Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÃO SOBRE A POLITICA AGRICOLA DESENVOLVIDA PELO GOVERNO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • CONSIDERAÇÃO SOBRE A POLITICA AGRICOLA DESENVOLVIDA PELO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/04/1994 - Página 1542
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, BRASIL.
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, CONJUNTURA ECONOMICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, MIRO MARTINS, AGRONOMO, ANALISE, OCORRENCIA, RISCOS, ATIVIDADE AGRICOLA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), DISTRITO FEDERAL (DF), DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, EXISTENCIA, DESEQUILIBRIO, ATIVIDADE AGRICOLA, IMPORTANCIA, INCENTIVO, APLICAÇÃO, TECNOLOGIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, AGRICULTURA, PAIS.

    O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Profere o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, um grande desafio que se apresenta à agricultura brasileira, sem sombra de dúvida, é garantir que não faltem na mesa dos brasileiros os alimentos básicos que, tanto mais que sua sobrevivência, lhes garantam uma subsistência digna. Esse desafio já vem de longa data, mas, apesar de todo esforço, os desencontros verificados a cada safra fizeram com que não fosse ainda possível atingirmos um patamar aceitável de produção adequado às necessidades do nosso País.

    Em decorrência dessa necessidade, a política agrícola brasileira acha-se numa encruzilhada em que a correção de rumos mostra-se imperativa. Desde os anos 70 principalmente, a nossa produção agrícola tem apresentado uma tendência constante de crescimento, apesar de verificarmos num ou noutro ano algum decréscimo. Apesar do sucesso, tem essa política pecado pela falta de coerência. A cada ano, a sistemática de créditos recebe um tratamento diferenciado, é rara a safra em que os créditos são colocados à disposição dos agricultores no tempo certo; não existe uma filosofia clara de atendimento a um ou a outro produto, de modo a serem atendidas as necessidades internas de suprimento. Em razão disso, numa época planta-se mais soja se o seu preço está mais convidativo; em outra, privilegia-se o arroz em detrimento do feijão; ou cultiva-se cana em prejuízo da produção de leite ou de carne; ou, então, deixa-se a produção perder-se na roça por falta de armazenagem ou de estradas, necessárias para o seu escoamento até os centros consumidores.

    Em razão desses desacertos, o Brasil é hoje um grande importador de grãos, a despeito de seu vasto território e de suas incomensuráveis possibilidades agrícolas.

    Por volta de 1970, a política agrícola recomendava um sistema amplo de crédito ao produtor rural; apoio governamental para garantir os custos variáveis da produção; investimentos públicos em pesquisa agrícola aplicada e extensão rural; estímulos à adoção de técnicas mais avançadas de produção ao lado da instalação de adequada infra-estrutura de transporte, armazenagem e comunicação.

    Seguindo esses princípios, a nossa agricultura experimentou, nos anos 70 e 80, um crescimento médio de 5% ao ano. Na década de 70 e em parte da de 80, o crédito agrícola era farto, tendo chegado a 20 bilhões de dólares. Hoje, esses recursos estão reduzidos a um terço desse valor e, mesmo assim, ainda ocorrem sobras de dinheiro nos bancos, já que, com a inflação alta, os produtores se vêem acuados pelos efeitos da correção monetária aliada ao juro.

    No campo da pesquisa agrícola aplicada, o Brasil experimentou saltos notáveis de produtividade com muitos cultivares totalmente adaptados ao seu clima e solo. Isso fez com que nos tornássemos grandes produtores de milho, de arroz e, principalmente, de soja. Com a melhora da produtividade em São Paulo, pode-se fazer uma constatação auspiciosa: em dez anos, a área cultivada no Estado cresceu 10%, enquanto que o volume de produção aumentou 91%, o que coloca a agricultura do Estado no patamar daqueles países que ocupam a vanguarda da produtividade agrícola no mundo.

    No que tange à infra-estrutura de transporte, armazenagem e comunicação, há muito o que se fazer. Esses setores estão ainda deficientes, com estradas praticamente intransitáveis em determinadas épocas do ano e com altas perdas na armazenagem.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se sabe, a agricultura é uma atividade econômica de alto risco. De acordo com Miro Martins, artigo publicado na revista Conjuntura Econômica, de abril de 1992, está ela sujeita a dois riscos principais: o da produção, decorrente da imprevisibilidade das condições climáticas e da possibilidade de ocorrência de doenças e pragas, que podem trazer prejuízo mesmo àquelas culturas desenvolvidas com padrão tecnológico avançado; e o risco do mercado, que sempre ocorre, pois a decisão do investimento, mesmo em caso de culturas de ciclo curto, antecede a época da colheita em pelo menos quatro meses, quando as condições de preço de venda podem ser outras completamente diferentes.

    Para se prevenir contra o risco da produção, o melhor remédio é o seguro rural, ainda pouco conhecido e utilizado pelos produtores brasileiros. Quanto ao risco do mercado, o antídoto mais eficaz que se conhece é a utilização dos contratos futuros em operações de hedge, instrumento considerado até mais eficiente do que o preço de garantia. No caso brasileiro, a utilização desses contratos ainda é incipiente, dando-se preferência à garantia do preço mínimo, que, neste ano, recebeu uma nova modalidade:

equivalência / produto.

    Fala-se tanto na necessidade de alimentos para a nossa população! Qual, entretanto, é a amplitude dessas necessidades para um futuro não muito distante? De acordo com estudo elaborado por Elísio Contini e Hoshihiko Sugai, pesquisadores da EMBRAPA, e Stephen Vosti, pesquisador do Internacional Food Policy Institute - IFPRI, e publicado na Revista de Política Agrícola - Ano II, Nº 05, para que se atendam às necessidades alimentares básicas dos brasileiros no ano 2000, serão necessários 104 milhões de toneladas de grãos - arroz, feijão, milho, soja e trigo; 12,4 milhões de litros de leite; e 7,5 milhões de toneladas de carnes bovina, suína e de frango.

    Considerando uma perda de 20% na armazenagem dos grãos, as nossas necessidades globais para o ano 2.000 ascenderiam a 125 milhões de toneladas, quase o dobro da nossa produção atual! A meta é por demais ambiciosa, poderão pensar os nobres Senadores. Sem dúvida o é; mas é esta a realidade nua e crua: ou a nossa agricultura produz essa quantidade de grãos, ou o quadro de fome e miséria hoje existente se ampliará ainda mais no próximo século.

    Como conseguir isso? De acordo com especialistas nessa área, só há um caminho: precisamos contar com uma política agrícola realmente eficiente, que torne o setor mais competitivo e mais atuante.

    Guilherme Dias, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, em outra matéria publicada na mesma Revista de Política Agrícola, indica alguns pontos a serem introduzidos nessa política.

    Segundo ele, "o gargalo de um processo de retomada do crescimento da agricultura brasileira está na natureza incompleta e regionalmente desequilibrada em que o investimento agroindustrial se fez até o momento. Incompleta, porque muita gente não tem renda para consumir seus produtos; desequilibrada, porque o Norte e o Nordeste estão ainda fora do processo, onde apenas o sistema de abastecimento urbano foi incorporado". Constata o professor que, no setor agrícola brasileiro, existe muita pobreza, e o melhor caminho a se trilhar para contornar esse problema é a geração de emprego dentro de um sistema produtivo competitivo. Isto não é difícil, pois é sabido que, no setor agrícola, há muito mais facilidade em se gerar emprego, de vez que a relação capital versus trabalho é muito menor.

    Nesse contexto, a tecnologia empregada desempenhará papel proeminente no sentido de garantir competitividade no mercado interno e também no externo. Para que se desenvolvam novas tecnologias agrícolas e se dissemine a pesquisa de forma mais perene, é necessário que se criem incentivos para que o setor privado dela participe, seja por meio de iniciativas próprias, seja por meio de iniciativas conjuntas de grupos de empresas.

    Nesse novo cenário, o papel do órgão central - o Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária - seria sensivelmente reduzido, restringindo-se às funções normativas de âmbito nacional - como o estabelecimento e a fiscalização das normas de defesa animal e vegetal - bem como a coordenação da política comercial e tecnológica. No entender ainda do Professor Guilherme Dias "todas as outras definições críticas de desenvolvimento tecnológico, infra-estrutura produtiva, reforma fundiária, assentamento e treinamento de sem-terras seriam definidas no âmbito estadual e regional. No contexto da descentralização administrativa, os órgãos regionais devem perder a característica de braços do poder central, passando a ser coordenados por colegiados, onde têm assento os Secretários da Agricultura dos Estados da região."

    Continuando ainda o professor: "no Nordeste, por exemplo, a estratégia deve ser a de privilegiar o emprego da irrigação através de uma estrutura de pequenas unidades familiares. O "X" do problema é a promoção tecnológica deste sistema, a reciclagem e o treinamento da mão-de-obra e sua coordenação dentro de uma estrutura agroindustrial; é um imenso desafio de ordem política e, por esta exata razão, tem de ocorrer dentro de um contexto regional e não de fora para dentro".

    De minha parte, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou convencido de que qualquer política agrícola para ser bem sucedida no Brasil, além da descentralização, precisa garantir recursos aos produtores a tempo e a hora; e, no momento em que forem vender a sua produção, é preciso que o preço seja compensatório, para que não se vejam desestimulados com a continuação do empreendimento. A par disso, o sistema de armazenagem precisa ser aperfeiçoado e difundido, de modo a proteger a produção. É simplesmente inadmissível que, num país como o Brasil, em que a fome está presente em todas as regiões, os produtos estraguem-se nos armazéns por falhas de armazenagem ou, de tão velhos, tornem-se impróprios para o consumo. No campo dos transportes, há que prover as regiões produtoras de estradas pelas quais a produção possa ser facilmente escoada.

    Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a grande rotatividade de comando recentemente verificada no Ministério da Agricultura infelizmente tem conspirado contra o estabelecimento de metas estáveis para o setor agrícola brasileiro. Medidas como a recente ameaça de interrupção dos financiamentos pelo Banco do Brasil - felizmente não concretizada - só servem para aumentar as apreensões do setor, jogando uma ducha de água fria nas expectativas de obter-se, já neste ano, um supersafra. Tenho, entretanto, a certeza de que o bom senso imperará na mente de todos aqueles que têm responsabilidade na condução dessa política, pois, se há um segmento da nossa economia que não pode ser de modo algum inviabilizado, esse é o setor agrícola. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/04/1994 - Página 1542