Discurso no Senado Federal

A FALENCIA DO SISTEMA PENITENCIARIO BRASILEIRO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • A FALENCIA DO SISTEMA PENITENCIARIO BRASILEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/04/1995 - Página 6966
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, URGENCIA, ALTERAÇÃO, FUNCIONAMENTO, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS, MOTIVO, EXCESSO, LOTAÇÃO, PENITENCIARIA, FALTA, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, PRESIDIO, IRREGULARIDADE, CUMPRIMENTO, PENA, LOCAL, DISTRITO, POLICIA.
  • APOIO, INICIATIVA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFORMULAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadores, Srs. Senadores, o doloroso retrato das muitas mazelas sociais brasileiras nos é constantemente exibido pelos meios de comunicação. Numa noite, os noticiários de televisão nos trazem as imagens da fome no sertão nordestino, agravada nos períodos de seca. Noutra ocasião, as imagens poderão ser das subabitações desprovidas de instalações sanitárias ou dos moradores de rua, características de nossos grandes centros urbanos. É possível também que o cardápio televisivo da noite inclua nossos hospitais, com os pacientes sendo atendidos - e até submetidos a pequenas cirurgias - nos corredores ou sobre balcões de pias; isso, quando chegam a ser atendidos. Talvez uma reportagem aborde a situação de alguma de nossas escolas, onde pode estar faltando giz, professor ou até o telhado.

Nos últimos tempos, uma das mais feias chagas de nosso quadro social tem comparecido com grande freqüência às nossas salas de estar. Refiro-me aos nossos estabelecimentos prisionais - penitenciárias e cadeias públicas.

Tal como nas zonas rurais pauperizadas, nos bairros populares das metrópoles e nos hospitais públicos, também na grande maioria das penitenciárias, as condições de vida são subumanas: superlotação, total falta de condições de higiene, promiscuidade, contágio de doenças - particularmente a AIDS -, ociosidade, violências de toda ordem, inclusive sexual, homicídios, suicídios, tratamento brutal infligido por muitos agentes penitenciários despreparados para o exercício da função. Esse é o cotidiano dos homens e mulheres recolhidos aos estabelecimentos penais no Brasil.

Contudo, diferentemente do que ocorre com o sertanejo, o favelado ou o paciente do hospital público, os meios de comunicação nunca focalizam o detento com a preocupação de mostrar suas deploráveis condições de vida. Se fosse apenas por isso, os presidiários não estariam nas telas de televisão. Aparentemente, a desumanidade e a ineficácia das instituições carcerárias não ocupam muito espaço no rol das preocupações de governantes, governados e formadores de opinião. Parece que o sistema prisional transformou-se, ao arrepio dos ensinamentos da ciência penitenciária, em um fim em si mesmo. Para a tranqüilidade da sociedade, bastaria a segregação. Como ela se faz - o desrespeito aos direitos humanos, a violência e a corrupção se constituem nos seus qualificativos maiores - pouco importa. O que realmente importa é que a sociedade se livre daqueles que transgrediram as regras de convivência estatuídas na legislação penal.

Entretanto, a degradação do sistema, processo que vem se agravando há anos, chegou a tal ponto que se tornou impossível continuar a ignorá-la. Isso porque fugas e rebeliões violentas passaram também a compor o cotidiano das penitenciárias e cadeias públicas. E é somente por causa dessas sublevações, pela ameaça que representam, que os estabelecimentos penais têm conquistado grandes espaços na mídia nos últimos tempos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo declarações do Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Dr. Edmundo de Oliveira, ocorrem atualmente nada menos do que três rebeliões por dia nas delegacias e presídios do País! No ano passado, aconteceram mais de três mil fugas, representando uma média superior a oito presos fugindo a cada dia! Ainda em 1994, a destruição provocada pelas rebeliões ocasionou a perda de mais de mil lugares nas celas!

As causas desse verdadeiro caos são as abjetas condições de encarceramento já mencionadas. Presídios como os brasileiros transformam delinqüentes em verdadeiras feras, que pouco se importam em matar ou morrer, convictos de que qualquer coisa é preferível a permanecer enjaulado em circunstâncias insuportáveis.

Os números relativos à superpopulação carcerária são impressionantes. Em nível nacional, o censo penitenciário de 1994, divulgado pelo Ministério da Justiça em novembro passado, revelou a existência de quase 130 mil presos amontoando-se em menos de 60 mil vagas! Mais de duas pessoas por vaga! Números que indicam um déficit de 70 mil acomodações individuais no sistema carcerário. Enquanto isso, 32 presídios, cuja construção foi iniciada mas não concluída, estão abandonados, deteriorando-se. Há dois anos o Governo não investe um centavo na construção de novos presídios, porque não há previsão orçamentária para isso.

Para onde quer que se olhe no País, encontrar-se-á o problema. Em Manaus, a Penitenciária Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, com capacidade para menos de 150 presos, está superlotada, com 380. A apenas oito quilômetros dela, a Colônia Agroindustrial Anísio Jobim, uma obra destinada a alojar 240 detentos e desafogar a Vidal Pessoa, está se deteriorando por falta de recursos.

Aqui mesmo, no Distrito Federal, a construção do pavilhão C da Penitenciária da Papuda está interrompida desde 1992. O prédio, que abrigaria dois mil presos, não foi concluído. A obra, no entanto, é reputada como imprescindível pelas autoridades da Segurança Pública, pois quase 2.200 presos, que deveriam estar em presídios, estão sob a responsabilidade, aqui em Brasília, da Polícia Civil. Isso sem mencionar que, com sua dimensão atual, a Papuda poderia alojar decentemente apenas mil e setecentos dos dois mil e quatrocentos detentos que lá se encontram. Problema semelhante ocorre em Belém, onde a construção da Penitenciária Federal não passou do muro.

Em Rio Branco, no Acre, inspeção conduzida pelo Departamento de Assuntos Penitenciários (Depen) do Ministério da Justiça, em novembro passado, constatou que o Complexo Penitenciário Polivalente Doutor. Francisco de Oliveira, com capacidade para cento e cinqüenta presos, estão alojados mais de trezentos e sessenta. Segundo Relatório do Depen, nesta Instituição os presos passam fome!

Dos quinhentos e onze estabelecimentos prisionais existentes no País, 188 estão em precária condições. Mesmo a maioria desses, no entanto, está com a superpopulação carcerária. Um deles é o Presídio de Santa Terezinha, em Juiz de Fora, Minas Gerais, que poderia abrigar cento e oitenta pessoas, mas amontoa duzentos e quarenta.

O caso mais patético da superlotação, no entanto, foi registrado pelo jornal O Globo, em sua edição de 6 de março. Relata o periódico:

      "A superlotação das delegacias da capital paulista, que confinam, em média, cinco vezes mais presos que a sua capacidade, criou um novo tipo de detento no sistema carcerário: o preso sem teto. Além de sofrer as mesmas privações que os presos comuns, esse novo habitante dos cárceres tem que se virar como pode para escapar do sol e da chuva, já que fica confinado não numa cela, mas no pátio da delegacia".

Mais adiante, o jornal explica que o Terceiro Distrito Policial, localizados nos Campos Elíseos,

      "inovou na concepção de prisão e, aproveitando o pátio interno, criou o primeiro cárcere ao ar livre para vinte detentos que não cabiam mais nas celas de quinze metros quadrados, já entupidas por outros cento e trinta presos".

E acrescenta:

      (os detentos) "são obrigados a passar todo o tempo ao relento... Quando chove à noite, os presos têm que ficar de pé ou estender os lençóis e cobertores sobre o chão molhado, já que os colchões foram banidos da Terceira Delegacia de Polícia".

Aliás, Sr. Presidente, quando se tenta avaliar o déficit de vagas no sistema prisional, não basta levar em conta o excesso de lotação das penitenciárias existentes. Devemos considerar, ainda as milhares de pessoas sentenciadas e que estão irregularmente cumprindo penas em cadeias públicas e distritos policiais, ao invés de estarem recolhidas a penitenciárias. Só no Estado de São Paulo, elas são mais de treze mil, ou quase 1/3 dos presos sentenciados. Precisaríamos computar, também, cerca de duzentos e vinte mil condenados que se encontram em liberdade - segundo estimativa de Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - por não terem sido cumpridos seus mandatos de prisão. Observe-se que esse número é 70% maior do que os dos efetivamente recolhidos. Isso para não falar dos crimes que sequer são comunicados à Polícia. A esse propósito, interessante pesquisa patrocinada pelas Nações Unidas constatou que de cada 10 pessoas assaltadas do Rio de Janeiro e em São Paulo somente três se dão ao trabalho de registrar a queixa, tamanha é a falta de confiança na ação da Polícia.

Em outras palavras, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, se todos aqueles que delinqüem fossem de fato recolhidos aos presídios, nossa população carcerária seria multiplicada várias vezes. O simples cumprimento dos mandados de prisão já expedidos elevaria o número de presos para cerca de trezentos e cinqüenta mil, quase seis detentos para cada vaga. Nesse caso, a situação que já é caótica tornar-se-ia absolutamente incontrolável. O barril de pólvora explodiria de vez. Não constitui, portanto, qualquer exagero afirmar que a deficiência e a precariedade do sistema penitenciário nacional são alarmantes, quando confrontadas com a demanda.

Mesmo quando uma obra é realizada, em certos casos parece ser inexistente a preocupação de dar ao detento aquele mínimo de conforto indispensável à dignidade do ser humano. Em São Paulo, na Casa de Detenção de Carandiru, depois da chacina de outubro de 1992, procedeu-se a uma- reforma no Pavilhão nº 09, onde teve lugar o massacre de cento e onze presos. Essa "reforma" não trouxe, porém, nenhuma melhoria às condições em que vivem os detentos: as selas contam com até doze beliches de cimento, com apenas um chuveiro de água fria, uma bacia sanitária e janelas sem proteções contra as condições atmosféricas externas.

Assim, entregue ao ócio, desassistido, humilhado, vilipendiado, o recluso brasileiro afunda-se e degrada-se. Uma situação que leva um homem da estatura de D. Aloísio Lorscheider a afirmar que os presídios brasileiros "estão mais para uma universidade do crime... do que uma casa de correção".

O querido e respeitado cardeal-arcebispo de Fortaleza foi, ele próprio, vítima desse caldeirão de violência. Em março do ano passado, ao encontrar-se com os detentos do Instituto Penal Paulo Sarasate, em visita de misericórdia, Sua Eminência foi tomado como refém, juntamente com outras onze pessoas, por um grupo de amotinados.

Em entrevista concedida ao Estado de S. Paulo, dias depois, Dom Aloísio afirmou que a principal lição do episódio era que " o amor ao próximo deve ser exercido em toda a sua plenitude" e que precisamos amar "sobretudo, aqueles que têm os direitos humanos desrespeitados". O Cardeal, antigo batalhador das pastorais carcerárias, apontou também as mazelas de nossas prisões, destacando entre elas a ociosidade e afirmando que o sistema penitenciário brasileiro "está seriamente enfermo".

De fato, as aviltantes condições de vida a que são sujeitados os detentos podem explicar não apenas as fugas e a rebeliões. Elas explicam também os índices de reincidência, os quais indicam que 80% dos que são libertados após o cumprimento da pena retornam à senda do crime. Elas estão por trás, com certeza, dos mais de cento e trinta homicídios e dos quarenta e cinco suicídios ocorridos nas prisões brasileiras no ano passado. Por fim, elas explicam, embora certamente não justifiquem a mais bizarra e horripilante forma de protesto contra a superlotação, já imaginada pela massa carcerária: "a ciranda da morte".

Como se sabe, a ciranda da morte, criada pelos detentos da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, consiste na execução de presos pelos próprios companheiros de cela como forma de protestar contra a superlotação. No primeiro trimestre do ano passado, quatro detentos foram mortos naquela delegacia em virtude desse movimento o qual desnuda, por completo, a impotência governamental, frente à problemática carcerária. Ao impor-lhe uma condenação penal e recolhê-lo a uma prisão, o Estado assume a responsabilidade pelo custodiado. Se esse Estado não é capaz de garantir ao custodiado, ao menos, o sagrado direito à vida, é de se questionar sua prerrogativa de apená-lo e encarcerá-lo.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, dantesca como é a situação penitenciária do País, ela não parece merecer - quer por parte da opinião pública, quer por parte dos governantes -, a repulsa que seria de se esperar. A sociedade não cobra providências e os governos não as tomam, o quadro de horror se pereniza. Por que tanto descaso com esse segmento da população brasileira? Talvez a resposta possa ser encontrada no próprio censo penitenciário. Afinal, ele indica que noventa e cinco por cento dos reclusos são pobres e que quase setenta e cinco por cento deles sequer concluíram o primeiro grau? Será que os analfabetos, os desempregados estruturais, os pobres não interessam muito aos governantes e aos formadores de opinião?

O fato é que agora, como afirmamos anteriormente, a situação já não pode mais ser ignorada. Ela está se transformando numa verdadeira bola de neve: a reincidência cresce em maré montante, determinando uma demanda cada vez maior de vagas, num volume incapaz de ser suprido diante dos altos custos da construção de novos edifícios prisionais. Empilhar mais presos nas já superlotadas casas existentes é uma impossibilidade concreta.

As evidências que aqui trouxemos à consideração do colendo Plenário demonstram a completa falência do sistema penitenciário brasileiro. Falência essa, aliás, reconhecida pelo próprio pelo próprio Ministro da Justiça, Nelson Jobim, que atribui a situação não apenas à prolongada falta de investimentos mas também a inexistência de uma política nacional para o setor. S. Exª tem reiteradamente manifestado sua preocupação com a questão e a disposição do Governo de rever todo o sistema.

E é disso que se trata. A necessidade de uma profunda reforma.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPElO - Ouço, com muita atenção e prazer, o nobre Senador Bernardo Cabral.

O SR. Bernardo Cabral - Senador Valmir Campelo, eu estava aqui preocupado se deveria interromper V. Exª ou ouvi-lo até o final. Eu não queria pedir-lhe o aparte, sem ouvir a linearidade de seu discurso, a conclusão a que chegaria. Mas é claro que o fio condutor de sua oratória demonstra que ela é não só oportuna e momentosa mas também das mais sérias. O sistema penitenciário brasileiro está completamente falido, V. Exª tem razão. Os presídios hoje são pavorosos depósitos de presos, e ali se pratica o antônimo da universidade. É a escola do crime. Misturam-se detentos com reclusos, as pessoas que ali ingressam acabam saindo com láurea, o chamado "diploma do crime", e as penitenciárias, cujo sentido etimológico era o de cumprir pena, acabam se transformando num veículo para a periculosidade maior na cidade, ou da nossa Nação. Quando V. Exª registra que há dois anos não se constrói uma penitenciária, posso dizer que tal informação é rigorosamente verdadeira. Quando passei no Ministério, senti de perto, na Pasta da Justiça, o clamor que a Nação está a soltar à vista da insegurança. V. Exª se refere a 70 mil vagas. Nesse ponto quero me fixar no meu Estado. V. Exª mencionou as duas penitenciárias. V. Exª citou a penitenciária que leva o nome de Vidal Pessoa e a outra, de Anísio Jobim. São os nomes de dois eminentíssimos desembargadores, da maior cultura jurídica. Além disso, o segundo, Jobim, era um Senador da República. Esses nomes estão hoje tisnados por estarem registrados em penitenciárias. Com relação à primeira que V. Exª citou, um cidadão chamado Regalado Batista foi para Paris para poder trazer para Manaus, naquela época áurea da borracha, um projeto de uma penitenciária que fosse modelo. E ela foi construída em sistema de raios. Hoje, encravada já no centro da cidade, transformou-se, como tantas outras do País, no que eu dizia ao começo da interrupção que faço ao seu discurso, em mais um pavoroso depósito de presos. Só deploro que este Senado hoje não esteja literalmente tomado, para que outros Senadores ouvissem o brado que V. Exª faz à Nação. É preciso urgentemente solucionarmos este problema, não sei de que forma, não tenho a solução. O diagnóstico está aí, não sei se V. Exª ao final dirá qual será a terapêutica. Mas, em verdade, essa é a mais oportuna peça que V. Exª poderia trazer nesta manhã de sexta-feira ao conhecimento de seus colegas. Parabéns!

O SR. VALMIR CAMPELO - Nobre Senador Bernardo Cabral, para mim é muito honroso receber um aparte de V. Exª porque, como Senador da República, como Líder do PP, V.Exª tem trazido a este Plenário assuntos relevantes, assuntos de grande interesse para a nossa sociedade, para o nosso País. Mas principalmente, nobre Senador Bernardo Cabral, o seu aparte ao meu pronunciamento é muito importante pela experiência vivenciada por V. Exª como Ministro da Justiça.

Quero fazer justiça a V. Exª. Se nós demos prosseguimento às obras da penitenciária da Papuda foi porque V. Exª, na condição de Ministro da Justiça, sensível como é - sempre foi - teve a sensibilidade de voltar sua atenção para o Distrito Federal.

Lembro-me de que, naquela ocasião, também eu pertencia à Comissão de Orçamento e verifiquei os recursos que constavam do Orçamento da União para outros presídios do nosso País.

Para mim, é muito importante esse depoimento de V. Exª, não só pela sua vivência mas também e principalmente pelo que V. Exª fez como Ministro da Justiça para o nosso País. Meus parabéns.

E é disso que se trata. A necessidade é de uma profunda reforma. As linhas mestras dessa reforma devem apontar para o afastamento, tanto quanto possível, da pena carcerária, reservando a segregação celular somente para os casos extremos. Nos estabelecimentos prisionais que ainda forem necessários, devemos proceder à imediata eliminação das condições de vida aviltantes, assegurando pleno respeito aos direitos humanos e combatendo firmemente a corrupção. Nesses presídios, não pode haver lugar para o ócio. A educação e a atividade produtiva têm que ser direito e dever de cada apenado.

Estamos bem conscientes da escassez de recursos. Entretanto, um dos objetivos básicos dessa reforma, como aliás já têm indicado as próprias autoridades do Executivo, é exatamente reduzir os gastos públicos com a manutenção do sistema prisional inchado e ineficiente.

Por outro lado, é importante lembrar que, no que tange à falta de verbas, um importante passo foi dado ainda no Governo Itamar Franco. Em março de 1994, foi criado o Fundo Penitenciário, constituído de três por cento do valor arrecadado em todos os sorteios e loterias federais. Infelizmente, até hoje a Caixa Econômica Federal nada repassou para o Ministério da Justiça. Por problemas burocráticos, deixaram de ser transferidos cerca de três milhões e meio de reais ao Departamento de Assuntos Penitenciários (DEPEN) do Ministério. A previsão inicial era de que o setor penitenciário receberia mais de vinte milhões de reais do Fundo.

De qualquer forma, é importante saber que o Executivo, mesmo nessa conjuntura de carência de recursos, não está de braços cruzados. No início do mês de março, o Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Edmundo de Oliveira, apresentou ao Ministro Nelson Jobim um pacote de sugestões destinadas a amenizar alguns dos principais problemas do sistema carcerário, entre eles as questões da superpopulação e das rebeliões. A intenção é melhorar a vida dos condenados e diminuir os gastos do Governo com eles. No momento, as sugestões estão sendo estudadas por técnicos da Secretaria de Justiça do Ministério.

Quanto ao aspecto disciplinar, o Conselho propõe que os presídios de segurança máxima fiquem sob a administração do Governo Federal, permanecendo apenas as penitenciárias que não se enquadram nessa qualificação especial submetidas aos governos estaduais. Entende o Conselho que a existência de uma política unificada para todos os estabelecimentos de segurança máxima, tal como ocorre na França, por exemplo, diminuiria as rebeliões e outros problemas.

No que concerne ao objetivo de reduzir a massa carcerária, o pacote defende a adoção de novas modalidades de penas alternativas à privação da liberdade, além daquelas já previstas no Código Penal, de prestação de serviços à comunidade e de interdição temporária de direitos. A intenção do projeto é dar ao juiz ampla possibilidade de não mandar para a cadeia quem não merece. O Conselho estuda mais 9 penas alternativas para os casos de crimes de menor gravidade, como pequenos furtos, avaliando que de 20 a 30% dos presos poderiam estar cumprindo outro tipo de pena que não a privação da liberdade. Para esse cálculo, foram levados em consideração dados do censo penitenciário, que indicam que 18% dos condenados estão cumprindo pena por furto simples e 3% por lesões corporais leves. É ilustrativo o caso de uma empregada doméstica, de São Paulo, que está presa por ter furtado três calcinhas e quatro sutiãs. Outra proposta com esse mesmo objetivo de aliviar a superlotação é a redução da pena dos presos que se matricularem em cursos educacionais. A redução seria de um dia para cada setenta e duas horas passadas na escola.

Por outro lado, informações que recolhi junto ao Ministério da Justiça dão conta da definição governamental no sentido de priorizar a conclusão de estabelecimentos prisionais cujas obras já estejam com, pelo menos, setenta por cento de adiantamento. Nesse sentido, alguns convênios já vêm sendo firmados com governos estaduais. A opção é acertada, pois não faz sentido iniciar obras novas deixando outras inconclusas.

Positiva, também, é a retomada dos convênios com as secretarias estaduais encarregadas da área penitenciária, objetivando reativar os chamados Mutirões de Execução Penal. Nesses mutirões, estudantes de Direito comparecem aos presídios e avaliam, juntamente em cada detento, sua situação processual, a fim de verificar as possibilidades de progressão no regime de cumprimento da pena ou obtenção de outros benefícios legalmente previstos, como, por exemplo, o livramento condicional. Essas iniciativas redundam sempre na identificação de detentos que já reúnem condições legais para abandonar a prisão, o que tem impacto favorável sobre a questão da superlotação carcerária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se pode ver, o Governo Fernando Henrique está emitindo sinais muito claros de que pretende enfrentar com destemor o explosivo problema penitenciário brasileiro. Desejo deixar registrado o meu firme apoio a essa iniciativa, pois avalio que a extrema gravidade da situação não permite retardamento, mas exige uma intervenção firme e abrangente. A reformulação a se proceder deve, de fato, ser completa. Precisamos de um sistema penitenciário totalmente novo.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/04/1995 - Página 6966