Discurso no Senado Federal

VISITA DE S.EXA. A REGIÃO DO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO ESTADO DO PARA.

Autor
Coutinho Jorge (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando Coutinho Jorge
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • VISITA DE S.EXA. A REGIÃO DO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO ESTADO DO PARA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/1996 - Página 6811
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, DIRETRIZ, ATUAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, INVESTIGAÇÃO, VIOLENCIA, CONFLITO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, POLICIA MILITAR, ESTADO DO PARA (PA), PREPARAÇÃO, RELATORIO.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ALMIR GABRIEL, GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA), PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PROTESTO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, APURAÇÃO, RESPONSAVEL, AGRESSÃO, MORTE, TRABALHADOR RURAL.
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POSIÇÃO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na última quarta-feira, dia 17 de abril, o Brasil foi abalado por um massacre no meu Estado, no Município de Eldorado dos Carajás, de repercussão internacional.

Na quinta-feira seguinte, fiz um pronunciamento, aliás o primeiro do Senado Federal sobre o assunto, lamentando que o fato tenha ocorrido no meu Estado, considerando que a situação conflitiva da luta pela terra no Brasil se alastra pela maioria dos Estados brasileiros. Poderia ter ocorrido no Paraná, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Mas infelizmente ocorreu na região mais conflituosa do meu Estado, o sul do Pará, onde 19 trabalhadores sem terra foram mortos e dezenas foram feridos.

Naquela altura, lamentava a ironia do fato ocorrido no Pará. O Governador Almir Gabriel, que sempre foi um grande defensor dos direitos humanos no Pará, na Amazônia e neste Congresso Nacional, participando de forma importante durante a Constituinte, no que diz respeito aos direitos sociais dos brasileiros, sofria esse choque que ficará inesquecível na História do Brasil e particularmente do meu Estado.

Mas tinha a certeza naquela altura, sem consultá-lo, de que, pela sua visão, pela sua história, pelo seu comportamento em toda a sua vida, jamais o Governador Almir Gabriel poderia ser debitado como irresponsável pelos fatos ali ocorridos.

E na própria quinta-feira este Senado decidiu aprovar uma comissão que fosse acompanhar in loco todo aquele massacre, tudo aquilo que tinha ocorrido na região sul do meu Estado, designados cinco Senadores, além de mim, Senadores Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra, Ademir Andrade e Sebastião Rocha.

Seguimos, na mesma tarde, para o sul do Pará. Chegamos já à noite, no avião da FAB, a Marabá. Conosco também seguiram nove Deputados federais que formavam na Câmara Federal a comissão que ia, também em nome daquela Casa, averiguar os fatos a respeito daquela grande tragédia.

Levamos conosco dois procuradores da Procuradoria-Geral da República e o vice-presidente da Associação Nacional de Jornalistas; e, lá em Marabá, quando chegamos, incorporaram-se a nossa comitiva os quatro representantes da Assembléia Legislativa do Estado do Pará, além dos membros do Ministério Público do Pará.

Essa grande comitiva passou inicialmente à visita daqueles 19 mortos. No IML improvisado na cidade de Marabá, constataram-se realmente as seqüelas, os efeitos tão negativos daquele massacre, enquanto os legistas tentavam fazer a perícia de forma improvisada, o que foi corrigido apenas do dia seguinte com o envio de um especialista do Rio de Janeiro para a conclusão da referida perícia.

Na mesma noite, em Marabá, visitamos os feridos que estavam nos hospitais do Estado e particulares, conversando com cada um deles para nos informarmos do drama pelo qual todos passaram. Igualmente, visitamos dois militares feridos. Tanto os Deputados quanto os Senadores procuraram conversar, ouvir as versões de cada um a respeito daquele fatídico acontecimento. Já bem tarde nos reunimos, posteriormente às visitas, na Câmara Municipal de Marabá, onde montamos uma estratégia de trabalho, a partir daí, para o dia seguinte. Dessa reunião participaram várias lideranças do campo ligadas ao Movimento dos Sem-Terra. Montada a estratégia, no dia seguinte seguimos para a região do conflito, para o Município de Eldorado, onde estava o acampamento do Movimento dos Sem-Terra ao lado, à margem da estrada; lá se encontravam outros parlamentares, outras lideranças políticas do País. Pudemos, mais uma vez, conversar com os remanescentes que ali estavam, sentindo com intensidade a descrição de tudo aquilo que havia ocorrido, quando também recebemos informações da própria jornalista que acompanhou aqueles eventos tão nefastos; ela pôde descrever-nos com sua óptica, com sua visão, aqueles fatos tão tristes.

Igualmente procuramos compreender o mecanismo do massacre ocorrido, já descrito, na sua visão, pelo Senador que me antecedeu, nobre Senador Dutra, e que mostrou que de fato a polícia do Estado marchou em direção aos trabalhadores sem-terra de duas frentes diferentes, praticamente condicionando uma situação que só poderia levar ao conflito e às conseqüências nefastas.

Posteriormente, seguimos mais à frente. Fomos até Curionópolis. Nos hospitais desse município, outros trabalhadores do Movimento Sem-Terra recebiam assistência. Mais uma vez, nós Parlamentares procuramos conversar e ouvir com atenção as inquietações e tristezas daqueles companheiros.

Depois, dirigimo-nos a Paraopeba e a Carajás. Logo em seguida, tomamos novamente o avião da FAB e, quase à noite, seguimos para Belém, porque fazia parte da nossa estratégia, além de conhecer a problemática local, ouvir, dentro do possível, os atores que participaram daquele conflito, levando conosco os Procuradores da República, que, realmente, davam o enfoque técnico necessário ao processo.

Acompanhados de membros do Ministério Público, tivemos a oportunidade de nos reunir com o Governador Almir Gabriel ao final do encontro. Todos nós nos dirigimos a Belém. Chegando a noite, o Governador nos esperava em sua residência. Participamos de uma longa, franca e aberta reunião com S. Exª.

Aqui, há alguns companheiros que participaram desse encontro. Cada um externou ao Governador a sua visão, o seu choque diante de alguns fatos ocorridos em Eldorado, de algumas necessidades e carências que detectaram.

Todos levaram as suas inquietudes e preocupações ao Governador, que, então, procurou, em uma longa e franca exposição, mostrar tudo aquilo que, na visão do Governo do Estado, teria ocorrido. Historiou que há meses o movimento Sem-Terra negociava com o Governo naquela região conflituosa do Sul do Pará e que uma parte dos integrantes daquele movimento já havia sido contemplada com terras pela desapropriação da Fazenda Rio Branco, ainda na época do então Presidente Graziano, do INCRA.

Outra parte deveria ser assentada em outra fazenda. E a opção foi pela fazenda Macaxeira. No entanto, as dificuldades burocráticas, a lentidão do processo decisório retardou o processo de desapropriação, que hoje está sendo consumada. Segundo o Governador, dentro de 15 dias deverá estar concretizada. Lamentavelmente, precipitaram-se os fatos, resultando naquele nefasto conflito.

O Governador demostrou que, como homem responsável e equilibrado, não poderia ter sido irresponsável, inconseqüente, a ponto de demandar a polícia que desobstruísse aquela estrada, tão importante, que liga tantos Municípios. Afirmou que havia orientado o seu Secretário de Estado para que a polícia fosse acompanhada do Ministério Público, do juiz da comarca e de repórteres da televisão. Se pediu a presença da imprensa para registrar o fato, o Governador estava tranqüilo de que o entendimento se viabilizaria, como aconteceu de outras vezes.

Infelizmente, ocorreram aqueles eventos já conhecidos por todos. Posso afirmar, como asseverou o Governador Almir Gabriel, homem de um passado realmente intocável, que nós todos estávamos constrangidos. Mas o maior constrangimento era o de S. Exª, pois como Governador, em última análise, poderia ser tachado de irresponsável, e essa pecha dificilmente seria extirpada de sua história política.

S. Exª estava consciente da prova difícil por que passava àquela altura, mas procurava amenizar de todos os modos a gravidade daqueles fatos, tomando decisões como a da instalação de um inquérito policial rigoroso com a participação de entidades como a OAB e outras que defendem os direitos humanos, para que os culpados sejam detectados e rigorosamente punidos.

Pediu também a participação do Exército brasileiro, para que fizesse a varredura, verificando a possibilidade de existirem corpos ainda na região do conflito. Enumerou uma série de providências importantes que pretende tomar, demostrando a sua preocupação e o seu constrangimento com aquele fato.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE - Concederei o aparte a V. Exª tão logo eu conclua essa oração, pois V. Exª foi um dos ilustres membros da comitiva e teve um papel relevante.

Além de referir-me a nossa visita, já também relatada pelo Senador José Eduardo Dutra e que, por certo, será relatada pelo Senador Sebastião Rocha, gostaria de informar que essa comissão pretende reunir-se amanhã, para traçar as linhas básicas de um relatório que será apresentado formalmente à consideração do Senado Federal.

Ao chegarmos aqui, na segunda-feira, o Presidente desta Casa, Senador José Sarney, convocou a Liderança de todos os Partidos, preocupado em que esta Casa desse alguma contribuição efetiva ao impasse.

Falei aqui - e também o fiz na presença do Governador Almir Gabriel - que o problema do Pará foi grave, que a justiça se impunha em termos da apuração definitiva daqueles acontecimentos e que o fato de Eldorado passou a ser emblemático na história da reforma agrária deste País.

Ou começamos a mudança efetiva, com decisões firmes e fortes, ou ficaremos no discurso, nas lamentações, nas mortes que poderão ocorrer no Pará ou em qualquer lugar do Brasil decorrentes desse conflito que se amplia gradativamente.

Portanto, a mudança de postura do Parlamento e particularmente do Governo Federal é fundamental, uma vez que os Estados, os Governos estaduais não têm os instrumentos necessários para resolver esse problema grave que é a reforma agrária.

O SR. PRESIDENTE (Arlindo Porto) - Comunico que V. Exª dispõe de apenas 2 minutos para concluir seu pronunciamento.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Coutinho Jorge, V. Exª me concederia um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE - Antes de conceder o aparte ao ilustre Senador, lembro que o mais importante, além da apuração do ocorrido, é a busca de soluções.

O tempo está passando, e os eventos podem repetir-se de forma grandiosa em várias partes do Brasil. Precisamos tomar decisões para que a reforma agrária se viabilize, nem que seja - como o Senador José Eduardo Dutra falou - mediante a utilização de instrumentos legais rigorosos, como, por exemplo, o rito sumário, como o ITR progressivo, como dotações orçamentárias que permitam recursos para a desapropriação.

Ontem, na reunião com o Presidente Sarney, vários Parlamentares, alguns dos quais estão aqui presentes, fizeram sugestões que foram levadas ao Presidente da República, que assumiu uma série de compromissos para que sejam tomadas decisões urgentes e emergentes, como a edição de uma medida provisória que permita ao Governo Federal e aos Governos estaduais procederam à operacionalidade da reforma agrária, que se impõe no Brasil, para que fatos como o de Eldorado não se repitam, não só no Pará mas em todo o Brasil.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Nobre Senador Coutinho Jorge, V. Exª se reporta à dramaticidade dos fatos que observamos durante a visita que a comissão parlamentar, designada pelo Senado, fez ao Pará. Segundo o laudo médico-legista, não há dúvida de que houve ali trabalhadores barbaramente assassinados, inclusive, o caso de um trabalhador que, tendo sido preso e algemado, posteriormente foi executado por aqueles policiais militares. Quando, no Instituto Médico Legal do Pará, observamos os corpos dos 19 trabalhadores sem-terra mortos por instrumentos como balas de fuzis, de metralhadoras e até instrumentos de trabalho, a impressão que tive, Senador Coutinho Jorge, é que aqueles trabalhadores eram não apenas sem-terra, eram realmente sem nada. Tinham no seu corpo uma vestimenta, a mais simples; nenhum deles tinha a vestimenta completa: sapato, meia, calça, camisa. Alguns tinham calça; outros tinham calça e camiseta; outros tinham calça e uma bota velha, sem meia, e assim por diante. Nitidamente, são pessoas que representam os que não têm cidadania, os que estão marginalizados no País. Ora, era mais do que justo que tais cidadãos estivessem conclamando aos Poderes Públicos a necessidade de seu direito de lavrar a terra e sobreviver com o usufruto do seu trabalho. No entanto, era isso o que estava sendo negado e tiveram que enfrentar a força das armas. Há sinais de que os policiais militares planejaram o ataque. Talvez uma ação de vingança; talvez uma ação de extrema violência, como se os trabalhadores tivessem que ser castigados exemplarmente. Fui testemunha dos 4 anos em que aqui estivemos juntos, V. Exª e eu, com o Senador Almir Gabriel. S. Exª, aqui, sempre falava na democracia, nos direitos da cidadania, na necessidade de justiça em nosso País. Portanto, fica muito difícil, de fato, acreditar que pudesse ter saído dele uma ordem para a ação que, depois, se caracterizou por verdadeiro massacre dos trabalhadores rurais.

O SR. PRESIDENTE (Arlindo Porto. Fazendo soar a campainha.) - Senador Coutinho Jorge, a Presidência informa que há mais oradores inscritos e que o tempo de V. Exª está esgotado.

O Sr. Eduardo Suplicy - Precisamos analisar os fatos em maior profundidade. A nossa Comissão deverá reunir-se amanhã, às 9h30min, para juntar mais elementos. Senador Coutinho Jorge, dentro de alguns dias, em um prazo razoável, com os laudos em nossas mãos e com as informações mais completas, gostaríamos de produzir um relatório para a missão que o Senado Federal nos conferiu. Muito obrigado.

O SR. COUTINHO JORGE - Senador Eduardo Suplicy, concordo plenamente com V. Exª. Penso que a apuração dos fatos deve ser realmente a grande prioridade. Sem dúvida alguma, houve massacre e lamento que tenha ocorrido no Pará. Estivemos no local pessoalmente e verificamos que houve excesso, equívocos graves da polícia do meu Estado.

Quero lembrar mais uma vez que a apuração dos fatos é fundamental, mas que não fique só nisso. Além da justiça, temos que fazer uma virada de página na história da reforma agrária do Brasil, para que o Governo, o Congresso Nacional e o povo, unidos, possam aproveitar esse episódio tão triste como um fato emblemático de mudança de postura em favor da reforma agrária e do homem do campo no Brasil.

Sr. Presidente, eu gostaria de anexar ao meu pronunciamento o resumo de um artigo que o Governador Almir Gabriel encaminhou ao Jornal do Brasil sobre sua postura em relação a esse assunto, do dia 19 de abril de 1996. "Um problema de todos os Estados" é o título. Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/1996 - Página 6811