Discurso no Senado Federal

CIRANDA FINANCEIRA COMO ESTIMULO A INFLAÇÃO. NECESSIDADE DE AMPLO DEBATE PUBLICO SOBRE A QUESTÃO ORÇAMENTARIA NO BRASIL.

Autor
Nelson Wedekin (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SC)
Nome completo: Nelson Wedekin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • CIRANDA FINANCEIRA COMO ESTIMULO A INFLAÇÃO. NECESSIDADE DE AMPLO DEBATE PUBLICO SOBRE A QUESTÃO ORÇAMENTARIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/03/1994 - Página 1001
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, PROMOÇÃO, DEBATE, SISTEMA, ARRECADAÇÃO, DESTINAÇÃO, IMPOSTOS, RECURSOS, CONTRIBUINTE, GASTOS PUBLICOS, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, RESULTADO, AUMENTO, INFLAÇÃO, PAIS.

  SR. NELSON WEDEKIN (PDT - SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o Brasil tem vivido nas últimas décadas capítulos plenos de marchas e contramarchas que sintetizam bem o drama econômico em que imergiu a Nação.

  Sempre se difundiu entre nós a idéia de que a restauração do regime democrático viria possibilitar a retomada do crescimento econômico, a democratização das oportunidades, enfim um respeito maior aos direitos e garantias individuais no contexto da democracia social.

  O nosso povo veio sendo sucessivamente embalado por discursos ufanistas e promessas inexeqüíveis. Em determinado momento, costumou-se debitar as nossas mazelas e dificuldades à Constituição Federal. Era ela, a Constituição, no caso a de 1967, emendada em 1969, a responsável pelos nossos desacertos econômicos e pelas dificuldades de toda ordem que o País mal começava a atravessar.

  Convocou-se, então, nova Constituinte. Dela resultou a Constituição de 1988, tão prematuramente rejeitada pelos homens de governo, atribuindo-se agora a ela o estigma de uma suposta ingovernabilidade do País.

  O que existe de concreto é que, mesmo na vigência da Carta nova, os problemas econômicos e sociais se avolumam. Encontram-se os brasileiros, com isso, num quadro imenso de perplexidades e incertezas, apesar de todo o elenco de garantias consagrado no novo Texto.

  Vivendo num quadro de instabilidade econômica, tornou-se difícil aos cidadãos deste País organizarem suas economias e planejarem suas vidas, incorporando novas energias ao sistema de produção.

  No plano da tributação, essas incertezas se manifestam a cada dia. O Governo parece ter-se convertido numa engrenagem insaciável que busca, sempre e cada vez mais, sustentar seu pesado arcabouço ainda que à custa de minguados recursos do contribuinte.

  A proposta de ajuste fiscal, materializada em inúmeras medidas provisórias, camufla, na verdade, uma descontrolada necessidade de arrecadação por parte do Governo. É notória, por um lado, a acumulação de valores concentrados em determinadas áreas e, por outro, a existência de recursos em caixa sem destinação específica, sendo ainda surpreendente o resgate pelo Governo de dívidas de considerável vulto.

  Tudo isso, Sr. Presidente, sem que se ofereça à Nação a possibilidade de debate amplo sobre a destinação dos recursos retirados dos contribuintes. Subtrai-se, inclusive, a decisão política de participar do programa de desembolso dos recursos escassos, num esquema de absoluta prioridade.

  E essa participação no debate sobre as necessidades reais de gastos públicos e o processo de sua aplicação torna-se mais imperiosa ainda no contexto atual. Hoje se manifesta inquestionável a precisão ingente de investimentos ou gastos correntes em setores de extrema carência.

  Ninguém ignora os saldos que se vêm evidenciando na execução do orçamento federal, o que tem propiciado ao caixa do Tesouro, ao final de cada exercício, fechar o balanço com sobras consideráveis.

  Esse fato torna-se chocante quando se percebe esta realidade: em determinadas áreas, como, por exemplo, a de saúde, a de educação, a de transportes, verifica-se uma incompreensível degradação de serviços básicos, muitos deles vitais à sustentação da própria infra-estrutura econômica.

  Desse quadro extrai-se uma inferência pouco lógica. A de que o Governo gasta pouco mesmo tendo o que gastar, e isso não só em relação a necessidades essenciais de investimento. Isso se agrava se comparadas as necessidades reais de investimento com as disponibilidades reais do Tesouro.

  Analistas econômicos de renome têm insistido em apontar que as dificuldades fiscais da administração não se devem ao seu funcionamento ordinário como pagamento de pessoal, oferecimento de serviços básicos ou investimento em áreas sociais. O que parece inquestionável a eles em sua análise técnica não nos parece desprezível no âmbito dessa questão.

  Ou seja: o que aturde na questão superior dos gastos públicos não são aquelas despesas consideradas normais, mas os elevados encargos financeiros a que se submete. Numa espécie de autofagia inexplicável, é o próprio Governo que fixa os juros em patamares altos, como já apontou em recente trabalho o professor da Universidade de Brasília, o economista Dércio Garcia Munhoz.

  E o mais grave: fixa as taxas sem aparentemente distinguir entre os juros de curtíssimo prazo, que são instrumento de controle do nível de liquidez diária do mercado, e os de médio e longo prazos, estes sim indicados para a solvência da dívida pública e - por que não? - para custear as operações financeiras das empresas.

  Com esse erro de perspectiva em ponto crucial da vida econômica, o Governo comanda, na realidade, um conjunto de desconcertos. Seu espectro transita desde a chamada ciranda financeira, nela compreendida a ação altamente especulativa de grupos financeiros, até o asfixiamento do circuito produtivo, engendrando a inflação inercial e progressiva que, pouco a pouco, reduz as chances de desenvolver-se o País e, com isso, saldar-se a sua enorme dívida social.

  Projeções formuladas em novembro passado permitiam inferir um incremento real nas receitas fiscais do Governo da ordem de 46 bilhões de dólares. E a projeção para 1994 indica que deverá oscilar entre 48 e 50 bilhões de dólares. Isso, Sr. Presidente, sem considerar-se o ressurgimento de aportes consideráveis operados com a ressurreição do IPMF. Observa-se, assim, um aumento real entre 25 e 30% em relação aos 35 bilhões de dólares arrecadados nos últimos anos.

  Esses dados elucidam claramente que o compromisso assumido pelo Governo Sarney junto ao FMI de atingir receita na ordem de 12 milhões de dólares encontra-se praticamente exeqüido graças aos esforços despendidos pela Secretaria da Receita Federal.

  É necessário, portanto, Sr. Presidente, nobres Senadores, investigar mais profundamente o sentido real desse propalado ajuste fiscal - o que é e o que realmente pretende. Para nós, nessa idéia encontram-se embutidos objetivos não suficientemente aclarados.

  Não é sem razão que inúmeros economistas vêm afirmando que o ajuste fiscal já foi feito. E o que é paradoxal: sem que o Governo se haja dado conta disso. Ou - o que é pior - o Governo, movido por veladas razões, se nega a reconhecer tal fato.

  Insistimos que nenhum dado recente possa conter o cordão do convencimento em face da realidade orçamentária. Não nos seduz o velho argumento de que os dispêndios feitos para pagamento de salários do funcionalismo sejam por si sós capazes de justificar um aumento na carga tributária como o que se tem tentado nos últimos meses.

  O povo brasileiro, como todos sabemos, situa-se entre aqueles contra os que mais pesam os gravames tributários. Parece até que, entre nós, o Estado se resume na figura do Fisco, tudo e tão-somente.

  É que, no Brasil, tornou-se comum a progressiva imposição tributária sobre o contribuinte todas as vezes que se revelam agudas as necessidades de caixa do Governo. Não é à toa que o brasileiro tem sobre seus ombros a dificultar-lhe a vida uma carga de 59 tributos quando, nos países civilizados, existem não mais que cinco.

  Não é necessário ser economista para inferir que a demasiada carga tributária sobre bens e serviços é muito alta. Ela onera o processo de produção, gerando a inflação dos preços.

 

  

  Afora esse dado crucial, esse gravame exagerado da economia privada estimula a sonegação fiscal, enfraquece o sentimento de dever do cidadão perante o Estado, operando o fenômeno de todos conhecido, chamado evasão fiscal.

  É necessário, portanto, Sr. Presidente, Sras Senadoras, Srs. Senadores, submeter os problemas relativos à realidade orçamentária do País a um amplo debate público. É necessário, sobretudo, que as forças políticas representadas nas duas Casas do Parlamento se conscientizem, em 1º lugar, de que há limites para a ação de tributar. Não só limites materiais, desses apontados pela doutrina, nos limites materiais relacionados diretamente com a capacidade contributiva de nossos concidadãos e com o sistema produtivo que dá vida econômica à Nação.

  Torna-se óbvio que o ajuste fiscal não pode ser obra de tecnocratas muitas vezes distanciados da realidade estrutural, social e econômica mais viva da vida de nosso País.

  Os ajustes fiscais não devem nunca ser utilizados sem a percepção do problema político e social engendrado na cobrança de impostos. Pela sua ampla repercussão e pelo alto grau de responsabilidade que envolve, esse ajuste não poderia ser imposto sem a observância de amplo debate sobre graus e limites capazes de assegurar ao contribuinte o direito de trabalhar e prosperar sem ter o Estado como sócio de sua atividade.

  Essas preocupações eu as tenho demonstrado sempre que posso. E sei que não são só minhas, mas exprimem um denominador comum no sentimento de todos aqueles que, em seu labor diário, sustentam o aparato produtivo deste imenso País.

  Agora mesmo foi-me encaminhado pela Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil interessante estudo sobre o tema em questão, denotando o interesse dessa categoria por tão momentânea questão.

  Desta Câmara do Parlamento desejo fazer um apelo que pretendo seja de múltipla ressonância. Ao governo, para que reequacione em termos próprios a idéia de ajuste fiscal, poupando o contribuinte de sucessivos sobressaltos. Aos membros do Congresso Nacional, para que, em debate amplo e profundo, possam encontrar soluções de equilíbrio entre as necessidades reais do Estado e a capacidade contributiva dos brasileiros. A estes, em particular, apelo para que prossigam em sua faina produtiva com fé e perseverança nos destinos do Brasil. Estou certo de que os seus representantes saberão, em momento próprio, responder às suas angústias sem permitir que o pressuposto do interesse público utilizado em dimensão incorreta possa extrapolar a capacidade produtiva deste nosso País.

  Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/03/1994 - Página 1001