Discurso no Senado Federal

DESMONTE DA MAQUINA ESTATAL DA SAUDE PUBLICA, DECORRENTE DE POLITICAS MAL DIRECIONADAS.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DESMONTE DA MAQUINA ESTATAL DA SAUDE PUBLICA, DECORRENTE DE POLITICAS MAL DIRECIONADAS.
Aparteantes
José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/1996 - Página 8331
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, ELABORAÇÃO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, REGULAMENTAÇÃO, FUNCIONAMENTO, EMPRESA PRIVADA, ADMINISTRAÇÃO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, CONVENIO, SAUDE, MOTIVO, DESCUMPRIMENTO, CONTRATO, COMPROMETIMENTO, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, HISTORIA, DECADENCIA, DETERIORAÇÃO, SISTEMA, ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR, DESVIO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, SAUDE.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o brasileiro está vivendo o pior momento de sua vida em termos de saúde pública e assistência médica. As políticas dos últimos governos têm tido por objetivo, sistematicamente, desmontar a máquina estatal.

Os hospitais públicos não possuem equipamentos, médicos, paramédicos, nem recursos para atender de maneira razoável a seus pacientes. Estamos em situação de calamidade.

O exemplo de Caruaru, onde uma única clínica de hemodiálise já produziu 46 mortes, é por demais eloqüente. É fortíssimo! E as autoridades fingem não ver a tragédia.

Somente esse retrato da situação da saúde pública seria suficiente para convencer o governante de que é necessário remontar os hospitais.

Mas o Brasil vive um momento delicado na transição de uma sociedade baseada na iniciativa do Estado para o outro modelo chamado neoliberal, em que a participação do capital privado ganha muito em expressão econômica e mais ainda em importância política. Os planos de saúde que, há dez anos, eram iniciativas tímidas, transformaram-se em devoradores de dinheiro.

A classe média não pode ser atendida em hospitais e clínicas mantidas pelo dinheiro público. Eles não são suficientes nem apropriados sequer para atender ao pobre. Muito menos ao remediado. A classe média correu em direção às entidades privadas de assistência médica.

Hoje, 39 milhões de brasileiros estão associados a convênios privados de saúde. E todos, sem exceção, Sr. Presidente, estão muito assustados. O governo cogita de, por intermédio de medida provisória, liberar os preços, que sofreriam reajuste médio entre 20 e 30%. A Associação Médica Brasileira já anunciou um reajuste médio de 40% nos honorários médicos. O governo diz que tomará medidas enérgicas para conter eventuais abusos. Mas isso é uma retórica vazia, que os cidadãos deste País já não gostam de ouvir.

O problema é que os serviços públicos estão em péssimo estado e os serviços prestados por entidades privadas são ruins, enganosos e demonstram, por inteiro, o que é o capitalismo selvagem.

Ninguém está protegido pelo convênio médico. Quando precisar de tratamento, os administradores poderão alegar uma ou outra cláusula escondida numa letra minúscula para alegar a impossibilidade de prestar tal atendimento.

A explosão das empresas de convênio e seguro coincidiu com o desmanche do Estado em geral e da saúde pública em particular. Há oito anos, apenas 14 milhões de brasileiros eram associados a algum tipo de plano de saúde. De lá para cá, esse número quase triplicou, ficando perto de 40 milhões. Antes, eram 300 empresas privadas. Hoje, são 870. O faturamento anual desse segmento da economia chega a R$10 bilhões, mais do que faturam a Volkswagen e a Ford somadas.

Apesar dessa prosperidade e dos grandes números, o setor é o campeão de queixas no Procon. Só em São Paulo existem mais de 10 mil denúncias, na maioria contra o aumento das mensalidades. Mas existem pacientes que lutam, na Justiça, para ser tratados de diversas doenças, inclusive a AIDS. Há pacientes que lutam para não serem despejados de quartos de hospital e até mesmo de UTI. Mas a empresa não pretende aumentar gastos e coloca o doente na rua, mesmo que ele esteja em dia com seus pagamentos.

Os conflitos entre empresas de saúde e clientes poderiam ser tratados como problemas particulares, não fosse por um aspecto importante: a explosão da medicina privada no Brasil é função direta de um subsídio indireto concedido pelo Governo Federal, que chega a US$2 bilhões. É essa a quantia que a Secretaria da Receita Federal deixa de arrecadar por permitir que os gastos com os planos de saúde e despesas médicas sejam abatidas na declaração do Imposto de Renda.

Além disso, Sr. Presidente, muitas empresas conseguem se cadastrar como entidades filantrópicas sem fins lucrativos, o que as alivia de pagar imposto de renda.

Existe, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, responsabilidade do Governo Federal diante desse estado de coisas. O desmanche da máquina pública empurra a classe média para as empresas privadas. Essas, praticando um capitalismo selvagem, não medem conseqüências para aumentar sua lucratividade. Descumprem normas contratuais, rompem prazos, ignoram as necessidades de seus clientes. Em verdade, as empresas constituídas para dar tranqüilidade e assistência médica a quem necessita passaram a ser elas próprias geradoras de tensão e desassossego.

Foi o caso da Professora aposentada Lucy Granizella. Em junho de 94, ela fez uma biópsia e constatou câncer no seio. Até aí, o tratamento foi coberto pela Golden Shield.

Com um pedido médico para realizar uma cirurgia, foi até a sede da Golden Shield. Lá, recebeu um diagnóstico incrível, em que se lia: "cirurgia não autorizada; justificativa: patologia irreversível". Ou seja, decretaram a morte de Dona Lucy antes de tentar a sua cura. Ela, aliás, mostrou-se forte e resistente. Foi atendida pelo Dr. Múcio Diniz Pontes, no Hospital do Servidor Público do Estado, que a curou. O médico afirma: "Só não se pode operar um câncer de mama quando há metástase, processo que ela ainda não apresentava".

Hoje, D. Lucy está ótima e com um prognóstico de uma sobrevida longa. A empresa, simplesmente, decidiu ganhar mais algum dinheiro em cima do caso da professora aposentada. O caso está relatado na revista Veja, edição do último dia 8 de maio.

Os médicos também estão envolvidos nesta polêmica. Poucos deles conseguem sobreviver se não atenderem a seus pacientes por intermédio de algum plano de saúde. Quem pode pagar escolhe uma empresa de assistência médica e a maioria delas paga entre R$7,00 e R$18,00 por uma consulta.

Como ganham pouco, os médicos passaram a atender até quatro pessoas por hora. A qualidade está caindo. Os hospitais e os laboratórios também são mal remunerados e não é difícil antever que vão baixar a qualidade dos serviços prestados.

A seguir, nesse caminho, Sr. Presidente, Srs. Senadores, teremos depois do fracasso estatal, o fracasso da medicina privada. A privatização, nesse setor, definitivamente, não está dando certo. A realidade é maior que a teoria.

O fato é que os números, os problemas, os desentendimentos, o capitalismo selvagem praticado pelas empresas, o descumprimento de planos, as artimanhas de advogados espertos resultaram no absoluto desamparo do cidadão brasileiro.

O Sr. José Roberto Arruda - Senador Valmir Campelo, permite-me V.Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço com muito prazer o nobre Senador José Roberto Arruda.

O Sr. José Roberto Arruda - Gostaria apenas de registrar a minha concordância com a crítica objetiva que o Senador Valmir Campelo faz ao que se costumou chamar de modelo neoliberal. Estou absolutamente de acordo com as reformas propostas, com o novo projeto de país que atrai o capital privado para setores produtivos da economia. Isso empregado como meio e não como fim, justamente para que o Estado brasileiro seja repensado naquilo que ele deve fazer para a sociedade. Uma das missões precípuas do Estado, depois da prioridade à educação é exatamente a saúde pública. Os números que V. Exª apresenta são importantíssimos. A Receita Federal deixa de arrecadar R$2 bilhões em subsídios, porque esses descontos têm abatimento automático no Imposto de Renda da iniciativa privada que explora os serviços médicos. Se os recursos fossem aplicados na medicina pública, provavelmente, ela seria universalizada em todas as classes sociais; se tivéssemos no Brasil uma saúde pública de boa qualidade, efetivamente, este capital privado poderia estar sendo investido em outros setores produtivos, gerando empregos mas não de atendimento básico à população. Quero colocar-me exatamente em acordo com o Senador Valmir Campelo e até lembrar algo importante. Há alguns dias, fiz uma visita ao hospital do Gama, onde V. Exª foi administrador durante oito anos. E a cidade satélite do Gama é hoje pólo de atração para a população do Entorno de Brasília, que se socorre daquele hospital. Lembro-me que na época da sua administração, naquela cidade satélite, a qualidade de serviços prestados à sociedade era excelente. Senador Valmir Campelo, fiquei perplexo com o que está acontecendo lá atualmente. É impressionante, até visualmente, o que acontece com o hospital do Gama tal o nível de deterioração, o nível de desrespeito à população que busca os serviços públicos daquele hospital. Isso nos constrange. Até porque nós que aqui vivemos, há muitos anos, sabemos que anos atrás todos procurávamos os hospitais públicos, independente de renda, porque lá estavam os melhores serviços. Os meus filhos, por exemplo, nasceram em excelentes hospitais públicos. Ainda hoje Brasília tem hospitais de qualidade, como é o caso do Hospital de Base e do Sarah Kubitschek. Mas, infelizmente, a rede pública hospitalar do Brasil está deteriorada. Por isso, pessoalmente, sou a favor do CPMF. Apesar de evidentes o descuido da administração do sistema hospitalar e o desvio de recursos aplicados na saúde pública, não dá para, emergencialmente, não se criar a possibilidade de um reforço de caixa para melhoria desses serviços a curto prazo. Congratulo-me com V. Exª pela oportunidade desse tema. A meu ver, o Governo precisa tomar alguma providência mais séria, além das que já estão sendo tomadas no âmbito do Procon, para evitar esses abusos dos planos de saúde particulares. Não há dúvida de que é um serviço essencial à sociedade, que tem que ter no mínimo a regulação do Estado. Parabéns a V. Exª.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, Senador José Roberto Arruda. Com muito prazer, incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento. V. Exª tem toda razão. Acho que está na hora de se rever esse problema. O Governo deixa de arrecadar em torno de R$2 bilhões. Essa importância poderia ser uma injeção aplicada na rede pública de saúde.

Entendo que a saúde tem que ser cada vez mais estatizante e não privatizada através do Estado, não só como órgão normativo de fiscalização mas também de execução. O Estado deveria investir mais nesse setor.

Infelizmente, estamos assistindo a um descaso total, não só com relação aos hospitais federais, mas também com relação aos estaduais.

Se abrirmos hoje os jornais de Brasília, constataremos que o paciente está levando quarenta dias para marcar consulta num hospital local. Isso nos deixa abismados. Como é que o Governo deixa de investir na saúde, em Brasília, para fazê-lo em publicidade, em placas, às vezes maiores que as obras que estão sendo realizadas?

Esta é uma pergunta, realmente, sem resposta.

Concluindo, Sr. Presidente, uma pessoa se decide a pagar pela prestação de serviços médicos porque sabe que algum dia poderá precisar deles. E quando esse dia chega, a empresa, sob uma alegação qualquer, esquece o que foi acordado, despreza os valores recolhidos e ignora os direitos do cidadão.

Isso acontece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque o Governo da República não dispõe de mecanismos de fiscalização e controle. O Ministério da Saúde não fiscaliza as clínicas de hemodiálise em nenhuma parte do território brasileiro. Não sabe o que ocorre por lá. Ignora onde fica Caruaru.

Não sabe, também, qual é a qualidade dos serviços prestados pelas entidades privadas. Os brasileiros vivem o pior dos mundos em matéria de saúde. Os serviços públicos não funcionam e as entidades privadas, que cobram preços abusivos, não realizam o que prometem. Não há saída, a continuar esse lamentável estado de coisas.

É chegado o momento, Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de regulamentar o funcionamento das entidades privadas que fazem a prestação de assistência médica no Brasil. É fundamental que o poder público seja dotado de instrumentos, meios, modos, profissionais e equipamentos para exercer um controle adequado sobre essas empresas, para retorná-las ao objetivo inicial, que é o de prestar serviços médicos e não ganhar dinheiro fácil iludindo pessoas.

É importante, essencial e urgente que o Senado da República trabalhe no sentido de definir as regras que assegurem a conveniados e associados os seus direitos. Não é possível que o brasileiro seja jogado à própria sorte em seu País.

A continuar nessa escalada, não sobrará uma única alternativa ao brasileiro. Ele não pode contar com o Estado, não pode confiar nas empresas privadas. O que restará, além da correta e justa indignação? Não há qualquer dúvida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: é urgente, inadiável até, que o Senado da República discuta e aprove, em ritmo de urgência, uma lei que regulamente o funcionamento das entidades privadas de assistência médica e acabe com o descalabro reinante no setor.

Muito obrigado, Sr.Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges) - Concedo a palavra ao próximo orador inscrito, o eminente Senador pelo Ceará Lúcio Alcântara. S. Exª dispõe de vinte minutos para falar com o Ceará e com o Brasil.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Muito obrigado, Sr. Presidente, pelas referências ao meu Estado.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, antes de abordar o assunto que será o tema central do meu pronunciamento, quero referir-me ao discurso do Senador Valmir Campelo, porque ele vai me permitir a oportunidade de denunciar um acordo que estaria sendo gestado na Câmara - e a imprensa o está noticiando - com relação à aprovação da CPMF. Defendi aqui e defendo a instituição dessa contribuição porque a situação da saúde é essa que o Senador Valmir Campelo acaba de expor.

O Presidente da República afirmou textualmente que não dispõe de outros recursos para aplicar na saúde. Há fraude? Sim. Há desvio de recursos? Sim. A luta contra a corrupção, que é o tema do meu discurso, esse é um esforço permanente. Nos Estados Unidos, o desvio e o desperdício em matéria de saúde alcança 10% do total de recursos envolvidos no sistema.

Sei, por exemplo, que o Senador Jefferson Péres tem uma posição, respeitável, contra a instituição da CPMF. O Senador Jefferson Péres é um homem de caráter, é uma pessoa que assume suas atitudes, em função das convicções que professa. Mas o que se está querendo na Câmara é uma vergonha. Quer-se fazer um acordo para permitir a aprovação da CPMF, mediante o qual far-se-á uma compensação entre a contribuição recolhida e o imposto de renda a ser recolhido, no caso de pessoa física, ou o Cofins, no caso das empresas.

Isso é um absurdo. Por quê? Muitas pessoas têm talão de cheque mas não atingem sequer o piso salarial para pagar Imposto de Renda; outros estão na economia informal e também não contribuem para o Imposto de Renda. São esses pequenos que de fato pagarão o CPMF; os grandes somente vão trocar de bolso, vão tirar o dinheiro do bolso direito e passar para o esquerdo. Mais uma vez será o pequeno, aquele que ganha pouco, que não tem recurso, que pagará CPMF. Isso é um absurdo.

Prefiro até que derrotemos, que desaprovemos o CPMF. É uma questão de mérito, uma questão de princípio. Quem está patrocinando esse carnaval de protestos contra a aprovação do CPMF? As publicidades caríssimas veiculadas na televisão, outdoors, cartazes, o tal movimento de defesa do contribuinte, que não têm rosto, não têm face, que não é conhecido. É preciso que essas questões sejam postas às claras.

Esse acordo, caso venha concretizar-se é um acordo calhorda, porque vem justamente sacrificar os que fazem as filas dos grandes hospitais, os que morrem nas clínicas como a de hemodiálise de Caruaru. São os pobres, são os pequenos, são os que não podem vocalizar sequer suas angústias e insatisfações. São os pequenos funcionários públicos, humildes comerciantes, pequenos empresários. Eles têm talão de cheque e por cheque emitido pagarão o CPMF. Como não contribuem para o Imposto de Renda e não têm Cofins, não há compensação a ser feita.

Mas os grandes, os poderosos, os donos das grandes fortunas vão somente trocar o dinheiro de bolso. Então, esse acordo não tem sentido. Ele deve ser denunciado e bombardeado porque é um acordo espúrio. Se não há correlação de forças que permita a aprovação do CPMF, que se derrote a proposição. A essência do Parlamento é o respeito às maiorias. E eu, como democrata, aceito a decisão soberana da Câmara, mas não aceito esse tipo de acordo, porque ele insulta a consciência social do povo brasileiro.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Nobre Senador Lúcio Alcântara, desejo apenas fazer uma retificação ao pronunciamento de V. Exª. Eu realmente faço grandes restrições à instituição de mais um tributo neste País já tão cheio deles. Cheguei mesmo a abster-me na votação em primeiro turno da emenda que cria a CPMF. Mas, logo depois, recebi em meu gabinete o Sr. Ministro Adib Jatene, que demonstrou com números a impossibilidade de avançarmos no campo da saúde, hoje, sem os recursos dessa contribuição. S. Exª me convenceu - o Ministro foi muito convincente -, revi a minha posição e votei a favor da CPMF, no segundo turno.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador, muito obrigado pela retificação. Eu guardava na memória que V. Exª era um crítico da proposta. A realidade dos fatos, porém, terminou por lhe convencer.

O Brasil gasta em saúde 100 dólares por habitante, gasta 2% do PIB. Esses números são ridículos, se comparados com os dos países que tem mais ou menos o nosso perfil econômico de desenvolvimento, como Portugal, Hungria, Coréia e outros. Neste ano que passou, o ano de 1995, voltamos ao patamar de gastos de 1987, ou seja, de 1987 a 1995, a curva foi declinante.

O Sr. Jefferson Péres - Houve um retrocesso de 10 anos.

O SR. LÚCIO ALCâNTARA - Exatamente, houve um retrocesso de 10 anos.

Mas o que me trouxe à tribuna, Sr. Presidente, mais uma vez, são os problemas ligados à corrupção, à ética no serviço público, um tema que me atrai bastante assim como a outros companheiros deste Senado. Desejo saudar um acontecimento que julgo muito importante, que foi a celebração da Convenção Interamericana Contra a Corrupção, assinada por todos os Estados- membros da Organização dos Estados Americanos - OEA, na conferência especializada que ocorreu em Caracas, Venezuela, entre 27 e 29 de março.

A globalização, a facilidade das comunicações, tudo isso internacionalizou também a corrupção, a corrupção ligada ao enriquecimento ilícito, às propinas, à fraude, à sonegação, ao narcotráfico, a uma série de crimes chamados crimes de colarinho branco e outros ilícitos que têm feito a felicidade e a fortuna de uns poucos à custa da desgraça e da infelicidade de muitos, inclusive de países, como é o triste caso da Colômbia, um país irmão nosso aqui da América do Sul.

Essa convenção levou-me a fazer um comentário sobre notícia que o jornal O Estado de S. Paulo publicou, no dia 13 de abril de 1996, com o seguinte título: OCDE Acaba com Dedução de Suborno no Imposto de Renda. Pasmem os Senhores, como pasmo fiquei quando li essa notícia: a metade dos países - países ricos, como diz com propriedade o Senador Jefferson Péres - que são membros da OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - têm, nas suas legislações nacionais, dispositivos que facilitam, que induzem ao suborno e à corrupção junto a funcionários de países estrangeiros, permitindo, inclusive, dedução dessas comissões pagas no imposto de renda dessas empresas. Isso é um verdadeiro absurdo.

Os Estados Unidos, se julgando prejudicados no comércio internacional - porque esses países que agasalham esse tipo de incentivo estavam ganhando espaço no comércio internacional para a venda dos seus produtos -, tendo à frente o Presidente Clinton, resolveram reagir contra isso e levaram à Organização do Comércio e Cooperação do Desenvolvimento Econômico a proibir, a vedar a presença de dispositivos como esse na legislação dos países membros.

Vou citar apenas um caso ocorrido na França, que é dado com um dos mais notórios. O código tributário francês estipula que a dedução só pode ser feita se a "comissão" for paga a um cidadão não-francês e fora do território do país. Quer dizer, não sendo na França e sendo para um cidadão não-francês tudo é permitido, com o devido abatimento fiscal assegurado pelo código tributário francês.

Isso é um verdadeiro absurdo, porque é a institucionalização, o reconhecimento com um valor até para fomentar o comércio internacional, permitindo que esses países pratiquem esse absurdo.

Então, essa Convenção significa um passo adiante no combate à corrupção nos seus aspectos nacionais e internacionais.

Vou ler o preâmbulo desta Convenção, porque é interessante.

      Os estados-membros da Organização dos Estados Americanos

      Convencidos de que a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como o desenvolvimento integral dos povos;

      Considerando que a democracia é representativa, condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, exige, por sua própria natureza, o combate a toda forma de corrupção no exercício das funções públicas e aos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício;

      Persuadidos de que o combate à corrupção reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social;

      Reconhecendo que, muitas vezes, a corrupção é um dos instrumentos de que se serve o crime organizado para concretizar os seus fins;

      Convencidos da importância de gerar entre a população dos países da região uma consciência em relação à existência e à gravidade desse problema e da necessidade de reforçar a participação da sociedade civil na prevenção e na luta contra a corrupção;

      Reconhecendo que a corrupção, em alguns casos, se reveste de transcendência internacional, o que exige por parte dos Estados uma ação coordenada para combater eficazmente;

      Convencidos da necessidade de adotar o quanto antes um instrumento internacional que promova e facilite a cooperação internacional para combater a corrupção e, de modo especial, para tomar as medidas adequadas contra as pessoas que cometam atos de corrupção no exercício das funções públicas ou especificamente vinculados a esse exercício, bem como a respeito dos bens que sejam fruto desses atos;

      Profundamente preocupados com os vínculos cada vez mais estreitos entre a corrupção e as receitas do tráfico ilícito de entorpecentes, que ameaçam e corroem as atividades comerciais e financeiras legítimas e a sociedade em todos os níveis;

      Tendo presente que, para combater a corrupção, é responsabilidade dos Estados erradicar a impunidade e que a cooperação entre eles é necessária para que a sua ação neste campo seja efetiva; e

      Decididos a envidar todos os esforços para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas e nos atos especificamente vinculados ao seu exercício;

      Convieram em assinar a seguinte

      Convenção Interamericana Contra a Corrupção.

Ressaltarei, aqui, os propósitos da Convenção que são:

      1. promover e fortalecer o desenvolvimento, em cada um dos Estados-Partes, dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e

      2. promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados-Partes, a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.

Em seguida, vêm as medidas preventivas (art. 3º), âmbito, jurisdição e uma série de elementos que integram essa Convenção.

Sr. Presidente, o que quero, ao fazer esse registro, é mostrar que apesar da enorme dificuldade de se combater essa hidra, que é a corrupção, há esforços, inclusive internacionais, como a Convenção que acabo de mencionar, que atuam e se unem no sentido de estabelecer parâmetros éticos e morais que dêem a dignidade necessária ao exercício da função pública e ao combate, sem tréguas, a esse tipo de crime organizado, que se infiltra e que corrói inclusive os valores básicos de uma sociedade que quer afirmar certos conceitos que são indissociáveis de uma vida decente, digna, de uma vida em sociedade que todos nós possamos respeitar.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Eduardo Suplicy, com grande prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Nobre Senador, solidarizo-me com a preocupação de V. Exª em termos práticas no Congresso Nacional, na vida pública e em outros segmentos da vida econômica e social brasileira que estejam completamente sem a caracterização da prática da corrupção. V. Exª chama a atenção do Congresso Nacional, no sentido de que, de forma alguma, estejamos aceitando barganhas ou formas que venham a descaracterizar o propósito, por exemplo, da aprovação da Contribuição sobre a Movimentação Financeira. Alguns tentam barganhar a aprovação da Contribuição sobre Movimentação Financeira desde que significasse um instrumento para menor pagamento do Imposto de Renda, seja por parte das pessoas físicas ou jurídicas, constituiria uma grave distorção. Assim, manifesto o meu apoio às palavras de V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Essa é uma questão muito importante, e é preciso que assumamos, de frente, a posição que se deve adotar em relação à essa matéria.

O que nos convenceu, a mim, ao Senador Jefferson Péres, e a tantos outros, na instituição dessa contribuição foi o mérito do gasto. Ninguém gosta, quer ou sente prazer em instituir contribuições novas ou impostos novos, principalmente o político, o homem público, o legislador. Mas, o mérito do gasto e a situação catastrófica da saúde pública, da assistência médica no Brasil, agravada agora pela ganância desses planos de saúde - aliás, denunciado aqui com muita propriedade pelo Senador Valmir Campelo e pelas empresas de seguro-saúde -, tudo isso nos levou a aceitar a instituição dessa contribuição. Agora, aceitar e admitir mecanismos que aliviem as grandes fortunas, as grandes instituições, as grandes corporações financeiras para deixar, mais uma vez, a carga cair em cima do pequeno, como é costume neste Brasil, aí, tenha paciência! Prefiro, diante dessa opção, votar contra a instituição do CPMF, porque não tem sentido penalizar ainda mais quem já é sacrificado na sociedade brasileira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Lúcio Alcântara, V. Exª está absolutamente certo. Tenho a honra de ter sido o único Senador que encaminhou a votação contra a criação desse novo imposto. Muitos votaram contrariamente à criação do CPMF, mas o encaminhamento nesse sentido foi feito por este humilde Senador. Descontar o CPMF do Imposto de Renda significa exatamente o que V. Exª está dizendo: o pobre que já pagou, pagou; já foi descontado. O pobre que não paga imposto de renda não tem, portanto, como descontar.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - O pobre já pagou, e não há como compensar.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Quem tem dinheiro, não: apenas soltou adiantadamente o que soltaria no final do ano.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Trocou do bolso direito para o bolso esquerdo.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Exato. O imposto sobre a renda foi a forma encontrada pelos ricos para, de certa forma, distribuírem o pagamento do imposto sobre a riqueza - era dessa forma no império romano - e assim tirar apenas de seus ombros a obrigação. Com essa mudança, foi possível deixar toda a carga tributária para aqueles que ganham menos. Dessa forma, quem ganha salário paga imposto de renda, mas quem tem dinheiro rendendo sobre dinheiro não o paga. É uma situação desagradável. E agora vem esse CPMF. Em um país em que se está lutando para conter a sua inflação, o CPMF é inflacionário, não há a menor dúvida. Na composição de qualquer bem, desde a matéria-prima até o produto final, quantas vezes incidirá o CPMF? E quem pagará será exatamente aquele que não tem dinheiro. O Governo está castigando um Congresso que já concordou com tudo. Não se cumpre a Constituição. Segundo a Carta, é proibido legislar em causa própria, mas muita gente o faz nesta Casa. A Bancada Ruralista, por exemplo: ou se dá o que querem, ou não haverá reforma alguma. Este é o absurdo: não se cumpre a Constituição; assim sendo, vamos apresentar um monte de emendas, um pacote de emendas constitucionais para modificá-la. É o caso do CPMF, é o caso da reforma da Previdência. Ouço o Presidente da República dizer, com a maior tranqüilidade: é preciso acabar com o privilégio do funcionário público. Mas o funcionalismo público está vivendo de vender as suas coisas. E Sua Excelência chama o funcionalismo público de privilegiado. Não! Isso me faz lembrar o ex-Presidente Figueiredo, que disse que, se ganhasse salário mínimo, daria um tiro na cabeça. Hoje o nosso funcionalismo público é mal pago e perdido, sem aumento.

O Sr. Gilvam Borges - Desprestigiado.

O Sr. Epitacio Cafeteira - O Supremo diz que o Governo tem o direito de estabelecer ou não a data-base do funcionalismo. E o Governo considera isso um privilégio do funcionalismo público. Ora, tenha paciência. Aliás, vou fazer uma comunicação logo após o discurso do nobre Senador Lúcio Alcântara, porque cheguei a tal ponto de exaustão da minha paciência, que preferi viajar. Obrigado a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Epitacio Cafeteira, muito obrigado. Discordo de V. Exª quanto à instituição da contribuição com a vinculação à Saúde por um prazo de dois anos. No mais, aceito totalmente os argumentos de V. Exª sobre a compensação e sobre o descaso em relação ao funcionalismo público. O fato de o funcionalismo ser o grande vilão da história não está bem explicado. Voltarei ao assunto na próxima semana, inclusive com um relatório mediante o qual o FMI mostra que há manipulação - esse relatório refere-se não só ao Brasil, mas a vários países - nos dados de gastos com pessoal.

Espero que, quando a proposta de reforma administrativa chegar a esta Casa, possamos discutir com espírito público, interesse e profundidade medidas realmente boas, oportunas, justas e necessárias ao País. Mas o que não se pode fazer é colocar o funcionário público como o responsável pela série de problemas que o País enfrenta, pela situação que estamos atravessando.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Espero que as informações que eu trouxe possam servir para esclarecemos melhor, para jogarmos mais luz sobre o problema da tramitação da matéria sobre Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/1996 - Página 8331