Discurso no Senado Federal

SATISFAÇÃO DE S.EXA. COM A INDIGNAÇÃO DOS SRS. SENADORES CONTRA O NEPOTISMO NOS CARGOS PUBLICOS. SEVERAS CRITICAS AOS PLANOS ECONOMICO E DE PRIVATIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • SATISFAÇÃO DE S.EXA. COM A INDIGNAÇÃO DOS SRS. SENADORES CONTRA O NEPOTISMO NOS CARGOS PUBLICOS. SEVERAS CRITICAS AOS PLANOS ECONOMICO E DE PRIVATIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/08/1995 - Página 13096
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, SENADOR, MOTIVO, EXPOSIÇÃO, CRITICA, EXECUÇÃO, NEPOTISMO, OBJETIVO, CARGO PUBLICO, GOVERNO FEDERAL.
  • CRITICA, PLANO, REAL, MOTIVO, CUSTO, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, POPULAÇÃO, INTERESSE, GARANTIA, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUALIDADE, VONTADE, GOVERNO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS), FALTA, CONTROLE, COMBATE, INFLAÇÃO, INCOERENCIA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, APROVAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, SIMULTANEIDADE, DEFESA, PROGRAMA DE GOVERNO, OPOSIÇÃO, PRESENÇA, ESTADO, ECONOMIA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta sexta-feira é um dia que ficará marcado de forma indelével na minha memória. Realmente, parece que hoje o sol tinha nascido verde para mim, ao chegar neste Plenário e deparar com a efervescência da consciência política sadia, com os repúdios de inúmeros Srs. Senadores dos partidos que apóiam o Governo, inclusive e em especial, acoimando as práticas de nepotismo e de utilização dos cargos públicos, para que fins políticos inconfessáveis fossem alcançados.

A mim não interessa se os doze nomes levados a Sua Excelência, o Presidente da República, são nomes respaldados por curriculum vitae, por uma experiência e por uma probidade que lhes facultariam o exercício do cargo. São os próprios doze nomes que a mim causam espécie.

O meu protesto vai além. São doze nomes levados por um Senador ao Presidente da República para serem agraciados com cargos públicos. Posso afirmar isso com tranqüilidade, porque na minha vida nunca fui nomeado a não ser por concurso público de provas e títulos; a minha mulher nunca foi nomeada - num dos concursos realizados na Câmara dos Deputadas, estava em primeiro lugar e passou em quinto lugar. Com os meus filhos, felizmente, a mesma coisa aconteceu. Inclusive um deles é motorista do Tribunal de Contas da União, tendo lá ingressado através de concurso concurso público prestado entre 800 candidatos, no qual ficou em primeiro lugar, cargo que exerce com muita dignidade.

Portanto, fiquei muito satisfeito ao perceber que a inquietude do Senado se manifesta através de diversos Senadores no sentido de se tentar colocar cobro a esse processo que é uma herança secular, perniciosa e degradante.

Mas existe um aspecto nesse loteamento dos cargos públicos que parece que não foi levado com a devida consideração. Para mim, muito do que foi dito aqui a respeito do descalabro em que se encontra a agricultura brasileira; muito do que foi dito aqui a respeito do desemprego que cresce assustadoramente, aproximando-se do nível da Argentina, de 18%; muito do que foi dito aqui a respeito do sucateamento de diversos setores da indústria nacional, desde os calçados a autopeças; muito do que foi dito aqui a respeito da "bancocracia" que domina este País, cobrando os juros que desejam cobrar, demonstra, cabalmente, que o Plano Real cumpriu o seu resultado político; elegeu o Presidente da República, a um custo que, para mim, foi o mais elevado que já se pagou pela eleição de uma pessoa neste País: custo social, custo cambial, custo industrial, custo do desmprego. Esse é o resultado de um plano eleitoral, político, apenas revestido - e mal revestido - por alguns tecnocratas inconseqüentes com trapos e farrapos de cientificismo. Ciência coisa nenhuma! Economics coisa nenhuma! Economia politiqueira, sim! Essa foi a linha que costurou essas medidas, que só poderiam redundar naquilo que redundaram: no fracasso que já começa, no fracasso que faz com que diversos Senadores comecem a tomar tento, a desconfiar dos propósitos desse Governo.

Infelizmente, o próprio parecer do eminente Senador Ronaldo Cunha Lima já não mais será apresentado e já não mais incorporará o processo das reformas constitucionais. Aquilo que há de principal nele, que é a salvaguarda completa do patrimônio público, do sangue dos trabalhadores, cristalizado nas empresas estatais, já vai ficar para uma segunda etapa da regulamentação da Constituição.

Foi adiada a greve de novembro do ano passado dos petroleiros, tendo sido apalavrado pelo então Presidente da República, Itamar Franco, e por Ministros presentes ao acordo que, para não atrapalhar o êxito aparente do real, os petroleiros deveriam esperar a sua justa reivindicação salarial e os reajustes devidos para o mês de junho deste ano. E quando chegou o mês de junho esqueceram tudo, desmentiram seus compromissos, descumpriram a palavra dada, e agora pedem que nós acreditemos neles. Esse Governo rasgou um dos fundamentos do Direito mundial, pacta sunt servanda - os pactos devem ser cumpridos. Quando um governo não obedece aos pactos que ele assinou, ou que apalavrou, entra, necessariamente, numa crise de perda de legitimidade.

Esse Governo foi bem expresso nas palavras do Sr. Ricupero, apanhadas nas antenas parabólicas, onde ele confessou a falta de escrúpulo com a qual se colocava em prática o Plano Real.

É um caminho longo, em que as palavras apodrecem, em que os fios de cabelo e da barba já não servem mais para selar o pacto de honra que o Governo deveria manter em episódios tão graves.

Houve um aumento de 411% da taxa de concordatas e falências de junho do ano passado até junho deste ano. As nossas piores previsões estão se realizando. Existe o plano fome, o plano do não-consumo, o plano medieval que considera o consumo um pecado e que usa todos os instrumentos, como o achatamento salarial, a impossibilidade de reajuste dos salários - congelados, sim, num congelamento que também usa uma outra palavra, mas que é congelamento, principalmente congelamento de salários, pelo período de um ano, como é congelamento de aluguéis pelo período de um ano.

Esse congelamento, que o Governo disse que não recorreria a ele, vem mostrar que essa inquietude, presente nesta Casa hoje, é apenas uma febrezinha, uma febrícola de 37,5º, mas que avisa que existe uma infecção, perturbações do organismo nacional ocasionadas e exacerbadas pela presença e pela aplicação desse Plano Real, a abertura às mercadorias, mediante um processo de subsídio às importações, um dumping às avessas; o Governo brasileiro deveria subsidiar as exportações, estimulá-las por meio de juros baixos, de incentivos e transferências de recursos para os setores exportadores; seguindo o seu raciocínio, o Governo, mediante a palavra do Sr. Gustavo Franco, do Banco Central, deveria colocar o dólar valendo apenas cinqüenta centavos de real, para que todas as mercadorias invadissem o mercado brasileiro, porque a cinqüenta centavos de real nem pirulito se produziria neste País, porque ele seria mais barato se importado da China, do Japão ou de um tigre asiático.

Portanto, esse plano autofágico, esse plano destruidor, não pode ser compreendido a não ser como um plano político-eleitoreiro.

Vemos aqui, no mesmo jornal, na mesma Tribuna da Imprensa, que o Barings Securities está aconselhando a todos os investidores estrangeiros que comprem ações da TELEBRÁS. E o Barings Securities alerta aos seus clientes que as ações da TELEBRÁS serão altamente valorizadas em 1996 ou 1997, devido a sua privatização.

Privatizar a PETROBRÁS continua sendo o escopo, o objetivo final e encoberto desse Governo. E é incrível que, numa situação em que a PETROBRÁS se coloca no topo, em primeiro lugar entre as empresas nacionais, em termos de capital e em termos de rentabilidade, tendo apresentado um lucro com ativos da ordem de R$23,7 bilhões e um faturamento líquido de R$9 bilhões, quando as empresas privadas eficientes, as empresas privadas que vão ser as herdeiras das empresas estatais, para aumentar-lhes a eficiência, para renovar-lhes a tecnologia, para cumprir uma fileira interminável de promessas, essas empresas privadas, como a MESBLA, como a Casa Centro, como diversas empresas nacionais privadas de alto porte estão pedindo concordata, estão entregues às agruras da falência.

É este o caminho que querem para as empresas estatais? Eu, pelo menos, nunca vi nenhuma empresa estatal falir. E nunca vi também a PETROBRÁS fazer aquilo que a Shell fez: pedir emprestado US$1 milhão ao Banco do Brasil e ao BNDES e pedir amparo tecnológico à PETROBRÁS para pesquisar petróleo na foz do Amazonas. E a Shell, este ano, teve R$100 milhões de lucro, mas enviou 60% para o exterior.

Portanto, não vejo motivo razoável e plausível para que o sucateamento da Vale do Rio Doce, da PETROBRÁS, da TELEBRÁS possa se fundamentar em algum princípio sólido e digno.

Tudo se faz neste País em nome do combate à inflação. No entanto, a inflação, como diria um cínico tabagista, é como o vício do cigarro. É muito fácil debelar a inflação. Nós brasileiros já acabamos com a inflação cinco vezes, a partir de 1986; mas, tal como o vício do cigarro, a inflação volta e encontra um organismo mais debilitado, um organismo ainda mais dependente do que era anteriormente.

Cinco vezes, desde 1986, conseguimos derrubar o monstro da inflação, lançá-lo ao solo com a taxa próxima de zero; e cinco vezes a inflação se ergueu e passou a ser este monstro fetichista que nos domina. Somos dominados pelo combate à inflação. Empobrecemos e morremos de fome em nome do combate ao índice fetichista que passa a dominar todas as cabeças e a comandar os comandantes.

Portanto, este é um País dominado pelo capital. E como o capital é uma entidade fetichista, nós somos dominados por fetiches. O que estou dizendo não tem nenhum endereço pessoal, como jamais tem o que pronuncio. O que digo agora é algo que escrevi em 1972, ao longo de 38 páginas de um artigo que será agora publicado como parte deste livro que lançarei ainda este ano.

Naquela ocasião, procurava alertar que o maior mal de uma economia, mesmo de uma economia subdesenvolvida e periférica como é o nosso caso, talvez não seja a inflação. Os remédios que se aplicam contra a inflação são muitas vezes mais danosos, mais prejudiciais do que a própria inflação.

Não tenho dúvidas de que o processo do Plano Real, como diz Fernando Henrique Cardoso - "Este Plano é um processo" - foi aplicado em diversas etapas. Fernando Henrique Cardoso referiu-se a três pauladas e Ciro Gomes se referiu a três - desculpem-me a palavra - "porradas". Esse é um processo que começou em 1965 com Octávio Bulhões e Roberto Campos. De acordo com Roberto Campos, ele estava promovendo uma sangria depuradora no Brasil: restringiu o crédito, elevou o número de falências, aumentou o desemprego e, entre 1964 e 1967, o salário mínimo caiu 25%; cortou três zeros do cruzeiro, criando o cruzeiro novo e ali, então, começa o processo, o longo processo que não termina agora no Real, pelo contrário. O Real vai passar por cima de todos aqueles que pensam que o processo inflacionário foi finalmente debelado por ele.

Se os preços sobem e adota-se o câmbio negro, o IBGE não pode apurar a inflação que nele existe. Se o Governo resolve subsidiar o bombril, as autopeças e, depois, o leite - isso ocorreu em abril de 1984 -, os preços não sobem; então, não haverá nunca reajuste salarial. No entanto, as receitas e os lucros subiram, porque o bombril, as autopeças, o leite e etc foram subsidiados. Duas receitas aparecem no caixa do empresário: aquela resultado da venda de sua produção e aquela que ele recebe como subsídio governamental.

É muito pior o subsídio do que a inflação. É muito pior o câmbio negro do que a inflação declarada. São muito piores as maquiagens dos produtos, que deterioram a qualidade. É muito pior a importação subsidiada que assistimos hoje, que vem reduzir o custo da cesta de consumo dos consumidores de carros, de artigos de luxo, de gravatas Hermès, de perfumes e uísques. A cesta de consumo dos ricos tem o seu preço reduzido, mas os artigos que fazem parte dela não entram na cesta de consumo dos pobres.

Parecia que a perversidade interna, que o arrocho salarial, em nome da redução do consumo, haviam chegado ao seu limite, quando a este processo se somam os constrangimentos externos, através da importação destruidora dos empregos nacionais.

No México, depois do êxito deste Plano do FMI e do Consenso de Washington, se alardeava o grande boom da indústria automobilística. Mas o processo, agora, foi revelado. Oitenta e sete por cento dos componentes dos carros produzidos no México eram importados. Assim, o que estava crescendo não era a indústria automobilística do México, mas a da Alemanha, a da Itália, etc., que mandavam autopeças para serem montadas na indústria destruída, sucateada do México.

A mesma coisa se repete no Brasil. Apenas o Gol, da Volkswagen, consegue manter 89% de componentes produzidos no Brasil. Foi por isso que os metalúrgicos puseram o Gol num caminhão, como se fosse um louro de uma batalha já perdida, e o trazem, e vão chegar, em breve, em Brasília, que se transformou na Meca dos descontentes.

O combate perverso à inflação costuma ser muito pior do que a própria inflação, pelo menos do ponto de vista daqueles que sofrem o processo. Os banqueiros, não. Os banqueiros sempre se deram bem nesta "bancocracia" brasileira.

Para terminar. Não gosto de referir-me às minhas previsões, que me levaram inclusive ao exílio involuntário e a ter de lecionar, num péssimo inglês, para sobreviver, na Universidade de Sussex, na Inglaterra. Não gosto de me referir àquilo que previ, contrariando as intenções da ditadura e dos tecnocratas brasileiros, mas não poderia deixar de fazê-lo. Escrevi, três meses antes de ser baixado o Plano Cruzado, no dia 28 de fevereiro de 1986, um artigo de duas páginas, que saiu no Jornal dos Economistas, mostrando os furos do Plano Cruzado. E foi o Plano Cruzado que, sem eu o saber, me levou para a política.

Comecei a expor aos grevistas de Brasília os furos e as conseqüências daquele Plano quando aqui não havia ainda eleição, que só veio a ser conquistada dois anos depois. Eu não fazia aquilo por motivos políticos, mas para esclarecer a coletividade, como um professor que foi chamado da cátedra para a praça pública. E aí, sem saber, eu estava começando a minha carreira política, já obviamente tardia.

Não tenho dúvidas de que o problema principal da economia brasileira não é o aumento de produção e de produtividade. Esta é a mentalidade paulista, que sacrificou a saúde e a educação e tudo e destinou todos os recursos para salvar o deus capital, entronizado em São Paulo. E na medida em que o capital já não conseguia mais extrair lucro dos trabalhadores exangues, o Governo passou a subsidiar, e criou-se a ciranda financeira, a fim de que banqueiros e industriais dividissem o lucro especulativo que a produção já não conseguia mais dar, por mais baixo que o salário se reduzisse. Esta é que é a crise central da economia brasileira - e num destes artigos que tenho aqui mostro que existem seis crises encavaladas na economia nacional. Mas a crise axial, a crise mais importante é a crise de sobreacumulação de capital e de concentração de renda.

E aqui não é um marxista que fala, porque o próprio Lord Keynes afirma que diante de uma crise de sobreacumulação, a única solução para levar avante o processo é a redistribuição da renda. E foi isso que no Brasil nunca se fez, apesar de tantas promessas e de tanta adulteração estatística.

Hoje foi uma sexta-feira feliz, e o que esta efervescência do Plenário do Senado revela aos meus olhos é que estão todos percebendo que, em todos os setores de atuação do Governo, existe um fracasso completo do Plano e das promessas de Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso.

Para quê um governo neoliberal deseja fazer passar no Parlamento um reforma fiscal, uma reforma tributária que só tem por objetivo, obviamente, aumentar a receita do Governo? Se o Governo não vai fazer nada, se o Governo quer se retirar da atividade econômica, se o Governo vende as empresas produtivas e lucrativas que se criaram na esfera estatal, se o Governo é omisso, é um governo do laissez-faire, um governo apenas gendarme, que acredita no mercado como órgão regulador e estimulador da economia e da atividade econômica nacional, por que o Governo quer mais recurso, quer mais dinheiro?

Neste momento parece que estamos diante de um governo keynesiano, de um governo que estimula os gastos, que gasta em qualquer coisa, como dizia Lord Keynes, que cito novamente.

Até mesmo construindo pirâmides ou fazendo guerra, diz Lord Keynes, o Governo tem de gastar, para aumentar a demanda efetiva, para aumentar o consumo, que eles querem destruir.

Mas agora o Governo quer mais dinheiro, não para criar empregos e aumentar o consumo coletivo. Ele quer mais dinheiro para quê, se o Ministro Bresser Pereira diz que é preciso demitir 80 mil funcionários?

Dinheiro para quê, se as nossas estradas, que eles deixaram esburacar, vão ser privatizadas e entregues para que os seus felizes proprietários cobrem pedágio. Pedágio sobre estradas, pedágio sobre a saúde, pedágio sobre a educação, pedágio e mais pedágio, reduzindo a renda disponível, ainda mais, para outros fins.

O que vai sobrar, depois de pagar tanto pedágio, depois de pagar tanto custo que era custo pago e financiado pelo Governo mas que está sendo privatizado, o que vai sobrar para a compra do arroz e do feijão?

A renda disponível tem que necessariamente ser ainda mais reduzida, a renda tem que ser mais concentrada, para que se encontre mercado para um milhão e oitocentos mil carros. A produção saltou de um milhão e duzentos para um milhão e oitocentos mil, fora os importados. Então, é preciso concentrar a renda, para que o mercado de luxo, o mercado privilegiado e elitizado compre esses carros importados e esses carros que estão sendo produzidos, fazendo o orgulho deste Governo que se diz socialdemocrata.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - Senador Lauro Campos, interrompo o seu pronunciamento só para comunicar a V.Exª que faltam apenas 2 minutos para encerrar a sessão.

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, Sr. Presidente.

Em Portugal, um ilustre e preclaro professor falou, de público, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que estranhava o fato de o Senhor Fernando Henrique Cardoso não ter conhecimento ainda de que a socialdemocracia já estava extinta na Europa há muito tempo. E escrevi também isto aqui: estão trazendo para o Brasil o cadáver da socialdemocracia, liquidada na Espanha, na Alemanha, na Itália. E querem ressuscitar essa socialdemocracia no Brasil, mas sem o social, como também o foram aquelas outras experiências européias.

Então, nós nos encontramos diante de um conjunto de paradoxos em que o Governo que fala que vai enxugar, que vai reduzir gastos, que vai equilibrar o orçamento propõe um aumento da carga tributária e um aumento da receita. Só se for para continuar a pagar banco, porque em outros setores o Governo já prometeu que não vai se meter. Adota, assim, o pior dos dois mundos, o pior do mundo keynesiano e o pior do mundo do Sr. Friedman e dos neonadas. Não têm proposta alguma para o futuro. Esses homens do mercado livre não têm nenhuma proposta para o futuro. E não existe uma ideologia capaz de mobilizar a população, sem que ela traga uma proposta de futuro. E esta ideologia traz como única promessa séria o aumento do desemprego, que já chegou já chegou a cento e vinte e cinco milhões de pessoas em escala mundial. A única proposta do neoliberalismo é que cada um deverá pagar, de seu bolso, a sua saúde, a sua educação e a sua aposentadoria. Não há promessa de futuro. É uma ideologia enterrada em 1929 e que agora ressurge, quer ressurgir do túmulo, mas que não tem, obviamente, qualquer possibilidade de sobrevida.

Então, o que eu vi aqui hoje foi apenas um sintoma, a febre, a febrícula das inquietudes que refletem a consciência crescente de que o Governo fracassou em seu plano, fracassou em seus processos e, como não tem outra saída, como não tem opção, ele vai até o fundo da perversidade na tentativa vã de procurar ainda alcançar as suas promessas desmoralizadas.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/08/1995 - Página 13096