Discurso durante a 160ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

AUMENTO DO NUMERO DE TRABALHADORES MENORES NO PAIS.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • AUMENTO DO NUMERO DE TRABALHADORES MENORES NO PAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1995 - Página 17211
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, PAIS, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, MENOR, IMPEDIMENTO, ESTUDO, COMPROMETIMENTO, SAUDE, DESENVOLVIMENTO, CRIANÇA, DESRESPEITO, DIREITOS, GARANTIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • CONCLAMAÇÃO, CONGRESSISTA, AUTORIDADE, GOVERNO, EMPENHO, EXTINÇÃO, EXPLORAÇÃO, MÃO DE OBRA, MENOR.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, três milhões de meninos e meninas com menos de 14 anos de idade saem de casa todos os dias. Não para ir à escola, como deveriam, mas para trabalhar nas grandes cidades ou em propriedades rurais. Se incluirmos nesse universo todos os menores de 14 a 17 anos, o número sobe para 7.500 mil trabalhadores ainda crianças ou adolescentes que ocupam 11,6% dos empregos disponíveis no País.

Esses e outros dados, Sr. Presidente, divulgados neste ano passado pelo IBGE são vergonhosos. O último levantamento nacional realizado por este órgão revelou que mais de 42% dos menores de 10 a 17 anos, na área rural, trabalham. No setor urbano esse número cai para cerca de 24%. Em vez de estarem na escola estudando e preparando-se para a vida, esse imenso contingente de pequenos brasileiros já são trabalhadores e equivale a quase 12% da nossa população economicamente ativa.

Segundo o Diretor da Organização Internacional do Trabalho, José Carlos Alexim, "é difícil encontrar, no Brasil, uma mercadoria que, na cadeia produtiva, não tenha por trás a marca da mão de uma criança".

Srªs e Srs. Senadores, há, sem dúvida, em nosso País uma verdadeira exploração da mão-de-obra infantil. O trabalho precoce é um dos principais responsáveis pela preocupante evasão escolar detectada no País. Segundo dados do IBGE, apenas 39, em cada 100 crianças que trabalham, terminam o 1º Grau. É lamentável que essas estatísticas sejam verdadeiras. É muito fácil encontrar crianças e adolescentes trabalhando como se fossem adultos em todo o território nacional. Submetendo-se a riscos diários muitas vezes em condições atrozes, em ambientes insalubres, despendendo um esforço físico incompatível com o seu organismo em fase de crescimento, as crianças trabalham no corte da cana-de-açúcar, do sisal, em outras culturas, em olarias, serralherias, oficinas, fábricas, tecelagens, minas de carvão, salinas, pedreiras e atividades diversas.

É evidente, porém, que nenhuma criança trabalha simplesmente porque quer; trabalha para garantir a própria sobrevivência ou para complementar o orçamento familiar, em função de os salários dos pais serem insuficientes para suprir as necessidades da família. Não tenho dúvida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que a situação dessas milhares de crianças pertencentes às camadas mais carentes da nossa população é a manifestação mais cruel e contundente do vergonhoso quadro de exclusão social que caracteriza o Brasil.

O sociólogo Herbert de Souza, articulador nacional da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, afirmou que a situação de milhões de crianças exploradas no Brasil "é seguramente a expressão mais profunda e escandalosa do grau de indigência a que chegamos neste País que faz das crianças as suas primeiras vítimas, diante da passividade da sociedade".

O trabalho precoce deixa sempre uma seqüela irrecuperável e resulta não só no impedimento aos estudos, como também no comprometimento da saúde e no desenvolvimento físico e mental de grande parte de nossa população infanto-juvenil.

As autoridades governamentais não podem mais ficar passivas diante de um problema social de tal gravidade. A realidade vem demonstrando que, na prática, os direitos garantidos pela Constituição Federal e regulamentados no Estatuto da Criança e do Adolescente não são respeitados. Segundo a legislação brasileira, até os 12 anos de idade a criança deve ser protegida do trabalho; entre 12 e 14 anos, deve-se conciliar, quando necessário, educação e trabalho por meio da iniciação em regime de aprendizagem, ou da inserção em programas que tenham por base o trabalho educativo. Somente após os 14 anos os programas nessa área devem visar a capacitação profissional, o encaminhamento adequado e a proteção dos adolescentes no ambiente e nas relações de trabalho. Os dados aqui mencionados demonstram o fosso existente entre a teoria e a prática. Sete milhões e quinhentos mil trabalhadores de até dezessete anos ocupam 11,6% dos empregos disponíveis no País. São quase 12% de toda a nossa população economicamente ativa.

Todos concordamos, Sr. Presidente, que lugar de criança é na escola. Mesmo em caso de absoluta necessidade é preciso que o trabalho infantil se desenvolva de forma a não impedir o acesso da criança à escola e, sobretudo, evitar que ela se transforme em mão-de-obra explorada.

Apesar de reconhecer que de nada adianta proibir a criança de trabalhar, se essa é a única forma de evitar que ela morra de fome ou caia na marginalidade, condeno veementemente o trabalho infantil, em virtude das conseqüências negativas que ele tem sobre a formação de nossas crianças.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Não poderia deixar de fazer um registro que se constitui em um depoimento. Hoje, o discurso de V. Exª não me surpreende, nem para mim é novidade porque acompanhei o trabalho de V. Exª na Constituinte. Desde àquela época, quando se discutia o Capítulo dos Direitos Oficiais, V. Exª foi um intransigente defensor no sentido de que não se mutilasse a criança e que se proibisse o trabalho infantil escravo. Retorna V. Exª à tribuna, como Senador - àquela época V. Exª o fazia como Deputado Constituinte -, fazendo um discurso para que se coloque um freio nesse tipo de trabalho e a criança vá à escola. Os governos precisam tomar cuidado para evitar que essas crianças se tornem marginais; vemos crianças com sete, oito ou dez anos, transformando-se em trombadinhas, freqüentando a universidade do crime, o antônimo filosófico do que deveria ser pedagogia. No entanto, o que se vê é isso que V. Exª reclama agora por meio de uma denúncia que deveria não só ser ouvida, mas também ecoar lá fora. Parabéns, Senador Valmir Campelo.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço as palavras de V. Exª. Quero registrar a atenção que V. Exª teve para com este Parlamentar na ocasião da Assembléia Nacional Constituinte, quando tivemos a felicidade de apresentar algumas emendas que hoje, com justiça, constam do Texto constitucional, como a que se refere aos aposentados. V. Exª, que foi Relator-Geral da Constituinte, teve a sensibilidade de absorver nossa emenda, não só a dos aposentados, a que diz respeito à criança, mas também o art. 243 da Constituição Federal. De forma que sou grato a V. Exª; se hoje temos uma Constituição progressista, cidadã é porque tivemos um Relator sensível aos problemas do nosso País. Agradeço a V. Exª.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Valmir Campelo, permita-me um aparte.

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª, nobre Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Valmir Campelo, preocupa-me por demais a lei que foi aprovada relativamente a essa questão dos menores. Hoje, é preciso voltar a se estudar Direito, até porque menores de 16, 17 anos, já homens feitos, acautelam-se nessa lei elaborada em 1988 e muita coisa poderia ser corrigida, mudada. Vejo a preocupação com os menores que trabalham. A meu ver, deveríamos ter mais preocupação com aqueles que não estão trabalhando, até porque comecei a trabalhar aos 8 anos, na roça; mesmo assim, estudei, me formei e estou aqui. E há pessoas que pensam que menor trabalhar é crime. Acho que ainda temos de rever essa lei e cuidar mais junto aos governantes do apoio aos estudantes, aos menores, com relação à escola, à merenda escolar, à alimentação, a emprego para seus pais, mas não impedindo que o menor trabalhe. Digo isso com conhecimento de causa, porque desde os oito anos trabalhei e venci na vida, e acho que trabalho não mata menores. Mata, sim, aqueles que estão fora da escola e esquecidos pelo sistema que aí está.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço o aparte inteligente de V. Exª. Fico muito grato pelas suas palavras, mas continuo entendendo, Senador, que o problema do menor abandonado, o menor carente, o menor que realmente necessita dos cuidados do Estado, precisa ser visto não só com aqueles que trabalham - é óbvio -, mas também com aqueles que não trabalham. Pretendemos um futuro melhor para os menores, que serão a expressão e o futuro do nosso País.

Nossa preocupação, e V. Exª pôde notar durante o nosso pronunciamento, é com aqueles menores que exercem um trabalho quase escravo, um trabalho nos canaviais, nas serralherias, e isso é muito comum em nosso País. Esse tipo de trabalho que condenamos e para o qual chamamos a atenção das autoridades, porque não é justo, nem para um adulto, é o trabalho em condições insalubres, em condições precárias, subumanas, e muito menos para os menores. São a esses que endereçamos nossa preocupação.

Continuando, Sr. Presidente, eu diria que a brutal concentração de renda, que nos coloca em penúltimo lugar nesse quesito nas estatísticas mundiais, é a causa principal da miséria em que vivem mais de trinta milhões de pessoas, em nosso País.

Cinqüenta e oito por cento das crianças e adolescentes brasileiros vivem em famílias cuja renda per capita não ultrapassa meio salário mínimo. Este fato, aliado à falta de assistência no que diz respeito à educação, à saúde e a tantos outros direitos elementares que integram o conceito de cidadania, empurra para o mercado de trabalho ou para as ruas grande número de nossos jovens e crianças.

Sr. Presidente, ao concluir meu pronunciamento, gostaria de conclamar os Srs. Parlamentares e as autoridades governamentais a lutarmos sem tréguas para pôr fim ao trágico problema da exploração de mão-de-obra infantil, em todo o território nacional.

Precisamos encontrar, urgentemente, soluções para minorar os problemas que atingem as camadas mais carentes e, sobretudo, as camadas mais jovens da nossa população.

O tempo é agora. As crianças não podem esperar. É preciso resgatar a imensa dívida social que o Brasil tem para com elas.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1995 - Página 17211