão. São Cristóvão fez o mesmo número de flagrantes que todas as delegacias da Zona Sul do Rio juntas. Por quê? Porque o tráfico de drogas no Rio, na Barra da Tijuca e na Zona Sul, não acontece no espaço público. A favela é considerada espaço público. O barraco da favela é considerado espaço público. A polícia entra sem mandado de busca e apreensão. O que não acontece num condomínio de luxo da Barra. Precisa de um mandado de busca e apreensão, precisa de uma investigação. Quanto mais sofisticada a investigação, menos chance você tem de chegar ao criminoso.
Então, na verdade, esse processo seletivo é da natureza do próprio sistema, não é um defeito do sistema. Acho que o grande problema hoje, do crescimento dessa bancada conservadora é que os movimentos populares acreditaram, Senador Lindbergh, no processo de criminalização. Acreditaram. Quando levam a bandeira da homofobia como a pauta principal do movimento LGBT, a bandeira principal tem que ser a igualdade do casamento, pessoas do mesmo sexo possam celebrar um casamento. Isso contempla muito mais direito aos grupos LGBT do que a criminalização da homofobia.
No Brasil, o grande responsável, o grande vetor da violência de gênero passa batido. Não é desproporção física do homem, da mulher. Isso existe até na Groenlândia, um esquimozinho macho é mais forte do que uma esquimozinha fêmea, mas por que no mundo existe diferença na forma como cada cultura se relaciona com a violência de gênero? Por que temos no mundo, mesmo com homens mais fortes que mulheres, índices muito baixos de violência de gênero e outros, como no Brasil, níveis altíssimos? Vamos estudar: vai-se ver lá que existe uma desproporção econômica que faz com que a mulher esteja submetida ao domínio do homem porque ela não tem onde deixar os filhos, não pode sair para trabalhar. Então ela tem que ficar dentro de casa porque não tem condição de sair para o trabalho. E quando ela trabalha, ela ganha salário menor que o do homem exercendo a mesma função. Essa desproporção econômica é causa de violência de gênero sim, porque a mulher reincide na vitimização dessa violência de gênero porque ela está ali sob o julgo, na dependência econômica do homem. Então, o que acontece é que os dispositivos da segurança criminalizadores ocultam, ocultam não, esvaziam os dispositivos políticos.
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Na verdade, quando se quer a criminalização do espaço social no sentido de apontar essa criminalização... E, aí vem, Senador Telmário, o tema da impunidade. A ideia de que as coisas não estão bem porque não se pune mais - essa é a tese do discurso da impunidade - é uma estratégia para se esvaziar a intervenção política que o Estado e a sociedade devem fazer para contemplar os seus problemas, as suas questões sociais. Esse tema da impunidade é que faz com que o tema do adolescente infrator seja resolvido com encarceramento, não com políticas públicas, não com políticas que contemplem escolaridade, que contemple ocupação e que garantam voz a esses garotos, a voz que eles têm que ter, porque eles não a têm. Eles estão calados; eles não têm espaço no ambiente social para se manifestarem.
Então, acho que nós temos de avançar um pouco nessa ideia que foi colocada aí, a da impunidade. O Brasil não é o país da impunidade para alguns comportamentos; para outros, sim. No caso das drogas, de que nós falamos tanto, se um garoto, no morro, é pego com três, quatro ou cinco trouxinhas de maconha ou cocaína, ele vai ser identificado como traficante. Agora, se um helicóptero aparece com meia tonelada de pasta base, ninguém vai preso! Então, essa impunidade é uma meia impunidade; não é a impunidade de que estamos falando.
Hoje, nós temos uma quantidade imensa de garotos que são presos... E há pesquisas, como a da Professora Luciana Boiteux, da UFRJ, como outras pesquisas, dando conta de que as quantidades que levam uma pessoa a ser presa como traficante de drogas são ínfimas. Houve uma decisão do STJ, outro dia, que manteve a prisão de uma pessoa por tráfico pela posse de algo como 0,20 gramas, ou seja, uma coisa ínfima. Então, nós estamos falando de uma impunidade que é seletiva, porque o sistema é seletivo.
E como falar de reforma da polícia dentro de uma estrutura seletiva? A polícia realiza funções que, como costumo dizer - e vou aproveitar para aduzir -, são piores que os desvios de função da polícia. Isso é muito sério! E por quê? Todo mundo se foca em que o problema da policia são os desvios de função. E, aí se construiu, desde o filme Tropa de Elite, a ideia de que o grande desvio de função da polícia é a corrupção: a corrupção policial, a banda podre da polícia. Se constrói a ideia da banda podre da polícia como sendo a banda da corrupção. Contudo, em contrapartida à banda podre, vem a banda boa. E qual é a banda boa?
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - A que mata.
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - A que mata. Exatamente, Senadora!
Então, essa construção que foi feita é muito equivocada, porque a banda boa que mata é vista como exercendo função e não desvio; e a banda podre... Quando, na verdade, essa divisão não existe internamente nas polícias; esses dois grupos - o que mata e o que se corrompe - estão juntos, vide o negócio das drogas, onde a letalidade é altíssima e a corrupção é altíssima. Está todo mundo junto, matando e se corrompendo.
E, aí, a questão toda está em como é que a gente chega às UPPs. Temos o problema das drogas, e outro grande problema era a ocupação desses territórios por grupos armados, dominando territorialmente, com violência, esses espaços. Como resolver isso? Aí, a ideia sempre repressiva - sempre repressiva! Esse é o problema da polícia repressiva. A repressão não resolve a questão. A questão fica intacta. A repressão não tem... Essa ideia de que quanto mais se prende menos crimes são cometidos não é contemplada em nenhuma experiência histórica. Aliás, segundo o Professor Nilo Batista, na história, a pena nunca foi vetor de transformação social. Muito pelo contrário; a pena sempre se mostrou um vetor de manutenção da ordem desigual, dos problemas sociais. Então, nós não temos uma experiência social de um país que prendeu muito e onde a criminalidade caiu. Não existe isso!
No Brasil, por exemplo, as pessoas devem estar loucas...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Nos Estados Unidos...
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Nos Estados Unidos também, mas vamos falar aqui do Brasil. Nós triplicamos a população carcerária, demos um salto no encarceramento e, nessa grande hospedaria do sistema penal, temos 600 mil presos, e a criminalidade aumentando. Então, não é possível que ninguém pare e diga: "Olha, não funciona. A questão não é encarcerar."
Então, nós temos de buscar uma polícia que tenha um paradigma diferente do paradigma repressivo. Eu vou na contramão do...
Não sei quem foi a pessoa que trouxe essas questões...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Sim, do Wagner. Eu estou na contramão dele.
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Na verdade, nós precisamos de um paradigma de uma polícia preventiva mesmo, porque a prevenção, ela sim, vai fazer uma intervenção na ordem das coisas; ela vai fazer com que um crime não aconteça. O que é melhor? É melhor mil vezes que um crime não aconteça do que milhares de criminosos sejam encarcerados pelos crimes que cometeram.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Doutor, eu só queria acrescentar o seguinte: na hora em que você a faz preventiva, ela só muda a localidade. Ele entende que não elimina a criminalidade. Por exemplo, se aqui se monta um grupo de...
O SR. ORLANDO ZACCONE D'ELIA FILHO - Não; mas aí ele está confundindo duas coisas. Ele está confundindo polícia preventiva com polícia ostensiva. Essa é uma confusão que, inclusive, a doutrina faz, porque é uma questão de nomenclatura. Polícia preventiva não é polícia ostensiva! Polícia preventiva é um paradigma de polícia que atua para que o crime não ocorra.
A ideia de que a polícia estando num espaço o crime não ocorrerá é uma falácia. Nós temos, hoje, a experiência das UPPs - já entrando na questão do Senador Lindbergh. Como as UPPs surgem? Com a ideia de que o Estado retomaria o território não no sentido de acabar com o tráfico de drogas. Nós não vamos pegar uma fala do Secretário de Segurança do Rio em que ele diga que a UPP veio para acabar com o tráfico. Muito pelo contrário; existem várias falas do Secretário dizendo que isso não era papel da UPP, mas que o papel da UPP seria, simplesmente, o de restringir a presença dos armamentos militares naquelas comunidades.
E como é feito esse milagre então? Sim, porque seria um milagre, para quem é carioca, a presença do tráfico sem armamento pesado, porque, historicamente, o tráfico, sempre, se armou de forma militar, Dizem que 70% dos ganhos dos traficantes são investidos em compra de armamento - 70%! E por que os traficantes, no Rio, sempre se armaram? Vamos tentar entender. Era para se defenderem da polícia? Claro que não! Nunca foi! Porque, senão, eles não teriam outras conversas com a polícia; seria só... Aí, seria uma guerra de verdade. Na realidade, os traficantes se armam para se defenderem da invasão de outros grupos ao seu território. Essa é a realidade!
Então, com a UPP entrando, impedir-se-ia que essa guerra entre grupos acontecesse. E, assim, o grupo que está estabelecido no território guarda as suas armas, o tráfico continua e fica tudo bem. Essa era a ideia, e funciona bem nas comunidade pequenas. Se vocês forem à Tijuca, no Rio de Janeiro, por exemplo, vocês vão ver que, no Borel, na Formiga, no Salgueiro, todas as comunidades pequenas, com uma entrada... No Borel, a Estrada da Independência. Saindo ali da São Miguel, você sobe e tem uma entrada para o morro todo. Então, nessas comunidades pequenas, que têm uma entrada e uma saída, funciona bem, porque a polícia, com aquele contingente, digamos na linguagem popular, meia boca, consegue garantir que não haja guerra. Mas, quando se chega nos complexos, como o do Alemão, o da Rocinha e, agora, da Maré, como é que a polícia, com 400 homens, no Complexo da Maré, por exemplo, vai garantir diuturnamente que não haverá uma guerra entre grupos internos? Dentro da Maré você tem grupos rivais. Como isso vai acontecer? Nesse ponto, o projeto se acaba; e se acaba por quê? Porque a guerra continua e a proposta inicial não se cumpre, caindo em descrédito, e todos os problemas oriundos da proibição das drogas se revela novamente.
Então, o que nós temos de olhar é, principalmente agora... Acabou! Não há mais ilusão! Nós só podemos ter um caminho para acabar com o tráfico de drogas no Brasil - um único caminho: a legalização da produção, do comércio e do consumo dessas drogas. Nenhum outro caminho vai acabar com o tráfico e com o traficante. Agora, ou nós vamos encarar isso na politica, porque isso é feito na política, pois quem vai decidir isso não é um comandante de batalhão, não é um delegado de polícia, não é em uma reunião de serviços de segurança pública; isso tem que ser resolvido no Congresso Nacional! Então, ou nós vamos resgatar a política para resolvermos as nossas questões sociais, porque um crime é um fato social, que é construído através de várias interações; e o tráfico de drogas quem o cria é a forma como nós operamos a segurança pública; e a forma da proibição das leis, que proíbem de forma...
Imaginem: pessoas doentes estão tendo que lutar hoje para conseguir um medicamento dessas substâncias! Essa é uma questão que vem do plano internacional, mas o Brasil está muito atrasado.
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O Evo Morales está lutando na ONU para autorizar comida, a farinha de coca, que é uma comida que sempre foi assim utilizada na tradição dos Andes, mas é proibida. Não dá barato nenhum! Ninguém fica louco comendo farinha de coca, mas ela está proibida. Quer dizer: é uma política irracional. Ela tem que ser revista e já está sendo revista em vários países, só que o Brasil mantém a sua tradição de ficar sempre lá atrás nas grandes mudanças. Fomos dos últimos países do mundo a acabar com a escravatura. O Uruguai foi o primeiro; e não é diferente também na questão das drogas, porque a questão das drogas também traz um quê de racismo.
Então, eu acho que está na hora de nós esvaziarmos os dispositivos da segurança pública para retomarmos os dispositivos da política.
Era isso.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero agradecer enormemente e aproveitar para deixar registradas as duas últimas contribuições que aqui chegaram de pessoas que estavam nos assistindo, o que não quer dizer que quem participa deva concordar com as coisas que estão sendo ditas aqui.
O Sr. Otávio José Cardoso, de São Paulo, diz; "Gostaria de expressar a minha indignação. Suas análises partem de pressupostos parciais. Segundo as falas, a polícia, a Justiça e o Ministério Público estão errados. Mas os senhores erram quando partem de algumas certezas sem análise mais ampla. Essa CPI possui ideologia de esquerda".
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Fora do microfone.) - É uma acusação?! (Risos.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - É, exatamente; e é uma afirmação que ele tem o direito de ter.
E o Wagno da Rocha Antunes, de Minas Gerais, diz: "Prezado Dr. Antônio, parabéns pela exposição! Gostaria de receber esse seu estudo em meu e-mail. É possível?"
Posteriormente, a Secretaria dará condições de acesso aos dados.
Muito obrigada a todos.
Nada mais havendo a tratar, Senador Telmário, mas deixando em aberto a possibilidade de nós termos uma reunião administrativa, durante esta semana, para analisarmos se a próxima audiência pública ocorrerá ou não na data prevista, declaro encerrada a presente reunião.
Agradeço a todos pela presença.
(Iniciada às 19 horas e 46 minutos, a reunião é encerrada às 22 horas e 12 minutos.)
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(Em execução.)