Pronunciamento de Humberto Lucena em 11/03/1996
Discurso no Senado Federal
ANALISE DO DOCUMENTO INTITULADO 'O NOVO NORDESTE: UM SALTO PARA O FUTURO', ENTREGUE PELOS SENADORES INTEGRANTES DA BANCADA DOS ESTADOS DO NORDESTE NO SENADO FEDERAL AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, CONSTITUIDO A PARTIR DE PONTOS FUNDAMENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO.
- Autor
- Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- ANALISE DO DOCUMENTO INTITULADO 'O NOVO NORDESTE: UM SALTO PARA O FUTURO', ENTREGUE PELOS SENADORES INTEGRANTES DA BANCADA DOS ESTADOS DO NORDESTE NO SENADO FEDERAL AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, CONSTITUIDO A PARTIR DE PONTOS FUNDAMENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO.
- Aparteantes
- Iris Rezende, José Agripino, Romero Jucá.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/03/1996 - Página 3911
- Assunto
- Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- LEITURA, ANALISE, DOCUMENTO, AUTORIA, SENADOR, BANCADA, REGIÃO NORDESTE, DESTINATARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETIVO, ENCAMINHAMENTO, PROPOSTA, MELHORIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO.
- COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, INCENTIVO, INVESTIMENTO, REGIÃO NORDESTE, CORRELAÇÃO, CONVERSÃO, DIVIDA EXTERNA.
O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a falar sobre o Nordeste.
Na última quinta-feira, os Senadores daquela região, acima dos partidos e das ideologias, estiveram com o Senhor Presidente da República em uma audiência especial para fazer-lhe a entrega de um documento da mais alta importância, não só para o desenvolvimento regional, mas para o próprio desenvolvimento nacional, tendo em vista que o seu principal objetivo é a integração entre as regiões do País, de tal sorte que cada vez mais se consolide o que é fundamental para todos nós, isto é a unidade do Brasil que, aqui e ali, às vezes ameaçada por eventuais movimentos separatistas sem grande repercussão, sem dúvida tem sido a grande força motriz que nos conduz para o futuro, em busca daquela posição sempre tão almejada por todos nós, que é a de passarmos de uma simples nação emergente para uma nação de Primeiro Mundo.
Vou ler o documento para que conste dos nossos Anais pela sua significação:
"Ao Excelentíssimo Senhor
Doutor Fernando Henrique Cardoso,
Digníssimo Presidente da República,
Os Senadores do Nordeste vêm à presença de Vossa Excelência para, tendo em vista o momento de transição econômica por que passa o País e a imperiosa necessidade de inserção do Nordeste nesse contexto, propor o que se segue:
1 - Urgente estabelecimento de um modelo de descentralização espacial e setorial de desenvolvimento, com ênfase no setor industrial, mediante estímulos federais, baseados em alíquotas e índices diferenciados, objetivando acolher o fluxo de capitais privados, inclusive internacionais, que sejam capazes de transformar vocações e potencialidades existentes na Região em fonte perene de progresso e desenvolvimento, obedecidos os pressupostos de eficiência e competitividade.
2 - Promover a atualização do modelo de gestão institucional da política de desenvolvimento do Nordeste, aí incluídos os instrumentos de incentivos e aplicações financeiras, bem como instituir mecanismos de coordenação, promoção de oportunidades, mobilização de recursos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, conversão de dívida externa, entre outros, atraídos através da União, para aplicação e atuação mais efetiva na região.
3 - Prover a infra-estrutura pontual necessária à viabilização dos mencionados investimentos e assegurar à região as indispensáveis condições horizontais ou sistêmicas de competitividade, objetivando a redução do "custo Nordeste".
4 - Executar uma ação concentrada e vigorosa, destinada a atender às necessidades educacionais da população e estabelecer uma sólida base de desenvolvimento científico e tecnológico na região.
5 - Fortalecer os programas de combate à pobreza, especialmente da zona rural, em escala adequada à magnitude do problema, através do apoio a setores tradicionais de atividades da região e mediante financiamentos a grupos de pessoas - associações, cooperativas e microempresas - que, reunidas em torno de uma vocação natural e local, sejam capazes de obter ganhos de produtividade, gerando ocupação e renda para as populações que hoje guardam entre si os mais elevados índices de exclusão social do País.
6 - Promoção, pelos mais amplos procedimentos possíveis, de uma ação de apoio empresarial, através de intercâmbio, promoção de exposições e feiras e realização de simpósios, conferências, encontros e outros mecanismos, como forma de transportar para a região procedimentos e práticas modernas de gerência e atuação.
Essas reivindicações têm por base o suposto de que o Nordeste ainda não pode prescindir de uma presença ativa do Governo Federal. Ao contrário, é indispensável que a União aja hoje em relação ao Nordeste como o fez com o Sudeste ao longo de várias décadas.
Desejamos, de imediato, manifestar apoio à iniciativa de criação, na Câmara de Políticas Regionais, de grupos de trabalho para definir programas de ação para a Bacia e o Vale do São Francisco, pela importância de que se reveste para o desenvolvimento da região e pela contribuição que pode vir a propiciar ao equacionamento dos seus problemas hídricos.
Brasília, março de 1996.
Bancada dos Estados do Nordeste no Senado Federal."
Além do documento, foi entregue a S. Exª um anexo contendo a explicitação de alguns dos itens ali inseridos.
Por outro lado, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os Governadores do Nordeste estão se movimentando para uma outra audiência com o Senhor Presidente da República. Entre esses Governadores, quero destacar o atual Governador do meu Estado, a Paraíba, José Maranhão, que tem sido um baluarte em defesa da região fora e dentro do Conselho Deliberativo da Sudene. S. Exªs. pretendem vir ao encontro das angústias dos Senadores da região que entregaram esse documento ao Senhor Presidente da República, porque, além de estarem de acordo com a sua redação, com os itens ali apresentados, têm outros motivos para procurar Sua Excelência, relacionados sobretudo com as persistentes dificuldades financeiras que estão impossibilitando os Estados da Região Nordeste, do Maranhão até a Bahia, com exceção talvez do Ceará, de levarem a cabo um programa de investimentos não apenas no campo econômico, mas sobretudo no campo social, senão para resolver, pelo menos para atenuar o grande sofrimento das populações urbanas e rurais que habiram aquela região, que é a de mais alto índice demográfico do País.
Em suma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tudo isso significa que há uma arregimentação de forças regionais no Nordeste no sentido não de pedir esmolas, de estender a mão, mais uma vez, ao Senhor Presidente da República, solicitando socorro para as grandes legiões de nordestinos deserdados que compõem a imensa maioria da população nordestina, mas, como bem acentuou o nobre Senador José Agripino, principal interlocutor do nosso encontro no Palácio do Planalto, para cobrar de Sua Excelência, do Governo Federal, uma vontade política que leve realmente o Governo a eleger o Nordeste não como um problema regional, mas um dos maiores problemas nacionais, procurando integrar a região no surto do desenvolvimento do País.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de abordar uma questão que foi objeto de um aparte meu a um dos Senadores que falavam sobre a Região Nordeste, neste plenário, há algum tempo.
Justamente, relembrava que há hoje uma preocupação muito grande, inclusive na área econômica do Governo, de reduzir a presença do Estado na economia do País. Se formos mais além, os chamados neoliberais querem até transformar o Estado em um Estado mínimo.
Realmente, insisto em dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, na verdade, se estamos em um governo que me parece de inspiração social-democrática, não podemos deixar de reconhecer que a atual política econômica tem forte dose de neoliberalismo e deve ser revista sob certos aspectos, inclusive para que se defenda que a presença do Estado brasileiro em regiões como o Nordeste, que é altamente sofrido, de pobreza absoluta crescente, diria, não seja mínima. Ali o Estado ainda tem, realmente, que investir muito, porque se a poupança nacional é reduzida, avaliem a poupança privada no Nordeste.
Portanto, faz-se mister que o Governo encontre meios e modos de investir maciçamente na Região Nordestina, para integrá-la no todo nacional, permitindo que o Nordeste se reencontre consigo mesmo e possa deslanchar as suas enormes potencialidades econômicas.
O Sr. José Agripino - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Com prazer, ouço V. Exª.
O Sr. José Agripino - Cumprimento V. Exª pela oportunidade e pela propriedade do pronunciamento que faz, nesta tarde, sobre o encontro ocorrido com todos os Senadores do Nordeste, sem exceção, de praticamente todos os partidos, com Sua Excelência, o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, na última quinta-feira. Confesso que a audiência, muito embora tenha ocorrido num dia que julgaria inadequado, pelas inquietações que dominavam o Palácio do Planalto, fruto das ocorrências recentes, é a primeira de uma série que deverão ocorrer entre o Presidente e os que representam, nesta Casa, o Nordeste brasileiro, com o objetivo, enfocado na reunião, de repor o Nordeste na pauta de discussão do País, tendo em vista o que V. Exª acaba de expor, de que, com nova realidade brasileira, há necessidade de investimentos, a começar por investimentos privados, que, pela tutela do Estado, devem direcionar-se àquela região. Não podemos nos esquecer de que a região não pode prescindir dos investimentos públicos pelos próximos anos, em hipótese alguma. Na verdade, queremos que aquelas oportunidades que se explicitam pela sua gravidade na Região Sul sejam descobertas - e elas existem - na Região Nordeste e sejam apresentadas pela União. Que os trunfos da economia de seu Estado, a Paraíba, do meu Estado, o Rio Grande do Norte, de Pernambuco, da Bahia, sejam explicitados pelos governos estaduais, sejam entregues a uma coordenação da União, que se encarregaria da montagem de uma engenharia financeira e da identificação de grupos privados nacionais e internacionais para transformar aquelas potencialidades, aqueles trunfos da economia dos Estados em elementos formadores da riqueza nacional. Como V. Exª colocou com propriedade, mais uma vez, o que o Nordeste deseja não é o obolo, mas uma oportunidade de contribuir para a formação das riquezas regional e nacional, com a geração de emprego, que é a grande problemática deste País. O Presidente precisará entender isto, até porque há pressão política; eu, de minha parte, o farei e creio que todos nós temos a obrigação de fazê-lo. No momento em que os investimentos são mais privados do que públicos, é nossa obrigação fazer com que a região seja descoberta, seja explicitada e que o capital privado a ser mobilizado pela União possa chegar até lá. Em conversa com o Presidente em exercício, Marco Maciel, já agora, relatando a Sua Excelência a audiência ocorrida com o Presidente Fernando Henrique, disse-lhe que, no meu entendimento, a audiência fora incompleta, que não fora uma reunião informal, marcada pela franqueza daqueles que representam o Nordeste. Desejávamos que esse primeiro encontro fosse sucedido por outros, esses, sim, marcados pela informalidade e pelo desejo de somar idéias do Executivo e do Legislativo, o que, estou seguro, acontecerá. Outras reuniões acontecerão e a informalidade, repito, substituirá a formalidade do primeiro e o objetivo que perseguimos precisará acontecer, sob pena de o Governo, que se diz socialdemocrata, não atingir o principal objetivo social de qualquer governo neste momento, que é o de beneficiar a região, do ponto de vista social, mais injustiçada e mais sofrida do País, que é o Nordeste. Quero cumprimentar V. Exª mais uma vez pela oportunidade e pela tempestividade do pronunciamento.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª, nobre Senador José Agripino.
Prossigo, Sr. Presidente, para dizer a V. Exª que, como acaba de colocar o ilustre Senador potiguar, nós do Nordeste, nesta Casa, continuaremos nossa luta e procuraremos conjugá-las, também, com a bancada nordestina na Câmara dos Deputados.
Já notei igual movimento nesta Casa, em discurso do Senador Carlos Bezerra, em relação à Região Centro-Oeste, e de outros Senadores em relação à Região Norte do País. Enfim, como dizia há pouco, é um movimento de integração regional ao todo nacional, para que o projeto de desenvolvimento do Brasil se faça de uma maneira harmônica, cada vez mais diminuindo as distâncias e os desequilíbrios interregionais.
O Sr. Iris Rezende - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, Senador Iris Rezende.
O Sr. Iris Rezende - Cumpre-me, ilustre Senador Humberto Lucena, publicamente proclamar a oportunidade do pronunciamento que V. Exª faz nesta tarde, da tribuna do Senado. Experiente, como é na vida pública, consegue muito bem induzir o Governo a uma caminhada que o leve a acertos tão reclamados pela Nação. Reconhecemos que o insucesso econômico de países comunistas e socialistas tem levado outros países a adotar uma política, que considero até um tanto açodada, de redução da participação do Estado na vida nacional, a uma política de privatizações constantes, muitas vezes sem estudos mais aprofundados. Através desse discurso, V. Exª procura mostrar ao Governo que é de sua competência, de sua responsabilidade principal a promoção do equilíbrio interregional, especialmente em um País como o nosso, de dimensão continental. Temos que, realmente, estar precavidos para que o Estado não se distancie tanto da economia, de tal modo que se sacrifiquem ainda mais parcelas consideráveis da população. É claro que o Governo não precisa pensar na implantação de siderurgias ou de indústrias como no passado porque naquela época a iniciativa privada era incapaz de fazê-lo. Quando Getúlio Vargas, por exemplo, montou a siderúrgica de Volta Redonda o fez porque o capital privado não se interessou ou não entendeu a necessidade ou oportunidade de um empreendimento daquele porte. O Governo brasileiro precisa entender que dificilmente a iniciativa privada vai investir grandes somas em regiões como o Centro-Oeste, o Norte e o Nordeste, uma vez que não temos ainda infra-estrutura para garantir o sucesso desses investimentos. O Governo brasileiro, para proporcionar bem-estar social ao povo do Nordeste, precisa investir na política de irrigação - em se falando de agricultura. Sabemos muito bem - e hoje já não é mais experiência - que a agricultura irrigada do Nordeste é segura, tranqüila, mas não é rentável suficiente para que a iniciativa privada promova ali a execução de projetos que envolvam bilhões de reais. Então, é necessário que o Governo auxilie nesses investimentos. É claro que o Governo precisa investir também na infra-estrutura para proporcionar bem-estar ao povo nordestino e para desenvolver ainda mais o turismo naquela região. Acredito que o Nordeste brasileiro bem cuidado, bem estruturado, bem assistido pelo Estado poderá ser a redenção deste País na exploração das suas riquezas. As estiagens que têm trazido tantos dissabores, principalmente ao povo do Nordeste, bem aproveitadas, podem se transformar em fonte de renda, de bem-estar, de riquezas para aquela região. Temos aqui no Centro-Oeste brasileiro vastas regiões a serem ocupadas, as quais com uma infra-estrutura suficiente de energia, de estradas, de ferrovia, de saúde, de educação poderão acolher aqueles que não encontraram meios de vida suficientes no Nordeste. A economia de Goiás hoje, relativamente, vai bem e isso se deve à força do nordestino, que é um forte, um trabalhador. Basta que se dê uma pequena oportunidade para ele se firmar, se consolidar e produzir riquezas. Então, proclamo a oportunidade do pronunciamento de V. Exª justamente por sacudir o Governo, a fim de que ele não se embebede, de uma vez por todas, com a política de redução do Estado esquecendo-se de que muitas regiões, tais como Norte, Nordeste, Centro-Oeste, precisam ainda da assistência do Estado, assim como receberam o Sul e o Sudeste no dia de ontem. Meus cumprimentos à V. Exª.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Fico muito grato a V. Exª, nobre Senador Iris Rezende que, com a sua experiência de homem público, de ex-Governador de Estado, de ex-Ministro da Agricultura pôde sintetizar, em poucas palavras, o pensamento do discurso que procuro desenvolver nesta tribuna.
V. Exª colocou o dedo na ferida: a questão é justamente essa. Pode até ser que o Governo, inspirando-se um pouco, até contraditoriamente, no neoliberalismo, já que o Presidente é socialdemocrata, em sua atual política econômica, queira reduzir o tamanho do Estado, queira retirar o Estado de certos investimentos em matéria de infra-estrutura; mas, como diz V. Exª, temos vários brasis. O Brasil do Sul, do Sudeste e do Centro-Sul é um; o Brasil do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte é outro.
Portanto, essa redução do tamanho do Estado tem que ser dosada, como bem aludiu V. Exª no seu pronunciamento. Não se pode, por exemplo, querer levar para essas regiões mais pobres, menos desenvolvidas os recursos privados, se a União - já que os Estados da Federação não dispõem de recursos suficientes para isso - não ajudar na implantação de uma infra-estrutura viável a certos investimentos, como o investimento na indústria, o investimento no turismo, o investimento na agroindústria, e assim por diante. V. Exª colocou muito bem a questão.
Tanto é assim, nobre Senador Iris Rezende, que várias montadoras de automóveis no Brasil já se interessaram, por exemplo, em conversar com governadores do Nordeste, inclusive com os do Ceará e da Bahia, sobre a possibilidade de implantarem fábricas na região; mas, quando lá chegam e verificam as condições precárias de infra-estrutura, assim como o nível de renda, evidentemente, preferem o centro-sul do País. E o que vem ocorrendo é que as fábricas são sempre instaladas em São Paulo, Rio de Janeiro ou em Minas Gerais.
O Sr. Romero Jucá- Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Com prazer.
O Sr. Romero Jucá - Senador Humberto Lucena, gostaria também, assim como os Senadores Iris Rezende e José Agripino, de aplaudir as colocações de V. Exª na tarde de hoje. Motivado por uma visão e uma experiência muito grandes, V. Exª traz ao plenário um tema que é de fundamental importância para a mudança do nosso País. Tenho procurado, em muitas intervenções, falar sobre a ausência de um projeto de desenvolvimento regional, ausência de um projeto de enfrentamento dos desequilíbrios regionais. Temos de lutar para que haja a definição de um perfil para cada região, um programa de investimentos para cada região no sentido de que essas diferenças, essas questões estruturais sejam enfrentadas de forma competente. V. Exª fala em todas as ações decorrentes das necessidades tocantes ao Nordeste, e o Senador Iris Rezende nomeou as questões do Centro-Oeste, e eu gostaria humildemente de relatar as dificuldades que enfrentamos no Norte do País. Sem dúvida, o Norte, o Nordestes e o Centro-Oeste precisam urgentemente de uma política de investimentos votada para o enfrentamento dos seus problemas. V. Exª, com a experiência que tem, com a dimensão política que tem fere muito bem essa questão e somente me resta aplaudir e corroborar as suas palavras.
O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Romero Jucá.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de continuar, quero chamar a atenção para um ponto: segundo a imprensa, há poucos dias, o Senhor Presidente da República teria feito alusão à presença de lobbies dentro do Congresso. Quero que Sua Excelência fique sabendo que não se trata de mais um lobby.
As bancadas regionais do Nordeste, do Centro-Oeste e do Norte estão se articulando numa pressão legítima sobre o Governo Federal, a fim de que os planos de Governo procurem se adequar às peculiaridades regionais, sem prejuízo do desenvolvimento nacional como um todo.
O que precisamos, Sr. Presidente, é cada vez mais de trabalhar por aquilo que disse no início do meu pronunciamento, ou seja, pelo grande sentimento de unidade nacional, que é o segredo e a força que tem levado o Brasil a progredir.
Sr. Presidente, dentro dessa orientação, e ainda segundo o que discutimos aqui com o nobre Senador José Agripino e o nobre Senador Iris Rezende, para que se monte um projeto em favor de reivindicações básicas do Nordeste, como quer o documento que foi entregue ao Senhor Presidente da República, que, certamente, será enfatizado pelos Srs. Governadores de Estado daquelas regiões, são necessários recursos públicos e recursos privados.
Os investimentos públicos na Região não podem ser dispensados porque a situação financeira dos Estados e dos Municípios do Nordeste, como todos sabem, é precaríssima. Apesar de termos aqui conseguido modificar a atual legislação sobre rolagem de dívida, ainda continua muito custoso o pagamento do serviço da dívida dos Estados e Municípios com a União, de acordo com os contratos celebrados com o Ministério da Fazenda.
No caso da Paraíba, nós, que pagávamos 9% além dos 11% previstos na resolução em vigor - pagávamos 20% -, tivemos com essa modificação um ganho de apenas 3%, o que significou a redução de R$2 milhões ao ano no pagamento da dívida.
Ao mesmo tempo, em virtude da aprovação da proposta de emenda constitucional que prorrogou o Fundo de Emergência, tivemos que nos comprometer a pagar R$8 milhões, recursos que recebemos do Fundo de Participação nos meses de janeiro e fevereiro e que devemos devolver ao Estado em dez prestações até o final de dezembro. Vejam V. Exªs a situação em que se encontram alguns Estados, inclusive o meu, a Paraíba, que, ainda mais com a aprovação da prorrogação do Fundo tem um prejuízo anual de R$ 152.000.000,00, incluindo o Estado e os municípios.
Portanto, Sr. Presidente, são necessários, em primeiro lugar, investimentos federais, que deveriam ser direcionados para a área de turismo, a chamada "indústria sem chaminé", que tanto pode melhorar a absorção de mão-de-obra na região.
Nesse particular, contamos com o Prodetur, conjunto de projetos de cada Estado do Nordeste, junto ao Banco Mundial, da ordem de US$400 milhões.
Quero, nesse particular, referir-me a uma ação concreta do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que, atendendo à reivindicação dos Governadores da região, autorizou o BNDES a financiar as contrapartidas dos governos estaduais, porque, do contrário, esses recursos do Banco Mundial não poderão ser entregues ao Governo brasileiro e, portanto, serem aplicados na região.
Mas faz-se necessário que o Governo insista em apressar esses financiamentos das contrapartidas do Prodetur, por meio do BNDES, para que esses recursos do Banco Mundial, da ordem de US$400 milhões, venham para custear os projetos de turismo em cada Estado da Região Nordeste.
Temos todas as condições naturais e climáticas para o desenvolvimento do turismo no Nordeste, condições muito superiores, por exemplo, às de Honolulu, no Hawaí, mas nos falta infra-estrutura, que só pode ser implantada com ajuda desses recursos do Prodetur e de outros, que poderão ser proporcionados pela assistência técnica e financeira da Embratur - Empresa Brasileira de Turismo.
De outra parte, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também não se pode negar a necessidade de o Governo Federal fazer investimentos públicos no sentido de ajudar os Estados do Nordeste a implantar as chamadas ZPEs, criadas no Governo José Sarney. As chamadas Zonas de Processamento de Exportação estão em fase de implantação. Não estão ainda instaladas porque os Governos dos Estados do Nordeste não dispõem de recursos para terminar justamente as obras de infra-estrutura. A vocação do Nordeste é para a indústria de exportação, porque não temos condições de competir no mercado interno. Por isso as ZPEs terão papel preponderante na economia nordestina e na economia brasileira repetindo aqui, sem dúvida, o êxito que tiveram na China continental, que visitei, como Presidente do Congresso, em janeiro de 1989. Lá estão vinte zonas econômicas especiais, que inspiraram a criação das ZPEs. Sr. Presidente, foi justamente mediante essas zonas econômicas especiais que a China continental conseguiu abrir cada vez mais sua economia, criando condições para amanhã - quem sabe? - fazer a sua abertura política.
Também, há outro ponto que precisa ser colocado em pauta sobre o qual o Governo Federal deve refletir. Trata-se da necessidade de implantar na região áreas de livre comércio, como existe, por exemplo, no Norte. Apresentei um projeto de lei, que está na Comissão de Assuntos Econômicos, criando a Zona de Livre Comércio de Cabedelo. Já existe a do Amazonas, a de Rondônia, a do Amapá e a de Roraima. Há quatro Zonas de Livre Comércio funcionando.
O Sr. Romero Jucá - V. Exª permite-me um aparte?
O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, Senador Romero Jucá.
O Sr. Romero Jucá - Temos lutado, no Estado de Roraima, para implantar as duas Zonas de Livre Comércio autorizadas em lei e que, efetivamente, ainda não foram instaladas. Elas existem no papel, mas na prática estamos lutando perante o Ministério do Planejamento e o da Indústria e do Comércio para torná-las realidade, porque sabemos da sua importância para nosso desenvolvimento econômico. Gostaria de registrar que, apesar de criados no papel, as Zonas de Livre Comércio de Roraima ainda não foram implantadas, o que é uma pena. A bancada federal continua lutando para que isso aconteça o mais rápido possível. Eu me solidarizo com V. Exª nessa luta para implantação da Zona de Livre Comércio de Cabedelo.
O SR. HUMBERTO LUCENA - V. Exª tem razão de reclamar, mas V. Exª há de convir que já existe a lei. Então, é muito mais fácil conseguir a implantação do que no nosso caso que nem lei existe. Na verdade, além das Zonas de Livre Comércio de Amazonas, Rondônia, Amapá e Roraima - as últimas estavam para serem instaladas -, existe ainda a do Acre que também foi criada.
Segundo a Sudene, poderiam ser criadas de duas a três áreas de livre comércio no Nordeste, com o objetivo de dinamizar sub-áreas, contribuindo para redução do desequilíbrio inter-regional.
Ressalte-se que as áreas de livre comércio teriam de ser instituídas por lei, sujeitas a incentivos fiscais por parte da Suframa, com autorização do campo industrial para processamento apenas em matérias-primas locais.
Sr. Presidente, quero também referir-me a outro pleito que se liga mais à necessidade de atrair recursos privados para a Região. Antes eu me referia a investimentos públicos, agora me refiro a investimentos privados.
Para que haja investimentos privados na Região, primeiro precisamos inaugurar as ZPEs, para trazer as indústrias voltadas para a exportação; segundo, teremos de reformular a aplicação dos incentivos fiscais da Sudene, para que sejam melhor direcionados, sobretudo em busca do apoio à pequena e à média empresa, e não apenas à grande empresa, como vem ocorrendo na Região.
Por fim, gostaria de me referir à necessidade de o Governo refletir sobre essa questão de investimentos privados. Já falei com o Presidente da República duas vezes sobre esse assunto e também com o Sr. Ministro do Planejamento e com os Líderes no Congresso. Há um projeto de lei de minha autoria, que foi aprovado no Senado e está na Câmara, que dá preferência para aplicação no Nordeste dos títulos de conversão da dívida externa. Trata-se do Projeto de Lei nº 326, de 1991, que autoriza a conversão em reais da dívida externa brasileira, para financiamento de projetos destinados ao desenvolvimento sócio-econômico da Região Nordeste, e dá outras providências.
Tenho em mãos uma nota técnica da Sudene sobre o assunto, porque esse ponto da conversão da dívida externa para o Nordeste foi incluído inclusive no último documento aprovado pela Sudene, chamado Pacto do Nordeste, que é do conhecimento de V. Exªs.
Diz o documento da Sudene:
Conversão da Dívida Externa em Investimentos
1. Objetivos
O programa caracteriza-se pela transformação de empréstimos em capital de risco, pelo pagamento, em reais, de dívidas contraídas em moeda estrangeira.
2. Antecedentes
A principal experiência brasileira de conversão de dívida externa em investimentos ocorreu em 1988, por decisão do Conselho Monetário Nacional, que baixou a Resolução nº 1.460, de 01/02/88, permitindo basicamente dois tipos de conversão: formal e informal.
No primeiro caso, o investidor, ao receber reais para investir em uma empresa no País, adquiria o direito de, posteriormente, em condições fixadas na resolução, enviar lucros e dividendos para o exterior, bem como repatriar o capital original. Quanto à informal, ocorria um mero pagamento em reais, sem que o investidor tivesse o direito de transferir capital, lucro e dividendos para o exterior.
O Nordeste conseguir captar US$ 444 milhões da chamada dívida vencida em dez leilões e mais US$ 250 milhões por intermédio de mecanismos dos títulos a vencer, perfazendo US$ 695 milhões. Ressalte-se que houve conversão para 63 empresas da Região.
O Programa foi suspenso a partir de janeiro de 1989, sob a alegação de que contribuía para o aumento da inflação, na medida em que aumentava a base monetária como decorrência dos reais que eram entregues ao investidor estrangeiro. Reconhece-se o aspecto inflacionário do programa, entretanto, há condições de afirmar com segurança que a repercussão na base monetária decorreu muito mais da concepção do Programa, que assegurava a liberação total da moeda nacional no prazo de 30 dias após o empresário adquirir no leilão o direito de conversão.
O mecanismo acima, que não guardava correlação com o cronograma físico do empreendimento, fazia com que os recursos convertidos entrassem na ciranda financeira sem uma aplicação direta na atividade econômica.
3. Retomada do programa
Várias tentativas foram realizadas por Parlamentares no sentido de retomar o Programa para o Nordeste, tentativas essas que tiveram ampla participação da Sudene. No momento encontra-se em tramitação no Congresso um Projeto de Lei de autoria do Senador Humberto Lucena, já aprovado pelo Senado e pela Comissão do Interior e Desenvolvimento Urbano da Câmara, autorizando o Poder Executivo a retomar o Programa de Conversão. O Projeto encontra-se na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados, com o relator que é o Deputado Manoel Castro.
4. Substitutivo em tramitação
A Comissão do Interior realizou inúmeras reuniões com dirigentes do Banco Central, Sudene e Banco do Nordeste, e foi aprovado um substitutivo ao Projeto do Senado, que introduz modificações no projeto original visando reduzir quaisquer impactos inflacionários.
Nas discussões ficou evidente que a repercussão inflacionária pode ser minimizada na medida em que se estabeleça uma correlação adequada entre o cronograma financeiro e o cronograma físico, visando realizar as liberações somente nos momentos de aplicações para que a entrada de reais em circulação represente efetivo crescimento da atividade econômica.
A Comissão do Interior aprovou o projeto dentro de uma orientação de obter aliados, permitindo a conversão para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste e para outras Regiões disciplinado entretanto as alegações em função de percentuais para cada Região.
5. Conclusões
Acredita-se que o Programa representa um grande instrumento para estimular o desenvolvimento do Nordeste, considerando-se o importante aspecto de associação de empresários da Região com outros países.
Nas reuniões com o Banco Central pareceu, em um primeiro momento, que com a reestruturação e renegociação da dívida externa, o Programa estaria inviabilizado, considerando-se que o bônus decorrentes da renegociação não poderiam ser convertidos em prazos inferiores a dois anos.
Em reuniões técnicas realizadas pela Sudene com o Banco Central, ficou evidente, entretanto, que existe uma parcela de juros na ordem de US$8 bilhões, relativa a renegociação de juros, realizada antes da renegociação global, que poderá ser perfeitamente utilização para conversão.
Evidentemente, os deságios no momento são bem menores, considerando-se o quadro positivo da economia brasileira; porém, mesmo assim, ainda existem grupos estrangeiros pretendendo utilizar esse instrumento como mecanismo de associação com investidores nacionais.
Ressalte-se, ainda, que um dos grandes méritos do Programa é permitir a obtenção de tecnologias modernas sem necessidade de pagamentos de quaisquer natureza, considerando-se que o investidor estrangeiro passa a ser sócio do empreendimento. Destaque-se, também, que, em muitos casos, ocorre uma definição automática de mercado externo, tendo-se em vista que o investidor estrangeiro possui canais de comercialização no exterior.
A decisão sobre a retomada do Programa pode ser consubstanciada no Projeto de Lei em tramitação no Congresso; entretanto, ele poderá ser reativado com decisão do Poder Executivo, por intermédio do Conselho Monetário Nacional.
Como se vê, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são iniciativas que estão para ser examinadas não só pela Câmara dos Deputados, em alguns casos, ou pelo Senado, mas sobretudo pelo Poder Executivo, que, no sistema presidencialismo, é quem dá a última palavra em matéria de política econômica.
Gostaria, portanto, Sr. Presidente, ao terminar este pronunciamento, ao tempo em que renovo as minhas congratulações aos Senadores e Governadores do Nordeste, pela tomada de posição vigorosa em favor da Região, de fazer um apelo veemente ao Senhor Presidente da República, aos Srs. Ministros da Fazenda e do Planejamento e às Lideranças no Senado e na Câmara, no sentido de se darem as mãos e virem ao encontro dessas reivindicações, para que possamos, na verdade, fazer do Brasil uma grande nação, bem integrada, por todas as regiões e por todas as pessoas que as habitam.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.