Discurso no Senado Federal

DENUNCIAS DE IRREGULARIDADES NO GOVERNO DO SR. ORLEIR CAMELI. DESCALABROS ADMINISTRATIVOS NO ESTADO DO ACRE.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.:
  • DENUNCIAS DE IRREGULARIDADES NO GOVERNO DO SR. ORLEIR CAMELI. DESCALABROS ADMINISTRATIVOS NO ESTADO DO ACRE.
Aparteantes
Flaviano Melo, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 16/02/1996 - Página 2045
Assunto
Outros > ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC), ACEITAÇÃO, IMPOSIÇÃO, UNIÃO FEDERAL, DEMISSÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).
  • DUVIDA, CONHECIMENTO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO ACRE (AC), CLAUSULA, CONTRATO, EMPRESTIMO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as seguidas denúncias de irregularidades envolvendo o Governador Orleir Cameli, como Chefe do Executivo do Acre e como integrante de grupos privados, levaram a Procuradoria-Geral da República a abrir diversos processos e despertaram, em importantes setores da sociedade acreana, o sentido da necessidade de uma intervenção federal no Estado.

O assunto já foi fartamente discutido neste plenário pelos Senadores que representam o Acre, sem distinção de legendas e acima de paixões partidárias. O que todos os acreanos desejamos, na realidade, é ver recuperada a imagem do nosso querido Estado, atingida e manchada pela sucessão de denúncias de corrupção e casos concretos de incompetência gerencial, fatos que se avolumaram desde o início das últimas administrações, posteriores ao período presidido pelo nosso hoje colega Flaviano Melo e seu Vice-Governador Edson Cadaxo.

O povo acreano está ciente, e a Nação, através dos membros do Senado, começa a saber que essa intervenção, na prática, já se processou. É feita nos termos do documento assinado pelo próprio Governador Orleir Cameli, a pretexto de obter um empréstimo de R$27 milhões junto à Caixa Econômica Federal - um valor relativamente pequeno, mas que, em seu bojo, traz regras administrativas, financeiras e funcionais, impostas pela União ao Estado.

O contrato de financiamento foi aprovado pelo Conselho Monetário Nacional, na forma do Voto nº 162/95, o que lhe dá autêntico poder normativo na gestão interna dos negócios estaduais, sujeitos ao monitoramento federal. O contrato, como de hábito, aborda nos primeiros dispositivos os aspectos precisamente operacionais da autorização e da operacionalização do crédito em si, tais como taxas, encargos financeiros, obrigações e garantias, ressarcimento compulsório dos valores entregues e punições nos casos de inadimplência.

A partir da cláusula décima primeira, entretanto, o Governo do Estado se submete a obrigações que nada têm a ver com o financiamento. Pelo contrato, o Governo do Estado se compromete a "cumprir, rigorosamente, as metas abaixo relacionadas":

      - Alcançar, no exercício de 1996, resultado primário superavitário no valor de R$55 milhões, a preços de dezembro de 1995;

      - Não contratar operações por antecipação de receita orçamentária;

      - Não admitir novos funcionários, tanto na administração direta como na indireta;

      - Incrementar, no exercício de 1996, em termos reais, a arrecadação tributária própria em 8,5%;

      - Conter as despesas de 1996 na média dos exercícios de 1994 e 1995;

      - Desenvolver estudos para implantar, a partir de janeiro de 1997, a modernização dos sistemas de informações fiscais e controle da execução financeira e orçamentária do governo estadual;

      - Informar ao Ministério da Fazenda, com antecedência de 30 dias, sobre qualquer ato ou medida legislativa que implique aumento de despesa ou redução de receita; e, detalhe importante, isso se aplica também à criação de novos Municípios;

      - Determinar que, a partir de abril de 1996, sejam atendidas todas as obrigações vencíveis a partir daquela data; as pendências já existentes terão de ser regularizadas até 31 de dezembro do corrente ano;

      - Instituir o Cadastro Geral de Imóveis e centralizar em órgão próprio a administração do patrimônio imobiliário do Estado;

      - Implantar, até junho de 1996, o controle centralizado das empresas estatais, para consolidar informações e reduzir despesas;

      - Interromper qualquer novo endividamento estadual;

      - Enviar para apreciação da Assembléia Legislativa, até julho de 1996, projetos de lei capacitando o Estado a cumprir o acordo em tela, firmado com a Caixa Econômica Federal, dentro das normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Não está em causa, Sr. Presidente, se o Governo vai ou não ter condições de cumprir todos os compromissos que assumiu. Tampouco importa entrar no mérito das ordens aceitas pelo Governador ao assinar o contrato com a Caixa Econômica Federal, mesmo constatando, inevitavelmente, sua quase inviabilidade. O que se destaca e merece análise político-administrativa é o fato de que o Governador, para receber um empréstimo de R$27 milhões, entregou integralmente a condução do Estado à União.

Isso fica ainda mais evidente quando, nesse contrato de financiamento, nessa operação rotineira de crédito, o Estado se compromete a executar um programa de privatizações e de liquidação de empresas públicas, que vai muito além do implantado pela União em seus próprios domínios. Senão, vejamos:

      - Até junho de 1996, deverão ser estabelecidos programas operacionais de privatização, concessão de serviços públicos estaduais à iniciativa privada, reforma e desmobilização patrimonial, destinando-se a receita à quitação de dívidas do Estado com a União;

      - Até dezembro de 1996, extinguir, privatizar ou fundir entidades da Administração Indireta que não sejam totalmente auto-sustentáveis ou apresentem superposições;

      - Também com prazo final estabelecido em dezembro, desenvolver estudos para privatizar a Eletroacre.

Mas é na máquina administrativa e funcional que essa intervenção federal se torna evidente e radical, com o estabelecimento de normas rígidas e da mais absoluta submissão do Governo Estadual aos técnicos da União. É importante ressaltar, preliminarmente, que o cumprimento dessas ordens federais criará um caos social no Acre, pois implicará na imediata demissão de cerca de 5 mil servidores do Estado - devido ao fato de que, além da já citada proibição de contratações, na máquina direta e na indireta, o Governador Orleir Cameli aceitou as seguintes condições:

      - Reduzir em 3% os gastos com a folha de pagamentos e encargos, comprimindo-os em R$ 16 milhões mensais no corrente ano - tudo a preços de dezembro de 1995;

      - Não conceder qualquer reajuste ou aumento aos servidores da administração estadual, direta e indireta - só podem ser repassados os aumentos concedidos pela União a seus próprios servidores, mas, mesmo assim, desde que não se ultrapasse aquele teto, de R$ 16 milhões mensais;

      - Até junho de 1996 será instituído programa de reciclagem dos servidores - e serão devolvidos aos órgãos de origem os funcionários deslocados de suas funções e de seus cargos;

      - Implantar também, até junho, controle de freqüência - o ponto - para os servidores estaduais, criando limites de remuneração, dentro do art. 37, inciso XI, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal;

      - Instituir, até dezembro de 1996, jornada de oito horas diárias para todos os servidores do Estado;

      - Em convênio com o Ministério da Administração, revisar toda a legislação de pessoal do Estado para eliminar benefícios ou vantagens que não sejam conferidas aos servidores federais.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NABOR JÚNIOR - Com muito prazer, Senadora Marina.

A Srª Marina Silva - Parabenizo V. Exª por estar tratando desse tema. Ontem, inclusive, em comunicação inadiável, já tive oportunidade de abordá-lo. Mas as denúncias que fiz ontem, e que V. Exª reitera hoje, são muito graves, porque o que está acontecendo é que o Governo Federal, com recurso público, que é da União, decreta uma verdadeira intervenção branca no Estado do Acre, inclusive com exigências de modificação na nossa Constituição. E como o Governador do Estado do Acre, que até agora tem sido um desastre, tem uma bancada de maioria, sabe-se lá o que eles vão fazer da Constituição do Estado do Acre. Agora, o que é mais grave, que V. Exª acaba de citar, são os impedimentos com relação à contratação de pessoal. Existem algumas áreas que podem realmente já estar abastecidas; mas, na parte de saúde, há municípios, como por exemplo o de Feijó, que, um ano atrás, com uma população de 30 mil habitantes, contava com apenas um médico. Em vários Municípios do Estado do Acre existe apenas um médico; em outros, não existe nenhum. Não há também pessoal de apoio. O que o Governo está fazendo é decretar a morte daquelas pessoas. Eu, inclusive, Senador Nabor Júnior, estou tentando obter o contrato assinado por outros governadores para que possamos fazer uma comparação, porque não tenho dúvida de que o Governador do Acre conseguiu assinar o pior contrato. Alguns políticos da Região Norte sempre foram acusados de fazer "política de pires na mão", mas o Governador Orleir Cameli conseguiu realmente uma façanha: a política de lamber as botas da União sem demonstrar o mínimo de autoridade - que, aliás, não tem. O povo brasileiro precisa saber que o Governador do Acre, que até agora não respondeu aos problemas de saúde, que não colaborou em nada para colocar os assassinos do Chico Mendes na cadeia, amanhã estará inaugurando a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, depondo em vários casos de corrupção. V. Exª aborda um assunto de muita importância: tanto nós, Senadores, quanto aqueles que cuidam dos interesses da Federação devemos estar atentos, porque o que está acontecendo no Acre é uma intervenção branca, com a aquiescência - eu diria mesmo, com a falta de responsabilidade - da autoridade maior daquele Estado, que é o Sr. Orleir Cameli.

O SR. NABOR JÚNIOR - Muito obrigado pelo oportuno aparte que V. Exª confere. Acrescentaria mais, Senadora Marina Silva: creio que seria possível o Governador obter o empréstimo junto à Caixa Econômica Federal sem essa submissão toda, evitando colocar o Estado tão vulnerável. Durante três anos, o Governo Estadual não vai poder reajustar os salários do funcionalismo, como ordena um dos itens de imposição desse documento que ele assinou com a Caixa Econômica Federal, a não ser que a União conceda aumento para o funcionalismo federal; aí o Estado talvez possa repassar o mesmo percentual aos seus funcionários, desde que a folha não supere o teto de R$16 milhões estabelecido no contrato.

Ora, o Estado tem uma folha de mais de R$ 20 milhões, que será reduzida para R$ 16 milhões; se ele só pode conceder aumento desde que a folha continue em R$ 16 milhões, tão cedo não haverá revisão salarial para milhares de servidores federais, ainda que a União venha a fazê-lo para os seus próprios quadros.

Esse é um dos aspectos mais graves da questão, e que fica ainda pior quando se sabe que, enquanto o Governador se submete a tal contrato - aceitando a imposição da Caixa Econômica de demitir 4 ou 5 mil funcionários admitidos sem concurso nos últimos cinco anos - o sindicato dos funcionários do Estado do Acre estão denunciando que, só no primeiro ano da gestão do atual Governador já foram admitidos quase 4 ou 5 mil novos funcionários sem concurso. Veja bem a gravidade da situação!

O Sr. Flaviano Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NABOR JÚNIOR - Concedo o aparte ao ilustre Senador Flaviano Melo.

O Sr. Flaviano Melo - Senador Nabor Júnior, V. Exª trata hoje, aqui na tribuna desta Casa, de uma questão que considero seriíssima, não só para o Acre como também para todos os Estados da Federação. A partir do momento em que o Governo Federal, para fazer um empréstimo de R$ 27 milhões - o que representa talvez 70 ou 80% do fundo de participação mensal do Estado do Acre - faz todas essas exigências, esta Casa tem que ficar preocupada. Primeiro porque, com isso, está-se querendo acabar com o princípio federativo do nosso País para se fazer uma República unitária. São 26 itens de exigências que o Governo Federal faz para assinar um contrato de apenas R$ 27 milhões com o Acre. Tenho notícia de que vários Governadores assinaram contratos também para receber esses recursos da Caixa Econômica Federal. Não conheço os termos desses contratos, mas imagino que, se não são iguais, devem ser semelhantes. E aí me parece que é uma negociação de cada Governador com a Caixa Econômica Federal. Estou preocupado porque o Governador pediu autorização à Assembléia Legislativa para contrair esse empréstimo, mas não comunicou as condições. Então, S. Exª enganou, no meu entender, a Assembléia Legislativa, porque se tivesse mandado esse contrato, tenho dúvidas se os Deputados, mesmo os que o apóiam, iriam aceitar essas condições. Outro ponto que gostaria de abordar é que, segundo me informaram sindicalistas de Rio Branco, a folha de pagamento já está nesse valor exigido aqui e o pagamento de janeiro já foi feito. Então, o Governo do Estado não está necessitando de recursos para pagar a folha de pessoal; e, ao assinar esse documento, S. Exª está criando uma situação de fato para implementar uma série de políticas com as quais S. Exª deve concordar, ou seja, reduzir a zero e arrebentar a máquina administrativa do Estado, deixando-o da maneira como deixou o Município de Cruzeiro do Sul, de que foi prefeito. Preocupo-me, por exemplo, com essas demissões, que, segundo os jornais lá da capital, irão acontecer com os funcionários contratados a partir de 1990, indistintamente. Recordo-me de que criei uma fundação de tecnologia e um instituto de meio ambiente no Acre, altamente qualificados, com vários contratos no exterior e verbas a fundo perdido. Todos os técnicos dessa fundação e desse instituto foram contratados a partir de 89/90. Na realidade, eles vão ficar com motoristas, com secretárias, que eram funcionários antigos do Estado. Veja V. Exª o grau de responsabilidade do Governador do Estado. Parabenizo V. Exª e espero que os Senadores dos diversos Estados fiquem atentos a essa questão, senão acaba realmente o princípio federativo do nosso País. Muito obrigado.

O SR. NABOR JÚNIOR - Agradeço a V. Exª pelo aparte e ressalto um aspecto que, inclusive, vou destacar no curso deste meu pronunciamento: a autorização concedida pela Assembléia Legislativa do Estado para que o Governo contraísse esse empréstimo junto à Caixa Econômica Federal, anuência que, certamente, não foi precedida do integral conhecimento de suas cláusulas . Preocupados em não criar obstáculos à obtenção de recursos para o Estado, aprovaram a contratação do empréstimo e, parece-me, até os Deputados do PT votaram favoravelmente. Mas se as condições tivessem sido expostas a priori para a Assembléia, tenho certeza de que os Deputados não autorizariam a concessão, pelo que representa de verdadeira capitulação do Estado, uma ingerência da União nos negócios internos de um Estado federado - de um Estado que integra a Federação brasileira, que hoje está ameaçada, como disse V. Exª em seu brilhante aparte.

O Sr. Flaviano Melo - E nós não podemos culpar os Deputados, porque eu mesmo, quando Governador do Estado do Acre, fiz empréstimo junto à Caixa Econômica Federal de mais de US$100 milhões, e não existiam essas condições. Os Deputados não são culpados, porque isso é uma coisa nova em nosso País.

O SR. NABOR JÚNIOR - Muito obrigado, Senador Flaviano Melo, pelo aparte ao meu pronunciamento.

Estamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em face de uma situação típica de distinguir teoria e prática; é preciso fugir do simplismo irresponsável, da armadilha sofística que limitaria o quadro à pergunta: "são boas medidas?".

Ninguém, em sã consciência, pode contestar princípios como o saneamento da máquina administrativa, a correção de irregularidades e de privilégios no trato com os servidores, a eliminação dos ralos por onde escorrem os poucos recursos do Estado - mas, na realidade, tal simplificação esconderia a realidade de que o Governo do Acre abriu mão, completamente, da autoridade sobre sua própria jurisdição constitucional, transferindo para o Governo Federal a capacidade de resolver questões que vão desde o simples ponto dos funcionários até a venda de empresas que fazem parte do patrimônio estadual.

Tudo isso em troca de R$27 milhões?

É muito pouco dinheiro para tão grande submissão!

O contrato foi aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado, mas, como disse há pouco, não acredito que os Srs. Deputados tenham tido acesso, a priori, a todos os seus detalhes, a toda a integral abdicação de jurisdição nele expressa. Porque, na realidade, esse contrato devolveu o Acre à condição de mero Território Federal, incapaz de tomar decisões sobre as mais comezinhas questões do seu dia-a-dia como Unidade da Federação.

Antes mesmo da Justiça, a máquina burocrática da União já decretou a intervenção federal no Estado do Acre - com a assinatura e o consentimento do próprio Governador Orleir Cameli.

Este é o assunto que trago hoje aos Anais do Senado Federal, para que, no futuro, não pairem sobre os Representantes do Estado do Acre suspeitas ou acusações de omissão em face da importância e do alcance do contrato firmado entre o Governador e a União.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/02/1996 - Página 2045