Discurso no Senado Federal

OS CONFLITOS DE TERRA NO ESTADO DE MATO GROSSO. CRITICAS A ATUAÇÃO DO INCRA E DA FUNAI. A IMPORTANCIA DO FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO CENTRO-OESTE.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • OS CONFLITOS DE TERRA NO ESTADO DE MATO GROSSO. CRITICAS A ATUAÇÃO DO INCRA E DA FUNAI. A IMPORTANCIA DO FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO CENTRO-OESTE.
Aparteantes
Ademir Andrade, Carlos Bezerra, Ernandes Amorim, José Bianco, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/08/1995 - Página 14074
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, TENSÃO SOCIAL, POSSEIRO, MUNICIPIO, SÃO FELIX DO ARAGUAIA (MT), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), PROBLEMA, TERRAS, DOAÇÃO, DESISTENCIA, INDIO, OCUPAÇÃO, SEM-TERRA, OPOSIÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), PROJETO, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, INVASÃO, SEM-TERRA, PROPRIEDADE PRODUTIVA, CRIAÇÃO, COMISSÃO, GOVERNO ESTADUAL, LIDERANÇA, OBJETIVO, NEGOCIAÇÃO.
  • CRITICA, FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO CENTRO-OESTE (FCO), MOTIVO, TAXAS, JUROS, EFEITO, FALENCIA, SETOR, PRODUÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, AGRICULTURA.
  • NECESSIDADE, SUBSIDIOS, ATIVIDADE AGRICOLA, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, OBJETIVO, DEFESA, SETOR, PRODUÇÃO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias o Brasil ficou chocado com os acontecimentos ocorridos em Corumbiara, no Estado de Rondônia, quando mais de 11 posseiros foram mortos e 60 ficaram feridos, incluindo alguns militares, por ocasião da evacuação da área da Fazenda Santa Elina, recentemente invadida naquele vizinho Estado de Mato Grosso.

Um fato lamentável para um país que possui tantas terras, como o Brasil, principalmente para uma região agrícola, o Centro-Oeste e a Amazônia brasileira.

O fato ocorrido em Corumbiara repercutiu no mundo todo em virtude da incompetência do INCRA para fazer uma desapropriação na época oportuna. Nos próximos dias fato idêntico a esse poderá ocorrer na região de Suiá-Mussu, nas margens da BR-158, no nordeste de Mato Grosso.

Ontem fui procurado pelo Sr. Pedro Rego de Albuquerque, Presidente da Associação de Desenvolvimento Comunitário do Pequeno Produtor de Nova Suiá, no Município de São Félix do Araguaia, que se encontrava bastante apreensivo quanto à atitude da FUNAI em relação à Vila de Nova Suiá.

Em Rondônia o problema foi causado pelo INCRA; em Mato Grosso poderá ser causado pela FUNAI. V. Exªs poderão até estranhar eu dizer que a FUNAI poderá causar um problema, implicando na matança de posseiros, de produtores rurais, quando esse assunto não lhe diz respeito.

Explico: em 1992, com o advento da ECO-92, a empresa Liquigaz, proprietária da Fazenda Suiá-Mussu, fez a doação dessa gleba aos índios Xavantes, que se retiraram daquela área em 1965. Há trinta anos, aquela área que pertencia à comunidade indígena, transferida para uma região mais ao sul da Suiá-Mussu, foi ocupada por empresários que implantaram ali uma grande empresa agropecuária.

A partir de 1992, quando o grupo italiano Liquigaz resolveu afastar-se de lá e retransmitir a terra para os índios, surgiu um grande grupo de posseiros, de brasileiros sem-terra, de homens humildes, de mãos calosas, de trabalhadores de sol a sol, que ocupou aquela área imediatamente. Os índios deveriam receber essa doação, mas hoje os antigos trabalhadores sem-terra estão plantando nessa área para o sustento da sua própria família e contribuindo para a produção do Estado do Mato Grosso.

O próprio cacique da reserva Pimentel Barbosa afirmou, há poucos dias, que não se interessa mais por aquela gleba, uma vez que estão ocupando outra área mais própria para uma comunidade indígena. Essa área da Suiá-Mussu está ocupada hoje por mais de três mil pessoas, que ali estão implantando um projeto de reforma agrária sem a participação do INCRA, sem a participação do governo estadual e sem a participação da prefeitura municipal. Agora a FUNAI quer interromper esse programa de ocupação.

A vila tem cerca de 370 casas. Mais de três mil pessoas, repito, residem nessa área e produzem, tendo plantadas hoje cerca de seiscentas mil covas de banana, plantados cento e dez alqueires de gergelim e produzindo quarenta e cinco toneladas de arroz, sessenta toneladas de milho e dezoito mil e quinhentas toneladas de guariroba. Trata-se, portanto, de uma área altamente produtiva, e o Governo Federal tem de atender à reivindicação dos posseiros.

O Sr. Ernandes Amorim - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ernandes Amorim - Nesses últimos dias, no plenário do Senado, tenho feito vários discursos com relação ao problema indígena e à questão das invasões, principalmente em nosso Estado, Rondônia. No dia anterior àquela chacina, neste plenário, pedi a atenção do governo federal e do estadual. Logo após, vieram aqueles acontecimentos, culminando com a morte de nove posseiros e dois policiais, num embate sangrento, até pela perversidade da atuação da Polícia Militar do Estado de Rondônia. Vejo que V. Exª, também preocupado, denuncia dessa tribuna problemas referentes a índios e posseiros. Enquanto isso, vê-se por parte do governo federal o descaso, principalmente do INCRA, que deveria evitar esses conflitos. O INCRA, que não dispõe de recursos, está parado há muito. Há poucos dias, ouvimos o Presidente dizer que teria desapropriado várias áreas, inclusive em Rondônia. Penso que essas desapropriações não ocorreram, ou aconteceram em área já assentada, que apenas aguardava documentos para a regularização. Cabe ao Presidente da República assumir o compromisso de dar terra a essa gente que quer trabalhar, bem como implantar projetos fundiários sérios, até porque no meu Estado vários projetos foram implantados e abandonados por falta de apoio do governo federal, por falta de estrada e de assistência médica. Fico observando o governo, que tem intenção de fazer novos assentamentos. Muitos posseiros querem entrar em fazendas já produtivas. Não querem áreas de mata, como as que existem na Amazônia e em toda a Região Norte, porque sabem que não terão assistência. Por isso, cabe ao governo federal ouvir as advertências de V. Exª e tomar as providências cabíveis.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª concede-me um aparte?

O Sr. José Abreu Bianco - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS -  Em primeiro lugar, concedo o aparte ao Senador Romeu Tuma, que já o havia pedido, e, posteriormente, ao Senador José Bianco.

O Sr. Romeu Tuma - Senador Júlio Campos, Srs. Senadores, V. Exª trata de um assunto com que esta Casa deveria preocupar-se para traçarmos algumas normas de comportamento, visto que a vontade política do governo se esvazia sempre em seguida a um fato grave como esse a que V. Exª se referiu. Não se pode, permanentemente, responsabilizar a polícia porque, segundo os argumentos, ela não está preparada para agir. V. Exª foi governador e, como vários governadores que ocupam, com destaque e muita honra, assentos nesta Casa, sabe o que é cumprir uma medida judicial. Muitas vezes, até sob ameaça de intervenção, a Justiça exige o seu cumprimento. Todos sabemos que a única forma de empregar a força é usando a polícia militar. Preparada ou não para esse tipo de ação, a polícia militar é a única força que os governadores têm à sua disposição. Por que motivo o juiz não comanda a operação policial pessoalmente diante de informações da possibilidade de um desdobramento em resultados graves? Penso que os juízes deveriam acompanhar a diligência policial. Eles não podem deixá-la à mercê de qualquer pessoa, pois, amanhã, ao cumprir uma ordem, a polícia pode passar a ser parte, como homicida, de um entrevero grave como esse, o que lamentamos. Não há, portanto, uma decisão em profundidade. Recentemente, li ter afirmado o ministro que, feitas as demarcações de terras indígenas, cumpriria as determinações e discutiria o problema das demais áreas ocupadas por agricultores, ocupações que, às vezes, já duram quase um século, como alguns governadores e Senadores dos Estados do Norte sabem. Quero, ao cumprimentar V. Exª, apoiá-lo e pedir ao Governo que tome uma decisão definitiva, a fim de que não se procure um bode expiatório para cada caso de violência que vier a existir, pois essa culpa sempre irá recair sobre a polícia.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado. Com muita honra, Senador Romeu Tuma, incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.

O Sr. José Bianco - Senador Júlio Campos, V. Exª se referiu ao triste, constrangedor e lamentável, sob todos os aspectos, fato ocorrido recentemente em nosso Estado. Como acabou de dizer o nobre Senador Romeu Tuma, não adianta, neste momento, ficar procurando esse ou aquele culpado. Na verdade, os culpados, creio, somos todos nós, pois todas as lideranças do País, sejam políticas, religiosas, civis ou militares, têm o entendimento de que é necessário que se tenha uma política agrária séria. Entra governo, sai governo, todos iniciam seus mandatos com promessas de aplicar e implementar políticas agrárias, mas, na prática, não vemos quase nada. O Governo Fernando Henrique Cardoso, que nos merece todo o respeito, tem um programa que eu diria até ousado, visando assentar até o final do seu mandato nada menos do que 200 mil famílias. Ocorre que até agora, quase um ano de governo, pouco ou nada vimos em termos de reforma agrária. Nesse sentido, aproveito a concessão que V. Exª me faz para informar a esta Casa que estou colhendo assinaturas dos meus colegas para requerer a instalação de uma CPI, para que possamos fazer uma avaliação do INCRA. Não pura e simplesmente avaliar. Mas há inúmeras denúncias de superfaturamento nas terras desapropriadas. Precisamos verificar as condições reais do INCRA, porque sabemos todos - principalmente nós que somos da região Centro-Oeste e Norte - que o INCRA hoje é um órgão desmotivado, esfacelado, e não vejo aquele órgão como um organismo preparado para a execução desse ousado programa de reforma agrária do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Quero parabenizar e cumprimentar V. Exª pela oportunidade do tema que traz a debate, aliás, um assunto premente, porque as autoridades maiores não podem mais deixar de lado a busca de solução para os problemas que V. Exa. está trazendo ao debate, porque novos fatos poderão acontecer, inclusive no Estado de Rondônia. A propósito, já comunicamos esse fato a S. Exª o Sr. Ministro da Justiça, Nelson Jobim. Esperamos que não ocorram novos fatos, mas têm tudo para ocorrer, novos fatos lamentáveis, como aqueles que ocorreram recentemente no meu Estado.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Senador José Bianco. Nós também, a Bancada de Mato Grosso no Senado Federal, os três Senadores, estaremos daqui a pouco, às 18 horas, no Ministério da Justiça, levando ao Ministro Nelson Jobim nossa preocupação com essa situação, que a FUNAI poderá fazer ocorrer em Mato Grosso, sem necessidade, porque lá temos hoje treze milhões de hectares de terra de reservas indígenas, para uma população de seis mil índios. Em Mato Grosso, o índio, ao nascer, já é proprietário de uma fazenda de dois mil hectares. Cada índio, do mamando ao caducando, tem direito a uma fazenda de dois mil hectares. Nessa área de Suiá-Missu não há nenhum índio hoje, e há uma pressão da FUNAI no sentido de fazer com que os índios, que já estão acomodados na Reserva Pimentel Barbosa, 500 quilômetros distantes dessa área, mudem para essa outra, que não tem mais mata para eles caçarem, não tem mais rio para eles pescarem. É apenas uma questão de birra de determinados indigenistas que querem causar tumulto à comunidade mato-grossense.

O Sr. Carlos Bezerra - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço com atenção o aparte do Senador Carlos Bezerra.

O Sr. Carlos Bezerra - V. Exª está chamando a atenção para um problema muito sério. Mato Grosso está vivendo momentos de tensão nestes dias. Nesta semana, houve a invasão de duas propriedades. Segundo notícia que circula, quarenta propriedades deverão ser invadidas nos próximos dias. Há um movimento nacional dirigido a Mato Grosso no sentido da invasão de propriedade. Nesse caso, temos lá cerca de mil famílias trabalhando, produzindo, famílias que estão lá e que ocuparam as terras dessa multinacional italiana, e hoje o governo quer desalojá-las para transformar a área, aliás, já transformou em mais uma reserva indígena. Quem retirou os índios dali na década de setenta foi o Governo Federal, com aviões da FAB; limpou a área para essa multinacional tomar conta da terra.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Foi em 1965.

O Sr. Carlos Barbosa - Pois bem. O Governo Federal fez isso com o apoio da FAB. Eu sei a opinião dos índios a esse respeito, porque eles estiveram em meu gabinete, e eu lhes perguntei: "Vocês querem ou não querem a terra?" Eles me responderam: "Não queremos a terra, porque a terra é podre". Ou seja, está degradada. Agora, essas mil famílias vivem momentos de intranqüilidade. Toda a área governamental não se posiciona de forma correta perante essa questão. Há uma espada de Dâmocles em cima da cabeça daquelas famílias. Todos os dias chegam notícias. Isso é um contra-senso. Ao mesmo tempo em que diz que vai fazer um programa de reforma agrária e assentar 40 mil famílias, o governo leva intranqüilidade a famílias que já estão assentadas. Senador Júlio Campos, entendo - neste caso, comungo do mesmo pensamento de V. Exa. - que deve haver uma solução urgente para esse problema, no sentido de que essas famílias possam ficar trabalhando naquela área. Se houver algum abuso, se alguém tomar terras além do limite permitido, que seja retirado da área e que a mesma seja redistribuída para os sem-terra. Em Mato Grosso, há vários acampamentos dos sem-terra, próximo a essa área, em Nova Xavantina, há um grande acampamento dos sem-terra. Essa terra deve ser redistribuída entre aqueles que estão acampados nas periferias das cidades. Portanto, quero parabenizar V. Exª por cobrar uma solução para esse grave problema. Cobrei do Governador Dante de Oliveira um posicionamento em relação a esse assunto. O Governo do Estado tem que se posicionar, bem como o Governo Federal, o INCRA e o Ministério da Justiça têm que encontrar, urgentemente, uma solução para esse caso. Muito obrigado, Senador Júlio Campos.

O SR. JULIO CAMPOS - Muito obrigado a V. Exª. Posso dar o testemunho de que realmente essa questão tem o consenso da bancada no Senado, porque somos de partidos contrários, somos adversários políticos no nosso Estado, V. Exª e eu nunca comungamos do mesmo palanque, mas sentimos que, neste instante, temos que fazer alguma coisa. O pensamento de V. Exª é o meu pensamento, porque entendemos que aquela situação vai acarretar outros problemas, se não houver uma providência por parte do Sr. Ministro Nelson Jobim e da alta direção da FUNAI aqui em Brasília.

Além do problema de São Félix do Araguaia, das terras do Suiá-Missu, estamos preocupados com o que está ocorrendo nas últimas horas no Mato Grosso. Uma onda de invasão de terras começa a tomar conta do nosso Estado. Nas últimas horas, no município de Rondonópolis, nas proximidades de Pedra Preta, uma fazenda altamente produtiva já foi invadida pelo Movimento dos Sem-Terra em nível nacional, comandado pelas lideranças nacionais e não pelas locais, porque as locais têm respeitado a situação de terras produtivas. A preocupação maior é uma declaração que ouvi do Governador do Estado do Mato Grosso, Dante de Oliveira, de que se a Juíza da comarca tomar uma providência de deferir a liminar no sentido de impedir a saída desses posseiros daquela fazenda produtiva, ele não irá tomar nenhuma providência.

Este é uma assunto muito grave, muito polêmico. Há dois dias, a Bancada Federal, reunida com o Governador, disse-lhe da preocupação de que Mato Grosso não pode ficar alvo desse tipo de luta e que temos condições de resolver, dentro da paz, os problemas dos sem-terra, mas não podemos partir para o absurdo das invasões comandadas por lideranças nacionais.

O Sr. Carlos Bezerra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muita honra, Senador Carlos Bezerra.

O Sr. Carlos Bezerra - Há uma hora, conversei com o Governador. Terminou há pouco a reunião, no Palácio do Governo, com todas as lideranças, representantes dos sem-terra, dos proprietários, sindicatos, federação. O Governador adotou hoje uma posição, que é pública. S. Exª não concorda com esse tipo de invasão.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Graças a Deus!

O Sr. Carlos Bezerra - S. Exª é a favor da reforma agrária. Vai lutar para viabilizá-la, mas não concorda com esse tipo de invasão e que todos os proprietários de terra em Mato Grosso vivam momentos de tensão permanente em função da irresponsabilidade de alguns. A sua posição é de não apoiar esse tipo de invasão. Propus-lhe - e S. Exª concordou - estabelecermos uma comissão de negociação imediatamente, para ver se conseguimos uma solução para o problema, sem violência, sem mortes, sem assassinatos, como ocorreu em Rondônia. É preciso que haja uma negociação intensa entre o Governo e os sem-terra que estão lá, para que consigamos resolver tudo em paz, com calma. O Governador do Estado, há uma hora, comunicou-me o resultado da reunião e disse que essa era a sua posição. Muito obrigado a V. Exª pelo aparte.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Fico muito feliz com a notícia que V. Exª transmite ao Senado Federal, qual seja, a de que o Governador do Estado, reunido no Palácio Paiaguás, com as lideranças de todas as correntes que compõem aquele movimento, chegou a essa conclusão de resolver o problema em paz.

Coloco-me à disposição de participar, ajudar no que for preciso, como integrante dessa comissão, para evitarmos que Mato Grosso repita essa intranqüilidade vivida nas últimas horas com relação à notícia de que mais de 40 fazendas poderiam ser invadidas naquele Estado pelo Movimento Nacional dos Sem-Terra.

Sr. Presidente, o terceiro assunto que abordo na tarde de hoje, nesta tribuna, é com relação ao nosso Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste.

Um dos principais instrumentos da política econômica destinados a apoiar atividades produtivas da região em desenvolvimento, reduzindo desigualdades geoeconômicas e diminuindo as disparidades na distribuição da renda e da riqueza, os fundos constitucionais foram legalmente instituídos para cumprir a sua finalidade constitucional. No entanto, nos dias de hoje, afastaram-se dos seus objetivos iniciais e desvirtuaram-se, chegando até mesmo a produzir efeitos contrários à sua finalidade.

Refiro-me especificamente ao FCO - Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste, instituído pela Constituição Federal de 1988, regulamentado pela lei nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, cujo objetivo seria contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Região Centro-Oeste, através do aporte de recursos adequados ao financiamento dos setores produtivos regionais.

Teoricamente, o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste concede apoio financeiro permanente às atividades agropecuárias, agroindustriais, minerais e turísticas da Região Centro-Oeste, já tendo realizado 37.830 operações até o final do ano passado.

Afirmo que o FCO teoricamente concede apoio às atividades produtivas do Centro-Oeste, porque os produtores do Estado de Mato Grosso que acreditaram neste programa administrado na nossa região pelo Banco do Brasil, e, no caso da Região Amazônica, pelo BASA-FNO, estão passando por grandes dificuldades econômico-financeiras provocadas pelas elevadas taxas de juros, correções e encargos do principal de suas dívidas. Muitos deles estão na iminência de perderem suas propriedades em decorrência da situação a que foram levados por essa política perversa.

Nos contatos permanentes que mantenho com agricultores e produtores do meu Estado, é enorme o clamor contra as absurdas taxas de juros, incompatíveis com a atividade agrícola, que é subsidiada em todos os países desenvolvidos do mundo.

É impossível de se dar ao agricultor o mesmo tratamento que pode ser dado ao grande empresário industrial, que não depende de chuvas, de pragas, de intempéries nem de ciclos produtivos das colheitas para realizar a programação de sua produção.

Todos os países que praticam políticas econômicas sérias e responsáveis, apesar de serem contra medidas protecionistas, excetuam o setor agrícola, pois o risco aí envolvido é elevado. Basta lembrar que os antigos países comunistas da Cortina de Ferro jamais conseguiram aplicar suas técnicas de planejamento ao setor agrícola, fracassando totalmente nessa atividade, importando alimentos e adotando medidas de racionamento.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

O JÚLIO CAMPOS - Com prazer ouço V.Exª.

O Sr. Ademir Andrade - Senador Júlio Campos, especificamente sobre essa questão dos fundos constitucionais das regiões menos desenvolvidas, gostaria de lembrar a V. Exª que a solução desse problema se encontra em nossas mãos. Existe uma medida provisória do Presidente da República, da qual é Relator o nosso Colega Jonas Pinheiro. Creio que aqui devemos dar o tratamento a ela, fazendo a conversão necessária para atender o interesse desses agricultores que V. Exª defende. Concordo plenamente que essa política agrícola adotada pelo Governo, a política da TR, é impossível de ser praticada e vai levar o País a uma situação de extrema dificuldade. Mas acho que devemos nos unir aqui para fazer as modificações necessárias, e o Congresso Nacional, ouvindo a voz do povo e não a voz do Poder Executivo, deve se manifestar com autonomia para aprovar aquilo que é melhor para o nosso País.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Senador Ademir Andrade. Concordo em gênero, número e grau com seu aparte. Por quê? Porque hoje o cidadão do Pará, do Amazonas, do Centro-Oeste, de Goiás, de Mato Grosso, de onde for, que fez um financiamento com através desses fundos constitucionais, que deveriam servir de incentivo ao desenvolvimento da região, praticamente não tem como pagar.

Creio que o momento é este, a hora é agora. Neste instante em que o Senador Jonas Pinheiro, ilustre companheiro da Bancada Federal de Mato Grosso, é o Relator dessa medida provisória, temos que modificá-la, fazer sua conversão num projeto de lei que venha ao encontro dos anseios dos devedores dos fundos constitucionais, sejam do Nordeste, do Centro-Oeste ou do Norte brasileiro, que V. Exª muito bem representa neste Parlamento Nacional.

O Brasil, como País vocacionado para a produção agrícola, não pode incorrer nos mesmos erros dos modelos fracassados, penalizando o setor agrícola. E a pior situação para o agricultor é retirar sua condição de produzir, penhorando seus bens, jogando o homem na marginalidade, tirando sua dignidade, sua condição de produtor dedicado ao trabalho!

Os responsáveis pela execução da política agrícola precisam vivenciar a realidade do campo. É impossível fazer política agrícola a partir de salas refrigeradas em Brasília: é necessário ir ao campo, ver a realidade, verificar que não se trata de pleito descabido, de oferecer privilégios aos produtores agrícolas, principalmente aos pequenos produtores.

Trata-se, efetivamente, de dar ao agricultor as condições mínimas para o exercício digno de sua atividade produtora, sem ter que entregar suas terras, ver sua família despejada, seus bens destruídos, por cobrança extorsiva de juros assassinos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nenhum de nós, nenhum dos homens públicos de responsabilidade que compõem o Senado Federal deseja a volta da inflação, o descontrole monetário, muito menos o crescimento do déficit público: todos aqui apoiamos o Plano Real, o equilíbrio monetário e fiscal, a austeridade governamental.

Nenhum de nós deseja, por outro lado, a falência do setor produtivo, a bancarrota da agricultura, da indústria e do comércio, em nome de uma política monetária excessivamente restritiva, como está sendo a adotada pelo atual Governo.

Todos nós desejamos o desenvolvimento sócio-econômico do Brasil, sem desigualdades regionais, sem concentração iníqua da riqueza e da renda, sem inflação, sem estagnação, sem recessão, sem falências, sem concordatas, sem desemprego.

É grave o momento por que passa a agricultura brasileira, mais grave ainda a situação dos pequenos produtores dos Estados mais pobres, como Mato Grosso, onde a inadimplência é elevada; é totalmente impossível saldar os débitos junto aos bancos com as taxas de juros que ultrapassam o escandaloso nível de cem por cento ao ano, em dólar, ou em termos reais, de mais de 60% ao ano.

Os pequenos produtores rurais estão emigrando para as grandes ou pequenas e médias cidades, tornando mais grave a situação urbana do País, pois não mais dispõem de terras para plantar e produzir. Daí por que o inchaço de nossas cidades.

Estou colocando à disposição dos membros desta Casa do Congresso Nacional diversos documentos que recebi de empresários, políticos, produtores rurais, de representantes dos segmentos sociais, que comprovam o escândalo da evolução das dívidas dos produtores para com o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO).

Quem pegou emprestado para comprar um trator pelo FCO já o pagou e ainda deve mais dois tratores pela frente. Ninguém agüenta tal situação.

Os produtores do meu Estado, Mato Grosso, os produtores das nossas Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil esperam que o Governo Federal cumpra o estabelecido na Constituição Federal e que o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste seja efetivamente um instrumento de apoio ao financiamento das atividades produtivas regionais e nunca um instrumento de destruição da nossa economia.

Infeliz de alguns parlamentares que não ocupam a tribuna desta Casa para defender seu povo e sua região. Não tenho vergonha de vir aqui, mais uma vez, fazer um apelo ao Presidente da República, ao Ministro da Economia e ao da Fazenda, Pedro Malan, a toda a área econômica do Governo Federal para que se sensibilizem, neste instante.

Tenho certeza de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso - fiel ao seu programa de Governo e aos seus compromissos assumidos com o povo brasileiro, por ocasião da sua eleição em 3 de outubro do ano passado, da qual tive a honra de participar ao seu lado, como aliado incondicional da coligação que o elegeu, bem como a Marco Antônio Maciel - há de cumprir os compromissos assumidos em praça pública diante do povo mato-grossense por ocasião da sua visita a Capital do nosso Estado, Cuiabá.

Tenho certeza de que Sua Excelência, embora vivendo momentos difíceis, conturbados, da política nacional, há de reservar um pequeno período do seu tempo para corrigir tão grave situação, como são os fundos constitucionais, principalmente do Centro-Oeste.

E, neste instante, encerrando as minhas palavras, quero afirmar perante V. Exª que Mato Grosso tem correspondido aos apelos do Brasil. O nosso Estado hoje produz 7,5 milhões de toneladas de grãos; tem no seu solo mais de 12 milhões de cabeças de gado; é um grande produtor de ouro; é um Estado carente de infra-estrutura. Apesar de todas essas dificuldades, o Estado de Mato Grosso tem correspondido ao apelo de fazer o crescimento da Nação brasileira.

Espero que o Governo Federal faça justiça para com o nosso Estado.

Tenho dito, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/08/1995 - Página 14074