2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
55ª LEGISLATURA
Em 23 de novembro de 2016
(quarta-feira)
Às 11 horas
178ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente sessão, como todos sabem, destina-se a debate temático sobre o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.
Tenho a satisfação de convidar, em primeiríssimo lugar, para compor a Mesa, o Senador Roberto Requião, que é o Relator da matéria.
Peço às Comissões Permanentes da Casa para interromperem os seus trabalhos. Nós estamos começando uma importante sessão temática, a exemplo do que fizemos ontem, Senador Jader Barbalho, Senador Romero, Senador Paulo Rocha, Senadora Fátima Bezerra.
Convidamos para compor a Mesa a Srª Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, que é Subprocuradora-Geral da República.
Convidamos também para compor a Mesa o Sr. Carlos Eduardo Barbosa Paes, que é Defensor Público-Geral Federal.
Convidamos também para compor a Mesa o Sr. José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral, representante da Ordem dos Advogados do Brasil.
Eu queria comunicar a todos, conforme ficou estabelecido, que teremos, hoje, esta sessão temática e teremos, no dia 1º, uma nova sessão temática, que contará com as presenças já confirmadas do Juiz Sérgio Moro e do Ministro Gilmar Mendes, que não chegou a tempo de Montevidéu. O Ministro Gilmar está viajando, mas assegurou sua presença nesta sessão temática do dia 1º, às 11h, no mesmo horário.
Senhoras e senhores convidados, nos dias 3, 5 e 7 de março de 1997, um cinegrafista amador filmou policiais militares extorquindo dinheiro, humilhando, espancando e executando moradores indefesos da Favela Naval, em Diadema, São Paulo.
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As imagens foram divulgadas, tiveram grande repercussão negativa internacional, e o caso tornou-se símbolo do abuso de autoridade.
Em junho, de 2010, policiais militares do Estado do Pará obrigaram três jovens humildes, que abordaram na rua, a dançar uma versão do Rebolation enquanto cantavam o "baculation".
Em dezembro de 2014, um magistrado chegou atrasado ao aeroporto e não embarcou. Como não conseguiu interromper a decolagem, imediatamente mandou prender dois simples funcionários da empresa aérea.
Há casos, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, mais prosaicos, como o de um professor universitário de São Paulo que ameaçou de prisão uma aluna durante um bate-boca, ou o de um policial rodoviário federal do Rio Grande do Sul que sofreu perseguição implacável de seus chefes, e também o de um policial federal que prendeu e algemou uma faxineira para forçá-la a confessar o furto de uma filmadora.
Minhas senhoras e meus senhores, antes de qualquer coisa, eu expresso o reconhecimento do Senado Federal aos ilustres convidados, e o reconhecimento, como diziam os antigos, transmite a sinceridade da gratidão.
Eu estou, repito - e darei já a palavra ao Senador Aloysio -, agradecido e confortável com as presenças brilhantes que, em uma demonstração, sem dúvida, de espírito público, aceitaram comparecer a esta sessão temática para colaborar com o aperfeiçoamento do Brasil através da Lei de Abuso de Autoridade, encontrando saídas e modelos para enfrentar esse tipo de ataque à democracia.
As sessões temáticas, permitam-me repetir, e as audiências públicas do Senado Federal debatem questões importantes para o País com a presença de personalidades qualificadas realmente preocupadas e envolvidas na busca de melhores dias para a sociedade.
Eu vou interromper essa colocação preliminar inicial para ouvirmos, pela ordem, o Senador Aloysio, e em seguida nós vamos concluí-la para colocar esse debate, que, eu tenho absoluta convicção, servirá muito ao Parlamento e ao Brasil.
Senador Aloysio Nunes Ferreira.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Social Democrata/PSDB - SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, senhores convidados, aos quais eu também expresso a minha gratidão pela presença hoje.
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Esta sessão foi provocada pelo Presidente Renan Calheiros exatamente com o objetivo do esclarecimento a respeito de uma matéria que é hoje objeto de muita polêmica pelo Brasil afora, especialmente nas redes sociais. Uma polêmica em que, muitas vezes, se esgrime um tipo de argumentum ad hominem, quer dizer um argumento dirigido à pessoa, ao autor, seja aos autores do texto a que está submetida a relatoria do Senador Requião, seja aos Senadores que propuseram que esta matéria fosse votada.
Desse modo, nesta sessão, Sr. Presidente, eu penso que é importante que nós possamos, sobretudo, esclarecer. E, no meu entender, esclarecer significa dizer quais são, precisamente, no projeto de lei que vamos examinar, os artigos que porventura possam, de alguma maneira, obstaculizar, atrapalhar, impedir, sabotar, como já se disse, as atividades do Ministério Público, da Polícia ou da Justiça nas investigações de natureza penal. É preciso que se diga exatamente: "O artigo tal, inciso tal, é inconveniente por isso, isso e por aquilo", com o argumento preciso. Porque as considerações genéricas já estão sendo feitas hoje em vários fóruns. Além disso, que aqueles que defendem a atualização da lei expliquem a quem nos ouve e a quem nos vê quais são os dispositivos da lei de 1965, lei que hoje está em vigor, que precisam ser atualizados; por que essa lei, que vem de um outro tempo, do tempo ainda do autoritarismo, não pode conviver in totum com o clima de liberdades democráticas que nós estamos vivendo hoje, em que todo abuso de autoridade, qualquer que seja ele, é reprovável, é condenável.
Desse modo, essa é a minha sugestão, Sr. Presidente. Longe de mim querer dar orientações aos ilustres palestrantes, mas, como Senador que vai votar sobre essa matéria, eu gostaria muito que houvesse uma precisão, eu diria uma precisão cirúrgica, nas críticas e nos comentários a respeito da lei em vigor e do projeto de lei que está tramitando.
Obrigado.
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA) - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos muito ao Senador Aloysio Nunes Ferreira pela sugestão de encaminhamento deste debate, que mais uma vez considero que será muito importante.
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, se V. Exª me permite, também cumprimentando todos os ilustres convidados e debatedores que vêm esta manhã ao Senado e o nosso Relator Roberto Requião, eu gostaria de me aliar - permita-me esta intervenção inicial -, porque busco, como o Senador Aloysio, também respostas.
Porque eu venho de longe - eu me recordo bem, ouvindo o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968 - e também quero saber, porque podem não ser procedentes notícias aqui e acolá. E eu fico a me perguntar sobre a possibilidade, em pleno regime democrático, de aqueles que querem aplicar a lei, que querem combater o crime, terem o direito de praticar o crime de abuso de autoridade. É uma indagação que me persegue.
Quer dizer, para combater o crime...
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(Soa a campainha.)
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA) - ... se tem direito de cometer o crime, e quem se levantar contra isso está contra uma operação específica? Ou será que nós vamos, no Direito brasileiro, criar, para cada operação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal ou de qualquer autoridade do Judiciário, uma legislação específica?
E, como o Congresso, em grande parte, neste momento, está sendo colocado sob suspeição de que nós queremos inviabilizar a tal Operação Lava Jato, eu também, como o Senador Aloysio, não quero sair desta manhã sem ter essa resposta. Onde atrapalha? Ou se quer o direito de combater o crime cometendo o crime? Isso, os militares tinham lá em 1968. Tiveram o direito de fazer isso. Mas em plena democracia, e transferindo ao Congresso Nacional a responsabilidade de uma possível obstrução a isso, Sr. Presidente,...
(Soa a campainha.)
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA) - Então me releve, Sr. Presidente. Eu queria... Eu fiquei bastante...
(Soa a campainha.)
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA) - ... entusiasmado com a observação do Senador Aloysio, porque é essa a resposta que nós queremos arrancar, se possível hoje, da parte dos que vêm debater aqui.
Meus cumprimentos, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Permitam-me chamar o feito à ordem, sem exorbitar da autoridade. Nas sessões temáticas, nós vamos dar a palavra primeiro aos convidados, em seguida nós inscreveremos os Senadores e vamos, de acordo com sugestões do Senador Aloysio e do Senador Jader Barbalho, objetivar ao máximo, para que nós possamos ter aqui, nesta sessão temática, o melhor rendimento dela.
Norberto Bobbio - e já concluo esta minha introdução, que meramente servirá para estimular este debate - Norberto Bobbio, o notável pensador italiano, afirmava que "a capacidade de dialogar e de trocar argumentos está na base de qualquer pacífica convivência democrática" e que "o objetivo do diálogo é chegar a um acordo ou, pelo menos, clarear as ideias de ambas as partes".
Nelson Rodrigues certa vez observou que o mais importante no diálogo não é a palavra, mas a pausa, acentuando que "é na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão".
Refletir é preciso, e esta sessão temática, mais uma vez, é para que nós possamos democraticamente trocar ideias, pontos de vista, nesta primeira e na segunda sessão, para que nós possamos, no dia 6, deliberar sobre essa importantíssima e inadiável matéria.
O amadurecimento proveniente dos embates parlamentares mostra que o convívio pacífico entre os contrários não apenas é possível como as soluções negociadas são as melhores e mais duradouras.
O grande brasileiro que foi Aureliano Cândido Tavares Bastos, alagoano, meu conterrâneo, afirmava que a boa política de conciliação ocorre no terreno dos princípios e supera o individual.
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Fazer leis, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores convidados, não é tarefa fácil. Fazer lei não é tarefa fácil. Sendo a expressão da vontade geral, a lei nasce do confronto de ideias e vontades para se tornar um instrumento de pacificação social.
Pontes de Miranda propugnava que uma boa forma legal diz o que ela quer, nem mais nem menos, acrescentando com sabedoria que nem tudo se há de dizer em dez ou vinte palavras. A vida, como todos sabem - dizia Pontes de Miranda -, é multiforme; e a cada uma das mil direções que ela comporta correspondem novas arestas a que será preciso ajustar a lei.
O objetivo desta sessão temática é exatamente este: debater o Brasil na perspectiva do abuso de autoridade, hoje disciplinado em nosso País pela Lei 4.898, de 1965, que pede, como todos sabem, aprimoramentos. E quem mais pediu ao Senado Federal os aprimoramentos dessa lei foi o Supremo Tribunal Federal, através de vários Ministros.
Indispensável ressaltar que o texto original do projeto de lei - é muito importante esta informação - para alterar a Lei de Abuso de Autoridade surgiu, diferentemente do que a imprensa diz, no II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo, firmado em 2009 entre os Chefes dos Três Poderes da República. Esse projeto, portanto, vem de 2009, em um pacto republicano firmado entre os Três Poderes da República.
Entre as medidas prioritárias desse pacto republicano está, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais.
O projeto - e nós vamos poder esmiuçá-lo - estabelece tipos penais e, por isso mesmo, atinge o recalcitrante, o infrator, aquele que dolorosamente oprime terceiros de forma indevida às suas atribuições.
Ressalta-se, Srs. Senadores, por oportuno que a lei penal é norma de direito estrito. A lei penal é norma de direito estrito e não comporta interpretações extensivas. Daí a impossibilidade de os julgadores criarem situações não descritas na norma.
De mais a mais, não é crível nem sensato imaginar que o Poder Judiciário desconfie do próprio Poder Judiciário, encarregado de aplicar lei.
O ideal seria, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, que a lei envelhecesse com a sociedade.
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A experiência, porém, mostra que o Direito, como tudo na vida, rende-se ao inevitável desgaste causado pelo tempo.
Atento a essa realidade, o Senado Federal tem-se dedicado a reformar leis importantes, e fez isso com o Código de Processo Civil, a Lei de Arbitragem, Conciliação, já editadas. No mesmo caminho estão o Código de Processo Penal, o Código Comercial, a Lei de Execução Penal e a Lei de Licitações, que será votada, a nova Lei de Licitações, até o dia 15, quando terminaremos nossos trabalhos.
O debate, portanto, e, mais uma vez, agradeço a presença de todos, é pertinente e atual, permitam-me dizer. Os episódios a que me referi no início dessa breve colocação, para suscitar exatamente o debate, refletem situações que acontecem diariamente e atingem principalmente o cidadão comum, justificando a iniciativa de fortalecer a disciplina legal para reprimir o abuso de autoridade.
Trata-se, Srs. Senadores, de uma chaga incompatível com o regime democrático de proteção às liberdades civis. Nenhum agente do Estado, nenhum - nenhum! -, de nenhum Poder, está autorizado a usar suas atribuições legais para ofender, humilhar, agredir quem quer que seja, quem quer que seja.
Todo poder, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, todo poder oprime, seja qual for a origem desse poder, e não há poder sem limites. A diferença é que, na ditadura, limitam-se os direitos em detrimento do cidadão, enquanto, na democracia, as liberdades civis são respeitadas, e os freios dirigem-se exatamente ao poder estatal para proteger o indivíduo.
Em 1986, e me permitam essa citação, falando para uma plateia de formandos em Maceió, capital de Alagoas, nunca esqueci - nunca esqueci! - o Prof. José Joaquim Calmon de Passos, que defendeu que todos aqueles que tivessem obtido a proteção de mandado de segurança e do habeas corpus deveriam representar contra a autoridade responsável pela coação e pelo constrangimento ilegal, como exercício de cidadania.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Senador Roberto Requião, de 1789, proclama que toda sociedade em que não estiver assegurada a garantia de direitos, nem determinada a separação dos Poderes, não tem Constituição. Nem Constituição, nem Estado de direito. Foi exatamente a propensão do homem ao abuso de autoridade que levou Montesquieu a idealizar o sistema de freios e contrapesos. Essa inclinação humana encontra limites nos direitos e garantias individuais, geralmente com status de cláusula pétrea, encartados nas Constituições dos países civilizados.
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Leis punindo excessos de poder dos agentes de Estado são próprias dos países do chamado mundo civilizado. Podemos citar como exemplos Argentina, Peru, Chile, Cuba, Alemanha, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Itália, França.
O tema é seguramente importante, tanto, Senador Lindbergh, que em 1985 mereceu uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, a declaração dos direitos das vítimas. No Brasil - e já encerro -, a legislação em vigor foi editada na ditadura militar, nos idos de 1965, época em que vigoravam impunes os métodos violentos do temido delegado Sérgio Fleury e os assustadores porões do Cenimar e do DOI-CODI, para onde eram levadas pessoas arbitrariamente.
É uma lei, como todos sabem, Senador Aloysio, branda, com penas minúsculas, que se destinava a acobertar excessos de toda ordem. Está, portanto, defasada e não se ajusta aos tempos atuais, quando o País respira democracia.
Os direitos fundamentais do indivíduo são as bases, como todos sabem, do regime democrático. Toda sociedade em que estes direitos não estejam efetivamente garantidos estará abandonada à própria sorte, refém de um Estado autoritário.
Todos os dias, em algum ponto deste imenso País, há um cidadão, Senador Aloysio, Senador Jorge Viana, sendo constrangido por algum tipo de abuso de autoridade. É o caso daquele que mora numa comunidade pobre, vem cansado de um dia de trabalho e no caminho de casa é abordado por um policial truculento que lhe aplica, sem mais nem menos, uma cachação. Em seguida pega para si o dinheiro do trabalhador, como acontecia em Diadema, num fato sobejamente conhecido pelo Brasil. Ou a cidadã que abandonou o marido, porque apanhou do marido ou sofreu qualquer tipo de violência sexual, e vai, Senador Jader Barbalho, prestar queixa na delegacia, mas é atendida com preconceito, e ali é humilhada pela autoridade policial.
O instrumento de que dispomos para combater os excessos dos agentes de Estado é uma lei de exceção que, deliberadamente, violava direitos. Por isso, não funciona, e interessa a alguns poucos, infelizmente, que continue a funcionar da forma que está.
A proposta legislativa para aprovar a legislação que hoje infratores está delineada no PLS 280, tipificando o crime de abuso de autoridade dolorosamente praticado por servidores públicos dos três Poderes, tanto nas suas instâncias inferiores como nas mais altas esferas.
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Importante assinalar que o texto - já disse aqui e queria repetir - é de 2009 e foi elaborado com muita responsabilidade. É importante que todos atentem para isso: com muita responsabilidade. O texto do projeto foi elaborado com muita responsabilidade por uma insuspeita comissão especial, integrada, entre outros, pelo Ministro Teori Zavascki, pelo Desembargador Rui Stoco e pelo ex-Secretário da Receita Everardo Maciel. Estes redigiram a proposta que está tramitando no Senado Federal.
O propósito da alteração legislativa em debate é apenas e tão somente resguardar direitos dos cidadãos contra o eventual autoritarismo do Estado. Sua finalidade, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, portanto, é punir o abuso exatamente para resguardar a autoridade. Inspirado na Constituição Federal, o projeto pune, como todos sabem, a prisão ilegal determinada; a colocação de presos de ambos os sexos na mesma cela, ou crianças e adolescente junto com maiores de idade; a realização de interceptações telefônicas ou escutas ambientes sem autorização judicial; a prática de violência moral ou física contra a pessoa.
De tal modo, os abusos de autoridade puníveis são aqueles que, por exemplo, ofendem a liberdade individual, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, os direitos de locomoção e a incolumidade física do indivíduo. Tais direitos devem ou não merecer proteção efetiva? Essa é a primeira pergunta que deixo para a sessão temática responder.
O inexcedível Pontes de Miranda, sempre ele... Eu ouso citar Pontes de Miranda, porque este Senado - eu me lembro -, por desejo da maioria, festejou aqui os cem anos de Pontes de Miranda. Pontes de Miranda é inexcedível, é considerado como o maior jurista de todos os tempos do Brasil. É considerado como o maior jurista de todos os tempos no Brasil. O inexcedível Pontes de Miranda, indagado, em plena ditadura militar, sobre as pessoas inocentes, presas sem julgamento por vários anos, respondeu:
Quem foi preso, não tendo sido feito julgamento em tempo e depois absolvido, a primeira coisa que deve fazer é procurar saber quem foram os responsáveis por isto e prendê-los. [E prendê-los!] Hoje, a gente vê cada coisa, mas espero que isto não aconteça.
Sobre o significado de Estado de direito, o ilustre jurista alagoano pregava que:
O Estado de direito é um Estado em que não há nada de arbítrio e onde tudo se rege por regras jurídicas, feitas de acordo com a Constituição e a democracia. Sem democracia [dizia Pontes de Miranda] e liberdade, não há Estado de direito.
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O livro Eclesiastes diz que - e esta sessão também serve para isso - há tempo de espalhar pedras e tempo de juntar pedras. Este momento é, portanto, no Senado Federal, o momento de juntar pedras, num esforço conjunto de cultivar a paz, tendo como foco a tolerância com as opiniões divergentes o respeito ao próximo e, fundamentalmente, a proteção dos direitos e das liberdades individuais.
Eu, de logo, nesta rápida introdução, agradeço o comparecimento de todos e a atenção que dispensaram a essas breves palavras, reiterando o meu compromisso, como Presidente do Senado Federal, com a Constituição Federal, com a harmonia e a independência dos poderes.
Eu tenho a honra e a satisfação de registrar a presença de outras autoridades que nos honram nesta sessão temática: do Procurador Regional da República e Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Sr. José Robalinho Cavalcanti; do Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público, Sr. Rinaldo Reis Lima; do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, Sr. Ivonei Sfoggia; do Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais, Srª Michelle Leite; do Procurador Nacional de Defesas das Prerrogativas - muito boa e oportuna a sua presença aqui nesse debate -, Sr. Charles Dias; do Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado da Paraíba, Sr. Raoni Lacerda Vita; da Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Srª Carolina Louzada Petrarca; e dos Defensores Daniele Osório, Dinarte da Páscoa Freitas, Felipe Augusto, Francisco Macedo, Luiz Carlos Martins, entre outros.
O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, queria prestar uma rápida informação, que eu considero importante. Há poucos dias, eu fui designado Líder do Governo no Congresso, e, antes, tinha sido designado Relator dessa matéria. Entendi que não caberia, exercendo o papel de Líder do Governo, relatar uma matéria como essa, que, em tese, não diz muito respeito ao Governo; ao contrário, o Governo pode ser um dos entes que abusam da autoridade. Portanto, essa matéria diz respeito diretamente ao Congresso Nacional.
Entendi, então, de entregar a relatoria. E vejo essa relatoria nas excelentes mãos do Senador Roberto Requião. Então quero registrar aqui que participarei ativamente do debate, mas não exercendo o papel de Líder do Governo, mas, sim, exercendo o papel de Senador da República no terceiro mandato. Queria fazer esse registro.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu queria, antes de conceder a palavra à primeira convidada, comunicar aos Senadores e Senadoras que está convocada sessão extraordinária a realizar-se após o encerramento desta sessão temática.
Mais uma vez, comunico que teremos uma nova sessão temática no dia 1º de dezembro, com as presenças confirmadas do Exmo Sr. Juiz Sergio Moro e do Exmo Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal.
E comunico também aos Senadores que, amanhã, às 11h30, nós receberemos, no gabinete da Presidência do Senado Federal, a honrosa presença do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que não teve como participar ontem da sessão temática e pediu que nós administrássemos a possibilidade de uma conversa dele com os Líderes e com os Senadores.
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Portanto, todos estão convidados.
A Presidência informa que cada convidado usará da palavra por até 20 minutos, mas, se precisar seja de qual tempo for, para concluir seu pensamento, nós asseguraremos a palavra.
Logo em seguida, nós inscreveremos os Senadores, que falarão por até dez minutos, podendo fazer perguntas a qualquer um dos convidados. E nós teremos para este debate - que é importante e insubstituível - o tempo que for necessário, para amadurecermos a discussão, de modo a preparar a apreciação da matéria para o dia 6.
Senador Aécio Neves
O SR. AÉCIO NEVES (Bloco Social Democrata/PSDB - MG. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, é apenas para registrar a importância desse encontro primeiro, dentre outros que ocorrerão, para discutir uma matéria dessa relevância. É apenas um questionamento formal.
Nós temos ainda a Ordem do Dia prevista para a votação, em segundo turno, da Reforma Política, da PEC nº 36. Eu consulto, até para que haja a convocação dos Srs. Senadores, a que horas V. Exª pretende iniciar a Ordem do Dia.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Tão logo encerremos esta sessão temática, haverá... (Fora do microfone.) ...uma sessão extraordinária...
O SR. AÉCIO NEVES (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Imediatamente após a conclusão desta matéria.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - ...para votarmos em segundo turno a Reforma Política e para apreciarmos outros itens da pauta...
O SR. AÉCIO NEVES (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - ... principalmente a nova versão da Lei de Repatriação.
O SR. AÉCIO NEVES (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Perfeito.
Agradeço a V. Exª.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS. Sem revisão do orador.) - Presidente, só para saber se já não há inscrições feitas, porque, ao que consta, já há algumas inscrições e eu estaria entre os inscritos.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - V. Exª já está, Senador Lasier, devidamente inscrito.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP. Sem revisão do orador.) - Presidente, com a sua autorização, solicito a inscrição também.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - V. Exª também, Senador Randolfe.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Eu lhe agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Eu tenho a satisfação de conceder a palavra à Exma Srª Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Subprocuradora-Geral da República.
Com a palavra, V. Exª.
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Obrigada, Sr. Presidente. Sr. Relator, demais convidados aqui na Mesa, que compartilham esta Mesa de debates, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, colegas de Ministério Público que estão aqui, servidores do Senado e demais presentes.
Venho representando o Procurador-Geral da República para este debate do PLS 280, que pretende, na verdade, revogar a atual Lei de Abuso de Autoridade, para modernizá-la, criando novos tipos, novas penas e também novas condições para o exercício da ação penal subsidiária.
Eu gostaria de dizer que venho aqui representando o Procurador-Geral, mas também na qualidade de Coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal e com experiência também na propositura de ações penais originárias contra colegas, contra juízes, contra prefeitos, porque sou uma procuradora da área criminal há 24 anos no Ministério Público Federal e também fui conselheira do CNJ, representando o Ministério Público da União. Inclusive, um desses casos citados pelo Senador Renan - a questão do juiz lá na Bahia que abusou do poder e mandou prender duas pessoas -, salvo engano, passou pelo Conselho e foi instaurado procedimento administrativo disciplinar.
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Digo isso para posicionar a discussão, num primeiro momento, e, depois, atendendo à solicitação do Senador Aloysio Nunes, para pontuar especificamente o que vejo nesse projeto, com o substitutivo do antigo Relator, Senador Jucá.
O que é importante dizer, primeiro, é que nós não estamos trabalhando na ausência de norma. Quando se discute o abuso de poder, nós não estamos falando de ausência de norma. Não estamos falando de um fato que só seria ilícito administrativo ou só seria um ilícito punível na questão disciplinar. Existe norma; existe a Lei de Abuso de Poder. E, mais: vários dos tipos que se pretende colocar na nova lei já existem no nosso Código Penal. Então, é importante dizermos que nós não estamos trabalhando na ausência de regras. Existem regras, tanto do ponto de vista administrativo como do disciplinar, de cada uma das instituições dos órgãos de Governo - especialmente Ministério Público, magistratura e polícias - e existem também tipos penais. Então, eu diria que a primeira questão é essa. Não estamos falando de ausência de normas. Não estamos falando que os delitos que possam ser punidos, que estão aqui no novo projeto e que passariam a ser abuso de poder não existam. Esses delitos estão punidos no nosso Código Penal ou em legislação específica.
Deixo aqui, imediatamente, para conversarmos um pouco depois, o delito de denunciação caluniosa, ou seja, instaurar procedimento, sabendo que aquele fato não é verdadeiro. Isso vai desde o inquérito policial até a ação penal e a ação de improbidade, na modificação que foi feita no nosso Código Penal, em 2000. Falo da quebra de sigilo funcional, o que abrange revelar fatos sigilosos de dentro do processo. Há, inclusive, condenações desse tipo penal. Falo também da revelação de fazer intercepção ilícita - eu mesma já promovi ações penais de intercepção ilícita. Falo da coação no curso do processo e falo da fraude processual. Todos esses delitos estão colocados no nosso Código Penal ou na chamada legislação extravagante. Por exemplo, a que autoriza a interceptação telefônica vem exatamente com o tipo penal, que diz que fazer interceptação telefônica sem lei é crime. Isso, desde 1996.
Então, a primeira coisa sobre a qual eu acho que nós deveríamos nos debruçar - e aqui já deixo como sugestão - é justamente verificar, na legislação que já existe, se esses delitos do Código Penal deveriam ser retirados do Código Penal e passar a compor uma única lei, sob a égide "abuso de autoridade", sob pena de amanhã termos uma dificuldade muito grande, não só para o Ministério Público, que irá, ao fim e ao cabo, exercer essas denúncias, porque aqui, na Lei de Abuso de Poder, se menciona que o abuso é uma ação penal pública condicionada à representação. Então, o Ministério Público precisaria ficar condicionado à representação para o exercício desses delitos? Ou a ação penal pode ser incondicionada, como já está previsto no Código Penal e, portanto, já está no exercício do Ministério Público?
Por outro lado, há questões de penas diferentes. Há penas que, na Lei do Abuso, são menores do que as que estão no Código Penal. Vejam: talvez nós tenhamos uma legislação mais profunda, porque ação penal incondicionada não depende da representação, com penas específicas e que atingem a todos, quaisquer que sejam aqueles que cometem abuso de autoridade. Então, essa é a primeira consideração que eu gostaria de colocar.
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Fala-se muito também na questão da consequência do delito, e há que se ver, logo no substitutivo, que a primeira questão é: é consequência da pena a perda da função. A perda da função da condenação penal está no nosso Código Penal, no art. 91, e eu mesma posso dizer que promovi ações penais contra membros da magistratura que perderam a função.
Faz-se um pouco de confusão, muitas vezes, entre a perda da função da condenação penal e a pena administrativa do processo administrativo, que, no caso dos integrantes da magistratura, é previsto na Loman. A Loman, como sabemos, a Lei da Magistratura, é de 1979 e de iniciativa do Supremo. O Supremo tem lá uma comissão para a questão da Loman - certamente o ministro Gilmar, quando aqui vier, poderá nos falar mais sobre o projeto de iniciativa. Já o Ministério Público da União tem uma lei de 1993, muito mais recente, pós 88 - os ministérios públicos estaduais também têm suas leis -, e, no caso do Ministério Público da União, é possível uma ação civil de perda de mandato. Então, faz-se muita confusão sobre a questão da pena máxima no processo administrativo e a perda do cargo decorrente da condenação em ação penal, como qualquer pessoa que exerce cargo público. Então, todos que exercem cargo público, inclusive aqueles que são equiparados, podem perder a função em função de condenação em ação penal. A pena administrativa é outra coisa.
Aliás, sobre pena administrativa, já foi aprovada, nesta Casa, uma PEC para magistrados e membros do Ministério Público: há pena da perda da função quando transitada em julgado a decisão de um processo administrativo. Ela se encontra na Câmara dos Deputados para apreciação.
Então, é importante compreender todo sistema de definição de tipos, do que está na lei extravagante, do que está no Código Penal, quais são as consequências e suas penas. E é importante também pensar quais tipos são esses. Vejam, os tipos não podem ser muito abertos, porque isso é específico do Direito Penal.
O que é o Direito Penal? O Direito Penal, inclusive como lembrou aqui o Senador Renan, Presidente desta Casa, o tipo penal tem que ser um tipo fechado; ele não pode ser um tipo aberto. Ele não pode dizer: "Falta de decoro é crime." Isso pode ser uma pena administrativa, isso pode ser de um código de ética, mas isso não pode... Eu tenho que dizer exatamente o que é.
Então, os tipos abertos levam a muitas dúvidas, e a pior das dúvidas é considerar aquele tipo inconstitucional, a pena desproporcional àquele tipo... Fica muito difícil para o Ministério Público promover uma ação penal com tipo aberto. A defesa vai acabar atuando e vai acabar, muitas vezes, levando ao trancamento daquela ação penal.
Há outro tipo que também está no Código Penal: o excesso de exação. O excesso de exação, que é cobrar um tributo sem que esse tributo exista - ou a concussão, que é específico e se trata de cobrar dinheiro para não fazer a atribuição -, está aqui como tipo de abuso de poder. Ele também está no nosso Código Penal. Então, é mais um tipo que precisa ser harmonizado.
Quando nós falamos do exercício da ação penal para o abuso de poder, desde a antiga lei e em outras situações, a nossa legislação prevê ação penal subsidiária. Como essa ação subsidiária se dá? Ela se dá na omissão do Ministério Público, quando essa ação é pública condicionada à representação. Só que essa omissão tem que ser omissão - tem que ser não fazer -, e não pedir diligências para melhor explicitar o caso. Aliás, quem diz isso não é o Ministério Público; quem diz isso é o Supremo Tribunal Federal, em um acórdão bem recente do próprio Ministro Gilmar Mendes. Por quê? Porque eu posso receber uma representação e o Ministério Público pode entender que não é o caso de oferecer denúncia imediatamente, mas sim fazer diligências em um procedimento investigatório criminal, pedir informações para a pessoa que está sendo acusada - porque aí temos um devido processo legal. E temos que lembrar que, em muitas situações, a ação penal subsidiária não pode ser usada como instrumento de perseguição ou como instrumento daquilo que poderia ser feito no curso do processo, como instrumento de defesa.
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Vou citar um exemplo recente: temos hoje uma ação penal, uma investigação contra um determinado juiz. O juiz arguiu a suspeição de um membro do Ministério Público Federal - o que foi rejeitado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde temos essa investigação pela Loman, porque a investigação dos juízes ocorre perante os próprios juízes. E o que fez o investigado? Entrou com uma queixa-crime no Superior Tribunal de Justiça - queixa-crime subsidiária. Então, nós temos que ter muito cuidado nessas situações.
Muitas vezes a Defensoria, por exemplo, estará com o Ministério Público como assistente de acusação, para melhor elucidar os fatos.
Então, o exercício da ação penal subsidiária, que é previsto em nossa Constituição, que existe e que é feita, tem que ser feita na inação do Ministério Público, e não quando o Ministério Público pede diligências. Acho que isso é importante e não está explicitado no projeto, mas pode ser colocado, porque essa é a jurisprudência homogênea do Supremo Tribunal Federal.
E é importante, também, que, quando nós... Aí eu já faço um parêntese para dizer que esse estudo... Eu conversava com o Senador Requião antes, e ele disse que nos trará um estudo de Direito Comparado. Isso é muito importante, porque o Direito não é uma coisa - embora ele tenha a característica do país -, ele não está sozinho no mundo. Os nossos sistemas se comunicam. Então, quando nós olhamos a legislação comparada, vemos como os outros países tipificam, quais são as penas, o que é e o que não é proporcional.
Mas também é muito importante nós nos debruçarmos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, lembrando que estamos em 2016 e a Constituição é de 1988. E, quando nos debruçamos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, hoje, nós vemos que o Supremo já interpretou muitas vezes o devido processo legal, um tipo aberto, a proporcionalidade da pena e, inclusive, a interpretação de algumas questões que estão colocadas na lei de 1965.
Então, isso é importante também, porque nós vamos ver questões que já foram enfrentadas de verdade, para além do nosso debate. Digo isso porque o nosso debate... Eu vou trazer exemplos, mas quantos exemplos já não passaram pelas nossas cortes e chegaram ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, na interpretação de dispositivos como esse, por exemplo, de quando pode ser exercida a ação penal subsidiária quando o Ministério Público não age, e o que seria esse não agir?
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Então, acho importante também nos abeberarmos dessa jurisprudência já feita até porque, como disse o Presidente Renan, o projeto original que começou lá em 2009 e passou por várias propostas aqui na Casa surgiu de uma perspectiva de dois integrantes, hoje, da magistratura do Supremo Tribunal Federal.
Bem, feitas essas questões, acho importante dizer que é evidente - e falo pelo Ministério Público Federal - que nós, que somos os autores da ação penal, temos uma responsabilidade bastante grande quando da propositura da ação penal, mas também temos de ter a garantia que o exercício da propositura da ação penal não será perseguido de forma a nos tornar suspeitos dentro do processo, por quê? Uma vez que as respostas às defesas não sejam feitas no curso normal do processo com seus recursos - e, inclusive, sabemos que o uso do habeas corpus é tanto para os tribunais de Justiça, para os Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo -, aquilo, efetivamente, poderá ser considerado um abuso de poder; do contrário, determinadas ações ficarão comprometidas, porque um juiz pode dar uma prisão preventiva dentro da previsão dos artigos do Código de Processo Penal ou substituí-los por uma outra medida e aquilo vir a ser contestado pela defesa no rito processual dos recursos e vir a ser modificado, mas não necessariamente houve irregularidade ou, pior, ilicitude e crime, quando da concessão, e isso na atividade de qualquer de nós, sejam autoridades do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público ou das funções equiparadas.
Precisamos ter essa atenção daquilo que pode ser um ato ilícito desde o começo e daquilo que é uma interpretação da norma. Por isso, é tão importante que os tipos não sejam abertos.
Nós do Ministério Público Federal temos a certeza de que os nossos atos podem ser passíveis de punição dentro sistema vigente, pelos tipos penais que já existem, pela nossa Lei Orgânica nº 75, de 1993, pelo controle do nosso Conselho Nacional do Ministério Público, o nosso controle interno, o Conselho Superior do Ministério Público Federal e o Conselho Nacional do Ministério Público; o paralelo também na Magistratura, no CNJ.
Eu gostaria de deixar pontuada, nesta minha fala inicial, esta questão de que não achamos que os nossos atos ilícitos não devem ser passíveis de punições, que estas punições são previstas tanto no âmbito dos feitos administrativos, controle interno e externo, e, falando aqui no caso da polícia, é a Constituição que nos faz o exercício do controle externo da atividade policial.
Se formos olhar, por exemplo, uma publicação que é feita pelo CNMP, que é o retrato do Ministério Público, veremos que várias das ações que existem são ações de abuso de poder e de punição de atos de abuso de poder. Aliás, no âmbito do Ministério Público Federal, para além da Câmara de Coordenação Criminal, temos uma câmara específica do sistema penitenciário e do controle externo da atividade policial.
E, aqui, eu gostaria de dizer que temos um instrumento muito importante, hoje, que pode coibir eventuais abusos no início da atividade, quando há uma prisão, que é a audiência de custódia, sobre a qual V. Exªs, inclusive, devem se debruçar brevemente. Estava marcada até, salvo engano, para hoje mesmo a votação do Projeto de Lei nº 557, de 2011, com a Senadora Simone Tebet, que é a Relatora. Eu estava no CNJ quando foi feita a resolução.
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O Ministério Público Federal tem uma nota favorável à audiência de custódia ainda no Projeto 577, com alguns aprimoramentos, inclusive com a emenda do Senador Aloysio, que permite um prazo de 72 horas e a videoconferência, que o Ministério Público Federal apoia fortemente por conta das características do nosso País - e até porque a videoconferência existe em todas as subseções da Justiça Federal e em muitas estaduais.
A audiência de custódia é um instrumento muito importante para coibir determinados abusos nas prisões em flagrante. E aí ela já coíbe no início. Isso também não está previsto ainda ou nem mencionado no projeto do abuso de poder.
Feitas estas considerações e passando para alguns pontos já do projeto que eu creio merecem considerações, exatamente já falando sobre aqui alguns pontos.
(Soa a campainha.)
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - "Art. 10. Deixar de comunicar a prisão em flagrante [...]." Eu estou mencionando aqui o substitutivo do Senador Jucá, que, parece-me, foi o último.
"Art. 10. Deixar de comunicar a prisão em flagrante [...]." Isso tem de ser visto hoje em relação à audiência de custódia.
"Art. 15. Submeter o preso ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja [...]." Também, porque ele vai ser levado à audiência de custódia.
O art. 17, que é também o envio do pleito do preso à autoridade judicial. Este art. 17 é extremamente aberto porque imaginem um preso que está no regime disciplinar diferenciado, vários em nossos presídios federais e vários em São Paulo, por exemplo, em que existem estes regimes. Qualquer carta, e para isso nós temos o advogado, é o advogado que pode trazer. Temos de ter cuidado com este tipo; é um tipo aberto, porque deixar de retardar o envio de pleito do preso à autoridade judicial...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - "Art. 21. Invadir ou adentrar, clandestina, astuciosamente ou à revelia da vontade de quem de direito, o imóvel alheio ou as suas dependências [...]." É muito importante. É uma discussão sobre a questão da busca domiciliar sem mandado, mas precisamos ver a questão da jurisprudência, porque existe jurisprudência sobre isso.
"Art. 22. Promover interceptação telefônica [...] sem autorização [...]." Isso está na lei de 1996.
O §3º do mesmo art. 22 já está previsto no 335 do Código Penal.
"Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada." Ele já está no 339 do Código Penal com penas até mais altas, incluindo a ação de improbidade.
"Art. 34. Cobrar tributo ou multa [...]." É o excesso de exação.
Ou seja, existem vários crimes que já estão previstos. Então, é importante harmonizar, levar em consideração a audiência de custódia e todo o sistema de punição e de penas que já existem.
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Também há aqui na Casa o projeto de Código Penal. O projeto de Código Penal também já trazia para dentro dele alguns crimes de abuso de autoridade, numa tentativa de evitar legislações esparsas.
Eram essas as considerações que eu tinha a fazer, representando o Sr. Procurador-Geral da República, o Dr. Rodrigo Janot, que aqui não está porque hoje a sessão do Supremo Tribunal Federal se realiza pela manhã e à tarde. Ele se encontra no Supremo, e hoje há julgamentos importantes de recursos extraordinários vinculantes para o Ministério Público como um todo. É o que deixo aqui para consideração.
Agradeço muito esta oportunidade do debate. Acho que esta é a Casa do debate. Precisamos debater e contribuir, nós que somos do sistema de Justiça - Defensoria, Ministério Público e Advocacia. A magistratura se fará representar aqui na próxima sessão, como já nos informou o Sr. Presidente, para que possamos contribuir, com a nossa experiência e com toda a história que já foi feita no exercício, do ponto de vista do Ministério Público, de promoções de ações para evitar o abuso de poder de qualquer uma das autoridades do nosso País.
Muito obrigada pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção inicial da Subprocuradora-Geral da República.
Aproveitamos para dar uma rápida informação que, com relação à audiência de custódia, apesar de ser uma matéria já pacificada aqui no Senado Federal, ela não foi apreciada ainda porque nós atendemos a um pedido da Presidente do Supremo Tribunal Federal, que gostaria de ter uma discussão prévia sobre a matéria, de modo que nós não vamos ainda votar enquanto não esgotarmos essa discussão com o Supremo Tribunal Federal.
Eu tenho a satisfação de conceder a palavra ao segundo convidado, Carlos Eduardo Barbosa Paz, Defensor Público-Geral Federal.
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, o meu boa tarde.
Gostaria de cumprimentar as Srªs e os Srs. Senadores aqui presentes na pessoa do Sr. Relator, Senador Roberto Requião. Sintam-se todos abraçados, bem como os meus colegas convidados de Mesa.
Ilustre membro do Ministério Público Federal, Drª Luiza, e ilustre membro do Conselho Federal da OAB, Dr. Simonetti, é uma satisfação poder ombreá-los nesta manhã.
Quero saudar os nossos colegas defensores federais aqui presentes, os senhores procuradores e magistrados, os servidores desta Casa, e especialmente os cidadãos brasileiros que nos acompanham pela TV Senado e que, certamente, se precisarem, farão uso dos serviços das Defensorias Públicas por todo o País.
Esse agradecimento inicial ao Senado Federal vem da oportunidade de a Defensoria Pública da União contribuir com as discussões acerca de tema tão relevante e tão caro àqueles que labutam na esfera do Direito Penal e do Processo Penal. Posso assegurar-lhes que, por essência, a Defensoria Pública tem essa atribuição e consome um grande tempo dos colegas, tanto federais quanto estaduais, nas lidas cotidianas pelo País.
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O tema é palpitante, o tema traz realmente debates, e eu gostaria de fazer uma breve contextualização com relação à necessidade de discuti-lo. A Defensoria Pública entende que sempre há tempo, Presidente Renan, de se discutirem mecanismos legislativos de respeito, garantia e fortalecimento de direitos aos cidadãos, especialmente no espectro constitucional que está posto.
A Lei do Abuso de Autoridade, que data de 1965, um período extremamente já passado, tem uma feição, ao nosso ver atualmente, anacrônica a uma realidade que está posta e merece, sim, das Casas Legislativas, luzes de atualização. Da mesma forma que cabe ao administrador público avaliar a oportunidade e a conveniência de um ato administrativo, pensamos que cabe às senhoras e aos senhores, dignos Parlamentares, a oportunidade e a conveniência do mérito legislativo de qualquer matéria que venha a debate. Isso é trabalho destas Casas.
Caberá a nós, instituições do sistema de Justiça, da sociedade civil organizada contribuir, em qualquer tempo, com essas discussões. Por isso que aqui estamos, de muito bom grado, e esperamos, de alguma forma, acrescentar algo às convicções das Srªs e dos Srs. Senadores, legítimos representantes do povo brasileiro, assim como os Deputados.
Em um momento ou outro em que venham temas como este a debate, estaremos atentos e dispostos a esse tipo de raciocínio, até porque me parece que a Defensoria, Senador Requião, consegue dar cores de uma realidade vivida por trás de autos inquisitoriais e de processos penais. Não vemos apenas papéis. Nós estamos em contato direto com aqueles que estão por trás desses papéis.
O Congresso Nacional, parece-me, não vai se furtar da sua responsabilidade de apreciação e legislação acerca de questões que afetem diretamente a vida dos brasileiros. Aqui, especialmente, o público preferencial, o público prioritário das Defensorias Públicas é potencialmente atingido pelas condutas que aqui serão discutidas e por procedimentos e rotinas que envolvam a persecução penal, seja ela em sede policial, seja ela em juízo.
Muitas das dificuldades que são avaliadas, mensuradas e sofridas pelos defensores públicos e pelos assistidos - porque, quando um assistido sofre algum tipo de violação, esse sofrimento estende-se a quem o defende, geralmente estamos apenas os defensores ao lado daquele acusado, não daquele condenado ainda. As questões procedimentais do processo penal parecem ser muito mais massacrantes a quem quer ver uma justiça alcançada.
Aqui coloco que a Defensoria Pública, ao ingressar em um procedimento, não ingressa para condenação ou para absolvição; a defesa é técnica, e queremos ver a justiça feita. Daí porque somos favoráveis a um Estado muito mais atento para a apuração de condutas que venham a turbar o sistema de equilíbrio acusatório, de equilíbrio defensório, de equilíbrio julgador que precisamos encontrar, principalmente no processo penal.
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O projeto para o qual estamos aqui a tentar contribuir traz questões relevantes que convivem com um processo penal real, Srªs e Srs. Senadores, e não com um processo penal dos livros, e não só um processo penal daquilo que se lê nos éditos legislativos dessas Casas. Convive-se com esse tipo de conduta nas cadeias públicas, nos flagrantes delitos, nos centros de detenção provisória, por exemplo, e em tantos outros momentos da persecução penal.
É de se lembrar - e aqui já trago alguma informação - que a letalidade policial nacional, apurada por diversos organismos internacionais, vide a quantidade de autos de resistência, é alta em nosso País e vitimiza, sobretudo, populações pobres, vulneráveis, periféricas e negras, público que compõe a maior parte das pessoas atendidas pelas defensorias públicas no País.
O encarceramento provisório, como regra, deteriora o já combalido sistema penitenciário que estamos vivendo e exige, sim, dos órgãos do sistema de Justiça - magistratura, Ministério Público, defensoria, advocacia -, reiterados e insuficientes mutirões carcerários, enfrentando-se apenas a consequência, sem se adentrar o núcleo causal.
Aqui, senhoras e senhores, é de conhecimento de V. Exªs que, de tempos em tempos, as defensorias são convidadas a prestar assistência jurídica integral e gratuita em mutirões carcerários. Lembro que, nos idos de 2009, o CNJ se debruçou sobre isso. E o que se encontra a cada mutirão carcerário que é feito? Encontram-se presos há muito tempo naquele sistema, encontram-se processos extremamente inacreditáveis. O mutirão é feito, o mutirão é levado a efeito, são divulgados dados - "soltaram-se x pessoas, encaminharam-se tais outros processos" -, mas não se vê uma preocupação, fruto daquele resultado, de como evitar um próximo mutirão carcerário com aqueles mesmos resultados.
Os defensores públicos que já atuaram em Força Nacional de Execução Penal por penitenciárias de todo o País sabem exatamente o que vão encontrar nos trabalhos de mutirão carcerário. Infelizmente, só não sabem que, num próximo mutirão carcerário, aquele tipo de situação não estará ausente. Ao contrário.
Então eu pergunto: uma legislação anacrônica de 1965 ou algumas outras legislações esparsas, como colocadas anteriormente, estão sendo suficientes para mudar essa realidade? É a pergunta que a defensoria pública se faz. E não são perguntas de espírito ou filosóficas; são perguntas operacionais, de quem está lá vendo, no sistema penitenciário e no sistema penal, o que acontece com essas populações mais vulneráveis.
Nem sempre isso está na mídia, nem sempre isso frequenta os domingos à noite, porque causas que estão aqui sob as nossas lidas são causas silenciosas. E aí me valho da observação inicial da Presidência de que o silêncio fala muito. E essa é a nossa preocupação, porque, no silêncio que vem sendo estabelecido nas violações dos direitos humanos e nas violações por abuso de autoridade, há pessoas que sequer conseguem ter acesso a uma defensoria pública. Esse silêncio não fala para nós defensores; esse silêncio grita. E espero também que esse grito chegue à discussão para formar a convicção das senhoras e dos senhores.
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O que queremos ver numa lei de abuso de autoridade atualizada, numa lei de abuso de autoridade que responda às necessidades, é que, ao se encontrar, por exemplo, insisto, num mutirão carcerário, alguém que esteve preso por muito mais tempo, alguém que, já com medida de liberdade deferida, permaneceu, por motivo a, b, c ou d, encarcerado, que aquilo não vá para o jornal apenas como um número, "soltamos tantas pessoas", mas vá para um jornal "punida a autoridade", de qualquer nível, de qualquer esfera, que manteve alguém preso por mais tempo, porque aquele dano é irremediável. Mesmo que seja ressarcido financeiramente, aquele dano é irremediável.
Nossa preocupação também se coloca nas questões dos flagrantes. V. Exªs vão recordar que esta Casa legou ao processo penal brasileiro a comunicação obrigatória dos flagrantes às defensorias públicas. E eu recordo que, no início daquelas discussões - não sei se algum dos convidados se deparou com uma situação como essa -, nas ausências de comunicação de flagrante, e ainda não havia a audiência de custódia estabelecida, chegávamos ao processo e perguntávamos: "Há um flagrante e não houve comunicação?" E, muitas vezes, Srªs e Srs. Senadores, nós nos deparamos com uma decisão que dizia: "Não houve comunicação", e aquilo passava a ser uma mera irregularidade sanável ao procedimento. Enquanto isso, aquele flagranteado esteve provisoriamente preso, inchando - inchando - os estabelecimentos prisionais.
Talvez, não seja por acaso, Senadores, que hoje, agora, neste instante, a Folha de S.Paulo ou, salvo engano, o Estadão noticie que há presos colocados em ônibus, no Rio Grande do Sul, porque não há espaço em penitenciárias. Então, fomos dos contêineres aos ônibus.
O encarceramento provisório tem sido, sim, resultado de muitas condutas de que sequer conseguimos dar conta. E, talvez, com uma lei um pouco mais atualizada, a realidade possa se mostrar menos dolorosa para todos os envolvidos - porque eu tenho certeza de que um governador de Estado, como muitos daqui foram, não quer ver uma notícia dessas sobre o seu Estado; de que presos estão colocados em ônibus, porque não há espaços em cadeias, não há espaços em penitenciárias.
Então, eu digo que a nossa presença aqui - o que vai ao encontro do que foi colocado no discurso de contextualização da Presidência - vem trazer o olhar pelo viés desse mais vulnerável. São essas pessoas que sofrem, diuturnamente, abusos de autoridade. Quando nós defensores conseguimos saber, ainda conseguimos tomar alguma providência, fazer alguma representação ao próprio Ministério Público, ao Judiciário, mas sequer temos condição de saber dessas violações, ou, quando nos chegam, as provas delas já estão completamente esmaecidas, e não conseguimos levar isso a efeito.
Bem, eu penso que podemos aqui colocar algumas pontuações que foram feitas com relação ao projeto em si. Quando eu falei que o procedimento penal é muito caro à Defensoria Pública ou à atuação de uma defesa criminal técnica, é porque esse processo é o elemento garantidor de que não se devem cometer excessos. E o projeto apresentado, bem como o seu substitutivo, traz algumas questões de cunho processual que me parece relevante serem destacadas nesta manhã, se o tempo nos permitir.
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A questão da ação penal privada subsidiária da pública, que foi tratada pela ilustre membro do Ministério Público Federal, traz aqui uma reflexão um pouco mais ampla, de que o cidadão, aquele que já tem o "direito" - aspas - de figurar como réu, ou aquele que tem a prerrogativa de ser vítima dos abusos de autoridade, possa, sim, apresentar às instâncias constituídas do nosso País a sua inquietação, o seu relato de violação, independentemente da atuação tempestiva ou não da autoridade ministerial ou da autoridade dominus litis, aquela que tem o mister constitucional da ação penal.
E aqui, se pegarmos os §§5° e 6º do art. 3º, Senador Requião, nós vamos ter aí a possibilidade, no §6º, de qualquer pessoa que tenha sido vítima de violação de direitos através de abuso de autoridade não precisar aguardar oferecimento de denúncia, pedido de diligências da autoridade ministerial e, num prazo de até seis meses, colocar, sim, as suas pretensões ao Poder Judiciário. Querendo ou não, é uma extensão do direito de petição na seara penal, sem necessidade de se esperar qualquer autoridade para isso. Não é preciso, então, esperar qualquer situação de abuso, de excesso de prazo de atuação, para colocar isso.
Lá na parte final do projeto, temos algumas contribuições do ponto de vista também procedimental, e eu vou trazer um debate que já se tem iniciado em outras Casas Legislativas, com relação às provas ilícitas. Quando se fala da obtenção de provas de escutas telefônicas, quando se fala das quebras de sigilo colocadas na Lei nº 9.296, de 1996, temos um outro anacronismo, e aqui um anacronismo de obsolescência tecnológica, senhores: em 1996, as formas de captação de áudio, de escuta, de vídeo, de possibilidades de quebra de sigilo, eram umas. Nós estamos, agora, num outro cenário tecnológico, que me parece requerer, Senador, uma atualização da lei das escutas, do uso desse tipo de áudio, desse tipo de vídeo. Ora, em 1996, se acessava a internet através de BBSs. Não estava em nossos smartphones. Então, o tipo de captação e o tipo de uso desse tipo de prova em processos penais precisa, sim, ter um olhar mais atualizado. Tanto é que o tipo penal que era colocado lá no art. 10 da Lei 9.296 era um tipo muito conciso, e aí a obsolescência tecnológica tornou o tipo penal do art. 10 aberto.
Então, eu acho que é necessário, sim, que se discuta uma melhor conformação de como isso é obtido, mas não só como isso é obtido, como isso é usado nos processos penais. Porque aí vem a luta, aí vem o embate do contraditório para que essa prova dita ilícita, ou, mais ainda, dita aqui - sinceramente - "prova ilícita obtida de boa-fé", o que para mim é um paradoxo, é uma referência circular, que não leva a nenhum lugar - se é ilícita, é ilícita, e a doutrina nacional e internacional disso não faz qualquer...
(Intervenção fora do microfone.)
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O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - Ontem se discutiu.
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN (Fora do microfone.) - Não, isso na verdade está no primeiro relatório...
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - Sim, sim.
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN (Fora do microfone.) - Tem razão.
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - E nós precisaremos manter essa discussão fora de qualquer futuro relatório, Srªs e Srs. Senadores. Rediscutir o tema de prova ilícita com validade? O que é isso? Acho que o Direito Constitucional brasileiro e internacional já avançou bastante com os reflexos do garantismo no processo penal, e garantismo não significa impunidade. Garantismo não significa impunidade. Garantismo é fazer o que precisa ser feito no âmbito do direito posto. Isso é o garantismo. Ninguém está pedindo aqui um processo penal mais frouxo ou mais rígido. Está sendo pedido um processo penal condicional, com observância do que precisa ser feito lá.
Há uma outra questão importante para a qual chamo a atenção das Srªs e dos Srs. Senadores. É com relação à atualização de uma modalidade de prisão criada em 1989, um ano após a Constituinte, que é a chamada prisão temporária, da Lei nº 7.960. Naquela época, ainda com o País se conformando ao modelo constitucional, ela veio para tentar mudar a feição da antiga prisão administrativa, ou prisão para averiguações.
É claro que a Lei nº 7.960 teve seus defeitos, e o que há de interessante nessa propositura...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - O que há de interessante nela é a preocupação com a prisão no tempo certo. E eu peço, sim, que isso seja visto e mantido, porque nós, na atividade policial - fui defensor federal, com atuação de base na área criminal -, nos encontrávamos em situações em que um preso permanecia detido no intervalo extremamente incompreensível entre o término da prisão temporária e a expectativa de uma prisão preventiva. Então, o preso estava custodiado, e perguntava-se: "Por que ele está custodiado? Já não está vencida a temporária?" "É, mas parece que vão decretar uma preventiva."
Então, o que está colocado aqui com propriedade no texto? Que o mandado de prisão preventiva tem que ter o dia de início, o dia de término, e o primeiro dia tem que estar contemplado naquele período; e que a autoridade policial que vier a manter alguém na expectativa de uma prisão preventiva ou na expectativa de uma prorrogação de temporária, nos termos da legislação colocada, incorrerá em abuso de autoridade.
Senhoras e senhores, como eu disse, cabe à Defensoria trazer um pouco de realidade. E, aí, eu gostaria só de lembrar aos senhores, um pouco na esteira do que fez o Senador Renan na abertura dos trabalhos, que o que nos preocupa e que merece uma atualização da Lei de Abuso de Autoridade, lá de 1965, é que precisamos ainda nos deparar com notícias como a de que há denúncias de abuso policial em comunidades; ou seja, a polícia sobe o morro, e aí uma série de violações são verificadas. E, também, a Defensoria precisa ir à Justiça para evitar, por exemplo, revistas coletivas de atividade policial em comunidades.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - Ora, onde estão os cânones do processo penal constitucional brasileiro? Essa é nossa preocupação. Se vamos fazer, se vamos perseguir penalmente o que é devido, que o façamos com responsabilidade.
Já estou me encaminhando para o final, em razão do tempo, Sr. Presidente. Não pretendo colocar...
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Eu penso que a Lei de Abuso de Autoridade, ao contrário do que se coloca em alguns setores, é, na verdade, um importante instrumento que vai ser dado à própria magistratura e um importante instrumento que vai ser dado ao próprio Ministério Público em uma das funções que lhes são caras, e que, hoje, talvez não estejam bem aparelhadas, que é o controle externo da atividade policial. Hoje, vê-se, na prática, que o próprio Ministério Público tem algumas dificuldades em levar a cabo essa atividade. Então, uma lei bem construída, uma lei bem regulada pode, sim, transformar-se num instrumento muito benéfico à sociedade para o controle externo da atividade policial.
Eu gostaria, só encerrando aqui minha fala, de dizer o seguinte - e aqui foi colocado por alguém, não me recordo quem, que a gente não pode contribuir para legislações casuísticas... O Direito não existe para caso a caso; a lei é para todos. E o que desejamos é que o império da lei seja para todos, especialmente, Senador Medeiros, porque os nossos assistidos são aqueles que mais sofrem com o império dessa lei, e, quando sofrem, sequer conseguem dizer que estão sofrendo.
E, como as defensorias públicas ainda não estão instaladas, pelo mandamento constitucional aprovado nesta Casa, na PEC das comarcas, quantas violações não estão ocorrendo agora de que nós não sabemos? Quantas pessoas estão agora com alguns dos tipos que se pretendem legislar aqui?
Eu tenho certeza de que o Senado Federal vai conseguir burilar esse texto; vai conseguir, com uma régua sabia, dar a proporcionalidade das penas colocadas; vai conseguir esmerar o tipo penal em si. E, realmente, ele precisa ser cirúrgico e preciso, porque, se não for, a defesa estará lá colocando isso. E eu penso também que não se trata aqui de discussão sobre criminalizar hermenêutica ou não criminalizar hermenêutica,...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - ... ou criminalizar uma vontade de atuação, mas, sim, sobre deixar muito claro qual é o papel de cada instituição dentro de um processo penal.
Eu gostaria também de colocar que esta nova legislação que está sendo discutida, e que terá um termo aqui na Casa legislativa, quando for o seu tempo,...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - ... ela não deve preocupar, Srs. Senadores, aquele agente público que faz o seu trabalho com probidade e atenção aos cânones constitucionais. Se eu entender que esta lei me atinge de alguma forma, eu preciso parar e refletir: eu estou agindo fora da legalidade, então? Essa é a primeira reflexão que eu faço.
Ouve-se também, em razão de vários segmentos, que legislações como essa podem ter algum tipo de viés de proteção, de defesa, de corporativismo. Ora, senhoras e senhores, esta Casa é sábia,...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - ... é uma casa da Federação, é uma casa de Senadores. Saberão ser escoimadas essas questões do texto final, eu não tenho dúvida, e se concentrará exatamente naquilo que interessa ao Estado democrático de direito, no âmbito do processo penal constitucional.
Bem, reiterando a posição da Defensoria Pública de que, em nenhum momento, estaremos em confronto com o desejo de tornar este País mais justo, mais solidário, e, ainda que isso leve a uma percepção penal mais atenta a algumas questões, como vemos hoje no combate à corrupção, isso não pode tolerar abusos, isso não pode tolerar violações, se este for o custo de tornar este País melhor, quem sabe estejamos adentrando em um caminho muito tortuoso, que hoje nos preocupa em dada medida, e, amanhã, poderá ser algo irretrocedível.
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Então, eu gostaria de agradecer penhoradamente a atenção de V. Exªs não a mim, um mero representante, mas às causas da Defensoria Pública que pude aqui verbalizar, trazendo as preocupações dos mais de 6 mil defensores espalhados, estaduais e federais, por todo o País. São essas as questões que enfrentamos diuturnamente. São essas as questões aqui tipificadas que são relatadas para nós não de uma cadeira e de um bureau elegantes, em uma sala com ar-condicionado, mas são relatadas aos pés de grades fétidas, imundas e quase inaudíveis, porque a cela está lotada no dia do atendimento.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - É isso que nós temos a falar para os senhores. O direito, para nós, não tem lado. Ele é uma esfera, é um círculo perfeito. O direito, para nós, não tem cor; ele é transparente; ele é cristalino. Assim deve ser uma instituição de Estado: pronta a intervir na defesa daquele que precisa, ainda que circunstancialmente.
Os nossos assistidos não frequentam espaços privilegiados em páginas de jornais e revistas nacionais. Os nossos assistidos não têm como pagar grandes bancas. Eles se valem das defensorias para que suas causas cheguem aos tribunais superiores. E aqui, orgulhosamente, digo que, pela atividade dos meus colegas, o grau de reversibilidade em tribunais superiores é altíssimo. Nos tribunais superiores, nós vemos o quão é importante fazer essas causas chegarem a foros superiores.
(Interrupção do som.)
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - Algum preso provisoriamente... (Fora do microfone.) Eu já encerro.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Para concluir, o debate está apenas iniciando, nós vamos ter oportunidade de ouvir várias outras intervenções durante o debate.
Para quem não está acompanhando, nós estamos realizando uma sessão temática, contando com a honrosa participação da Subprocuradora-Geral da República, Srª Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, e com a participação, não menos honrosa, do Defensor Público-Geral Federal, Carlos Eduardo Barbosa Paz. Vamos ter, na sequência, a intervenção inicial do último convidado, que é o Representante da Ordem dos Advogados do Brasil.
Teremos, no próximo dia 1º de dezembro, outra sessão temática com as presenças do Ministro Gilmar Mendes e do Juiz Sergio Moro. Talvez fosse o caso de a senhora pedir ao Procurador-Geral que nós estamos encarecendo a sua presença para este debate, e a do Presidente da Ordem Advogados também, talvez as maiores vítimas de abuso de autoridade, no Brasil. É muito importante a presença dele para aqui participar deste debate.
Para concluir, a palavra a V. Exª.
O SR. CARLOS EDUARDO BARBOSA PAZ - Senador, já concluindo, agradeço, então, a atenção que nos foi dada. Permanecemos à disposição das senhoras e dos senhores para aquilo em que pudermos contribuir com esse viés defensorial.
Muito obrigado.
Um bom-dia a todos!
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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção do Defensor Público-Geral Federal.
E, com satisfação, passamos a palavra ao Sr. José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral, representando o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
O SR. JOSÉ ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL - Sr. Presidente, de antemão, agradeço a oportunidade que a advocacia brasileira tem, neste ato, de poder debater sobre esse tema, que é muito caro à advocacia, como declinou V. Exª em sua última manifestação. A advocacia é, sim, grande vítima dos abusos e dos arroubos de algumas autoridades deste País.
Cumprimento V. Exª e, na sua pessoa, cumprimento seus pares. Cumprimento o Senador Roberto Requião, a quem caberá a missão honrosa de relatar tal projeto de lei no Senado; a Subprocuradora-Geral da República, Srª Luiza Cristina Fonseca Frischeisen; e meu colega e já parceiro na advocacia, o Defensor Público-Geral Federal da União, Sr. Carlos Eduardo Barbosa Paz.
Adianto, Presidente, que, por certo, o Presidente Lamachia estará aqui, honrando o seu convite, na próxima sessão temática. Só não está aqui, pois não conseguiu conciliar a sua agenda. Hoje, a OAB já teria comprometido a agenda do Presidente Lamachia em outro compromisso. Portanto, aqui apresento as escusas e peço a V. Exª que não entenda como desrespeito ou desprestígio a esta Casa.
Assim como V. Exª citou Pontes de Miranda, grande referência jurídica deste País, eu inicio, Sr. Presidente, citando - por que não? - Rui Barbosa, que disse, em algum momento: "A injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranquilidade e a estima pela vida." Assim disse Rui.
A Ordem dos Advogados do Brasil vem hoje ao Senado Federal reafirmar o seu compromisso com a defesa intransigente dos direitos de todos os cidadãos. O presente projeto de lei, que ora se debate, Sr. Presidente, Srs. Senadores, visa coibir a prática de abuso de autoridade atualmente regulamentada em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 4.898, de 1965. A lei em vigor que trata sobre o tema foi criada durante o período da ditadura militar, daqueles chamados anos de chumbo, sendo necessário, portanto, a imediata atualização.
O texto proposto, aqui discutido, possui sanções para o abuso praticado pelas autoridades, buscando regulamentar o maior número possível de atos ilegais e abusivos por parte das autoridades de todos os Poderes e pessoas públicas. Observe-se que, desde a promulgação da Constituição da República, o ordenamento jurídico pátrio é carente de uma norma dessa natureza, haja vista que, o art. 1º da Constituição define a República Federativa do Brasil como um Estado democrático de direito, sendo que, no §1º do mesmo dispositivo, estabelece que o poder emana do povo.
Ora, se o poder emana do povo e a Teoria Geral do Estado nos explica que a finalidade primeira de qualquer Estado é justamente o bem comum de sua população, é inconcebível que os agentes públicos, os quais, em última análise, são funcionários dos cidadãos em geral pratiquem atos em detrimento desses mesmos cidadãos.
O Estado não possui direitos, mas tão somente poderes, haja vista que os direitos são justamente as limitações do poder. Assim sendo, não é concebível, em qualquer democracia, que não haja punição para o mau uso ou a utilização desarrazoada dos poderes conferidos aos agentes públicos em geral. Os poderes dos agentes públicos emanam da autoridade do Estado, que só os tem para que busque a sua finalidade, isto é, o bem comum de toda a população.
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Isso não significa, de outro modo, a promoção dos fins requeridos pela maioria, mas, sim, daqueles fins que são inerentes a todos. Isto é, o bem comum encontra-se na efetivação da vontade geral da população, ainda que isso signifique, muitas vezes, a instituição de normas como os direitos fundamentais, cuja característica erga omnes pode ser utilizada, inclusive, para limitar a atuação da sociedade.
Pois bem, assim sendo, verifica-se que os agentes públicos e políticos podem utilizar-se de seus deveres-poderes única e exclusivamente no cumprimento de suas atribuições, constituindo-se como abuso de autoridade tudo aquilo que exceda tais finalidades ou não seja motivado pelo bem de todos. Ainda mais grave é a situação quando determinada autoridade utiliza-se de pseudopoderes, uma vez que não existem poderes contrários ou prejudiciais ao povo, para diminuir a esfera de direitos dos cidadãos ou prejudicá-los de alguma maneira.
Muito se fala nos direitos fundamentais de terceira ou quarta geração, mas, às vezes, deixa-se de lado a importância ímpar das normas anteriores, as quais tinham como finalidade impedir o arbítrio e garantir a todas as pessoas que o Estado e os demais cidadãos jamais se meteriam em suas vidas particulares, além do necessário para manutenção da estrutura social.
Ao contrário do lugar comum, o Estado serve não para restringir a liberdade, uma vez que se trata de verdadeira utopia imaginar que sem a proteção estatal os homens poderiam ser plenamente livres. É nesse sentido, ao nosso ver, data venia, que o projeto de lei em questão se posiciona. Trata-se de uma norma que visa corrigir a visão deturpada de que os cidadãos servem e devem temer o Estado, mas, sim, que o Estado e o Governo existem, em um espírito democrático, em razão, pelo e para o povo.
De maneira geral, pontuo que a presente redação encontra-se de acordo com os conceitos de direitos fundamentais e de democracia, bem como visa combater desmandos da minoria de maus agentes públicos, que infelizmente terminam por macular a nobre tarefa, que é o exercício dos cargos públicos.
A atualidade e amplitude do texto é única, contendo as medidas apropriadas para o combate de situações vivenciadas de abuso de autoridade em nosso País nos últimos anos. Trata-se de um passo importante na construção de uma sociedade cada vez mais livre, na qual as normas são cumpridas pelo respeito vertido às autoridades por seu trabalho honesto e digno, e não por medo de sofrer injustiças.
Por fim, está o presente projeto de lei de pleno acordo com os direitos fundamentais previstos na Constituição da República e com os direitos humanos previstos nas normas internacionais das quais o Brasil é signatário, bem como, adequa-se ao entendimento da importância de manutenção da dignidade da pessoa humana e na essencialidade da limitação do poder e proteção dos advogados como fatores imprescindíveis ao desenvolvimento de uma democracia saudável.
Ainda há plena congruência com a jurisprudência dos tribunais superiores, como a proibição de constrangimentos, do uso indevido de algemas, do cerceamento do acesso dos advogados aos autos, os quais foram motivos, inclusive, de súmulas vinculantes de nosso Excelso Pretório.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem debatido internamente a sua posição sobre cada um dos temas abordados. Com a devida acuidade, procedendo à analise através de grupo de trabalho próprio e especifico, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, inciso por inciso, alínea por alínea. Enfim, a Ordem tem se debruçado sobre o presente projeto, de forma a trazer sugestões que possam de alguma maneira atender a oportunidade de se evoluir no que tange o tema em debate, afastando quaisquer passionalidades, de maneira cumprir exclusivamente o papel que se propõe nesta quadra social.
Por todo o exposto, reafirmamos o caráter democrático, humano e técnico da presente legislação, que visa acabar com práticas atentatórias contra a própria ideia de democracia, responsabilizando todos aqueles que se esquecem de que a única razão de existirem funções e poderes públicos é a busca do bem geral dos cidadãos e que as restrições à liberdade só podem ser realizadas em conformidade com a lei e de maneiras proporcionais e razoáveis.
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É preciso, ainda, ser combatido o desrespeito das prerrogativas profissionais da advocacia, haja vista que os exemplos técnicos e históricos, nacionais e estrangeiros, demonstram amplamente que, quanto mais se respeitar as prerrogativas dos advogados, possibilitando o mais amplo e irrestrito direito de defesa, mais livre e justa será a sociedade, tendo em vista que passarão os cidadãos a funcionar, eles mesmos, como efetivos fiscais do Estado.
Por fim, como dito acima, ainda que o Conselho Federal da Ordem não tenha concluído os debates interna corporis quanto à integralidade do PLS nº 280 em sua última versão, na condição de representar mais de um milhão de advogados inscritos em suas seccionais brasileiras e, ainda, no intuito de salvaguardar os direitos da sociedade civil insculpidos na Constituição cidadã, adianto, neste ato, que a OAB é, sim, favorável a toda e qualquer reforma na legislação que venha a toler o abuso de autoridades, para que se possa, de forma responsável, "rediar" os poderes delegados por meio dos cargos.
O intuito de transformar em lei o presente projeto não é necessariamente o de punir a autoridade, e sim o que nos importa verdadeiramente, que a lei reprima e que comine a punição a qualquer ato - seja ele comissivo ou omissivo - que constitua o odioso abuso de poder contra os cidadãos deste País.
Neste ato, firmamos o compromisso de que, após os debates a serem empreendidos na data de hoje, em respeito ao regime de urgência aprovado nesta Casa na data de ontem, quanto ao processamento do presente PLS, encaminharemos a V. Exª, Sr. Presidente, no prazo mais exíguo possível, as sugestões pontuais que melhor atenderão, data maxima venia, a sociedade civil brasileira aos olhos da advocacia.
Esperamos que a presente sessão sirva para construir convergências sobre o tema, lembrando que não há democracia que conviva com o abuso de autoridade.
E, por fim, me apego às palavras de Ruy Barbosa, como assim o fiz no início desta breve manifestação, para que possa efetivamente selar a participação da advocacia brasileira nesta sessão do Senado Federal: "A força do direito deve superar o direito da força". E assim disse Ruy Barbosa.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a participação honrosa do representante, do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
Estamos realizando uma sessão temática para discutir a Lei de Abuso de Autoridade e passamos, agora, à segunda fase da sessão temática, a fase das intervenções dos Senadores e das Senadoras. Nós temos uma ordem, uma lista de inscrição, e vamos conceder a palavra, em primeiro lugar, ao Relator da matéria, Senador Roberto Requião.
Com palavra, V. Exª.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Na verdade, a minha palavra será mais firme e vigorosa no momento em que eu expuser ao Plenário o relatório.
Eu, no entanto, apreciei muito as intervenções. E quero que os nossos convidados se sintam também correlatores desse projeto.
Nós temos convergências enormes, e esta sessão temática serviu, a meu ver, principalmente para desmistificar, acabar com a demonização da iniciativa do Senado.
Pela internet, muita gente me pergunta: "Por que agora esse projeto?" Eu pergunto: por que não há alguns anos antes, uma vez que ele já está há nove anos no Senado? Sem a menor sombra de dúvida, é oportuno.
E gostaria de lembrar ao Plenário e aos nossos palestrantes que 45% dos presos nas penitenciárias brasileiras o são por prisão provisória. Acabam ficando três, quatro, cinco anos presos sem um processo, sem sequer um inquérito a respeito do motivo das suas prisões.
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Não estamos tratando aqui da Lava Jato, e eu já convidei, inclusive, os responsáveis pela Lava Jato a participarem da discussão desse projeto. Tenho aqui em mãos algumas observações do Juiz Sérgio Moro, que vai fazer uma intervenção semelhante à de hoje em uma sessão temática no dia 1º de dezembro.
Eu acredito que nós vamos chegar a um fim extremamente razoável, mas, além das visões corporativas, quero dizer a vocês que a inspiração maior desta Relatoria será o Amarildo, lá da UP do Rio de Janeiro. E em nome dos Amarildos do Brasil, com uma preocupação muito menor pela questão pontual dessa Operação Lava Jato, que, a meu ver, de certa forma, tem que ser saudada por todos os brasileiros pela revelação que faz e ser criticada pelos excessos que comete, eu acho que estamos trabalhando na intenção de providenciar ao povo brasileiro algumas claras salvaguardas jurídicas aos abusos de autoridade que estão sofrendo.
Para mim, as questões pontuais nas investigações que ocorrem hoje não são fundamentais, mas laterais a esse processo. O Senado vai cuidar da defesa do cidadão comum à arbitrariedade cometida por autoridades, quaisquer que sejam elas. Vou incluir no relatório final o Tribunal de Contas, que parece que foi esquecido até agora e que merece também uma observação e uma penalização dura quanto aos seus excessos e aos seus abusos.
Eu acredito que o resultado deste debate será extremamente proveitoso para o Brasil, mas, fundamentalmente, que, a partir de agora, essas redes de televisão e esses jornais parem de demonizar esta iniciativa: por que agora? Por que não já há muito tempo?
Presidente, vamos passar a ouvir os nossos Senadores.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção inicial do Senador Roberto Requião e concedemos a palavra ao Senador Lasier Martins, que é o primeiro orador inscrito para esta segunda fase da sessão.
Com a palavra, V. Exª.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.
Eu acho que vão continuar demonizando a pressa, por tudo o que se está vendo e ouvindo. Tem acontecido uma verdadeira avalanche de mensagens, nas redes sociais, suspeitando da pressa desse processo. Então, não sei se tem sentido ou não, mas deixemos isso de lado.
Eu queria fazer algumas perguntas, Presidente, à Drª Luiza Cristina. Por exemplo, o art. 30 do projeto me preocupa, porque procura criminalizar a conduta, quando diz - abro aspas: "Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamental." Esse é o preceito e, pelo menos, aparenta que ele inviabiliza a atuação espontânea, livre, do Ministério Público, porque a justa causa fundamental, Doutora, somente vai existir no momento posterior, com a participação do magistrado, na eventualidade do recebimento da denúncia. Então, se estaria ainda no momento da apuração, e já há este cerco, esta ameaça. É um exemplo de problema que pode, como efeito colateral, tornar inoperantes as ações dos agentes estatais.
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Numa visão global, parece-me que o projeto pretende incutir medo, principalmente na atuação dos membros do Ministério Público, que investigam e iniciam a persecução penal, e dos membros do judiciário. Então, eu gostaria de saber se a Doutora, que aqui representa o Ministério Público, tem críticas ou aceita tranquilamente esse dispositivo.
Nesta mesma linha, eu pergunto à Doutora se ela vê preceitos, nesse projeto, que estejam prejudicando as investigações neste que é o mais rumoroso processo criminal de todos os tempos da história do Brasil, que é a Operação Lava Jato. Quero saber se ela acha que há algum obstáculo neste projeto ou se não teme que, lá adiante, venha a surgir um problema na investigação ou na instrução processual.
Uma outra pergunta: quero saber se a Doutora, que aqui comparece como Subprocuradora-Geral da República, viu, até agora, na Operação Lava Jato, uma operação de tão longo andamento, algum caso de abuso de poder. Esse processo transcorre já há mais de dois anos.
E, por último, diante deste alarma que se ouve, que o Relator Requião chama de demonização, quero saber se ela acha que esse projeto realmente, como dizem os críticos, está querendo inibir, intimidar as autoridades, a Polícia Federal principalmente, os promotores, os procuradores da República, os magistrados, que estariam ameaçados de perder o cargo, além de sofrer multas e outras penalizações previstas neste projeto de lei.
Então, resumidamente, Presidente, para não tomar muito tempo, esses são os objetos desta minha intervenção, no sentido de esclarecimento a todos aqueles que estão acompanhando esta discussão que vai longe, principalmente com a próxima audiência pública. E eu me permito reiterar o apelo de V. Exª de que não apenas o Juiz Sérgio Moro aqui compareça. Que também o Procurador Janot venha aqui. Ele, que nós recebemos tão bem quando da sabatina, que vem tendo uma atuação destacada e que seria uma pessoa muito indicada para examinar esse projeto de lei.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Consulto a Subprocuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen se deseja responder agora.
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Posso responder.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Por favor.
Com a palavra V. Exª, para responder às indagações do Senador Lasier Martins.
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Senador Lasier Martins, obrigada pela pergunta, pois me dá a oportunidade de voltar ao tema que já havia mencionado.
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Quanto ao art. 30, que V. Exª cita, "Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada", que coloca reclusão de um a cinco anos, na verdade existe um dispositivo no Código Penal, o da chamada denunciação caluniosa - referente aos crimes contra a administração da Justiça -, que assim afirma: "Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente".
Esse dispositivo se encontra no Código Penal - aliás, com uma pena até maior - desde 2000. Isso é uma ameaça ou não é uma ameaça? Como é que a jurisprudência entende isso aqui? Entende justamente... Eu já fiz denúncias de denunciação caluniosa. Como é que se entende isso? Depois que o processo terminou é que se verifica que houve a absolvição, por inexistência do fato. Então, é muito importante que esse tipo de delito tenha essa salvaguarda. Não pode ser no curso da investigação, não pode ser no curso da ação penal. Porque, senão, nós vamos ter o quê? Suspeições, como eu citei aqui o exemplo de uma colega que está investigando o caso de um juiz. O juiz arguiu a suspeição dela, a suspeição foi rejeitada, e agora ele entrou com uma queixa-crime subsidiária.
Quando nós falamos em denunciação caluniosa... E é por isso que eu penso que todos os dispositivos que estão no projeto devem ser vistos com os outros dispositivos que já estão no Código Penal e que já têm uma jurisprudência formada, como eu mencionei, em torno da interpretação desses tipos. Esse tipo é de 2000. Inclusive, o Ministro Gilmar, salvo engano, era da AGU nessa época. Eu me dei o trabalho de ver quem assinou a lei. Foi o Ministro Gregori, ainda na presidência do Presidente Fernando Henrique, e já há toda uma jurisprudência, uma interpretação desse tipo. Ou seja, quando é que isso pode ser aprovado? Depois que terminou, porque senão vão dizer: "Ah, houve absolvição, e aquele fato era falso", ou "o inquérito policial era falso", ou "a ação era falsa", "a ação de improbidade era baseada em dados falsos". Então, de fato, esse art. 30, como eu havia mencionado, é muito aberto. E ainda por cima tem o outro dispositivo do Código.
Portanto, há que se ver esses dispositivos e o que existe no Código, e qual é a interpretação que os tribunais já nos deram sob a conformação do tipo penal.
Se houve ou não houve abuso de poder no caso da Lava Jato? Eu creio que não. E todos os atos estão passando pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em habeas corpus. Os habeas corpus já estão apreciados em recursos, em habeas corpus, pelo Superior Tribunal de Justiça. O Ministro Felix Fischer é o Relator. Os HCs já chegaram ao Supremo, e nós temos que lembrar que parte desses fatos são de atribuição do Procurador-Geral, e o Relator - ou o juiz natural - é o próprio Ministro Zavascki, aquele que foi citado aqui como um dos inspiradores do projeto.
Então, o controle dos atos está sendo feito pelo sistema recursal, que foi outra coisa que eu mencionei aqui. Nós precisamos separar muito bem o que é feito pelo controle e pelo sistema recursal e um ato ilícito desde o início, para que essa alegação de ilicitude, na verdade, não traga um impedimento dos membros do Ministério Público, da magistratura, dentro dos processos em que o âmbito recursal esteja correndo.
Agora, como disse o Senador Requião, nós temos que pensar tudo isso para todos os atos de todas as autoridades.
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E aí eu gostaria de dizer - aqui já trazendo uma fala do defensor público - que o CNJ fazia os mutirões carcerários. Os mutirões carcerários são muito importantes. O Ministro Gilmar começou, depois o Ministro Peluso, o Ministro Joaquim, e o Ministro Lewandowski acabou tendo um entendimento da audiência de custódia, e eles podem retornar.
Nós temos de verificar em cada um desses processos o que aconteceu para saber se a pessoa ficou presa a mais ou não. Nós temos de pensar no todo, sendo que, no caso do Amarildo, houve atuação da própria Polícia Civil e denúncia pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
São muitas as situações. Não creio que a legislação hoje colocada sirva de forma a impedir o trabalho dentro do sistema de Justiça, mas nós temos preocupações para que os tipos não sejam abertos. Como disse o Senador Requião, nós aguardamos agora o relatório, e certamente vai ser feita uma verificação com a legislação que já existe.
O tempo do debate: os Srs. Senadores aqui - o senhor mencionou - verão o tempo do debate, com as audiências públicas, com as votações, com as emendas que vão poder ser propostas, e o debate também, depois daqui, continuará na Câmara, com certeza. Agora, o tempo do debate, os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras é que vão poder dizer. Agora, quanto mais debate tivermos, quanto mais audiências tivermos, mais teremos a possibilidade de pensarmos sobre esse projeto e como ele se insere no sistema criminal como um todo da nossa legislação, seja do ponto de vista constitucional, seja do ponto de vista legal.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós vamos passar a palavra ao segundo Senador inscrito.
Adicionalmente, respondendo também à indagação do Senador Lasier, o Senador Roberto Requião ficou de apresentar, por ocasião do seu relatório, uma síntese do direito comparado. Permitam-me só duas informações.
Nos Estados Unidos, o Código Criminal prevê crimes de oficiais públicos federais em geral. Especificamente quanto ao abuso, há uma figura típica prevista no §242 relativa à privação de direitos do cidadão.
Com relação ao Ministério Público, nos Estados Unidos, a situação é bastante diversa. Porém, tanto procuradores quanto juízes são civilmente imunes em relação aos atos de ofício. Essas imunidades, no entanto, não alcançam a esfera criminal.
Em Portugal, há previsão para responsabilidade de agentes públicos por abuso de autoridade. O Código Penal português tem uma seção destinada ao abuso de autoridade dentro do capítulo que trata dos crimes cometidos no exercício da função. O Código Penal português, ao optar pela formulação genérica - informa a pesquisa realizada na Consultoria do Senado -, substituiu a antiga codificação de forma mais próxima à codificação do Brasil e previa diversas condutas.
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O grande problema com a Lei de Abuso de Autoridade, de 1965, é que suas penas - eu disse aqui na rápida introdução - são diminutas; na sua grande maioria, de seis meses a um ano. Quando começa a tramitar qualquer coisa, já prescreve a pena. É por isso que nós não temos caso de julgamento de condenação por abuso de autoridade. E não estou referindo, com isso, o Judiciário; não estou referindo o Ministério Público. Os abusos existem em todos os Poderes da República.
Ontem mesmo - e me permitam colocar aqui rapidamente -, alguém me perguntou: "Mas essa Comissão que vai fazer uma varredura nos altos salários é contra o Judiciário e o Ministério Público?" Eu disse para a imprensa e infelizmente não saiu: "Sinceramente, eu não sabia que existiam altos salários no Ministério Público ou no Judiciário. Eu sabia que eles existiam no Legislativo. E, desde 2013, eu os enfrentei. Desde 2013, os servidores do Senado estão todos colocados dentro do teto constitucional." Não foi fácil. Nós tivemos que responder a uma liminar do Supremo Tribunal Federal citando um a um. E nós citamos, um a um, os mais de mil servidores do Senado que ganhavam acima do teto.
O Código Penal espanhol - e já encerro - prevê tipos genéricos de abuso de autoridade para os altos funcionários da República, e assim vão o Código Penal francês, a legislação penal comparada de outros países, que tenho absoluta convicção de que serão trazidas aqui pelo Senador Roberto Requião, por ocasião da apresentação do seu parecer.
Concedo a palavra à Senadora Vanessa Grazziotin.
Senador Requião.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Sem revisão do orador.) - Senador Renan, acho que o fundamental, o exemplo mais negativo dessa pesquisa comparativa é o espanhol. O espanhol tem tipos rigorosamente abertos, o que coloca a Polícia e o Ministério Público submetidos, de forma absoluta, ao alvitre do Judiciário. Do que a cúpula do Judiciário não gostar ou do que ela discordar, com os tipos abertos, ela pode condenar com uma facilidade incrível.
O nosso relatório, o projeto que nós queremos terminar com essa parceria que começa aqui deve fundamentalmente evitar o tipo aberto característico da legislação espanhola.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Concedo a palavra à Senadora Vanessa Grazziotin.
Concedo a palavra ao Senador José Pimentel.
Concedo a palavra ao Senador Cristovam Buarque. (Pausa.)
Ausentes.
Concedo a palavra ao Senador Randolfe Rodrigues. (Pausa.)
Ausente.
Concedo a palavra ao Senador Jader Barbalho. Com a palavra V. Exª.
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu gostaria de cumprimentar V. Exª pela iniciativa deste encontro de hoje e, da mesma forma, cumprimentar as autoridades, os representantes de entidades que compareceram aqui, que, creio, deram uma contribuição muito importante a este debate. Desejo cumprimentar também o Relator, nosso colega Senador Roberto Requião, pelas observações preliminares antes da apresentação do seu relatório.
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Eu fico muito feliz, Sr. Presidente, de poder participar como Parlamentar do debate de hoje, porque acho que é importante. O Congresso Nacional, às vezes, é incompreendido, mas é exatamente no Parlamento que se estabelece esse contraditório. E o que nós estamos aqui a vivenciar é o contraditório a respeito de uma lei, de um projeto de lei importantíssimo para a vida nacional.
Ouvi aqui o Senador Requião falar das manifestações diárias nas redes sociais, como também o nosso ilustre colega Lasier teve a oportunidade de referir, e quero dizer que, nesse tipo de pressão e participação da opinião pública, que deve ser respeitada, nós devemos ter muito equilíbrio, principalmente em determinados momentos políticos.
Eu respeito a opinião pública, mas o Hitler tinha o apoio da opinião pública na Alemanha; o Mussolini tinha o apoio da opinião pública na Itália. Respeito quando se chega e se apresenta um projeto de lei dizendo ter mais de dois milhões de assinaturas. Respeito. Até um apresentado por um único cidadão deve merecer o respeito, mas eu, para chegar aqui, tive 1,8 milhão de votos, secretamente conferidos, e, se somar o Parlamento todo, nós efetivamente nos submetemos ao processo eleitoral.
Quando V. Exª fala em direito comparado, eu fico pensando: nos Estados Unidos, para o sujeito ser promotor público, procurador, ele se submete a voto e cumpre mandato. Juiz também tem legitimidade popular. E eu fico muito preocupado com essa história, principalmente porque, apesar de ser um semianalfabeto nessa questão da utilização moderna da internet e todo o seu desdobramento... Existem hoje, inclusive, entidades, grupos que se preocupam em jogar milhares de pressões e de informações. Não quero absolutamente generalizar, mas nós temos de nos guiar, Sr. Presidente, por reuniões como esta. É chamar quem tem responsabilidade e experiência para debater, para construirmos a melhor legislação possível em favor da sociedade brasileira, sem postura preconceituosa, que eu entendo seja um dos maiores danos no relacionamento. Quer dizer, eu achar que tenho o direito de ser preconceituoso com os procuradores da República é um absurdo da minha parte. Também os procuradores terem, em relação à classe política, preconceito é um absurdo, porque o preconceito, como todos sabem, é um prejulgamento, é um julgamento sem dar o direito de defesa, sem dar o direito do contraditório, que é fundamental numa sociedade democrática.
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Eu vou encerrar, Sr. Presidente, porque ouvi aqui, com o maior respeito e atenção - até fiz as anotações, já que nós vamos ter outros encontros - a manifestação da ilustre Subprocuradora-Geral da República, a quem eu cumprimento - estamos profundamente honrados com a sua presença e as suas observações -, e a indagação do nosso companheiro, Senador Lasier.
Eu não vejo, Sr. Presidente, dar início ou proceder, no art. 30. "[...] persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada". Há que se ter o cuidado, seja qual for a autoridade que vá patrocinar isso, em verificar, para não ocorrer o que ocorreu na famosa Escola Base lá de São Paulo, que foi destruída pela vaidade policial, pela vaidade de procurador que queria se promover. Procurador que queira se promover deve se candidatar a vereador, Deputado, Senador, governador. Alguns até tiveram sucesso nisso e houve outros que vieram aqui à Casa dar lição de moral e terminaram como sócio do Carlinhos Cachoeira. A gente que tem experiência, tem tempo de janela, tem que estar atento a isso.
Uma das coisas que me preocupam é dizer - e aí eu peço permissão, com todo o respeito, creia, à Subprocuradora-Geral da República - que, ao final de as pessoas serem massacradas por processos sem nenhuma consistência... O sujeito está sendo massacrado por cinco anos, tendo dilapidada a sua imagem, destruída a sua família, e, depois de cinco anos, a Justiça diz que é improcedente, não estava bem fundamentado.
Não, Sr. Presidente, as pessoas que vão ocupar esses cargos, que são da maior responsabilidade, têm de estar atentas para isso. Eu leio, em quase toda revista, no final de semana, delações, e o jornalista logo coloca lá: "sigilosa", "ainda não homologada". Mas a imprensa publica tudo. Fantástico! Fantástico! É sigilosa, não foi homologada, portanto, não está no campo jurídico porque não foi homologada pela autoridade que tinha a competência para apreciar, mas a imprensa já dilapidou, já arrasou, já condenou.
E eu não considero, Sr. Presidente, que a condenação final, depois de cinco anos de massacre das pessoas, seja o direito à omissão e à irresponsabilidade. Quem vai ocupar essas funções tem de ter responsabilidade. Aqui está escrito e não é em grego: "[...] justa causa fundamentada".
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O direito à interpretação vamos respeitar, tanto que o juiz tem direito de sentenciar, e a sentença dele ser reformada. É interpretação. A interpretação do Ministério Público, ao tomar a iniciativa da ação penal, da mesma forma. Agora, sem que haja justificativa, sem que haja fundamento, Sr. Presidente, é um perigo para a democracia isso, principalmente para pessoas que querem se promover e que, mais adiante, nós vamos assistir...
(Soa a campainha.)
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA) - Quem diria - já encerro, Sr. Presidente -, fulano de tal, candidato a Senador da República? Teve um que já passou até por aqui, já é até governador de Estado, e agora está sendo acusado de caixa dois e de corrupção.
Então, eu que tenho tempo de janela, Sr. Presidente, não me conformo, de forma alguma! Respeito a opinião pública, mas tenho minhas ressalvas em relação à opinião publicada. E recordo que Hitler teve, Sr. Presidente, a maioria da opinião pública alemã, como Mussolini teve.
Com todo respeito ao meu colega de Senado, o Senador Fernando Collor de Mello, que representa, junto com V. Exª, o Estado de Alagoas, com a tese de caçador de marajá, que até hoje eu não entendi, com todo o respeito a ele, o que significava, ele chegou à Presidência da República e derrotou as maiores lideranças políticas da época: Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Mário Covas e Lula, que tinha o prestígio que hoje não tem por todas essas acusações - que se daqui a cinco anos disserem que não têm fundamento, eu quero saber quem restaura o prejuízo causado.
Sr. Presidente, releve. Releve essas observações que faço. Renovo os cumprimentos a V. Exª, os cumprimentos aos nossos convidados, e estarei aqui no dia 1º para ter o privilégio de conhecer pessoalmente o grande juiz, paradigma da Justiça brasileira, referência da Justiça brasileira, o Juiz Sergio Moro.
(Soa a campainha.)
O SR. JADER BARBALHO (PMDB - PA) - E também deverei ter o privilégio de receber aqui o Dr. Janot.
Os meus cumprimentos a todos, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Lasier.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Obrigado. Eu até acho que caberia aqui o art. 14, porque houve uma discordância do eminente Relator...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Não, não há necessidade do art. 14.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Então, perfeito, não é preciso o artigo.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Esta sessão só tem sentido se nós assegurarmos a palavra a quem desejar falar.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Muito bom!
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Então, para além do art. 14, com a palavra V. Exª.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS. Sem revisão do orador.) - Obrigado pelo espírito democrático que caracteriza V. Exª.
O que eu queria enfatizar, mais uma vez, sobre o art. 30, que nós vamos voltar a debater na próxima reunião, é que, quando ele diz "sem justa causa fundamentada", no início dos trabalhos... Ora, a justa causa vai aparecer lá adiante. Se não for assim, não tem início nenhum inquérito policial, nenhuma promoção do Ministério Público. Ele está em instrução ainda...
(Soa a campainha.)
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - É lá adiante que surge.
R
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - O Senador Lasier, com toda a razão, e este debate é democrático, está defendendo a tese de que o processo começa pela prisão.
Nós não podemos, num Estado democrático de direito, coonestar esses pontos de vista, porque isso fere as garantias pessoais, individuais e coletivas.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Mas aqui não é prisão, Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Como é que se denuncia alguém sem fundamento e o submete a julgamento, quatro, cinco, seis, dez anos depois?
Dez anos depois?
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Eminente, Presidente. Aqui não é caso de prisão. Diz: "dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa". Até o caso da administrativa, que não tem nada a ver ainda com prisão. Isso vai surgir...
E depois - me permita -, com relação à alegação da nossa eminente Procuradora, Drª Luiza, ela invocou aqui a denunciação caluniosa. Denunciação caluniosa é quando se sabe de alguém inocente e se o incrimina; aí é denunciação caluniosa. Não tem nada a ver com esse art. 30!
Obrigado, Presidente.
A SRª LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Senador, justamente porque o art. 30 é muito aberto foi que eu mencionei o 335, que é mais fechado.
Aliás, concordo com V. Exª quando o senhor fala da questão administrativa. Isso pode prejudicar, inclusive, um processo administrativo dentro de alguma das instituições para punir alguém que abusou de poder, porque essa pessoa poderá dizer: não se pode dar início a esse processo administrativo do ponto de vista disciplinar. Esse artigo é muito amplo e muito aberto, por isso que invoquei o 335, que é mais fechado.
Mas imagino que V. Exªs compreendem bem a questão, o debate que se coloca aqui, de que o Direito Penal não trabalha com tipos abertos.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Roberto Requião.
O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) - Vou apresentar emenda.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Como Relator da matéria, eu antecipo ao Plenário e aos nossos palestrantes que estou acolhendo uma sugestão do Juiz Federal Sílvio Rocha, colocando um parágrafo único nesse artigo, que é o seguinte: "Há justa causa quando houver lastro probatório mínimo e firme indicativo da autoria e da materialidade da infração penal". Não pode ser uma coisa gratuita.
Então, eu acho que dessa forma eu fecho o tipo e elimino qualquer possibilidade de interpretação hermenêutica.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Nós queríamos mais uma vez agradecer a gentileza das presenças honrosas da Subprocuradora Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, que aqui fez questão de vir para colaborar com argumentos, com uma experiência indiscutível, que ficou comprovada ao longo desta sessão temática.
Eu quero, mais uma vez, agradecer ao Carlos Eduardo Barbosa Paz, Defensor Público-Geral Federal, também pela contribuição que dá ao processo legislativo, especificamente na discussão da Lei de Abuso de Autoridade, e quero agradecer também ao José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral, que representando a Ordem dos Advogados do Brasil colocou aqui os seus argumentos, razões e prioridades.
Muito obrigado a todos.
Nós temos um novo encontro já marcado para o dia 1º. É muito importante a participação de todos para que nós possamos mais do que nunca qualificar este processo legislativo.
R
Como todos sabem - eu queria só lembrar -, nós convocamos uma sessão extraordinária para darmos consequência à Ordem do Dia.
Está encerrada a sessão.
(Levanta-se a sessão às 14 horas e 36 minutos.)