09/09/2015 - 25ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco Maioria/PMDB - PR) - Havendo número regimental, declaro aberta a 25ª Reunião, Extraordinária, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei do Senado nº 402, de 2015, que altera dispositivos do Decreto nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, relativo aos recursos, conforme os Requerimentos nºs: 15/2015-CCJ, de iniciativa do Senador Antonio Carlos Valadares; 16/2015-CCJ, de iniciativa do Senador Ricardo Ferraço; 17/2015-CCJ, de iniciativa do Senador José Pimentel; e 18/2015-CCJ, de iniciativa do Senador Humberto Costa.
Convidados: Procurador-Geral da República, que mandou um representante - eu só quero ressaltar o fato de que o convite foi pessoal, era um convite individual às autoridades e intransferível -; a OAB manda um representante: Pedro Paulo Guerra de Medeiros, representando o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; João Ricardo dos Santos Costa, Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros; Sr. Antônio César Bochenek, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil; Sr. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal; Fábio Zech Sylvestre, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB no Ceará; Rubens Roberto Rebello Casara, Professor e Doutor em Direito, com especialização em Direito Processual Penal; Maurício Stegemann Dieter, Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Thiago Bottino do Amaral, Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas; Marcelo Semer, Juiz de Direito do Estado de São Paulo; e Elmir Duclerc Ramalho Júnior, Professor de Processo Penal da Universidade Federal da Bahia e Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Pois não.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Sr. Presidente, para economia processual, considerando a abertura feita por um dos autores do projeto, Senador Requião - nós temos aqui um conjunto de convidados, alguns puderam vir, outros não -, a solicitação que faço é que nós pudéssemos priorizar os convidados que aceitaram o convite. Posteriormente nós ouviríamos aqueles que não puderam vir e enviaram seus representantes, inclusive os representantes da nossa Defensoria Pública, para que pudéssemos dar agilidade ao nosso processo. Essa era a sugestão que eu queria encaminhar a V. Exª.
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O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Senador Ricardo Ferraço, Relator da matéria e um dos propositores desta audiência pública ao lado de outros Deputados, quero inicialmente agradecer ao Senador Roberto Requião, que está conosco aqui, pela gentileza de ter aberto os trabalhos enquanto eu encerrava um debate da Medida Provisória nº 679, que trata das moradias para as Olimpíadas, a serem feita em 2016 na cidade do Rio de Janeiro. Por isso, atrasei um pouquinho.
Acredito que, se nossos pares concordarem, segundo o encaminhamento feito pelo nosso Relator, talvez pudéssemos, se o nobre Senador Roberto Requião estiver de acordo, ouvir primeiro aqueles cujos convites para vir foram aprovados, e, na parte seguinte, ouviríamos os que vieram representando, como forma de receber o máximo de informações e tratando igualmente os que são iguais. Ou seja: aqueles que a Comissão aprovou seriam os primeiros a prestar seus esclarecimentos.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Sr. Presidente, a minha sugestão é que convidemos nossos palestrantes a entrarem na sala da audiência pública, e colocaremos à mesa três palestrantes de cada vez. Os outros ocupam o plenário, e vamos substituindo na mesa na medida em que eles sejam os próximos na ordem de inscrição.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE. Fora do microfone.) - São quantos, só para ordenarmos? Deixe-me fazer uma ponderação? Se são onze e fizermos três blocos de quatro...
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Presidente, pela ordem.
Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Senador Antonio Carlos Valadares, me desculpe, eu estava ouvindo aqui...
As mulheres têm um grande mérito: elas conseguem ouvir muitas coisas ao mesmo tempo sem perder o foco. Já nós, homens, em particular este aqui, quando começamos a ouvir várias ponderações, perdemos o foco e ficamos aguardando melhor raciocínio.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - É tão somente, Presidente, para ratificar o que falou o Senador Ricardo Ferraço sobre a Defensoria Pública Nacional. Foi um equívoco da minha parte e, acredito, dos autores dos demais requerimentos, porque nos esquecemos de incluir a Anadef (Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais). O Ministério Público está incluído, e não os defensores públicos, que representam cem milhões de brasileiros. Eles estão aqui, e eu os convidei, com o Relator, para participar do plenário, mas precisaria da licença de V. Exª, da aquiescência de V. Exª a fim de que eles participassem, mais lá na frente, dos debates, o que seria muito salutar para o andamento desta matéria.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Como resolvemos fazer blocos de quatro expositores e como são 11 e mais a representação da Defensoria, que somam 12, ficam exatamente os três blocos. Está acolhida a sugestão de V. Exª.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - O primeiro bloco é composto pelo Sr. João Ricardo dos Santos Costa, Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); o Sr. Antônio César Bochenek, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); Sr. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal; e o Sr. Fábio Zech Sylvestre, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais.
Vou pedir ao nosso Senador Aloysio Nunes Ferreira para conduzir todos aqui, ao plenário, e esses quatro à mesa, porque fazem parte do primeiro bloco.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Presidente, somente para informar a V. Exª que falará em nome da Defensoria Pública o Dr. Gustavo Virginelli, que trabalha na Defensoria Pública, na área criminal.
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O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Todos acomodados? (Pausa.)
Nossos convidados poderiam vir um pouco mais para frente, aqui na terceira fila, visto que compõem o próximo bloco de personalidades que nós vamos ouvir.
Então, para nós iniciarmos os nossos trabalhos, passarei a palavra ao nosso Relator e, em seguida, para os nossos convidados.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srªs e Srs. Senadores, convidados todos que nos honram com as suas presenças nesta audiência pública, que tem o propósito de nos ajudar, não a mim pessoalmente, porque, na condição de Relator, já tenho o meu juízo firmado sobre a tempestividade dessa iniciativa, qual seja, o Projeto de Lei nº 402, de 2015, de autoria de diversos Senadores, que teve exatamente como inspiração a Associação Nacional dos Juízes Federais, que propõe alterações no sistema recursal do processo penal brasileiro:
a) nos casos de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção, peculato, lavagem de dinheiro ou participação em organização criminosa, após decisão condenatória de tribunal em segunda instância, propõem-se novas regras para a imposição de prisão preventiva ou medida cautelar, devendo o tribunal exigir garantias de que não haverá fuga ou práticas de novas infrações penais e também levar em consideração os antecedentes do condenado, a gravidade e consequências do crime e se houve ou não recuperação do produto ou proventos do crime;
b) o efeito suspensivo passa a ser a regra nos recursos dirigidos aos tribunais superiores, salvo em relação à prisão e às medidas cautelares impostas, devendo tais tribunais levar em consideração se o recurso tem propósito protelatório ou se levanta questão legal relevante;
c) nas decisões do tribunal do Júri, o colegiado de segunda instância também decidirá sobre o efeito suspensivo do recurso levando em consideração se o recurso - como disse aqui - tem propósito protelatório;
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d) os embargos infringentes passam a ser cabíveis apenas para conferir ao acusado a oportunidade de fazer prevalecer em seu favor voto vencido pela absolvição; e
e) a possibilidade de aplicação de multa em caso de utilização de embargos de declaração com fins protelatórios.
Ou seja, a sugestão formulada pela Ajufe visa promover alteração normativa que atribua maior eficácia às sentenças condenatórias e aos acórdãos condenatórios no processo penal, evitando a eternização da relação jurídica processual, com graves impactos na aplicação da lei penal. A preocupação do central do projeto é, portanto, conferir maior eficácia à decisão condenatória dos tribunais, ainda que sujeita a recursos, não considerando razoável que a regra seja o apelo em liberdade se ausentes os requisitos tradicionais da prisão preventiva.
Portanto, Sr. Presidente, fazendo esse breve nivelamento, creio que podemos passar a palavra aos nossos convidados para que, à luz desse escopo, possamos obter as manifestações e as contribuições de todos que compartilham conosco em razão não apenas da sua visão acadêmica e intelectual, mas em razão da sua visão prática em suas tarefas e responsabilidades.
Portanto, sem mais delongas, a ideia é que pudéssemos ouvir os nossos convidados e, assim, evoluir na formação coletiva de um juízo de valor para que, após esta audiência pública, nós pudéssemos, aí sim, marcar uma audiência para discutir, debater e deliberar sobre essa importante proposta que inova em nosso processo recursal, colocando fim àquilo que chamamos de indústria dos recursos protelatórios, que tem sido alvo de uma extraordinária impunidade em nosso País.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Acolhendo a sugestão do nosso Relator, vamos conceder um prazo de 15 minutos, com alguma tolerância, se for necessário, para os nossos convidados nesta fase primeira.
Portanto, concedo a palavra ao Dr. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal, para iniciar este diálogo.
O SR. SÉRGIO FERNANDO MORO - Boa tarde a todos. Gostaria de agradecer o gentil convite que me foi feito.
Para mim é uma honra estar presente no Senado, nesta Casa Legislativa. Já estive outras vezes nesta Casa, mas confesso que nunca antes para defender um projeto que, particularmente, julgo tão importante.
Sou Juiz Federal desde 1996 e desde 2002 eu tenho atuado em vara criminal especializada em Curitiba. Nesse tempo, passaram diversos casos criminais na minha mão e diversos casos criminais extremamente complexos. Um lugar comum nesses casos complexos - isso falo da minha experiência, mas é uma experiência que é compartilhada por vários outros juízes federais e também juízes estaduais que atuam em processos similares -: nós verificamos que esses processos dificilmente chegam a um fim. Nosso sistema judicial processual é muito moroso. Temos casos, muitas vezes, que passam por nossas mãos, nós até temos presente, muitas vezes, prova muito forte da prática de um crime, muitas vezes proferimos um juízo condenatório - e certamente em vários outros casos nós proferimos juízo absolutório -, mas em muitos casos proferimos juízos condenatórios e não vemos o final do processo por conta de duas situações: há uma prodigalidade e um grande número de recursos no nosso sistema processual penal e uma compreensão atual de que a punição e a execução da pena só poderiam ocorrer a partir do trânsito em julgado.
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Eu tenho um caso que passou por minhas mãos, por exemplo, envolvendo dirigentes do Banco do Estado do Paraná, que eu julguei. Eles praticaram fraudes bilionárias no âmbito do Estado Paraná. Eu julguei esse caso, dei a sentença em 2004, e, ilustrativamente, é um caso que ainda não chegou ao final. Já foram condenados por mim, já foram condenados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, já foram condenados no Superior Tribunal de Justiça, não obstante, tramitam ainda recursos que são, na verdade, nesse caso, incabíveis no Supremo Tribunal Federal há mais de um ano.
Mas esse não é um caso pontual. Nós tivemos casos notórios até envolvendo crimes de sangue. O caso do ex-jornalista Pimenta Neves, que era um homicida confesso, demorou, para ser resolvido pelas cortes de Justiça brasileira, mais de dez anos. Esse chegou ao fim, graças a Deus, mas um caso de homicida confesso demorar tanto tempo no trâmite da Justiça é ilustrativo de que algo está errado com o nosso sistema de justiça criminal.
Recentemente, li a notícia de que o caso envolvendo os fiscais do Rio de Janeiro, que foi denominado, na época, de propinoduto, já foi julgado em primeira e segunda instância, mas ainda não chegou ao seu final, com o risco até - pelo menos segundo a notícia que eu li, não tenho conhecimento aprofundado desse caso - de que os recursos que foram bloqueados na Suíça, desses fiscais, sejam devolvidos, porque o processo brasileiro não chegou ao final.
Então, diante dessa situação, o que a Ajufe fez - isso foi feito no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro, com discussão com o Executivo, com discussão com representantes do Legislativo, com discussão com o Ministério Público - foi apresentar uma proposta para tentar fazer com que a nossa Justiça seja menos morosa. E a nossa proposta retorna à proposição de que, após o julgamento de apelação para um tribunal de segundo grau em que haja uma condenação criminal por esse colegiado, possa o tribunal, como regra, impor a prisão para crimes graves. Aí nós colocamos crimes hediondos, nós colocamos crimes de lavagem de dinheiro, nós colocamos crimes contra a Administração Pública e colocamos também os crimes aqui da lei contra o crime organizado, que foi recentemente aprovada. Então, o tribunal pode, após um acórdão condenatório, impor a prisão, mas também prevemos no projeto que o tribunal superior - se for interposto um recurso e esse recurso se mostrar plausível -, o STJ, o STF, possa conceder uma liminar para suspender a execução daquele julgado.
O que nós vemos como erro no nosso sistema atual é que a mera interposição de recurso, quer ele tenha substância, quer não tenha substância, quer seja meramente protelatório ou não, suspende a execução do acórdão condenatório do tribunal após o julgamento da apelação. O que nós queremos fazer é exatamente o inverso, até porque, estatisticamente, isso foi levantado na época daquela proposta que foi denominada de Emenda Peluso, estatisticamente são poucos os casos de revisão, no mérito, das condenações criminais proferidas em segundo grau. O grande problema é o tempo, e o grande problema, no processo penal, do tempo é que também muitos desses casos acabam em prescrição porque, se a Justiça não julga o caso até determinado tempo, acaba havendo a prescrição, e, às vezes, uma pessoa que é culpada, condenada, acaba não sofrendo nenhuma punição por conta apenas da inércia e do decurso do tempo.
Nós temos até argumentado que é importante que o sistema de justiça criminal funcione de uma maneira eficiente. Ele é eficiente quando absolve inocente e quando condena o culpado e, nesse caso da condenação do culpado, quando se segue uma consequência. No nosso sistema de justiça criminal, não é isso exatamente que acontece, principalmente para esses crimes complexos.
A principal objeção que tem sido formulada em relação a esse projeto seria um eventual óbice no princípio da presunção de inocência. O que nós defendemos? A presunção de inocência tem duas vertentes. Uma das vertentes é probatória, porque ela diz: "Ninguém vai ser condenado se você não tiver uma prova segura da responsabilidade criminal", uma prova que os anglo-saxões chamam de qualquer dúvida razoável. Nisso o projeto não mexe uma vírgula, isso realmente tem que ser assim. Você só pode condenar criminalmente alguém quando a prova da responsabilidade for categórica.
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Outra questão, porém, diz respeito à presunção de inocência em efeito de recurso e prisão antes do julgamento. Nossa compreensão é que, até o primeiro julgamento, e aqui no projeto, até o segundo julgamento, a prisão cautelar, a prisão preventiva tem que ser excepcional. Nisso o projeto também não mexe. Agora, a partir do momento que existe um acórdão condenatório, o que nós defendemos é que essa prisão possa, pelo menos para crimes graves, ser estabelecida como uma regra e não como uma exceção; para crimes graves, diga-se bem. Não fere, na nossa percepção, a presunção de inocência.
Nós temos até o exemplo do Direito Comparado. Pesquisando a legislação - e eu posso citar aqui especificamente os artigos, não é apenas uma referência abstrata -, na legislação dos Estados Unidos, na legislação da França, que são exatamente dois dos países que são considerados berços históricos da própria presunção de inocência, cada um com uma tradição diferente, a regra é que, após o julgamento condenatório de primeiro grau, já se impõe a prisão e a exceção é que se responda em liberdade numa fase recursal.
E o que nós estamos propondo aqui nem é algo tão, vamos dizer assim, radical em nossa tradição, como o que acontece na legislação francesa e norte-americana. Nós estamos propondo a prisão a partir do julgamento de um acórdão condenatório, em que você tem lá vários juízes, vários desembargadores, reunidos em colegiado, que vão apreciar o caso com a profundidade e a serenidade que se espera dessas cortes de apelação. E, ainda, como disse, com a possibilidade de, havendo plausibilidade do recurso, um tribunal superior emitir uma decisão: "Não, para esse caso, vamos esperar o trânsito em julgado".
O grande problema do nosso sistema é tornar essa necessidade de esperar o trânsito em julgado sempre uma regra, o que leva também a abusos na interposição de recursos. Normalmente isso são patologias dentro do processo criminal.
A gente pensa que casos assim acontecem pontualmente, mas não necessariamente. Eu já trabalhei, certa feita, convocado no Supremo - para colocar aqui um exemplo -, deparei-me com um caso em que havia um julgamento condenatório em segundo grau, houve uma interposição de um recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, o tribunal de apelação não recebeu o recurso, houve um agravo para o Supremo Tribunal Federal, o Supremo Tribunal Federal não admitiu esse agravo, mas houve sucessiva interposição de recursos, fazendo com que nós tivéssemos - para colocar um exemplo aqui para os senhores, no caso real - Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 752.247, no Supremo Tribunal Federal. Esse recurso chegou ao Supremo Tribunal Federal em 13/05/2009 e o trânsito em julgado só aconteceu mais de três anos depois, 19/11/2012. Tudo isso para dizer que o recurso era incabível.
Agora, eu sendo o advogado ou eu sendo o processado criminalmente, se eu sei que só sou preso ao final pela regra atual, o que eu vou orientar o meu advogado a fazer? Recorrer, recorrer, recorrer, mesmo quando não tenha razão. E infelizmente o sistema processual brasileiro hoje permite essas brechas. A ideia é não permitir essas brechas e, com isso, que haja um ganho no sistema significativo.
Então, essas basicamente são as razões do projeto. Essas são também as razões da Ajufe. E nós achamos que nós temos um argumento muito forte em apontar o Direito Comparado nesses países em que a própria presunção de inocência foi construída historicamente, demonstrar que eles não vinculam isso a efeitos de recurso contra uma condenação criminal para defender a aprovação desse projeto e a sua constitucionalidade, compatibilidade com o sistema atual.
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Muitas vezes é referido um julgado do Supremo Tribunal Federal - indo para a finalização -, que é o Habeas Corpus nº 84.078, em que o Supremo Tribunal Federal entendeu que, para a execução da pena, seria necessário o trânsito em julgado, mas foi julgado por uma maioria bastante estreita. Por outro lado, Ministros que faziam parte dessa maioria já deram sinalização de posicionamento de que eles teriam mudado de entendimento. Um deles foi o próprio Ministro Cezar Peluso que, embora Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, fazia parte da maioria, na época daquele julgado, e depois apresentou a proposição da chamada Emenda Peluso para permitir a execução a partir do julgamento em segundo grau. E, recentemente, incidentemente em alguns julgados, nós temos também visto Ministros, por exemplo, o Ministro Gilmar Mendes, mencionarem a necessidade da revisão daquele julgado do Supremo Tribunal Federal.
Então, nós entendemos que a proposta é importante para que nós aperfeiçoemos o nosso sistema de justiça. Na verdade ela é essencial, porque um processo que nunca termina é um processo que é inefetivo e gera impunidade e, por outro lado, nós entendemos que ela não é inconsistente com as garantias fundamentais previstas na Constituição de 1988.
Eram essas as minhas considerações sobre o projeto.
Obrigado pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Parabéns pelo cumprimento do prazo, porque normalmente, aqui, nosso Juiz, a gente termina extrapolando o nosso tempo, mas V. Exª terminou antes do horário.
Com a palavra o Sr. Fábio Zech Sylvestre, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB em nosso Estado, o Ceará.
O SR. FÁBIO ZECH SYLVESTRE - Boa tarde a todos.
Exmo Sr. Presidente, José Pimentel, saúdo todos os Senadores, enfim, todos os expoentes e as senhoras e senhores aqui presentes nesta Casa Legislativa que, pela tradição e pelo papel imprescindível no Estado democrático de direito, não poderiam se furtar de promover tão importante debate, debate de um tema, eu diria, caro, um tema relevante à sociedade brasileira.
Na verdade, senhores, o povo brasileiro aguarda de forma ansiosa e com uma certa inquietude por um momento de mais transparência, claridade, mais segurança, em que o bem-estar e a ética venham a sobrepujar a criminalidade e o sentimento de impunidade venha a ser superado por justiça.
Minha fala, na verdade, Sr. Presidente, será bastante reduzida e objetiva, mesmo porque o tempo não permite maiores digressões. Entretanto, eu venho trazer aqui, nesta tarde, Srªs e Srs. Senadores, talvez, mais dúvidas do que certezas, se bem que as certezas também não são poucas.
É certo que esse sentimento de impunidade vem afligindo o povo brasileiro, que luta de forma insistente para vencer o medo, a insegurança, a criminalidade e - por que não? - o combate a interesses peçonhentos de determinados grupos que tentam valer-se da morosidade do Poder Judiciário para manter suas práticas ilícitas, que merecem todo o nosso reproche.
É certo ainda que o projeto de lei sob análise, senhoras e senhores, é uma iniciativa, é um impulso que visa tentar dar uma resposta a esse sentimento de impotência nutrido pelo povo, de modo que, à sua maneira, pretende proporcionar uma maior efetividade ao processo penal.
Aqui, no campo das certezas ainda, percebe-se que a intenção da referida iniciativa é alterar a perspectiva da prisão no cenário jurídico brasileiro, de modo que, como bem indicado na justificativa deste projeto de lei, busca-se um equilíbrio para viabilizar a decretação da prisão para crimes graves como regra, a partir do acórdão condenatório de segundo grau de jurisdição.
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Também é verdadeiro e é algo certo o fato da violência ter integrado o cotidiano em nossa sociedade, de modo que esta grita por ética, punibilidade e justiça. Entretanto, é nesses momentos de exaltação - nos quais o povo, sem paciência e cansado, busca a todo custo, por qualquer forma, fazer justiça - que esta Casa deve ter a prudência, cautela e serenidade para garantir, acima de tudo, a força normativa da Constituição. Eu falo do preceito constitucional indicado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o princípio da não culpabilidade: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Não é verdade? Esse preceito normativo é uma garantia processual inerente à dignidade da pessoa humana, que visa limitar a atuação estatal no que atinge o exercício da jurisdição, sendo o vetor e verdadeiro mandado de otimização, como bem ensina o Prof. Robert Alexy, professor alemão. Cita que, no princípio, ele tem um verdadeiro mandado de otimização. Deve ser aplicado de forma mais intensa possível.
Na verdade, senhoras e senhores, esse princípio da não culpabilidade tem origem ainda lá no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Vejam V. Exªs o que diz esse art. 9º: "Todo acusado é declarado inocente até ser declarado culpado, e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo rigor desnecessário à guarda de sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei". Então verificamos aqui - até por uma evolução histórica - reproduzido no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, enfim, que, no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, temos a prisão como exceção. E a prisão como exceção, na verdade, está estabelecida, prevista na Constituição Federal, e não no Código de Processo Penal.
Mas, Excelências, o que eu venho deixar claro aqui é que nosso Constituinte pátrio foi enfático e cristalino ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Então, durante toda a marcha processual, todo o trâmite processual, inclusive após decisões colegiadas, de acordo com a nossa Constituição, o acusado será considerado inocente, pois somente com o advento de ulterior sentença penal condenatória transitada em julgado é que eu posso entendê-lo, que o Estado vai admiti-lo como culpado.
Bem, Excelências, é bem verdade também - aqui eu não posso negar - que o Supremo Tribunal Federal, como nossa norma processual, vem aceitar prisões acautelatórias. Na verdade, a prisão acautelatória não é uma prisão resposta. Não seria uma prisão resposta, retributiva. Não. Mesmo porque eu só posso dar resposta a algo quando eu tenho a certeza de que algo realmente aconteceu, e essa certeza - não sou eu que estou dizendo, mas a Constituição Federal - eu só tenho, de fato, com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Mas é possível a existência de prisões cautelares, de prisões preventivas. Prisões essas, na verdade, senhoras e senhores, que visam garantir a eficácia, a efetividade do processo. São prisões, na verdade, excepcionalíssimas. Ou estamos diante da incidência daqueles requisitos legais, indicados no art. 312, ou então não é possível despender ou promover uma prisão acautelatória.
Eu gostaria de frisar, de destacar bastante, inclusive no Habeas Corpus nº 84.078, que o Supremo Tribunal Federal também foi enfático ao dizer que não é possível se cogitar execução provisória da pena. E com o devido respeito - e acho que é uma iniciativa positiva, eu não estou e não vim aqui para falar, criticar o projeto - eu acho que esta Casa demonstra o quão sensível e próxima está da sociedade em tentar dar uma resposta à sociedade.
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Mas temos de tomar cuidado. Por que tomar cuidado? Porque, pelo menos da leitura do art. 617-A, §2º, da proposta, me parece, de alguma forma, que, apesar de a denominação ser prisão preventiva, essa prisão, com o devido respeito - aqui, já com as minhas mais sinceras escusas pela ignorância -, tem natureza, sim, de prisão pena, o que não seria possível à luz da Constituição.
Vejam V. Exªs: quando imposta pena privativa de liberdade superior a quatro anos, a prisão preventiva poderá ser decretada, mesmo tendo o condenado respondido ao processo em liberdade, salvo se houver garantias de que o condenado não irá fugir ou irá praticar novas infrações penais se permanecer solto. Vejam V. Exªs o caput do art. 617: "Ao proferir acórdão condenatório por crimes hediondos, de tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção ativa ou passiva, peculato, lavagem de dinheiro [...], o tribunal decidirá, fundamentalmente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva [...]".
Excelências, eu não estou dizendo que não é possível a decretação de prisão preventiva a qualquer tempo do processo. É possível, desde que estejam presentes os requisitos, os requisitos indicados, a meu ver, no art. 312, porque a prisão preventiva é uma prisão, como o próprio nome já diz, de natureza acautelatória, ela visa resguardar interesses do processo. Não é o réu o objeto do processo, não pode ser dessa forma tratado.
Na verdade, quanto ao 617-A, caput, e ao §1º, eu não vejo, sinceramente, com todo o respeito, maiores problemas, Dr. Moro, nesses dois artigos, por um motivo: o Supremo já entende que, a qualquer momento, pode ser decretada a prisão preventiva, desde que ela seja realmente essencial. O problema que eu acho que nós temos e sobre o qual temos de ponderar seria o §2º, que fala que a condenação em segunda instância já autorizaria a determinação de prisão preventiva.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Dr. Fábio, permita-me, na condição de Relator.
O SR. FÁBIO ZECH SYLVESTRE - Fique à vontade.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - A nossa Constituição fala em duplo grau de jurisdição. E, na verdade, o sistema de recursos no Brasil aplica quatro graus de jurisdição: o primeiro grau ou a primeira instância ordinária, em que o juiz de direito ou o juiz federal profere a sua decisão; o segundo grau, no Tribunal de Justiça; há uma instância extraordinária de controle de legalidade no Superior Tribunal de Justiça; depois, uma outra instância extraordinária de controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Isso caracteriza, portanto, em arrepio da Constituição Federal, não um duplo grau, mas um quádruplo grau de jurisprudência. Como é que V. Sª analisa isso que eu considero um colapso no sistema recursal do nosso País, na medida em que ele contraria também a Constituição, que define o duplo grau?
O SR. FÁBIO ZECH SYLVESTRE - Na verdade, Senador Ricardo Ferraço, eu vou tentar responder à sua oportuna indagação, mas a Constituição também garante ampla defesa e contraditório. E ampla defesa e contraditório não podem ser entendidos tão somente ao duplo grau de jurisdição. Pelo contrário. O Ministro Eros Grau, no HC 84.078, diz - permita-me citá-lo -: "A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária". Por que não haveria de ser assim? Se é ampla, abrange todas e não apenas algumas dessas fases. "Por isso, a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa" - isto, diz o Supremo Tribunal Federal - "também restrição do direito de defesa". Eu não tenho dúvidas de que os princípios se dialogam, é próprio isso de um sistema constitucional e da unidade constitucional. Eu não posso, enfim, negar, evidentemente, a ampla defesa e a presunção de inocência no duplo grau de jurisdição.
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Continuando, eu destaco a V. Exªs, pelo menos são minhas ponderações, evidentemente talvez possam não estar sendo compreendidas, que, neste projeto de lei, na justificativa, tem-se a justificativa para se decretar a prisão preventiva. Senador, os fundamentos da prisão preventiva elencados no projeto são diferentes daqueles indicados no 312, pois com o acórdão condenatório já há certeza, ainda que provisória, quanto à responsabilidade criminal do acusado.
Com todo respeito, louvo, e o parabenizo, essa iniciativa legislativa, mas me parece que o Constituinte pátrio não permitiu essa margem de certeza. Claro, a presunção de inocência se dá com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Se é mais certo ou menos certo, quantas decisões - infelizmente não tive como trazer - são reformadas! Não posso negar. A regra não é que tenha reforma nos tribunais superiores. Não. Mas há decisões condenatórias que são reformadas. E manter o réu preso, enfim, a decretação da prisão, desculpe-me, a confirmação da condenação em segunda instância por tempo indeterminado...
Porque sabemos, Dr. Moro, Sr. Senador Ricardo Ferraço, que o processo realmente é moroso. E, com todo o respeito, não atribuo a culpa aos advogados. Não é por aí. A ampla defesa e o contraditório estão aí para serem perseguidos por quem entender que estão sendo violados a ampla defesa e o contraditório. Mas entendo que, na verdade, imaginem: eu vou prender o réu ainda que tenha uma certeza provisória, porque não é definitiva, demoram-se 5, 6, 7 anos e, de repente, prescreveu o processo. E prescreveu o processo com o réu preso. Não houve nem como demonstrar, talvez, a sua inocência. Ou mais: seis anos depois, se reconhece o réu como inocente. Seis anos de irreversibilidade. A ideia aqui, senhores, é de irreversibilidade. Um dia de prisão é algo que não mais é possível se reverter.
Citando o Direito Comparado, o autor espanhol Odone Sanguiné, ele fala que não se pode perder de vista aquele direito fundamental, a presunção de inocência, que sempre resultará vulnerado quando a medida de privação de liberdade não responder às exigências cautelares, convertendo-se em pena antecipada. O tribunal espanhol, em um julgado recente, diz que em nenhum caso podem perseguir-se com a prisão provisória fins punitivos ou de antecipação de pena.
Para concluir, Excelência, na verdade, enfim, é um tema rico - parabenizo novamente esta Casa, os Senadores aqui presentes -, gostaria de fazê-lo com uma dúvida, com uma indagação que V. Exªs e a sociedade brasileira terão que responder: de fato, os fins justificam os meios?
Obrigado.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Sr. Presidente, antes de passar ao Dr. Antônio, quero lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU define da seguinte forma a presunção de inocência, e esse é um valor não apenas brasileiro, mas um valor universal, Senador Valadares:
Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Isso acontece em colegiado de segundo grau.
Portanto, a definição e o conceito, quero crer, da presunção de inocência garantem esse julgamento público no qual tenham sido asseguradas, e foram asseguradas, em segundo grau.
Enfim, é só para trazer à baila a definição do Conselho, o conceito da presunção de inocência perante a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O SR. FÁBIO ZECH SYLVESTRE - Só um instante. Peço a palavra.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Pois não, claro.
O SR. FÁBIO ZECH SYLVESTRE - Pela Constituição, a presunção de inocência é cessada com o transito em julgado - enfim, a Constituição é a norma máxima, a supremacia é da Constituição -, com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - É claro.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra o...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - O doutor gostaria de fazer uso da palavra.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Pois não.
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O SR. SÉRGIO FERNANDO MORO - Até ilustrativamente, esse texto lido pelo Senador Ricardo Ferraço, muito bem lembrado, demonstra aquilo que eu disse: a presunção de inocência está normalmente vinculada à questão probatória. Então, quando diz "a culpabilidade tenha sido provada", se exige realmente a questão da prova.
Agora, vamos admitir que os juristas discutem conceitos, divergem sobre conceitos, e nós podemos arranjar vários juristas que não vão nunca chegar a um denominador comum, eventualmente, sobre um conceito. Mas não se pode falar que a presunção de inocência determina essa interpretação de que somente tem que se esperar o trânsito em julgado, porque o Supremo já decidiu assim, diferente, e era um julgamento por unanimidade.
Ministros atuais do Supremo que compuseram a maioria dizendo que a presunção de inocência exige o trânsito em julgado já se manifestaram publicamente em mudar de opinião. E como eu disse, nós temos o exemplo do Direito Comparado, não se pode falar que na França, nos Estados Unidos, não se tenha presunção de inocência, e lá se admite a prisão após o julgamento em primeiro grau. Então, não é uma questão conceitual, de interpretação. É uma questão de ver como o sistema funciona ou como o sistema não funciona. E o sistema atual, nós temos condições de apontar diversos casos que demonstram que ele não funciona.
O levantamento estatístico que foi feito pelo Ministro Cezar Peluso demonstrou que a reversão de acórdãos condenatórios pelo Supremo Tribunal Federal era menos de 1%. Não são tantos e tantos casos de pessoas que foram declaradas inocentes pelo Supremo Tribunal Federal em reforma em recurso extraordinário. Isso, estatisticamente, não existe.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra, o Sr. Antônio César, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
O SR. ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK - Boa tarde a todos.
Eu gostaria de cumprimentar o Senador José Pimentel, Presidente desta Comissão; o Senador Ricardo Ferraço, Relator do PLS nº 402, de 2015. Inclusive, quero parabenizá-lo pelo brilhante voto e parecer que deu em relação a esse projeto, esclarecendo diversos pontos, principalmente esses pontos que tratam da maior controvérsia em relação ao projeto, que é a presunção de inocência.
Mas eu também gostaria de fazer um registro e um cumprimento especial aos Senadores que propuseram essa medida, o Senador Roberto Requião, o Senador Alvaro Dias, o Senador Aloysio Nunes, juntamente com os demais Senadores aqui presentes. E quero agradecer também ao Senador Valadares, que proporcionou este momento da audiência pública, uma sugestão inicial sua.
Eu quero dizer que a Ajufe se sente muito honrada em estar representada aqui hoje e poder trazer argumentos para este debate, sobretudo, democrático e importante para a sociedade brasileira.
Nós não temos a presunção nem queremos ser donos de todas as verdades, mas trazer argumentos importantes relacionados ao momento que o País vive, relacionados às experiências dos magistrados nas suas atividades cotidianas e naquilo que principalmente nós observamos no dia a dia, nos julgamentos dos processos.
Diante disso, este debate democrático, externalizado hoje por esta audiência pública, revela o seu ponto máximo, em que vamos poder trazer elementos favoráveis e alguns outros contrários, para que os Senadores possam então aqui, no Parlamento, que é o lugar de discussão e debate da legislação brasileira, tomar uma posição sobre esse tema tão importante e caro para o sistema de justiça penal brasileiro.
O Poder Judiciário é muito criticado, e muitas das críticas são procedentes. Podemos aqui nos concentrar nas críticas em torno da morosidade, em torno de recursos excessivos, transversos e protelatórios de todas as origens, e quando não muito somos criticados pela prescrição de muitos delitos. E esse arcabouço ou essa tríade - morosidade, recursos protelatórios e prescrição - converte-se naquilo que talvez seja mais prejudicial hoje a uma efetividade da jurisdição ou da prestação jurisdicional.
É claro que os juízes, no exercício da sua função, eles não têm por primazia ou por função principal combater a impunidade. Combater a impunidade é algo específico da Polícia, do Ministério Público, dos órgãos de repressão. O juiz, sim, preocupa-se ou deve preocupar-se com a regularidade do processo. E na regularidade do processo, ele visa sobretudo a que não haja a impunidade e que a justiça seja feita nos casos concretos.
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Diante dessas experiências dos magistrados, o que nós procuramos observar em relação a essa tríade crítica que recebemos é sobretudo buscar um equilíbrio entre os direitos do acusado e os direitos da sociedade e os direitos do ofendido. Porque nós sabemos que sempre que se comete uma infração penal há um ofendido e um ofensor. Ambos têm direito. Como já foi falado aqui, ambos têm direito a todos os princípios processuais, seja a ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a presunção de inocência e tantos outros que a Constituição e os instrumentos internacionais consagraram ao longo dos últimos 200 anos. Mas esses princípios, sobretudo, não são princípios absolutos. Ou seja, não há nenhum princípio que tenha que ser levado ao seu extremo, ao máximo de ser aplicado com absoluta razão e certeza.
Já é assim no nosso sistema, como o advogado Fábio colocou, em que existem as chamadas prisões cautelares. O próprio art. 312 do Código de Processo Penal estabelece em quais casos há uma relativização do princípio da presunção da inocência, como uma forma de medida cautelar.
O que nós podemos dizer aqui em relação ao projeto também é que, de uma forma mais clara, precisa, está sendo submetida ao Senado e à Câmara dos Deputados a apreciação de uma forma de medida cautelar que é possível se estabelecer pelo legislador, como o legislador fez no art. 312. Então, essa também é uma posição que se pode trazer.
Agora, em relação ao projeto especificamente, nós temos que este projeto não é um projeto de exclusividade da Associação dos Juízes Federais, mas é um projeto que teve o seu nascedouro no ENCCLA.
O ENCCLA, como os senhores sabem, é a Estratégia Nacional do Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro, que reúne 60 entidades e instituições do Executivo, Legislativo - até aqui destas Casas -, do Ministério Público, dos juízes, de associações que debatem temas importantes, relevantes, e que apresentam sugestões de alterações legislativas.
E o ENCCLA, na Ação 14, do ano passado, apresentou esse projeto, como uma proposta de alteração legislativa, de uma forma muito parecida com o texto que está sendo debatido aqui no PLS nº 402, como uma proposta de alteração legislativa. Então, nós temos como base formadora deste projeto essas instituições que debateram a Ação 14 no ENCCLA. Isso, claro, é um projeto a ser debatido, como já mencionei, de forma democrática, e que pode ser - e deve ser - acrescentado, alterado, modificado para ajustar os devidos termos.
Eu gostaria também de fazer algumas considerações que já foram feitas aqui, mas que reputo de extrema importância. Quando nós falamos em doutrinadores estrangeiros, como o Alexy, que foi citado aqui, ou qualquer outro doutrinador estrangeiro, nós temos isso como dogma, como doutrinadores que têm que ser seguidos ou que são seguidos pela maioria dos estudantes das faculdades. Mas, além disso ou para além disso, nós temos a prática. E a prática revela situações diferenciadas. Nós temos experiências legislativas de outros países, e nisso também podemos ou devemos nos pautar para um debate como este.
Lembro que no sistema do código penal federal dos Estados Unidos, em uma medida semelhante à que está sendo proposta, após julgamento primeira instância, já é possível haver uma confrontação destes termos. Também lembro que na França - tanto Estados Unidos como França são berços do constitucionalismo e desses princípios processuais importantes - há uma regra semelhante: os apelos de condenações criminais não têm, em regra, o chamado efeito suspensivo de que nós estamos tratando aqui.
E me permitam, serei bastante breve, eu gostaria de ler aqui um trecho da Corte de Cassação da França, que decidiu sobre a compatibilidade do art. 367 do Código de Processo Penal da França, que confronta com o princípio da presunção de inocência. Ou seja, lá trata de prisão preventiva, ordem de prisão, execução, art. 367, alínea 2, do Código de Processo Penal, com a redação dada em 15 de junho 2000. E diz o seguinte:
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Não é contrário ao princípio da presunção da inocência que, como prevê o art. 367, [...], do Código de Processo Penal, a ordem de prisão seja colocada em execução ou que continue a produzir os seus efeitos até que a duração da detenção seja aquela da pena cominada enquanto o aresto não é definitivo e, ante o caso, durante a instância de apelo.
Podemos também trazer algumas reflexões a respeito do contexto histórico brasileiro. Nós vivemos um período ditatorial. Após o período ditatorial, nós tivemos realmente a manifestação, que deve ser seguida, no sentido da ampla liberdade e de restrições às penas. Mas lembro que o Supremo Tribunal Federal, até o ano de 2009, na composição, então, à época, por seis a cinco, extinguiu algo semelhante, que seria a execução provisória da pena. Então nós já tínhamos isso. E, como já mencionado aqui pelo juiz Sérgio Moro, hoje, pelas manifestações dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, se esse tema voltasse a julgamento, nós poderíamos ter, quiçá, provavelmente teríamos resultado diferente sobre o tema.
Então, vejam que são questões correlacionadas e que geraram a Proposta de Emenda nº 15 aqui, que tramita no Senado, denominada PEC Peluso, e depois foi apresentado um substitutivo pelo Senador Aloysio Nunes em que não há nenhuma relação ou ofensa ao princípio da presunção de inocência.
Em relação ainda à presunção de inocência, o que é importante salientar é que nessa proposta, de acordo com essa proposta, são preservados todos os princípios processuais penais, porque o juiz de primeira instância, seja o juiz estadual, seja o juiz federal, ele vai apreciar todas as provas. É do juiz o dever da regularidade do trâmite processual e lá todos os direitos processuais - ampla defesa, contraditório, presunção de inocência - são assegurados.
Depois se a pessoa ofendida, o acusado, não concordar com a decisão, a sentença do juiz, ele pode recorrer. E quando ele recorre a um tribunal, pelo menos três juízes, pelo menos três desembargadores é que apreciam esse recurso, e apreciam esse recurso, então, nesse duplo grau de jurisdição aqui observado, como dizem os instrumentos internacionais que tratam da presunção de inocência, são preservados.
Então nós temos todo um arcabouço, um emaranhado de formas em relação à prova que é discutida e debatida em primeira e em segunda instância sendo observados, preservados, os princípios e garantias do processo penal.
Claro que nós temos ainda possibilidade de um recurso, no sistema brasileiro, ao STJ e outro ao STF, mas nesses recursos não se discute a prova, discute-se a conformidade do direito federal aplicado ou do direito instituído na Constituição. Então nós não temos mais debate no STJ e no STF sobre a prova.
Ao instituir o sistema como é hoje e permitir somente após o trânsito em julgado da decisão, lá no final, a partir da quarta instância decisória, nós até poderíamos admitir um sistema como esse, mas aí nós precisaríamos ter muitos mais Ministros do STF e muitos mais Ministros do STJ para poder dar conta de uma uniformidade de uma gama de demandas que chegariam como recurso aqui a Brasília, a essas duas cortes superiores. Então a conformidade de todos os princípios processuais e também do sistema escolhido deve estar em sintonia com essas questões.
Já aqui me encaminhando para o final, eu gostaria também de tratar dessa questão e, como mesmo o projeto trata no art. 617 e como foi falado pelo advogado Fábio, é possível, sim, o Senado e a Câmara dos Deputados alterarem as formas de medidas cautelares impostas para a prisão. Se o legislador fez assim no art. 312, é possível que haja um aperfeiçoamento da legislação com previsão das hipóteses desses casos tratados no art. 617, também lembrando que aqui são especialmente para crimes graves, os crimes considerados crimes hediondos, crimes de tortura, terrorismo, corrupção ou lavagem de dinheiro, são só os crimes mais graves, e que ainda este projeto permite que o tribunal faça essa análise e não decrete a prisão.
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E mais: que o Superior Tribunal de Justiça e que o Supremo Tribunal Federal ainda tenham a possibilidade, em casos que reputem importantes, ou diferenciados, ou que não haja uma razão para decretação da prisão, de conceder habeas corpus.
Nós tratamos de regra. Volto aqui a dizer: não há nada absoluto em Direito e em nada nessa vida. E temos a regra, que é essa que está sendo colocada, mas o próprio texto legislativo ora proposto permite exceções e essas exceções analisadas caso a caso.
Realmente, para encerrar, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a constitucionalidade da Lei Complementar nº 135, de 2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 29 e 30 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578, admitiu que uma condenação criminal por órgão colegiado, mesmo sem trânsito em julgado, seria apta a tornar inelegível o condenado. O julgado representa entendimento da Suprema Corte em relação ao princípio da presunção da inocência e não impede, em absoluto, a imposição nas restrições ao direito da pessoa condenada criminalmente mesmo antes do trânsito em julgado, apontando a compatibilidade da Constituição do projeto ora apresentado. E também no HC 84.078, já citado aqui, apesar de o Supremo, nesse julgamento, ter revisto o precedente anterior passando então a reputar inválida a execução provisória da pena como eu me referi anteriormente, resguardou a validade da prisão cautelar antes do julgamento definitivo.
E realmente, para encerrar, Sr. Presidente, nós temos, segundo o Conselho Nacional de Justiça, um índice de mais de 40% de presos provisórios hoje no sistema penal e esse índice sobretudo revela que essas pessoas estão presas por uma dessas modalidades de prisão cautelar.
Então, deixamos aqui, para contribuir com o debate democrático, a posição de que é importante que esse projeto prossiga nos seus debates, mas sobretudo que seja levado em consideração como uma nova forma de estabelecimento de requisitos para a decretação da prisão cautelar como ora se propõe.
Eu agradeço a oportunidade e me coloco à disposição dos eventuais debatedores aqui hoje presentes e também dos Senadores que queiram fazer qualquer indagação em favor ou em contrariedade ao projeto, para que possamos esclarecer, trazendo essa posição.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra, o Sr. Rubens Roberto Rebello Casara, Professor e Doutor em Direito com especialização em Direito Processual Penal.
O SR. RUBENS ROBERTO REBELLO CASARA - Agradeço muito o convite desta Comissão. De fato, é um prazer estar aqui para debater democraticamente esse projeto, o Projeto de Lei do Senado nº 402, de 2015.
Cumprimento a todos os presentes, em especial os Parlamentares.
De início e por mais desnecessário que isso possa parecer, eu gostaria de lembrar a todos que o Estado democrático de direito se caracteriza pela existência de limites ao exercício do poder. Nas democracias, os principais limites são os direitos e garantias fundamentais. Cada vez que um limite é afastado, cada vez que um direito ou uma garantia constitucional é relativizada, o Estado caminha rumo ao autoritarismo, ao Estado policial, ao Estado total. Aliás, Estado total, por definição, é aquele Estado sem limites éticos ou jurídicos e é justamente isto, a relativização da garantia constitucional da presunção de inocência, o que ocorre no PLS nº 402, de 2015, que surge num contexto muito bem definido, num contexto em que há um sucesso midiático popular de uma grande operação de combate à corrupção conduzida pelo Prof. Sérgio Moro, a chamada Operação Lava Jato.
Quero deixar bem claro que esse projeto não trata de acelerar o procedimento rumo a uma resposta definitiva a um fato etiquetado de criminoso. Na realidade, esse projeto aumenta as hipóteses de encarceramento enquanto o processo continua. São coisas muito diferentes.
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Para levar a sério o processo legislativo, nós devemos chamar as coisas pelos nomes. O Projeto de Lei nº 402, de 2015, é um projeto de relativização da presunção de inocência, na contramão da jurisprudência da Corte Interamericana em matéria de prisão cautelar. Vou até fugir de exemplos da Europa, para ficar numa realidade muito mais próxima, que é a da Corte Interamericana.
Esse projeto se insere... É inegável a boa vontade de quem elaborou o projeto, a iniciativa da Ajufe. Não vou discutir as boas intenções do projeto, mas ele se insere num movimento que se caracteriza pela tentativa de satisfazer o desejo por mais punições, as pulsões repressivas presentes na sociedade. É compreensível que estejam presentes na sociedade, mas se revelam ineficazes para a prevenção de novos delitos. Depois eu posso passar referência de inúmeras pesquisas que têm demonstrado que o aumento do encarceramento não repercute na diminuição da prática de delitos.
Os motivos expostos para esse projeto não são novos. Aliás, em todo momento autoritário por que passa a sociedade, essa linha argumentativa se faz presente. Basta lembrar os argumentos contrários à presunção de inocência, já presentes na obra do Prof. Vincenzo Manzini, que foi o principal teórico responsável pela elaboração do chamado Código Rocco, de 1930, que é um marco legislativo do fascismo clássico italiano. Esse marco legislativo do fascismo clássico italiano foi apropriado no Brasil durante a ditadura do Estado Novo e gerou o nosso Código de Processo Penal, que, em sua origem - hoje já sofreu várias modificações -, é quase uma reprodução do Codice Rocco italiano.
Mas é isso, no fascismo clássico italiano, no sistema da justiça penal nazista, no stalinismo soviético, a presunção de inocência foi excluída ou relativizada. Aliás, essa expressão que foi utilizada pelo colega Prof. Fábio, presunção de não culpabilidade, foi cunhada pelo Manzini e surge no contexto daqueles teóricos que procuravam legitimar a justiça penal fascista como uma forma de deslegitimar, no plano linguístico, o princípio da presunção de inocência, que alguns chamam de estado de inocência.
Do ponto de vista da dogmática - e por evidente eu estou falando de uma dogmática crítica, ou seja, de uma dogmática que não serve aos donos do poder, estou falando tanto do poder político quanto do poder econômico -, o princípio da presunção de inocência tem tríplice dimensão. Grosso modo, do princípio da presunção de inocência nascem três normas distintas. A primeira, já mencionada pelo Prof. Sérgio Moro, é uma dimensão probatória, ou seja, cabe ao Estado, que quer punir quem viola a lei, o encargo, o ônus de provar que aquela pessoa precisa ser presa, que aquela pessoa cometeu o crime, e não ao indivíduo.
Por evidente, o PLS aqui em comento viola essa dimensão probatória do princípio da presunção de inocência, na medida em que atribui, transfere ao imputado, àquele a quem se atribui a prática de um crime o ônus de provar que não vai fugir ou que não irá praticar novas infrações se continuar solto. Isso constitui aquilo que, na doutrina, se chama de prova diabólica, porque é prova de fato negativo, algo extremamente difícil, quando não impossível, fazer prova de que não vou fazer alguma coisa no futuro. Como eu vou fazer uma prova de que eu não vou fugir caso esteja sendo acusado da prática de um delito?
Também o princípio da presunção de inocência produz uma norma de tratamento. Basicamente é o seguinte: as pessoas devem ser tratadas como se inocentes fossem até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. E só para registrar, presunção de inocência e duplo grau de jurisdição são duas garantias distintas e, diga-se, duas garantias do indivíduo e não da sociedade contra o indivíduo.
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Como norma de tratamento, também me parece que salta aos olhos que o PLS viola essa norma de tratamento na medida em que aumenta as hipóteses de pessoas responderem a processos presas, sem que o Estado demonstre a necessidade dessas prisões. Por quê? Porque, se o Estado demonstra a necessidade da prisão, hoje, a pessoa já pode ficar presa desde o primeiro grau de jurisdição.
Por fim, também se extrai do princípio da presunção de inocência uma norma de garantia. O que significa isso? A presunção de inocência existe para garantir a parte mais fraca da relação processual - no caso, o indivíduo que se encontra, em regra, no processo penal, confrontando em um duelo intelectual com o Estado. É, portanto, um marco liberal, e, por isso, detestado por atores sociais autoritários em todo o mundo.
Note-se também que não socorre aos defensores do projeto sequer o princípio da proporcionalidade, que existe numa tentativa de racionalizar os atos dos diversos Poderes, do Poder Legislativo, do poder Executivo e do Poder Judiciário. Por que ele viola o princípio da proporcionalidade, mais precisamente num subprincípio que se chama princípio da necessidade? Justamente porque proporciona ou permite a prisão de pessoas em situações em que o Estado não comprova a necessidade de aquela pessoa ser presa.
Vale lembrar que, hoje, qualquer pessoa - volto a insistir - desde que comprovada a necessidade de ela ser afastada da sociedade, desde que comprovada a existência de um risco processual, ou seja, que a liberdade dessa pessoa coloque em risco a eficácia prática do processo penal ou a execução penal, essa pessoa pode ser presa. O que o projeto faz é alargar as hipóteses de prisão, as hipóteses de encarceramento, como se o Brasil já não fosse um dos países que mais prendem antes do trânsito em julgado das sentenças no mundo. Como bem lembrou o Antônio César, meu colega da magistratura federal, hoje, 40% dos presos são presos antes do trânsito em julgado. Por quê? Porque, nesses casos, um juiz entendeu da necessidade da custódia. O que esse projeto quer é transferir a prova dessa necessidade para o indivíduo. Na realidade, o indivíduo tem de demonstrar a desnecessidade da custódia, o que me parece, do ponto de vista rigorosamente dogmático, um equívoco e uma clara violação ao princípio da presunção de inocência.
De igual sorte, e esta parte aqui me parece bem interessante, ao contrário do que pretendem alguns doutrinadores e alguns defensores desse projeto de lei, não é possível ponderar, de um lado, o interesse abstrato na segurança pública, o interesse da coletividade, o interesse da população, a moral do povo brasileiro, e, do outro, o interesse concreto na liberdade do João, do Paulo e da Maria, sob pena de sempre nós afastarmos os direitos individuais em nome do interesse coletivo. Dworkin - desculpem citar um autor estrangeiro, mas é um autor sempre citado, e autores bons têm de ser sempre citados, pois é melhor citar um autor estrangeiro bom a um autor nacional deficiente, do ponto de vista dogmático - vai dizer o seguinte: não é possível ponderar interesses de densidades distintas. Não dá para ponderar um interesse abstrato com um interesse concreto, sob pena de os interesses individuais serem sempre e sempre aniquilados em concreto. Além do quê, esse tipo de ponderação entre interesses de densidades distintas era normal, para citar um exemplo alienígena, na Alemanha nazista, na qual o discurso de proteção dos valores do povo alemão, ou de combate à corrupção, ou da degeneração da classe política serviu para afastar, para aniquilar os direitos individuais dos judeus e de todos aqueles inimigos do sistema.
Recomendo a leitura de um livro fantástico do historiador inglês Robert Gellately, apoiando Hitler, que vai trazendo os argumentos que o Judiciário alemão utilizava para aniquilar os direitos individuais do povo judeu e dos inimigos do sistema, algo muito próximo do debate que nós estamos tendo nesta data.
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Vale lembrar novamente que, no Estado democrático de direito, os fins não justificam os meios. A legitimidade dos meios está condicionada pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais. Então, no Estado democrático de direito, não basta absolver os inocentes e condenar os culpados. Nós temos que absolver os inocentes e condenar os culpados respeitado o devido processo legal e as demais garantias constitucionais, sob pena de o Estado perder a superioridade ética que o distingue do criminoso. Se, para punir quem viola a lei, eu tiver que violar a lei e afastar direitos e garantias fundamentais, eu perco a minha superioridade ética como juiz. E aí, mais uma vez, não bastam as boas intenções dos autores do PLS nº 402, de 2015, porque de boas intenções, como diz o ditado popular, o inferno está cheio. Boas intenções, por vezes, produzem consequências nefastas.
Do ponto de vista político, e isto os Srs. Senadores conhecem muito mais do que eu, o princípio da presunção de inocência consagra uma opção adequada ao processo civilizatório, qual seja: é preferível tratar eventuais culpados como se fossem inocentes do que possíveis inocentes como se fossem culpados. É disso que se trata.
O Projeto de Lei nº 402, de 2015, ao contrário, faz uma aposta na legitimidade de se tratar eventuais inocentes como se fossem culpados, ainda que seja 1%, 2%, 10%, 20%. É algo como um dano colateral. "O cara é inocente? Deixe-o ficar preso. Simbolicamente, nós estamos fazendo o nosso serviço."
O potencial de injustiça do projeto é enorme, a não ser que se acredite que o juiz - eu estou falando isto muito tranquilamente, pois sou juiz há 16 anos e atuo há 16 anos em vara criminal - é um ser divino, iluminado, que não erra.
Eu gostaria, aliás, neste ponto, de ressaltar: é preciso sempre e sempre desconfiar do poder, de qualquer poder, do poder da direita, do poder da esquerda. Não há nenhuma razão republicana para se confiar cegamente, por exemplo, no poder exercido por juízes. Juízes erram e muito. Eu já cansei de errar, muitas vezes com a melhor das intenções. Aliás, sempre com a melhor das intenções, muitas vezes eu erro. Às vezes absolvo culpados, às vezes condeno inocentes. E, se eu tiver consciência dessa minha limitação, da possibilidade de eu produzir equívocos no exercício da jurisdição, diminui bastante.
Mas não é só. Além de os juízes errarem - sem querer, eu não estou falando aqui que seja de má-fé, pois juízes erram -, há também muitos juízes - e aqui eu falo tanto dos juízes de primeiro grau quanto dos juízes que integram os tribunais superiores - a que falta coragem para decidir contra a opinião pública, que, muitas vezes, não passa da opinião publicada pelos meios de comunicação de massa.
Sempre que falta coragem, essa virtude tão esquecida que é a virtude da coragem, os direitos fundamentais são afastados em nome da eficiência repressiva, dos desejos punitivos ou de uma boa foto no semanário da moda.
Direitos são violados porque juízes têm medo de serem atacados pela mídia ou etiquetados como cúmplices dos criminosos, como pessoas que estão colaborando com a corrupção, com o aumento da criminalidade ou, mais recentemente, como "petralhas", por mais que o juiz deteste ou não tenha qualquer simpatia por qualquer partido político.
Como se não bastassem os erros que são produzidos e a falta de coragem de parcela da magistratura, deixando bem claro que isso não atinge toda a magistratura, os direitos fundamentais são violados por uma questão de ordem hermenêutica. A sociedade brasileira está inserida em uma tradição secularmente autoritária. Os juízes brasileiros atuam a partir de uma pré-compreensão autoritária que condiciona a aplicação das leis.
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Vale lembrar que há uma diferença ontológica entre o texto de lei - o que vocês produzem - e a norma que vai ser produzida pelo juiz a partir do texto de lei. A norma é sempre produto do intérprete. Intérpretes autoritários que apostam no uso de medidas de força, como a prisão, em detrimento de medidas de conhecimento produzem normas autoritárias.
A falta de uma cultura democrática faz com que os direitos fundamentais sejam percebidos pela sociedade e por parcela do Judiciário, do Ministério Público e mesmo da advocacia como obstáculos à eficiência do Estado.
Srs. Parlamentares, é nesse contexto em que juízes se encontram inseridos em uma tradição autoritária...
Aqui, eu gostaria de abrir um parêntese, já caminhando para o fim.
Por evidente, a tradição em que está... A tradição brasileira é diferente da tradição francesa e é diferente da tradição norte-americana em termos de consciência dos direitos e de respeito aos direitos fundamentais. Vamos ver quantas pessoas a polícia mata na França e vamos ver quantas pessoas a polícia mata no Brasil. Vamos ver quantos policiais são mortos na França e quantos policiais são mortos no Brasil. Para dar outro exemplo, cito novamente a França, que já foi mencionada pela Mesa. Na França, não é possível que uma pessoa que esteja respondendo a um processo tenha fotos suas tiradas e lançadas nos meios de comunicação de massa, porque isso é considerado um atentado à dignidade da pessoa humana, e lá eles respeitam a dignidade da pessoa humana. Todos os agentes estatais têm uma cultura democrática de impedir, por exemplo...
(Soa a campainha.)
O SR. RUBENS ROBERTO REBELLO CASARA - ... esse massacre que é a exibição de imagens de pessoas que respondem a processo e que devem ser tratadas como inocentes nos meios de comunicação de massa.
Bem, o que eu queria dizer, para encerrar mesmo, é que espero que não falte sabedoria e coragem aos senhores para bem apreciar essa matéria.
Por fim, quero registrar a minha total adesão à nota técnica assinada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pela Associação Juízes para a Democracia, dentre outras instituições, que aponta não só a violação a garantias constitucionais, como também - isto é muito importante - a inconveniência político-democrática e a inconveniência orçamentária dessa proposta.
Termino, aliás, com uma pergunta, bem ao gosto dessa visão economicista...
(Soa a campainha.)
O SR. RUBENS ROBERTO REBELLO CASARA - ... que parece tomar conta de todo mundo: de onde vai sair o dinheiro para dar conta desses encarceramentos, digo, desnecessários? Os necessários já estão ocorrendo? E mais: quem irá suportar o custo social, econômico e político dessa medida?
Mais uma vez, agradeço a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Devolvo a palavra ao Relator.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Sr. Presidente, só alguns esclarecimentos a esta altura do debate.
É importante frisar ao Dr. Rubens Casara, que deu importantes contribuições, que este debate está pautado nesta Comissão desde 2011. Portanto, não estamos movidos por qualquer sentimento midiático de onde quer que seja. Este debate inicia-se aqui por inspiração do Ministro Cezar Peluso, que foi Presidente do Supremo Tribunal Federal e aqui esteve e proferiu as seguintes palavras... Portanto, não se trata de um tema conjuntural.
O que esta Comissão está tentando é fazer uma avaliação do sistema. O sistema, como vai, vai bem? O sistema, como vai, padece de mudanças e reformas?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Eu vou ouvir V. Exª.
O sistema, como vai, tem produzido impunidade?
Então, o sentimento que nos move é nessa direção, e eu vou trazer aqui a fala do Ministro Peluso: "O sistema não é apenas custoso e ineficiente; ele é danoso e, eu diria, perverso." Foi o que o proferiu aqui o Ministro Cezar Peluso em audiência pública. E eu acabei sendo o autor da PEC nº 15, de 2011, que foi relatada pelo eminente Senador Aloysio Nunes Ferreira.
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Em outro ponto, afirma S. Exª o ex-Ministro e Prof. Cezar Peluso:
Para esta crise, que me parece acima de qualquer disputa, nós poderíamos pensar: quais as soluções? Nós temos, de um lado, soluções pontuais que já foram tomadas ou que podem ser aventadas. Tivemos várias leis extravagantes de reforma dos Códigos de Processo, e nenhuma delas produziu uma redução significativa desta crise. [...] Essas soluções pontuais, na verdade, não descem à raiz da crise. Seus resultados práticos, com a devida vênia, são pífios.
Então, esta Comissão tem este princípio e o propósito de avaliar o sistema. Evidentemente, nós estamos aqui diante de uma iniciativa polêmica, de uma iniciativa complexa. Por isso, estamos aqui com visões diferentes, democráticas e republicanas, quero crer, mas eu, sinceramente, não vejo, nessa conjuntura que estamos enfrentando no Brasil, em que nós estamos assistindo a nossas instituições funcionarem, qualquer comparação com qualquer época da história da civilização humana, muito menos com as épocas fascistas e nazistas. Eu refuto, por completo, essa afirmação por não encontrar eco na realidade democrática e republicana que temos em nosso País.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra o Prof. Rubens Casara.
O SR. RUBENS ROBERTO REBELLO CASARA - De fato, particularmente, se dei essa impressão, ela não foi voluntária, talvez tenha sido inconsciente, porque eu não comparei o nosso momento histórico com o nazismo ou com o fascismo, até porque, no nazismo ou no fascismo, nós não estaríamos aqui, nem eu, nem o senhor, provavelmente. Se o senhor estivesse aqui, o senhor não mereceria estar aqui, porque, no nazismo e no fascismo, não há espaço para a troca de ideias democráticas.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Mas foi V. Exª quem trouxe à presença desta Comissão...
O SR. RUBENS ROBERTO REBELLO CASARA - Eu trouxe um dado histórico, que é o argumento utilizado no fascismo clássico italiano, da década de 20 e 30, e no nazismo, que é o mesmo argumento do ponto de vista retórico que, muitas vezes, é utilizado de tempos em tempos.
O senhor disse que isso está pautado desde 2011. Eu sei. Aliás, o Ministro Velloso também teve uma iniciativa parecida, antes do Ministro Peluso. Só que esse projeto de lei é de 2015. Por isso eu estou contextualizando. Não é um projeto de lei de 2011 que hoje tá sendo debatido, mas um projeto de lei de 2015, a iniciativa da Ajufe, que eu também honro, que é fundamental até para eles poderem discutir esse tipo de coisa.
No Brasil, há uma tradição também de não se debater as coisas e de não se criticar projetos e decisões. Eu acho que isso tem que mudar, para melhorar as instituições, e que bom que nós estamos aqui debatendo.
Então, eu quero deixar bem claro que eu não comparei, em momento algum, o funcionamento do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo com o funcionamento do Executivo, do Judiciário e do Legislativo daqueles períodos, até porque eu tenho dúvida se, efetivamente, existia jurisdição naquele Estado, se existia Legislativo naquele Estado, pelo menos como nós o conhecemos hoje. Eu só quis dizer que esses argumentos voltam, e voltam em momentos de recrudescimento autoritário. Parece-me inegável que o atual quadro histórico é um desses momentos, pois há um recrudescimento de posições autoritárias, tanto da esquerda, quanto da direita.
Só agradeço a oportunidade de esclarecer isto.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Pois não, Senador.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - Como autor do projeto.
Esse não é exatamente o projeto da Ajufe. A Ajufe tinha uma proposta mais na linha do Direito francês e do Direito norte-americano. Esse projeto é diferente, porque ele joga a responsabilidade da condenação para a segunda instância, para um grupo colegiado de juízes. Mas ele vem nas águas de um projeto que eu apresentei já há muito tempo, e não vi nenhuma manifestação em relação ao que ocorria, que me levou a redigir desse projeto, tão veemente quanto a sua. Dos presos em penitenciárias brasileiras, cerca de 45% são presos pobres com prisão preventiva. E o meu projeto vai numa linha exatamente diferenciada ou paradoxalmente semelhante a esse. Eu admito somente prisão preventiva, depois de um determinado período muito curto, através de um colegiado.
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Então, nós estamos tratando disso há muito tempo, e achei muito inoportuna a sua tentativa de enquadramento da iniciativa do Senado e da minha própria com um projeto autoritário.
Eu tenho uma preocupação muito grande com a operação que o Juiz Moro avança, porque eu acho que ele tem procedido corretamente, mas acho que os reflexos na magistratura podem não ser tão corretos assim.
Eu fico imaginando o que pode acontecer com o juiz singular...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) - ... ou com o promotor, mas nós estamos cuidando das duas vertentes. Há 45% de presos pobres nas penitenciárias cumprindo pena com prisão provisória, e eu não vi a sua preocupação ou a dos críticos que estão na linha da crítica que V. Exª fez nesta reunião com as prisões provisórias, com esse massacre da população mais pobre, 45%, no Brasil inteiro.
O problema penitenciário brasileiro estaria resolvido se a prisão provisória fosse determinada apenas por colegiados, pelo menos a partir de um determinado período, que seria um período estabelecido na proporcionalidade da pena que o crime suposto ensejaria.
É essa a linha do projeto que tramita no Senado Federal. Agora, como tudo aqui, no Senado, não me pergunte onde está esse projeto também.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Para que nós possamos ouvir os outros expositores, vamos desfazer esta Mesa - peço para que se sentem na segunda fila - e convidar para virem para a mesa o Sr. Elmir Duclerc Ramalho Júnior, professor de Processo Penal da Universidade Federal da Bahia e Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia, o Sr. Marcelo Semer, Juiz de Direito do Estado de São Paulo, a Srª Luiza Cristina Fonseca, Procuradora Regional da República, e o Sr. Maurício Stegemann Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PSDB - PR) - Pela ordem, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Pois não.
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PSDB - PR) - Eu não sei como se conduziu esse processo de convite para esta audiência pública, mas a experiência nos ensina que, quando há excesso de convidados, há um esvaziamento do debate.
Nós lamentamos que esse procedimento tenha sido adotado. Eu imagino que agora seria a hora de os Srs. Senadores apresentarem os seus questionamentos, mas nós vamos continuar ouvindo. Portanto, se nós tivermos dúvidas, não teremos a oportunidade de apresentá-las, porque, obviamente, a reunião ficará até muito tarde.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Talvez pudéssemos fazer um revezamento.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Só para esclarecer...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Ouvimos os nossos convidados, ouvimos os Senadores e, depois, voltamos aos convidados, para fazer uma...
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - É isso mesmo.
Estou aqui cumprindo a deliberação da Comissão de Constituição e Justiça, que aprovou os Requerimentos nºs 15, 16, 17 e 18.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Presidente, permita-me...
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - E temos ainda a sorte de nem todos os convidados terem comparecido. Como eu entendo que não há convidado de primeira e de segunda categoria, estou cumprindo aqui exatamente o que determina...
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Presidente, permita-me...
O SR. ALVARO DIAS (Bloco Oposição/PSDB - PR) - Exatamente, foi um erro. Nós ainda não aprendemos. É tempo de aprender ainda.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Presidente, permita-me.
Eu queria só reiterar os mesmos termos do Senador Alvaro Dias, com a devida permissão de V. Exª e do Senador Ferraço.
De fato, pelo tempo, pelo adiantado da hora e pela circunstância, porque daqui a pouco vai começar a Ordem do Dia, uma parte do debate que eu considero fundamental, que era a interação com os Senadores, acabará sendo prejudicada.
Eu quero só reiterar os mesmos termos do Senador Alvaro Dias, porque eu acho que seria fundamental, para subsidiar um tema tão polêmico, para subsidiar esta Comissão, a interação de todos com os Senadores, dialeticamente, para, inclusive, tirarmos dúvidas e termos um esclarecimento maior para a votação desse tema.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Presidente...
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Presidente, permita-me, para concluir...
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Pois não.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - ..., eu queria solicitar a S. Exª o Senador Ricardo Ferraço... Há uma matéria, de minha autoria, o PLS 238, que versa, basicamente, sobre o mesmo tema. Eu queria, como o Senador Ricardo Ferraço já é o Relator deste tema, sugerir a V. Exª apensar também para tratar coletivamente esse tema.
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O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Senador Randolfe, essa é uma decisão que passa pela Mesa do Senado. Vamos pedir o apensamento.
A SRª MARTA SUPLICY (S/Partido - SP) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Senadora Marta.
A SRª MARTA SUPLICY (S/Partido - SP) - Eu também gostaria de fazer uma sugestão. Acho que as respostas agora realmente gastariam um grande tempo e postergariam muito a oitiva dos novos apresentadores. Por que não fazer as perguntas e já incorporar as respostas nos novos debatedores? Aí, pelo menos alguma coisa já fica esclarecida. E, caso não dê tempo - provavelmente, não vai dar muito tempo depois -, nós já adiantaríamos. Senão, vamos ficar sem qualquer resposta a toda pergunta.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Presidente, eu só queria dar uma explicação.
A minha sugestão inicial foi de que deveríamos ouvir, na primeira audiência pública, cinco convidados, no máximo, até para facilitar os debates. E as respostas seriam dadas praticamente na hora aos Senadores que fizessem as perguntas. E ainda propus que fosse hoje pela manhã. Daqui a pouco, às 14h, teremos sessão deliberativa.
Eu fiz duas sugestões que a Comissão, infelizmente, não atendeu. Primeira: que o número de convidados na audiência pública não excedesse a cinco, a não ser que fizéssemos outra audiência pública com o mesmo objetivo. Segunda: que fosse pela manhã, fora da Ordem do Dia.
Como sou autor do requerimento, eu quis dar essa explicação para não pensarem que fui eu que apresentei tantos convidados, apesar de ser, para mim, uma honra receber tantos convidados, tantos especialistas nesta Comissão, em uma das audiências públicas mais concorridas que já tivemos na história desta Casa.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - O Presidente titular, Senador José Maranhão, na sessão que aprovou os requerimentos, determinou as regras e fez os convites. Eu estou aqui cumprindo o que foi encaminhado. Não estou dizendo que V. Exª tem culpa.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - O meu convite foi por escrito, dizendo que seria pela manhã, às 10h da quarta-feira. Infelizmente, não fui atendido.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Claro.
Com a palavra o Sr. Elmir Duclerc Ramalho Júnior, professor de Processo Penal da Universidade Federal da Bahia e Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia.
Por gentileza.
O SR. ELMIR DUCLERC RAMALHO JÚNIOR - Uma boa tarde a todos!
Eu não poderia começar esta minha breve intervenção sem parabenizar também por esta iniciativa do Senado Federal. Na verdade, quando eu era estudante de Direito, há mais de 20 anos, cheguei a pensar, em algum momento da minha vida, se não seria melhor um regime de governo em que o Legislativo contasse como uma única Câmara, com uma única Casa. Hoje, em 2015, devo dar graças a Deus por existir o Senado da República Federativa do Brasil, pois ele hoje desempenha um papel fundamental na manutenção da democracia brasileira.
Eu queria começar a dividir minhas próprias angústias. Eu não pretendo fazer palestra ou dar aula para os senhores, mas dividir um pouco das minhas angústias. Eu não posso começar aqui sem explicitar um pouco do meu lugar de fala, sem dizer quem é esta pessoa que se dispõe a dividir suas angústias em relação a esse Projeto de Lei do Senado.
Eu sou membro do Ministério Público da Bahia há mais de 20 anos, sempre atuando na área criminal, embora não fale pela instituição Ministério Público, que vela pela independência funcional e pela liberdade de opinião. Quem fala é um promotor de Justiça com 20 anos de experiência na área criminal, hoje assessorando o Procurador-Geral da República de Justiça do meu Estado.
Foi nessa condição que tive meu primeiro contato com o fenômeno criminal e pude perceber a violência diária, não apenas dos crimes que são praticados, mas também a violência diária do próprio funcionamento do sistema de justiça criminal. Foi isso que me levou a procurar a academia, a procurar me aprofundar em ciências criminais e em processo penal e construir uma carreira de professor de Direito Processual Penal.
Para mim, é muito importante estar aqui hoje.
Eu não sei se a maioria dos senhores tem esta informação, mas existe um autor de processo penal, alemão de origem judaica, chamado James Goldschmidt, que, não por acaso, foi perseguido durante o regime nazista na Alemanha e teve que se refugiar nas Américas. Goldschmidt disse, algo que muita gente tem repetido hoje, que o melhor termômetro ou sismógrafo para medir os níveis de democracia de um determinado Estado é exatamente a forma como este Estado estrutura o seu processo penal.
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Eu, na minha juventude, vivi a saída do Brasil de uma ditadura e vi o Brasil ganhar, ainda muito jovem, uma Constituição democrática. E talvez por isso eu tenha imaginado que envelheceria junto com um Brasil que caminhava para a democracia. Mas devo dizer que vejo com preocupação, assim como o querido amigo Rubens, que me antecedeu, que, devo dizer, me confere a confiança do testemunho...
Existe uma parcela importante da doutrina de processo penal no Brasil muito preocupada com o rumo que a produção legislativa em ciências criminais, em direito penal, em processo penal tem tomado, e não há outra maneira de dizer - infelizmente, às vezes, a gente fere a suscetibilidades dizendo isto, comparando com outras fases da história -, afirmando a nossa impressão - podemos estar errados, e não há aqui nenhum juízo de valor sobre este ou aquele projeto de lei - de que, no geral, há uma tendência autoritária perigosa que lembra, sim, processos ou períodos autoritários da história da humanidade.
Acho que o querido amigo Rubens já disse muito, já adiantou muito daquilo que eu pretendia dizer. Eu só queria chamar a atenção para alguns aspectos, e não vou abusar da paciência desta Casa. Eu queria dizer, primeiro, que um dos grandes responsáveis pela construção da própria ideia de democracia, de Estado democrático de direito, é um francês que não se alimentou da cultura francesa para escrever o que escreveu. É um sujeito chamado Voltaire, que escreveu uma obra, talvez a sua principal, chamada Tratado sobre a Tolerância. Voltaire foi preso, passou uma temporada na Bastilha, de onde saiu e foi, exilado, para a Inglaterra, onde bebeu o necessário para escrever o que escreveu e ser um dos principais responsáveis pela Revolução Francesa, que instituiu um novo modelo de cultura, de produção de conhecimento e de maneira de lidar com o crime para o Ocidente inteiro, que está pautado nessa ideia, como disse o Rubens, de que é mais importante para um Estado que cem pessoas culpadas sejam inocentadas do que um único inocente sofrer a violência de uma prisão injusta. Não existe, não existe essa tensão, essa dicotomia entre interesses do indivíduo e da sociedade. A sociedade é composta de indivíduos, de homens e mulheres de carne e osso, que sofrem diariamente. Eu queria só dizer que esse dado de que 45% das pessoas encarceradas são presos provisórios é falso. Na Bahia, meu Estado, se formos olhar para os dados do Departamento de Justiça, veremos que há algo em torno de 40%, mas isso é falso, porque sabemos que neste número não entram as pessoas que estão presas em delegacias de polícia. Este número chegará perto de 70% se levarmos em conta os presos em delegacias, de presos provisórios. Parece-me que isso tem que nos dizer alguma coisa.
Olha, fico muito triste quando se diz que o Brasil é o país da impunidade. Da década de 90 para cá, que é um marco importante porque foi posterior à Constituição, a nossa população carcerária multiplicou-se por cinco. Em números relativos, isso significa - não sei se os senhores estão informados deste dado - 16 vezes o que cresceu a população brasileira. Estamos prendendo 16 vezes mais o número de pessoas do que o número de pessoas que vêm ao mundo.
Então, não há, quero crer, malabarismo hermenêutico que se possa fazer para não dizer que esse projeto significa, sim, uma restrição séria e grave ao princípio do estado de inocência tal como ele está construído na nossa Constituição. Nós estamos invertendo a lógica. Perdoem-me, mas não há outra maneira de dizer que não a de que há incorporação de uma mentalidade autoritária, de uma forma autoritária, que está presente na década de 30 na Itália, mas que está presente também na Inquisição.
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Na verdade, a criação do Estado do direito e desses princípios que nós conhecemos talvez remonte a 1200, à Carta do João Sem-Terra, que é um momento de ruptura, de saída... Custou muito construir um sistema de processo penal acusatório, que tem como regra a liberdade e como exceção a prisão.
A gente precisa estar muito atento, porque a história é implacável e acha um lugar para os autoritários. Talvez isso não seja percebido agora, mas lá adiante, eu quero crer, nós precisaremos ter uma preocupação muito grande com a construção das nossas biografias.
Então, eu queria somente dizer, trazer uma informação para esta Casa... O colega Rubens também já falou em termos gerais sobre a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas eu gostaria de trazer a informação de que, em 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Argentina exatamente por conta de uma situação muito semelhante a essa.
Um sujeito chamado Mohamed, cidadão argentino, embora o sobrenome de origem árabe, atropelou e matou uma senhora. Ele foi absolvido em primeira instância. Depois, a Fiscalia, a promotoria o condenou para o segundo grau, e ele foi condenado pelo Tribunal de Apelação na Argentina. Aí, ele entrou com um recurso extraordinário, semelhante ao nosso, para a Suprema Corte argentina, mas esse recurso foi denegado. Entenderam que os requisitos de admissibilidade, como os nossos aqui, os recursos extraordinário e especial, que são tão difíceis de conseguir serem manejados por conta dos requisitos... Então, a condenação se tornou definitiva. A Comissão Americana entrou com uma ação contra a Argentina e o resultado final - a decisão final desse caso pode ser consultada por qualquer pessoa na internet, bastando colocar "caso Mohamed" e "Argentina" - foi a condenação da Argentina porque o duplo grau de jurisdição alcança, sim, os recursos extraordinários, não são só os recursos ordinários, que aquela pessoa precisava ter tido assegurado a ela o duplo grau de jurisdição, e a determinação de que fossem afastados em relação a ele - ele era um motorista que, como perdeu a licença para dirigir, perdeu o emprego - todos os efeitos da decisão, como se houvesse efeito suspensivo para o recurso extraordinário.
Então, me parece que há uma decisão importante condenando a Argentina por algo que se quer fazer aqui no Brasil, caso seja aprovado esse projeto -, e o Chile está na fila para ser condenado também por uma situação também muito semelhante.
Repetindo aquilo que disse o Rubens, Voltaire, para construir o que construiu, teve que sentir na carne. Então, acho que nós precisamos pensar, quando pensamos em reforma do processo penal, se formos honestos, porque ninguém escapa disso, precisamos pensar em como seria se nós fossemos pessoas acusadas de delito, condenadas injustamente, com uma condenação mantida no tribunal, precisando manejar um recurso extraordinário, e alguém nos dissesse "olha, em nome do interesse público, você vai perder cinco ou seis anos da sua vida ou a sua própria vida dentro desse sistema prisional que nós todos conhecemos".
Então, seria esta a minha modesta contribuição. É apenas o desabafo e a angústia de quem vive a violência do sistema de justiça criminal todos os dias e que sabe da importância de manter vivos esses princípios que, em última análise, separam a civilização da barbárie.
Muito obrigado, mais uma vez.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Permita-me, Dr. Elmir, como Relator...
O SR. ELMIR DUCLERC RAMALHO JÚNIOR - Pois não.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ..., agradecendo a contribuição de V. Exª, dizer que V. Exª citou a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos.
O SR. ELMIR DUCLERC RAMALHO JÚNIOR - A Corte.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Pois é, mas a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos consagra que se esgota nos recursos cabíveis no âmbito do reexame da decisão por uma única vez.
O SR. ELMIR DUCLERC RAMALHO JÚNIOR - Pois não.
É isso...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Então, não estamos aqui a discutir uma "jabuticaba".
O SR. ELMIR DUCLERC RAMALHO JÚNIOR - Sim.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Estamos aqui refletindo repercussão de diplomas e doutrinas consagradas.
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O SR. ELMIR DUCLERC RAMALHO JÚNIOR - Entendo perfeitamente, Senador.
Alguém disse aqui - creio que foi o amigo Rubens também - que o direito se constrói na interpretação.
Essa decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos se refere exatamente à Convenção. Foi a interpretação a que chegou a Corte das normas da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Espero ter esclarecido.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra o Sr. Marcelo Semer, Juiz de Direito do Estado de São Paulo.
O SR. MARCELO SEMER - Boa tarde a todos.
Na pessoa do Senador José Pimentel, que preside a sessão, saúdo todos os Parlamentares, Senadores e Senadoras, e as pessoas que aqui escutam e agradeço a atenção, por nós podermos falar, especialmente aos Srs. e às Srªs Senadoras que permaneceram, mesmo após a saída do furor midiático.
A avaliação que pretendo fazer aqui nesta Comissão é de que o projeto oferecido é absolutamente inconstitucional.
O projeto tem como principal objetivo estabelecer, de uma forma um pouco disfarçada, na verdade muito pouco disfarçada, uma autorização legal para a prisão como antecipação de pena. Para isso, ele inverte e subverte o sentido constitucional da presunção de inocência, ou estado de inocência, que está no nosso art. 5º, inciso VII, e também na Convenção Americana e em outras normas, mas mais especificamente na nossa Constituição, porque é dela que a Comissão de Constituição e Justiça deve tratar.
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".
A primeira consequência desse comando, que é, imagino eu, a que nos interessa mais diretamente na discussão desse projeto, é que, se não se pode considerar uma pessoa como culpada, que é o menos, por óbvio, não se pode o mais, ou seja, que é tratar a pessoa como culpada, que é, em resumo, a antecipação da execução da pena. Isso significa dizer que a prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, a prisão temporária, seja ela temporária ou preventiva, necessariamente, deve ter uma função cautelar, como, por exemplo, para assegurar a integridade do processo, quando há indício de que o réu conturbe a produção de provas, ou para assegurar a execução da pena, no caso de elementos que apontem para uma fuga que vai tornar o processo, ao final, inútil.
Não é correto dizer que nós precisamos mudar a lei para possibilitar a prisão processual antes do trânsito em julgado. Vários já me antecederam para dizer isso, mas os 40%, ou mais, como afirma o Promotor Elmir, de presos provisórios do nosso sistema demonstram claramente que nós não precisamos mudar a lei para permitir que as pessoas sejam presas antes do trânsito em julgado. Ao contrário, se há uma crítica que nós podemos fazer em relação à compatibilidade entre presunção de inocência e prisão preventiva - eu diria que, nesse caso, é uma autocrítica, porque eu sou Juiz de Direito em São Paulo há 25 anos - é que os juízes têm sido, em regra, permissivos ou contundentes com a prisão preventiva. Isso é o que explica 40% dos presos provisórios. De certa forma, nós vemos esvaziar-se a presunção de inocência, e não se lhe dar uma interpretação ampliada, como é a equivocada premissa desse projeto.
De toda forma, nosso sistema não afirma que é indispensável o trânsito em julgado para a prisão do réu, desde que existam motivos para a decretação da preventiva. Aliás, nós não nos cansamos de ver todo dia uma plêiade de prisões decretadas antes mesmo de o processo começar, algumas descabidas, enfim.
Pretendendo a prisão como antecipação de pena, o projeto prevê esvaziar o sentido de cautelaridade. Até a justificativa do projeto fala em certa cautelaridade. Poderíamos usar a palavra "flexibilização", que o Professor Rubens usou aqui. De alguma forma, está-se esvaziando o sentido.
Em resumo, caminha para tornar automática a prisão preventiva, que teria um enorme impacto no sistema carcerário.
Alguém que me antecedeu já perguntou. Não sei se foi previsto ou pelo menos estimado pelos proponentes o que vai causar mais prisão.
O Supremo, todavia, já decidiu pela impossibilidade de uma prisão ser caracterizada como antecipação de pena, justamente porque fere a presunção de inocência. É cláusula pétrea, que, se não pode ser alterada nem mesmo por PEC, que dirá por um projeto de lei!
Apreciando um habeas corpus por vedação legal, ou seja, vedação na Lei de Liberdade Provisória, o que é, mais ou menos, a mesma coisa, assim se manifestou o Ministro Gilmar Mendes:
A lei estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatório, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade, uma exceção. A Constituição Federal de 88, no entanto, instituiu um novo regime, no qual a liberdade é a regra e a prisão exige comprovação devidamente fundamentada, razão pela qual o dispositivo é contrário à Constituição.
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Todo dispositivo que firmar a prisão como regra e a liberdade como exceção é inconstitucional.
O próprio Congresso já alterou dispositivos considerados inconstitucionais exatamente por esses fundamentos.
Vejam, por exemplo, a revogação do art. 594 do Código de Processo Penal. Dizia o artigo: "O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, [...] salvo se for primário e de bons antecedentes." Foi revogado pela Lei Federal nº 11.709, de 2008. E houve também a revogação do art. 595 do CPP, que corresponde à regra da deserção, pela Lei nº 12.403, de 2011. Ambos, em prestígio ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Da mesma forma como os senhores fizeram a redação do art. 283 da mesma Lei nº 12.403:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva.
A redação é dos senhores.
Exposição de Motivos do Ministro da Justiça que propôs essa lei em 2001, na época do governo FHC:
Depois de estabelecidos os critérios gerais de aplicação das medidas cautelares, são indicadas as espécies de prisão admitidas no ordenamento: a prisão em flagrante, a prisão temporária, a prisão preventiva e a prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado. Fora do âmbito da prisão cautelar, só é prevista a prisão por força de sentença condenatória definitiva. Com isso, revogam-se as disposições que permitiam a prisão em decorrência de decisão de pronúncia ou de sentença condenatória, objeto de crítica da doutrina, porque representavam antecipação de pena, ofendendo o princípio constitucional da presunção da inocência.
É a Exposição apresentada pelo então Ministro da Justiça José Gregori.
A pergunta é: que sentido haveria agora propor um duplo salto carpado legislativo para retroceder ao que já se tem como certo que é inconstitucional?
Eu vejo aqui que os que antes me antecederam disseram que Ministros que votaram nessa decisão a que se fez referência estão propensos a mudar de ideia. Enfim, se o Supremo muda de ideia, não é necessária a lei; se o Supremo não muda de ideia, não adianta a lei. Ou seja, não é o projeto que vai resolver essa questão.
O intuito de antecipar a pena é evidente no projeto, não apenas pela lógica invertida de que é o réu que deve fazer prova de que não vai fugir ou que não pretende praticar outros crimes - inversão de ônus da prova -, o que também fere de morte a presunção da inocência - nesse caso, mais agravado, porque o réu deve fazer uma prova praticamente improvável -, mas também pelos elementos que, pelo projeto, subsidiam a decisão de decretação da prisão por pena superior a quatro anos. Está escrito no projeto: os antecedentes, a culpabilidade, a gravidade e as consequências do crime. Ou seja, são critérios previstos no art. 59 do Código Penal, critérios que o legislador impõe para a fixação de pena.
É verdade, como diz aqui o colega Presidente da Ajufe, que o legislador pode alterar os requisitos para a prisão preventiva. Está pela legislação ordinária. Todavia, ele não pode colocar nos critérios para a preventiva critérios que são da fixação da pena, porque, senão, deixa de ter uma função cautelar e passa a haver a preventiva com a aplicação de pena, e isso é inconstitucional. Mudar os critérios ele pode, mas não pode mudar neste sentindo, que é de aplicar a prisão como pena.
Não à toa, o projeto se trai, de certa forma, ao dizer que o réu será, entre aspas, "conservado" na prisão. É mais ou menos este o espírito do projeto: enquanto o réu não provar que sua prisão não é necessária, ele será "conservado" nela. Abrindo um parêntese aqui, exigir prova de que o réu não vai fugir também projeta um elemento em seletividade.
Ouvi o Senador Requião, autor do projeto, falar dos 45% de presos pobres e perguntar sobre o que acontecerá com eles. Nesse caso, os pobres com menos condição ainda de demonstrar, por exemplo, residência longeva ou trabalho com carteira assinada, certamente, vão ter muito mais dificuldade para cumprir esse requisito repleto de subjetividade.
No art. 617-A, §2º, o projeto indica que, em condenações a penas superiores a quatro anos, poderá haver decretação de prisão mesmo se o réu houver respondido o feito em liberdade. Não há nenhuma novidade aqui. Primeiro, se o réu respondeu o processo em liberdade, não foi por acaso, por sorte, não foi nos dados, mas porque o juiz entendeu necessária a sua prisão de acordo com os requisitos da preventiva e as premissas da presunção de inocência. Mas nada impõe que o juiz decida, a qualquer momento, inclusive na sentença ou no acórdão, pelos desembargadores, diferentemente de quando da condenação, desde que existam elementos cautelares a justificá-lo, como indício de fuga, coação das testemunhas etc. O que não pode acontecer é o réu ter que provar o contrário.
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O Supremo já decidiu, já foi citado aqui, no HC-84.078, que foi uma espécie de leading case aqui, que prisão antes do trânsito tem julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
O projeto utiliza um estratagema para afirmar que os recursos especial e extraordinário têm, sim, efeito suspensivo. Se ele fala que não tem efeito suspensivo, é impossível admiti-lo na Comissão de Constituição e Justiça. Mas, enfim, ele diz que tem efeito suspensivo, salvo as medidas cautelares, ou seja, no caso, a prisão preventiva. A decisão do Supremo propõe, assim, um desvio meio maroto. Nesse caso, não haveria efeito suspensivo, "salvo se..." E aí, mais uma vez, a ideia invertida de presunção de que o réu deve provar aquilo que cabia à acusação demonstrar.
Eu diria, advertiria aos Srs. Senadores de que são os senhores que fazem a lei, os Srs. Senadores e Deputados, e que, portanto, têm essa responsabilidade. Colocar num projeto de lei, no século XXI, neste momento, que o réu deve provar que não vai fugir para não ser preso é algo que torna o sistema absolutamente invertido. Mas faço o seguinte alerta: tampouco é correto dizer que o projeto impõe prisão como antecipação da pena somente a partir da decisão condenatória de segundo grau.
Sabe-se que o intuito original dos colegas da Ajufe era mesmo fazer isso desde a sentença de primeiro grau, mas, como a própria justificativa do projeto admite, a reação foi muito grande. No entanto - e isso não foi falado aqui -, o projeto também sugere a mesma sistemática para as decisões do, entre aspas, "tribunal do júri", que, como todos sabemos, é tribunal só no nome, pois também é sentença de primeiro grau.
Então, não é correto dizer que o projeto não pretende a prisão após a sentença de primeiro grau. No júri, pretende, sim, sob o pretexto de que a decisão dos jurados é menos modificável no tribunal. Mais uma vez, a observação adianta o intuito de antecipação de pena - ou seja, "vou manter a prisão em razão de uma decisão que tem pouca chance de mudar" - e ignora as várias possibilidades de mudança da decisão do júri, como anulado por ilegalidades na condução, contradição dos jurados com a prova e ainda alterada a pena em razão de condenação.
Equívoco por equívoco, a justificativa afirma, erroneamente, que a decisão do Supremo que garantiu a constitucionalidade do "Ficha Limpa" reconheceu a possibilidade de restrições no âmbito penal antes do trânsito em julgado. Ao contrário, toda a argumentação do projeto do "Ficha Limpa" e de seus apoiadores é de que a inelegibilidade não se regrava pela presunção de inocência do processo penal, mas, sim, pelo princípio da cautela.
Segundo Carlos Ayres Britto, enquanto não sobrevém o trânsito em julgado em sentença condenatória, o sujeito encontra-se investido desse princípio de presunção da inocência. Para ele, não há contradição em sua posição nessa decisão quanto aos "fichas sujas", porque a questão eleitoral é diversa da questão penal.
Há outros defeitos no projeto. Eu não sei se o tempo vai permitir falar sobre todos, mas vou tentar abreviar.
A ideia de que a reparação de dano, como está previsto, pode ser também um diferencial para autorizar uma prisão é outro indicativo de seletividade, dando mais condições de liberdade a quem tem mais dinheiro para fazer reparação de danos, expondo os réus pobres, como, por exemplo, os da Defensoria Pública.
Não parece razoável discutir o projeto, como sustenta a justificativa, com uma indevida e parcial importação de elementos do processo penal norte-americano, ou processos penais norte-americanos. Há tantas diferenças entre os sistemas, nas provas, nos júris, nos precedentes, que se torna inviável qualquer transposição.
Só para lembrar, o sistema americano jamais suportaria, por exemplo, um juiz protagonista na investigação policial.
A supressão quase que total dos embargos infringentes, que até agora não foram mencionados, é outro ponto de inconstitucionalidade, pela proibição do retrocesso, e esvazia a ampla defesa. Não se justifica pela suposta agilidade processual que sugere.
O número de embargos infringentes é irrisório diante de outros recursos - representam menos de 10% dos processos - e são o recurso mais fácil e mais rápido de ser julgado.
A amplitude dos embargos infringentes não viola o direito de duração razoável do processo, mas utilizar um argumento de direito fundamental como forma de reduzir a ampla defesa é quase que cínico.
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Dizer que os embargos ficam reduzidos à divergência sobre absolvição é praticamente o mesmo que extingui-lo, não só porque as divergências sobre pena são tão importantes quanto o mérito, como porque a expressiva maioria dos embargos infringentes é justamente sobre questões de direito. Quem conhece embargos infringentes sabe que, em grande medida, o que se discute lá é aplicação de pena.
O projeto fala também sobre a multa aos embargos declaratórios, protelatórios e repetidos e coloca um limite astronômico: mil salários mínimos. Deve ter pouca valia, porque os embargos protelatórios repetidos não são comuns.
Foi citado aqui o embargo no agravo, no agravo, no agravo, no agravo, no embargo. Mas esses casos folclóricos não entram para a estatística. O que se pôde ver para sugestão é que o projeto como um todo analisa o sistema penal pelo viés de processos contra grandes "criminosos de colarinho branco". Qualquer um que conhece a prática penal sabe que, estatisticamente, essa parcela, diante do sistema prisional, é insignificante. Nosso processo penal não é repleto de "operações lava jato". Moldar o processo penal pensando na Lava Jato é um equívoco terrível, é a pretensão de pegar uma parte, uma pequena parte, pelo todo. Até a escolha de crimes para aplicação desse sistema inconstitucional explica essa visão particular do horizonte federal. Por que corrupção e não sonegação? Por que lavagem de dinheiro e não roubo?
Aliás, a escolha de crimes graves para tornar a prisão preventiva obrigatória já foi realidade no País. Hoje, isso foi superado por alterações legais e pela própria emergência da Constituição de 1988. Não se trata de nenhuma novidade, mas de uma forma disfarçada de embalar o atraso.
A divisão de cautelaridade de acordo com o crime é, na verdade, tão sem sentido como a da inimputabilidade parcial aprovada recentemente na Câmara dos Deputados e, pelas notícias que chegam, sem chance de êxito nesta Casa. A multiplicidade de recursos que as divergências sobre isso podem causar não justifica o apelo à eternização do processo.
Enfim, para os efeitos do sistema penitenciário, tudo de que o Brasil menos precisa, e é provocado por esse projeto, é de aumentar ainda mais o percentual de presos provisórios. Imaginar que o projeto vai diminuir o tempo na Justiça é equivocado. Ele vai aumentar o número de prisões.
O Senador Requião perguntou aqui a respeito dos presos pobres, sobre o que vai acontecer com os presos pobres, por que ninguém se levanta pelos presos pobres. A gente fala pelos presos pobres há muito tempo. Quem nos ouve, quem nos vê, quem nos escuta... O Prof. Rubens Casara também tem escrito há bastante tempo sobre isso.
Eu falo um pouco sobre os presos pobres. Inúmeros recursos não chegam ao Supremo e ao STJ exatamente porque devem cumprir presos antes de chegarem. Eu falo pelo meu tribunal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e falo até, inclusive, porque vários dos temas decididos, majoritariamente, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo são refratários da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal em matéria criminal. Então, pergunta-se: por que esperar eles chegarem ao STJ? Por que esperar chegar ao Supremo? O Supremo Tribunal Federal e resolução do Senado, desta Casa, permitem, por exemplo, prestação alternativa nos casos de tráfico de entorpecentes, entenderam que a lei não poderia proibi-la. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em grande medida, não a permite. Quem quiser gozar desse direito terá de vir ao STJ em recurso especial. E como vai esperar preso durante mais de um ano e oito meses, quando chegar o seu recurso, não adianta nada. Quando o STJ disser que ele pode ir par a prestação de serviço, ele já estará na rua. Assim ficam os presos pobres, mais ainda com a votação desse projeto.
Não faz muito tempo que V. Exªs aprovaram a Lei nº 12.413/11, cuja finalidade era justamente dar alternativas para nós juízes evitarmos o excesso de prisão provisória. Esse projeto aqui ofende não apenas a Constituição, o que seria suficiente para interromper o seu trâmite, como subverte a jurisprudência pacificada no Supremo, o que faz dele um projeto dirigido para a ineficácia, talvez não a das televisões. E ainda a legislação recente que vem sendo produzida, inclusive nesta Casa, inclusive pelos Srs. Senadores, contraria muito o processo penal.
Era o que eu gostaria de falar.
Obrigado pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra a Srª Luiza Cristina Fonseca, Procuradora Regional da República.
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A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Obrigada, Senador José Pimentel.
Primeiramente, quero agradecer pelo convite que me foi feito pelo Relator e a indicação feita pelo Procurador-Geral da República para aqui falar um pouco sobre a experiência do Ministério Público Federal.
Como todos mencionaram a sua origem, de onde partiram para aqui manifestar-se, eu gostaria de dizer que sou Procuradora do Ministério Público Federal desde 1992, com atuação na área criminal em ações penais originárias e também na área da tutela coletiva.
É dessa experiência que parto para contrariar a interpretação de alguns dos que aqui me antecederam. A primeira questão é que eu gostaria de dizer que este projeto, sob meu ponto de vista e - acho que posso dizer isto- da maior parte dos meus colegas da Associação dos Procuradores da República, não surge de um projeto autoritário do Senado e nem de um projeto autoritário da sociedade. Ela surge pela necessidade de se reformar o processo penal brasileiro.
O processo penal brasileiro tem o Código de 1941. Tanto ele necessita de reforma que existe um projeto de Código de Processo Penal na Câmara dos Deputados, e existem inúmeras legislações, projetos de lei de reforma. Eu diria que o Senado está preocupado com quem entra e com quem sai. Hoje mesmo, pela manhã, nesta mesma CCJ, foi discutido o projeto do Senado da audiência de custódia. Então, o Senado está preocupado com o preso, com o preso provisório, com o preso pobre, com o preso que está preso indevidamente.
O problema é que o processo... Ao contrário daqueles que alegam que se pretende, com o projeto de lei, colocar mais gente na cadeia, que isso seria autoritário e que afeta a presunção de inocência, não me parece que esse seja o ponto. O ponto é trazer mais igualdade ao processo penal, porque, nos crimes que aqui estão, não há que se confundir cautelaridade com presunção de inocência.
Quando se alega aqui que a jurisprudência está pacificada, que o Supremo já a pacificou, é importante dizer que o habeas corpus, de 2011, foi por maioria: sete a quatro naquele momento - parte dos ministros não estava. E, depois, os mesmos ministros que lá estavam refizeram a sua posição em inúmeros processos. E que processos são esses? São aqueles que o Juiz Marcelo Semer alega que são poucos, que são justamente os embargos de declaração nos embargos de declaração, nos embargos de declaração no agravo regimental, nos embargos de declaração no agravo do recurso extraordinário, no recurso extraordinário no agravo regimental, no agravo regimental no agravo de instrumento. Esse é um processo no Superior Tribunal de Justiça.
Se nós procurarmos os precedentes que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça hoje têm, veremos que eles ordenam a execução da pena antes do trânsito em julgado. E o faz por quê? Em razão dos recursos protelatórios.
Então, quando analisamos esse projeto de lei, independentemente de ele vir a ser aprovado ou não, não podemos negar que o processo penal brasileiro precisa de reforma. Precisa de reforma para implementar a audiência de custódia, que hoje foi discutida aqui pela manhã; precisa de reforma, para que não se admitam recursos protelatórios - aliás, no Código de Processo Civil isso já está lá, ou seja, a questão dos embargos; precisa de reforma para dar paridade de armas, porque, ao contrário do que é dito, os embargos infringentes atrasam, sim, a atuação, a execução, atrasam, sim, o processo penal. E, mais, sobre aquele recurso que, de fato, vem do Tribunal de Justiça de São Paulo, os números do Superior Tribunal de Justiça que estão no boletim que se encontra na internet mostram que o Tribunal de Justiça de São Paulo é, sim, um dos maiores demandantes do Superior Tribunal de Justiça. As decisões do Tribunal de Justiça não vão ser reformadas com recurso especial. Vão ser reformadas por habeas corpus, porque os habeas corpus são inúmeros no Superior Tribunal de Justiça. E assim atestam meus colegas que hoje atuam em matéria penal no Superior Tribunal de Justiça.
O que acontece é que o sistema brasileiro precisa ser reformado para que não tenhamos a baixíssima coercibilidade das decisões dos juízes, e essa baixíssima coercibilidade vai desde a pena alternativa, porque a pena alternativa não é cumprida na maior parte das vezes, e por quê? Por um outro motivo de que não se falou aqui ainda: a questão da prescrição. Os marcos interruptivos da prescrição são fixados no Código Penal.
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E o que acontece é que o recurso especial extraordinário, que evita a possibilidade do cumprimento de uma decisão judicial de segundo grau, o que, aliás, foi admitido pelo Supremo Tribunal Federal posteriormente ao famoso julgamento do habeas corpus, foi admitido justamente na Lei da Ficha Limpa, no acórdão da ADI nº 4.578, que é um acórdão enorme, de 350 páginas, onde essa questão da presunção da inocência para perda dos direitos políticos em função de uma decisão de segundo grau é extremamente comentada e debatida.
Então, essa questão da baixa coercibilidade deve ser uma preocupação dos legisladores, do Ministério Público e dos próprios juízes, porque, quando nós estamos falando nesse projeto, o projeto diz "vamos revogar o art. 600, §4º, do Código de Processo Penal". O que é isso? É a possibilidade de somente a defesa apresentar razões em segundo grau. O que significa isso? Significa que, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com 14 Estados na base, com a sede no Distrito Federal, o processo vem, e, depois, o advogado é intimado. Isso aumenta o curso do processo. O que se perde aí? Prazo. E o que ocorre? Prescrição.
Outra questão: embargos infringentes interrompem? Não! Não interrompem. O que se perde aí? Prazo. O que ocorre? Prescrição.
Então, todo esse processo legislativo nós podemos discutir. O Supremo interpretou. O Supremo interpretou naquele momento contra a sua própria interpretação. Inclusive, eu sou autora de um artigo, junto com a minha colega Mônica Nicida, que se encontra aqui, e o colega Fábio Gusman, justamente sobre a análise de como o Supremo chegou a esse habeas corpus, o que ele fez antes e o que fez depois. Porque, quanto ao que fez depois, ele mesmo reconhece que existem situações de recursos protelatórios.
Por outro lado, quando se invoca o princípio da inocência, é importante dizer que países... Não precisamos invocar, então, a tradição anglo-saxônica, que está ligada mais à eficiência. Não precisamos. Vamos evocar, então, a tradição ibero-europeia, que é a nossa, ou o Direito continental francês. Os códigos de processo penal em Portugal, na Espanha e na França possibilitam a execução da sentença do segundo grau. Por que o fazem? Porque o tribunal de apelação, a corte de apelação e o tribunal de Justiça reapreciam fatos, e o recurso especial reaprecia questões de Direito, de admissibilidade, como já foi dito aqui. É um recurso muito difícil. O que encontramos nos números do Superior Tribunal de Justiça? Recursos especiais? Não! Encontramos agravos de inadmissibilidade de recurso especial e habeas corpus, e só a defesa tem habeas corpus! E, de fato, o Juiz Marcelo Semer tem razão: vários desses habeas corpus são concedidos para fazer com que determinados tribunais de Justiça cumpram as decisões do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, não ficarão presos esperando recurso especial, porque esse aí nem vai ser admitido. O que vai acontecer é que o processo, muitas vezes, ficará trancado, inclusive em habeas corpus, sem que a prescrição esteja interrompida e sem que se possa dar cumprimento a uma sentença de segundo grau. Que sentença de segundo grau é essa? É a do tráfico internacional? Não! Porque esse está preso. É a do homicídio? Não! Porque esse está preso. É a do latrocínio? Não! Porque esse, em regra, está preso. É justamente a dos crimes de corrupção, crimes considerados gravíssimos.
E por que não é na sonegação? Porque o Supremo, infelizmente, do ponto de vista do Ministério Público Federal, diz que não existe crime sem que haja o fim do procedimento administrativo. Portanto, não poderia estar aqui, porque estamos obrigados a cumprir a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Então, eu gostaria de dizer que, do ponto de vista do Ministério Público Federal, e acho que falo pela maioria dos meus colegas, o processo penal precisa de reforma. Precisa de reforma, para que não deixemos sem serem presos aqueles que têm baixa periculosidade, e isso está sendo feito na audiência de custódia - a audiência de custódia com monitoramento eletrônico, porque as medidas do 319... O Código de Processo Penal foi reformado pelo Legislativo justamente para que pudesse haver penas alternativas - mais uma prova de que não se está pensando em prender todo mundo e de que não é um projeto autoritário, fascista, nazista ou qualquer outra coisa que se possa pensar. Realmente, como já foi dito também, debate parecido não iria acontecer nunca aqui, e eu, por exemplo, não estaria aqui mesmo. Então, seria muito difícil. Agora, eu acho...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Com certeza, nenhum de nós estaria aqui.
E o que acontece? Eu acho que a gente precisa encarar a questão de que o processo penal brasileiro precisa ser reformado, e não que se diga que ele é um projeto autoritário, que não podemos... Há coisas nesse projeto que podem ser modificadas, e modificadas para acelerar o andamento do processo.
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O processo precisa ser acelerado para quê? Para ter um prazo razoável. Prazo razoável não é 10 anos, não é 12 anos, não é processo prescrito. Prazo razoável é bom para a defesa, porque o réu será absolvido e não vai ficar 10 anos esperando o recurso, e é bom para a acusação, mas é bom para a sociedade, que acreditará no seu sistema processual. E eu acho que a sociedade tem dúvidas da coerção do seu sistema. Daí, fala-se muito em impunidade, mas a questão é que se fala pouco em coercibilidade do sistema, e o sistema tem baixa coercibilidade.
Qualquer um que trabalhe com execução penal - e não estou falando de execução penal de pena só restritiva de liberdade; estou falando também de pena restritiva de direitos - sabe isso, conhece essa realidade. Se não fosse assim... Para não falar nos problemas de violência do Brasil, que é a questão dos linchamentos. Aí, já se prova que esse sistema precisa de reforma, para dar à sociedade uma possibilidade de que o processo penal atenda à proteção daquele bem jurídico, que pode ser a Administração Pública, pode ser a vida, pode ser o patrimônio. Mas que ele o faça dentro de condições razoáveis de tempo, respeitando o devido processo e o contraditório.
O contraditório, neste projeto aqui, em nenhum momento está afetado. Ele não está afetado. Portanto, não se trata de botar alguém na prisão sem que ele possa defender-se. Muito pelo contrário, como eu já disse, há preocupação inclusive da audiência de custódia, que, aliás, resolve e responde o problema da alegação dos recursos, de como ficaria o sistema.
Bom, mas se 40% dos presos estão sendo soltos... Essa é uma média nacional. Sou conselheira nacional do CNJ. Portanto, acompanho isso pari passu. O que acontece? De fato, 40% dos presos estão sendo soltos. Estão sendo soltos por quê? Porque aquele preso está indo com monitoramento eletrônico, não deveria ficar preso mesmo, e era o preso que iria sair em liberdade provisória, em habeas corpus, depois. Portanto, recursos haverá.
Por outro lado, há uma preocupação enorme de todo Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, julgando agora até ações de melhoria do sistema penitenciário, inclusive com recomendações para que não haja o contingenciamento do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional), que é uma verba enorme, porque 50% dos valores dos concursos lotéricos vão para o Funpen. Se não contingenciá-los, teremos muito dinheiro aí.
Então, temos de adequar o sistema, de um lado, fazendo audiência de custódia com a presença do Ministério Público, da defesa e do magistrado. De outro lado, melhorando o processo penal, para que o processo seja célere; evitemos os recursos procrastinatórios; tenhamos mais prazos interruptivos da prescrição; possamos dar cumprimento às sentenças em segundo grau de crimes, não só aqueles que costumamos ver com os réus presos; e tenhamos um processo penal mais célere e mais justo.
E o Supremo Tribunal Federal, ele mesmo, rever a sua posição. O que acontece hoje é que o Supremo faz cada caso. A lei - para isso existe lei - é para tratar todos igualmente, não dependendo da posição de um juiz ou outro. Daí a discussão da audiência de custódia por lei e não somente no projeto-piloto dos tribunais, que, aliás, só atinge as capitais. A lei fará com que atinjam todos, porque todos os presos têm direito a audiência de custódia.
Então, eram essas, em parte, as considerações que eu tinha.
Compreendo a questão dos Senadores e das Senadoras, no sentido de contribuir com o debate para a reforma do processo penal brasileiro, que precisa ser mais eficiente e mais eficaz. Isso não implica tirar o contraditório, o devido processo legal. Implica incorporar novos elementos à audiência de custódia e, por outro lado, à colaboração premiada, que também vem sendo bastante discutida e que também já foi inserida em várias leis que estão aqui no Congresso; que já passaram pelo Congresso Nacional.
Era um pouco do que eu gostaria de falar, diante das falas que me antecederam.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Concedo a palavra ao Sr. Maurício Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Boa tarde.
Sinto-me um pouco estranho na condição de professor. Normalmente, eu tenho cerca de 120 alunos, um tanto mais atentos e um pouco menos barulhentos, mas imagino que os temas em discussão no Senado motivem esse tipo de debate paralelo, não obstante a gravidade do tema que se discute aqui.
Se me permitem, cumprimentando o Senador Pimentel e o ilustre Relator, Senador Ricardo Ferraço, muito obrigado pela gentileza do convite.
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Represento aqui a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, a mais antiga faculdade de Direito do País, e o discurso criminológico crítico, que não tem tido muito espaço dentro dos projetos legislativos em geral. É preocupante que assim o seja, porque, embora a Criminologia seja uma ciência relativamente nova dentro das ciências criminais, ela é, provavelmente, hoje a mais importante, já que a dogmática penal e o Direito Processual Penal falharam miseravelmente na sua atribuição de proteger o cidadão contra a violência punitiva do Estado.
Eu gostaria de dedicar esta fala ao Senador Humberto Costa, porque, dos que eu vi aqui, é o mais atento a esse debate. Espero que esteja gabaritado depois para levar esses argumentos, que são argumentos acadêmicos, a fundo, como esta Casa e a sociedade brasileira merecem.
Eu trouxe uma fala escrita, que vou interromper com algumas digressões, como faço normalmente em palestras dessa natureza. Se houver qualquer questão, terei o maior prazer em dirigir essas questões ao final.
Pois bem, senhores, a convite do Senado Federal, na exclusiva condição de professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ou seja, desvinculado aqui da representação de qualquer órgão ou interesse de classe, venho apresentar uma síntese dos motivos que devem determinar a rejeição do Projeto de Lei nº 402, de 2015, resultado de ação, em coautoria, dos Senadores Ricardo Ferraço, Alvaro Dias, Roberto Requião e Aloysio Nunes Ferreira, com participação, por instigação, da Associação dos Juízes Federais do Brasil.
Antes de prosseguir, contudo, quero destacar que não duvido das boas intenções que sustentam essa iniciativa legislativa - o Prof. Rubens Casara me roubou a metáfora - nem por parte dos Senadores que a subscrevem, entre os quais dois Senadores do Paraná, meu Estado de origem, nem por parte da Associação dos Juízes Federais do Brasil e seus emissários mais ou menos midiáticos. O problema, contudo, e como insistem em nos lembrar das experiências do passado, é que, frequentemente, são essas mesmas boas intenções o melhor pavimento das rodovias do inferno. E o inferno a que me refiro aqui não é um lugar idealizado, como na mitologia cristã. Refiro-me, na verdade, ao inferno real e histórico do Estado de polícia e seu processo penal inquisitório. Remeto, portanto, aos perigos de uma estrutura processual concreta que, na busca permanente de soluções e culpados, privilegia a instrumentalidade sobre a ética e os direitos humanos.
O modelo inquisitorial, é verdade, nunca foi devidamente enterrado no Brasil, apesar de sua morte ter sido devidamente encomendada pela Constituição da República, que, explicitamente, abraçou o modelo acusatório, regido pelo princípio dispositivo, que deixa as partes construírem o caso penal, afastando o juiz, sua curiosidade, medos, preconceitos, pretensões e ambições da instrução.
No processo inquisitorial, em sentido oposto, é muito difícil diferenciar quem acusa de quem julga, especialmente porque, em suas fronteiras, tais atores admitem, abertamente, trabalhar em conjunto, sendo, frequentemente, necessário recorrer aos contracheques para descobrir a origem dos pagamentos e, a partir deles, as funções negadas por acusadores e juízes em suas atividades cotidianas.
No Estado democrático de direito não pode ser assim, é claro, pois processo penal civilizado é aquele que não apenas deixa o juiz longe da instrução, mas que também reconhece a disparidade real entre acusação e defesa e, em favor da defesa, intervém positivamente.
Em democracias, portanto, a acusação é estrita e deve ser vista com permanente desconfiança pelo julgador, já que o bom magistrado sempre privilegia a versão do acusado, como é próprio da heurística afim à presunção de inocência. A dúvida, que sempre, sempre opera em favor de quem é imputado, assegura o espaço da liberdade sobre a pretensão punitiva. A defesa, por sua vez, é ampla, não pode ser limitada. As regras do devido processo legal, que incluem o contraditório pleno, são muito mais do que meros princípios a orientar o processo. Antes, e na verdade, são direitos fundamentais essenciais a uma democracia, e direitos fundamentais não admitem retrocesso, caminhando sempre para frente. A humanidade é educada, pois tem sede de mais direitos, não menos.
É por isso que não se pode confundir, como quer o projeto, explícito nesse ponto, o processo penal com o processo civil. Esse, aliás, é o mais grosseiro exemplo dos nefastos efeitos da chamada teoria geral do processo sobre o processo penal brasileiro, pois, em grande medida, é a importação da racionalidade do processo civil que se pretende, especialmente no que se refere à limitação dos embargos e - terror dos terrores - à imposição de multa à defesa que cumpre diligentemente seu papel de obstruir a pretensão retributiva.
Defenestrar do processo da instrução as defesas beligerantes, recalcitrantes, incômodas, criativas, militantes, insistentes, persistentes, ou seja, as defesas que merecem esse nome, sempre foi o sonho dos juízes que confundem o poder de julgar com a eficiência de condenar. Afinal, a única razão de ser do processo penal, que anuncia sua importância no processo civilizatório, é a limitação do exercício da violência estatal. O direito processual penal, se nada mais for, ainda é um ônus argumentativo em favor da liberdade, como atesta a memória dos milhões de seres humanos sumariamente executados em tribunais de exceção de todas as guerras passadas e presentes e, inclusive, as vítimas concretas da atual guerra ao tráfico.
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Logo, já é chegada a hora de perguntar: de que lado da história está o projeto?
Srs. Senadores, o que vemos ali, como disse antes, sob o disfarce das melhores intenções, é um discurso antidemocrático, um tanto mesquinho e bastante revanchista, que, na ilusória busca por segurança, avança sem muito pudor sobre as prerrogativas mínimas da defesa pública ou privada. É assim o próprio retorno da mais odiosa razão instrumental que, em nome dos fins, justifica a precarização dos meios, mesmo quando esses meios expressam garantias fundamentais de cidadania. Chega a ser mesmo estranho atualmente falar em cidadania, algo que parece tão distante dos homens e mulheres que habitam este nosso País. Asseguro-lhes, não obstante, que ainda existem os que se preocupam em resgatar a importância dessa categoria, mesmo que hoje sejamos poucos e entrincheirados nas universidades a defender a cidadania contra as constantes tentações punitivas do cotidiano.
E, assim, em uma conclusão preliminar do ponto de vista processual penal, criminológico-crítico, sobre a qual não me estenderei, pois já pertence ao domínio dos demais professores convidados que me antecederam, o projeto é radicalmente incompatível com a Constituição da República, ao violar frontalmente direitos fundamentais previstos no art. 5º. E, do ponto de vista de um professor de Criminologia, toda tentativa de dizer o contrário é fuga retórica e falaciosa.
Volto a esse ponto, porque é essencial. Na República brasileira, os direitos fundamentais só podem ser ampliados, jamais reduzidos.
Mas o que o Projeto de Lei do Senado nº 402, de 2015, prevê, ao abreviar o espaço da defesa mediante a eliminação seletiva de recursos, é a diminuição do espaço para a argumentação contrária à competência punitiva do Estado, o que reduz o espaço do contraditório e limita a ocasião de fala dos acusados. É, por isso, francamente inconstitucional e não pode sequer ser discutido entre os Parlamentares nacionais, sob pena de traição dos pilares jurídicos que delimitam o espaço mínimo da nossa sociabilidade civilizada.
Entretanto, como antecipei, minha análise privilegia aqui meu campo específico de conhecimento, a saber a Criminologia, um campo transdisciplinar que hoje tem por objeto de crítica as próprias ciências criminais normativas, entre as quais o processo penal. É o que faço a seguir.
De início, é importante ter em mente que todo projeto de lei, inclusive este projeto de lei, mesmo sem sabê-lo, é tributário a uma teoria criminológica que, por sua vez, estrutura determinada política criminal.
Hoje, a tendência político-criminal prevalente em nossas iniciativas legislativas atende ao sentido do chamado populismo, no sentido pejorativo do termo, aparecendo também frequentemente sob a forma de populismo midiático. Essa tendência se caracteriza pelo constante apelo ao conhecimento criminológico vulgar, que despreza o conhecimento teórico produzido pela academia para se filiar ao senso comum sobre crime e criminalidade, promovendo excessivo foco na repressão, em vez de na prevenção, e alçando a ilusão por segurança pública à condição de fetiche. Não por outro motivo, o populismo explora de modo constante e agudo o pânico social como motor das novas hipóteses de criminalização com maior ou menor sucesso. Por sua vez, mesmo a mais pobre iniciativa populista sempre tem por base uma teoria criminológica, que guarda a pretensão de explicar, no todo ou em parte, qual é a causa desse ou daquele crime e, em função dessa suposta causa, dirigem-se as modificações legislativas.
Logo, a pergunta que pretendo responder aqui, em público, no Senado da República: qual é a teoria criminológica que sustenta o Projeto de Lei nº 402, de 2015, mesmo sem estar nele declarada?
A resposta não é difícil e salta aos olhos de qualquer criminólogo. Trata-se da teoria da escolha racional, ou, como é mais conhecida entre os criminólogos, por sua origem estadunidense, rational choice theory. Para essa teoria, enraizada em boa parte da consciência coletiva e cujas primeiras formulações esquemáticas modernas completam mais de 50 anos, a prática de alguns crimes, como o de colarinho branco, é o produto de uma escolha racional do autor, cuja decisão pelo ilícito expressaria o resultado vantajoso, após um cálculo custo-benefício. Assim, para impedir a prática de novos crimes, seria necessário aumentar o custo dos crimes, seja por meio do recrudescimento do panorama punitivo, propondo-se novas hipóteses de criminalização e aumentando-se as penas, ou majorando-se a vigilância, exame e sanção dos selecionados pelas agências penais. Uma aposta, enfim, na chamada deterrence, como querem os norte-americanos, ou na prevenção geral negativa do sistema penal, como fazemos referência na literatura técnica nacional.
Uma perspectiva pode até conduzir, em outros cenários, a estratégias sutis de intervenção, sob forma de prevenção situacional, de resultados mais ou menos eficazes de acordo com a capacidade de deslocamento do alvo projetado, o que é próprio dessa teoria, mas nem mesmo essa alternativa prevencionista, de duvidosa reputação, foi adotada no projeto de lei que agora discutimos. Não. Ali, a opção é muito mais rasa: passa, em síntese, pela crença de que os juízes são também responsáveis pela segurança pública e de que os crimes acontecem no País em função da certeza da impunidade, decorrente da falta de poder efetivo que se lhes atribui.
Impunidade, eis o ponto, o nó górdio do punitivismo brasileiro, pois, suponho, ninguém vai negar que o pano de fundo do Projeto de Lei nº 402 é a tentativa, mais ou menos honesta, de reduzir os casos de corrupção no País pelo aumento da eficiência na punição dos acusados. Eficiência, aliás, um tanto escondida pelo léxico do projeto, que fala mais em efetividade no mesmo e ressentido sentido. Supõe-se assim e equivocadamente que a justiça contra os corruptos e corruptores no Brasil só não se realiza em função de alguns clichês, tão conhecidos quanto falsos.
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O problema, então, seriam as tais brechas na lei, os recursos em excesso, os prazos exagerados e o patrocínio quase mágico de caros e bons advogados, que junto a outros supostos entraves, impedem uma boa marcha processual rumo à efetividade da condenação, livre de freios argumentativos.
Entre outras falácias, diz-se, essas seriam as supostas razões pelas quais "no Brasil ninguém vai preso", no que chegamos, finalmente, ao famoso adágio de que o Brasil é o país da impunidade.
Professor, que sou, não estranho ouvir essas expressões na boca do povo, que depende apenas do limitado conhecimento dos práticos ao seu alcance. Mas, descobrir que projetos de lei podem eventualmente buscar legitimidade na mesma fonte de lugares comuns é, para dizer pouco, assustador. Especialmente quando a evidência é farta no sentido de demonstrar o oposto: a Justiça brasileira nunca condenou nem prendeu tanto.
Estamos, pelo contrário e desde o início da década de 90, mergulhados no maior projeto punitivo da história da República. Se, por um lado, a população brasileira cresceu 104% entre 1970 e 2010, a população prisional aumentou no mesmo período 1700%. Em 2014, chegamos a mais de 600 mil presos, sendo praticamente um terço - e, então, a conta depende da perspectiva - deles inocentes, pois contra eles não há ainda decisão penal condenatória irrecorrível.
E há quem fale em impunidade. Parece um delírio. Um delírio. Há gente que fala em impunidade. Nós nunca prendemos tanto. Nunca. Nunca. Nunca prendemos tanto, e há quem fale em impunidade, e, pior, "que a impunidade é a causa da corrupção". Parece um mundo mágico, fora dos livros, fora da pesquisa, fora do estudo.
Não por acaso, chegamos à condição de quarta maior população penitenciária do mundo, embora não tenhamos condições de abrigar, sequer, um quinto dessa multidão em mínimas condições de dignidade.
Para piorar, quem determina essa realidade - que é o maior crime contra a humanidade do País - são precisamente os agentes do sistema de Justiça criminal, cuja função deveria ser a de proteger os cidadãos da violência estatal, em vez de viabilizá-la contra a lei, como acontece no cotidiano da realidade carcerária nacional.
Mas a pergunta é: por acaso a proteção aos bens jurídicos fundamentais foi assegurada por essa inflação penal e penitenciária? É claro que não. Mas, por questões que o tempo impede de explorar neste momento, o sistema penal parece ser imune às suas contradições. É tal o isomorfismo reformista: você reforma, reforma e reforma e continua exatamente igual. Mesmo assim, de modo completamente desarrazoado, permanecem os que insistem nele ou, o que é pior, no seu recrudescimento, para tentar melhorar uma situação que é por ele próprio agravada.
Há, mais, contudo. Apesar de toda a desigualdade na distribuição da criminalização, que sempre atingirá os mais pobres em função dos mesmos crimes - roubo, tráfico e furto - também é verdade que nunca antes tantas pessoas da classe alta foram presas com tanta frequência.
E não é, precisamente, a face mais apelativa da Operação Lava Jato o sintoma desse movimento de encarceramento em massa? De que vale se as regras processuais não valem mesmo para os mais pobres, seria nada além de uma questão de justiça torná-las igualmente inócuas para os ricos?
Não estranha que isso culmine, enfim, com a tentativa de incorporar essa flexibilização eficientista na própria lei, incorporando o estado de exceção ao Estado de direito, notadamente quando essa proposta tem por vidraça precisamente a defesa dos que têm, já que os que não têm sentem a efetividade do sistema penal diretamente, sem a mediação ou o controle rigoroso do Ministério Público e do Judiciário, nos homicídios, nas torturas e detenções arbitrárias praticadas diuturnamente pela nossa polícia.
E, a propósito, deixem-me voltar a ratificar que eu não tenho qualquer simpatia pela corrupção, em geral, e pelos crimes dos poderosos, em especial. Minha formação e profissão dependem da moralidade dos concursos públicos e da ética de respeito absoluto ao Erário, que é constituído essencialmente pelo trabalho dos mais pobres.
Quero enfatizar essa declaração, para que não reste dúvida a esse respeito: reservo aos corruptos e corruptores o mesmo desprezo que destino a delatores e inquisidores. São todos algozes da República e seus valores.
Mas que não tenham o meu respeito ou minha simpatia não significa, por outro lado, que estou disposto a sacrificar ou negociar em qualquer medida as mais essenciais garantias humanas, produto da histórica luta dos povos contra a opressão, na resposta a essas infrações.
Ao contrário do projeto, acredito que esses tempos exigem mesmo uma opção radical, mas a opção radical não é de sucumbir à tentação punitiva própria da ideologia da defesa social, mas de defender a legalidade para todos, sem qualquer distinção. Principalmente quando sei, pelo estudo das pesquisas criminológicas, que a luta contra a corrupção não passa e nunca passou pela relativização dos direitos individuais.
E, se os ilustres Senadores duvidarem da certeza dessas afirmações, eu os convidaria a um breve exame histórico, de outros episódios nos quais se exigiu a relativização de garantias processuais para o combate a inimigos mais ou menos determinados.
Por acaso, iniciativas excepcionais de suspender ou retrair os direitos individuais atinentes ao processo penal tiveram efeito na prevenção de novos crimes no longo prazo? Como diria um antigo e saudoso Senador desta Casa, a resposta é óbvia e está "blowing in the wind".
Ou, diante dos mandatos sucessivos de Silvio Berlusconi, alguém se animaria a sustentar os efeitos a longo prazo da Operação Mãos Limpas na moralização da política italiana?
Ou, ainda, será possível afirmar que a relativização de direitos humanos promovida pela Lei Van der Lubbe, promulgada após o incêndio do Reichstag, foi benéfica para a construção da democracia na Europa?
Ou, em uma referência ainda mais elástica, alguém duvidaria que o campo de concentração de Guantánamo foi incapaz de deixar os Estados Unidos mais seguros, apesar da violação de todas as regras processuais?
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É claro que não. Nenhuma lei penal ou processual penal é capaz de outra coisa que violar mais direitos. Não existe emancipação pela lei penal, nem à direita, nem à esquerda.
Hoje sabemos, pelo contrário, que a única forma de reduzir a criminalidade é reduzir a própria criminalização primária e secundária, ou seja, aproveitar a constatação do óbvio fato de que o sistema penal é, ele próprio, parte do problema, não da solução.
Logo, se o que os Senadores da República verdadeiramente querem é diminuir a corrupção no País, existem centenas - literalmente, centenas - de iniciativas mais adequadas para tanto.
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Poucas delas passam por modificações legislativas e nenhuma tem a ver com a limitação de recursos, constrangimento às defesas ou aumento da efetividade de sentenças e acórdãos.
Entre elas, posso citar rapidamente o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais, o controle tecnológico das contratações públicas, a publicização da vida privada da classe política, entre outras tantas medidas, que, ao contrário da relativização dos direitos processuais, tiveram efeitos positivos no controle da imoralidade.
Pois, como havia antes mencionado, a teoria da escolha racional, no que for aplicável para compreensão dos crimes de colarinho branco, especificamente da corrupção, não consegue determinar a prevenção desses fatos, e é sempre isso que interessa por meio de punição posterior, seja ela certa, seja ela extremada.
Presos e leis penais o Brasil já tem demais, com 1684 tipos legais, ou seja, 1684 figuras típicas criminosas na legislação brasileira e mais de meio milhão de presos, o momento histórico exige cuidado.
Do sistema penal precisamos de menos, muito menos. Menos crimes, menos denúncias, menos condenações, menos prisões.
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Reforço isto: nós somos parte do problema, não da solução. A solução passa por menos de nós.
Nunca, entretanto, precisaremos de menos direitos. Ainda somos pródigos em violência pessoal e institucional, mas miseráveis em termos de garantias processuais. Qual o sentido de relativizá-las?
Quero aqui, aproximando-me da conclusão, reforçar a demanda feita pelo nosso colega, Prof. Salo de Carvalho, de que as leis penais no Brasil enfrentem o exame de algo chamado uma lei de responsabilidade político-criminal, a calcular os custos das novas hipóteses de criminalização e sua relação com as demais iniciativas encarceradoras, tanto em termos de coerência interna, quanto de adequação externa.
E, aqui, aproveito para lembrar que o terrível texto do Projeto de Lei do Senado n.º 236, que apresenta ao público o pior projeto de Código Penal de nossa história, ainda está em perigosa e irresponsável tramitação, merecendo ser arquivado imediatamente, junto com o Projeto nº 402, que agora estamos a contestar.
Pois estamos nós, nas faculdades de todo o País, conduzindo pesquisas consistentes sobre a violência e a criminalização, mas esses estudos não têm sido valorizados ou levados a sério pelo Poder Público,
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - ...que, em matéria penal, insiste em permanecer no limbo da ideologia da defesa social.
Para piorar, quando se vai atrás de alguma fundamentação além do populismo de fácil apelo, o movimento vai da prática para a teoria, e não da teoria para a prática. Por isso é que, e aqui cito novamente nosso estimado colega Salo de Carvalho, o que vemos hoje em termos de proposição legislativa em matéria penal e processual penal pode ser descrito como a vingança dos práticos, isto é, quando são os operadores do Direito os que assumem o lugar de fala preferencial sobre a lógica interna do sistema jurídico.
Assim, o conhecimento técnico, propriamente teórico, é esnobado. A teoria, que deveria informar a prática, é trocada em favor de uma muito mais pobre teoria da prática. Isso é um claro retrocesso. O que vemos em matéria penal, hoje, é o equivalente a considerar professor de Economia o caixa da padaria pelo argumento de que é ele, e não o economista, que lida com dinheiro todos os dias. A comparação não é exagerada: hoje, seja no campo criminológico, seja no jurídico-penal, a legitimidade parece pertencer a quem lida com o crime e não com quem o estuda. A prática; portanto, subtrai da teoria todo o seu poder de crítica, assimilando-o como crítica "da" e "a partir da" prática.
Essa é, também, e aqui eu concluo,...
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - ...a importância de levarmos a sério as audiências públicas, de não se medirem as críticas por falso amor ao decoro para denunciar, ao arrepio dos cínicos ou ingênuos movimentos de lei e ordem não podem prosperar; que esse projeto é absolutamente inconstitucional e igualmente destituído de qualquer fundamento criminológico científico, dependendo exclusivamente de um praticismo ideológico, tão profundo quanto um pires.
O papel dos professores, aqui, não é angariar simpatia partidária ou defender as causas fáceis das manchetes e dos opinólogos de plantão, mas atacar iniciativas dessa natureza, sem tergiversar.
O projeto é produto de uma bem-intencionada, mas tecnicamente equivocada iniciativa dos juízes federais, que, reunidos em seu órgão de classe e encilhados sobre o sucesso midiático do mais recente processo de resgate da quase infantil esperança de salvação pela expiação dos outros, cria, persiste na ilusão que sobrevive na fantasia dos povos atrasados que precisam de heróis.
Não queremos nós estar entre eles. Não nos deixemos cair em tentação punitiva. Caberá aos senhores Senadores livrar-nos do mal.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Eu agradeço aos que estão na Mesa e convido, para fazer parte do último bloco, o Sr. Thiago Bottino do Amaral, que é professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas; o Sr. Gustavo Virginelli, que é Vice-Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federal; e o Sr. Pedro Paulo Guerra de Medeiros, que é Conselheiro Federal da OAB.
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O SR. DÁRIO BERGER (Bloco Maioria/PMDB - SC. Fora do microfone.) - Sr. Presidente, está havendo sessão.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Como é audiência pública, é possível conviver com a sessão. Quando começar a votação, que será autoridade, nós vamos lá e voltamos. Vamos ouvir todos os que convidamos.
Concedo a palavra ao Sr. Thiago Bottino do Amaral, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas.
Por gentileza.
O SR. THIAGO BOTTINO DO AMARAL - Eu gostaria de agradecer o convite na pessoa do Senador José Pimentel, Vice-Presidente desta Comissão de Constituição e Justiça.
Eu organizei minha fala em dois pontos: primeiro, comentários gerais; depois, a ideia seria fazer um comentário artigo por artigo do projeto.
Nesta parte dos comentários gerais, o primeiro ponto que me chamou a atenção é que parece que há duas finalidades diferentes no mesmo projeto de lei do Senado: um, melhorar o sistema de recursos no processo penal - e aí há pontos positivos importantes para serem discutidos; o outro, a criação de uma nova "prisão cautelar". Nós temos de colocar entre aspas essa nova "prisão cautelar" porque, na verdade, ela não tem natureza cautelar. Essa é a grande questão que tem sido colocada nos discursos que me antecederam.
Eu não preparei uma fala escrita, e certamente não falo tão bem quanto as pessoas que me antecederam, mas a ideia era tentar destacar, na fala das pessoas que passaram por aqui, alguns argumentos, e mostrar também, com base na justificativa do projeto de lei do Senado, porque que essa não é uma prisão cautelar.
Então, primeiro, quando o Dr. Sérgio Moro fez uma apresentação, abrindo os trabalhos, ele disse claramente que a ideia era que tivéssemos uma prisão como regra após o julgamento em segundo grau, após o julgamento da apelação.
Pois bem, essa também é a justificativa do projeto de lei. Se pegarmos aqui a justificativa, há uma passagem em que isso fica expresso. Fica expresso que há uma inversão do ônus da prova, de modo que, se você não precisa mais mostrar a necessidade, essa prisão passa a ser uma prisão automática. Isso também fica claro nos fundamentos que o Projeto de Lei do Senado nº 402/2015 coloca como sendo os fundamentos da nova "prisão cautelar".
Todos esses fundamentos que estão aqui no art. 1º para criar o art. 617-A, quando se diz que a prisão após a sentença condenatória vai ser decretada com base na culpabilidade, nos antecedentes do condenado, consequências e gravidade do crime, esses são elementos que só se podem avaliar após a condenação, e essa é uma condenação definitiva. A ideia de se pegar um elemento da condenação que se considera, então, como definitivo e usá-lo para fixar aquela pena não tem um fundamento cautelar, não tem um fundamento de necessidade, não tem a ideia do que os processualistas chamam de periculum in mora, perigo na liberdade da pessoa, periculum libertatis. Em toda medida cautelar, tem que haver esse perigo, seja a demora daquela decisão judicial que virá, seja a necessidade de se acautelar, de alguma forma, aquela situação.
De modo que, na minha modesta e humilde opinião, nessa parte da prisão cautelar, o projeto de lei é inócuo. Inócuo no sentido de que já há possibilidade de se decretar prisão cautelar a qualquer momento, seja durante o inquérito, seja durante o processo, seja depois de uma sentença, seja depois de um acórdão. A qualquer momento, se houver essa necessidade, qualquer juiz pode decretar essa medida cautelar, e não precisa desse projeto de lei, não precisa desses fundamentos para isso.
Não é um projeto inócuo se ele quer criar uma prisão automática após a sentença condenatória. Nesse caso também, na minha humilde opinião, ele é inconstitucional. Inconstitucional porque, ao longo do tempo, desde a Constituição de 1988, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o próprio Congresso Nacional, pouco a pouco, foram expurgando do ordenamento jurídico brasileiro todas as hipóteses de prisão automática. Nós tínhamos uma prisão decorrente da sentença condenatória; essa prisão foi expurgada. Nós tínhamos uma prisão decorrente do acórdão condenatório; ela foi expurgada. Nós tínhamos uma prisão decorrente da decisão de pronúncia, quando o réu era, então, levado a julgamento pelo júri; ela foi expurgada.
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Nós tivemos leis que previam a impossibilidade de o juiz colocar uma pessoa em liberdade. O Supremo declarou isso inconstitucional. Depois, o próprio Congresso foi lá e modificou a lei. De modo que, pela experiência - não minha, mas experiência institucional do País pós-88 -, se este projeto de lei for aprovado e, eventualmente, virar lei, muito provavelmente ou o Supremo julgará inconstitucional esse dispositivo ou o próprio Congresso, em breve, o modificará, porque foi o que ele fez, recentemente, com várias disposições do Código de Processo Penal e de algumas leis extravagantes.
Queria destacar um ponto na fala do Dr. Sérgio Moro, que é uma fala muito honesta. Ele diz que a taxa de reversão de decisões condenatórias em recurso especial não chega a 1%. É uma afirmação honesta, mas eu não diria que ela é inteiramente verdadeira no sentido de que as decisões dos tribunais de apelação não são revertidas. Elas são revertidas, elas são revertidas e muito; elas só não são revertidas em recursos especiais.
Como a Drª Procuradora Regional da República que me antecedeu aqui na Mesa falou, elas são revertidas em habeas corpus. E, se olharmos as estatísticas do Superior Tribunal de Justiça em habeas corpus, como base numa pesquisa que foi patrocinada pelo Ministério da Justiça e pelo Ipea, que é o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Governo Federal, nós temos uma taxa média de concessão de habeas corpus pelo STJ de 28%; ou seja, quase 30% de todas as decisões de tribunais de segundo grau são revertidas no STJ. Não é pelo recurso especial, mas é no habeas corpus, que é mais rápido, é mais ágil, é mais célere. Está-se discutindo uma questão de Direito, e muitas vezes a questão do recurso especial é mais demorada e não faz sentido.
Se formos isolando isso, se isolarmos, por exemplo, para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que hoje é o Estado que mais prende pessoas, a taxa de concessão sobe para 32%. Ou seja, um terço de todas as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo são revertidas pelo STJ em habeas corpus. Vamos confiar, então, nessa decisão de segundo grau, quando sabemos que um terço delas é revertida? E, mais, se isolarmos o crime de roubo, nós chegamos a 45% de taxa de reversão; se examinarmos o crime de roubo com fixação de regime de pena, de cumprimento, subimos para 62%. Estamos falando de quase dois terços de todas as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo sendo revertidas no STJ. É verdade, não é um recurso especial, mas as decisões dos tribunais de segundo grau - e não é só São Paulo, são todos os tribunais - têm uma alta taxa de reversão.
Isso eu estou falando no STJ, fora que o que passa do STJ o Supremo também reverte. Temos quase 10% de concessão de habeas corpus no Supremo. Então, assim, depois desse grande primeiro filtro no STJ, ainda temos uma modificação também no Supremo.
Há um comentário também do Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil no sentido de que a prisão cautelar já é uma relativização da presunção de inocência. Eu discordo frontalmente dessa afirmação. Não é uma relativização da presunção de inocência. São coisas diferentes. Assim, presunção de inocência é não tratar alguém como culpado antes de uma decisão definitiva. Ponto. Prisão cautelar é prender alguém que precisa ser preso, independente de ele ser culpado, de ele ser inocente. As pessoas inocentes podem ser presas, se elas quiserem fugir. As pessoas inocentes podem ser presas se elas estiverem ameaçando testemunha ou se estiverem destruindo prova. São fundamentos completamente diferentes. Assim, uma coisa é prender a pessoa, porque se chegou à conclusão, definitiva, de que ela tem de ser punida com a pena de prisão. Assim, prisão cautelar não relativiza presunção de inocência. Discordo frontalmente dessa afirmação do Dr., juiz federal.
Qual é a grande questão que nós temos aqui?
O Senador Ricardo Ferraço diz que ele é o autor da PEC 15, de 2011 - é isso, Senador? Pois bem, a resposta para a questão que está sendo colocada aqui é essa PEC.
O ponto é: quer que a decisão de segundo grau tenha plena eficácia? O que você tem de fazer é acabar com o recurso especial extraordinário, porque, enquanto houver um recurso pendente, a tentativa de impor uma prisão, ainda que o projeto a chame de cautelar, não é uma prisão cautelar.
A questão é, com todo o respeito, que a própria justificativa do Projeto nº 402, de 2015, revela que ele não é adequado. Coloca-se aqui na justificativa que a proposta ora apresentada não é redundante em relação à PEC 15, de 2011, denominada PEC dos Recursos, originária de proposição do Ministro Cezar Peluso. Primeiro, porque é uma lei ordinária de mais fácil aprovação no Congresso Nacional do que uma emenda constitucional. É um atalho, é mais fácil. Então, a gente vai fazer isso, enquanto o que, na verdade, o certo é fazer o outro. O certo é o outro. O certo é mudar... Não estou dizendo que eu concordo, mas até poderia concordar.
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E eu realmente acho que, numa reforma de recursos, talvez, a questão do recurso especial extraordinário devesse ser o primeiro ponto para ser objeto de uma análise. Mas a questão é que não podemos, entendendo que uma proposta de emenda à Constituição é mais difícil de ser aprovada, tentar buscar um atalho, tentar buscar um caminho que não é aquele. E aí o projeto, aqui na justificativa, segue.
De todo modo, se a apresentação do projeto de lei do Senado e a discussão decorrente servirem para impulsionar a discussão e aprovação da PEC, também será um ótimo resultado. Quer dizer, a finalidade do projeto é impulsionar a PEC? Isso está aqui. Está escrito na própria justificativa.
E há um terceiro argumento na justificativa que diz assim: "Segundo, porque, no projeto ora apresentado, mantém-se a exigência de 'alguma cautelaridade' na decretação da prisão no acórdão condenatório."
Não existe, com todo o respeito, essa ideia de "alguma cautelaridade", de uma "cautelaridade parcial", de uma "meia cautelaridade". É como se falássemos em gravidez parcial. Não existe. Existe, sim: ou há fundamento cautelar, ou não há fundamento cautelar. Se há fundamento cautelar, precisa da necessidade, precisa da demonstração, naquele caso concreto, de que aquela prisão é necessária, é urgente, enfim. Ou prisão ou qualquer outra medida cautelar.
Nós estamos falando aqui que o réu tem que provar que não vai fugir. Se tiver qualquer suspeita de que ele vá fugir, há várias medidas cautelares, como proibir que ele saia da comarca, exigir que ele apresente passaporte. Quer dizer, nós não trabalhamos só na questão binária prisão/liberdade. Há uma série de outras medidas cautelares que podem ser utilizadas em outras situações.
Com relação aos comentários ponto a ponto - e aqui nos quatro minutos que me restam -, eu queria dizer, enfim, que essa questão da prisão pós-acórdão condenatório ou é desnecessária, ou é inconstitucional, como eu disse.
Há aqui uma possibilidade de decretação da prisão caso o produto do crime não seja recuperado. Isso é praticamente criar uma nova prisão por dívida, que é vedada pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Em 1996, nós já tiramos isso do nosso Código Penal, o artigo que previa conversão do não pagamento de multa em prisão. Então, nós também tiramos isso. Quer dizer, é claramente uma situação que vai encontrar alguns problemas seja no nosso Supremo Tribunal Federal, seja na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Quando o projeto declara uma inversão do ônus da prova, isso também será um problema sério perante o Supremo Tribunal Federal. Eu considero a comparação com a Lei da Ficha Limpa. É inadequada. Eu acho que a Lei da Ficha Limpa traz efeitos eleitorais, e não efeitos penais. Enfim, não se trata da liberdade da pessoa, mas de requisitos de elegibilidade. A pessoa condenada em segundo grau continua podendo votar; só não pode inscrever-se para ser eleita; então, uma coisa é uma coisa, a outra coisa é outra coisa.
Eu acho que o mecanismo dos arts. 637 e 638 é extremamente burocrático, redundante e ineficiente, quando diz que se prende a pessoa, e o tribunal superior, então, poderá analisar se é o caso de prender ou não.
Por que isso é redundante? Redundante porque a condição para que o tribunal não prenda é examinar se o recurso é cabível. E esse exame já foi feito no tribunal de origem. Então, seria fazer um novo exame de algo que já foi feito.
É burocrático porque se cria, na verdade, um novo recurso. Nós estamos tentando diminuir os recursos, e nós criamos um recurso novo. Quer dizer, você faz um recurso especial, e depois você tem que fazer uma nova petição ao tribunal superior para que ele cancele aquela medida cautelar? Não faz sentido.
E ele é ineficiente, porque a grande verdade é que, se esse tribunal em segundo grau decretasse uma medida cautelar, uma prisão preventiva, seja no regime atual, seja pelo novo regime, também não faz sentido criar essa petição ao tribunal superior. Todos iriam impetrar habeas corpus. Então, esse disposto que está criado no §1º e no §2º dos arts. 637 e 638 pela nova redação, na minha opinião, vai contra o espírito do projeto, que é tentar tornar a parte de recursos mais célere e mais efetiva.
Na parte sobre embargos infringentes, há uma pequena correção: hoje, no art. 609 do Código de Processo Penal, não se fala em tribunais regionais federais. Já que nós estamos modificando, podíamos corrigir, pois o CPP só fala em tribunais de Justiça. Podíamos corrigir e colocar Tribunal Regional Federal.
A questão da dosimetria, que foi colocada aqui pelo Dr. Marcelo Semer, eu acho fundamental. Eu acho que os embargos infringentes, pelo projeto, seriam só para absolvição, e hoje servem também para dosimetria. Eu confesso que, quando o Dr. Marcelo diz isso, eu não sei qual é o percentual de embargos infringentes usado para se discutir a dosimetria. E também não me sentiria à vontade para opinar sem saber esse número.
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Acho que seria temerário, eventualmente, avançar numa mudança legislativa sem saber se isso são 10% ou se isso são 90% dos embargos infringentes. Não é uma pesquisa difícil de ser feita. Os tribunais têm esse número. Então, é um dado fácil de ser obtido para poder subsidiar a Comissão.
E, ainda que a gente avance para ficar só na absolvição, as hipóteses do 609 deveriam ser ampliadas não só para absolvição, mas qualquer causa de extinção da punibilidade e, eventualmente, concessão de perdão judicial.
Na parte dos embargos de declaração, há a questão da multa dos embargos protelatórios. Eu acho absolutamente razoável que você multe embargos protelatórios. Eu só não multaria o primeiro embargo protelatório. Por que eu não multaria o primeiro embargo protelatório? Porque, muitas vezes, o advogado, a Defensoria Pública ou o próprio Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual é obrigado a fazer embargos de declaração. Hoje, nós temos duas súmulas do Supremo, Súmula nº 282 e Súmula nº 356, que obrigam a parte a fazer embargos de declaração se quiserem fazer depois um recurso especial extraordinário. As duas súmulas dizem: “Não cabe o recurso especial se a questão não foi pré-questionada ao menos em embargos declaratórios”. Então, os primeiros embargos de declaração, enquanto não mudarem essas súmulas do Supremo, as partes serão obrigadas a fazer, por um dever de oficio, porque têm de bem desempenhar o seu múnus.
Agora, uma vez já feitos os embargos, sendo rejeitados, ou seja, a questão já ficou ali esclarecida, pelo menos o que estava implícito ficou explicito, aí, sim, os segundos embargos declaratórios, se forem considerados protelatórios, acho razoável multar, sim, porque é a ideia de celeridade e não se ter lá embargos dos embargos dos embargos. E ainda que seja, talvez, episódico, com poucos casos, que se punam os poucos casos.
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO BOTTINO DO AMARAL - Faria também uma sugestão, se me permitissem, de que essa decisão não coubesse ao relator, mas ao tribunal, Imaginem o relator dizendo: “Esses embargos são protelatórios”. Se o relator diz isso, virá um agravo regimental para levar essa questão ao órgão colegiado. Se a gente está falando de tribunais, todas as decisões têm de ser de órgãos colegiados, porque, se não o forem, as decisões do relator serão levadas por agravo ao órgão. Então, no próprio art. 620, quando diz “o relator ou o tribunal”, cortar “relator”, deixar “tribunal”, porque, senão, na verdade, dá-se ensejo para mais um recurso, que é tudo que a gente quer evitar.
Na questão da revogação do art. 600, §4º, eu acho perfeita aquela ideia de você arrazoar somente em segundo grau. Perde-se muito tempo com isso, não faz o menor sentido, mas eu iria além: acho que essa questão também tem de ser conjugada com a própria forma de interposição de uma apelação.
Como funciona, hoje, Senador?
A parte interpõe uma apelação, um termo, basicamente uma página dizendo: "Quero apelar".
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO BOTTINO DO AMARAL - Tem cinco dias para fazer isso. E, aí, passa um tempo, e o juiz, depois, intima essa pessoa para apresentar as razões num prazo de oito dias. Qual o sentido de se fazer essa separação? Por que não dar um prazo de 15 dias para a pessoa fazer as apelações já com as suas razões? Porque, hoje, a celeridade ganhará muito se eliminarmos o tempo morto, que é o tempo de processamento no cartório. O tempo de a pessoa fazer um termo de apelação, esperar o juiz intimar para ela apresentar as razões, em vez de oito dias, pode levar 80 dias. Se é para dar celeridade, as modificações mais importantes estão lá no 593, no caput do 600 e no 578 do CPP. Ali, sim, vamos ganhar bastante tempo no processamento desses recursos, não é isso?
E eu também sugeriria uma articulação com o 577, que diz que o réu pode apelar, independentemente do seu advogado. Então, já tem de prever. O réu manifestou desejo de apelar? O juiz, imediatamente, intimará o advogado constituído para que ele, então, apresente as razões, faça as razões.
Eu teria outras sugestões também na questão da citação do condenado, na hora de citá-lo. Há a previsão de 90 dias para se citar por edital; poderia ser incluída a citação por hora certa, que é o que já existe no processo penal comum; o prazo do edital poderia ser diminuído para 15 dias. Enfim, há outras formas de dar eficiência ao processo sem enfrentar esses - vou chamar de - obstáculos constitucionais, como se a nossa Constituição fosse um obstáculo. Ela não é, definitivamente, um obstáculo, ou, se o é, é um obstáculo bem-vindo.
Nesses 20 segundos que me restam, vou ler um trecho aqui:
É restringida a aplicação do in dubio pro reu, é ampliada a noção de flagrante delito para o efeito da prisão provisória. A decretação da prisão preventiva, que, em certos casos, deixa de ser uma faculdade para ser um dever imposto ao juiz, adquire suficiente elasticidade para tornar-se uma medida plenamente assecuratória da efetivação da Justiça penal.
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO BOTTINO DO AMARAL - Isso que eu li, Sr. Senador, é a exposição de motivos do CPP atual, de 1941.
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Isso é o que estava sendo falado sobre a ditadura do Estado Novo. Por isso, os colegas que me antecederam trouxeram essa ideia da ditadura, pois esse Código de Processo foi gestado numa ditadura. E quando a gente diz que quer criar novas prisões automáticas, ou seja, sem uma fundamentação cautelar, sem demonstrada a necessidade no caso concreto, isso atrai esses argumentos de autoritarismo. Não é que os colegas que me antecederam quisessem dizer que os proponentes ou os Senadores fossem autoritários, mas lembrar que medidas semelhantes foram tomadas em Estados autoritários.
Sobre a questão dos Estados Unidos e da França, só para rebater, o ponto é que nem a constituição dos Estados Unidos prevê a presunção de inocência, nem a constituição francesa prevê a presunção de inocência da forma como a Constituição brasileira a prevê. Nossa Constituição prevê a presunção de inocência, sim, como regra. Ninguém pode ser tratado como culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Logo, não pode haver efeitos que decorram simplesmente da sentença antes de uma decisão final. Isso é uma cláusula pétrea.
Então, só para terminar. Eu não faço discursos bonitos, mas às vezes me ocorrem algumas coisas. Ocorreu-me uma história que todos os senhores devem conhecer. É a história de Ulisses, aquele sujeito engenhoso, grego, que bolou o cavalo de Troia. Quando ele tem de voltar para casa, após uma viagem longa, passados dez anos, há um determinado momento em que ele tem de passar por uma região habitada por sereias. E o que são as sereias? São aqueles seres que têm aquela voz melodiosa, que encantam as pessoas, que seduzem os homens. E Ulisses tem que passar por aquele local perigoso e tem uma ideia. Como é engenhoso, ele manda que os marinheiros coloquem cera de abelha nos ouvidos, que era para não se encantarem com aquele canto das sereias. Mas ele mesmo, Ulisses, pensa assim: "Poxa! Eu não posso perder uma oportunidade única na minha vida, que é a de ouvir o canto de uma sereia."
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO BOTTINO DO AMARAL - Então, ele determina que seja amarrado no mastro do navio. E quando ele está passando lá pelo local, Senador, o que acontece? As sereias cantam, e ele, então, como não poderia deixar de ser, se apaixona, perde a razão, e determina aos marinheiros que o desamarrem, porque ele vai pular ao mar. Mas os marinheiros não lhe obedecem. E, depois, ele segue caminho. Por que os marinheiros não lhe obedeceram? Porque ele havia dito aos marinheiros que acontecesse o que acontecesse não deviam desamarrá-lo do mastro do navio.
Então, há um filósofo americano chamado Jon Elster, que compara Ulisses amarrado ao mastro do navio a nós, amarrados à nossa Constituição. Então, nós estamos amarrados a uma Constituição e nós temos cláusulas pétreas para justamente em momentos como estes, em momentos em que há um clamor público, em momentos em que há uma demanda, que nós não nos deixemos cair em tentação - usando a expressão do Dr. Dieter - e para que nós não modifiquemos algo que o Constituinte originário entendeu como sendo essencial para a caracterização de um Estado democrático de direito.
Eram essas as minhas contribuições, Senador.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Concedo a palavra ao Sr. Gustavo Virginelli, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.
O SR. GUSTAVO VIRGINELLI - Boa tarde a todos!
É com extrema satisfação que a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais vem a esta Casa expor o seu posicionamento acerca do PLS nº 402, de 2015. A primeira coisa que eu pude analisar lendo o projeto é que realmente ele visa acabar com essa impunidade que tanto se prega e que na verdade eu entendo que é uma falácia, principalmente quando nós estamos falando de 40%, como citado pelos outros colegas, de presos provisórios. Desses 40% de presos provisórios, certamente, a esmagadora maioria é potencialmente assistida pela Defensoria Pública.
O que eu quero dizer é que a aprovação deste projeto certamente será um retrocesso em todo o ordenamento jurídico penal. Por quê? Como já dito pelos meus antecessores, o Supremo Tribunal Federal, todas as vezes em que o Congresso Nacional tentou abstratamente, por meio da lei, fixar que seria obrigatória a prisão, ou que a liberdade provisória seria vedada, como na Lei de Drogas, ou que seria proibida a conversão da pena restritiva de direitos, no caso de drogas também, julgou isso inconstitucional. Então, qualquer vedação, qualquer prisão automática, o Supremo Tribunal Federal, e aí sem medo de errar, de maneira pacífica entende como inconstitucional.
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Mas para não me alongar aqui na questão teórica e, para não repetir o que os meus antecessores falaram, vamos trazer alguns casos práticos para ilustrar o quão perigoso é esse PLS 402, de 2015.
O que o presidente da Ajufe, Dr. Sérgio Moro, trouxera aqui que, sem chance de erro do judiciário, é que seria somente após o tribunal apreciar, em colegiado, por três desembargadores. E eu, como atuante no TRF 1ª Região aqui no Distrito Federal, cito um caso recente, do mês passado, inclusive, em que - e aí vou ilustrar para quem não é operador de Direito - existe uma hipótese no procedimento ordinário que a pessoa é absolvida sumariamente. Então, após a pessoa ser citada, ela apresenta uma defesa preliminar ou resposta à acusação e ali ela pode ser absolvida, desde logo, então sem ser interrogada, sem ouvir testemunha, sem apresentar maiores provas, ela já é, de imediato, absolvida.
Isso aconteceu no caso que eu atuei e, dessa decisão absolutória, que absolveu desde logo essa pessoa, o Ministério Público recorreu. Resultado, após o parecer do Ministério Público, que era pelo provimento do recurso, mas para o retorno dos autos à origem, para que houvesse a regular instrução do processo, o tribunal, de forma equivocada - isso não aconteceu uma vez, aconteceu por mais de uma vez -, deu provimento ao recurso e condenou a pessoa à prisão de dois anos de reclusão.
A minha pergunta é, se o PLS estivesse em vigor, essa pessoa, de maneira equivocada, condenada por um órgão colegiado poderia vir a ser presa, por conta da previsão do PLS 402, de 2015.
Mas tem mais, essa pessoa estava sendo assistida pela Defensoria Pública. Até que a Defensoria Pública tivesse ciência - como teve - dessa arbitrariedade - por assim dizer -, certamente, essa pessoa já poderia ter amargado alguns meses de prisão indevida, porque o correto, como até no parecer no caso do Ministério Público era para que o processo retornasse à origem para que a pessoa fosse interrogada, para que fossem ouvidas as testemunhas, enfim, para que o processo estivesse regular.
Então, o fato de a prisão, por esse PLS, ser decidida por um órgão colegiado, não isenta de máculas e possibilidade do colegiado cometer o equívoco - como ocorreu -, como eu disse, por mais de uma vez, aqui no TRF da 1ª Região.
Então, eu trago esse caso prático aqui para ilustrar o quão problemático é esta questão de querer combater a impunidade, entre aspas, "a qualquer custo". A gente sabe, como diz aquele ditado, que "a serpente só morde os descalços". Então, certamente, no afã de atingir a população ou a pequena parcela dos clientes da seara criminal que são as pessoas mais abastadas, certamente, atingiremos aqueles mais necessitados e que frequentemente estão batendo às portas da Defensoria Pública. É por esse motivo que eu falo que essa questão deve ser analisada com a devida cautela para que não alimentemos e não aumentemos essa estatística absurda dos 40% já trazida aqui.
Outro dado que eu trago aqui é que se fala em prescrição aqui, se fala em impunidade, porque a pessoa leva adiante a questão dos processos, mas ninguém trouxe aqui a questão daquelas pessoas que ficam presas além do tempo. E aí eu posso falar, com experiência de quem atua aqui no TRF 1, que muitas e muitas mulas do tráfico, condenadas em primeiro grau de jurisdição lá na fronteira com o Paraguai, que tomam pena de seis anos de reclusão, vêm aqui e recebem uma pena de um ano e dez no TRF. Consequência, essa pessoa já está presa cinco anos, preventivamente. Qual é a última frase, o último despacho do relator no caso? "Expeça-se alvará de soltura, posto que já cumprida integralmente a pena, se por outro motivo essa pessoa não estiver presa."
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A quem cabe indenizar essa pessoa que ficou presa cinco anos, sendo que a pena definitiva dela foi de dois anos? Certamente, e a jurisprudência é neste sentido, não é o Judiciário, porque vão entender que aí não há um erro judiciário e, sim, uma divergência de interpretação. O juiz de primeiro grau, de forma totalmente independente, entendeu que a pena correta seria de seis anos, ao passo que o tribunal reformou para dois anos. Então, eu pergunto: por esses quatro anos que a pessoa ficou presa a mais, quem pagará?
São esses casos práticos que eu venho trazer, sem me alongar na questão da doutrina, para dizer que esse PLS pode aumentar a estatística e colocar o Brasil não em terceiro ou em quarto entre aqueles que mais prendem no mundo e, sim, quiçá, em primeiro lugar. Eu acho que isso, sob o aspecto internacional, não é interessante ao País. Nós devemos nos louvar das nossas virtudes e não de prendermos e não de sermos a maior população carcerária.
Pelos descalços, por aqueles que mais precisam da Defensoria Pública, por aqueles que mais frequentam o cotidiano criminal, é que eu peço encarecidamente que esse projeto seja rejeitado na origem.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Concedo a palavra ao Sr. Pedro Paulo Guerra de Medeiros, Conselheiro Federal da OAB.
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Muito boa noite. Boa noite aos ilustres Senadores, àqueles que agora acompanham esta reunião da Comissão de Constituição e Justiça, ao eminente Senador José Pimentel, que preside esta reunião.
A Ordem dos Advogados do Brasil, mais uma vez, quer aqui reiterar sua satisfação em poder contribuir com o Congresso Nacional, em especial com esta Casa legislativa, a Câmara Alta, o Senado, na discussão desse assunto, que é hoje, sem dúvida, o assunto que mais aflige a sociedade brasileira, que é a criminalidade que tanto nos aflige. Não há dúvida - e isto ficou muito claro nas últimas eleições, em que os mais votados foram aqueles que discutiram esse tema junto a seus eleitores - de que hoje o tema que mais interessa à sociedade é saber como diminuir a criminalidade que aflige a população brasileira. E o tema que hoje nos traz aqui, o PLS 402, é, de fato, um projeto que tenta tratar do problema da alta criminalidade.
Para auxiliar na minha explanação, eu trouxe um PowerPoint, que deve logo começar a funcionar, acredito.
De qualquer forma, a OAB já apresentou e já pôde encaminhar aos eminentes Senadores uma nota técnica - acredito que S. Exªs já tenham recebido - em que deixa claro o seu posicionamento quanto ao PLS 402. Ao final, ela opina, concluindo, pela rejeição do PLS 402, assim como a Defensoria Pública o fez e vários daqueles que me antecederam também o fizeram. Não que a OAB, sob qualquer circunstância, seja contra o combate à criminalidade, ou seja, contra qualquer forma de modernização ou aperfeiçoamento legislativo que venha a auxiliar os mecanismos de prevenção e combate à criminalidade. De forma alguma.
A única conotação que se pretende dar a essa nota técnica, que, ao final, sugeriu a rejeição do PLS, é que a proposta, como apresentada, violaria cláusulas previstas na Constituição que, por lei, não poderiam ser modificadas. À exceção de dois únicos pontos, que estão no PowerPoint que logo será apresentado, nós da OAB dissemos ainda que não há problema algum que fossem aprovados esses dois pontos unicamente, que são aqueles relativos aos embargos infringentes e aqueles relativos à retirada da possibilidade de apresentação de razões de apelação em segunda instância, que, de fato, é uma questão que faz com que o processo delongue além do esperado. Mas me parece que estes dois pontos relativos aos embargos infringentes e à ausência de possibilidade de apresentação de razões do recurso de apelação na instância superior já são objeto de um projeto que será encaminhado ao Congresso pelo Grupo de Trabalho Anticorrupção do Ministério da Justiça.
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Foi formulado um grupo de trabalho no Ministério da Justiça, grupo esse composto por vários organismos, várias instituições, CNJ, CNMP, Ministérios Públicos estaduais, Ministério Público da União, AGU, CGU. Durante vários meses nos reunimos e trabalhamos modificações legislativas para acelerar julgamento de crimes contra corrupção, crimes de improbidade administrativa e formas de evitar a lavagem de dinheiro. Foi feito, então, um esboço, um projeto geral, que será encaminhado ao Congresso.
Nesse projeto, já sugerimos que se acabe com a possibilidade de apresentação de razões de apelação em segunda instância e igualmente sugerimos que os embargos infringentes se adequem ao modelo que apresentamos.
Tomamos por empréstimo a previsão do Código de Processo Civil atual, porque os embargos infringentes como estão no Código de Processo Penal atual ficam mancos. Na verdade, o Código de Processo Civil se atualizou e o Código de Processo Penal não. O Código de Processo Civil trata da parte unânime não unânime e o Código de Processo Penal não trata disso. Então, apresentamos uma redação mais adequada. Por isso sugerimos a rejeição do 402 como um todo, porque esses dois pontos já virão pela proposta do Grupo de Trabalho Anticorrupção, do qual tive a honra de fazer parte.
Já com o material na tela, tomo a liberdade de iniciar rapidamente pela apresentação deste que modestamente lhes fala e com muita honra.
Represento a OAB no Conselho Nacional do Ministério Público e no Grupo de Trabalho Anticorrupção do Ministério da Justiça. A opinião que aqui trago, em que pese ser a opinião da Ordem dos Advogados do Brasil, é uma opinião já filtrada e que passou por discussões também em órgãos persecutórios. Eu tenho convivência com órgãos do Ministério Público, pois participo do Conselho Nacional do Ministério Público, e do Grupo de Trabalho Anticorrupção. Então, as propostas, as sugestões e ponderações que aqui trago não são exclusivas nossas. São já fruto de um trabalho coletivo.
Qual a intenção do PLS 402? Essa é a grande discussão. Diminuir a sensação de impunidade? Diminuir a criminalidade? Evitar que criminosos perigosos fiquem soltos aguardando o fim do processo? Diminuir o tempo entre o começo e o fim dos processos? Os processos demoram muito! Desafogar os tribunais superiores? Readequar o sistema recursal a uma nova realidade já que estamos muito longe do regime militar? Na justificativa do PLS se diz isto: "Olhe, o regime militar ficou muito longe. Não precisamos de tantas garantias mais." Eu me lembro, e já li a respeito, de ter lido isso em artigo de jornal em 1963, onde se dizia isto também: não precisamos nos preocupar. Até que, em 1964, nós tivemos o regime militar.
Primeiro ponto, para nós diminuirmos a sensação de criminalidade nós temos de diminuir a criminalidade e não a sensação. E como vamos diminuir a criminalidade em si e não simplesmente a sensação? As medidas todos nós sabemos, sem romantismo: dar educação, saúde, trabalho, esporte, moradia e dignidade. Temos que tratar a causa do problema e não os sintomas.
Vamos investir nas polícias preventiva e investigativa, mais investimentos no Ministério Público, mais juízes e mais servidores para auxiliá-los. Não vamos ficar tratando o sintoma. Vamos tratar quem combate a criminalidade: mais juízes, mais promotores, mais delegados, viaturas com combustível, viaturas com pneus funcionando, viaturas que funcionem, delegacias com internet, com luz, delegacias que não estejam caindo aos pedaços. Se o sistema não funciona, eu vou dizer que o problema é o recurso?
Eu cometo um crime. Eu sei que a chance de uma polícia me investigar e eu ser pego é mínima. Agora, já que você foi processado, vou insistir para que você seja punido antes da hora porque, já que você foi o único que a polícia conseguiu prender, eu vou te punir logo para servir de exemplo. Não. Vamos investir para que haja mais delegados, polícia, mais laboratórios de investigação. Aí, sim, aquele sujeito vai pensar duas vezes antes de cometer qualquer crime. Não é só crime de corrupção, não.
Aliás, crime de corrupção é um crime muito pequeno. Dos vários crimes que acontecem no Brasil, os piores não são o de corrupção, não. Mas são os que aparecem na televisão. Por isso que nos preocupamos tanto com ele. O grande problema não é o crime de corrupção. Vai perguntar para as classes B, D, E qual é o crime que os assola, se é a corrupção? Não é.
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Vejam só, hoje, no atual Código de Processo Penal, nos arts. 312 e 313, já existem as hipóteses de prisão preventiva que podem ser determinadas em qualquer fase. Eu posso ter prisão preventiva hoje, com o Código de Processo Penal atual, em fase de investigação, ou seja, na fase de inquérito. Está aqui a prova: o Dr. Moro, que determinou prisões preventivas ainda em fase de inquérito. Isso está previsto na lei. Ele não precisou da modificação legislativa. E não precisou de ser colegiado. S. Exª entendeu cabível e determinou prisões preventivas na fase de inquérito.
Eu posso determinar na fase de ação penal? Posso. E posso também na fase recursal. Fiz um recurso de apelação, fiz um recurso especial, o desembargador ou o ministro entendeu que é o caso de determinar prisão preventiva? Se estão presentes os requisitos, ele determina. Já está no Código de Processo Penal hoje. Eu não preciso modificar a lei. Isso é apenas uma tentativa de dar uma satisfação para a sociedade de algo que já existe!
A lei, o Código de Processo Penal diz: olha, quando você condenar alguém, você, juiz, tem que dizer se ele pode recorrer em liberdade ou se vai ficar preso. E se ficar preso, justifique o porquê. Se você mandar alguém a juri, pode mandar prender, mas justifique o porquê. Olha, você vai recorrer? Não tem problema, mas só vai responder em liberdade se não estiverem presentes os requisitos da preventiva. Se estiverem, você vai ficar preso. Já está no Código de Processo Penal brasileiro atual!
Quais são os tipos de prisões que nós temos hoje, no Brasil? Penal, civil e cautelares. Rapidamente, qual a diferença entre elas?
A prisão penal é a que eu tomo porque fui condenado, recebi um processo, contraditório, ampla defesa; ao final, recebi uma pena; sobre essa pena eu recorri, transitou em julgado e agora vou cumprir minha pena. Essa prisão é em razão da pena que eu levei. Essa é a prisão penal.
E a prisão civil? É o devedor de pensão alimentícia. É outra história. Não estamos discutindo isso aqui.
E a prisão cautelar? É essa a prisão que nós estamos discutindo. Essa prisão não exige pena. Eu não preciso ser condenado para receber uma prisão cautelar. Essa pode ser determinada a qualquer tempo. Ela é preventiva ou temporária. Qual a diferença entre elas? A prisão temporária é só para fins de investigação. Preciso da pessoa aqui presa para que se investigue alguma coisa. Prendo-a temporariamente. Qual o prazo? Cinco dias prorrogáveis por mais cinco, ou trinta prorrogáveis por mais trinta se for crime hediondo. Essa é a prisão temporária: para investigar, com prazo fixo.
E a prisão preventiva, de que nós tratamos? Essa não tem prazo e pode ser determinada a qualquer tempo. Mas quais são os requisitos dessa prisão preventiva? Primeiro, não é qualquer crime; é crime com pena superior a quatro anos. Portanto, não é crime pequeno. Eu preciso ter indícios de materialidade e de autoria, e não tem prazo definido. Eu preciso ter indícios de materialidade e de autoria! Não basta simplesmente pegar alguém na rua e dizer: "Vou determinar a sua prisão preventiva." Não. Eu tenho que ter indícios de que ele cometeu um crime, de que ele é o autor e de que o crime tenha pena superior a quatro anos.
Isso é suficiente? Não! Além disso, eu preciso ter mais um requisito: o perigo que esse sujeito apresenta se ficar solto, que é o periculum libertatis, que na prática é eu ter de mostrar que a pessoa vai fugir, ou que vai cometer outro crime, ou que vai atrapalhar o curso do processo, ou que vai descumprir medida protetiva. Se não estiver presente uma dessas quatro hipóteses, eu não tenho porque determinar a prisão preventiva de alguém.
Ah! O crime é grave, o crime saiu na capa do jornal, o crime saiu na Globo. Não enseja prisão preventiva. Eu preciso dele preso para confessar, para delatar alguém... Isso não está previsto aqui.
O precedente, tanto dito aqui pelos que me antecederam, esse Habeas Corpus nº 84078, tenho a honra de dizer que foi impetrado pelo nosso escritório. Vejam só, impossibilidade de execução provisória da pena, salvo com anuência do condenado ou se apresentem requisitos à prisão preventiva. Em bom português, o sujeito foi condenado? Tem o direito de ficar solto e recorrendo, mas se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, ele vai ficar preso! É isso que nós queremos.
Não preciso da lei nova, a lei atual já é assim. E foi isso que o Supremo disse. O Supremo não disse nada demais. Ele disse exatamente o que nós queremos. O que o PLS quer. Olha, o sujeito é presumivelmente solto, inocente. Mas se há aqueles requisitos da preventiva, ele vai ficar preso. Ponto final. Independentemente da previsão constitucional. Já é assim!
O que se tem dito? Ah, o que afoga o Judiciário é a matéria penal, são esses advogados que ficam recorrendo em matéria criminal. Está bom. Está aqui: Supremo em Números. Isso é dado oficial do próprio Supremo. Quem é que mais afoga o Judiciário? Coluna azul: Direito Público, Fazenda Pública, Executivo. E a matéria penal e o Processo Penal, onde ficam? Os últimos dois coloridos: Direito Penal e Processual Penal. Você nem nota. São os dois últimos. São insignificantes nos Tribunais Superiores, no Supremo principalmente.
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Que diferença que vai fazer o PLS se a intenção for desafogar o Judiciário? Não faz a mínima diferença. Se é condenar o sujeito antes, pode ser, mas para desafogar o Judiciário não serve, porque eles não são sequer significativamente quem afoga o Poder Judiciário, mas a Fazenda Pública é. Vamos ver daqui a pouco quem é essa Fazenda Pública.
Vejam só: recursos que chegam ao Supremo Tribunal Federal representam 10%, o resto é matéria constitucional e ordinária, constitucional incluindo habeas corpus. Mas o resto não é recurso. Então, o recurso extraordinário em matéria criminal não é o que afoga o Supremo Tribunal Federal. Isso é falácia. Nós temos que tratar com dados e não com paixão.
Digo mais, desde que se aprovou a Emenda Constitucional nº 45 que se instituiu o requisito da repercussão geral e dos recursos repetitivos, o número de recursos tem decaído cada vez mais. Olha o número de recursos caindo no Supremo. Ou seja, tende a cair cada vez mais. Do jeito que já está, não preciso mudar nada, não preciso do PLS, o número de recursos já está caindo. É isso que queremos, reduzir o número de recursos? Já está acontecendo. Não vamos precisar do PLS 402.
Partes que mais se utilizam de recursos, vejam só, em azul, o Executivo. Em qual âmbito? Federal. Vejam se as partes privadas utilizam-se do Supremo? Não, mínimo, é mínimo. O 402 vai mudar o quê? Nada. Com o 402 a gente consegue ir à Fazenda Pública, à Caixa Econômica Federal e à União dizer: "Vocês parem de recorrer?" Lógico que não, que diferença vai fazer? Para desafogar o Supremo? Nada.
Vejam quem mais recorre no Supremo. Em primeiro lugar, Caixa Econômica Federal; segundo, União; terceiro, INSS; quarto, Estado de São Paulo; quinto, Banco Central. Vejam só, são só entidades públicas. Onde estão os pobres coitados dos acusados? Não digo nem acusado, não, coitado no sentido de que estão tentando violar os direitos fundamentais. O sujeito é criminoso, tem que ser condenado, mas respeitados os direitos fundamentais dele. Vejam quem afoga o Supremo.
O acúmulo de recursos, portanto, não é culpa do processo penal nem dos advogados privados. Os direitos e garantias fundamentais na Constituição não podem ser reduzidos, mitigados ou amesquinhados a pretexto de reduzir a criminalidade ou desafogar os tribunais superiores.
O Grupo de Trabalho Anticorrupção do Ministério da Justiça - disse isso agora, há pouco - vai encaminhar ao Congresso algumas propostas que foram discutidas e aprovadas visando à aceleração do julgamento de ações criminais, lavagem de capitais, corrupção e atos de improbidade. Duas delas já estão no PLS, que são: apresentação de razões em segunda instância e embargos de divergência. Isso já está na proposta que será encaminhada.
O tema Retirada de Efeito Suspensivo nos Recursos aos Tribunais Superiores, exatamente do que trata o PLS 402, não encontrou unanimidade nem no grupo de trabalho do Ministério da Justiça, ou seja, nem lá foi unanimidade essa discussão. Nem lá se entendeu que isso seria algo benéfico para aceleração nos julgamentos. Então, deixamos de lado essa discussão, para se ter uma ideia de como isso não é algo tão simples.
E mais. Queremos acelerar os processos de qualquer forma, não só matéria penal. Não precisa. Na Lei nº 8.038, já existe a previsão de que os recursos de matéria cível não têm efeito suspensivo. Portanto, eu não preciso do 402 para dizer que os recursos aos tribunais superiores não terão efeito suspensivo nas matérias extrapenais, porque a Lei nº 8.038, que regula a matéria nos tribunais superiores, já diz isso. Se você fizer recurso especial e recurso extraordinário ao Supremo ou ao STJ, os seus recursos não terão efeito suspensivo. Já está na Lei nº 8.038. Por que eu não aplico isso em matéria penal? Porque eu tenho uma previsão constitucional dizendo que só com o trânsito em julgado eu posso executar a pena. O Supremo deixou isso claro no HC 84.078.
Então, se eu quero fazer com que os recursos da Caixa Econômica, da União Federal, do INSS sejam logo executados, eu não preciso, já está na lei.
Como está meu tempo? Está acabando? Já acabou há muito tempo.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Quatro minutos.
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Quatro minutos para terminar ou eu já passei?
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - São quatro minutos, mas se quiser terminar antes...
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Estou terminando, está no final.
Fala-se, portanto, que esse PLS vai descongestionar o tribunal e o Supremo. Mas eu pergunto: há questão de maior magnitude do que a liberdade ou a celeridade é mais importante que a liberdade?
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Bom, com a aprovação no projeto, a decisão condenatória poderá ser eventualmente apreciada pelos tribunais de Brasília já quando a liberdade tiver sido atingida, quando o sujeito já estiver preso. Mas a pergunta é: quem vai, depois, resolver o problema de que o sujeito ficou preso além da conta e foi eventualmente absolvido? Quem vai pagar a conta? Isso é muito dito aqui. E aí? Quem resolve o problema? Vou entrar com uma ação rescisória? Vou entrar com uma ação indenizatória? Isso não cabe.
Só para finalizar, trago aqui uma informação prestada pelo próprio Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Ele disse o seguinte: "aproximadamente um terço dos condenados tiveram sua inocência proclamada pelo Supremo Tribunal Federal." Então, eu pergunto: um terço; vamos acabar com os recursos? Deixa o sujeito preso, um terço dos presos vai ter sua inocência reconhecida. Até lá ele fica preso. Está linda a história, desde que não seja comigo, com meu filho ou com meu pai. É o preço que nós queremos pagar? Esse é o preço para viver na sociedade, para viver numa democracia e no mundo ocidental. Vamos querer pagar esse preço?
O princípio da não culpabilidade já foi dito aqui, eu apenas vou repassar rapidamente. Ele está na Constituição, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Declaração da Revolução Francesa, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos. À exceção da Constituição, por óbvio, todos são tratados internacionais. A Declaração Universal é tida como um tratado, mas é uma questão mais semântica, mais acadêmica. Todos foram ratificados pelo Brasil e internalizados.
O processo tem por finalidade a proteção dos inocentes frente à atuação punitiva do Estado. Não é um instrumento de opressão; antes, é um meio de assegurar a defesa ampla dos denunciados e a tutela da liberdade. Isso foi dito pelo nosso Presidente do Conselho Federal da OAB, o próprio Presidente Marcus Vinicius Furtado Coelho, que não pôde estar aqui presente porque está presidindo outra comissão, a Comissão de Segurança Jurídica, no próprio Conselho Federal.
"É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente", já dizia Voltaire. Eis por que a OAB se posta contra a aprovação do PLS nº 402.
Muito grato pela honrosa atenção dispensada por esta colenda plateia que ora assiste. Eis que o Senado da República é por certo - e o Congresso Nacional como um todo - lugar correto para se discutirem quais serão os próximos passos da sociedade brasileira.
Muito honrado em estar aqui presente. Eis o contato, caso possa este Conselheiro Federal, este advogado ser de algum auxílio a este Senado Federal.
Obrigado.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Eu quero agradecer os palestrantes, pedir para voltar, e convido o Sr. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal, para voltar à Mesa; o Sr. Antônio César Bochenek, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, também para voltar à Mesa; o Sr. Fábio Zech Sylvestre, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB no Ceará, que parece que dado o avançado da hora, já saiu; e o Sr. Rubens Roberto, que também me parece que já não se encontra mais.
Passo a palavra ao Senador Antonio Carlos Valadares e depois para os nossos expositores, para fazerem as considerações finais.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Presidente, uma sugestão: como existem três cadeiras vazias - há alguns convidados que estão aqui na plateia -, o senhor poderia preencher essas cadeiras e teríamos uma Mesa mais completa.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Então, acolhida a sugestão, o Sr. Marcelo Semer, que é Juiz de Direito do Estado de São Paulo, parece-me que ainda está. Convido-o para voltar à Mesa.
O Sr. Elmir Duclerc Ramalho Júnior, que é professor de Processo Penal da Universidade Federal da Bahia e Promotor de Justiça, também ainda está presente. E convido o Sr. Gustavo Virginelli, que é o Vice-Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.
Portanto, recomposta a Mesa, passo a palavra ao Senador Antonio Carlos Valadares.
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O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Em primeiro lugar, Presidente, eu gostaria de agradecer o empenho e o esforço de todos os convidados a comparecerem hoje à tarde ao Senado Federal para participarem desta audiência pública que é da maior importância para a instrução do Projeto de Lei nº 402, de 2015, que foi apresentado numa hora crucial por que está vivendo a República brasileira, que foi sangrada, que foi humilhada em processos abertos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público quando foram descobertas ações, atos de corrupção que abalaram todo o País.
É a oportunidade de discutirmos, de debatermos esta matéria que tem o condão de, sendo aprovada, apresentar saídas mais avançadas no que diz respeito ao processo penal, muito embora divergências existam a respeito de sua aprovação e o debate que aqui foi travado até agora demonstra que longe de ser uma unanimidade, existe um conjunto de divergências que precisa ser esclarecido. É por isso que eu me dispus, logo na discussão da matéria, a apresentar uma proposição, um requerimento visando à realização desta audiência pública.
Logo ao apresentar esse requerimento, que teria no máximo cinco convidados - não em desapreço aos demais que aqui compareceram - e que fosse realizada pela manhã, já que pela manhã não há Ordem do Dia, somente à tarde e poderia atrapalhar - como atrapalhou - a execução desta audiência pública, logo depois da aprovação estive coincidentemente recebendo a visita do Dr. Antônio César, que é o Presidente da Ajufe e eu disse a ele que iria realizar esta audiência pública e ele se manifestou favoravelmente, disse que seria uma discussão democrática e que ele, se fosse convidado, aceitaria.
Quero agradecer a prestimosidade de V. Exª ao estar nesta audiência pública, como também aos demais, que foram fruto também de meu requerimento, de requerimento do Senador Ferraço e do Senador Humberto Costa, que tiveram essa mesma intenção de levar a público uma discussão mais pormenorizada sobre assunto tão candente e tão importante para a nacionalidade, como é a discussão de um projeto que tem como objetivo, acima de tudo, acelerar os processos penais e evitar a impunidade e a prescrição etc.
Esse projeto, como todos sabem, teve a inspiração da Ajufe e foi assinado pelos Senadores Roberto Requião, do PMDB do Paraná; Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB de São Paulo; Alvaro Dias, do PSDB do Paraná e Ricardo Ferraço, do PMDB do Espírito Santo.
Em diversos trechos da justificativa desse projeto, os seus autores fazem referência à contribuição da Ajufe para o debate do tema. Para a associação, não é razoável transformar uma condenação criminal - ainda que sujeita a recursos - em um nada jurídico, como se não representasse qualquer alteração na situação jurídica do acusado.
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A justificativa ainda faz referência ao fato de os termos originais do projeto de lei terem sido concebidos pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA).
O texto em tramitação prevê que nos casos de crimes hediondos, de tráfico de drogas, tortura, terrorismo, peculato, lavagem de dinheiro, o condenado seja conservado preso quando não tiverem cessado as causas que motivaram a decretação ou a manutenção da prisão cautelar.
A inovação é a possibilidade de decretação da prisão preventiva, se imposta pelo tribunal de apelação pena privativa de liberdade superior a quatro anos. Pela proposta, a decretação da prisão deverá considerar, entre outros elementos, a culpabilidade e os antecedentes do condenado, as consequências e a gravidade do crime, bem como se o produto dele foi ou não recuperado, se houve ou não reparação de danos.
Então, é sobre isso, numa síntese apertada, que eu quero fazer as perguntas, inclusive para aclarar todas as dúvidas que aqui foram anunciadas, começando pelo que eu ouvi do representante da OAB, Dr. Pedro Paulo. Ele mostrou um quadro, no PowerPoint, que fala que os recursos que chegam ao Supremo Tribunal Federal decorrentes de ações penais são recursos infinitamente pequenos em relação aos que são proporcionados por outros segmentos, como por exemplo do Poder Público Federal, a União.
Outra pergunta que foi muito recorrente aqui: vários dos convidados se referiram a essa preocupação, no caso de um preso ser condenado na segunda instância, passar quatro ou cinco anos na prisão, em face de recursos que ele teria ingressado nos tribunais, e lá na frente ele for considerado inocente. Como repor essa perda moral, espiritual, psíquica e também patrimonial para esse réu que foi condenado antecipadamente?
São as primeiras perguntas que eu faço, para dar oportunidade aos que defendem o projeto de mostrar a sua objetividade e a sua importância.
Também sobre a constitucionalidade. Aqui foi referido um HC nº 84.0787. De tanto falarem eu decorei o número. Aqui eu já tenho outro, que é o HC 95.009. Então, este que eu tenho em mãos diz o seguinte:
A prisão preventiva em situações que vigorosamente não a justifiquem equivale a antecipação da pena, sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça, mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (artigo 5º, LVII da Constituição do Brasil), é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. [...]
Relator: Ministro Eros Grau.
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Dessa forma, eu pergunto se há possibilidade de o Supremo julgar - no caso da aprovação da matéria - inconstitucional, após tanto debate e tanto esforço? Não seria mais exequível a aprovação de uma emenda constitucional, porque, aí, garantiria a sua aceitação pelo Supremo? Caso a defesa seja favorável, mesmo a uma lei ordinária, nós queremos ouvir essa argumentação.
Sobre o foro privilegiado, nós sabemos que juízes, conselheiros de tribunais de contas, membros do Ministério Público, Deputados, ou seja, Parlamentares, de um modo geral, têm foro privilegiado por prerrogativa de função. Então, no caso de, por exemplo, um prefeito ser julgado. Segundo esse projeto, a sua última instância é o Tribunal de Justiça. Então, se ele for condenado, ele ainda terá...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ...instâncias como o STJ ou o Supremo. Mas, no caso de, por exemplo, um membro do Ministério Público, um procurador, ser julgado pelo Supremo - ou um Deputado Federal ou um Senador -, ele teria, então, só uma Instância que seria o Supremo. Condenado, não teria outra Instância. Como resolver essa questão tecnicamente?
Os contornos dessa prisão cautelar que o projeto propõe para antes do trânsito em julgado da sentença condenatória parecem, um pouco, indefinidos. Apesar de manter a denominação de prisão preventiva, o desenho que o projeto confere a essa prisão distancia-se do art. 312 do Código de Processo Penal. E a própria justificação do projeto afirma que remetê-la aos fundamentos do art. 312 tornaria a proposição inócua. Por outro lado, desenha-se uma prisão preventiva que ora se assemelha ao cumprimento antecipado da pena. Então, esta é uma pergunta que eu estou fazendo e repetindo as indagações que aqui foram feitas pelos palestrantes: qual foi o critério para a escolha dos crimes que, segundo o projeto, viabilizarão a imposição imediata da nova prisão cautelar?
Já falei sobre os recursos que, segundo a própria OAB, são desprezíveis.
E o projeto amplia as possibilidades de restrição ao direito de liberdade: as pessoas condenadas por crimes graves poderão ser presas antes de esgotados todos os recursos possíveis contra a condenação. Para se manter em liberdade, segundo o texto,...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ... deverá haver garantias de que o condenado não irá fugir, não irá praticar novas infrações penais se permanecer solto. Então, aqui foram feitas diversas perguntas a esse respeito: que garantias são essas? Não existe um excesso de subjetivismo nessas expressões? Seria o perigo abstrato do condenado que legitimaria a prisão? O acréscimo dessas expressões não será capaz de provocar uma enxurrada de habeas corpus perante os tribunais?
Eu estou fazendo perguntas como se eu estivesse do outro lado. Eu tenho a maior simpatia por esse projeto, mas estou fazendo as perguntas justamente como as pessoas que são contra radicalmente esse projeto fariam. E eu estou repetindo para ser justo.
Atualmente, o recurso especial extraordinário tem apenas o efeito devolutivo como regra. O projeto, por sua vez, ...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ... como regra, atribui a esses recursos o efeito suspensivo, salvo em relação às medidas cautelares impostas por decisão condenatória. Aparentemente, nesse ponto, o projeto acaba concedendo um tratamento mais brando ao condenado. Pergunto: haveria aí uma contradição com o objetivo principal do projeto, que seria se conferir maior eficácia à decisão condenatória do tribunal?
E tenho várias perguntas, mas eu vou finalizar com esta última: um dos objetivos do projeto é viabilizar a prisão de condenados por crimes graves. Entre esses, crimes de corrupção ativa e passiva e peculato, que são crimes contra a Administração Pública.
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Nessa linha de fortalecimento do combate à corrupção, quero elogiar o Ministério Público e reconhecer o seu trabalho. Inclusive agora, no dia 15 de setembro, vai haver uma manifestação pública, para colher assinaturas - 1,5 milhões -, visando à aprovação de dez medidas contra a corrupção, que seriam objeto de um projeto de participação popular, de iniciativa popular, que basicamente consiste num conjunto de propostas legislativas, que aumenta o rigor da lei contra a corrupção e a impunidade.
Uma das propostas, por exemplo, é o aumento das penas dos crimes de corrupção dos atuais 2 a 12 anos para o patamar de 4 a 12 anos de reclusão, ou mesmo de 12 a 25 anos, se envolverem valores acima de R$8 milhões. Propõe-se que a corrupção, envolvendo valores superiores a cem salários mínimos, seja considerada um crime hediondo, que impede benefícios, como o perdão da pena integral ou parcial.
Então, a pergunta que faço é como conciliar a necessidade de punição mais severa de corruptos e corruptores, com o instituto da delação premiada? Como podemos passar à sociedade mensagem de que a impunidade acabou se o estímulo às delações premiadas, talvez a banalização do instituto, dá a impressão de que, apesar dos gravíssimos crimes praticados, os criminosos podem ter uma generosa redução de suas penas?
Temos em nosso ordenamento o instituto da colaboração premiada, que permite não só a redução da pena, em geral, de um terço a dois terços, como, em alguns casos, até mesmo o perdão judicial. Daí, essa nossa pergunta para compatibilizar a intenção do Ministério Público, no sentido de contribuir para reduzir os crimes de corrupção, e a ação da Justiça nesse combate.
Eram essas as minhas perguntas, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Convido o Sr. Maurício Dieter, Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para se sentar à mesa, se assim o quiser.
Concedo a palavra ao Sr. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal, para responder às perguntas e fazer as suas considerações em até 15 minutos.
O SR. SÉRGIO FERNANDO MORO - Agradeço as perguntas, Senador Valadares. Penso até que esse debate pode ser sempre duro, porque as perguntas são muito pertinentes. É importante fazer da forma como V. Exª fez, mantendo o diálogo aberto. Para isso, penso ser necessário, por vezes, fugir do excesso de retórica, por vezes, fugir de algumas questões assim ofensivas.
Por exemplo, ouvi comparações do projeto com nazifascismo ou com identificação de projetos autoritários. Esse tipo de afirmação, além de ser inapropriada, acaba fechando o diálogo e revela, com todo o respeito a quem utiliza esse tipo de argumento, uma falta de tolerância em relação ao pensamento alheio.
O fato de eu ter trazido este projeto, representando a Ajufe, também não tem qualquer identidade específica do mesmo comigo. Então, considero referir também a "emissário imediático", como foi aqui falado, outra questão ofensiva e não acho isso apropriado. Mas, indo ao projeto especificamente dito, vou tentar responder aqui rapidamente às questões colocadas.
Quanto à questão da Emenda Constitucional, existe a proposta da assim chamada Emenda Peluso, e a Ajufe, até quando fez essa formulação, na justificativa, consignou que era uma proposta alternativa à Emenda Peluso, mas somos absolutamente favoráveis que esta emenda seja aprovada. Não fazemos nenhuma questão de a Ajufe ser o carro-chefe dessa aprovação. Então, se o Congresso entender da possibilidade de aprovar a Emenda Peluso, que é até mais ambiciosa do que o nosso projeto, o Projeto do Ajufe, e o projeto agora apresentado por esta Casa, não temos qualquer problema quanto a isso. Ao contrário, ficaríamos inteiramente satisfeitos.
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Temos aí o exemplo do Ministro Cezar Peluso, que se destacou, dentro do seu trabalho no Supremo Tribunal Federal, por posições muito ponderadas e algumas até extremamente garantistas. Ele apresentou, não obstante, um projeto, cujo efeito prático é muito similar ao que propomos em projetos de lei ordinária, nem por isso foi qualificado de nazista, fascista, autoritário ou coisa que o valha.
Então, acredito ser importante manter o diálogo e o debate dentro dos limites da urbanidade, quando se debate essa questão. Acima de tudo porque, quando não mantemos essa urbanidade, cometemos exageros retóricos e muitas vezes escondemos uma argumentação mais substancial.
Quanto à questão de presunção de inocência, para mim, isso é muito simples. Na nossa Constituição, ela comporta várias interpretações. Aqui, temos de ser francos - os operadores do Direito, os juristas -, no sentido de que ela admite tanto a conformação dada no Habeas Corpus nº 84.078, pelo Supremo Tribunal Federal, exigindo o trânsito em julgado, quanto a anterior, que era do Plenário do Supremo Tribunal Federal. O Direito não tem respostas absolutas.
Agora, também podemos, como foi dito lá, recorrer ao Direito Comparado. Temos, na França e nos Estados Unidos, a prisão como regra na fase de recurso. Não me consta que sejam países nazifascistas. Ao que me consta, os Aliados ganharam a Guerra em 45 e não exatamente o regime nazista.
Considero absolutamente compatível com a presunção de inocência. É claro que há divergências interpretativas. Vejo o Supremo Tribunal Federal, em vários julgados mais recentes, dando sinalizações de que ele talvez reveja a posição no Habeas Corpus nº 84.078.
O maior exemplo disso é o próprio Ministro Peluso. Ele compunha aquela maioria, saiu e fez uma proposta exatamente oposta àquela interpretação que defendeu no Habeas Corpus nº 84.078.
Há outros Ministros também. O Ministro Gilmar Mendes, recentemente, em entrevista veiculada no Conjur, declarou publicamente a necessidade de rever aquele sistema. O fato é que o sistema, da forma como está, favorece apenas a impunidade daqueles crimes mais complexos, que é exatamente a impunidade dos poderosos.
Pode-se dizer que existe muita prisão provisória. Pode-se falar do peso excessivo do Direito Penal em cima das camadas sociais menos favorecidas, mas o projeto não tem nada a ver com isso. Ele foca outro tipo de criminalidade: não é esta que acaba lotando as nossas prisões.
Então, invocar esse tipo de discurso também, sinceramente, não tem consistência com o propósito do nosso projeto. No fundo, o que se quer é argumentar que o Direito Penal é muito pesado em relação aos pobres para defender que o sistema gera impunidade em relação aos poderosos.
A questão do erro judiciário, muito bem colocado pelo Senador Valadares. Sempre pode haver erro judiciário. Infeliz ou felizmente, a Justiça é uma instituição humana e sempre está sujeita aos erros, mas ele pode acontecer tanto com o trânsito em julgado quanto sem o trânsito em julgado.
O que o projeto quis fazer, para diminuir o erro judiciário, foi exatamente estabelecer que se esperasse o acórdão condenatório em segundo grau. Não vamos seguir o modelo francês ou o americano, em que a prisão se vai após o primeiro julgamento. Vamos aguardar, então, o julgamento colegiado em segunda instância, com deliberação de provas. Além disso, vamos prever no projeto a possibilidade de ser concedido efeito suspensivo no recurso pelos tribunais superiores, quando demonstrada a plausibilidade.
Então, há uma série de válvulas de segurança, que, acreditamos, minore muito o risco do erro judiciário, mas não nos vamos esquecer de que o processo penal, na conformação atual, além de gerar, como disse, essa impunidade de poderosos, prejudica outras pessoas. Existe uma vítima de um crime. Por vezes, trata-se de uma pessoa física específica; por vezes, trata-se da sociedade.
Também ouvi algumas frases, como "o Estado malvado contra o indivíduo bonzinho". Temos de proteger o indivíduo no processo penal, mas temos direitos das vítimas, que devem ser resguardados. Nós temos os direitos da sociedade à integridade do Erário. Isso também tem de ser objeto do processo penal, ou melhor, o processo penal tem por função garantir a defesa do indivíduo, mas também tem a função de garantir a defesa da vítima da sociedade contra o crime.
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Então, não se pode apenas pensar num lado, e esse processo, da forma como está, com esses processos de crimes mais complexos levando décadas e, muitas vezes, chegando apenas à prescrição, desprotege exatamente essas vítimas, por vezes, as mais desfavorecidas.
Outra questão do recurso suspensivo. O nosso processo penal, embora a nossa lei fale que o recurso especial e o recurso extraordinário não têm efeito suspensivo, na prática, têm, porque o Supremo acabou entendendo, naquele precedente, que não pode haver prisão antes do transito em julgado, salvo prisão cautelar. Então, a lei fala uma coisa, o Supremo diz outra, e o projeto visa a mudar essa situação específica.
Para evitar também o questionamento de inconstitucionalidade do projeto, ele foi cauteloso ao prever que, mesmo a prisão decretada em segundo grau de jurisdição, ainda assim vai haver uma cautelaridade, ainda assim vai haver uma cautelaridade, exatamente para evitar um eventual questionamento da sua constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Existe também esse mecanismo que visa a evitar esse tipo de problemática.
Agora, tem de ser uma cautelaridade diferente da cautelaridade da prisão antes do julgamento até então, porque, senão, o projeto seria inócuo, O que foi proposto no projeto - e aí nos baseamos na legislação norte-americana a esse respeito - é que, após o acórdão condenatório, há uma inversão da carga de demonstração dessa cautelaridade. Até então, a acusação tem de demonstrar que não há risco, ou melhor, que há risco ao processo e, portanto, deve ser imposta uma prisão cautelar antes do julgamento. Depois do acórdão condenatório, já havendo uma certeza provisória em relação à responsabilidade criminal do acusado, seguindo a proposição da legislação norte-americana, a ideia é uma inversão do ônus dessa demonstração.
Viola a presunção de inocência em matéria probatória? Não. Presunção de inocência em matéria probatória significa que a culpa, a responsabilidade criminal deve ser provada pela acusação acima de qualquer dúvida razoável, sem que qualquer ônus probatório seja imposto ao acusado no processo. Mas não significa que em outras questões do processo penal não possa haver outras cargas ou regras de decisão que as orientem. Então, para evitar esse tipo de questionamento, nós mantivemos uma cautelaridade, mas uma cautelaridade diferente.
Para finalizar, aqui, não quero me estender muito, deixando espaço para todos falarem, acho importante que existe um certo consenso de que o nosso processo criminal não funciona em relação a certos tipos de crime. Em parte, ele funciona muito, em relação a outros tipos de crimes. O que se quer com esse projeto é que haja condenações e prisões de melhor qualidade dentro do processo penal. Então, o inocente deve ser absolvido. O condenado deve ser condenado e sofrer as consequências do seu comportamento efetivo.
Mas o que nós observamos hoje é uma distribuição não igualitária da justiça criminal. Ela cai muito pesadamente em cima de umas pessoas e cai, se é que cai, ou cai talvez no sentido literal de que ela não chegue a ser efetiva, em relação a crimes de outros extratos. Esse processo, essa reforma visa a exatamente resgatar a efetividade do processo criminal para essa criminalidade mais complexa. E não se trata de entrar em discussões de classe ou coisa que o valha. A justiça criminal tem de funcionar para todos, tanto para as classes menos favorecidas, como para a classe média, como para as classes mais favorecidas. Mas o fato é que, hoje, crimes praticados por poderosos, pelas vicissitudes do nosso processo criminal, o sistema é extremamente ineficaz. Então, isso tem de ser mudado.
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Não adianta ser, em tese, contra a impunidade dos poderosos sem que se faça algo realmente a esse respeito, sempre dentro do marco dos direitos e garantias fundamentais. Isso é ponto fundamental. Mas esse modelo que copiamos, essas sugestões que copiamos de países como França e Estados Unidos estão longe de ser modelos de países autoritários nazifascistas ou coisa que o valha, muito pelo contrário, ambos os países são considerados berços, como disse, da presunção de docência e democracias modernas em relação às quais podemos pegar exemplos e, eventualmente, trazer para a nossa prática.
Eram essas as considerações.
Adicionalmente, apenas aqui foi falado do excesso de recursos nos processos cíveis. Sim, esse é um problema, mas esse projeto também não pretende ser uma solução para todos os problemas. Então, é uma verificação pontual de problemas dentro do nosso processo penal, e acreditamos que, se for aprovado - se os Senadores assim decidirem, após a deliberação devida, evidentemente, se essa proposição merecer a graça do Senado de ser, então, aprovada - vai representar um significativo avanço dentro do processo penal brasileiro sem, com todo respeito, os graves problemas colaterais que foram colocados aqui, anteriormente. Não é um projeto, de nenhuma maneira, radical ou autoritário, muito pelo contrário, segue uma posição bastante ponderável, a prisão a partir do acórdão condenatório do segundo grau e com possibilidade de suspensão da execução desse julgado por um tribunal superior, quando demonstrado plausível recurso.
A consequência de não se mudar o sistema e adotar apenas medidas cosméticas será o sistema permanecer como está e não é um sistema compatível, no nosso entender, com um modelo que se espera de um Estado democrático de direito, em que a justiça deve ser igual para todos.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Convido o Sr. Pedro Paulo Guerra de Medeiros, Conselheiro Federal da OAB, também para vir à Mesa.
E passo a palavra para o Sr. Marcelo Semer, Juiz de Direito do Estado de São Paulo.
O SR. MARCELO SEMER - Boa tarde.
Não estou aqui para defender o colega que falou sobre nazifascismo, mas acho que o meu colega Sérgio Moro não entendeu suficientemente o que foi colocado. Quer dizer, ninguém o chamou de nazista ou fascista. E o que foi colocado em relação ao projeto autoritário, vou fazer a citação do autor que foi mencionado aqui, enfim, para quem estiver prestando atenção.
Informes sugeriam à população que o sistema legal era irremediavelmente fraco contra o crime. As novas propostas favoreciam julgamentos mais rápidos e a redução das proteções legais. Os cidadãos foram informados que o princípio liberal de “nenhum crime sem uma lei” [...] foi trocado para “nenhum crime sem uma punição” [...]. Esse slogan tinha o objetivo de exercer apelo sobre aqueles que estavam fartos pelo fato de o sistema judicial dar muitos direitos a perpetradores de crimes. O sinal era impossível de ser ignorado: os tribunais ficariam mais “radicais” ou simplesmente se tornariam supérfluos.
Essa afirmação é do Historiador Roberto Gelatelly sobre o período nazista, e não pelo fato de ser nazista, mas porque o endurecimento penal foi uma forma de legitimar a ditadura nazista. Infelizmente, o colega não conseguiu compreender.
Bom, mas, enfim, essa tentativa de trazer... Bom, vou trazer aqui a legislação da França e dos Estados Unidos. O que é importante ver é o seguinte: é se o projeto - parece-me que esta é a função da Comissão de Constituição e Justiça - tal como está efetuado, é compatível com a Constituição brasileira. Essa é que é a questão. Por exemplo, há outras Constituições que falam o mesmo, temos que comparar com estas Constituições.
Constituição portuguesa: "Todo imputado será considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória definitiva."
Constituição italiana: "O acusado não é considerado culpado até a condenação definitiva."
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É essa locução que está na nossa Constituição que faz a nossa medida, senão, não vamos conseguir entender. Como o Dr. Sérgio disse aqui: "Olha, a lei diz uma coisa, mas o Supremo disse outra." O que o Supremo disse não foi outra coisa, mas que a lei era inconstitucional. Esse "outra coisa" não é uma alternativa: "Olha, estou falando A, e o Supremo falou B. O B que o Supremo disse é o A não vale." É isso, não é outra coisa. E, se a presunção de inocência admite várias interpretações, eu lhes perguntaria: quem dá a interpretação constitucional no Brasil? Não é o Supremo Tribunal Federal? Nós estamos dizendo: "O Supremo decidiu contra este projeto, contra a tese veiculada no projeto, mas pode ser que o Supremo mude de ideia." Há duas alternativas claras, o Professor Bottino nos antecipou isso na última mesa, deixou bem expresso, não sei se exatamente nessas palavras. Se o Supremo muda a sua interpretação, esse projeto é absolutamente desnecessário. Se o Supremo não muda a sua interpretação, esse projeto é absolutamente inconstitucional. Então, o que faz diferença aqui não é o projeto, é a interpretação do Supremo, porque essa interpretação do Supremo, que os proponentes do projeto, aqueles que sugeriram o projeto, acham que o Supremo pode mudar, se o Supremo mudar e entender que a presunção de inocência não é isso, não precisa do projeto, já faria o que fazia antes. Com a decisão condenatória em segundo grau, os outros recursos são meramente devolutivos. Então, não é assim: "Olha, nós faremos isso, e o Supremo também está acompanhando, porque ou o Supremo está deste lado ou ele está do outro lado." O Supremo ter estado deste lado, pelo menos nas últimas decisões, faz o projeto ser inconstitucional. Não é uma coisa ou outra, é a legalidade ou não.
Fala-se aqui que o projeto garante alguma cautelaridade, alguma coisa parecida. A questão toda da presunção de inocência - tentei falar isso quando estive aqui, nem todos estavam presentes - é que não é impossível prender enquanto o processo está em andamento, é plenamente possível. Aliás, o Dr. Sérgio Moro está dando mostras disso. São inúmeras pessoas presas antes sequer da denúncia recebida. Não precisa da condenação em segunda instância para prender, as pessoas já estão presas, a gente sabe disso. Várias decisões tomadas por ele foram confirmadas por tribunais. Então, não há essa identidade: "Eu preciso mudar a lei para que as pessoas possam ser presas antes do trânsito em julgado." O que ele deve ter justificado nas suas decisões é a cautelaridade, suponha-se que ele tenha justificado a cautelaridade: "Eu preciso, a Justiça precisa dessas pessoas presas durante o processo." Basta isso, em qualquer momento: antes da denúncia, ao receber a denúncia, na sentença, no acórdão. Em qualquer momento em que se disser isso, é possível fazer.
O que o projeto pretende é poder prender sem dizer isso, sem dizer que é necessária a prisão e por que a prisão é necessária. Essa certa cautelaridade - uma espécie de eufemismo para dizer: "Eu não preciso de cautelaridade" - está baseada em dois pilares mancos. O primeiro deles é: o réu vai provar que não vai fugir. Quando nós vamos ter isso? Em que momento o juiz vai dizer: "O réu conseguiu provar que não vai fugir. Logo, não merece ser preso." Não consigo imaginar. O segundo pilar, que também é manco, é que os critérios dessa certa cautelaridade, e estão no projeto, são a culpabilidade, os antecedentes, a gravidade da pena, as consequências do crime. Ora, isso está no art. 59, são critérios de fixação de pena, não podem ser de cautelaridade. Eu não posso dizer: "Eu preciso do réu preso antes do trânsito em julgado porque o crime dele é grave, porque afetou a vítima, porque ele tem antecedentes criminais, porque isso é a pena dele." Na verdade, o que estou fazendo é julgar, dizendo que não tem porque haver recurso. Então, os dois pilares dessa certa cautelaridade, na verdade, são mancos. A expectativa de esperar que, quem sabe, uma PEC mude essa história... Então, não há sentido no projeto nessas condições. O projeto tentou dar uma aparência de cautelaridade. Acho que não dá para ficar nervoso, chateado, irritado porque recebe críticas, porque, na verdade, o que se está discutindo aqui, o que se propôs aqui, em outras palavras, é dizer: vamos deixar a presunção de inocência de lado. Ora, quem diz: "Vamos deixar a presunção de inocência de lado" é autoritário. Não podemos dizer outra coisa. Ou achamos que isso não é presunção de inocência... Bom, aí, tudo bem, e quem interpreta a Constituição, até onde nós sabemos, é o Supremo. Ou nós entendemos que não afeta a presunção de inocência, mas se o Supremo diz que afeta a presunção de inocência, e eu quero tirar a presunção de inocência, dizendo que não precisa, rasgo e jogo fora, eu não tenho que ficar chateado com que me chama de autoritário, porque esse é um princípio básico da democracia. É um princípio básico.
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Bom, a última coisa que vou falar - não vou gastar mais tempo aqui - é exatamente sobre a questão que o Dr. Sérgio Moro fala de novo: "Nós não estamos preocupados com os réus pobres. Nós estamos focando em um outro tipo de crime."
Vejam, eu disse isso quando expus aqui. O projeto é feito como quem pensa que o Código de Processo Penal é a Operação Lava Jato. Não é, mas quando ele entra na lei, ele vale para todo mundo. Ele não vale para um: "eu pensei neste crime." Mas na hora em que você colocar na lei isso, e, digamos que por um absurdo - só consigo ver como um absurdo - o Supremo entender que é constitucional, isso vale para tudo. A hora em que disser "o réu tem que provar isso", não é o réu rico que tem que provar. É o réu pobre. E o réu pobre tem mais dificuldade ainda de provar. Um dos requisitos aqui é reparar o dano. Ora, é mais fácil para o rico do que para o pobre reparar o dano. É evidente! Então, isso afeta mais o pobre do que o rico. "O réu tem que provar que não vai fugir." Bom, chega lá o réu, que é morador de rua, como ele vai provar para o juiz: "eu não vou fugir; doutor, não vou fugir, não." Como ele vai provar para o desembargador que não vai fugir? "Estou lá embaixo do viaduto", enquanto o outro, não. O outro diz: "Eu tenho três apartamentos no Brasil." Quem tem mais condição de provar isso?
Então, essa ideia de que estou olhando para esta criminalidade, eu acho interessante! Não estou querendo desprezar o esforço que os juízes federais têm de olhar para uma criminalidade diversa daquela com a qual trabalhamos todos os dias e dizer: "para isso aqui o processo penal não está chegando, não está vindo." O que estou dizendo é que eles estão pegando essas particularidades do processo federal, que representam, estatisticamente, uma fração pequena do nosso sistema penal hoje, que são 624, uma fração pequena, e, a partir dessa pequena fração, eu vou legislar. Só que a legislação vale para todos. Quando chegar na hora, não vai dizer: "O Sérgio Moro focou neste tipo de crime; não focou nesse tipo de crime." Ela vale para todos. Não vale para um.
Esse é o problema de pegar a parte pelo todo, uma pequena parte pelo todo. "O criminoso colarinho-branco não vai preso. O juiz não o prende. Quem o prende é outro." Ora, mas não estamos dizendo que são os juízes que vão fazer isso? Não são os juízes? Não existe uma certa cautelaridade? Por que diabo achamos que os juízes, hoje, não querem prender os criminosos colarinhos-brancos e com o projeto assim eles vão querer? Porque o projeto não fala "caso ele prove que não vai fugir, caso ele prove que não vai cometer novas infrações?"
Se estamos insatisfeitos por achar que os juízes não prendem os criminosos colarinhos-brancos, eles vão fazer a mesma coisa. São os mesmos juízes! A lei não está alterando. Ela não está deixando uma certa cautelaridade? Com essa certa cautelaridade, o mesmo tribunal, hoje, que deixa em liberdade vai deixar em liberdade depois. Não altera. O que altera é que altera basicamente o sistema, e isso vai fazer com que a presunção de inocência... Não é novidade! Não é assim: "nós estamos sentados aqui, discutindo um projeto novo." O projeto é novo, é verdade, mas a prisão preventiva obrigatória ou a prisão preventiva tarifada, ou seja, quanto mais grave o crime da prisão preventiva... Não é novo! Nós já vivemos essa fase. O Thiago Bottino colocou muito bem: nós ultrapassamos essa fase, seja pelo Supremo, que foi derrubando uma a uma as prisões obrigatórias - até a prisão do tráfico, da liberdade provisória; foi derrubando todas, são várias -, seja pelo Congresso, que foi revogando todas as leis em que essa antecipação de pena existia. Todas elas. De repente, nós nos convencemos. "A França não faz isso. Então, não vamos fazer."
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É um cavalo de pau na nossa história legislativa. Se o Supremo fizesse isso, seria um cavalo de pau na história do Supremo mesmo. O Supremo entendia antes. Passou a entender de forma diferente, mas o que aconteceu entre uma coisa e outra foi a Constituição. Em 88, foi a Constituição, e, paulatinamente, o Supremo foi absorvendo a Constituição. Ela não vem de um dia para o outro. Quando o Supremo foi lá e entendeu que a Lei de Imprensa é inconstitucional, ele entendeu isso 40 anos depois da Lei de Imprensa e 20 anos depois da Constituição. O Supremo vai maturando as coisas. Está discutindo agora - hoje ou amanhã, não sei - se o porte de entorpecentes para uso pessoal é constitucional ou não. Isso aqui existe há 40 anos! A Constituição traz novo olhar para isso. Não é pelo fato de o Supremo ter mudado que se pode pensar: "então, ele pode mudar de novo". Não é isso. O que estamos vendo, e o Thiago colocou muito claro aqui, é que estamos indo num mesmo sentido. O Supremo está entendendo a Constituição, está dando garantia efetiva da Constituição, e os Congressistas estão acompanhando esse caminho, estão fazendo isso. Essas coisas já existiram no País e foram revogadas. Eu não consigo entender por que fazer isso de novo. E quando ficam chateados porque falamos que é midiático, é porque é isso mesmo. Nós começamos esta audiência com 250 câmeras de televisão e 45 Senadores. Logo depois, esvaziaram-se.
Não é à toa que isso tem acontecido, como não é à toa que o projeto vem agora com força. Desde 2011, diz aqui o Senador Ferraço, veio a PEC do Peluso. Ela não foi para frente. E por que esse projeto agora está indo? Não podemos ignorar isso, até porque a política vive disso. Não está dissociada, sabemos disso. São as oportunidades, a mídia, a imprensa, vai para frente.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO SEMER - Eu não posso querer que o meu projeto seja analisado agora, no Senado, com rapidez, porque estou na mídia, e ficar chateado porque as pessoas olham para você e dizem: "você está dizendo que está na mídia." De um lado, eu não posso me aproveitar dessa coisa. Ora, por que, afinal, estamos sentados aqui com Sérgio Moro, oferecendo um projeto? Não podemos depois dizer: "também não quero que vocês falem muito que estou na mídia." Não dá, não dá para usar de um lado e não usar de outro.
É uma verdade, essa é uma coisa que está acontecendo. Só acho que os Senadores têm que pensar não aqui, no momento atual, agora, na Operação Lava Jato, que me faz refletir sobre isso. Tem-se que pensar o seguinte: como vai ficar o sistema penal depois disso? Muitos estão falando aqui de muitos recursos extraordinários. Quantos recursos extraordinários existem em relação aos processos julgados pelo tribunal? Quantos? Que pesquisa foi feita para se dizer isso?
Fui juiz criminal durante 25 anos no Estado de São Paulo.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO SEMER - Eu posso contar nos dedos de uma mão - de uma mão -, em 25 anos, quantos processos foram para recurso extraordinário. Estamos falando em um volume muito pequeno de processos. Em grande parte ele é pequeno porque os juízes deixam presos. Com o réu preso, o que me adianta ir para frente?
Bom, não vou tomar mais o tempo. Já fui gongado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra o Sr. Antônio César, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil.
O SR. ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK - Senador José Pimentel, mais uma vez agradeço a oportunidade.
Gostaria de cumprimentar o Senador Valadares pela forma democrática de conduzir o processo, sugerir audiência pública, fazer questionamentos importantes e que são relevantes no esclarecimento dos temas aqui debatidos no dia de hoje.
Cumprimento os colegas de Mesa: Pedro Paulo, Marcelo, Maurício e Gustavo. Agora estou isolado, Senador, em relação ao posicionamento, mas nem por isso vou deixar de defender e colocar alguns pontos que são importantes. Creio que os Senadores, representantes dos Estados, e os Deputados, do povo brasileiro, saberão tomar a decisão mais adequada, independentemente de qualquer pressão ou de qualquer discurso mais apaixonado ou de compaixão, mais teórico, mais prático, enfim, como nós pudemos observar na tarde de hoje.
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Eu gostaria, inicialmente, de aderir integralmente às palavras proferidas pelo Moro e me permitir, dado ao adiantado da hora, não repetir aqui aquilo que ele já expôs. Vou me centrar um pouco mais nas perguntas do Senador Valadares, tendo em vista que os argumentos trazidos por todos nesta tarde foram bastante interessantes para este debate, sobretudo que é, e considero, democrático, e não, em nenhum momento, autoritário, fascista, nazista, como querem fazer parecer ou confundir em alguns momentos em algumas das exposições que nós presenciamos aqui. Mesmo porque nazismo, fascismo e autoritarismo não se coadunam e nem se compreendem num sistema democrático como o qual vivemos, pelo qual todos fomos convidados para estarmos aqui pelo Senado da República. Eu não sei de que forma eu fui convidado, cada um dos senhores foi convidado, mas, enfim, fomos convidados, somos cidadãos brasileiros. Portanto, precisamos e podemos defender nossos pontos de vista.
Eu já mencionei, paixões ou compaixões são nítidos e são características inerentes ao ser humano e passiveis também de extravasamento tanto de um lado quanto de outro, e, como já repeti aqui, os Senadores saberão bem diferenciar um e outro.
A Associação dos Juízes Federais, como fizeram parecer alguns dos expositores, não quer apenas e tão somente a prisão das pessoas, como pareceu aqui. Nós defendemos projetos como audiência de custódia, monitoramento eletrônico, enfim, todos os projetos que dão encaminhamento para que cada caso criminal tenha resposta adequada à sua pontuação, à sua consideração feita. Um tipo de criminalidade que talvez esteja mais presente, e é inegavelmente mais presente na Justiça Federal, que são os crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, também merecem um tratamento de forma ampla, geral e abstrata que se aplique a todos, mas que nem por isso as soluções passem exclusivamente por um ponto ou outro. Porém, essas questões são relevantes, devemos diferenciar ou apontar questões relevantes neste contexto.
O que observamos, sobretudo aqui em vários discursos, principalmente daqueles que foram opositores do projeto, foi o reconhecimento - e nisso concordamos também - de que o sistema prisional e o sistema penal brasileiro precisam de reformas urgentes. Nisso também a Associação de Juízes Federais trabalha. Nós apresentamos várias sugestões tanto para o Senado como para a Câmara e também para o CNJ e STF de alterações significativas dentro do sistema prisional e do sistema penal brasileiro para que possamos ter uma uniformidade e melhores resultados como foi exposto aqui por vários dos colegas.
O Gustavo citou um exemplo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que não andou bem numa decisão. Ou mesmo a pergunta do Senador Valadares com relação ao erro judiciário. Isso sabemos que é inerente ao ser humano a falibilidade. Nós somos falíveis e podemos errar. E, se erramos, há formas de se consertar. Portanto, as reformas do sistema prisional e do sistema penal brasileiro... E que a data de hoje sirva essencialmente para que possamos refletir sobre tantas quantas reformas do sistema prisional e do sistema prisional sejam necessárias para podermos avançar nesses pontos.
Hoje mesmo, o projeto do Senador Valadares em relação à audiência de custódia foi aprovado aqui na Comissão de Constituição e Justiça.
Eu tenho acompanhado e tenho estado presente aqui nesta Casa, e a pauta do Senado Federal, Presidente José Pimentel, tem trabalhado nesse sentido. E a Ajufe está aqui apoiando essas medidas para que possamos melhorar.
Agora, o que não dá para confundir e misturar, sobretudo, é trazer outras reformas, outras questões para desqualificar ou para desacreditar o projeto ora apresentado. Não está em sintonia com aquilo que nós esperamos, que é realmente o debate a respeito essencialmente desse Projeto 402, que está sendo apresentado agora pelo Senador Requião, Senador Alvaro Dias e Senador Ferraço.
As confusões ou as interações entre os textos, projetos e questões precisam ser depuradas para que essencialmente nós possamos ter uma análise sem paixão e nem compaixão em relação ao projeto ora apresentado.
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E é importante frisar aqui mais uma vez que não há direito absoluto, não há direito absoluto. Há, sim, algumas relativizações de acordo com o momento, com o tempo e com o espaço que são importantes serem trazidas. E a mim me parece que, em relação à cautelaridade, os requisitos da cautelaridade previstos aqui por legislação e que podem ser alterados por nova legislação estão, em consequência, com o espírito encampado pelo projeto. E, claro, podemos dizer que o equilíbrio entre os direitos do ofendido e do acusado, e também da sociedade, são importantes, porque, talvez - Marcelo Semer expôs aqui um número dessa criminalidade que possa atingir o projeto, mas, enfim, talvez - por conta dessa criminalidade, dessa impunidade em relação a esse tipo de criminalidade, é que nós tenhamos uma consequência nefasta para a sociedade brasileira e que, por isso, não é, professor Maurício, nós precisamos ter muitos criminologistas e muitos estudiosos desse tema para eliminar problemas que não deveriam existir se a nossa sociedade fosse, sobretudo, mais justa, mais igualitária, e que a essência dos problemas, como o professor Pedro Paulo falou aqui, passe essencialmente não só pela Justiça Criminal, mas que nós, essencialmente e principalmente, devemos ter condições de saúde, segurança, educação iguais para todos. Aí sim.
E justamente pela impunidade, que foi verificada e é verificada nesses crimes de natureza grave, de acordo com o que o projeto visa corrigir, é que nós não temos ainda uma sociedade como esperada e almejada e defendida creio que por todos que participaram desta audiência de hoje.
Aí, nós podemos prosseguir essencialmente para a efetividade criminal, uma criminalidade mais complexa, e defender que hoje o sistema penal funciona para, e principalmente, os menos favorecidos, e esse sistema que funciona para os menos favorecidos da forma como está e se não for alterado, garante a impunidade para os mais poderosos, que podem contratar advogados e fazer recursos protelatórios, há morosidade, enfim, usar do próprio sistema para que o sistema os proteja. E é com isso, justamente nesse sentido, do equilíbrio dessas forças, é que nós entendemos que o projeto vem a calhar.
Eu gostaria, apenas, de fazer uma consideração em relação ao que o Marcelo Semer comentou. O STF realmente decidiu que não cabe execução penal provisória no ano de 2009, ou seja, por seis votos a cinco, naquela composição, decidiu que não cabe execução penal provisória. Repito: seis votos a cinco. Nem é unânime esse tema, muito longe disso, no Supremo Tribunal Federal.
E por isso, quando o Juiz Federal Sérgio Moro comentou da possibilidade de reversão na decisão, o fez de forma bastante clara, a partir de depoimentos de Ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. E que isso é possível. É possível a reanálise desse tema pelo Supremo Tribunal Federal. Mas nós entendemos, sobretudo, que a reanálise desse tema pelo Supremo Tribunal Federal não afasta a legitimidade desta Casa, do Senado Federal, em apreciar essa matéria.
E aqui está sendo debatido ponto por ponto, argumento por argumento, sentido contrário ou sentido favorável a esse tema, para que esta Casa também se posicione sobre a matéria. Essa é uma questão razoável e que nada mais nós temos ainda de que o STF, repito, decidiu que não cabe execução penal provisória por seis a cinco.
E o que se propõe aqui, agora, é uma alteração, uma medida cautelar, uma forma de prisão preventiva. É menos do que o Supremo Tribunal Federal decidiu. Podemos, e temos doutrinadores brasileiros e muitos estrangeiros, como foram citados aqui hoje, com teorias maravilhosas, mas nós sabemos que teorias e argumentações há para todos os sentidos, todos os lados, todos os gostos. E que me parece, agora, de uma forma indissociável tratarmos a teoria com a prática.
E a experiência que nós verificamos de vários magistrados no dia a dia é de que nós precisamos também, e podemos também trazer aqui ao Senado Federal, Senador Pimentel, propostas para serem debatidas - para serem debatidas democraticamente.
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E isso, em nenhum momento, nos passa por autoritarismo, nazismo, fascismo, que são temas... Aí, sim, rotular proposições com esses temas realmente não se coaduna com o regime democrático.
Parece-me que... E pode ser, a todo momento, criticado todo e qualquer projeto, defendidas posições num sentido e outro, enfim, isso faz parte do regime democrático, mas é a partir de dissensos, sobretudo dissensos, é que se formam consensos - consensos importantes e relevantes para o futuro da sociedade a qual esperamos e almejamos.
Bem, as várias definições e conceituações de presunção de inocência também passam por esse trajeto. E nada me parece mais interessante que o equilíbrio - repito aqui -, de forma que os direitos do ofendido, do acusado e da sociedade estejam em harmonia e possam ser sopesados neste momento importante da definição de um projeto de lei.
Gostaria também de responder ao Senador Valadares em relação ao foro privilegiado. O foro privilegiado é um tema que muito é caro e que também é de interpretação diferenciada por vários operadores do Direito, sejam juízes, defensores, advogados, Ministério Público, ou mesmo pela sociedade em geral e até mesmo pela imprensa e pela mídia.
Mas aí falo em nome próprio, não falo em nome da Associação, porque sobre esse tema não fizemos um debate aprofundado na Associação: uma proposta trazida pelo Ministro Barroso, do Supremo Tribunal Federal, nos parece muito interessante, em que ele propõe a criação de uma vara aqui, no Distrito Federal, com competência para o julgamento desses crimes com foro privilegiado. Um juiz escolhido pelo Supremo Tribunal Federal poderia estar fazendo a instrução, o encaminhamento, e haveria a possibilidade de recurso extraordinário e ordinário ao STJ e ao STF. Assim, com essa proposta, se garantiria, sobretudo, o duplo grau de jurisdição, porque haveria o julgamento em primeira instância e em segunda instância.
Hoje, quem tem foro privilegiado... E o foro privilegiado é uma garantia inerente ao cargo que a pessoa ocupa, não é pela pessoa ou por qualquer outro motivo.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK - Mas, hoje, como no caso do mensalão, não houve a possibilidade nem no duplo grau de jurisdição. E o julgamento em primeira instância, conforme essa proposta do Ministro Barroso, está assegurado, até para depois...
A proposta ainda vai mais além: diz que o juiz atua por quatro anos, que pode haver outros juízes auxiliares ou até, se for o caso, até duas varas de competência. Isso ele não especifica, mas encaminha nesse sentido. Depois desse prazo, o juiz, numa primeira promoção, será promovido a seu tribunal, para não haver nenhum tipo de retaliação e a garantia desse juiz que vai estar no caso.
A proposta me parece interessante, mas pode ser aperfeiçoada, pode ser debatida, pode ser melhorada. Enfim, é uma proposta, como mencionei, que parece um encaminhamento que podemos ter em relação à questão do foro privilegiado.
E, com a proposta, ora apresentada, do Projeto de Lei do Senado nº 402, nós ainda não eliminamos, em nenhum momento...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK - ... a possibilidade de propositura de habeas corpus nos tribunais superiores, como hoje existe, nem a possibilidade de o próprio tribunal não decretar a prisão preventiva, se assim não entender e com espeque também no 312, naquelas garantias, naquelas questões primordiais da prisão preventiva. E também há a possibilidade de que isso seja restrito aos crimes mais graves, e não a qualquer um dos crimes.
E, para encerrar - realmente, desculpem-me já o antecipado da empolgação até da fala -, nas dez medidas propostas pelo Ministério Público Federal, volto a repetir aqui, o juiz não está, em nenhum momento, para combater a criminalidade. O juiz justamente é a garantia da aplicação da lei. O juiz pode e deve velar pela regularidade do processo, pela efetividade da aplicação da legislação. Esse é o papel do juiz.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK - Então, quando falamos em dez medidas para o combate à corrupção, apoiamos como magistrados que esse tema seja efetivamente trazido, se assim a sociedade entender por meio da colheita de assinaturas, para o debate aqui do Parlamento. E que aqui possa haver tantas quantas audiências públicas como esta, para que esses temas sejam debatidos e para que o Senado e a Câmara dos Deputados possam apreciar essas questões.
Então, realmente, coloco-me à disposição para, em momento oportuno, em momento à frente, esclarecer, trazer qualquer consideração.
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Agradeço, mais uma vez, o convite que me foi formulado para participar deste debate, sobretudo, democrático.
Digo que tivemos um importante avanço hoje, aqui, nestes trabalhos. Podemos dizer que daqui saímos com uma conclusão muito importante, a de que muitas outras reformas precisam ser feitas tanto na Justiça criminal quanto na Justiça cível, para a melhoria realmente do sistema de Justiça, para que haja a diminuição do número de demandas e a efetividade da jurisdição como um todo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Concedo a palavra ao Sr. Gustavo Virginelli, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.
O SR. GUSTAVO VIRGINELLI - Respondendo às indagações do Senador Valadares, a primeira questão a que me proponho é que, realmente, este suposto erro judiciário em que a pessoa acaba ficando presa por mais tempo do que efetivamente a pena aplicada ficará sem remédio. Isso já está solidificado na jurisprudência. Não se tem isso como um erro judiciário, mas, sim, como uma divergência de interpretação, natural da independência funcional do juiz, de tal forma que essa prisão cautelar que aquela pessoa trouxe consigo até o acórdão de segundo grau não pode ser considerada como erro judiciário passível de indenização. Então, é sob esse viés que nós devemos analisar o objetivo desse projeto de colocar um plus na cautelaridade que já existe no art. 312.
Falando do Supremo Tribunal Federal, muito aqui se fala: "Ah, o Ministro falou, o Ministro deu entrevista." Mas a posição atual do Supremo Tribunal Federal é a que está nos autos - no Direito, nós falamos que o que não está nos autos está fora do mundo do Direito -, a inconstitucionalidade no art. 637, à época. De tal sorte que o posicionamento atual é pela inconstitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal, hoje, decidiu sobre a intervenção no Funpen, que é o Fundo Penitenciário. Então, o Judiciário vem atuando de forma proativa para combater essa inércia do Poder Judiciário, esse descaso com o sistema penitenciário. O Judiciário reconhece que penitenciária, hoje, não ressocializa. Se temos em mente que 40% dessa população estão no sistema carcerário, devemos ter em mente que ela é desnecessária. Como já foi abordado por outros colegas aqui, devemos buscar outros meios, atacar a origem, e não os efeitos. Então, devemos investir em educação, em saúde, em moradia, sem simplesmente enrijecer.
Volto à história das decisões do Supremo para demonstrar que, desde 1990, com a publicação da lei sobre os crimes hediondos, em que se propunha um regime integralmente fechado, e com a lei de drogas, em 2006, em que se vedava a liberdade provisória e em que se vedava a conversão, a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, o Supremo Tribunal Federal, sob o espectro de que a prisão é exceção e de que a liberdade é a regra - isso o Supremo falou por várias vezes, em vários julgados -, vem afastando essa prisão de forma automática, que é o que se prega nesse projeto. Então, a prisão automática, o Supremo, por mais de uma vez, já teve a oportunidade de enfrentar e de afastar. Então, não podemos trazer esse retrocesso.
Este Parlamento, desde que introduziram o art. 319 no CPP, colocando as medidas cautelares diversas da prisão, também vem seguindo a linha do Supremo, a linha da descarcerização. Essa é a tendência mundial da política criminal. Esta é a tendência que se busca para resolver os problemas penais, a descarcerização, e não esse retrocesso.
Então, é sob esse viés que a Defensoria opina, mais uma vez, pela rejeição na origem, para que avancemos na política criminal, na criminologia, para buscarmos soluções, não para retrocedermos e endurecermos. Como já foi falado, toda vez que esta Casa tentou, sob o clamor público, endurecer as leis, o Supremo, posteriormente, veio a revogá-las, veio a declará-las inconstitucionais.
De tal sorte que a Defensoria Pública se manifesta contrariamente.
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O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra, o Sr. Maurício Dieter, Professor de Criminologia da Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo.
O SR. MAURÍCIO STEGEMANN DIETER - Boa noite aos heróis da resistência, aos que permanecem aqui, apesar do cansaço e da fome!
Normalmente, temos de pensar nas pessoas que estão cansadas e com fome também. Essa, talvez, seja a missão maior da representação popular.
Eu diria que, na minha aula, só o Senador Pimentel e o Senador Antonio Carlos Valadares receberiam a pontuação por participação. Sendo bom professor, fico feliz de que tenham demonstrado interesse genuíno em participar deste debate, não só em fazer aquela participação eventual. Entendo perfeitamente os compromissos políticos que esta Casa demanda dos Srs. Senadores, mas fico entristecido ao perceber que não conseguimos, nem mesmo nas nossas pontuações mais incisivas, mostrar a gravidade do que se está discutindo. Então, o fato de os Srs. Senadores permanecerem aqui é motivo de destaque. Destaco, enfim, a presença de ambos.
Eu só queria fazer uma breve correção, no início. Quero aproveitar que o Dr. Antonio Cerqueira está lá ainda para dizer que a votação foi de sete a quatro, não de seis a cinco. Digo isso só para que conste esse registro do STF.
Eu também gostaria de começar esta resposta às indagações do Senador Antonio Carlos Valadares, dizendo que defender projetos polêmicos requer um pouco mais de coragem e de paciência para ouvir e um pouco menos de suscetibilidade. Contraditório é assim. Quem não gosta de contraditório polêmico não deveria ser juiz, para começo de conversa. Se as honras e as virtudes se sentem maculadas é porque não estão acostumadas a entrar em debate de verdade. E, se vamos para a luta - e, aqui, é uma questão de luta mesmo, porque o que se pretende é um retrocesso -, não pode quem ataca a civilização reclamar civilidade. Pelo menos esse é meu ponto de vista. Então, não vou negociar minha crítica por suscetibilidades frágeis.
A propósito, a minha aula - lembrei isso durante a sua pergunta, Senador - no concurso público para professor da USP foi sobre corrupção. Dei aula sobre isso. Fui aprovado em primeiro lugar na USP por causa dessa aula. Sei o que estou falando. Estudo corrupção na base, não a partir da definição do Código Penal. Estudo corrupção como determinação mesmo, na realidade. Não me interessa muito jurisprudência e doutrina. Não me interessa muito definição legal, embora seja um ponto de partida da criminalização. Quando estudamos isso, vemos que existem, para que o mundo saiba, cinco teorias criminológicas consistentes, baseadas em pesquisa empírica, que estudam a corrupção. Nenhuma delas exige relativização de Direito Processual. Todas as cinco teorias passam por outros campos.
Então, Senador, eu lhe digo isto olhando nos olhos: se o seu desejo é, como é o meu desejo também, diminuir a imoralidade no Poder Público, diminuir a corrupção, isso não passa por esse projeto de lei e, em geral, não passa por projetos de lei. Mas existem modificações. Podem, eventualmente, requerer modificações pontuais que dizem respeito a outros campos, não ao penal. Penas de criminosos produzidas por esse sistema já temos demais. É hora de pensarmos em estratégias não penais.
Então, há essa aposta, há essa insistência. Foucault usa uma expressão muito bonita para dizer isso: chama-se "isomorfismo reformista". Você reforma, reforma, reforma, para continuar exatamente igual. Quer dizer, daqui a cinco anos, alguém vai dizer que é preciso fazer uma reforma no processo penal. Mas vamos reformar um sistema que é falido? Nós prendemos dessa maneira nesse projeto penitenciário há mais de 120 anos! A qual resultado nós chegamos? Houve a consolidação de direitos? Não! Houve a diminuição da imoralidade? Também não!
Então, essa crença na ideologia da defesa social se expressa nestas palavras que, hoje, ouvi muito de quem defende o projeto: a vítima tem direitos, a sociedade tem direitos. Escutem isto, companheiros, porque esta é a aula número um de Direito Processual Penal: o processo penal não existe para a vítima. Não é que a vítima não tenha direitos. Sim! Do ponto de vista político criminal, desde a década de 80, o tratamento das consequências da criminalidade é algo importante, mas o lugar para isso não é o processo penal, porque, se o processo penal receber a demanda da vítima, ele se torna revanchista. A conquista civilizatória foi a de precisamente empurrar para fora do processo essa pretensão de vingança.
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Em relação à sociedade, isso vai, para nós, exigir um Direito Penal simbólico, uma resposta simbólica. Ou seja, tenho de explorar a dor das pessoas midiaticamente, tenho de privilegiar, antes que as defesas possam ter acesso ao conteúdo, os canais de comunicação, que vão divulgar pessoas depondo e sendo presas, para utilizar isso como argumento de que estamos fazendo alguma coisa. Toda a legislação penal tem passado por isso. Se vocês forem pegar leis simbólicas, que não têm aplicação nenhuma e que só existem a pretexto de dizer que parece que nós estamos fazendo alguma coisa: a Lei dos Crimes Ambientais. Para que a lei? Não afetou em nada, a destruição do meio ambiente não passa por essas determinações. "Não, mas estamos fazendo alguma coisa. Há uma Lei dos Crimes Ambientais." E assim, de projeto em projeto, de ataque em ataque.
E aí parece que a crítica é exagerada. Não, exagerada é essa realidade. Eu preciso dar, digamos, pelo menos a notícia do que acontece fora da imaginação das pessoas que propõem esse projeto de lei. Quando falam assim: "Ai, meu Deus do céu, estão nos confundindo com nazifascistas." Parece que esse é o argumento que dói. Claro, porque ninguém quer se comparar com aquele austríaco totalitário do século passado, ninguém quer se confundir com aquele careca italiano maluco; mas será que nós estamos mesmo assim tão distantes desses projetos autoritários?
Primeira sugestão de leitura: Autoritarismo e Sistema Penal, do Christiano Fragoso, que acabou de sair. Ele demonstra - demonstra - que nós temos projetos de lei muitíssimo parecidos com aqueles que caracterizaram os regimes autoritários. Essa comparação não é perdida, essa comparação é uma tese aprovada com nota 10. Quer dizer, a academia produz conhecimento, não dá para resistir a isso. Vai discutir um livro então e os argumentos, mas não a expressão desse argumento como produto do esforço humano e sincero.
Eu estive em Auschwitz e vou falar: vocês acham que Auschwitz era assim tão pior que uma penitenciária brasileira? Então vocês não visitaram uma penitenciária brasileira. Vocês acham que a gente está assim tão longe da ditadura militar? Cadê o Amarildo? E as prisões arbitrárias? E a tortura da polícia? E Osasco? E o genocídio da população jovem e negra? "Ah, não, mas ditadura é coisa do passado." Passado para quem?
Então, à medida que esses projetos pensam em usar uma política criminal alternativa, quer dizer, não, tudo bem, todo mundo concorda, de maneira mais ou menos reticente, não é? Não vamos falar de classe, não, classe não existe, devo ter sido eu que inventei os pobres. No entanto, eles estão na rua. Se os pobres são presos sempre, e são presos por homicídio, tráfico, posse ilegal de armas, furto e roubo. Esses são os cinco crimes que prendem quase todos os homens no Brasil e praticamente todas as mulheres, certo? Esses cinco crimes. Eu falei que há 1.684 crimes, mas só esses cinco crimes prendem todo mundo. Então esse é o dado.
E agora vamos dizer: "Não, então vamos inverter a lógica, vamos colocar na balança também os ricos." E aí, claro, posso usar medidas mais ou menos arbitrárias, autoritárias para tentar fazer isso. Delação de pessoa que está presa, delação de pessoa que não pode delatar etc., etc. E aí esses argumentos que aparecem como uma tentativa de boa-fé, de uma cruzada moral, "Não, agora também há rico preso." Como se colocar mais gente no mesmo prato resolvesse o problema.
Hoje eu vejo a mesma esquerda padecendo desse problema de dizer que ela agora quer punir a homofobia, o racismo, como se isso fosse a solução, como se o Direito Penal fosse um mecanismo para a proteção de direitos fundamentais. É incrível isso, não é? É uma alienação absoluta.
Por isso que eu digo: o Direito Penal e o Direito Processual Penal têm na análise técnica, dogmática um mérito; mas é o momento, eu acho, de a criminologia crítica assumir um lugar principal na discussão dos projetos. O próximo projeto de lei do Senado...
Olha, eu tenho um grupo de estudantes de graduação e pós-graduação que passam todos os dias estudando, porque eu sou professor, certo? É o que eu faço, eu estudo. A gente está lá estudando. Alguém alguma vez foi perguntar: "Será que dá para fazer uma pesquisa para saber se de verdade esse projeto vai afetar?" Não, é tudo na base do achismo, do clichê.
Quantas vezes a gente ouviu a palavra impunidade hoje? Delirantes! Impunidade? Impunidade causa crime? Me mostrem essa pesquisa. Estou há doze anos estudando isso, e não há uma pesquisa. É uma mentira, mas está aqui.
A sociedade precisa de respostas. Que sociedade é essa? Você estava imaginando quem? Quem? É o assinante da revista, aquela? Quem é essa sociedade? O "cara" não tem nem representação imaginária consistente sobre a sociedade.
Enfim, só para dizer que não é possível atingir os mais ricos sem que isso repercuta negativamente sobre os mais pobres. E essa é a tônica da nossa crítica. Qualquer concessão de direitos fundamentais, seja pela melhor das intenções, é um equívoco, é um retrocesso, é retorno à barbárie, e quem defende isso não pode ser outra coisa que bárbaro. Eu sinto muito se isso afeta a suscetibilidade de alguns.
Quero convidar a todos a estudar. E se quiserem estudar, por Deus do céu, há muita coisa para a gente ler em conjunto. E se os representantes do poder popular, e se os representantes de entidades de classe, daqueles que julgam, tiverem interesse de verdade de acabar com a corrupção, bom, bastaria nada mais que a gente começar um diálogo mais frutífero e menos polemista, pelo menos neste nosso encontro já vespertino, tardio, aqui no Senado da República.
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O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra o Sr. Pedro Paulo Guerra de Medeiros, Conselheiro Federal da OAB.
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Obrigado, Sr. Presidente.
Em palavras finais, de fato, eu não pretendo aqui fazer uma nova colocação, mesmo porque o que já havia para ser dito acredito que foi dito já pelos ilustres expositores que me antecederam.
Apenas faço uma pergunta: se queremos, de fato, acabar com a criminalidade e a possibilidade de recurso, por que, então, nós não instituímos que, a partir de hoje, todas as pessoas que forem denunciadas, e se iniciar uma ação penal, não têm que responder a todos os processos presos e assim eles ficam até que eles sejam absolvidos com o trânsito em julgado? Vamos inverter a lógica: você foi denunciado e você vai ser preso, e fica preso até que você seja absolvido e que todos os recursos da acusação, tentando condená-lo acabem e, se você for absolvido em última instância pelo Supremo, aí você vai ser solto. Isso diminuiria a criminalidade? Essa é a pergunta.
Vamos levar ao extremo, vamos acreditar que aquilo que está sendo pregado aqui realmente seja um remédio que funcione. Vamos, então, aumentar a dose, vamos levar a dose ao extremo, vamos colocar na veia. Resolveria? Diminuiria a criminalidade? "Olha, você vai responder preso ao processo inteiro, e só vai, se for absolvido, transitado em julgado." Resolveria a criminalidade? Há algum dado estatístico? Então, como é que nós poderíamos dizer que esse remédio resolveria? A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Como é que a gente fala que esse remédio resolveria? Ninguém sabe, mas temos regras constitucionais e uma lei não pode passar por cima de regras constitucionais.
O preço para viver em democracia é respeitar a regra. Essa é a regra. Seria muito bonito: olho por olho, dente por dente. Roubou? Cortem a mão. Traiu? Matem, apedrejem. Corrompeu? Prisão perpétua, banimento, pena de morte. É nessa sociedade que nós queremos viver?
Nós queremos ir para a praia seminus; nós queremos poder falar mal do Governo; nós queremos entrar no Senado, quando quisermos; nós queremos, como população, assistir a todos os debates; nós queremos fazer o que quisermos da nossa vida, mas nós não queremos pagar o preço de viver nesta democracia tão libertária; nós não queremos que os direitos e garantias sejam respeitados; nós queremos que quem cometeu o crime, pelo menos quem a polícia conseguiu pegar, não tenha direito a produzir sua inocência nem em sede de recurso. Tudo bem. Queremos pagar esse preço? É o preço que nós vamos pagar.
Nós estamos aqui como estudiosos, ficamos por conta de estudar a matéria e estamos dizendo: o futuro é negro se for essa a opção que tomarmos agora! Mas quem decide isso é o Congresso Nacional, eventualmente o Supremo Tribunal Federal. Nós só opinamos e indicamos aquilo que nós temos de experiência.
Esse PLS não merece ser aprovado, porque aquilo a que ele se propõe a fazer já existe na legislação brasileira. As prisões preventivas já existem, podem ser determinadas em qualquer tempo; o recurso especial extraordinário não tem efeito suspensivo para a matéria cível, já está na Lei 8.038; e os tribunais superiores estão abarrotados de serviço, e não é de matéria criminal - vimos que 85%, 90% referem-se à matéria cível. Ou seja, não vai reduzir criminalidade você aprovar o PLS, não vai desabarrotar o Judiciário, mas vai, sim, restringir direitos fundamentais desses que estão sendo processados. E isso pode acontecer um dia com qualquer um de nós. Conosco até que não, temos acesso a bons advogados. Mas e com o restante da população brasileira que tem acesso à Defensoria Pública, que são não bons advogados, são brilhantes advogados, mas que não conseguem atender a todos? E, aí, o que vamos fazer com essa população?
Então, muita cautela, é disso que nós precisamos, audiências públicas como esta, para discutir. Isso é cautela, isso é prudência e é, por isso, que merece o elogio. A realização de uma audiência pública é a concretização da preocupação do Congresso Nacional, em especial do Senado, com o debate público, para saber que a ideia é essa e se é boa ou ruim, vamos ouvir.
E nós aqui pusemos a nossa opinião, dizendo que o PLS 402 é ruim para o futuro brasileiro. Daí porque, mais uma vez, reiteramos a posição do Conselho Federal do OAB pela rejeição do PLS, agradecendo muito o convite que foi feito à Ordem dos Advogados do Brasil pelo Senador Antonio Carlos Valadares, a Presidência muito gentil e a lhaneza do Senador José Pimentel.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Eu quero agradecer a presença de todos que ficaram até agora, do Senador Valadares e, em especial, dos nossos convidados.
Portanto, nada mais...
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Antes de...
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Com a palavra, Senador Antonio Carlos Valadares.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - ... encerrar, Presidente, eu gostaria de agradecer também a todos e dizer que esse debate foi muito elucidativo, foi muito importante e aprofundou essa questão.
R
É uma pena que, em face do horário de sua realização e da Ordem do Dia, nem todos os Senadores desta Comissão puderam comparecer, para ouvir esse debate. Entretanto, temos a esperança e a certeza também de que tudo está gravado aqui e vai ser veiculado pela TV Senado, para conhecimento da sociedade e também daqueles que não puderam comparecer a esta audiência pública.
Muito obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (José Pimentel. Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
E amanhã, às 10 horas da manhã, novamente aqui, no Plenário 3.
Muito obrigado.
(Iniciada às 15 horas e 8 minutos, a reunião é encerrada às 20 horas e 16 minutos.)