Discurso no Senado Federal

ANALISE DE FATOS RELATIVOS AO EPISODIO DO BANCO ECONOMICO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • ANALISE DE FATOS RELATIVOS AO EPISODIO DO BANCO ECONOMICO.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/08/1995 - Página 14053
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INTERVENÇÃO, ESTATIZAÇÃO, BANCO PARTICULAR, ESTADO DA BAHIA (BA), GOVERNO ESTADUAL, CONCESSÃO, LOBBY, CONGRESSISTA, ESPECIFICAÇÃO, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR.
  • ANALISE, ESTATISTICA, DIVIDA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, ARRECADAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMPARAÇÃO, ESTADO DA BAHIA (BA), DADOS, PROBLEMA, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA.
  • QUESTIONAMENTO, BENEFICIO, INTERVENÇÃO, BANCO PARTICULAR, POPULAÇÃO CARENTE, REGIÃO NORDESTE, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Senador Júlio Campos, Srªs e Srs. Senadores, a solução encontrada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso para tentar salvar o Banco Econômico foi precedida de uma série de críticas do Senador Antonio Carlos Magalhães ao comportamento do Governo Federal com relação ao Estado de São Paulo. Quando da presença do Ministro José Serra no Senado para explicar a privatização do setor elétrico, o Senador praticamente iniciou uma guerra contra São Paulo. Naquela oportunidade, observou que as principais empresas de energia de São Paulo, a CESP e a ELETROPAULO, estavam devendo cerca de R$1,8 bilhão à ELETROBRÁS, em torno de 80% de quanto aquela empresa tem a receber, e, entretanto, o Presidente continuava a receber o Governador Mário Covas, tratando-o bem, ao invés de tomar a atitude que deu a entender faria, se Presidente fosse, de cortar a energia.

Já no caso do Banco Econômico, o que se viu e espantou a tantas pessoas foi a maneira pela qual o Presidente Fernando Henrique Cardoso acabou transformando a decisão de intervir naquela instituição em aceitar a sua estatização através do Governo da Bahia, atendendo aos apelos, acompanhados de pressões ainda não inteiramente esclarecidas, dos Parlamentares da Bahia.

Gostaria, em primeiro lugar, como Senador por São Paulo, de lembrar que constitui objetivo fundamental do Brasil, conforme o inciso III do art. 3º da Constituição Federal, "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". Todos nós, sobretudo os Senadores, temos que estar conscientes deste objetivo. Com isto em mente - a necessidade de nos empenharmos para a redução das desigualdades sociais e regionais -, é que gostaria de fazer algumas colocações na devida perspectiva.

Obviamente, considero importante que o Estado de São Paulo, a CESP e a ELETROPAULO paguem, honrem as suas dívidas com a ELETROBRÁS. Nesse sentido, penso que é dever, inclusive meu, como Senador por São Paulo, dizer isso, que o Governo de São Paulo e os dirigentes da CESP e da ELETROPAULO precisam honrar, o quanto antes, o que devem.

A análise isolada de alguns casos traz uma interpretação totalmente equivocada da realidade dos fluxos de recursos entre os Estados, que são centralizados pelo Governo Federal.

No caso do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e do FPE (Fundo de Participação dos Estados), uma análise dos dados coletados junto ao Sistema Integrado de Administração Financeira da União - SIAFI -, que constitui um dos instrumentos de maior relevância para nós, Senadores, revela uma transferência vultosa de recursos do Estado de São Paulo.

Até julho de 1995, as transferências somadas do FPM e do FPE para os Estados e os Municípios de cada Estado somaram 9.403,42 milhões. Deste total, pelo menos 45% têm origem no IPI e no Imposto de Renda arrecadados no Estado de São Paulo; assim, a contribuição estimada deste Estado - destinada aos fundos - foi de 4203,53 milhões.

Este percentual de 45% está ainda subestimado, no entanto, dado que o FPM e o FPE são formados por 43% do IPI e do IR arrecadados e que estes tributos totalizaram tributos totalizaram 29.292 milhões em 94, dos quais 49,8% arrecadados em São Paulo. Para um total de tributos arrecadados pela Receita, em 94, de 62.568 milhões, 45,8% são oriundos do Estado de São Paulo. Neste ano, até julho, o Estado recebeu de FPM e de FPE 682,91 milhões; portanto, a transferência líquida estimada foi de 3.548,62 milhões de São Paulo para o restante da Nação.

Fazendo uma projeção conservadora (multiplicando por 12/7), as transferências de São Paulo, somente com esses dois fundos, atingirão a vultosa quantia de 6.083 milhões de reais em 95. Essa transferência representa, a nível per capita, tratamentos bastante diferenciados. Até julho, cada habitante de São Paulo recebeu R$21,61, enquanto que na Bahia esse valor foi de R$72,44, quatro vezes maior.

Outro grande fluxo sobre o qual podemos fazer uma análise semelhante são as receitas e despesas da Previdência Social. A revista Previdência em Dados, publicação do Ministério da Previdência, volume 9, nº 4, calculou para o ano de 93 o saldo previdenciário por unidade da Federação, ou seja, o fluxo entre receitas e despesas da Previdência em cada Estado. Nesse caso, são superavitários os Estados de São Paulo, Paraná, Amazonas, Santa Catarina e Mato Grosso. Neste ano, São Paulo teve uma transferência líquida para o sistema de 3.172 milhões, suficientes para cobrir o déficit da Região Nordeste de 2.287 milhões, onde destaca o valor líquido recebido pela Bahia de 470 milhões de reais.

Nesse caso, em valores relativos, São Paulo arrecadou 51% a mais do que recebeu, respondendo por 45% da arrecadação de todos os recursos da Previdência Social; enquanto a Bahia arrecadou 3,5% e recebeu em benefício 40% a mais do que arrecadou. Também é óbvio que, dada a evolução dos gastos e da arrecadação da Previdência, os 3.172 milhões de 93 devem chegar pelo menos a R$4 bilhões em 95.

O que não deixa de ser surpreendente é que, somadas as transferências desses dois fluxos, teremos um valor anual estimado para 1995 da ordem R$10 bilhões. Essa mesma análise poderia ser estendida aos demais grandes fluxos de capitais e saídas dos Estados e que passam pela União. Dessa forma, teremos cálculos semelhantes para as despesas de pessoal (financiadas com tributos arrecadados da Receita Federal - participação de 45,8% de São Paulo), para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (participação da ordem de 50% de São Paulo), para o FAT (recursos do PIS - participação da ordem de 50%) e outros fluxos significativos.

Desse modo, o valor inicial de R$10 bilhões será ampliado de forma significativa se levarmos em conta as demais transferências.

A base de cálculo que utilizamos responde por aproximadamente 40% dos fluxos que passam pela União. Entretanto, o valor apurado de R$10 bilhões ao ano é tão significativo que equivale a 90% do ICMS arrecadado em São Paulo em 1994. Isso demonstra que essas transferências representam um enorme sacrifício para a população do Estado, principalmente a população mais pobre. Esses dados também demonstram a injustiça que é feita com São Paulo quando se analisam isoladamente casos - como a dívida do Estado no setor elétrico - que representam seguramente uma parcela irrelevante das transferências totais do Estado.

Demonstram também, relativamente aos objetivos para melhorar as desigualdades sociais e regionais no País, que se não se levam em conta todos esses dados poderemos ter uma perspectiva, uma análise muito distorcida. Assim, analisar-se simplesmente a dívida do setor elétrico e chegar a conclusões definitivas é algo que demanda maior prudência e cuidado.

Todavia, com relação ao objetivo principal de todos os brasileiros - e colocado na Constituição Federal - de erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades sociais e regionais, faço a seguinte pergunta: Em que medida o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso está agindo corretamente quando, inicialmente, intervém no Banco Econômico e, posteriormente, modifica essa intervenção para estatizá-lo, transferindo para o Governo da Bahia o controle acionário do banco.

Mencionou o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ontem, que nenhum real do Tesouro seria despendido nessa operação. Entretanto, será que Sua Excelência, antes de fazer tal afirmativa, dialogou em profundidade com as autoridades monetárias, com o Presidente do Banco Central, seus diretores e com o Ministro da Fazenda sobre uma significativa contribuição do Banco Central com recursos para a salvação daquela instituição financeira?

Em que medida deverá o Governo Federal, juntamente com o da Bahia, realizar apoio financeiro para que a instituição possa sair de tamanha dificuldade? E, afinal de contas, nessa operação estará sobretudo o povo da Bahia, na sua inteireza, especialmente o povo mais pobre, o povo do Nordeste, efetivamente sendo salvo? Ou ocorreu realmente que algumas pessoas procederam de forma inadequada? Inclusive, o próprio Presidente da República disse ontem que não ajudaria qualquer banqueiro que tivesse agido irresponsavelmente.

Será que os responsáveis por terem levado o Banco Econômico à situação de desequilíbrio e intervenção agiram exemplarmente? Aquilo que está revelado na imprensa mostra atitudes e exemplos que não são, propriamente, de dignificação com respeito ao objetivo maior de se diminuírem desigualdades neste País. Reporto-me à revista Veja, por exemplo, para ilustrar esta parte de meu pronunciamento e citarei algo estranho aos objetivos de um País que deseja maior igualdade de tratamento entre todos os cidadãos.

No Banco Econômico, o Presidente Ângelo Calmon de Sá, pelo que aqui está reportado, fazia questão de ter um dos elevadores do edifício de uso exclusivo para a Presidência, a ponto de um dos seus próprios diretores ter se afastado do banco, dizendo que não poderia compreender por que o Presidente não admitia sequer que seus colegas diretores entrassem no mesmo elevador.

Esse é um exemplo de atitude pessoal que mostra que há algumas coisas muito relevantes que precisam ser apuradas no âmbito de tudo o que aconteceu com o Banco Econômico.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não. Ouço, com muita honra, o aparte de V. Exª, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Eduardo Suplicy, foi um episódio triste! Digo triste não só pela incompetência revelada pela Diretoria do Banco Econômico, mas principalmente pelos prejuízos incomensuráveis causados aos depositantes, investidores e correntistas daquela instituição. E o Banco Central, que é o órgão fiscalizador por excelência da atividade bancária, deixou que a situação chegasse ao ponto da intervenção. Como uma instituição como o Banco Central, que detém as informações de tudo que ocorre no mundo financeiro, com técnicos do mais alto gabarito, permite que o Banco Econômico deixe um rombo de mais de R$3 bilhões para, só depois, tomar uma atitude drástica diante da irresponsabilidade cometida pelos Diretores do Banco Econômico? Na verdade, quero apenas lamentar a falta de uma fiscalização eficaz do Banco Central, no sentido de evitar que o mal maior viesse a acontecer, como de fato aconteceu. O episódio encaminhou-se até mesmo para uma crise política entre um partido que apóia o Governo, o PFL - através de uma parcela ponderável, o PFL da Bahia -, e o Governo Federal. O Presidente da República, que é um homem paciente, um estadista, um cavalheiro, um homem educado, atendeu as reivindicações - até as considero legítimas - das Lideranças da Bahia, no sentido de encontrar uma solução para o Banco Econômico. Mas, em compensação, há um desgaste generalizado, tanto daqueles que reivindicaram, de forma legítima, como da parte do Governo, que não foi ágil para evitar a intervenção. Portanto, quero fazer esse registro e dizer que São Paulo realmente é o motor da economia do nosso País. Para o seu crescimento, para o seu progresso, contribuíram pessoas de todas as partes do Brasil. O Nordeste, com o seu suor, com o seu trabalho, contribuiu de uma forma bastante substancial para o desenvolvimento de São Paulo.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Sem dúvida alguma!

O Sr. Antonio Carlos Valadares - E é da união indissolúvel dos Estados brasileiros que formamos a Federação. A Federação só pode ser forte quando há uma distribuição de renda eqüitativa, e esta se faz através da distribuição do fruto do trabalho dos Estados mais fortes, mais poderosos, para o atendimento às necessidades também das regiões mais pobres. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte do Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Ernandes Amorim - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Eduardo Suplicy, ficamos boquiabertos diante dos acontecimentos dos últimos dias. Sou baiano, e o episódio me deixou decepcionado. Vemos, no País, bancos comprando bancos; bancos brasileiros comprando bancos em outros países; e o Banco Econômico da Bahia, falindo. Agora, esta Casa menciona abrir uma CPI para apurar os fatos. Os baianos, meus conterrâneos, às vezes até pensam que se trata de uma perseguição à Bahia, visto que o banco não se encontra nas condições apresentadas. Não pedi CPI, não entendo de economia, mas creio que se faz mais do que necessário uma investigação para sabermos quem levou o dinheiro, quem deu prejuízo, se realmente o Governo Federal ou outras instituições têm condições de investir no Banco Econômico para recuperá-lo. Uma vez que o setor econômico é o guia desta Nação, é o responsável pela inflação, pela falência dos agricultores, entendo mais do que cabível a esta Casa instalar uma CPI com o fim de esclarecer todas as dúvidas a respeito do Banco Econômico, principalmente aos baianos, que esperam explicações confiáveis e concretas. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte, Senador Ernandes Amorim.

De fato, faz-se necessário uma Comissão Parlamentar de Inquérito para examinar essas intervenções e a forma segundo a qual as autoridades monetárias interferem; em que medida têm ou não independência, quais são os seus limites.

Na Câmara dos Deputados, por iniciativa do Deputado Milton Temer, e no Senado, pelo Senador José Eduardo Dutra, estão sendo coletadas assinaturas para as CPIs para apurar informações sobre essa matéria. Avalio que, sem dúvida alguma, todos os Senadores estão interessados em desvendar essas questões e também outras como: o que aconteceu com as intervenções anteriores, no caso do COMIND, do Banco Maisonnave e de tantos outros. Em que pese os prejuízos causados a tantos correntistas e clientes dessas instituições, os diretores acionistas responsáveis continuaram tendo excepcional patrimônio.

Então, é importante que essa questão seja devidamente averiguada.

Era o que tinha dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/08/1995 - Página 14053