Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO CAOTICA DA SAUDE NO BRASIL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SITUAÇÃO CAOTICA DA SAUDE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1996 - Página 6376
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO PUBLICO, SETOR, REFERENCIA, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS.
  • COMENTARIO, OPINIÃO, ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JUNIOR, MEDICO, DIRETOR, HOSPITAL, DISTRITO FEDERAL (DF), CRITICA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), LUCRO, INDUÇÃO, QUANTIDADE, PACIENTE, COMPLEXIDADE, TRATAMENTO.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), MELHORIA, REMUNERAÇÃO, MEDICO, HOSPITAL, GOVERNO, CONTRAPRESTAÇÃO, DEDICAÇÃO EXCLUSIVA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, UNIDADE DE SAUDE, INICIATIVA PRIVADA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a saúde do brasileiro vai mal. O Ministro da Saúde reconhece o problema, os pacientes enfrentam longas filas para serem atendidos, os médicos vivem em greve e os hospitais recusam doentes. Em poucas palavras, esse é o diagnóstico, ou melhor, o retrato da situação da saúde no Brasil. Não há médicos, hospitais estão carentes de equipamentos e as filas são intermináveis.

Os jornais são eloqüentes em mostrar a situação do sistema. As manchetes escancaram os problemas. Por exemplo: "fraudes em 403 hospitais"; "hospital interna 87% da população de Paracambi"; "mulher morre duas vezes em junho"; "operado testículo em mulher" ou "coxa amputada em Santa Casa da Misericórdia e paciente sai de alta no mesmo dia". São muitos os exemplos dos descaminhos do sistema de saúde brasileiro, até o recorde obtido por um cirurgião que operava, por mês, 120 casos de cataratas.

É fácil chegar à conclusão de que o problema da saúde no Brasil é falta de dinheiro. Os Estados Unidos gastam anualmente US$900 bilhões, cerca de 18% do Produto Interno Bruto, com seu programa de saúde. O Governo brasileiro investe cerca de 10 bilhões/ano, algo em torno de 2% do PIB. Desde 1987, os gastos públicos federais com saúde têm sido inferiores a 10,9 bilhões ao ano. Em 1994, após uma pequena recuperação iniciada em 93, atingiram 10,4 bilhões ao ano. Estados e Municípios gastam muito pouco com saúde, atingindo em média cerca de 9% de seus orçamentos, no caso dos municípios, e 6% nos Estados.

Em termos de gastos per capita, as despesas federais com saúde representavam menos de US$80 por ano. Em 1992 e 1993, os gastos foram de US$50 per capita ao ano. Em 1994, o Brasil gastou US$65 por habitante. Em 1995, os gastos federais com saúde chegaram próximo a US$100 por habitante. Vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, no espaço curtíssimo de dois anos, o poder público brasileiro dobrou o investimento no setor de saúde. Os resultados continuam sendo péssimos e o setor persiste vivendo em condições extremamente precárias.

Deve haver uma explicação para esse fenômeno, em que o Governo dobra suas aplicações no setor de saúde e este, paradoxalmente, piora o atendimento e deixa os pacientes naquela fila interminável e vergonhosa, enquanto os médicos, por seu turno, não mostram nenhum pudor em promover greves que penalizam, de maneira cruel, a população mais carente.

O Dr. Aloysio Campos da Paz Júnior, Diretor da rede de hospitais Sarah Kubitschek, que constitui uma referência nacional e internacional para o tratamento de doenças do aparelho locomotor, tem a explicação. Ele não hesita em afirmar, como o fez em entrevista à revista Veja, edição de 10 de janeiro deste ano, que o sistema de saúde brasileiro merece ser condenado porque é baseado no lucro. "É baseado - afirma - numa lógica que pode ser válida no setor produtivo, no qual se você produzir mais ou criar produtos mais complexos vai ganhar mais. O sistema é perverso e genocida. Ele se baseia no princípio de que você ganha mais se atende mais e tanto mais quanto mais complexo for o tratamento ministrado. A partir daí, vai-se gerar uma quantidade enorme de doentes e uma quantidade enorme de procedimentos desnecessários".

O médico, que possui uma excepcional folha de serviços prestados ao público, vai além. Ele lembra que o Sistema Único de Saúde, o SUS, paga aos hospitais conveniados segundo a quantidade de pacientes atendidos e a complexidade da ação médica praticada. Exemplificativamente, é possível tratar uma fratura de maneira conservadora, mas se o hospital recebe mais por realizar uma intervenção cirúrgica, será grande a tentação de agir por intermédio do procedimento mais complexo.

O médico sabe operar. E diante dessa situação criada pelo SUS, ele admite que a hipótese de lucro se insira no seu processo decisório. Diante dessa possibilidade, surge uma outra complicação, inesperada e grave. É o que os médicos chamam de segundo acidente. O primeiro ocorre na rua; o segundo, no hospital.

No hospital Sarah Kubitschek, por exemplo, 50% dos pacientes são vítimas do segundo acidente, ou seja, estão se tratados para curar os erros cometidos no primeiro tratamento, erros esses decorrentes do uso de técnicas sofisticadas por pessoal não qualificado, em locais inadequados. São pessoas com infecção hospitalar, com fístulas, com doenças que serão de longa duração. Seu tratamento já não tem mais coisa alguma a ver com o traumatismo original.

Sr. Presidente e Srs. Senadores, isso demonstra outro problema igualmente grave. O médico ganha mal no serviço público e tende a transformá-lo num "bico", num complemento à sua verdadeira atividade profissional. Ele trabalha no seu consultório e dedica apenas algumas horas ao serviço público. Faz a dupla militância. Naturalmente, não há interesse em que os equipamentos do hospital público funcionem. Os dos hospitais privados, ao contrário, funcionam bem. É claro - e aqui faço um parêntese: nem todos - que os médicos tendem a encaminhar os pacientes para hospitais particulares, com o objetivo de realizar atos mais complexos, melhor remunerados pelo Sistema Único de Saúde.

Essa brutal distorção do Sistema Único de Saúde explica, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aquele paradoxo mencionado anteriormente. O Governo brasileiro dobrou, em apenas dois anos, os seus investimentos no setor de saúde. E os serviços pioraram. É um paradoxo, mas é a realidade. Quanto mais se investe, menos se obtém. Porque o sistema é vocacionado para realizar lucros nos segmentos particulares, e não voltado para o bom atendimento da população.

É importante perceber que não estamos propondo a socialização da medicina. Estamos cogitando de que os recursos do poder público sejam transferidos somente para hospitais do Governo. Quem desejar se estabelecer por conta própria no setor, que o faça e corra o risco do capitalismo. O que vemos hoje, no Brasil, é um modelo capitalista sem qualquer risco. O hospital conveniado, particular, realiza seus lucros por causa das transferências de recursos públicos. Quando isso não ocorre, ele fecha as portas, recusa pacientes e não tem a mínima preocupação com a população carente.

Quero aduzir, Sr. Presidente, afirmando que deveríamos modificar o Sistema Único de Saúde. Há bons hospitais particulares, não há dúvida. Mas a grande maioria tem agido erroneamente.

É fundamental criar uma carreira para médicos e paramédicos no serviço público, através da qual eles sejam bem remunerados. Mas devem atender ao imperativo de acabar com a dupla militância. O médico deve prestar atendimento em horário integral, de caráter exclusivo, na unidade onde trabalha. Vencida essa fase, os hospitais brasileiros que têm boa capacidade de atendimento voltariam a prestar o serviço que deles se espera. Os hospitais privados continuarão a existir, mas com recursos próprios, sem qualquer auxílio de verbas públicas.

Os médicos, assim como os dirigentes de hospitais, devem realizar a sua escolha. Vão para um lado ou para o outro. Somente depois que esse cenário estiver completo será possível saber se o Brasil gasta muito ou pouco com o seu atendimento de saúde. Enquanto houver a promiscuidade entre os dinheiros públicos e os ganhos de particulares, é impossível conhecer a verdade sobre o Sistema Único de Saúde. O Governo, que tem a obrigação de prestar atendimento ao cidadão, vai administrar a sua parte. Os particulares são livres para exercer a concorrência, porém com recursos próprios.

No caso de carência, de onde não houver estrutura, os hospitais particulares poderiam ser credenciados, mas sob muita fiscalização.

Hoje, infelizmente temos esse sistema. O resultado não tem sido dos melhores.

Há poucos dias, vimos que a hepatite tóxica matou 40 pacientes que faziam hemodiálise no Instituto de Doenças Renais de Caruaru.

Isso é apenas uma ponta do iceberg. Quantos morrem a cada dia pelos hospitais do Brasil, que não cuidam, com eficiência, da saúde, e sim fazem um comércio da mesma?

As autoridades brasileiras não podem permanecer indiferentes a esse sofrimento.

Nós, no Senado Federal, temos a Comissão de Fiscalização de Serviços, e cada Senador deveria fiscalizar no seu Estado; visitar e verificar o atendimento da população nos hospitais. Vou mais além: nos hospitais e nos transportes, porque gastamos muito com os serviços públicos; é muito dinheiro e, no entanto, a qualidade do serviço é muito ruim.

Por essa razão, Sr. Presidente, Srs. Senadores, trago este assunto a esta tribuna.

Quero dizer que, no caso da saúde, pode até haver escassez de recursos, mas, sem dúvida, no momento, há uma escassez de organização e uma combinação de fatores que terminam por punir, de maneira cruel, a população menos favorecida.

Os dados recentes demonstram que, embora tenha havido mais investimentos no setor, o atendimento caiu de qualidade.

O desafio, portanto, não é colocar mais dinheiro no sistema, mas remodelá-lo de maneira a que retorne ao seu objetivo inicial: prestar uma boa assistência médica a todos os brasileiros, mas, principalmente, aos mais carentes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1996 - Página 6376