Discurso no Senado Federal

DESCOBERTAS ARQUEOLOGICAS NA REGIÃO DE MONTE ALEGRE, NO PARA. NECESSIDADE DE AUMENTO DOS INVESTIMENTOS EM PESQUISA EM NOSSO PAIS.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • DESCOBERTAS ARQUEOLOGICAS NA REGIÃO DE MONTE ALEGRE, NO PARA. NECESSIDADE DE AUMENTO DOS INVESTIMENTOS EM PESQUISA EM NOSSO PAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/1996 - Página 8759
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DESCOBERTA, PESQUISA, ARQUEOLOGIA, ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DO PIAUI (PI), ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DE GOIAS (GO), CONHECIMENTO, MANEJO ECOLOGICO, PRE HISTORIA, BRASIL.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • COMENTARIO, PLANO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), AUMENTO, PERCENTAGEM, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), INVESTIMENTO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, CAPTAÇÃO, RECURSOS, SETOR PRIVADO.
  • CRITICA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), ILEGALIDADE, REDUÇÃO, INDICE, INVESTIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, DETERMINAÇÃO, LEI ORGANICA, DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, causaram grande impacto mo meio científico as descobertas arqueológicas no Município de Monte Alegre, no Pará, realizadas por uma equipe de pesquisadores sob o comando da arqueóloga norte-americana Anna Roosevelt.

Essa equipe, da qual fizeram parte cientistas brasileiros da Universidade Federal do Pará e do Museu Paraense Emílio Goeldi, explorou durante anos a Caverna de Pedra Pintada, encontrada no século passado pelo naturalista inglês Alfred Wallace, e outros quatorze sítios arqueológicos da região.

As conclusões a que levam suas descobertas jogam por terra as hipóteses até então dominantes quanto à povoação do continente americano. A ocupação da floresta amazônica começou a ocorrer, na verdade, bem antes do que se supunha, há cerca de 12 mil anos.

O povo que lá viveu naquela época era capaz de fabricar artefatos de pedra lascada, bastante diferentes e mesmo superiores aos produzidos pelos seus contemporâneos da América do Norte. As impressionantes pinturas que deixaram nas paredes das cavernas, bem como a cerâmica que começou a ser desenvolvida em torno de 8 mil anos atrás, não encontram paralelo entre os povos pré-colombianos da época.

Não foi essa, Srs. Senadores, a única notícia importante para a arqueologia brasileira que tivemos este ano. Outras explorações de grande interesse vêm sendo conduzidas em nosso território, como as escavações em São Raimundo Nonato, no Piauí, ou os trabalhos da arqueóloga Maria Beltrão, no interior da Bahia.

Aqui mesmo no Centro-Oeste, no Município goiano de Serranópolis, foi encontrado, em 26 de janeiro deste ano, o esqueleto humano fossilizado mais antigo da América do Sul. Pesquisadores da Universidade Católica de Goiás foram os responsáveis pela descoberta do Homem da Serra do Cafezal, como foi batizado o jovem a quem pertencia o esqueleto, que viveu entre dez e onze mil anos atrás, sendo possivelmente um descendente daqueles primeiros povoadores da Amazônia.

Podem indagar muitos qual a relevância dessas descobertas para nós, brasileiros do final do século XX. Dito de outra maneira, por que deveria nosso Governo preocupar-se em investir recursos em pesquisas arqueológicas?

O objetivo primeiro da ciência é o conhecimento - não importa, em um primeiro momento, se esse se encontra ou não na aplicação prática. Todo conhecimento científico, entretanto, é produzido pelo ser humano e o afeta, devendo revertê-lo em seu favor.

A pesquisa científica básica fornece os pilares, a base, como diz o próprio nome, sobre a qual se assenta a pesquisa aplicada, dentro de um sistema nacional de ciência e tecnologia, em que a educação universitária tem também um papel fundamental, formando pessoal qualificado.

Esses antigos povos da Amazônia, antepassados de nossos índios, nossos antepassados, muito nos ensinam do tempo remoto em que viveram. Antes de tudo, a bravura com que se lançaram em um ambiente adverso, desenvolvendo uma economia diversificada e uma tecnologia própria para resolver seus problemas.

A mais singular das conclusões dessas pesquisas, porém, é a de que a grande quantidade de árvores frutíferas e a própria diversidade biológica da Floresta Amazônica nessa Região é o resultado de um lento trabalho de seleção de espécies realizado pelos antigos índios, constituindo um excelente exemplo de uma economia que se harmoniza com o meio ambiente - daquilo que chamamos hoje em dia de desenvolvimento sustentável.

A tecnologia e a ciência, no seu sentido mais amplo, são de fato imprescindíveis - confirmam-nos esses primeiros brasileiros - para a sobrevivência e o desenvolvimento de qualquer povo. Onde quer que haja um ser humano, há o esforço em conhecer a realidade e em melhor explorar as possibilidades que o ambiente oferece. O que dizer dos dias atuais, em que os sucessivos avanços tecnológicos vêm mudando constantemente a face da sociedade e do próprio planeta?

Como negar a importância da ciência e da tecnologia neste mundo onde as nações se entrelaçam cada vez mais em uma economia globalizada e altamente competitiva?

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Valmir Campelo, sendo eu homem da Amazônia, ali tendo nascido, conhecendo parte de seus mistérios, das suas riquezas, não poderia deixar de interromper o discurso de V. Exª. Sei que, com essa intervenção, causo um dano ao Plenário, mas corro esse risco uma vez que não quero apenas me solidarizar com V. Exª; quero também congratular-me, neste momento em que V. Exª aborda com precisão, como costuma fazer nos seus pronunciamentos, uma ciência altamente reconhecida no mundo inteiro, que é a Arqueologia. Sem dúvida alguma, V. Exª tem razão quando declara que o objetivo primeiro da ciência é o conhecimento. E traz à nossa discussão essa descoberta no Município de Monte Alegre, no Pará, que põe por terra aquela antiga idéia de que a ocupação da Floresta amazônica é recente. No entanto, V. Exª está a provar que, em verdade, ela começou a ocorrer há mais de 12 mil anos. Isso é um trabalho de pesquisa. O discurso de V. Exª, eminente Senador Valmir Campelo, não poderia deixar de ser interrompido por um homem dessa região. Isso porque reconhecemos que a cerâmica, no Pará, até hoje é incomparável. Os nossos antepassados deixaram marcas que as escavações que vêm sendo feitas há muito tempo podem analisar e examinar. O Museu Emílio Goeldi, nesse Estado, é referência internacional no que se refere a esse tema. Pelas razões que mencionei, penso que a contribuição de V. Exª é valiosa. Primeiro, desculpo-me por tê-lo interrompido, e, seguida, peço a V. Exª que aceite minha solidariedade, como homem do Amazonas.

O SR. VALMIR CAMPELO - Nobre Senador Bernardo Cabral, fico muito grato a V. Exª, principalmente por se tratar de um amigo, de um homem que viveu nessa região e que conhece profundamente os seus problemas, seus anseios. A sabedoria de V. Exª para com os problemas de toda a Amazônia realmente só vem engrandecer este meu pronunciamento. Incorporo, com muito prazer, as palavras de V. Exª.

Dando prosseguimento, Sr. Presidente, eu diria que aos poucos vai se firmando em nosso País a consciência de que é crucial o investimento em ciência e tecnologia, para que possamos superar os sérios entraves ao nosso desenvolvimento econômico e social. No entanto, já não podemos ficar apenas com a consciência dos problemas e com as boas intenções. O Brasil vem perdendo um tempo precioso na luta para desenvolver ciência e tecnologia, com reflexos imediatos e a longo prazo na área econômica.

É necessária uma clara vontade política e o empenho dos vários setores da sociedade diretamente interessados, para que possamos erguer a ciência e a tecnologia brasileira a um patamar condizente com a dimensão e importância de nosso País. É necessário não apenas investir em ciência básica e desenvolver uma massa de pesquisadores altamente competentes e qualificados, prestigiando nossas universidades e institutos de pesquisa, mas é preciso também priorizar aquelas áreas onde a pesquisa trará maiores benefícios para a sociedade e é preciso ainda viabilizar a obtenção de recursos e aplicá-los de modo eficaz.

Apenas uma visão global, Sr. Presidente, que considere os diversos componentes do processo de desenvolvimento científico e tecnológico propiciará os meios adequados para que seja enfrentado este desafio. Alguns sinais de que o Governo pretende priorizar a pesquisa científica e tecnológica já se fazem ver. O Ministério da Ciência e da Tecnologia vem pondo em prática um plano ambicioso de aumento de investimentos, que devem saltar dos atuais 0,7% do Produto Interno Bruto para 1,5% em 1999. O percentual a ser atingido, que equivale à quantia aproximada de R$8,6 bilhões ao ano, é apenas metade do que investem diversos países industrializados em relação ao seu PIB, mas representará, sem dúvida, um salto significativo.

Para que isso ocorra, é necessário não apenas que se aumente o montante dos recursos da União para o setor, como também é imprescindível que as empresas passem a participar de modo mais significativo. Hoje, podem ser elas as grandes beneficiárias diretas do desenvolvimento científico e tecnológico, pois é justamente o diferencial tecnológico que vem decidindo a acirrada disputa pelos mercados internacionais.

O investimento do capital privado em pesquisa, no Brasil, corresponde a apenas 10% do total, quadro que contrasta com o dos países centrais, onde cerca de 40% dos recursos investidos são provenientes de empresas privadas.

Para alavancar os investimentos privados em pesquisa e inovações tecnológicas, o Governo conta com duas leis aprovadas pelo Congresso Nacional: a Lei nº 8.248, de 1991, que concede incentivos fiscais para as empresas do setor de informática; e a Lei nº 8.661, aprovada em 1993, que incentiva a pesquisa realizada por empresas industriais e agropecuárias.

Segundo dados de fins do ano passado, já tinham sido aprovados projetos que totalizavam R$1,2 bilhão, para investimento nos 4 anos seguintes, gastando as empresas, em média, R$2,30 para cada real concedido como incentivo.

A avaliação permanente dos resultados é um instrumento indispensável para o aprimoramento do sistema científico e tecnológico. No caso da Lei nº 8.661, constata-se que a redução de 8% do Imposto de Renda devido, bem inferior aos 50% permitidos para o setor de informática pela Lei nº 8.248, não chega a ser muito atrativa. Mais grave ainda, o incentivo beneficia a quem tem lucro e não a quem precisa investir, como é o caso de grande número de nossas pequenas e médias empresas.

Tais questões, Sr. Presidente, juntamente com o acompanhamento contínuo da evolução do quadro científico e tecnológico do País, devem ser objeto de atenção desta Casa Legislativa.

Não apenas o Governo Federal, as empresas privadas e as empresas públicas, mas também os governos estaduais têm a sua parcela de responsabilidade quanto ao desenvolvimento científico-tecnológico. Diversas constituições estaduais passaram a conter dispositivos que vinculam recursos ao setor, a exemplo do que já ocorria em alguns poucos Estados.

Também aqui, no Distrito Federal, a Lei Orgânica destinou à Fundação de Amparo à Pesquisa (FAP/DF) a dotação mínima de 2% da receita orçamentária. O repasse ocorreu normalmente em 1994, permitindo que fossem financiados diversos projetos de pesquisa. Entretanto, no ano passado, como foi denunciado por artigo que assinaram o Reitor da Universidade de Brasília e o Secretário Regional da SBPC-DF, publicado no Correio Braziliense do último dia 03, os recursos repassados à FAP-DF pelo Governo do Distrito Federal reduziram-se à metade do que obriga a lei.

Tal atitude impossibilitou que inúmeros projetos aprovados recebessem o imprescindível aporte de recursos. Já neste ano de 1996, a Fundação vem recebendo verbas suficientes apenas para o pagamento de seu pessoal, situação que nos deixa profundamente preocupados com o futuro da ciência e da tecnologia no Distrito Federal, o qual, vale lembrar, tem condições e vocação para ser um pólo da tecnologia avançada no País. Persistir no descumprimento da lei e desperdiçar esse valioso potencial constituirá verdadeiro atentado contra os interesses maiores de Brasília.

Além de exigir seriedade das autoridades governamentais no trato das questões científicas e tecnológicas, precisamos ter nítida consciência das reais necessidades de nosso povo para melhor direcionar recursos e esforços. Na área de saúde, em estado tão calamitoso para grande parte da população, deve ser priorizada a pesquisa que vise a combater doenças típicas dos países semi-industrializados e tropicais, como a dengue, a cólera, a malária, as causadas pelos vírus Ebola e Sabiá e tantas outras que não merecem a atenção devida dos centros de pesquisa e da indústria farmacêutica do Primeiro Mundo.

A pesquisa em biotecnologia, que pode ter inumeráveis aplicações no tratamento de doenças, deveria ser objeto de consideráveis esforços nacionais. O Brasil, considerando-se a tão falada biodiversidade da Amazônia, tem condições de ocupar uma posição privilegiada no desenvolvimento da promissora indústria biotecnológica.

A pesquisa em agricultura pode ter papel relevante no combate à fome neste País. Cientistas da Embrapa e de centros de pesquisa das universidades vêm desenvolvendo inseticidas biológicos, assim como espécies mais resistentes e nutricionalmente mais ricas de importantes produtos agrícolas como o milho, a soja e o amendoim.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a consciência e determinação do Governo e da sociedade quanto à importância crucial da pesquisa para nosso País, uma consciência não apenas teórica mas expressa em atos e no aporte de recursos, é mais do que nunca imprescindível. É necessário tornar realidade um amplo e diversificado programa de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, para que possamos cruzar o limiar do século XXI como nação que assume sua importância no contexto internacional, encaminhando-se para resolver de fato nossos graves e persistentes problemas sociais.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/1996 - Página 8759